Para James Lindsay [1]

Aberdeen, 7 de setembro de 1637

Orações de réprobos

A santificação e a mortificação de nossos desejos são as partes mais difíceis do cristianismo. De certa forma, será tão natural para nós saltarmos quando virmos a Nova Jerusalém quanto rirmos quando nos fazem cócegas. A alegria não está sob um comando, ou segundo nosso assentimento, quando Cristo nos beijar. Mas, oh!, quantos de nós querem ter Cristo dividido em duas metades, para que possam pegar apenas uma metade Dele! Tomamos Seu ministério – Jesus e a salvação –, mas “Senhor” é uma palavra incômoda; e obedecer e desenvolver nossa própria salvação, e aperfeiçoar a santidade, é o lado incômodo e tempestuoso de Cristo; e isso nós evitamos e disso nos desviamos.

Quanto a teu questionamento, o acesso que os réprobos têm a Cristo (que é absolutamente nulo, porque eles não podem vir e nem virão ao Pai, em Cristo, pois Cristo não morreu por eles; mas, mesmo assim, pela lei, Deus e a justiça são muito mais do que eles): digo, antes de tudo, que há contigo pessoas mais dignas e instruídas que eu – os srs. Dickson, Blair e Hamilton – que podem satisfazer-te mais plenamente. Porém falarei de modo resumido o que penso disso nestas afirmações:

Primeira afirmação:

Toda a justiça de Deus com respeito ao homem e aos anjos flui de um ato de absoluto e soberano livre-arbítrio de Deus, que é nosso Formador e nosso Oleiro, e nós não passamos de barro; porque se Ele tivesse proibido comer de todas as outras árvores do jardim do Éden, e ordenado a Adão comer da árvore do conhecimento do bem e do mal, essa ordem seria, sem dúvida, tão justa quanto esta: “Comei de todas as árvores, mas absolutamente não comais da árvore do conhecimento do bem e do mal.” A razão é que Sua vontade vem antes de Sua justiça, por ordem de natureza; e o que é a Sua vontade é a Sua justiça; e Ele não quer as coisas sem Ele só porque elas são justas. Deus não pode, não precisa buscar a santidade, a pureza ou a justiça em coisas sem Ele, nem tampouco de ações de homens ou de anjos, porque Sua vontade é essencialmente santa e justa, e é a primeira regra de santidade e justiça, assim como o fogo é naturalmente luz, e pende para o alto, e a Terra é pesada e pende para baixo.

Segunda afirmação:

Deus dizer aos réprobos: “Crede em Cristo (que não morreu para a salvação deles) e sereis salvos” é justo e correto porque Sua vontade eterna e essencialmente justa assim o determinou e decretou. Suponhamos que a razão natural fale contra isso, mas isso é o profundo e especial mistério do evangelho. Deus obrigou, terminantemente, a todos os réprobos da igreja visível crerem nesta promessa: “Aquele que crer será salvo”; porém, no decreto de Deus e em Sua intenção secreta, não há nenhuma salvação decretada ou intencionada aos réprobos. Mas o compromisso de Deus, vindo de Seu soberano livre-arbítrio, é justíssimo, como dito na primeira afirmação.

Terceira afirmação:

O justo Senhor tem o direito sobre os réprobos e sobre todas as criaturas pensantes que violam Seus mandamentos. Essa afirmação é evidente.

Quarta afirmação:

A fé que Deus procura nos réprobos é que eles confiem em Cristo, não tendo esperança em sua própria justiça, apoiando-se inteiramente e humildemente, como cansados e sobrecarregados, em Cristo, como a pedra fundamental colocada em Sião. Mas Ele não procura isso; sem estarem cansados de seus pecados, eles confiam em Cristo como o Salvador da humanidade; pois confiar em Cristo e não estar cansado do pecado é presunção, não fé. A fé sempre vem com um espírito quebrantado e contrito; e é impossível que a fé esteja onde não haja um coração abatido e contrito, em algum grau, pelo pecado. É certo que Deus não ordena ninguém a ser presunçoso.

Quinta afirmação:

Os réprobos não são formalmente culpados de desprezarem Deus, ou de descrença porque não aplicam Cristo e as promessas do Evangelho a si mesmos, particularmente; se aplicassem, seriam culpados de não crerem em uma mentira, o que Deus nunca os obrigou a crerem.

Sexta afirmação:

A justiça tem o direito de punir os réprobos, porque, de coração orgulhoso, confinados em sua própria justiça, eles não confiam em Cristo como o Salvador de todos aqueles que vêm a Ele. A isso Deus pode, com justiça, obrigá-los, porque em Adão eles tinham a perfeita capacidade para fazê-lo; e os homens são culpados porque amam sua incapacidade, e descansam em si mesmos e se recusam a negar sua própria justiça e ir a Cristo, em quem há justiça para os pecadores cansados.

Sétima afirmação:

Uma coisa é confiar, apoiar-se e descansar em Cristo, em humildade e cansaço de espírito, negando nossa justiça própria, crendo que Ele é a única justiça de pecadores cansados; e outra coisa é crer que Cristo morreu por mim, por João, por Tomás, por Ana, com a intenção e o decreto de nos salvar individualmente, por nome. Porque

  1. A assertiva anterior vem primeiro, e a segunda é sempre depois, em devida ordem.
  2. A primeira é fé, a segunda é o fruto da fé; e
  3. A primeira favorece os réprobos e todos os homens na igreja visível, e a segunda favorece somente os cansados e sobrecarregados, e assim, somente os eleitos e efetivamente chamados por Deus.

Oitava afirmação:

É uma conclusão vã: “Eu não sei se Cristo morreu por mim, João, Tomás, Ana, por nome; e portanto, eu não me atrevo a confiar Nele”. A razão é: porque não é fé crer na intenção de Deus e em Seu decreto de eleição primeiramente, antes de estar cansado. Olha primeiro para tua própria intenção e tua alma, e se achares que o pecado é um fardo, e se puderes e se, de fato, colocares esse fardo sobre Cristo; se isso ocorrer uma vez, agora vem e crê individualmente, ou aplica pelo sentido (porque em meu julgamento isso é um fruto da fé, não a fé) a boa vontade, a intenção e o grato propósito de Deus a respeito de tua salvação. Assim, porque há malícia nos réprobos, e desprezam a Cristo, culpados são; e a justiça tem a lei contra eles: e (o que é um mistério) eles não podem vir a Cristo, porque Ele não morreu por eles; mas o pecado deles é que eles amam sua incapacidade de vir a Cristo; e aquele que ama suas cadeias, merece as cadeias.


[1] James Lindsay, um desconhecido.

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Traduzido por Luiz Alcântara de The letters of Samuel Rutherford (1600–1661), pp. 20,21. Revisado por Francisco Nunes. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria e de tradução e seja exclusivamente para uso gratuito. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo. Ao compartilhar nossos artigos e/ou imagens, por favor, não os altere.
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