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Vida cristã

Aos Pés da Cruz ou Crucificado Nela?

Fala-se e canta-se muito que devemos estar aos pés da cruz, não obstante as Escrituras não falarem absolutamente nada sobre isso. Ao contrário, as Escrituras afirmam que estamos crucificados com Cristo, ou, em outras palavras, que não ficamos lá embaixo, aos pés dela, mas, sim, em cima, de braços abertos. Mas nunca se ouve ninguém falando assim.

Embaixo, aos pés da cruz, pode ficar toda sorte de pessoas. Mas só se deixam dependurar nela aqueles que odeiam a sua própria vida até a morte e amam a Deus de todo o seu coração. São estes que, por meio da fé, tornam-se participantes da morte e da vida de Cristo, e querem caminhar em suas pisadas, não importa a que preço.
O perdão de seus pecados as pessoas podem obter também “aos pés da cruz”, embaixo, mas não a vitória sobre o pecado. Esta só se alcança lá em cima, dependurado. Os que ficam aos pés da cruz podem pecar, mas os que estão lá em cima, não.

Que os olhos de muitos sejam abertos nestes dias, para que vislumbrem o glorioso mistério da fé!

(Elias Aslaksen, in Estou Crucificado com Cristo, La Vida, 1988, traduzido do alemão)

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Estudo bíblico

O primeiro pecado do homem

Watchman Nee

Gn 2:9 “E o Senhor Deus fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida, bem como a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal. (…) Ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim podes comer livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.9,16,17).

“Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais do campo, que o Senhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais. Disse a serpente à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal. Então, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, comeu, e deu a seu marido, e ele também comeu. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; pelo que coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. E, ouvindo a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim à tardinha, esconderam-se o homem e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim” (3.1-8).
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Neste estudo, gostaríamos de ver como foi que o primeiro homem pecou, e recebê-lo como admoestação para nós hoje. Pois como foi o primeiro pecado, assim serão todos os pecados depois dele. O pecado que Adão cometeu é o mesmo que todos nós cometemos. De modo que, conhecendo o primeiro pecado, podemos compreender todos os pecados do mundo. Pois, segundo a perspectiva bíblica, o pecado possui um único princípio.

Em todo pecado podemos ver o “ego” em operação. Embora hoje em dia as pessoas classifiquem os pecados em um sem-número de categorias, entretanto, falando por indução, há somente um pecado básico: todos os pensamentos e ações que constituem pecado estão relacionados com o “ego”. Em outras palavras, embora o número de pecados no mundo seja deveras astronômico, o princípio subjacente a cada pecado é somente um – tudo o que satisfaz o ego. Todos os pecados são cometidos por causa do ego. Se faltar o ego, não haverá pecado.

Examinemos este ponto mais atentamente.

Que é orgulho? Não é uma exaltação do ego?
Que é ciúme? Não é o temor de ser suplantado?
Que é a emulação? Nada mais é que a luta par ser melhor do que os outros.
Que é a raiva? É a reação contra a perda sofrida pelo ego.
Que é o adultério? É seguir as paixões e lascívias do ego.
Não é a covardia o cuidado que se dá à fraqueza do ego?
Ora, é impossível mencionar todos os pecados, mas se examinássemos a todos, um por um, descobriríamos que o princípio de todos eles é o mesmo: algo que de alguma maneira se relaciona com o ego. Onde quer que se encontre pecado, aí também estará o ego. E onde quer que o ego for ativo, ali também haverá pecado à vista de Deus.

Por outro lado, ao examinarmos o fruto do Espírito Santo – que representa o testemunho cristão – facilmente veremos o oposto: nada mais é do que atos desprendidos do ego.

Que é amor? Amor é apreciar os outros sem pensar no ego.
Que é alegria? É olhar para Deus a despeito do ego.
Paciência é desprezar nossa própria dificuldade.
Paz é deixar a perda de lado.
Gentileza é não prestar atenção a nosso próprios direitos.
Humildade é esquecer-se dos méritos próprios.
Temperança é o ser sob controle.
Fidelidade é domínio-próprio.
Ao examinarmos todas as virtudes cristãs, discerniremos que a não ser pela libertação do ego ou do seu esquecimento, o crente não possui outra virtude. O fruto do Espírito Santo é determinado por um único princípio: a perda total do ego.

Mencionei somente algumas virtudes e alguns pecados; mas acho que são suficientes para provar que pecado é seguir o ego, ao passo que virtude é esquecer-se do ego.

Se compreendermos estes dois princípios, poderemos diariamente observar todos os vários pecados e julgar se cada um deles relaciona-se com o ego ou não. Mas permita-me dizer-lhe claramente que à parte do “desprendimento” humano não há virtude, e à parte do seu “egoísmo” não há pecado. O ego do homem é a raiz de todos os males.

Nas passagens que lemos no início deste capítulo, vimos que existiam duas árvores no jardim do Éden, e que Adão, ao comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, trouxe o pecado ao mundo. Examinemos mais atentamente as duas árvores mencionadas. Usarei duas palavras para representar o significado de ambas as árvores. O significado da árvore do conhecimento do bem e do mal é independência, e o da árvore da vida é confiança.

Examinaremos primeiro a árvore do conhecimento do bem e do mal. De saída devemos compreender que o comer do fruto desta árvore em si não é o grande pecado. Aqui, Adão não cometeu adultério, assassínio, nem muitos outros pecados imundos. Simplesmente comeu do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ora, embora o que Adão cometeu não fosse algum pecado horrível, não obstante, o comer do fruto desta árvore fez com que não somente ele caísse, mas também sua descendência; desta forma enchendo o mundo de pecados. Embora o pecado cometido por ele não fosse horrível, seu ato deu ensejo a toda sorte de pecados. Segundo nossa lógica, se o primeiro pecado do homem for o “gerador” de todo o pecado do mundo, esse primeiro pecado deve ser o mais horrível de todos. Entretanto, o que vemos aqui é meramente um homem comendo fruto demais. Em certo sentido, portanto, é de aparência inofensiva.

Por que isto é assim? Deus vê o pecado de Adão como espécime típico de incontáveis pecados a serem cometidos por todos os homens depois dele. Deus deseja que compreendamos que não importa qual seja a natureza do pecado de Adão, essa também será a natureza dos múltiplos e variados pecados que o mundo cometerá depois de Adão. Externamente o pecado pode ser polido ou rude, mas sua natureza e princípio permanecem sempre os mesmos. O pecado de Adão não é mais que seguir sua própria vontade. Uma vez que Deus lhe havia proibido comer desse fruto particular, ele devia completamente ter-se desfeito de sua própria inclinação e obedecido a Deus. Mas ele desobedeceu a Deus e comeu o fruto, segundo sua própria vontade. E assim ele pecou. Daí se depreende que o pecado de Adão nada mais foi que agir fora de Deus e segundo sua própria vontade. Embora os pecados cometidos pela descendência de Adão diferissem grandemente do seu em aparência (pois não há outra pessoa que possa cometer o mesmo pecado que Adão cometeu), porém, em princípio, também agiram segundo sua própria vontade; logo, seus pecados têm todos a mesma natureza.

É pecado conhecer o bem e o mal?

Não é virtude conhecer o bem e o mal?

Deus conhece o bem e o mal (Gn 3:5,22).

É pecado ser igual a Deus? Por que , pois, o ato de Adão torna-se a própria raiz de todo o pecado e miséria humanos? Por que motivo?

Embora tal ação aparentemente seja boa, Adão agiu sem o mandamento ou promessa de Deus. E ao tentar conseguir esse conhecimento fora de Deus, segundo seu próprio ego, Adão pecou.

Agora percebemos o significado da palavra “independência”.

Todas as AÇÕES independentes de Deus são pecado.

Adão não tinha confiado em Deus; não tinha tomado a decisão de obedecer a Deus; havia agido independentemente de Deus; e a fim de conseguir a independência contra Deus. E é por isso que o Senhor declarou ser isto pecado.

Portanto, compreenda isto, não é preciso cometer muitos e terríveis pecados a fim de se considerar pecado. Para Deus, todas as ações realizadas fora dele são pecado. “Ser igual a Deus”, por exemplo, é excelente desejo; mas tentar fazê-lo sem ouvir o mandamento de Deus e sem esperar pelo tempo de Deus é pecaminoso à Sua vista. Quão freqüentemente julgamos ser as coisa más pecados e as boas, justiça. Deus, entretanto, vê as coisas de maneira diferente. Em vez de diferenciar o bem e o mal pela aparência, ele olha para o modo com que tal ação é feita. Não importa quão excelente tal coisa possa parecer ao mundo, tudo o que for feito pelo crente sem procurar a vontade Deus, sem esperar por seu tempo, ou sem depender de seu poder (mas feito segundo nossa própria vontade, com pressa, ou por nossa própria habilidade) – tal ação é pecado à vista de Deus.

O Senhor não olha para o bem ou para o mal da coisa em si. Antes, olha para sua fonte. Ele anota mediante que poder tal coisa é feita. À parte de seu próprio poder, Deus não se interessa por nenhum outro. Ainda que fosse possível que o crente fizesse algo melhor que a vontade de Deus, ele ainda condenaria a ação e consideraria o crente ter pecado.

É verdade que todas as suas obras e aspirações são segundo a vontade de Deus? Ou são elas simplesmente sua própria decisão? Suas obras têm origem em Deus? Ou são elas realizados segundo seu bom prazer? Todas as nossas ações independentes, não importa quão excelentes ou virtuosas pareçam ser, não são aceitáveis a Deus. Tudo o que é feito sem saber claramente a vontade de Deus, é pecado aos olhos Dele. Tudo o que é realizado sem depender Dele também é pecado.

Os cristãos de hoje são muito capazes de fazer coisas, são muito ativos e fazem coisas boas em excesso! Entretanto, Deus não olha para a quantidade de boas obras que a pessoa realiza; interessa-se somente pelo quanto é feito por amor ao Seu mandamento. Ele não indaga o quanto a pessoa trabalhou para ele; simplesmente pergunta o quanto depende Dele. O prazer de Deus não se encontra na muita atividade , e sim, na dependência que a pessoa tem Dele. Não importa quão zelosamente você trabalhe para o Senhor, sua obra será em vão se não for feita por Ele em você. Devemos fazer esta pergunta a nós mesmos: é a obra que faço realizada pelo Senhor em mim, ou sou eu mesmo quem a efetua?

