Categorias
Vida cristã

Alimentando nossa fé em Deus (G. D. Watson)

“Pois a vossa fé cresce sobremaneira” (2 Ts 1.3)

A fé é a condição de toda a vida espiritual, tanto para entrarmos como para dar os passos necessários para avançar nela. Convém-nos, portanto, fazer tudo para dar-lhe toda nutrição e cuidado possíveis. A fé, quando fortalecida e alimentada, certamente crescerá. Contudo, a forma como cresce e as condições para isso podem ser exatamente opostas ao nosso modo de pensar.

Normalmente, supomos que a fé é fortalecida por receber grande encorajamento, como quando obtemos respostas rápidas e abundantes às orações, experimentamos elevados graus de alegria ou recebemos profundas visões das coisas celestiais. Na realidade, essas coisas não fortalecem nossa fé tanto quanto imaginamos. Nossa fé deve ser alimentada pelas promessas de Deus, contidas na sua Palavra escrita.

Quando Deus primeiro chamou Abraão, ele inundou sua alma com uma porção de promessas. Falou com ele dos céus estrelados, do solo de Canaã por onde andava, pelas visitas de anjos e pelo Espírito Santo nas profundezas do seu ser. Abraão viu grandes coisas, possibilidades tremendas para si mesmo e para sua posteridade. Sua alma bebeu essas promessas até que sua fé se tornou ampla e poderosa, e isso antes que uma sequer delas se cumprisse.

Deus trata com as pessoas hoje de forma semelhante. Quando chama alguém para um nível mais alto de perfeição ou serviço, ele começa abrindo as promessas da sua Palavra e as possibilidades que podem ser alcançadas, antes mesmo que haja qualquer sinal exterior do seu cumprimento. O coração que se firma nas promessas de Deus até que elas se tornem tão reais quanto o próprio Deus – esse terá, de fato, uma grande fé.

Uma outra fonte de nutrição para a fé é a remoção de apoios naturais e humanos. Naturalmente, apoiamo-nos em muitas coisas na natureza, na sociedade, na igreja e nos amigos, muito mais do que temos consciência. Achamos que nos apoiamos somente em Deus e nem imaginamos o quanto dependemos de outras coisas – até que as perdemos. Se não fossem removidas, continuaríamos enganando a nós mesmos, pensando que dependemos de Deus em tudo. Mas Deus pretende concentrar nossa fé somente nele, através de remover todas as outras bases, desligando-nos dos nossos outros suportes, um após o outro.

Muitas pessoas não conseguem suportar essa total demolição de apoios secundários. É mais do seriam capazes de agüentar. Reagiriam com rebelião ou amargura e, por isso, Deus permite que tenham uma fé imatura e que ainda dependam, em alguma medida, de outras coisas.

Porém, para aqueles que têm capacidade de suportar o desgaste e a tensão da fé, ele permite toda sorte de desapontamentos: a morte de grandes esperanças, a perda de amizades terrenas ou a destruição de propriedades e bens, enfermidades e fraquezas diversas no corpo ou na mente, desentendimentos com familiares e amigos. Isso acontece ao ponto da paisagem espiritual se assemelhar a um deserto ou a uma região varrida por furacões, compelindo a pessoa a se refugiar somente em Deus.

Enquanto esses apoios secundários estão sendo removidos, a pessoa não percebe o que está acontecendo no seu interior. Só depois é que descobrirá que a fé cresceu e se expandiu com cada onda que se lançou contra ela. A fé cresce quando menos esperamos. Tempestades e dificuldades, tentações e conflitos, são seu campo de operação. Como o petrel (ave oceânica semelhante ao albatroz), a fé possui um gozo sobrenatural no furor da tempestade e no estrondo das ondas.

A fé não só é alimentada pela remoção dos apoios terrenos, mas também pela retirada aparente da consolação divina. A resposta à nossa oração parece demorar demais e a fé é testada até o último ponto. Parece que o Senhor se virou contra nós e tudo que podemos fazer é continuar nos agarrando com o grito envergonhado de “Senhor, ajuda-me!”

Mesmo aí a fé está se expandindo e crescendo além do que podemos imaginar, pela própria extensão da demora em chegar a resposta. Quanto mais o Senhor demorava em atender à oração da mulher siro-fenícia, mais a sua fé foi purificada, mais se intensificou. Grandes demoras servem para purificar nossa fé até que tudo que é inconstante, efêmero e impulsivo seja expurgado, nada deixando além da própria fé.

