Leitura: Nm 13.1-3, 17-23, 27-33; 14.1-3.
Estamos considerando o fato e a natureza do caminho celestial. A Bíblia inicia com a criação e o governo dos céus, e termina com a revelação do céu por meio daquilo que ele formou de acordo com princípios celestiais: a cidade santa, a nova Jerusalém, descendo de Deus, do céu, cumprindo a palavra de Hebreus 11.16: “[Deus] já lhes preparou uma cidade.”
O conflito entre o que é terreno e o que é celestial
Relembremos que uma característica de cada estágio do Antigo Testamento é o choque e contraste entre dois mundos, entre duas ordens: a ordem celestial e a ordem terrena. Temos esse elemento ao longo de todo o registro do Antigo Testamento: o céu desafia este mundo e apreende um objeto neste mundo; a partir daí, esse objeto é retirado do mundo e começa a ser constituído de acordo com a natureza e a ordem celestiais. Não é necessário um conhecimento muito profundo do Antigo Testamento para confirmar isso. Ao repassarmos rapidamente sua história, perceberemos que estamos diante de um constante choque, um conflito, um conflito entre o céu e a terra. O céu não está satisfeito com este mundo – muito pelo contrário. O céu é contrário a tudo o que está aqui, e tenta retirar o que puder deste mundo para reconstituir de acordo com seus próprios padrões. Então, apesar de vislumbrarmos a oposição e o desafio do céu, vemos, ao mesmo tempo, desde o início, o céu tomando pessoas, tanto indivíduos como uma nação, com o objetivo de separá-los do mundo, apesar de residirem nele. A partir desse chamado, um processo profundo é iniciado, visando torná-los um tipo, uma espécie de pessoas completamente diferentes das demais; apreendendo-as, em outras palavras, para propósitos celestiais.
Os homens do Antigo Testamento foram os pioneiros do caminho celestial. Já vimos um pouco do que isso envolve, mas é sobre esse ponto em particular que queremos focar nossa ênfase agora. O fato não é apenas que existe um caminho celestial que é diferente, pois sabemos no coração, se nascemos do alto e temos aprendido nesse caminho, que o caminho do céu é diferente dos demais. Mas nosso ponto focal será o pioneirismo que envolve trilhar esse caminho celestial. Esse pioneirismo representa ser chamado a um relacionamento com o céu para abrir caminho, tomar posse e tornar possível que a intenção plena de Deus seja compreendida, interpretada. Esse ministério é dirigido para outros que seguirão por esse mesmo caminho. Já mencionamos que, em certo sentido, todo aquele que nasce do alto é um pioneiro, porque esse caminho é sempre pessoal e intransferível; ninguém pode trilhar esse caminho no lugar de outrem. Nesse momento, trataremos do aspecto vocacional relacionado a isso.
Não há dúvida de que a maioria dos filhos do Senhor sabe pouco, muito pouco, sobre o caminho celestial. O cristianismo organizado se tornou preponderantemente terreno, adotando padrões, conceitos e recursos terrenos, tornando-se consequentemente muito limitado espiritualmente. Este mundo é uma coisa muito, muito pequena, se comparado com os céus. Digo isso espiritual e ilustrativamente. O reino dos céus é vasto, muito maior do que qualquer concepção humana. Os pensamentos de Deus são amplos como os céus em seu alcance, muito mais elevados que os pensamentos da terra; ultrapassam todas as concepções terrenas. Enquanto não sairmos da esfera terrena não perceberemos que, por um lado, somos miseravelmente pequenos e, por outro, que existe um reino muito maior, e que podemos nos mover espiritualmente nele. A grande, grande necessidade de nosso tempo é que o povo de Deus, a Igreja de Deus, chegue à sua verdadeira posição celestial, possuindo visão e vocação celestiais.
Bem, existe muita coisa envolvida nessa declaração, mas, resumidamente, ela significa que alguém, algumas pessoas, deverá ser pioneiro no caminho de trazer a Igreja de volta à esfera inicial de sua concepção que foi perdida quando ela sucumbiu à persistente tendência direcionada à terra. Por isso, um instrumento pioneiro se faz necessário, e o caminho que ele deve seguir envolve um alto preço.