Todas as OBRAS independentes de Deus são pecado.

Por favor, tenha em conta que podemos pecar até mesmo enquanto salvamos almas. Se não dependermos de Deus, mas confiarmos em nosso próprio entendimento e experiência do evangelho, à vista de Deus estaremos pecando, e não salvando almas, ainda que gastemos tempo e energia persuadindo as pessoas a crerem no Senhor!

Se em vez de perceber nossa total fraqueza e depender inteiramente do poder do Senhor, tentarmos edificar os santos com a força de nosso conhecimento bíblico e da excelência de nossa sabedoria, aos olhos de Deus estaremos pecando enquanto pregamos! Por melhores que todos os atos de amor e compaixão possam parecer ao público, – se forem realizado por nosso impulso ou força – aos olhos de Deus são pecaminosos. O Senhor não pergunta se fizemos um bom trabalho; somente examina se confiamos nele. Tudo o que é feito por nossa própria vontade será queimado no dia do juízo de Cristo, mas o que é realizado em Deus permanecerá.

O significado do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal não é outro senão o estar ativo fora de Deus, procurar o que é bom segundo o entendimento da própria pessoa, estar com pressa e ser incapaz de esperar a fim de obter o conhecimento que Deus ainda não deu; não confiar no Senhor, mas procurar avançar pelo nosso próprio caminho.

Tudo isso pode ser resumido numa frase:

Independência de Deus

Deus não tem prazer no homem que se aparta Dele e age independentemente. Pois Ele deseja que o homem confie Nele.

O propósito do Senhor ao salvar o homem e também ao criá-lo é que o homem cofie Nele. Eis o significado da árvore da vida: confiança. “De toda árvore do jardim comerás livremente”, disse Deus a Adão; “mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás”. Dentre todas as árvores cujos frutos podiam ser comidos, Deus menciona especialmente a árvore da vida em forte contraste com a árvore do conhecimento do bem e do mal. “E também a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal”. Ao notarmos a menção particular de Deus à árvore da vida, devemos reconhecer que de todas as árvores comestíveis, esta é a mais importante. É desta árvore que Adão devia ter comido primeiro. Por que é isto assim?

A árvore da vida representa a vida de Deus, a vida não criada de Deus. Adão é um ser criado, portanto, não possui esta vida não criada. Embora a esta altura ele ainda esteja sem pecado, não obstante, é apenas natural, uma vez que não recebeu a vida santa de Deus. O propósito de Deus é que Adão escolha o fruto da árvore da vida por sua própria vontade para que se relacione com Deus pela vida divina. Assim, Adão, de simples criatura de Deus, chegaria ao novo nascimento. O que Deus requer de Adão é que negue sua vida natural e se una a Ele pela vida divina, destarte vivendo diariamente pela vida de Deus. Este é o significado da árvore da vida. O Senhor queria que Adão vivesse por essa vida que não era dele originariamente.

Logo, temos aqui o sentimento distinto da independência, confiança. Pois, quando o ser criado vive por sua vida natural, não precisa depender de Deus. Esta vida criada é autônoma e autopreservadora. Mas, para que o ser criado via pela vida do Criador, ele tem que ser totalmente dependente, pois a vida que levaria então não seria sua, mas de Deus. Ele não poderia ser independente de Deus, mas teria que manter constante comunhão com Ele e confiar completamente Nele. Essa é a vida que Adão não tem em si mesmo, e logo, deve confiar em Deus a fim de recebê-la. Além disso, essa vida – se recebida por Adão – é a que ele não poderia levar por seu próprio esforço; por isso teria que depender de Deus continuamente a fim de conservá-la. Assim, a condição para conservá-la tornar-se-ia a mesma condição para recebê-la. Adão teria de depender dia a dia, a fim de viver esta vida santa de uma maneira prática.

Tudo isto que temos dito com respeito a Adão, Deus também o exige de nós. Na época de Adão, a vida de Deus e a vida do homem estavam presentes no jardim. Hoje, a vida divina e a vida humana estão presentes em nós. Nós os que cremos no Senhor e somos salvos, nascemos de novo – isto é, nascemos de Deus; e assim temos uma vida de relacionamento com Deus. A vida da criatura está em nós, mas também está a vida do Criador. O problema atual então é se vivemos ou não pela vida divina – se nossa vida depende ou não totalmente de Deus. Assim como nossa carne não pode viver se estiver separada de sua vida natural, da mesma forma nossa vida espiritual não pode prosseguir se estiver separada da vida do Criador.

Deus não deseja que tenhamos nenhuma atividade fora Dele. Deseja que morramos para nós mesmos e sejamos dependentes Dele como se não pudéssemos nos mover sem Ele. Ele não gosta que iniciemos nada sem sua ordem. Ele se agrada de que realmente percebamos nossa inutilidade e confiemos Nele de todo o coração. Devemos resistir a todas as ações independentes de Deus. As obras que são feitas sem oração e espera, sem procurar conhecer claramente a vontade divina, sem confiar inteiramente em Deus, e sem examinar nossa consciência, a fim de determinar se o ego ou a impureza estão misturados: tudo isto provém de nós mesmos e é pecado à vista de Deus.

O Senhor não pergunta quão boa é nossa obra; Ele somente pergunta quem fez a obra. Ele não será movido pelo pequeno bem que você e eu façamos. Ele não está satisfeito com nada a não ser a SUA obra. Você pode estar ativamente engajado na obra Dele e trabalhar muito. Você pode até mesmo sofrer por causa de Cristo e de Sua igreja; mas se não tiver certeza de que é Deus que deseja que você realize a obra, ou, se não compreender completamente sua própria ignorância e incompetência, e com muito temor e tremor se lançar sobre o Senhor, então, como Adão, você estará pecando à vista de Deus. Oh! Cesse sua própria obra! Não pense que pode fazer tudo o que seja bom. Você pode labutar e se esforçar segundo seu próprio prazer, mas terá pouca ou nenhuma utilidade espiritual.

Todos nós sabemos que o incrédulo, não importa quão boa seja sua conduta, não pode ser salvo por ela. Não conhecemos nós tantos não-crentes cuja conduta é recomendável? São amáveis, gentis, humildes, pacientes; muitas vezes ultrapassam a média dos cristão em virtude. Por que, apesar da conduta invejável, ainda não são salvos? Porque todo este bem provém de sua vida natural, logo, não podem obter a aprovação de Deus. Deus somente se agrada do que pertence a Ele; do que procede Dele. Consequentemente, incrédulo algum pode agradar a Deus com seus próprios feitos.

O mesmo se aplica ao crente. Pensamos poder agradar ao Senhor com nossas obras boas e zelosas? Precisamos compreender que, a não ser pela vida que Deus nos deu, não existe a mínima diferença entre o nosso ego e o ego dos incrédulos. Os egos são absolutamente os mesmos. A vida natural do pecador e a vida natural do santo não diferem uma da outra. Se as boas ações realizadas pelos incrédulos mediante esta vida natural são rejeitados por Deus, também o será o bem praticado mediante a vida natural pelos crentes.

É triste que esqueçamos tão prontamente a lição que antes tínhamos aprendido! Quando cremos no Senhor Jesus, Deus convenceu-nos por Seu Espírito Santo de que nossa justiça, a seus olhos, para nada servia. Depois de sermos salvos, entretanto, de alguma forma, voltamos a imaginar que agora nossa própria justiça é útil e agradável a Deus. Devíamos saber que pelo fato de sermos salvos e nascidos de novo nossa velha vida não melhorou nem mudou em nada. A não ser pela vida nova recém obtida, nosso antigo ego permanece o mesmo.

O princípio que aprendemos na regeneração devia ser mantido continuamente. Uma vez que nós, quando incrédulos, não fomos salvos por nossas obras independentes, da mesma forma, nós os crentes, não ganharemos a aprovação de Deus por nossas ações independentes. Tudo o que é feito fora da dependência de Deus é desagradável a Ele. Quer proceda do pecador, quer do santo, a ação independente é rejeitada por Deus.

Você pode se gloria de quanto, como crente, tem feito; o quanto tem trabalhado, e até mesmo quanta benção e fruto tem experimentado; ainda assim, aos olhos de Deus estas não passam de obras mortas e sem utilidade alguma, pois todas elas são realizadas por você mesmo, e não pela operação divina em você.

Quão difícil é depender de Deus! Quão difícil é para os sábios confiarem! Quão árduo é para os talentosos confiar em Deus! Muitas vezes tornamo-nos ativos sem esperar que Deus nos dê força especial. É-nos tremendamente difícil negar o nosso talento, tornar-nos totalmente inúteis perante Deus e não depender de nossa capacidade, mas totalmente do Senhor. O Senhor deseja que neguemos a nós mesmos e a nosso poder e que reconheçamos a nossa fraqueza e a inutilidade de nossas palavras e ações. A não ser que primeiro chegue o suprimento de Deus, não podemos dizer palavra alguma nem realizar nada. É assim que Ele deseja que dependamos Dele, pois o que temos em nós mesmos sem dúvida nos afastará de Deus. Nosso talento, nossa sabedoria, nosso poder e nosso conhecimento, tudo tenderá a fortalecer nossa autoconfiança excluindo nossa confiança Nele. A menos que propositada e persistentemente neguemos nossa capacidade, jamais dependeremos de Deus.

Quando pequena, a criança depende de seus pais para tudo; mas quando cresce possui em si mesma tal poder e sabedoria que procura a independência em vez da dependência. Nosso Deus deseja que tenhamos com ele um relacionamento permanente como crianças para que possamos continuamente confiar Nele.

Você acha que agora tem poder? Que já foi santificado? Que já foi enchido permanentemente com o Espírito Santo? Que suas obras já produziram frutos? Se assim for, essa maneira de pensar priva-lo-á de um coração dependente. É preciso que você mantenha a atitude e a postura de desamparo perante os homens a fim de fazer real progresso no caminho de Deus. Se permitir que o ego penetre sutilmente de modo que você considere a si mesmo com tendo tudo, deve compreender que não mais estará dependendo de Deus.

