“Regozijemo-nos, e alegremo-nos e demos-Lhe glória; porque vindas são as bodas do Cordeiro, e já a Sua esposa se aprontou. E foi-lhe dado que se vestisse de linho fino, puro e resplandecente; porque o linho fino são as justiças dos santos” (Ap 19.7,8).
Nesta passagem, a ênfase é totalmente colocada na idoneidade moral da noiva para a grande ocasião. “Já a Sua esposa se aprontou” para a união; “e foi-lhe dado que se vestisse”.
A veste nupcial não é aquele esplendor vulgar da grande prostituta: roupas de púrpura e escarlata, brilhando com jóias e pérolas (17.4), que apenas escondem deformidade e corrupção ocultas. A noiva santa usa apenas linho fino, resplandecente e puro. A veste do sumo sacerdote no passado era assim, quando ele entrava anualmente no Santo dos Santos diante da Presença (Lv 16.4). Aquele linho fino era tecido por mãos humanas (Êx 35.25) e, semelhantemente, a veste da noiva é feita por ela mesma: “O linho fino são as justiças dos santos” (Ap 19.8).
A própria tradução na Almeida Corrigida e Fiel (ACF) não permite que essa justiça seja a de Deus, a qual é imputada ao pecador pela fé em Cristo, pois diz: “Justiça dos santos”, e não a justiça de Deus. O sentido do termo é fixado por seu uso anterior em 15.4. A ACF traduz de modo inexato: “Teus juízos são manifestos”, mas a Almeida Revista e Atualizada (ARA) traduz corretamente: “Teus atos de justiça [ta dikaiomata] se fizeram manifestos” . “Este tecido puro, brilhante e feito de bisso, representa os atos justos dos santos […] a soma dos atos santos dos membros de Cristo, operados neles pelo Espírito Santo” (Swete). E também William Milligan (Expositors Bible, Revelation, 322):
Estes atos não são a justiça imputada de Cristo, embora só sejam realizados em Cristo. Eles expressam a condição moral e religiosa daqueles que constituem a noiva. Justiça alguma exterior apenas, com a qual possamos ser vestidos, é suficiente preparação para a bênção futura. Uma mudança interior é não menos necessária que uma idoneidade pessoal e espiritual para a herança dos santos na luz. Cristo deve ser não apenas como uma roupa, mas como vida em nós, se quisermos usufruir a esperança da glória (Cl 1.27). Não tenhamos medo de palavras como estas. Vistas corretamente, elas não interferem com nossa perfeição só no Amado, ou com o fato de que não pelas obras de justiça que tenhamos realizado, mas pela graça, é que somos salvos por meio da fé, e isto não vem de nós; é dom de Deus (Ef 2.8). Toda a nossa salvação é de Cristo, mas a mudança em nós deve ser interior como também exterior. Os eleitos são pré-ordenados para serem conformes a imagem do Filho de Deus (Rm 8.29); e a condição cristã é expressa nas palavras que dizem não somente “fostes justificados”, mas também “vós vos lavastes, mas fostes santificados […] em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus” (1Co 6.11, ARA).
E a tradução literal desta última parte, “vós vos lavastes”, enfatiza ainda mais a verdade em questão e mostra harmonia de Paulo e João sobre essa verdade.
Deve-se observar que a justiça imputada que justifica é colocada sobre o crente por Deus, não por si mesmo, sendo considerada por ele e não assumida por ele. Romanos 4.6 diz: “O homem a quem Deus imputa a justiça”. Mais ainda: esta imputação acontece no primeiro ato de fé de cada indivíduo, enquanto que o atavio dele só acontece no dia das bodas, no término da carreira de toda a igreja de Deus, e é visto como um ato unido ao primeiro.
Existe uma precisão nas palavras de Deus correspondendo exatamente ao fato das coisas. A esposa “se aprontou” e, todavia “foi-lhe dado” fazer isso. Se o Espírito de santidade não tivesse tornado possível, nenhum membro da igreja poderia realizar atos justos; mas, embora cada ato santo seja realizado pela graça do Espírito, é o santo quem o realiza. É Deus quem opera em nós o querer e o efetuar; mas somos nós quem devemos desenvolver essa salvação numa vida de atos justos (Fp 2.12,13); e, se entristecermos ou apagarmos o Espírito e assim frustrarmos a obra de Deus em nosso interior, então, o linho fino não será tecido. E nenhuma outra veste terá participação de qualquer um na glória nupcial, embora justificado na lei pela justiça imputada. Pois o perdão de uma mulher outrora rebelde não é o mesmo que se tornar, mais tarde, a esposa de seu soberano, nem tampouco existe necessidade de que o rei pensasse em tal honra para ela.