Reafirmo que os homens do Antigo Testamento foram os pioneiros do caminho celestial. Isso é explicitamente afirmado pelo escritor nesta carta aos hebreus, particularmente na passagem referida. A terra não pode prover nada que atenda aos padrões e ao fundamento do céu. Uma das grandes palavras-chave do Antigo Testamento é “santificar”, que significa “separar, tornar santo, consagrar”, que se refere em sua essência a algo espiritual e interior, que provoca uma divisão entre o céu e a terra. Deus dividiu, separou essas duas coisas, e essa separação deve ocorrer de forma espiritual, interiormente, também. Vemos, então, que esses homens do Antigo Testamento foram separados neste sentido: algo foi feito no âmago de seu ser que os separou deste mundo, colocando-os em um caminho que era totalmente diferente dos caminhos terrenos e a eles contrários. Se aqueles homens chegavam a tocar esta terra quando estavam sob pressão e tensão, fosse por engano, inadvertidamente, consciente ou inconscientemente, ficavam atrapalhados. Imediatamente percebiam em seu interior que estavam fora do caminho, e a única coisa a fazer era retornar. Isso é repetido diversas vezes no relato bíblico. O céu testemunhava contra a posição deles, eles estavam em problemas. Só depois de retornarem ao curso correto poderiam prosseguir. Aquelas pessoas estavam sendo governadas por outro padrão, e quão diferente e difícil de entender era esse padrão!
Considere Caim e Abel. Do ponto de vista deste mundo, o procedimento de Caim foi muito válido. Na ótica do homem religioso deste mundo, é difícil ver o que estava errado com Caim ou muito certo com Abel, ou quão absolutamente certo e quão absolutamente errado cada um deles estava. No entanto, vemos como Abel estava absolutamente certo quanto a isso. Um deles conseguiu tocar o céu. Isso é um fato. Abel tocou Deus e o céu, e Caim estava diante de um céu fechado e da rejeição de Deus.
Mas qual é o padrão? Apenas a diferença entre o céu e a terra. A base e o padrão para acesso ao céu é totalmente diferente do terreno – diferente mesmo do que há de religioso na terra. O homem religioso pode ter o mesmo Deus, adorar o mesmo Deus, trazer sua oferta para o mesmo Deus, e ainda assim não conseguir um caminho para o céu, na estrada celestial. O céu tem seus próprios padrões, bases e provisões, e a terra não pode encontrá-los ou produzi-los, pois é diferente do céu. Esse é o fato que enfrentamos quando se trata de tocar o céu. Não me refiro a uma localização geográfica, mas falo de tocar Deus, de encontrar um caminho aberto para o céu. Só é possível chegar ali com a provisão originada pelo próprio céu, e isso transtorna todos as nossas estimativas naturais. Precisamos de algo que a natureza não pode produzir. Se você, como Caim, raciocinar de acordo com a razão religiosa e tomar essa base, não chegará a lugar nenhum. “Pela fé Abel ofereceu a Deus maior sacrifício do que Caim, pelo qual alcançou testemunho de que era justo, dando Deus testemunho dos seus dons, e por ela, depois de morto, ainda fala” (Hb 11.4). Vemos aí uma atestação do céu.
Não estou tratando da natureza e de todos os detalhes dessas coisas, apenas aponto para um fato: que os padrões e os julgamentos celestiais são absolutamente diferentes dos terrenos. Ficaremos totalmente confundidos se tentarmos tocar o céu, ainda que utilizemos artifícios religiosos para isso. Nicodemos pode ser a representação perfeita do sistema religioso, e, ainda assim, não chegou a lugar algum no que diz respeito ao céu. O céu estabeleceu seu próprio meio de acesso, e precisaremos dele para chegar lá. Você pode questionar mil vezes “por quê?”, mas é o fato.