Eu, que agora falo com você, não tenho certeza alguma quanto a meu futuro. Não sei se ainda estarei pregando o evangelho no ano que vem. A menos que Deus me conservar até o ano que vem, pode ser que eu não possa servir; deveras, posso até mesmo nem seguir a Cristo. Digo isto com um coração angustiado, pois sei que não tenho meios de conservar a mim mesmo. Se Deus não me conservar, confesso não ser por mim mesmo capaz de estar em pé no lugar humilde de hoje. Lembro-me de como estive a ponto de separar-me de Cristo muitas vezes desde o dia em que me tornei crente, mas louvo a Deus por ter-me conservado.

Permita-me dizer-lhe que, a não ser mediante o depender de Deus e confiar nele momento a momento, não conheço outra maneira de viver uma vida santificada. Se não dependermos do Senhor não podemos saber quanto tempo podemos viver como crentes por um único dia.

Será que realmente percebemos isto? Ou será que ainda temos um pequeno poder com o qual sustentar a nós mesmos e ter sucesso em muitas coisas? Seja manifesto a todos que a autoconfiança é o inimigo da dependência de Deus. Deus deve levar-nos até nosso fim para que saibamos não existir bem algum em nós.

Não fosse por sua graça, teríamos derrotas de todos os lados. Devemos chegar ao ponto que percebamos ser absolutamente indignos e não ter força alguma. Não ousamos ser autoconfiantes, nem ousamos tomar qualquer ação independente, fora de Deus. Devemos continuar prostrados perante Ele com temor e tremor, buscando Sua graça. De outra forma, nossa natureza fará com que nos consideremos competentes, tendo prazer em nossa próprias atividades e recusando-nos a depender de Deus.

Ao olhar para os anos passados posso ver que muitos irmãos a quem conheci se desviaram. Ainda me lembro do que certo irmão me disse um dia: ” senhor, agora conhecemos as Escrituras que o senhor prega; temos feito grande progresso e não estamos muito distantes de seus obreiros.”. Que autoconfiança! Mas onde estão esses irmãos hoje? Também lembro de outro irmão dizer-me recentemente: “Irmão Nee, pode ser que eu não conheça muita coisa, mas pelo menos conheço os ensinamentos bíblicos…” ao ouvir isto, imediatamente percebi que este irmão corria sério perigo. Hoje, ele também se desviou do caminho estreito. São muitas as tragédias similares que podemos recordar durante nossa vida. A causa principal de tais tragédias é a autoconfiança. A autoconfiança é a causadora de todas as derrotas.

O que Deus deseja que saibamos hoje é que não podemos depender absolutamente de nosso ego. Deseja que confessemos nossa fraqueza e inutilidade em todo o tempo. Deseja que tenhamos consciência do que nunca tivemos antes – isto é, deseja que estejamos cônscios de nossa total insuficiência e que admitamos que se não fosse por seu poder conservador, não podíamos permanecer nem um momento, e que se não fosse por sua fortaleza, nada podíamos fazer. Possamos nós ser quebrantados pelo Senhor hoje, para que não ousemos tomar nenhuma ação independente ou abrigar nenhuma atitude fora Dele. Doutra forma, o fim inevitável será a vaidade e a derrota.

Que Deus tenha misericórdia de todos nós!

Watchman Nee (Extraído do Livro “O Mensageiro da Cruz” – 1926)

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Encorajamento Vida cristã

Temos de Conservar os Olhos em Cristo

Não nos entreguemos ao desânimo, por mais oprimidos ou molestados que estejamos. A pessoa desanimada nada pode fazer. Nesse estado, ela não consegue resistir aos ardis do inimigo nem prevalecer em oração pelos outros. (…) No momento em que nosso coração rejeita a desconfiança ou o desânimo, o Espírito Santo desperta em nós a fé e sopra em nossa alma o vigor divino. (…) Se o crente mais fraquinho submeter-se ao Senhor e recorrer a Ele no nome de Jesus e com a fé singela de uma criança, todo o pode de Deus estará ao seu lado. (…) Temos de conservar os olhos em Cristo.

(Lettie Cowman)

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Testemunho

Da manjedoura à piscina

“O Senhor Jesus nasceu numa manjedoura!”

Este era o pensamento que consolava meu coração aflito. A sujeira e a escuridão eram angustiantes.

“Senhor, cuida do meu filho!”

Alguns meses antes, eu e minha esposa havíamos visitado o lugar. Instalações novas e modernas, recém-inauguradas, equipamento novo, completo, profissionais jovens e simpáticos, bem dispostos e de cara amiga. Excelente! “Já sabemos onde nosso filho irá nascer!” A maternidade pública próxima de nossa casa era resposta às orações. Sem convênio médico, numa cidade grande e nova, longe de minha irmã médica, era a segurança de que precisávamos. “Graças a Deus!”

– Liga pro Carlos!
Eram 3h da madrugada de 26 de agosto de 1991. As contrações se tornavam cada vez mais próximas uma da outra, a bolsa se rompera. Chegara a hora: Calebe queria nascer!
Carlos, um querido e tranqüilo irmão, morava relativamente perto de nós. Gentilmente havia se prontificado a nos levar para a maternidade. Ele nos acompanhara naquela visita que fizemos ao local.
– Carlos? Desculpe ligar a essa hora… É, o Calebe tá chegando!

Todo o período da gravidez havia sido cercado dos cuidados de Deus por meio de Seus filhos. Eu, minha esposa e dois filhotes viéramos de Porto Alegre para São Paulo há quatro meses. Terceira gravidez, cidade grande, muitas promessas e promessas quebradas (“Não foi isso que tinham nos falado!”), moradia num local de reuniões, sem plano de saúde, distância de tudo e de quase todos: tempo de provação em que a alma lutava para descansar e confiar em Deus.
Mas Ele, em Sua sempre infinita e imerecida bondade, nos cobriu de mimos. Entre os irmãos com quem nos reuníamos havia uma pediatra, uma médica, um dono de farmácia (o Carlos!), um casal sem filhos e dois dentistas, além de muitos outros amados santos. Resultado: compramos apenas uma chupeta para o Calebe.
E, para coroar todo aquele cuidado tão minucioso, a maternidade vizinha e reluzente. A única dor que havia eram as contrações. O coração estava tranqüilo, ansioso apenas para ver o guri que estava chegando.

Carlos chegou.

– Mas como?!
– Senhor, não podemos fazer nada. Todos os leitos estão ocupados e há quatro pacientes esperando vaga antes de sua esposa.
“Mas como? Por quê? Senhor, tava tudo tão certinho?! E meu filho?”

O ambiente era um caos. Pessoas correndo, mulheres e maridos preocupados de um lado para o outro, funcionários dando explicações, pacientes em macas no corredor, unhas sendo roídas, angústia palpável no ar, telefonemas sendo dados para todas as maternidades públicas da cidade, olhares pedindo socorro, os olhos do coração procurando Deus.
– Não tem vaga? Tá ok. Obrigado.
– Sem vagas? Todo mundo resolveu nascer hoje, né?! Então, tá.
– Uma vaga? Segura pra mim. Tô mandando uma paciente.

Carlos foi embora. Precisava trabalhar. Assegurou-nos de que tudo ia ficar bem, ia dar certo, pois Deus estava no controle. Confiei nele meio desconfiando de Deus. Custava ter deixado um leito para minha esposa?

Mais demora, mais hospitais sem vagas, menos tempo entre uma contração e outra. Não havia muito o que dizer! Quão rapidamente o tempo demora a passar em tempos de aflição.

– Duas vagas? Ótimo. Vão duas pacientes: Janisse e Celuta.
Aleluia! Nossa vez. Fim do sofrimento. Olhei aliviado para ela e sua barriga. Lindas.

– Calma, senhor, a ambulância está chegando.

Como um cretino desses ousa me pedir calma? Já faziam quase quatro horas que a bolsa de líquido de minha esposa tinha-se rompido, as contrações aumentando, ela sentada há horas numa recepção de maternidade, essa droga de ambulância não chega, e esse… me pede calma?! É fácil porque não é a esposa ou o filho dele.
O coração me jogava de um lado para o outro. “Tenho de dar um bom testemunho! Meu filho vai morrer. Senhor Jesus, socorro! Que droga de atendimento. Preciso encorajar minha amada…”.

A ambulância. Finalmente! De novo, um pouco de tranqüilidade.
Minha esposa e a outra grávida entraram com uma enfermeira. Prevendo o que poderia acontecer, a enfermeira pediu material para fazer o parto enquanto estivéssemos a caminho. Mas o quê ela faria se as duas crianças resolvessem nascer ao mesmo tempo?

– Maternidade do Brás? Não, não sei onde fica. Mas a gente descobre. Sobe aí, pai.
“Para que serve um motorista destes? Não me faltava mais nada?! Do Butantã para o Brás, e o cara não sabe o caminho?! Senhor!?”

– Acho que é por aqui.
E lá ia ele, como quem saiu para um piquenique com um cumpadre e duas cumadres barrigudas. Feliz, descansado, olhando o Tietê, sem pressa, sem sirene e filosofando.
– Correr? Não, não precisa. O que tem de ser será. Tudo tem seu tempo e só vai acontecer quando chegar a hora.
Seria pecado ou crime jogá-lo para fora e seqüestrar a ambulância com duas grávidas e uma enfermeira?

– Pronto. Chegamos. Não falei?
Bem seguro, ele entrou na rua estreitinha. Não seguiu muito adiante. Deu ré e retomou a viagem. Até hoje os funcionários daquela fábrica se perguntam o que fazia uma ambulância no meio do pátio onde tomavam café da manhã.

– Agora, sim! Taí! Pronto, pai. Chegamos.
Antes que eu fechasse a boca dele com um murro, desci e fui ajudar minha esposa. Levei-a até a recepção. Então, eu vi. “Meu Deus! Meu Deus!”

– Eu não disse? Tudo tem seu tempo. Chegamos na hora que Deus quis.

O hospital lembrava uma casa mal-assombrada. Abandonado, sujo, luzes apagadas. Não havia cadeiras de rodas para as grávidas, não havia papel higiênico nos banheiros cheios de teia de aranha, as macas frias, sem lençol, tinham pêlos e sangue de outras mulheres. Com a mesma lâmina usada sabe-se lá em quem, depilaram as duas novas vítimas que chegaram.

O único pensamento que me vinha ao coração e me trazia algum consolo e esperança era: “O Senhor Jesus nasceu numa manjedoura. E sobreviveu. Não teve infecção. Senhor, guarda meu filho! Por favor!”