Fé Acende Fé

Outra forma de alimentar a fé é aprender sobre a fé de outras pessoas e meditar sobre isso. Leia as biografias daqueles que foram severamente provados e que creram em Deus apesar de todas as circunstâncias contrárias. Fé acende fé. Compreender como Deus lidou com outras pessoas capacita-nos a interpretar os tratamentos dele em nossa vida. Nossa fé é inspirada mais ao sabermos das provações dos santos na Bíblia do que por ouvir sobre acontecimentos mais fácies e agradáveis.

Ainda outro meio de fortalecer a fé é a estratégia de Deus na qual ele constantemente troca os canais que trazem sua bênção providencial para nós. Quando a provisão de Deus vem da mesma maneira durante um certo período de tempo, inconscientemente fixamos nossa confiança no canal mais do que na fonte invisível.

Quando Deus dava água para o povo de Israel no deserto, às vezes vinha da rocha, outras vezes de um poço cavado na areia seca (ver Nm 21.16-18). Quando Deus nos envia refrigério espiritual, ele geralmente muda as circunstâncias ou canais de tempos em tempos. O mesmo ocorre com sua provisão material. Ele não quer que nos prendamos a qualquer meio ou fenômeno em particular. Nossa fé precisa ser ligada a ele mesmo e não ao seu modo de fazer as coisas. Por essa razão, ele muitas vezes desapontará as nossas expectativas baseadas em provisões anteriores e revelará seu favor de maneiras novas, usando canais diferentes e surpreendendo-nos com sua grande e criativa sabedoria.

Dessa forma, nossa fé vai se fortalecendo com os desapontamentos visando chegar a tal nível de união com Deus que não olhará mais para pessoas ou coisas ou meios ou canais anteriores ou circunstâncias ou determinadas atitudes mentais ou reuniões ou conjuntos de sentimentos ou momentos ou épocas especiais. Uma fé fortalecida se mantém desprendida de tudo isso e depende somente de Deus. Este nível de fé jamais poderá ser desapontado ou abalado, pois não espera nada a não ser aquilo que Deus deseja, e não procura nenhum meio especial a não ser a infinita sabedoria divina. Sua expectativa está somente em Deus.

Empecilhos à Fé

A incredulidade do coração humano surpreendia e chocava Jesus a todo momento. Feria sua natureza sensível constantemente.

Um empecilho à fé é olhar para as circunstâncias e não para as promessas imutáveis de Jesus. Quando Pedro andou sobre a água e, de repente, começou a afundar-se, Jesus disse: “Homem de pequena fé, por que duvidaste?” (Mt 14.31). Pedro podia fixar sua atenção em uma de duas alternativas. Uma era a ordem “Vem”, dita pelo Salvador. A outra era as ondas do mar.

Pedro não era uma pessoa sem fé, pois foi ele mesmo que pediu ao Senhor para chamá-lo a andar na água. Ele tinha uma inclinação interior para sair e andar em direção a Jesus, mas desejava a autoridade da palavra do Mestre como uma tábua sob seus pés, autorizando-o a fazê-lo. Aquele sublime toque interior, que fora gerado por Deus, não perdeu sua força até que seus olhos foram desviados para se impressionarem com o perigo das ondas.

Aqui está o conflito que ocorre em cada vida: escolher entre o toque do Espírito no interior para confiar em Deus sem reservas e a influência dos sentidos que contemplam a instabilidade das coisas exteriores. É uma batalha entre a verdade invisível e a sombra visível, a estabilidade da rocha e o movimento do mar. A aparência das ondas e o significado da palavra “vem” estavam diretamente em contradição um ao outro, na percepção da razão humana.

Durante todos os séculos, as ondas nunca deixaram de afogar, porém, por outro lado, a palavra de Deus nunca deixou ninguém na mão. Aqui estavam duas forças invariáveis que se opunham uma à outra. A única pergunta era: qual das duas era mais forte? Qual lei teria a preeminência – a da gravidade natural ou a da palavra de Deus? A palavra “vem” nos lábios de Jesus tinha mais autoridade do que toda a imensidão das ondas e do mar, pois foi o poder da simples palavra em sua boca que colocou todos os oceanos em movimento. A água tinha a aparência de poder, mas na palavra de Jesus estava o verdadeiro poder.