Pioneiros são líderes
Vamos retornar ao texto que lemos em Números. Registra a ocasião em que os espias foram enviados, e o ponto focal desse registro está sobre dois homens: Josué e Calebe. Notemos que os doze cabeças das cadas paternas, príncipes em Israel (um termo cheio de significado), eram homens tipicamente representativos. Eles foram chamados para serem os pioneiros do caminho celestial. O princípio de sua liderança e de sua realeza estava centrado em serem pioneiros, pois esse é o princípio do pioneiro. Se formos verdadeiros pioneiros, seremos líderes, teremos um caráter de príncipes. Todavia, apenas dois deles justificaram seu chamamento, tornando-se aquilo que todos os outros deveriam ter sido: pioneiros. Muitas vezes, é isto que ocorre: a minoria, uma minoria muito destacada, faz o trabalho. Os outros têm o nome, mas não fazem jus a ele; os outros têm uma posição oficial, mas não vivem de acordo com ela. A questão principal é: onde a coisa está sendo feita? Ali estavam Josué e Calebe.
Uma conexão com o passado
Vamos tomar um tempo considerando o significado destes dois homens: Josué e Calebe. Para começar, vamos considerá-los como um elo com o passado. A intenção original de Deus que eles adotaram remetia à aliança divina com Abraão, de modo que em Josué e Calebe vemos Abraão posto muito em evidência. Somos compelidos a olhar para trás e reavaliar o significado de Abraão, à luz da posição tomada por esses dois, uma vez que o momento em que Josué e Calebe surgiram era crítico, a hora de uma crise muito grande. A questão suprema era: o propósito de Deus seria ou não cumprido naquele povo? Essa pergunta é extremamente relevante; uma verdadeira crise veio à tona. E Josué e Calebe foram o fator decisivo.
Vemos três características de Abraão manifestadas nessa situação.
Uma semente espiritual e celestial
Em primeiro lugar, vemos uma semente espiritual e celestial. Retenhamos isto: uma semente espiritual e celestial. Hoje estamos em uma posição muito vantajosa. Temos a compreensão do pleno significado de Abraão por meio da instrução do Espírito Santo. Temos o Novo Testamento, e nele temos tudo o que é dito a respeito do patriarca. O apóstolo Paulo nos apresenta uma revelação completa disso no Novo Testamento; não precisamos voltar ao Antigo Testamento para obter conhecimento, podemos ver o pleno sentido de Abraão agora no Novo Testamento que temos em mãos. Quanto a isso, recebemos muita luz adicional.
Uma semente espiritual e celestial. Perceba essa semente espiritual e celestial em Josué e em Calebe, percebam como eles apontam para ela. No entanto, temos outra semente de Abraão que não é espiritual nem celestial, pois desceu à terra. Vemos no registro de Números 13 e 14 as reações do povo, tão grosseiras, tão terrenas, totalmente carentes de visão, vida e aspiração espirituais! Aquelas pessoas foram inteiramente influenciadas pelo terrenal, pela visão natural, pelas coisas visíveis como dificuldades, pessoas e montanhas. A conclusão delas foi que não havia solução. Para Josué e Calebe, as montanhas eram um caminho, não um obstáculo. Havia um caminho celestial. Mas os outros não viram nada disso; eles eram terrenais.
O pensamento de Deus em Abraão, que fica claro para nós no Novo Testamento, era obter uma semente celestial e espiritual.
Uma semente especial
Será que podemos receber mais luz em relação a essa semente? Essa semente era algo especial, exclusivo. Paulo afirma isso em sua Epístola aos Gálatas. “Ora, as promessas foram feitas a Abraão e à sua descendência. Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo” (3.16). Aquela semente era singular. Um ponto importante era que Abraão estava inseparável e exclusivamente ligado a Sara. Naquela época, era permitido ao homem ter mais de uma esposa, mas Deus restringiu Abraão à Sara. Quando estava sob pressão, Abraão tentou uma solução alternativa com Agar, mas, como já mencionei, aquela foi uma falha, um deslize, um erro, uma tolice cometida durante um período de severa provação, pressão e coação. Naquele momento Abraão abandonou o caminho celestial e o resultado foi lastimável – a história lamenta isso até hoje. Abraão precisou retornar para Sara. Deus não permitiria outra opção, pois aquele assunto era peculiar e exclusivo. Sua realização não se daria por meio de Agar e de ninguém mais, mas exclusivamente dentro do caminho proposto pelo Senhor.