Corri para o telefone, liguei para um irmão com quem eu trabalhava, pedi orações, socorro, esperança. Ele convocaria outros para orar. Ao desligar, senti-me sozinho, abandonado, num imenso e horrível açougue. E minha esposa e meu filho…

Lá dentro, a luta prosseguia. Não havia médico, apenas enfermeiras. Parteira. Os funcionários estavam em greve há três meses. O estado não fornecia praticamente nenhum material. As poucas pessoas disponíveis faziam seu melhor em meio à sujeira e falta do essencial.

Sem receber cuidados higiênicos, com o vestido com que viera da rua, minha esposa entrou em trablaho de parto. Sem perguntar-lhe nada, tentaram furar-lhe a bolsa com um objeto pontiagudo qualquer. Foi só o tempo de ela gritar que não precisava – um pouquinho mais e o Calebe terminaria ali. Então, para ajudá-la, fizeram a episiotomia… sem anestesia. A dor do parto impediu-a de sentir mais dor.

“… numa manjedoura. Senhor…”.

“Força!” Dor. Exaustão. Uma vez mais. Quase. Agora… Nasceu! Calebe. Lindo. Com arranhões na cabeça. Forte. Chorando. Vivo. Lágrimas. Carinho. Abraço. Graças a Deus!

– Parabéns, pai. Seu filho nasceu.

O aviso sem emoção me encheu de alegria, risos, lágrimas, gratidão. De joelhos no meu coração, agradeci porque o milagre de sobrevivência à manjedoura havia se repetido.
O Calebe nasceu a primeira vez.

Outra madrugada. Pesadelo. Medo. A pequenez diante das coisas inexplicáveis.
– MÃÃÃÃÃEE!
O mesmo bebê que lhe roubara aquela distante noite de sono precisava de ajuda novamente. A mãe atendeu-lhe o chamado. Ao lado dele, ouve o que o assustara. Abraça-o. Chora com ele. Afaga-o. Protege com seus invencíveis braços de carne frágil. É mãe.

– Mãe, eu quero entregar a minha vida pro Senhor Jesus. Ora comigo?

A luz brilhou nas trevas daquela madrugada. Repetia-se o milagre.
O Calebe nasceu a segunda vez.

Sábado, 26 de novembro de 2005. Ao completar 14 anos, como um presente para si mesmo e para Deus, Calebe foi batizado na piscina da casa de seus melhores amigos. Quanta alegria! Quanto louvor Àquele que tão bem cuidou dele ao longo desse tempo. A grande cicatriz no braço é mais um testemunho do mesmo amor de Deus por ele, cicatriz que não se compara àquelas que seu Senhor carrega por tê-lo salvo.

O frio, o vento que parou no momento adequado, a singeleza da cena, a emoção de quem estava presente – tudo e todos proclamavam a fidelidade Daquele que preserva a vida, da manjedoura à piscina.

(Francisco Nunes, Mogi das Cruzes, 29.11.05)

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Testemunho

Ei, magro, faz um som…

Quinta-feira, dia 17 de novembro de 2005. Na metade da manhã, já envolvido com o trabalho, com a mente e o coração nas dificuldades, sou interrompido pelo telefone. Uma voz que não reconheço brinca com meu nome. Irrito-me. A voz pergunta como vou. Reconheço: meu irmão, Ives, com quem há muito não falo. O coração se arrepende e se desarma.
Trocamos as perguntas tradicionais, “Como vão os filhos? “, “E a tua filha?”, “Me disseram que… É verdade?”, “Pois é…”.
– Bem, Xico, tem uma pessoa aqui que quer muito falar contigo. Vou passar o telefone pra ela. Tchau!

Detesto surpresas. Especialmente com pessoas. Facilmente magôo os outros por minha péssima memória, por meus sentimentos indisfarçáveis. “Queira Deus que não o faça dessa vez!”

– Alô, Xico. É a Téia!
Esforço de reativar todos os meus bancos de memória, que freqüentemente me deixam na mão quando mais deles preciso. Nada. Nenhuma informação. Nenhuma lembrança. Nenhum raio de ligação com algum fato passado.
– Téia?
Fiquei apreensivo. E se ela respondesse: “É, a Téia. Lembra de mim?”? Eu teria de dizer que ela não existia em minhas recordações. Mas meu irmão me disse que ela queria muito falar comigo… Por quê? Quem é?
A voz forte, levemente rouca, audivelmente emocionada, relembrou:
– Você lembra? Há muitos anos, em Araranguá…

Final de uma tarde de verão, cerca de 22 anos atrás, Araranguá, cidadezinha ao sul de Santa Catarina. Eu e minha noiva chegávamos de Torres, litoral gaúcho, e caminhávamos em direção à casa onde ficaríamos hospedados. Não lembro ao certo porque estávamos ali; um evento qualquer na congregação da qual meu sogro cuidava, talvez. As ruas praticamente vazias, o calor forte e o peso do violão e das malas nos faziam andar com pressa. Mas havia mais gente naquelas ruas sem gente. Duas garotas caminhavam em nossa direção. Roupas estranhas, desleixadas. Melhor passar logo por elas.
Ao chegarem perto de nós, uma delas me disse:
– Ei, magro, faz um som aí pra gente!

Seria zombaria? Uma oportunidade? Eu não sabia tocar muitas coisas, e quando cantávamos juntos, comigo tocando, normalmente eu e minha noiva tínhamos alguns desentendimentos. Mas, naquele momento, entendemos imediatamente: Deus estava nos dando uma oportunidade.

– … você e a Janisse estavam caminhando, com um violão, na frente do Bradesco…

Sentamo-nos nas escadas do Bradesco. O sol já não batia tão forte. E dissemos a elas algo assim:
– Nós queremos que vocês prestem bastante atenção nessas músicas.
E começamos. Os céus nos deram harmonia, talvez não de vozes, mas de coração. Queríamos intensamente que elas cressem Naquele em que críamos.
– Se você está vivendo sem vontade,
venha para perto de nós.
E mostraremos a você
a felicidade e o amor de Deus.
Ele é maravilhoso,
é divino e é real.
Procura Nele o que você não tem!
Encontre o amor,
encontre o louvor,
encontre a paz, a paz.

As moças ouviam atentamente. Não havia deboche nem risadas. Apenas o universo todo parado com suas distrações para que o coração delas fosse atingido, para que as barreiras interiores fossem vencidas e Aquele maravilhoso de quem falávamos desafinadamente se revelasse a elas.
A segunda música:
– Deixa Jesus encher tua vida
com Seu Espírito e Seu amor,
encher teu coração de gozo e louvor.
Deixa Jesus cuidar das coisas
que te fazem infeliz,
e andarás do modo como a Bíblia diz.

Oh, Cristo, meu Cristo,
venha em mim morar.

Oh, venha e cante com toda
a alegria do teu coração,
renda tudo a Ele e tenha salvação.
A Ele dá tuas tristezas,
desilusões e tua cruz,
tudo entrega hoje em nome de Jesus.

Não lembro o que falamos.

– … Aquele foi o dia mais importante da minha vida. Nunca esqueci dele!

Eu também não.

Ouvimos suas confissões de pecados, ouvimos da ingenuidade de seu coração corrupto que desejava ser bom, ouvimos seu anelo interior por vida. Então, ali mesmo, as convidamos a orar conosco. Uma oração singela, que deveria ser feita de coração: “Senhor Jesus, eu Te recebo como meu Senhor e Salvador.” Pronto. Simples assim. E o maior milagre do universo se repetiu: pecadores condenados ao lago de fogo escaparam das prisões do diabo e se tornaram filhos de Deus.

– Téia! É claro que eu lembro! Lembro muito bem! Ao longo desses anos, muitas e muitas vezes contamos esse fato para muitas pessoas.
– Xico, estou firme no Senhor e já pude levar muitas almas a Jesus. E eu nunca esqueci de vocês. Desde aquele tempo sempre quis muito reencontrar você e a Janisse. Preciso falar com vocês. Quando vocês vêm aqui?
As lágrimas a impediram de continuar.

Que pergunta doce! Como se fosse simples e instantâneo vencer os milhares de quilômetros que nos separam. Mas esse reencontro valeria a pena. Os laços do Calvário, mesmo depois de 22 anos, permanecem fortes. Depois de tudo o que ela passou, de rejeição de irmãos ao divórcio, permanece firme Naquele que, numa tarde quente, a alcançou por instrumentos mal tocados. Que privilégio, que honra seria ver essa prova viva da fidelidade do Senhor.

Deus inundou minha quinta-feira de alegria e gratidão. Fui salvo de mim mesmo pela lembrança da salvação da Téia. E o desejo de atender a outros pedidos de “Ei, magro, faz um som…”, mesmo tendo abandonado o violão, foi reaceso no meu coração.

O Deus a quem sirvo é maravilhoso!

(Francisco Nunes, 19.11.05, Mogi das Cruzes)

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C. H. Mackintosh Vida cristã

Somente Cristo


Salmo 3 de Davi quando fugiu do seu filho Absalão:

Senhor, muitos são os meus adversários!
Muitos se rebelam contra mim!
São muitos os que dizem a meu respeito: “Deus nunca o salvará!”
Mas tu Senhor, és o escudo que me protege; és a minha glória e me fazes andar de cabeça erguida.
Ao Senhor clamo em alta voz, e do seu santo monte ele me responde.
Eu me deito e durmo, e torno a acordar, porque é o Senhor que me sustem.
Não me assustam os milhares que me cercam.
Levanta-te, Senhor!
Salva-me, Deus meu!
Quebra o queixo de todos os meus inimigos; arrebenta os dentes dos ímpios.
Do Senhor vem o livramento.
A tua benção está sobre o teu povo.

Confiar no Senhor ou nos meios – Saul e Davi

Em que depositava Saul mais confiança, no Senhor ou na armadura? Na armadura, sem dúvida; e é assim com todos aqueles que não andam verdadeiramente por fé; apoiam-se nos meios, e não em Deus.

O homem dos meios e o homem da fé estão realmente diante de nós, e nós percebemos imediatamente como o último está longe de agir segundo os meios. Ora Davi sentiu que os vestidos de Saul e a sua couraça não representavam esses meios, e portanto recusou-os. Se ele tivesse partido com eles, a vitória não teria sido tão claramente do Senhor. Mas Davi havia confessado a sua fé na libertação do Senhor, e não na armadura de Saul.

