Reconheço que esta série de artigos (leia os artigos 1, 2 e 3) foge bastante do que eu havia proposto como objetivo do Campos de Boaz. No entanto, creio que seja necessário alertar os filhos de Deus sobre o assunto, pois, como penso já ter demonstrado, trata-se de um produto editorial que visa enganar ao leitor, além de ser de qualidade altamente questionável.
Neste artigo, comentarei mais algumas questões do ponto de vista editorial e analisarei alguns aspectos acerca da tradução ou dos critérios (ou falta deles) nela usados.
Antes disso, veja a imagem abaixo.
Este livro é publicado pela BVBooks, a mesma editora da King James Atualizada. Vamos considerar rapidamente o fato do livro ser de autoria de Daniel Mastral (pseudônimo de Marcelo Agostinho Ferreira) e de sua esposa, Isabela Mastral (pseudônimo de Cynthia Gonçalves Rosa Lotti). Além de sua teologia espúria sobre satanismo e batalha espiritual, ambos são acusados de terem inventado suas histórias, entre muitas outras coisas. Um pequeno exemplo das coisas estranhas que envolvem a dupla: aqui você encontra um número de CPF atribuído à Cynthia. No entanto, clicando aqui, no sítio da Receita Federal, você poderá conferir que esse CPF é de outra pessoa, Orpheu Lotti. Curiosamente, aqui o mesmo número de conta bancária é fornecida, com outro CPF da Cynthia. A alegação para o uso do pseudônimo era que os satanistas são muito poderosos e poderiam fazer mal a ele. Argumento insustentável por duas razões simples:
1. Se os satanistas são tão poderosos e espalhados por todo canto, como ele alega, não seria um pseudônimo que o iria proteger.
2. Depois de vídeos no YouTube e seminários pelo Brasil afora, não é difícil para ninguém identificá-lo e saber onde encontrá-lo.
E por que manter um nome falso depois de já se tornar tão conhecido? Veja aqui, quando ele fala do certificado para quem faz seus seminários, da importância que é dada a esse falso nome.
Neste livro, Daniel/Marcelo ensina, entre outras coisas, a existência de portais dimensionais permanentes, os últimos dos quais serão abertos agora em 2013. Confira essa “profecia” aqui, além da defesa desse ensinamento, apesar de não ser encontrado na Bíblia.
Não lhe parece estranho ser essa a editora responsável pela King James no Brasil? Eu, particularmente, considero, sim, estranho.
Mas vamos considerar que não houvesse nenhum problema pessoal ou teológico com o Daniel/Marcelo. Mesmo assim, ao ler o anúncio acima, ficaríamos apreensivos com o conteúdo, dados os erros ali encontrados: “contra qual” em vez de “contra o qual”; na frase em vermelho, há separação por vírgula entre sujeito e verbo; acentuação errada da palavra demoníaca; falta de vírgula após “fundamentais”. Além disso, a redação é ruim, sem coesão. O que é “riqueza de detalhes” nesse caso? O que é “nosso meio”? O que é “como o apóstolo Paulo”? Aprender princípios fundamentais? Mas ele não leu este livro! Adquirir a (destaque para o artigo definido) autoridade espiritual? Por ler esse livro? Então, antes deste livro ninguém teve autoridade espiritual?
Muito estranho…
Fechemos o parêntese e voltemos à KJA.
Nas págs. 1244 e 1245 está a introdução a Eclesiastes. É citado o título hebraico do livro: Cohélet. Logo depois, é dito que seu equivalente grego é ekklesiastes. O problema é que nenhuma das palavras está em itálico, como orienta a regra culta. Desse modo, o leitor “tropeça” em palavras estranhas no meio do texto. Parece uma coisa sem importância, mas isso se repete ao longo das notas de rodapé, gerando dificuldade e no conseguinte entendimento do texto.
No parágrafo seguinte lemos: “Seu estilo sapiencial, exclusivo e incomparável revelado nos mais antigos e reconhecidos manuscritos originais a que o Comitê de tradução da Bíblia King James teve acesso…”. Lendo até aqui, pode-se pensar que isso se refira à BKJ original, de 1611. Mas haveria uma contradição, pois, como mostramos nos artigos anteriores, os editores da KJA não crêem que os manuscritos usados pela BKJ fossem os melhores e mais confiáveis. Um leitor atento perceberá essa contradição aqui. Mas há mais.
O restante da frase é assim: “… (fragmentos do sêfer, rolo, livro de Eclesiastes encontrados [sic] nas cavernas de Qunram, no Mediterrâneo)…”. Como o achado de Qunram se deu em 1947, esses fragmentos não poderiam ter sido usados pelos tradutores da BKJ. Entende-se, então, que o texto se refere, na verdade, à KJA. E, mais uma vez, leva-se o leitor a pensar que KJA é igual à BKJ. (Há erros de português e de uniformização nessa Introdução que não comentarei.)