Nascimento e sustento sobrenaturais
Aquela semente trazia consigo as marcas do celestial. Seu nascimento foi sobrenatural, pois era absolutamente impossível que ocorresse pelas linhas naturais. A semente era Isaque, que representava uma limitação, pois Abraão dependia de uma intervenção do alto para gerar esse filho. Isaque não teria sido trazido à existência se o céu não tivesse assumido a situação. Deus foi muito específico a esse respeito. Por vezes, para compreender a importância que a coisa certa tem para Deus, Ele nos permite ver quão terrível é a coisa errada. Deus não permite que um erro, que um deslize nosso simplesmente passe desapercebido. Às vezes seremos atormentados até o fim da vida pelas consequências de nossas escolhas erradas. Deus permitirá isso para que vejamos com clareza que o caminho certo é muito importante; ele não é só uma opção. O caminho precisa ser celestial, e qualquer alternativa não será tolerada como se ela não fizesse diferença. Descobrimos que isso de fato importa, como aconteceu no caso de Isaque. Se o céu não fizer esse milagre, nada acontecerá, pois esse é o caminho celestial. Como precisamos aprender, e estamos aprendendo, sobre esse princípio! Isso explica muitos acontecimentos de nossa vida. Deus nos tem em Suas mãos.
O princípio de morte e ressurreição
Além de Isaque ter sido um produto celestial, fruto de uma intervenção dos céus, por meio de um milagre, Deus ainda foi mais longe quando pediu a oferta dele como sacrifício. Ainda que seu nascimento tivesse sido miraculoso, por meio de um ato direto dos céus, algo mais precisava acontecer: Isaque deveria morrer e ressuscitar dos mortos. Esse poderoso ato de Deus precisaria ocorrer e referendar tudo isso. A afirmação de Paulo em Romanos 1.4: “Declarado Filho de Deus em poder, segundo o Espírito de santificação, pela ressurreição dos mortos”, poderia ser traduzida “homologado Filho de Deus […] pela ressurreição”. Isto é o que Isaque representa: algo aprovado, homologado, referendado pelos céus.
Esse fato explica muito de nossa particular história espiritual. Não apenas nascemos de novo por meio de um milagre e da intervenção do céu, mas isso tem sido continuamente homologado pelo céu. Deus demanda que sejamos sustentados pela vida de ressurreição, e para saber o que é essa vida precisaremos conhecer um pouco do que é a morte. Deus nos sustenta em uma base celestial. Este é o significado de Isaque: não fomos apenas colocados sobre uma base celestial, mas somos sustentado nessa posição por constantes manifestações de ressurreição, em momentos em que somente a ressurreição pode resolver a situação.
Afinal, independente de como foi o início de nossa vida cristã – ainda que tenhamos tido uma experiência maravilhosa de conversão, e tenhamos registrado em um caderno quando e onde isso aconteceu –, essa experiência precisa ser ratificada continuamente pela manifestação da ressurreição. Precisaremos ser sustentados nesse terreno. Esse é o caminho do pioneiro. Esse pioneirismo no caminho celestial é conhecer vez após vez o significado da morte e suas terríveis consequências, a fim de saber o verdadeiro significado da ressurreição e sua grandiosidade. Esse é o caminho pioneiro, que foi seguido inicialmente pela Igreja, por muitos filhos de Deus e onde muitas revelações divinas sobre ele foram concedidas. Foi dessa maneira que o caminho celestial foi preservado vivo e longe da “podridão” [cf. Os 5:12] das coisas terrenas que sempre tentam minar a vida cristã. Sabemos quanto isso é verdade.