Tem-se dito, e muito bem, que o perigo para Davi não foi quando se encontrou com o gigante, mas quando se viu tentado a usar a armadura de Saul. Se o inimigo tivesse sido bem sucedido em o induzir a ir com ela, tudo estava perdido; mas, mediante a graça, ele rejeitou-a, e assim entregou-se inteiramente nas mãos do Senhor, e nós sabemos qual a segurança que encontrou nelas. É isto que a fé sempre faz; deixa tudo, inteiramente, ao cuidado de Deus. Não se trata de confiar no Senhor e na armadura de Saul, mas somente no Senhor.

E não podemos nós aplicar este princípio ao caso de um pobre pecador desamparado, a respeito do perdão dos seus pecados? Creio que sim. Satanás procura tentar o pecador a acrescentar alguma coisa à obra consumada de Cristo – alguma coisa que diminua a glória do Filho de Deus como o único Salvador de pecadores. Ora àqueles que assim fazem eu gostaria de dizer que seja o que for que se acrescente à obra de Cristo só consegue inutilizá-la.

Em resumo: devemos ter, portanto, somente Cristo; e não Cristo e as nossas obras, mas simplesmente Cristo, porque Ele é suficiente; não precisamos de nada mais, e não podemos passar com menos. Desonramos a suficiência do Seu sacrifício expiatório sempre que procuramos ligar alguma coisa nossa com ele, precisamente como Davi teria desonrado o Senhor indo ao encontro do gigante filisteu com a armadura de Saul.

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Encorajamento Vida cristã

Graça Abundante para o Principal dos Pecadores

Eu vi, com os olhos da minha alma,
Jesus Cristo à direita de Deus;
ali, afirmo, estava minha justiça.
Portanto, não importa o que eu fui,
o que estivesse fazendo,
Deus não podia dizer de mim:
“Falta-lhe a Minha justiça”,
Pois isto estava bem diante Dele…
Agora as minhas cadeias realmente
caíram de minhas pernas.
Fui liberto de minhas aflições e algemas.

Não por qualquer virtude, bondade, capacidade, pureza, santidade, justiça sua é que você é aceito por Deus, que suas orações são ouvidas por Ele, que Ele o livrou da condenação eterna — tudo isso lhe vem porque a justiça de Deus foi atendida pela morte de Cristo em seu lugar!
Portanto, alegre-se e, ousadamente, vá a Deus!

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Estudo bíblico Vida cristã

Uma Linguagem Para a Oração Particular?

David Cloud

Pentecostais e carismáticos freqüentemente ensinam que há dois tipos de línguas descritos no Novo Testamento: as “línguas públicas” de Pentecoste e as línguas da “oração particular” de 1Coríntios 14:4 (“O que fala em língua desconhecida edifica-se a si mesmo, mas o que profetiza edifica a igreja.”) Alguns fazem essa distinção entre “ministério de línguas” e “línguas devocionais”.

Os primeiros líderes pentecostais entendiam que as línguas na Bíblia eram idiomas reais falados na Terra. Eles freqüentemente ensinavam poder ir para os campos missionários estrangeiros e testemunhar por meio de línguas miraculosas sem ter de aprender os idiomas. Aqueles que tentaram isso, no entanto, voltaram amargamente desapontados!

“Alfred G. Garr e sua esposa foram para o Oriente com a convicção de que poderiam pregar o evangelho nos idiomas hindu e chinês. Lucy Farrow foi para a África e voltou após sete meses, durante os quais ela alegou ter pregado aos nativos em seu próprio idioma Kru. O pastor e analista alemão Oskar Pfister registrou o caso de um pentecostal de nome ‘Simon’, que tinha planejado ir para a China e usar línguas para pregar. Numerosos outros missionários pentecostais embarcaram crendo que tinham a miraculosa habilidade de falar no idioma daqueles a quem foram enviados. Essas alegações pentecostais foram bem conhecidas em sua época. S.C. Todd, da Bible Missionary Society, investigou 18 pentecostais que foram para o Japão, a China e a Índia ‘esperando pregar aos nativos desses países na própria língua deles’ e descobriu que, por declaração deles mesmos, ‘em nenhum instante sequer eles foram capazes de fazer isso’. Por esses e outros missionários terem retornado em desapontamento e falha, os pentecostais foram compelidos a repensar seu ponto de vista original acerca do falar em línguas”.
(Robert Mapes Anderson, Vision of the Disinherited: The Making of American Pentecostalism)

A conclusão a que logo chegaram é que as “línguas” que falavam não eram terrenas, mas “celestiais” ou uma língua especial para oração; e esses são os termos que ouvimos freqüentemente em conferências carismáticas, tais como aquelas em New Orleans em 1987, Indianapolis em 1990 e St. Louis em 2000. As línguas que eu ouvi nessas conferências não eram idiomas de modo algum, mas meramente murmurações repetitivas que qualquer um poderia imitar. Larry Lea supostamente falou em línguas em Indianapolis em 1990, e esse é um exemplo-chave do que está sendo ensinado como línguas no movimento carismático. Aquilo se parecia com “Bubblyida bubblyida hallelujah bubblyida hallabubbly shallabubblyida kolabubblyida glooooory hallelujah bubblyida.” Eu escrevi isso conforme ele ia dizendo e, posteriormente, verifiquei com a gravação. Nancy Kellar, uma freira católica romana que estava no comitê executivo do encontro de St. Louis meeting em 2000, falou em “línguas” na noite de quarta-feira da conferência. Suas “línguas” eram algo como “Shananaa leea, shananaa higha, shananaa nanaa, shananaa leea”, repetido vez após vez após vez.

Se você acha que estou fazendo troça dessas pessoas, está enganado. Isso foi tirado diretamente das fitas cassete das mensagens. Se são idiomas, certamente teriam um vocabulário simples! Meus filhos tinham uma linguagem mais complexa do que isso quando tinham por volta de três anos.

Michael Harper diz:

“Na curta história da renovação carismática, falar em línguas em público tem se tornado raro, mas continuar a ser uma expressão vital de oração privativa”.
(These Wonderful Gifts, 1989, p. 97).

Ele diz que esse tipo de “línguas” é “uma linguagem de oração: um modo de comunicar-se mais efetivamente com Deus” (p. 92). Ele diz que essa experiência “edifica” mesmo sem haver entendimento:

“O homem ocidental moderno tem dificuldade de crer que falar palavras desconhecidas a Deus pode ser edificante. (…) Tudo o que alguém pode dizer é ‘tente e veja’. Ainda me lembro dos momentos em que, pela primeira vez, eu usei esse dom e a imediata percepção que tive de que estava sendo edificado. Essa é uma das mais importantes razões pelas quais o dom precisa ser usado regularmente na oração privada”.
(p. 93)

Harper diz que é misticamente consciente de estar sendo edificado mesmo quando não sabe o que está dizendo. Ele também diz que esse “dom precisa ser usado regularmente” e que, portanto, isso é importante para a vida cristã.

Para provar seu ponto de vista, ele simplesmente convida o observador cético a “tentar e ver”, relembrando-nos que a experiência é a maior autoridade para os carismáticos. (A idéia do “vem e vê” cria um novo problema, uma vez que a Bíblia nunca diz para “tentarmos as línguas” ou para buscá-las e nunca descreve como alguém pode aprender a falar em línguas. Na Bíblia, falar em língua é sempre uma atividade sobrenatural que é soberanamente dada por Deus.)

Mesmo alguns que não dizem ser pentecostais ou carismáticos têm essa experiência. Jerry Rankin, diretor da International Mission Board (Southern Baptist), diz que fala numa “linguagem de oração privada” e contrasta isso com a prática da “glossolália.”

“Eu tenho uma linguagem de oração privada há mais de 30 anos. Eu não considero que tenho o dom de línguas. Eu nunca fui levado a praticar a glossolália, você sabe, em público, e eu penso que, naquela passagem didática das Escrituras, claramente é falado dos dons para uso público, para edificação e os dons na igreja. (…) Eu nunca vi pessoalmente minha intimidade com o Senhor e o modo como Seu Espírito me guia em meu tempo de oração como sendo o mesmo que glossolália e sujeito àquele critério. (…) Eu quero apenas que Deus tenha liberdade para fazer tudo o que quiser em minha vida, e eu estou sendo obediente a isso.”

(“IMB president speaks plainly with state editors about private prayer language”, Baptist Press, Feb. 17, 2006).

É maravilhoso desejar fazer a vontade de Deus, não importando o que Ele conduza a fazer, mas Sua vontade nunca se opõe a Sua própria palavra nas Escrituras. Pelas seguintes razões, estamos convencidos de que a Bíblia não dá apoio à doutrina da “linguagem de oração privada”.

1) Se o falar em línguas de 1Coríntios 14 é diferente daquele de Atos 2, a Bíblia nunca explica a diferença

Nós deixamos as “línguas” no livro de Atos (a última menção está em Atos 19.6) e não as vemos até 1Coríntios 12–14. Se as “línguas” nessa epístola são de um tipo diferentes daquilo que são “línguas” em Atos, por que a Bíblia não o diz e não explica claramente o assunto para não haver confusão?

2) Paulo disse que o que fala em línguas edifica a si mesmo (1Co 14.4)

Isso não é possível a menos que as palavras possam ser entendidas, pois, em 1Coríntios 14, Paulo diz que entender é absolutamente necessário para edificação. No verso 3, ele diz que profetizar edifica porque conforta e exorta homens, obviamente referindo-se a coisas que são entendidas por quem ouve. No verso 4, ele diz que falar em línguas não edifica a menos que sejam interpretadas. Nos versos 16 e 17, ele diz que se alguém não entender alguma coisa não é edificado. As palavras não poderiam ser mais claras. Se não há edificação da igreja sem entendimento, como é possível que o crente individual seja edificado sem entendimento? Isso é confusão. A palavra “edificar” significa “construir na fé”. O dicionário Webster de 1828 define-a como “instruir e desenvolver a mente no conhecimento de modo geral e, particularmente, no conhecimento moral e religioso, na fé e na santidade.” As palavras “edificar”, “edificação”, “edificado” e “edificando” são usadas em 18 versículos no Novo Testamento, e sempre se referem a edificar, construir na fé por meio de instrução e viver piedoso. Por exemplo, em Efésios 4 o Corpo de Cristo é edificado por meio do ministério dos pregadores dados por Deus (vv. 11,12). Assim, o fato de Paulo dizer que quem fala em línguas edifica a si mesmo (1Co 14.4) é prova de que essa pessoa entende o que está dizendo.

