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Cartas de Samuel Rutherford (4)

Para John Gordon[1]

Aberdeen, 1637

Ganhe a Cristo de qualquer forma

Rogo-te, senhor, pela salvação de tua preciosa alma e pelas misericórdias de Deus, que utilizes bem e com certeza tua salvação, e proves sobre que fundamento tens edificado. Digno e caro senhor, se estiveres sobre areia movediça, a tempestade da morte e uma rajada de vento te perderá de Cristo e te arrastará da rocha. Oh, pelo amor de Deus, olha minuciosamente para a obra!

Revê tua vida sob a divina luz do dia e do Sol, pois a salvação não é lançada à porta de todo homem. É bom que olhes tua bússola, e tudo de que necessitas, antes de embarcares, pois nenhum vento poderá trazer-te de volta. Lembra-te, quando a corrida terminar, e o jogo estiver ganho ou perdido, e estiveres no círculo final e às margens do tempo, e colocares teu pé na fronteira da eternidade, e todas as tuas boas coisas deste curto sonho noturno te parecerem como cinzas de uma rápida queima de espinhos ou de palha, e tua pobre alma clamar: “Pousada, pousada, pelo amor de Deus!”, então tua alma estará mais feliz em um dos amáveis e despretensiosos sorrisos de teu Senhor do que se tivesses o domínio de três mundos pela eternidade. Que prazeres e ganhos, vontade e desejos deste mundo sejam postos nas mãos de Deus, como bens presos e cercados com os quais não podes lidar. Agora, quando bebes a borra de tua taça, e estás na extremidade final da última ligação com o tempo, e a idade avançada, como uma longa sombra de morte, lança uma cobertura sobre teus dias, não é hora de cortejares esta vida vã e nela colocares o amor e o coração. Já é quase depois da ceia; procura descanso e sossego para tua alma em Deus, por meio de Cristo.

Creia-me que acho difícil lutar para ser honesto com Cristo, e estar em paz com Ele, e amá-Lo em integridade de vida e manter um curso constante de comunhão diária sã e sólida com Cristo. As tentações estão diariamente quebrando o fio desse caminho, e não é fácil atá-lo novamente; e muitos laços produzem obras más. Oh, quantos barcos estão lindamente navegando com o vento e, no espaço de uma hora, jazem no fundo do mar! Quantos mestres emitem um brilho dourado como se fossem de ouro puro, e, contudo, por baixo daquela capa não passam de um metal básico e depravado! E quantos mantêm o fôlego por muitos quilômetros em sua corrida, mas não conseguem o prêmio e a guirlanda de louro!

Caro senhor, minha alma lamentaria secretamente por ti, se eu soubesse que tua relação com Deus fosse apenas uma obra falsa. O amor para fazer-te ancorar em Cristo me faz temer tuas vacilações e teus deslizes. Uma falsa imersão, não vista com base em uma consciência iluminada, é perigosa, assim como o cair frequentemente e o pecar contra a luz. Sabe que aqueles que nunca tiveram noites ou dias ruins por consciência do pecado terão essa paz com Deus como uma pústula sob a pele que romperá a carne outra vez, e terminarão numa triste guerra na morte. Oh, como milhares estão terrivelmente enganados com o falso esconderijo, construído sobre velhos pecados, como se a alma estivesse curada e sã!

Caro senhor, eu sempre vi em ti uma natureza poderosa, elevada, impetuosa e forte; e que era mais difícil para ti do que para outro homem comum o ser mortificado e morto para o mundo. Será preciso uma maré baixa, um corte profundo e um longo arpão para alcançar o fundo de tuas feridas em uma humilhação salvadora para fazer-te uma presa para Cristo. Sê humilde; anda suavemente. Abaixa, abaixa, pelo amor de Deus, meu caro e digno irmão, tua vela. Curva-te, curva-te! A entrada para se passar o portão do céu é baixa. Há justiça infinita Naquele com quem tu deves lidar; é de Sua natureza não inocentar o culpado e o pecador. A lei de Deus não aceitará um vintém do pecador. Deus não se esquece nem do prudente nem do pecador; e todo homem deve pagar, ou em sua própria pessoa (Oh, que o Senhor te salve desse pagamento!), ou em sua segurança, Cristo.

