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Vida cristã

Obras ou caráter? Qual é mais importante?

Délcio Meireles

Na revista de edificação cristã À Maturidade, em um artigo sobre a vida do irmão watchman Nee, está escrito: “Provavelmente os seguintes lemas do irmão Nee podem nos fornecer uma explicação melhor”. Em seguida são mencionados os cinco lemas que moldaram a vida e o ministério daquele servo de Deus. Por serem de grande valor para um entendimento claro do que é a verdadeira vida com Deus, vamos mencioná-los acrescentando alguns comentários sobre seu significado.

1.“Deus enfatiza o que somos, mais do que aquilo que fazemos.”

Primeiro ser e depois fazer – esta é a ordem divina. Infelizmente a igreja, em seu desesperado ativismo, inverteu essa ordem trazendo grande prejuízo. Devemos ser primeiro sal da terra e depois luz do mundo (Mt 5.12,13). Quantos cristãos manifestam sua luz, mas, quando são examinados de perto, descobre-se que lhes falta o sal. O sal nos fala do poder da vida de ressurreição, que impede o mau cheiro da carne e sua manifestação. Quantas obras são realizadas no nome de Deus, mas tendo como alavanca o poder da carne?! Somos impulsionados a realizar obras para Deus que não nasceram na vontade do Espírito Santo.

O livro de Atos mostra um acontecimento impressionante na vida do apóstolo Paulo: ele foi impedido de pregar o evangelho (16.6). Graças a Deus, Paulo obedeceu, deixando de ir para a Ásia, a fim de, depois, receber a chamada de Deus para se dirigir à Europa, de onde nos veio o evangelho.

Creio que Jesus estava se referindo a esse tipo de obra quando declarou o seguinte: “Muitos me dirão naquele dia: Senhor, Senhor não profetizamos nós em teu nome? E em teu nome não fizemos muitos milagres? Então lhes direi claramente: Nunca vos conheci; apartai-vos de mim, vós que praticais a iniqüidade” (Mt 7.21-23). Muitos não entendem essa passagem por causa das palavras “nunca vos conheci” e “vós que praticais a iniqüidade”. Na Bíblia anotada de Scofield há uma referência marginal se referindo à palavra “iniqüidade”: ela é substituída por “ilegalidade”. Iniqüidade indica pecado, transgressão, enquanto ilegalidade é uma obra realizada sem autorização, seja boa ou má. Muitos filhos de Deus realizam esses três tipos de obras em nome do Senhor, sem terem sido autorizados para tal.

Quanto à expressão “nunca vos conheci”, a referencia não é às pessoas que fizeram as obras, mas sim às obras feitas. Mas elas fizeram o que disseram? Sem dúvida. Se Paulo tivesse desobedecido ao Espírito e entrado em Bitínia para pregar, muitos teriam se convertido ao Senhor; todavia, essa obra seria como madeira, feno e palha no tribunal de Cristo (1Co 3.10-15).

2. “A verdadeira obra é a que procede da vida.”

Deus enfatiza mais o que somos do que aquilo que fazemos. Aqui nos é dito que a verdadeira obra deve ter origem na vida de Cristo. Não existe algo como “obra voluntária”. Os avivalistas criaram uma coisa estranha ao ensinamento bíblico que é: “Eu me ofereço para ser missionário.” Não existe tal coisa na Palavra de Deus! Para um crente se tornar missionário é preciso que ele seja chamado por Deus!

Moisés se ofereceu para tirar o povo do Egito. Ele só tinha quarenta anos e só possuía o treinamento do Egito. Deus o levou para Midiã, onde ele passou mais quarenta anos. Ali o Espírito Santo o quebrou e o disciplinou. Aos quarenta anos ele matou um egípcio; aos oitenta ele viu o anjo do Senhor destruir numa única noite todos os primogênitos do Egito! O oferecimento de Moisés para ser o libertador foi algo de sua mente, emoção e vontade. Ele foi salvo das águas para ser o libertador, mas teria de aguardar o sinal do Senhor.