3) Paulo diz que as línguas são um idioma terreno (1Co 14.20-22)

Se o falar em línguas em 1Coríntios 14 fosse algum tipo de “linguagem de oração privada”, por que Paulo daria essa explicação profética sobre isso e afirmaria dogmaticamente que elas são um idioma terreno? Ele não diz que somente alguns “tipos de línguas” são idiomas.

4) Em 1Coríntios 14.28, Paulo diz que quem fala em línguas fala para si mesmo e para Deus

“Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo e com Deus.” Isso significa que essa pessoa pode entender o que está falando. De outro modo, como poderia falar para si mesmo? Ninguém fala para si mesmo com “algaravias desconhecidas”.

5) Não há exemplos em 1Coríntios 14 de um crente falando em línguas privadamente e não há encorajamento para que isso seja feito

O que dizer do verso 28? “Mas, se não houver intérprete, esteja calado na igreja, e fale consigo mesmo e com Deus” (vv. 27,28). Isso nada diz sobre orar em línguas privadamente. Refere-se ao exercícios dos dons em uma reunião pública. Paulo diz que se não houver interpretação, o que fala em línguas deve manter silêncio e orar a Deus, mas ele nada diz sobre retirar-se e orar privativamente em línguas. Precisamos ler todos os versículos.

6) Se há uma “linguagem de oração privada” que edifique a vida dos cristãos e seja muito importante, a Bíblia a explicaria claramente e circunscreveria seu uso, como o faz com o uso das línguas na igreja.

7) Uma “linguagem de oração privada” que ajude o cristão a se fortalecer em sua caminhada com Cristo seria, sem dúvida, mencionada em outros lugares no Novo Testamento no contexto da santificação e do viver cristão

Porém, isso nunca é mencionado em qualquer outro contexto. Os apóstolos e profetas trataram de muitas situações nas epístolas do Novo Testamento e deram todas as coisas necessárias para o viver cristão santo, mas nunca ensinaram que o crente precisa falar numa “linguagem de oração privada” a fim de ter vitória espiritual ou para encontrar a direção de Deus ou para ser curado ou para conseguir dormir ou qualquer outra coisa. Se houvesse algo como uma “linguagem de oração privada” que edificasse a vida cristã e fizesse o cristão mais forte espiritualmente, Paulo teria, sem dúvida, instruído a igreja em Corinto a gastar mais tempo falando em línguas devocionais, mas ele não dá tal conselho.

8) Não é possível que falar em línguas seja uma parte necessária da vida cristã, porque Paulo claramente diz que nem todos falam em línguas (1Co 14:29,30)

Alguns irão perguntar: “Por que, então, Paulo diz: ‘Eu quero que todos vós faleis em línguas’ (v. 5)?” A resposta é que Paulo não está dizendo que todos deveriam falar em línguas ou que todos poderiam falar em línguas; ele está meramente expressando um desejo de que o exercício de dons espirituais fosse feito, e feito de maneira correta. Em 7.7, Paulo usa exatamente a mesma expressão no contexto do celibato: “Gostaria que todos os homens fossem como eu”. Não sabemos de qualquer pentecostal ou carismático que use essa declaração literalmente para ensinar que a vontade de Deus para todo crente é que permaneça solteiro, mas usam a mesma expressão em 14.5 como uma lei. Há uma estranha inconsistência aqui.

9) Todas as instruções neotestamentárias sobre oração indicam que ela é um ato consciente, espontâneo e inteligível por parte do crente e que ele fala a Deus em termos inteligíveis

Vemos isso nas instruções de Jesus sobre oração: “Portanto, vós orareis assim: Pai nosso, que estás nos ceús, santificado seja o teu nome; venha o teu reino, seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dá hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores; e não nos induzas à tentação; mas livra-nos do mal; porque teu é o reino, e o poder e a glória para sempre. Amém” (Mt 6.5-13). Essa é uma oração consciente e compreensível. Vemos a mesma coisa nas instruções de Paulo sobre oração (e.g., Rm 15:30-32; Ef 6:18-20; Cl 4:2,3; Hb 13:18,19). Não há um exemplo registrado na Escritura de oração que seja algo diferente de uma conversa individual com Deus em termos conscientes e inteligíveis. Na verdade, Cristo proibiu o tipo de “orações” repetitivas que são comumente ouvidas entre os que praticam uma “linguagem de oração privada”: “E, orando, não useis de vãs repetições, como os gentios, que pensam que por muito falarem serão ouvidos” (Mt 6.7). No entanto, freqüentemente ouço “orações em línguas” que soam como “Shalalama, balalama, shalalama, balalama, bubalama, shalalama, bugalala, shalalama”. O que quer que isso seja, não são as “línguas” do Novo Testamento e não é oração neotestamentária.

10) Se nós temos de concordar que 1Coríntios 14 se refere a uma “linguagem de oração privada”, isso não pode ser algo a ser aprendido ou ensinado

O que quer que seja descrito em 1Coríntios 14 é um milagre divino, mas isso é contrário à prática pentecostal-carismática, em que as pessoas são ensinadas a falar em “linguagem de oração”.

11) Usar o dom de línguas como uma “linguagem de oração privada” pode seu principal propósito, que é ser um sinal para o Israel incrédulo

O ex-pentecostal Fernand Legrand sabiamente observa:

“Por usar esse sinal em privado, alguns pensam que podem beneficiar-se de UM de seus aspectos, enquanto ignoram os outros, mas você não pode desmanchar um dom e reter somente um de seus componentes. Um carro é um objeto mecânico complexo que ou é dirigido como uma entidade ou não é dirigido de modo algum. Você não pode sair com as rodas e deixar o chassis e o motor na garagem. Quando um carro está andando, é o carro todo que se move. Do mesmo modo, LÍNGUAS NÃO DEVEM SER FATIADAS COMO UMA SALSICHA. Elas devem edificar quem fala E os outros E ser um sinal para os judeus incrédulos E serem inteligíveis ou serem traduzidas por interpretação. Elas têm de ser tudo isso ao mesmo tempo. O dom é inseparável desse único e imutável propósito: ser um sinal para os judeus que não crêem na oferta universal de salvação (At 2.17; 1Co 14:20,22)”.

(All about Speaking in Tongues, p. 67).

12) Apesar de eu ter ouvido muitos exemplos de “línguas devocionais” nos últimos 33 anos, eu nunca ouvi nada além de algaravias

O que eu tenho ouvido não são línguas de nenhum tipo, mas meramente murmúrios repetitivos que qualquer um pode imitar. As “línguas” de Larry Lea em Indianapolis, em 1990, eram alguma coisa assim: “Bubblyida bubblyida hallelujah bubblyida hallabubbly shallabubblyida kolabubblyida glooooory hallelujah bubblyida.” Eu escrevi o que entendi que ele estava dizendo e, mais tarde, verifiquei com a gravação. Nancy Kellar, uma freira católica romana que estava no comitê executivo do encontro de St. Louis em 2000, falou em “línguas” na noite de quarta-feira da conferência. Suas “línguas” eram uma repetição de “Shananaa leea, shananaa higha, shananaa nanaa, shananaa leea”. Isso foi tirado diretamente das fitas de áudio das mensagens. Se isso são línguas, elas certamente têm um vocabulário muito pobre!

13) A prática de aprender a como falar em línguas, que é popular entre pentecostais e carismáticos, é antibíblica e perigosa

Se tivermos de concordar que existe algo como uma “língua de oração privada” e que ela pode nos ajudar a viver uma vida cristã melhor e se temos de aceitar o desafio carismático de “tentar e ver”, a próxima questão é: “Como eu começo a falar nessa “linguagem de oração”? Um capítulo do livro These Wonderful Gifts (de Michael Harper) é intitulado “Letting Go and Letting God”, no qual o crente é instruído a parar de analisar as experiências tão cuidadosa e estritamente, a parar de “instalar alarmes” and “esconder-se nervosamente atrás de paredes de proteção”. Ele diz que o crente deve dar um passo de detrás de suas “paredes e sistemas infalíveis” e apenas abrir-se para Deus. Esse é um passo necessário, mas não bíblico e excessivamente perigoso, para receber as experiências carismáticas. Tendo parado de analisar tudo com as Escrituras, o método-padrão de experimentar o “dom de línguas” ou uma “linguagem de oração privativa” é que a pessoa abra a boca e comece a falar palavras, mas não aqueles que se podem entender, e alegadamente “Deus irá tomar o controle”.

Dennis Bennett diz:

“Abra a boca e mostre que você crê que o Senhor o batizou no Espírito por começar a falar. Não fale português ou qualquer outra língua que você conhece, pois Deus não pode conduzi-lo a falar em línguas se você falar num idioma que você conheça. (…) Exatamente como uma criança aprendendo a falar pela primeira vez, abra a boca e fale as primeiras sílabas e expressões que vierem aos seus lábios. (…) Você pode começar a falar, mas diga somente uns poucos sons gaguejantes. Isso é maravilhoso! Você está quebrando a ‘barreira do som’. Mantenha aqueles sons. Ofereça-os a Deus. Diga a Jesus que você O ama com aqueles ‘jubilosos barulhos’! Num sentido muito verdadeiro, qualquer som que você fizer, oferecendo sua língua a Deus com fé simples, pode ser o começo do falar em línguas.”

(The Holy Spirit and You, pp. 76, 77, 79).

Isso é tão grosseiramente carente de base bíblica e sem sentido que não parece necessário refutar. Não há absolutamente nada parecido com isso no Novo Testamento. Ignorar a Bíblia e buscar algo que ela nunca diz que devemos buscar de uma maneira que ela não apóia e abrir-se acriticamente para experiências religiosas como essa é colocar-se em perigo de receber “outro espírito” (2Co 11:4).

14) O fato é que as línguas na Bíblia eram idiomas terrenos, e isso é uma verdade fundamental

Uma doutrina acerca das línguas que reduz essa prática a meras algaravias de qualquer tipo que não seja uma língua real não tem base bíblica.

Pergunta: Se as línguas podem ser entendidas pelo que fala, por que Paulo diz: “Porque, seu eu orar em língua desconhecida, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto” (1Co 14:14)?