Abraão progressivamente descobriu que sua verdadeira herança estava no céu. Considero maravilhoso este aspecto da vida e da experiência de Abraão sob a mão de Deus: que ele, sem dúvida, quando iniciou sua jornada de obediência, interpretou as promessas do Senhor de forma terrena e limitada. Certamente ele imaginava que aquelas promessas se cumpririam dentro de suas expectativas racionais e tangíveis, mas, quanto mais o tempo passava e sua vida se desenrolava, mais Abraão se dava conta de que as coisas não aconteceriam dentro de suas concepções, e que tudo aquilo se referia a algo superior e diferente de sua idéia original. Ele prosseguiu, e mais adiante vemos que foi incluído no registro de Hebreus 11: “Todos estes morreram na fé, sem terem recebido as promessas; mas vendo-as de longe […] Mas agora desejam uma melhor, isto é, a celestial” [vv. 13,16]. A primeira impressão que Abraão teve do chamado inicial de Deus: “Eu o levarei a um país” (cf. Gn 12.1), pode ter sido atrelada a algo terreno, mas, por fim, ele percebeu que não se tratava disso. Pelas palavras do Senhor Jesus, sabemos que a visão e a percepção de Abraão foram alargadas: “Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia, e viu-o, e alegrou-se” (Jo 8.56). “Mas vendo-as de longe”. Paulo também reforça isso em sua Epístola aos Gálatas, ao afirmar: “Não diz: ‘E às descendências’, como falando de muitas, mas como de uma só: ‘E à tua descendência’, que é Cristo” [3.16]. Cristo era a resposta para tudo que se relacionava à herança de Abraão.
Mas Cristo, o Cristo celestial, é a encarnação de tudo o que é celestial. Não conhecemos a Cristo segundo a carne; Ele é essencialmente celestial. Podemos ver a natureza celestial dessa semente, e podemos reunir tudo isso em Josué e Calebe. Quem herdará, prosseguirá e possuirá a herança? Certamente não será essa multidão de pessoas que tem uma mentalidade terrena e está arraigada a essa terra. Aqui mesmo elas perecerão: a terra se tornará sua prisão e sepultura. Essas pessoas serão substituídas por uma geração com uma nova constituição – representada por Josué e Calebe, as primícias de uma nova geração – que possuirão a herança [cf. Nm 14.29-32]. Eles foram os pioneiros do caminho e da plenitude celestiais. Mas como precisaram sofrer por isso! “Toda a congregação disse que os apedrejassem” (v. 10). O pioneirismo é sempre um caminho que envolve sofrimento e um alto preço, e isso não apenas entre as pessoas do mundo, mas também entre aqueles que atendem pelo nome de povo de Deus.
Os pioneiros desse caminho sempre serão como uma semente celestial, e sua constituição celestial será continuamente homologada pela necessidade de repetidas intervenções do céu para possibilitar que tenham liberação, libertação e progresso. Esse é o processo da vida espiritual. Se o céu não interviesse a nosso favor teríamos parado, não avançaríamos, de fato seríamos aniquilados se Deus não tivesse ratificado este fato: pertencemos ao céu. E Ele continua ratificando isso.
Podemos ver claramente como tudo isso é cumprido em Cristo, a Semente Celestial. Seu nascimento aconteceu por meio de uma intervenção do céu, um milagre. No Seu batismo, o céu irrompeu novamente, atestando: “Este é o meu Filho amado” [Mt 3.17]. E o que diremos a respeito de Sua Cruz? Ela não se parece muito com uma intervenção do céu. Mas espere um pouco: não se esqueça que o Novo Testamento nunca se refere apenas ao aspecto da morte, ao mencionar a Cruz de Cristo. No Novo Testamento, a Cruz tem dois lados gêmeos: morte, ressurreição. “A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, prendestes, crucificastes e matastes pelas mãos de injustos” (At 2.23,24). O mundo fez tudo o que podia contra Ele, usou todas as suas armas. Os poderes do mal exauriram suas forças. O que mais poderia ser feito? Então, o céu entrou em cena, despojando esses poderes e ressuscitando a Jesus: ratificando assim que Ele pertencia ao céu, e não a este mundo. O Senhor Jesus não era propriedade, nem brinquedo do mundo e dos poderes malignos que o governam. Ele pertence ao céu, e o céu interveio, não apenas O levantando, mas também O conduzindo para as alturas, acima deste mundo, sujeitando tudo a Seus pés [cf. Ef 1.19-22; Cl 2.15].
A história espiritual do Senhor Jesus é a história espiritual do pioneiro do caminho celestial. O Senhor é o Pioneiro, conforme registrado na Epístola aos Hebreus: “Penetra até ao interior do véu, onde Jesus, nosso precursor, entrou por nós” (6.19,20).
