Para Robert Gordon, de Knockbreck [1]
Aberdeen, 9 de fevereiro de 1637
Coisas que a aflição ensina
As tentações que eu julgava estarem abatidas e mortas levantam-se novamente e revivem sobre mim; sim, vejo que, enquanto eu viver, as tentações não morrerão. O diabo parece se ufanar e se gabar como se ele agradasse mais a Cristo do que eu, e como se ele tivesse enfeitiçado e destruído meu ministério para que eu não pudesse mais fazer o bem em público. Mas seu vento não causa danos. Eu não acreditarei que Cristo teria feito tal esforço para ter-me para Si, colocando tantas dores sobre mim, como tem feito, e então perder facilmente minha posse, e perder a glória daquilo que Ele fez. Não! Desde que vim para Aberdeen, tenho sido levado a ver a nova terra, o lindo palácio do Cordeiro; e Cristo me deixaria ver o Céu só para partir meu coração e jamais dá-lo a mim? Não pensarei que meu Senhor Jesus daria um penhor vazio, ou colocaria Seu selo em um papel em branco, ou pensaria em se livrar de mim com promessas bonitas e falsas. Agora eu vejo o que nunca vi bem antes:
Necessidade de fé
1. Vejo que a necessidade de fé em um dia bonito nunca é reconhecida como necessária; mas agora não sinto falta de nada além da fé. A fome é para mim como promessas belas e doces; mas, quando venho, sou como um homem faminto e sem dentes, ou com um estômago fraco tendo um apetite voraz que já é satisfeito só com a visão da carne, ou como alguém entorpecido com o frio sob a água que se contentaria em chegar à terra, mas que não consegue agarrar nada que lhe seja atirado.
Eu posso deixar Cristo me agarrar, mas eu não posso agarrá-Lo. Eu amo ser beijado e estar assentado nos joelhos de Cristo, mas não posso colocar meus pés no chão, porque as aflições trazem cãibras à minha fé. Tudo o que posso fazer é estender a Cristo uma fé aleijada, como um pedinte estendendo um coto, em vez de um braço, ou uma perna, e clamar: “Senhor Jesus, faze um milagre!” Oh, o que eu não daria para ter mãos e braços para agarrar com força e abraçar generosamente o pescoço de Cristo, e ter meu pedido com posse real! Eu penso que meu amor por Cristo tem muitos pés, e corre rapidamente para estar com Ele, mas falta-lhe mãos e dedos para segurá-Lo. Eu acho que daria minha bênção a Cristo toda manhã, para ter tanta fé como tenho amor e fome; pelo menos, eu sinto mais falta de fé do que de amor ou de fome.
Morto para o mundo
2. Eu vejo que a mortificação, e ser crucificado para o mundo, não é tão bem considerado por nós como deveria ser. Oh, quão celestial é ser morto e mudo e surdo para a doce música deste mundo! Confesso que agradou à Majestade Divina fazer-me rir das crianças que estão cortejando este mundo para ser seu par. Eu vejo homens mentindo sobre o mundo, da mesma forma que os nobres mentem sobre a corte do rei, e fico a imaginar o que eles estão fazendo ali.
Como estou agora, no presente, eu não me dignaria cortejar uma princesa tão insignificante e imprestável, ou comprar a bondade deste mundo dobrando meu joelho. Eu agora quase não vejo nem ouço o que é que este mundo me oferece; eu sei que é pouco o que ele pode tirar de mim, e que é pouco o que ele pode me dar. Eu te recomendo a mortificação acima de qualquer coisa; porque, ai de nós! Nós só corremos atrás de penas voando no ar, e cansamos nosso espírito com esse palavrório e essa vida moribunda do barro maquilado. Um relance do que o meu Senhor me deixou ver nesse curto período de tempo vale um universo de mundos.
Regozijo espiritual
3. Eu pensei que a coragem, em tempos de aflição por amor a Cristo, fosse algo que eu pudesse dominar. Pensei que a própria lembrança da honestidade da causa seria o suficiente. Mas fui tolo ao pensar assim. Tenho agora muita dificuldade para dar um sorriso. Vejo, porém, que o regozijo cresce no céu, e está além de nosso curto braço. O próprio Cristo é quem será o mordomo e o despenseiro, e nenhum outro a não ser Ele. Portanto, agora, eu conto apenas com um pouquinho do regozijo espiritual.
Na verdade, eu não tenho razão de dizer que esteja oprimido com penúria ou que as consolações de Cristo estejam faltando; porque Ele tem derramado rios sobre um deserto seco como eu, para meu espanto; e em meus desmaios Ele me mantém a cabeça erguida e me sustenta com odres de vinho e me conforta com maçãs [Ct 2.4,5]. Há beijos de amor espalhados em toda a minha casa e na minha cama. Louva, louva comigo. Oh, se tu e eu, entre nós, elevássemos Cristo a Seu trono, no entanto toda a Escócia O estaria derrubando ao chão!
[1] Robert Gordon, de Knockbeck, um cristão sofrido e de coração singular, muito usado em parlamentos e reuniões públicas depois do ano de 1638. Knockbreck fica na paróquia de Borgne, contígua a Anwoth, e tem vista para a Baía de Wigtown.
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