Resposta: Os movimentos carismático-pentecostais encontram justificativa neste versículo para sua doutrina sobre ser o falar em língua algum tipo de comunicação que evite o intelecto e o entendimento. O pastor Bill Williams, de San Jose, Califórnia, diz que a consciência que alguém tem por meio da línguas está “além das emoções, além do intelecto. Isso transcende o entendimento humano” (“Speaking in Tongues–Believers Relish the Experience”, Los Angeles Times, 19.09.1987, B2). Charles Hunter diz: “A razão pela qual alguns de vocês não falarem [em línguas] fluentemente é que vocês tentam pensar nos sons. (…) Você não deve nem mesmo ter de pensar a fim de orar no Espírito” (Hunter, “Receiving the Baptism with the Holy Spirit”, Charisma, julho de 1989, p. 54).

Mas se 1Coríntios 14:14 significa que o que fala em línguas está falando “além de seu intelecto” ou algo assim, deve ser o único lugar na Escritura em que essa doutrina é encontrada. Em nenhum outro lugar a Escritura diz que o espírito do homem pode operar adequadamente sem o entendimento ou que Deus opera no espírito do homem de uma maneira que este não entenda a comunicação ou que exista certo tipo de nível espiritual de comunicação que passe por cima do entendimento. Nessa mesma epístola, Paulo disse: “Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem senão o espírito do homem, que nele está?” (2:11). Assim, o espírito do homem é aquela parte dele que conhece e entende. Efésios 4:23 diz que o crente deve ser “renovado no espírito de sua mente”. Obviamente isso envolve entendimento, pois Romanos 12:2 diz que somos “transformados pela renovação de vossa mente, a fim de que podeis provar a boa, perfeita e agradável vontade de Deus”.

Então, do que Paulo está falando em 1Coríntios 14:14? Muitos comentários dizem que ele está se referindo ao entendimento do que fala em línguas em relação ao entendimento de outros mais do que ao seu próprio.

Barnes: “Nada produz que seja útil para os outros. É como uma árvore estéril, uma árvore que nada traz que seja benéfico para os outros. Eles não podem entender o que eu digo, e, sem dúvida, eles não podem ser ajudados pelo que eu profiro.”

Adam Clarke: “… meu entendimento é infrutuoso para todos os outros, porque ele não entendem minhas oração e eu não as interpreto ou não posso fazê-lo.”

The Family Bible Notes: “…de acordo com o ponto de vista do outro, isso não traz frutos para os outros, uma vez que nada lhes comunica de modo inteligível”.

Jamieson, Fausset, Brown: “’entendimento’, o instrumento ativo de pensamento e raciocínio, o qual, neste caso, mostra-se ‘infrutuoso’ em edificar outros, uma vez que o veículo de expressão é ininteligível para eles”.

John Wesley: “’Meu espírito ora’: pelo poder do Espírito eu entendo as palavras por mim mesmo. ‘Mas meu entendimento é infrutuoso’: o conhecimento que tenho não traz benefícios para os outros.”

Matthew Henry:
“Mas seu entendimento pode ser infrutuoso (1Co 14:14), ou seja, o sentido e o significado de suas palavras podem ser infrutuosos, ele pode não entender nem, portanto, outros podem unir-se a ele em suas devoções.”

Treasury of Scripture Knowledge:
“Isto é, ‘não produz qualquer benefício para os outros.’”

O contexto de 1Coríntios 14:14 dá apoio a essa interpretação:

“Por isso, o que fala desconhecida ore para que a possa interpretar. Porque, se eu orar em língua desconhecida, o meu espírito ora bem, mas o meu entendimento fica sem fruto. Que farei, pois? Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento; cantarei com o espírito, mas também cantarei com o entendimento. De outra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto o Amém sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes? Porque realmente tu dás bem as graças, mas o outro não é edificado” (vv. 13-17).

Paul diz que quem fala em línguas precisa orar tanto com o espírito como com o entendimento, e é óbvio que ele está falando sobre o entendimento daqueles que estão ouvindo, pois ele diz: “De outra maneira, se tu bendisseres com o espírito, como dirá o que ocupa o lugar de indouto o Amém sobre a tua ação de graças, visto que não sabe o que dizes?”. Nos versículos 13 a 17, Paulo está dizendo que quem fala em línguas deve dar uma interpretação de suas línguas para que ele não seja o único que entende o que está sendo dito, porque se ele ora numa língua que não é interpretada, aqueles que ouvem não podem entendê-la e não podem, portanto, ser edificado.

(Atualizado e ampliado em 16 de agosto de 2006; publicado pela primeira vez em 6 de março de 2006. David Cloud, Fundamental Baptist Information Service, P.O. Box 610368, Port Huron, MI 48061, 866-295-4143, fbns@wayoflife.org. Distribuído por Way of Life Literature’s Fundamental Baptist Information Service. Para assinar o boletim: www.wayoflife.org/fbis/subscribe.html. O catálogo de livros pode ser encontrado em www.wayoflife.org/catalog/catalog.htm. Traduzido por Francisco Nunes.)

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Dia Especial

Este dia não precisa ser vazio, corriqueiro, comum, triste. Ele pode ser especial, mas não por acontecer alguma coisa extraordinária, inédita. Apenas por uma experiência nova, renovada, viva, singular com o Senhor. Tente dizer-Lhe algo novo, real, do coração, e apure os ouvidos de seu espírito para ouvir-Lhe sussurrar a resposta.
Seu dia, com certeza, será ímpar!

Francisco Nunes

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Francisco Nunes Vida cristã

Esperar

“Aquele que espera no Senhor, anime-se, pois espera por Alguém que não o pode desapontar, e que não se atrasará cinco minutos do momento determinado. Mais um pouco, e a sua tristeza será transformada em regozijo” (Autor desconhecido, citado em Mananciais no Deserto)

Como diz o salmista, esperamos confiantemente no Senhor. Ele virá. Ele nunca tarda, nunca desiste. Ele cumprirá o que prometeu. Sendo assim, podemos manter o coração tranqüilo e seguro Nele. Nosso Deus não é homem para que minta.

Tenha uma excelente tarde!

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Vida cristã

Duas Formas de Esperar

Há duas formas em que os cristãos podem esperar o cumprimento dos intuitos de Deus para eles: com paciência até que se cumpra o tempo de Deus; ou com um ânimo inquieto, procurando sempre a ocasião de ‘ajudar’ a Deus. Estas duas atitudes estão muito bem representadas em dois personagens do Antigo Testamento: Davi e Jacó.

Davi tinha sido ungido bem novo como rei de Israel, mas não tomou o trono pela força. Davi tinha tudo a seu favor para apressar o tempo do cumprimento desse intuito: A unção repousava sobre ele, o povo o aclamava como o seu salvador, os sacerdotes o reconheciam, e o próprio filho do rei descartado o ajudava. Esperar o quê? Às vezes até as circunstâncias pareciam estar preparadas por Deus para que tomasse o reino por sua mão. No entanto, Davi não se deixava seduzir pelas circunstâncias aparentemente favoráveis, pois ele conhecia a Deus, e sabia quais eram os princípios pelos quais ele atua. Sabia que Deus não utiliza meios carnais para obter fins espirituais. Sabia que não há rebelião válida no reino de Deus. Sabia que Deus é poderoso para levar adiante o que se propôs. Por isso, Davi esperou pacientemente em Deus.

Jacó, por sua vez, também sabia da eleição de Deus. Rebeca, sua mãe, sabia ainda melhor, inclusive desde antes do seu nascimento. No entanto, isso não lhes bastou, porque ambos tramaram enganar a Isaque, o pai e o marido, para conseguir astutamente o que Deus já tinha decidido lhe dar por graça. As conseqüências de uma e outra atitude são muito claras e
exemplificadoras.

Jacó teve que permanecer 20 anos longe da sua casa, vivendo como um proscrito, servindo esforçadamente sob a dura mão de Labão, um parente ardiloso, com a consciência afligida pelos temores de um irmão burlado e vingativo. As suas tarefas pastorais resultaram-lhe em uma carga terrível, como o próprio Jacó diria mais tarde a Labão: “Estes vinte anos estive
contigo; as suas ovelhas e as suas cabras nunca abortaram, nem eu comi carneiro das suas ovelhas. Nunca te trouxe o arrebatado pelas feras; eu pagava o dano; o furtado assim de dia como de noite, me era cobrado. De dia me consumia o calor, e de noite a geada, e o sono fugia dos meus olhos. Assim estive vinte anos em sua casa ? e trocaste o meu salário dez
vezes”. Que carga! Que peso! Este é o caminho que se segue quando se utiliza os recursos da carne. A burla é burlada até que o coração deprime.

Davi, ao contrário, desprezou toda intervenção do homem e esperou só em Deus. O seu caminho não esteve isento de quebrantamentos; mas esses quebrantamentos serviram para temperar o aço e purificar o ouro. Quanto do formoso caráter de Davi se forjou naqueles dias. Quanto do caráter de Cristo pôde encarnar Davi, para expressá-lo em seguida através dos seus Salmos. Enquanto Jacó pagava o preço do seu arrebato, Davi construía proféticamente o caráter do Messias.

O homem carnal é impaciente, e sempre procura ajudar a Deus. O seu tempo “sempre está pronto” (Jo. 7:6). O homem espiritual, ao contrário, é paciente, e, mesmo que as circunstâncias lhe sorriem ou lhe rujam, ele espera em Deus, porque a seu tempo Deus se lembrará dele.

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O Artista e a Cigana

Há muitos anos, achava-se o pintor Stenburg no seu estúdio. De pé, com o dedo polegar da mão direita no bolso da blusa, e tendo na esquerda o cachimbo, que tinha tirado da boca em sinal de respeito, conversava com a pessoa que nessa ocasião o visitava, o padre Hugo, vigário da opulenta igreja de São Jerônimo. Stenburg era ainda novo, mas já tinha fama em Düsseldorf, e alguns afirmavam que seu nome seria um dia conhecido em todo o mundo. Ele pensava porém, com tristeza, que quando esse dia chegasse já teria passado a idade de gozar a riqueza que tardava tanto em vir. Entretanto, tentava aproveitar a vida no presente. Amava a sua arte, e, vez por outra, ficava tão absorto em sua obra que chegava a se esquecer de tudo, menos do quadro que tinha no cavalete.

