Há não muito tempo, encontramos uma carta numa antiga revista A Witness and A Testimony1, que foi escrita em janeiro de 1945; e, mesmo sabendo o que, na Inglaterra, as pessoas haviam sofrido nos intensos anos da II Guerra Mundial, parece que a tinta ainda está úmida e isto foi escrito para o Corpo de Cristo ontem.
Amados de Deus,
Que tempo de testes para a fé os santos enfrentam exatamente agora! E que tempo de fúria satânica! O que isso tudo significa? Parece haver somente duas respostas. Ou o Senhor está preparando movimento novo, e talvez final, para a consumação de Seu propósito na terra – o qual requer um estado que irá garantir profundidade, força e permanência, de modo que aquela plenitude real deverá marcar a recolha das colheitas para a glória em Sua manifestação – ou este é o fim de uma fase e o Senhor está vindo para os frutos maduros. Se Apocalipse 12 representa uma situação do fim dos tempos, então há muita coisa aqui que se ajusta com aquilo. As palavras aqui são, sem dúvida, proféticas, pois Apocalipse não foi escrito como história, mas como profecia em sua maior parte, isto é, não o que era passado, mas o que era naquele momento e o que viria a ser. O grande tema desse capítulo é: “Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado” (v. 10; grifos do autor).
Salvação aqui é “livramento de cada calamidade, vitória sobre inimigos, recuperação de doença e libertação do cativeiro”. O reino e a autoridade [poder] aqui referidos são resistidos pelo grande acusador, e uma grande batalha nos céus é travada para lograr o estabelecimento deles [o reino e a autoridade] pela emancipação dos eleitos tirados da esfera do poder de Satanás. Isso não joga luz sobre o teste de fé e o intenso conflito pelo qual os santos estão passando? Aqui está a explicação para as manifestações de resposta à oração há tanto tempo esperadas, as libertações postergadas, a passagem do poder de Deus da esfera temporal para a espiritual em nossa experiência: “O esconderijo da Sua força”.
A combinação de fé testada em relação às coisas visíveis e o intenso conflito na vida espiritual é muito verdadeiro em relação a esse assunto. Conforme clamamos por “salvação” em um ou outra de suas formas, e temos ficado apenas conscientes do conflito e da demora, o acusador vem e levanta perguntas sérias sobre nosso relacionamento com Deus e do relacionamento de Deus conosco. É a velha pergunta: “Se és Filho de Deus…” Assim, nós somos derrubados, ele acusa e busca fazer-nos aceitar que fomos colocados de lado, que fomos dispensados, que Deus não tem mais o que fazer conosco. O triunfo sobre isso é por testemunhar contra ele por meio do sangue do Cordeiro, pela declaração de nosso testemunho e pela eliminação do interesse próprio e de não amar-preocupar-se com a vida até a morte. O resultado é que ele é derrubado, e isso é a natureza e o objetivo da provação e da batalha. Que imensa questão está amarrada a uma pequena palavra: se. “Se… então, por quê?” Essa foi a pergunta de Gideão. Que foi apresentado a Cristo.
Mas, louvado seja Deus, o fim é revelado: o acusador é derrubado e o reino, o poder, a autoridade de Deus e de Seu Cristo são vistos chegando. Apesar de não querermos sugerir que um complexo-de-satanás deva ser desenvolvido, queremos instar que uma olhada para além das coisas, para a parte e o lugar dele nelas, será uma grande libertação da paralisia das próprias coisas. Quer estejamos vivos para isso ou não, “temos que lutar […] contra as hostes espirituais da maldade” (Ef 6.12; grifo do autor), e somente quando atacarmos as forças espirituais por trás das coisas, na infinita virtude do sangue do Cordeiro, poderemos permanecer de posse da chave da situação. Mas vamos lembrar do valor do “eles” (Ap 12.11). É necessária uma ação coletiva, e nós precisamos tomar com muito mais seriedade a oração unida contra as forças espirituais. Assim, qualquer que seja o significado imediato da presente experiência, a necessidade é a mesma: um povo com força espiritual para levar à derrubada de Satanás, ou em situações e posições específicas ou na sua expulsão final das regiões celestiais.
Que o Senhor nos fortaleça com poder para essa batalha que, conforme Ele desejar que enfrentemos, teremos no novo ano.
Vosso, em Sua vida e esperança
T. Austin-Sparks
Irmãos, ao lermos essa carta, a frase “O esconderijo de Sua força” destaca-se, e nós só a encontramos uma vez na Escritura, em Habacuque 3.4. Quando uma frase ou palavra é mencionada somente uma vez na Palavra de Deus, usualmente se refere a algo que é importante para Deus e para Seu povo. Habacuque é um pequeno livro profético que foi, provavelmente, escrito ao mesmo tempo em que Jeremias profetizou e a nação de Israel, como um todo, estava em um estado de idolatria e apostasia, como “aconteceu nos dias de Ló”.