Uma conexão entre fracasso e realização
Enquanto vislumbramos os aspectos demonstrados em Josué e Calebe, que podem ser diretamente ligados a Abraão, ainda temos outro ponto a considerar antes de encerrar. Eles foram pioneiros, como Abraão, e foram um elo entre o fracasso e a realização. Contemple o mundo no tempo em que “o Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão” (At 7.2), em Ur dos caldeus. Se buscar ali alguma coisa que seja do céu, onde encontrará? Onde podemos encontrar o propósito de Deus de obter algo celestial? Parece que isso mais uma vez desapareceu. Não parece existir nenhum testemunho deste pensamento celestial de Deus: um povo celestial, um testemunho celestial, algo que representasse e expressasse o pensamento dos céus. Onde encontraremos isso? “O Deus da glória apareceu a nosso pai Abraão”, e esse homem se tornou o elo entre o fracasso e a realização.
Josué e Calebe assumiram essa posição. Temos a história do fracasso no deserto. Onde veremos aquilo que é celestial em meio a esse fracasso? Para eles, onde está o propósito de Deus? Deus não desistiu. Pode parecer que Seu propósito tenha quase desaparecido, e isso tem ocorrido repetidas vezes. Todavia, o céu interveio e assegurou um elo entre o fracasso na terra e o triunfo do céu. Esse elo é o pioneiro. O Senhor precisa ter um instrumento como esse para enfrentar o fracasso e possibilitar mais uma vez a abertura do caminho celestial para a realização.
Você provavelmente se pergunta: “O que isso tem a ver comigo?”, e afirma: “Sim, são idéias maravilhosas, vejo que é uma verdade e que está bem clara na Bíblia, mas como isso me afeta?” O fato é que ela afeta. Algumas pessoas não gostam de meditar muito de maneira crítica a respeito de uma situação, e, independente do que for dito a esse respeito, falando de maneira bem geral, ainda assim o Senhor terá espaço para algo valioso na terra. A grande necessidade dos cristãos hoje é serem restaurados ao pleno propósito celestial de Deus, pois se envolveram com coisas diferentes e inferiores, contentando-se com menos. Isso sempre aconteceu. Foi por essa razão que a maior parte do Novo Testamento foi escrito. O povo do Senhor está sempre em perigo de agir assim. Quando os cristãos gravitam espiritualmente em torno deste mundo, acabam, de alguma forma, perdendo seu testemunho celestial. Sempre haverá uma pressão para baixo, e o Senhor precisa de pessoas com visão, que se tornarão como aquelas pessoas mencionadas em nossa última meditação, para quem o centro de gravidade da vida foi transferido deste mundo para o céu, nas quais há essa percepção. Independente de possuírem ou não a capacidade de interpretar ou de estabelecer um sistema de verdades, de doutrinas ou de ensino bíblico a esse respeito, existirá a percepção de que a vida está atrelada a um destino grandioso e superior àquilo que este mundo pode prover. Essas pessoas foram capturadas por algo que só podem traduzir como um chamamento celestial, o qual as sustêm.
Vamos aprofundar isso mais adiante. O Senhor precisa de um povo assim, que simplesmente não pode se satisfazer com as coisas como elas são. Não se trata apenas de uma questão da mente, da razão, afinal. Algo aconteceu no interior essas pessoas; elas têm a consciência de que Deus fez algo. Por causa disso, elas estão comprometidas com algo muito superior às pobres coisas limitadas dessa vida e desse mundo. Elas foram ligadas interiormente a algo tremendo. Vou reiterar que essas pessoas terão consciência disso, ainda que não sejam capazes de pregar essa mensagem. Nunca seremos úteis para Deus além de nossa visão – visão essa forjada interiormente por Deus –, além de nossos próprios sentimentos. A medida de nossa visão determinará a medida de nossa utilidade. Oh, como seria bom haver uma medida incomensurável do céu no coração de um povo! Essa é a necessidade de nossos dias.
Concluo reafirmando que, embora o apóstolo fale tanto dessa vocação celestial, esse é um caminho muito difícil e repleto de todo tipo de dificuldade. Todavia, é o caminho real, verdadeiro e supremo, pois o céu é uma natureza, um poder, uma vida, uma ordem, e está destinado a encher este mundo e este universo.
Para ler o capítulo 1, clique aqui.