A beleza de Cristo

É violência para a natureza corrompida de um homem se tornar santo, cair aos pés de Cristo, abdicar da vontade, do prazer, do amor pelo mundo, da esperança terrena e de um desejo do coração por este mundo colorido e exagerado, e estar satisfeito que Cristo passe por cima de tudo isso. Vem, vem a Cristo, e vê, e encontra o que tu queres Nele. Ele é o atalho (como dizíamos) e o caminho mais curto para escapares de todos os teus fardos. Ouso afirmar que tu serás muito bem-vindo a Ele. Minha alma se alegraria em ser partícipe do gozo que terias Nele. Ouso dizer que nem as penas de escrever dos anjos, nem a língua dos anjos, não, nem os tantos mundos de anjos, como são as gotas de água dos mares, das fontes e dos rios da Terra poderiam descrevê-Lo para ti. Penso que a doçura Dele, desde que me tornei prisioneiro, aumentou sobre mim até à grandeza de dois céus. Oh, é preciso uma alma tão larga quanto o maior círculo do mais alto céu, que tudo contém, para conter Seu amor!

Mas eu pude pegar um pouco disso. Oh, maravilha do mundo! Oh, se minha alma pudesse apenas deitar-se na fragrância de Seu amor, supondo que eu não pudesse obter nada além dessa fragrância! Oh, mas ainda está longe o dia em que eu terei um mundo livre do amor de Cristo! Oh, que visão estar no céu, naquele lindo jardim do novo paraíso, e ver e sentir o aroma e tocar e beijar aquela linda flor do campo, aquela sempre verde Árvore da Vida! Só Sua sombra já seria o bastante para mim. Apenas vê-Lo seria o máximo do céu para mim. Vergonha, vergonha sobre nós que temos o amor enferrujando a nosso lado ou, o que é pior, desperdiçado em algum objeto repugnante, e Cristo deixado só. Desgraça, desgraça que o pecado fez tantos loucos, buscando o paraíso dos tolos, fogo sob o gelo, e algumas coisas boas e desejáveis sem Cristo e longe dele. Cristo, Cristo, nada além de Cristo, pode arrefecer a morbidez ardente de nosso amor. Oh, amor sedento! tu irás colocar Cristo, o poço da vida, em tua cabeça e beber até ficares cheio? Bebe, e não desperdiça, bebe o amor e embriaga-te de Cristo! Não, infelizmente! a distância entre nós e Cristo é a morte. Oh, se estivéssemos presos em outros braços! Nós nunca nos separaríamos, exceto se o céu nos separasse e nos dividisse; e isso não pode ocorrer.

Uma palavra para os filhos

Eu desejo que teus filhos busquem o Senhor. Meu desejo para eles é que sejam chamados, pelo amor de Cristo, a serem bem-aventurados e felizes, e venham e tomem Cristo e todas as coisas com Ele. Que tenham cuidado com a juventude frágil e escorregadia, com as ideias tolas dos jovens, com a luxúria mundana, com os ganhos enganadores, com as más companhias, com as maldições, com a mentira, com a blasfêmia e com as conversas tolas. Que eles sejam cheios do Espírito, que se acostumem a orar diariamente e com o manancial da sabedoria e do conforto, a boa Palavra de Deus.


[1] John Gordon, de Cardoness (o Ancião), viveu no Castelo de Cardoness, na paróquia de Anwoth. Era descendente de Gordon de Lochinvar e foi proeminente nos assuntos paroquiais locais. Pouco se sabe sobre Cardoness, o Jovem, exceto que participou da Guerra Civil na Inglaterra. Observamos, pelas cartas, que a natureza humana era forte tanto no pai quanto no filho.

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