Pouco se sabe de Habacuque além do que está em seus escritos, que nos permitem imediatamente reconhecer que era um guerreiro de oração, profundamente comprometido com o propósito de Deus. Ele era um homem que devia ter uma comunhão sem sombras com seu Senhor, pois três capítulos de seu livro são escritos em forma de colóquio, o que significa um discurso mútuo entre os que são íntimos e familiarizados um com o outro.
Assim, Habacuque e o Senhor estão mantendo uma comunhão recíproca, Espírito a espírito, alma a alma, profundeza a profundeza. Quando o discurso mútuo começa, vemos que Habacuque está desencorajado por não poder ver na esfera temporal que Deus estava trabalhando nas coisas de acordo com Seu plano: os ímpios governavam e pareciam não sofrer julgamento e os justos estavam sofrendo grandemente.
Habacuque ora (1.1-4):
“Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? […] Por que razão me mostras a iniqüidade [problemas, com referência especial à natureza e às conseqüências da malignidade], e me fazes ver a opressão [injustiça que vem para o justo e o honesto]?”
“Até quando, Senhor! Até quando!” Habacuque perguntou isso como muitos de nós o fazem em tempos de tribulação. No entanto, algo que precisamos saber é que o clamor de Habacuque não é por seus desejos pessoais, mas está orando em nome de todos aqueles que sofrem nos tempos maus.
Deus responde a Habacuque (vv. 5-11):
“Vede entre os gentios e olhai, e maravilhai-vos, e admirai-vos; porque realizarei em vossos dias uma obra que vós não crereis, quando for contada. […]” O Senhor menciona do julgamento que estava por vir. Ele diz a Habacuque que, não importa quão ruins as coisas possam parecer no reino natural, Ele está trabalhando nelas de acordo com o conselho de Sua própria vontade.
Habacuque continua o discurso com seu Senhor, por vezes ainda desencorajado, mas também encorajado, pois diz (vv. 12-17; 2.1):
“Sobre a minha guarda estarei e sobre a fortaleza me apresentarei e vigiarei, para ver o que falará a mim, e o que eu responderei quando eu for argüido.”
Deus lhe responde e lhe diz que Seu propósito e conselho certamente virá no tempo que Ele determinou (2.2-20):
“A visão é ainda para o tempo determinado, mas se apressa para o fim e não enganará; se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará.” E diz que, durante o tempo da espera, a fé do fiel será provada! “O justo pela sua fé viverá.”
Esta é a única ordem que o Senhor dá a Habacuque: “Mas o justo pela sua fé viverá”. Nessa escritura, a palavra “mas” é muito importante. É uma conjunção adversativa, marcando geralmente um contraste distintivo, uma contradistinção em relação a tudo que o cerca. Em outras palavras, o Senhor está dizendo: “Quando as coisas parecem piorar, quando o inimigo parece estar conseguindo vencer, o justo deve viver por sua fé”. O Senhor está dizendo a Habacuque que a vida dele deve ser um contraste distinto, deve ser diametralmente oposta a tudo que Satanás instiga no mundo ou no meio do povo de Deus. Habacuque deve viver e se mover e ter seu ser na esfera da fé.
Então, o Senhor continua a falar do julgamento, bem como muitas palavras proféticas que seriam (e são) muito difíceis para os fiéis entenderem. No entanto, bem no meio de todo esse julgamento, Ele espantosamente declara:
“Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar. […] Mas o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra.” (2.14,20)
Quando Deus partilha isso com Habacuque, o profeta irrompe numa gloriosa oração que é um salmo de louvor bem como uma oração de guerra do Espírito. Pois, mesmo que possa parecer que todas as coisas não estejam funcionando de acordo com o propósito de Deus, Habacuque vem a perceber que o exato oposto é verdadeiro: Deus está de fato ocultando Seu poder, e no reino invisível o inimigo está sendo derrotado e os eleitos de Deus estão sendo libertados para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.
“[…] e ali estava o esconderijo da sua força. […] e os montes perpétuos foram esmiuçados; ou outeiros eternos se abateram, porque os caminhos eternos lhe pertencem” (3.4,6).
Amados, vamos nos tornar guerreiros de oração, tal como Habacuque, por unir-nos aos justos de todas as eras que, no meio de suas provações, viveram pela fé no Filho de Deus, e vamos, no Espírito, abraçar o encargo de nosso Senhor para Seu povo (o nome Habacuque implica “aquele que abraça o encargo”) e cantar como Habacuque:
“Porque ainda que a figueira não floresça
nem haja fruto na vide;
ainda que decepcione o produto da oliveira
e os campos não produzam mantimento;
ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas
e nos currais não haja gado;
todavia eu me alegrarei no Senhor,
exultarei no Deus da minha salvação.
O Senhor Deus é a minha força,
e fará os meus pés como os das cervas
e me fará andar sobre as minhas alturas”
(vv. 17-19).
Amém! Amém! Amém!
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1 Essa revista, Uma Testemunha e um Testemunho, cujo editor era T. Austin-Sparks, não é mais publicada. Ele partiu para o Senhor na primavera de 1971.
(Traduzido por Francisco Nunes do livreto The hiding of His power, publicado em 1994 por Emmanuel Church, Tulsa, Oklahoma, EUA, sem indicação de autoria.)
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