Tudo isso é ilustrado na história de Ester. De cativa ela é exaltada à posição de rainha. Com respeito às vestes e aos enfeites de que ela precisava, tudo era presente do rei, pois ela não tinha nada adequado. Mas ela tinha de vesti-los a fim de se aproximar do rei; como está escrito: “Ester se vestiu de trajes reais” (Et 5.1)
Essa obra graciosa e indispensável no crente é operada por aquilo que Cristo fala à Igreja. Assim, é dado a ela se tornar pura. Porém, as palavras devem ser obedecidas, senão permanecerão inúteis, e por isso “é dado a ela vestir-se”, realizando os atos justos direcionados pela Palavra de Deus. Tudo é pela graça; mas é a graça usada e não abusada; é a graça obedecida e não negligenciada. Pois a graça “se manifestou […] ensinando-nos, para que, renunciando à impiedade e às paixões mundanas, vivamos no presente mundo sóbria, e justa e piamente”, e só vivendo assim é que estaremos verdadeiramente “aguardando a bem-aventurada esperança e [até mesmo] o aparecimento da glória do nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo, o qual se deu a Si mesmo por nós, para nos remir de toda iniqüidade e purificar para Si um povo todo Seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.11-14). Portanto, “todo o que Nele tem esta esperança, purifica-se a si mesmo, assim como Ele é puro” (1Jo 3.3).
Aos justificados, “que conosco alcançaram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo” (2Pd 1.1-4), Pedro acrescenta o encorajamento de que Deus “nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e a piedade”, tornando assim a santidade de vida possível. Para este fim, Deus “nos tem dado as Suas grandíssimas e preciosas promessas”. Como um pai, que ao iniciar seu filho nos negócios lhe concede várias notas promissórias emitidas por um banco e pagáveis à vista, assim Deus enriqueceu Seus filhos para todas as exigências de uma vida santa. É pela oração e pela obediência às instruções de nosso Pai Celestial que asseguramos a riqueza espiritual prometida; e, à medida em que Seu caráter se torna desenvolvido progressivamente em nós, então, nos tornamos “participantes da Sua natureza divina”. Isso não é o mesmo que ter vida eterna, embora seja uma conseqüência dela. Todos os seres humanos têm vida humana, mas a natureza deles difere: alguns são rudes por natureza, outros, amáveis; uns são ativos, outros, indolentes; e assim por diante. Todos da família de Deus têm a vida do Pai, mas diferem no grau em que aquilo que é natural para Deus (como ser santo ou amar os inimigos) se torna natural neles. E essa diferença é proporcional à medida de apropriação de cada uma das promessas divinas. A negligência das promessas deixa a alma pobre, assim como negligenciar as promissórias do banco deixam o bolso vazio.
O padrão é alto, embora atingível pelo Espírito, por meio da obediência à Palavra. As histórias de José, Samuel e Daniel são narradas com detalhes. Cada um deles estava cercado de depravação moral e grosseira, mas Deus não registrou nada contra eles. Não quer dizer que não tinham pecado; só Cristo não pecou. E Paulo escreveu aos crentes numa cidade pagã e ímpia: “Para que vos torneis irrepreensíveis e sinceros, filhos de Deus imaculados no meio de uma geração corrupta e perversa” (Fp 2.12-16). É possível ao crente “guardar-se imaculado do mundo” (Tg 1.27), e aquele que assim anda de vestes brancas aqui e agora terá permissão de vestir-se para comunhão com Cristo como parte da noiva no final (Ap 3.4,5; 2Co 7.1; Ap 22.2,3). Cada um deve tecer sua veste nupcial própria e pura pela graça de Deus, e somente para o louvor e glória daquela graça. A noiva será, então, para o prazer e a honra do Noivo.
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