Grande parte da nossa vida é ilustrada por esse incidente. Vivemos num mar em movimento. Vez após vez, enfrentamos a alternativa de confiar na aparência das coisas ou na verdade invisível de Deus. Se ouvirmos o assobio dos fortes ventos, a voz onipotente de Jesus ensurdecerá. Se olharmos às cristas embranquecidas das ondas gigantes, não conseguiremos ver as mãos estendidas de Jesus. Cada um precisa chegar individualmente a uma decisão firme e irreversível sobre o que é realidade, a onda ou a palavra, e se ligar à verdade imutável.

Outro empecilho à fé é receber honra dos homens. Jesus pergunta a cada um de nós: “Como podeis crer, vós os que aceitais glória uns dos outros, e contudo não procurais a glória que vem do Deus único?” (Jo 5.44). Não é uma questão de buscar honra, mas de recebê-la, isto é, abrindo o coração para receber elogios, lisonjas ou fama humanos. Isso se opõe totalmente ao repouso da alma em Deus.

Receber honra dos homens é uma grande virtude aos olhos do mundo, mas esse é um exemplo em que aquilo que é altamente valorizado pelos homens é uma abominação ao Senhor (Lc 16.15). Pode não ser muito evidente, à primeira vista, que receber honra do mundo impede verdadeira fé em Deus. Um pouco de reflexão, porém, nos mostrará que receber honra dos homens é uma forma insidiosa, sutil e maligna de idolatria. Contém um elemento de temor ao homem e, também, de culto ao homem. É uma forma traiçoeira de colocar o “eu” no lugar de Deus. Implica que nossa principal felicidade vem do homem. Isto é ignorar a verdadeira fonte da alegria e tentar cavar cisternas rotas (Jr 2.13).

Essa consideração do homem, esse temor ou bajulação do homem, esse apego à posição e à preeminência, cortam nossa dependência de Cristo, desviam nossa confiança para outro objeto e destroem a verdadeira fé.

Outro empecilho à fé é o baixo nível de fé daqueles que estão ao nosso redor, especialmente daqueles que ocupam posições de grande destaque na igreja visível. Nos dias de Jesus, perguntaram: “Porventura creu nele algum dentre as autoridades, ou algum dos fariseus?” (Jo 7.48).

A grande massa de cristãos nominais hoje se encontra num estado tão imaturo de graça que jamais teria a coragem ou a independência de se arriscar sozinha e confiar ousadamente em Deus a despeito da frieza e indiferença daqueles que estão em posição de autoridade espiritual. Como é comum, em todas as épocas, as pessoas encarregadas de dirigir os assuntos da igreja, a sua instrução e economia, carecerem de fé viva e ativa em Deus!

Fé acende fé. Santidade fervorosa inspira outros a buscarem a mesma coisa. Santos se multiplicam em grandes avivamentos. No mundo, grandes autores surgem em bandos. O mesmo ocorre com inventores. Na história da igreja, houve épocas quando santos apareciam em constelações. Precisamos ser despertados por grandes pessoas de fé, mas tomemos cuidado para não nivelar nossa confiança ao grau inferior da multidão de crentes vacilantes e cépticos ao nosso redor.

Talvez o maior impedimento à fé seja a falta de consagração pessoal a Deus. Aprendemos no capítulo 12 de Hebreus que, para olhar firmemente para Jesus, o “Autor e Consumador da fé”, devemos desembaraçar-nos de “todo peso e do pecado que tenazmente nos assedia”. Enquanto houver falhas na nossa consagração, haverá falhas correspondentes na nossa fé.

Podemos confiar em Deus somente na proporção em que somos entregues a ele. Seu risco no banco é limitado ao valor do seu depósito. Consagração nos posiciona numa base de confiança. Consagração é cortar as cordas que nos prendem à terra, enquanto fé é nos lançar no mar. A verdadeira pergunta não é por que confiar tudo a Deus, mas por que duvidar dele em qualquer coisa que seja.

Suas promessas já foram quebradas? Ele já nos desapontou ou nos enganou? É verdade, ele muitas vezes prova nossa fé, mas no último momento, na pior extremidade, sua infinita misericórdia e provisão sempre chegaram. O final de muitos salmos na vida tem sido: “Bem-aventurados são todos os que colocam sua confiança nele!”

Extraído do jornal Arauto da Sua Vinda – Ano 22 nº 06 (Nov/Dez 2004)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sair da versão mobile