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Cartas de Samuel Rutherford (2)

Para John Kennedy1

Anwoth, Reino Unido, 2 de fevereiro de 1632

Livramento do naufrágio e da morte

Eu te saúdo com a graça, a misericórdia e a paz de Deus, nosso Pai, e de nosso Senhor Jesus Cristo. Ouvi com tristeza de teu grande perigo de perecer no mar, porém com alegria sobre teu misericordioso livramento. Com certeza, irmão, Satanás não deixará nenhuma pedra por rolar, como diz o provérbio, para rolar-te de tua Rocha, ou pelo menos abalar-te e instabilizar-te; pois, ao mesmo tempo, a boca dos ímpios estava aberta em duros discursos contra ti em terra, e o príncipe das potestades do ar estava zangado contigo no mar.

Então, veja como estás forçado por esse malicioso assassino que quer atingir-te com duas varas ao mesmo tempo. Mas, louvado seja Deus, que o braço de Satanás é curto: se o mar e os ventos lhe tivessem obedecido, tu nunca terias voltado à terra. Graças ao teu Deus que diz: “E tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.18). “Eu mato e faço viver” (Dt 32.39). “O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela” (1Sm 2.6). Se Satanás fosse o carcereiro, e tivesse as chaves da morte e da sepultura, elas estariam guardadas com mais prisioneiros. Estiveste batendo nesses negros portões, e os encontraste fechados; e todos nós lhe damos as boas-vindas em teu retorno.

Preparo para a morte

Espero que saibas que não é sem razão que foste enviado a nós novamente. O Senhor sabia que tinhas esquecido algo que era necessário para tua viagem: que tua armadura ainda não estava suficientemente preparada contra o impacto da morte. Agora, na força de Jesus, termina teu trabalho; aquela dívida não está perdoada, mas adiada; a morte não te deu adeus, mas apenas te deixou por um pouco de tempo. Termina tua jornada antes que a noite venha sobre ti; mantém tudo em prontidão para a hora em que atravessarás o negro e impetuoso Jordão; e que Jesus, Jesus, que conhece tanto as profundezas como as pedras e todas as encostas, seja teu Piloto.

A última maré não esperará por ti nem por um momento; se esqueceres alguma coisa, quando teu mar estiver pleno, e teu pé estiver naquele barco, não haverá retorno para pegar o que esqueceste. O que fizeres de errado em tua vida hoje, podes modificar amanhã; pois tantos sóis Deus faz levantar sobre ti, tantas serão como que tuas novas vidas; e se tu estragares esse negócio, não poderás voltar para consertar aquela parte de teu trabalho novamente; nenhum homem peca duas vezes por morrer doente; como morremos apenas uma vez, morremos apenas uma vez, estando doentes ou saudáveis.

Tu vês como o número de teus meses está escrito no livro de Deus; e, como um dos servos do Senhor, precisas trabalhar até que a sombra da noite venha sobre ti, quando terminarás tua ampulheta até o último grão de areia. Cumpre tua jornada com alegria; pois nada levamos conosco para o túmulo, exceto uma boa ou má consciência. E, embora os céus clareiem após essa tempestade, as nuvens ainda preparam outra.

Função das provações

Tu pactuaste com Cristo, espero, logo que começaste a segui-Lo, que carregarias a Sua cruz. Cumpre tua parte do pacto com paciência, e não o quebre com relação a Jesus Cristo. Sê tu honesto, irmão, em tuas negociações com Ele; pois quem sabe mais sobre criar filhos que nosso Deus? Pois (deixando de lado Seu conhecimento, que não se pode sondar) Ele tem praticado criar Seus herdeiros nesses cinco mil anos, e Seus filhos são todos bem criados, e muitos deles são homens honestos agora no lar, lá em suas próprias casas no céu, e receberam a herança de seu Pai.

Agora, a forma de criá-los foi por castigos, flagelação, correção, acalento. Vê se Ele faz acepção de qualquer de Seus filhos (Ap 3.19; Hb 12.7,8). Não! Seu Filho mais velho e Seu Herdeiro, Jesus, não foi exceção (2.10). Sofrer é preciso; antes de nascermos, Deus o decretou; e é mais fácil reclamar de Seu decreto do que mudá-lo. É verdade, terrores de consciência nos derrubam, mas sem os terrores de consciência não podemos ser novamente erguidos. Temores e dúvidas nos abalam; mas sem temores e dúvidas logo adormeceríamos e não poderíamos nos agarrar a Cristo. Tribulações e tentações quase conseguem nos afrouxar a raiz; mas, sem tribulações e tentações, não podemos crescer assim com não crescem a relva ou o milho sem chuva. O pecado e Satanás e o mundo dirão, e gritarão em nosso ouvido, que temos um difícil acerto de contas a ser feito no juízo; contudo, nenhum desses três, exceto se mentirem, ousam dizer em nossa cara que nosso pecado pode mudar o teor do novo pacto.

Para frente, portanto, caro irmão, e não percas tua âncora. Segura firme a verdade.


1 John Kennedy, conselheiro de Ayr, cidade da Escócia, um cristão eminente, destacado em assuntos públicos durante os anos 1640. [Nota do editor original.]

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