Na pág. 1247, em Ec 1.1, lemos: “Eis as palavras de Cohéllet ben David, o mestre, filho de Davi, rei de Jerusalém”.
A primeira coisa que chama a atenção é a grafia Cohéllet, diferente da usada na Introdução, Cohélet. Afinal, qual é a correta? Descuido editorial?
Mas o realmente estranho é que esse versículo não é uma tradução, mas uma ampliação ou uma versão bilíngüe. Uma tradução traria apenas a texto em português, quer usando transliteração ou não; mas aqui temos a transliteração do hebraico mais a tradução para português! O leitor menos apercebido vai entender que original traz todas aquelas palavras. É como se os tradutores tivessem acrescentado palavras aos manuscritos. A nota de rodapé, além da confusão causada pela falta de itálico nas palavras estrangeiras, não esclarece o método utilizado na tradução, que conserva o “original” ao lado da versão.
O problema continua ao longo do livro. Em 1.12 há: “Eu, Cohéllet, o sábio fui rei de Israel”. Não tem o leitor a impressão de ser Cohéllet um nome próprio? Em 7.27 lemos: “Então declara Cohéllet, o mestre”. De novo, o termo hebraico parece ser um nome próprio. O leitor não lembra, se é que leu e entendeu, a nota de rodapé que (quase) explica o uso da palavra transliterada e, por isso, é levado a pensar nela como nome do tal sábio ou mestre. E a falta de uniformidade no uso do termo ou da proposta de tradução aumenta a confusão, por exemplo, em 8.1: “Quem é como o sábio?” O leitor pensará: “O sábio é o tal do Cohéllet.” Por que não usaram aqui o termo transliterado, para ser coerente com o que se propuseram a fazer nessa tradução? E para confirmar como é falho essa forma de tradução e como o leitor é levado, sim, a entender o termo hebraico como nome próprio, veja 12.8-10: “”Que absurdo! Que futilidade! Tudo é ilusão, vaidade!” exclama Cohéllet, o sábio. […] Além de ter sido sábio e mestre, Cohéllet também ministrou […] O sábio procurou achar palavras […] “.
A tradução diz que Cohéllet é o sábio, que ele é sábio e mestre; portanto, é nome próprio. Se os tradutores o entenderam como nome próprio (escolha questionável, mas que poderia ter sido feita), deveriam ter deixado isso claro na nota de rodapé e serem coerentes com esse entendimento em toda a tradução. Se consideram a palavra no sentido de “mestre” ou “sábio” tinham, igualmente, de ser coerentes e não poderiam, em hipótese alguma, conservá-la na tradução, como um acréscimo.
Para concluir, mais alguns erros de edição em Eclesiastes:
1. Na nota 1 do cap. 3
a. “… estamos todos sujeitos a (sic) força do tempo”. O correto é “à força”.
b. “O Mestre faz, (sic) um paralelo…”. Na frase anterior, sábio está com minúscula; aqui, mestre está com maiúscula. Por quê? Depois, há o erro da separação entre sujeito e verbo por vírgula.
c. “… com o estado de eterno e imutável da soberania de Yahweh…”. Em outro artigo falarei sobre o uso de Yahweh nessa tradução. Aqui, o problema está na falta de sentido da frase: eterno e imutável o quê?
2. Na nota 1 do cap. 4
a. “A opressão é outro componente do drama humano de todos os dias e já foram (sic) mencionado (sic) anteriormente…”
b. “… a tristeza da vida sem sentido (nonsense)…”. O que faz essa palavra em inglês aqui? Além de não estar em itálico, é completamente desnecessária. Não seria ela sinal de que a nota é, na verdade, uma tradução, apesar da introdução dizer que não?
3. Na nota 1 do cap. 5
a. “Essa sessão trata da “soft religion” a (sic) religião universal (ecumênica) bem ao gosto do mundo…”. Por que o termo em inglês? Mesma observação feita acima… Logo depois, há um “ego” com maiúscula.
4. Na nota 1 do cap. 6
a. “… há muitas pessoas que… não sabe (sic) ser feliz com elas.”
5. Na nota 1 do cap. 7
a. A abreviatura de Filipenses é indicada como Fl, que não é de nenhum livro da Bíblia.
6. Na nota 1 do cap. 8
a. “… que criou com tanto (sic) carinho e planos. O homem rico da parábola conta (sic) por Jesus… não passa de vaidade, inutilidade “nonsense” “.
7. Na nota 1 do cap. 12
a. “… cumpriu, em si mesmo, toda a Bíblia e as Profecia (sic).” Pouco depois, há outra vez “nonsense”, desta vez sem aspas.
Estes são apenas alguns exemplos. Há vários casos de erro de conjugação, mau uso de maiúsculas, problemas de redação…
Até o próximo artigo.