Jesus disse várias vezes: “Ainda não é chegada a Minha hora, isto é, a hora determinada pelo Pai.” Portanto, amado irmão, se você não foi movido pela vida de Cristo em você, não tente fazer nada. Tais obras serão semelhantes às de Mateus 7.21-23 e ao fogo estranho que os filhos de Arão ofereceram (Lv 10.1,2).

3. “O serviço que tem valor é sempre a manifestação da vida de Cristo.”

O que Deus tem em vista não é a manifestação de determinadas obras. O pensamento dos cristãos hoje é que a obra em si já é suficiente para ser considerada digna de ser realizada. Muitos pregadores ensinam: “Tudo quanto te vier as mãos para fazer, faça conforme as tuas forças” (Ec 9.10). Estas palavras foram escritas na época da lei, quando o Espírito Santo ainda não habitava naqueles que criam. Na era da graça, a unção habita em nós e nos ensina todas a coisas (1Jo 2.27).

No Evangelho de João foram mencionados cinco milagres. Ali eles foram chamados de sinais, porque a finalidade de cada um era anunciar uma verdade espiritual. Por exemplo: Jesus multiplicou os pães – Ele é o Pão da vida; Ele curou um cego de nascença – Ele é a Luz do mundo. O milagre em si não é tão importante, mas Aquele que o realiza sim – Esse é importantíssimo: o Senhor Jesus. Se as obras que realizo não manifestam a vida do Senhor Jesus, Sua glória, amor e poder, é melhor que não sejam feitas.

4. “Consagração não é trabalhar para Deus, mas ser trabalhado por Deus.”

A consagração é algo tremendo e uma das primeiras coisas que o novo crente deve aprender. Mas como ela é mal compreendida! Lembro-me quando pregadores abençoados vinham realizar séries de conferências no lugar onde eu me reunia. No domingo pela manhã, a mensagem era para os crentes, e, em seguida a ela, era feito um convite para se consagrarem ao Senhor. Depois de ouvir o grande servo de Deus Pr. Davi Gomes, meu coração foi tocado pelo Espírito Santo. Não consegui esperar o fim da pregação. O servo do Senhor, entendendo o sentido espiritual do que acontecia, encerrou a mensagem, da mesma forma como Pedro na casa de Cornélio (At 10.44), e convidou outros que tomassem a mesma decisão. Qual? Servir ao Senhor. Oh, que dia maravilhoso! Nunca vou me esquecer daquele dia, da minha conversão.

Eu me ofereci para servir ao Senhor no meio dos índios, mas isso nunca aconteceu. Dentro de poucos anos eu fui consagrado ao ministério da Palavra, para logo depois descobrir que não havia sido preparado para essa obra. Se eu fosse um diácono creio que já seria muito. Naquela manhã de domingo eu estava me consagrando ao Senhor para que Ele pudesse trabalhar na minha vida. Hoje são passados 36 ou 37 anos desde aquele dia: quanto o Espírito trabalhou em mim eu não posso dizer. Mas sei o quanto Ele ainda precisa trabalhar. Hoje está claro que o alvo do Senhor não é me preparar para trabalhar para Ele e sim me preparar para Ele mesmo.

5. “Aqueles que não permitem que Deus trabalhe neles nunca poderão trabalhar para Ele.”

Muitos filhos de Deus almejam servir ao Senhor, mas não descobriram que eles mesmos são o grande empecilho. Foi por isso que a perseguição no Egito aconteceu, forçando Moisés a fugir. Ó fuga gloriosa! Depois de quarenta anos sob o treinamento de Deus, o servo estava pronto. Como sabemos? Por suas palavras: “Quem sou eu, Senhor, para que vá a Faraó e tire do Egito os filhos de Israel?” (Êx 3.11).

A obra do Senhor em nós tem como alvo quebrar nossa autoconfiança, revelar nosso orgulho e positivamente formar Cristo em nós (Gl 4.19). Quantos cristãos são postos de lado temporariamente, mas continuam edificando com madeira, feno e palha e oferecendo fogo estranho ao Senhor? Se a Nuvem parar, devemos parar também!

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