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7 comments
Antonio says:
abr 5, 2015
Querido Irmão,
o que escreveste sobre a Bíblia King James foi uma bênção para mim. Muito obrigado.
Achei que poderia ser útil compartilhar o seguinte link: http://www.danielmastral.com.br/perguntas.htm
Nele tem algumas respostas que tocam nos problemas que o irmão apontou. Como ficou claro para mim que a intenção do irmão é a defesa da verdade, achei que seria válido ver o que o outro lado tem a dizer.
Deixo claro que minha intenção não é defender alguém.
Com respeito e gratidão,
Antonio
Francisco Nunes says:
abr 5, 2015
Paz, Antônio.
A menção ao Daniel Mastral (pseudônimo que ele faz questão de manter) é secundária em meu artigo, apenas para questionar os interesses da editora que publica essa versão espuriamente chamada de King James. Mesmo que as informações apresentandas sobre ele não sejam verdadeiras (ele diz não serem, eu as mantenho), elas nada mudam aquilo que pretendi focar: que a King James em português não é, de fato, uma King James.
Agradeço sua disposição em lutar pela verdade. Estamos juntos nesta luta.
Que o Senhor abençoe você ricamente.
Volte sempre.
Abraço.
Danielly Machado says:
mar 10, 2016
Boa tarde, e a Paz do Senhor. Com tudo o que li sobre a KJA, eu realmente estou assustada. Pois acreditava que era a BKJ verdadeira. Pesso que me ajude, preciso muito comprar uma Bíblia para estudo mas agora nem sei mais qual comprar. Poderia me ajudar. Desde já agradeço por tudo que tem nos mostrado. Que a Paz do Senhor esteja com VC.
Francisco Nunes says:
mar 10, 2016
Paz, Danielly!
As Bíblias de estudo que usam o texto da ACF (a única tradução atual em português que usa o Texto Recebido) podem ser encontradas na loja virtual da Sociedade Bíblica Trinitariana.
Abraço!
Ricardo Moraes says:
abr 15, 2016
Legal irmão, é bom ver que tem mais alguém que viu os absurdos da KJA. Sou um seminarista há 4 anos li a Bíblia toda algumas vezes e esta versão (KJA) estou terminando-a de ler pela segunda vez o VT e a terceira o NT. Já na primeira observei erros grotescos de digitação nos versículos. Mas confesso que sua visão foi bem mais ampla do que a minha. Também vi erros nas notas mas você achou muitos em poucas notas. Antes de ler seus comentários já estava aborrecido de ver como foram relaxados na tradução de uma bela obra como a KJ. Não por ser KJ somente, mas por antes esta ser a palavra de Deus. Nunca tinha ouvido falar desta versão que você enfatizou ser a melhor que temos em português, fiquei curioso. Mas gostaria muito de ter uma KJ traduzida com seriedade. Com todo o respeito aqueles que tentaram. Mas se eles tivessem revisado varias vezes o que escreveram teriam mostrado seriedade e zelo com algo tão importante. ( Sei que não sou bom em escrever, apesar de ler muito a Bíblia e livros, mas acredito que isso não me impeça de criticar, kkk) Tinha esperanças e encontrar uma versão KJA corrigida dos erros mas se esta já existisse você teria citado. Agora o que me resta é me esforçar para conseguir a tradução que você mencionou. Bom, já falei demais. Irmão se desejar lhe dou a lista dos versículos que consegui ver os erros, são 41. Até mais.
Paulo Matheus says:
jan 1, 2020
Olá Francisco, tudo bem?
Li na íntegra os 4 artigos sobre a KJA, é uma pena ter descoberto apenas agora. Escolhi 2019 para fazer a leitura desta versão na íntegra e na empolgação não li nada a respeito antes.
O que percebi é que geralmente eles traduzem literalmente alguns termos difíceis presentes nos originais e estendem alguns versículos, baseando-se em versões do texto crítico, assim como você bem observou.
O lado bom dessa leitura é que não adquiri a versão física: fiz a leitura online, pela versão que eles disponibilizam. Em duas oportunidades tive que entrar em contato por conter versículos incompletos nos profetas menores. No primeiro e-mail, me agradeceram pela ajuda!
Além disso, diante da dificuldade que senti ao ler e da curiosidade pelo texto original, iniciei eu mesmo uma tradução da King James, que estou postando. Ainda que não pretenda fazer algo melhor que a BV, para mim como leigo, é uma forma que achei para estudar a Bíblia – talvez como forma de compensar a leitura de 2019.
Que Deus lhe abençoe!
Francisco Nunes says:
jan 4, 2020
Paulo, que bom que os artigos foram úteis. E que bom que você teve a paciência e o bom senso de ler todos os artigos. Muitas pessoas lêem apenas as primeiras linhas do primeiro e fazem conclusões apressadas e indevidas.
Espero que você tenha muito proveito em sua tarefa de tradução!
Deus o abençoe!