Contudo, apesar de ter produzido algumas obras de bastante merecimento, não tinha, até então, feito ainda nenhuma que o satisfizesse completamente, nem tinha alcançado o seu ideal. Seus trabalhos eram bons, mas desejava fazer coisa melhor. Assim vemos que Stenburg não era um homem inteiramente feliz. Havia certo desassossego em seus belos olhos, e um tom de aspereza na voz, que, para quem o observasse de perto, eram indícios de um espírito pouco tranqüilo. Fora isso, porém, tinha a aparência de um homem alegre e feliz, mostrando, quando era preciso, uma habilidade fina para o negócio, e que era daqueles que sabiam bem zelar por seus interesses. É ele que fala agora.

– Não, isso não pode ser: asseguro-lhe que a quantia que V. Rev. me oferece não me pagaria o trabalho de um painel tão grande como esse que acaba de me indicar. Precisa ter muitas figuras, e todas bem estudadas. A crucificação é um assunto difícil, e tem sido tratada tantas vezes que não seria fácil fazer um quadro diferente de todos os outros, como eu desejava que fosse.

– Bem, eu não faço preço. Sei que o senhor é um homem honrado, e não é a igreja de São Jerônimo que paga o quadro. É uma oferta de um penitente.

– Ah! Isso agora é diferente. Por favor, volte em um mês, e terei já prontos os estudos para a obra.

Separaram-se, contentes um com o outro, e durante as semanas seguintes Stenburg estudou a composição do quadro, indo para esse fim ao bairro judaico à procura de modelos para suas diferentes figuras.

O vigário ficou satisfeito. Desejava que a figura do centro fosse a cruz do Redentor, deixando os acessórios ao gosto do artista. Vinha de tempos a tempos visitá-lo, acompanhado algumas vezes por outro padre, a fim de ver o andamento do trabalho. O quadro devia ser colocado na igreja no dia da festa, a 1o. de junho, e ia já bastante adiantado.

Com o rebentar das primeiras folhas e o desabrochar das primeiras flores, que indicava a aproximação da primavera, apoderou-se do pintor um desejo ardente de deixar Düsseldorf e ir pelos campos afora, ao acaso, esboçando as bonitas paisagens que o campo oferecia. Um dia, próximo de um bosque, deparou com uma moça cigana que fazia cestos de palha. A sua fisionomia era bela; o cabelo negro como carvão caía-lhe em ondas até à cintura, e o mísero e esfarrapado vestido vermelho, já desbotado pelo sol, ainda aumentava seu aspecto pitoresco. Mas o que na moça atraiu bastante a atenção do artista foram seus olhos negros, irrequietos e límpidos, cuja expressão mudava a todo o momento, refletindo-se neles alternadamente, com admirável rapidez, a tristeza, a alegria e a zombaria.

“Que soberbo quadro que esta moça daria!”, pensou Stenburg. “Mas quem haveria de comprar um retrato de uma cigana? Ninguém!”

Os ciganos eram então odiados em Düsseldorf, e o fato de ser cigano era um crime perante a lei

A jovem ao ver o pintor largou o trabalho, pôs-se de pé e, elevando as mãos acima da cabeça, e dando estalos com os dedos para marcar o compasso, pôs-se a dançar com grande ligeireza diante dele, com um cativante e alegre ar de brincadeira.

– Assim! Não se mexa! – exclamou Stenburg, fazendo um esboço rapidamente. Mas por mais rápido que fosse, era difícil à moça sustentar aquela posição; contudo não se mexeu, mas o suspiro de alívio que lhe saiu dos lábios, ao deixar cair os braços, mostrou bem ao artista quanto lhe havia custado o esforço.

Ela não é só bela, é mais alguma coisa”, pensou Stenburg. “É um excelente modelo. Vou pintá-la como dançarina espanhola.”

Fizeram logo ali um ajuste para Pepita ir três vezes por semana ao estúdio de Stenburg a fim de servir de modelo.

À hora marcada apresentou-se. Ficou maravilhada com o que viu, e depois de correr com os grandes olhos o estúdio todo em volta, fixando a vista nas porcelanas, nas esculturas, etc., começou a examinar os quadros, chamando-lhe principalmente a atenção o grande quadro, já quase pronto. Olhou para ele atentamente, e em seguida, indicando com o dedo a principal figura, perguntou com voz meio receosa:

– Quem é aquele?

– É o Cristo – respondeu Stenburg com indiferença.

– Que estão fazendo com Ele?

– Estão crucificando-O – respondeu o artista. – Mas vire-se um pouco mais para a direita. Assim! Está bem!

Stenburg, quando trabalhava, era homem de poucas palavras.

– Que gente é aquela que está em volta Dele? Aqueles que têm cara tão má?

– Fique quieta – respondeu o artista. – Eu não posso falar contigo e você só tem de ficar na posição que eu indicar.

A moça não ousou tornar a falar, mas continuou a observar o quadro, e cada vez que vinha ao estúdio ficava mais fascinada com ele. De quando em quando atrevia-se a fazer uma pergunta, porque a curiosidade a matava.

– Por que é que O crucificaram? Ele era muito mau?

– Não, era muito bom.

Daquela vez nada mais pôde aprender, mas todas as palavras lhe ficaram gravadas na memória, cada frase lhe ia desvendando mais o mistério.

– Então, se Ele era bom porque lhe fizeram isso? Foi por pouco tempo? Deixaram-No ir embora depois?

– Olha, foi porque…

O artista calou-se, e foi arrumar o cinto que a moça usava.

– Por que foi? – repetiu Pepita, quase sem poder respirar.

O pintor voltou para o seu cavalete; e olhando para ela comoveu-o aquela fisionomia em que aparecia o ardente desejo de saber.

– Escute; vou contar a você de uma vez para sempre, e depois não me faça mais perguntas – e contou-lhe a história da Cruz, uma história nova para Pepita, mas já tão antiga para o pintor que tinha deixado de comovê-lo. Ele pôde pintar aquela agonia mortal sem que um nervo sequer vibrasse; mas quanto à moça, o pensamento daquele suplício torturava-lhe o coração. Seus grandes olhos estavam inundados de lágrimas que o orgulho de cigana não deixava cair.

O quadro grande e o da dançarina ficaram prontos ao mesmo tempo. Tinha chegado o dia da última visita de Pepita ao estúdio. O belo quadro que a representava não tinha para ela atrativo algum, mas em compensação ficou parada e absorta diante do outro.

– Tá aqui – disse-lhe o artista – aqui está o teu dinheiro e mais uma moeda de ouro. Você me deu sorte: a “Dançarina” já foi vendida. Talvez volte a precisar de ti daqui a algum tempo, mas por enquanto não. É preciso não encher o mercado, nem mesmo do teu bonito rosto.

A jovem voltou-se vagarosamente.

– Muito obrigada, senhor! – disse ela, notando-se-lhe nos olhos a mais viva comoção, e, com o pensamento fixo no quadro, acrescentou:

– O senhor deve amá-Lo muito… visto que Ele tez tudo isso por você… Não é verdade?

Stenburg corou de vergonha. A pobre moça, de vestido desbotado, saiu do estúdio, mas suas palavras de queixume penetraram no coração do artista. Ele tentou esquecê-las, mas foi em vão. Apressou-se em enviar o quadro ao seu destino, mas não pôde esquecer as palavras: “Fez tudo isso por ti.”

Por fim, não pôde suportar aquela agonia. Queria encará-la e vencê-la. Foi confessar-se para obter a paz pela qual tanto anelava, mas foi inútil, porque essa paz só se obtém quando Cristo é o único alvo da fé. Fez um desconto generoso no preço do quadro, e isso lhe deu sossego de espírito por uma semana ou duas, mas logo se levantou de novo a antiga pergunta: “O senhor deve amá-Lo muito, não é verdade?”, e essa pergunta requeria uma resposta.

Perdeu o sossego e não podia prestar atenção ao trabalho. Assim, pois, vagueando ao acaso, ouviu coisas que até então lhe eram desconhecidas. Um dia viu um grupo de pessoas que se dirigiam às pressas para uma casa de aparência humilde, próxima aos muros da cidade, e logo notou outro grupo que do lado oposto se dirigia para a mesma casa, entrando pela porta baixa. Perguntou o que havia ali de extraordinário, mas a pessoa a quem se dirigiu ou não quis ou não pôde responder-lhe, o que despertou ainda mais sua curiosidade.

Alguns dias depois soube que morava ali um desconhecido, um dos “Reformadores” – um daqueles desprezados que sempre se baseavam na Palavra de Deus. Era pouco respeitável, e até pouco seguro, ter sequer um simples contato com essa gente. Mas era possível que ele fosse encontrar ali o que procurava? Stenburg ouvira dizer que esses reformadores arriscavam tudo, e freqüentemente tudo perdiam, por amor à verdade que sustentavam. Talvez eles possuíssem o segredo da paz. Por isso o artista foi observar, e ver, mas sem, de modo algum, se querer associar com eles; contudo, ninguém pode se aproximar do fogo sem sentir o calor.

Entrou, e achou-se na presença de um homem que podia viver à vontade, mas sofria privações; que podia ser considerado, mas era desprezado; que podia ser estimado e respeitado, mas era abandonado; e que, apesar de tudo isso, estava tranqüilo e até feliz. Este pregador falava e tinha aparência de um homem que andava na terra em comunhão com Cristo, e para quem Cristo era tudo. Stenburg encontrou finalmente aquilo porque anelava – uma fé viva. Seu novo amigo emprestou-lhe por algum tempo uma preciosa cópia do Novo Testamento, mas, sendo perseguido e expulso de Düsseldorf algumas semanas depois, teve de partir levando o livro consigo; mas seu ensino ficou bem gravado no coração de Stenburg.

Ah! Agora acabaram-se as dúvidas! Ele sentia claramente no coração o fogo de um amor ardente! “Ele fez tudo isso por mim! Como poderei não falar aos homens desse amor, desse amor sem limites, que pode alegrar-lhes a vida, assim como alegrou a minha? Esse amor é também para eles, mas eles não o vêem, assim como eu o não via também. Como posso empregá-lo? Não tenho o dom de orador, sou um homem de poucas palavras. Ainda que fizesse esforço, nunca poderia explicar o que sinto. Esse amor de Cristo abrasa-me o coração, mas não o posso exprimir.”

Com tais pensamentos o artista fez com o lápis que tinha na mão um esboço tosco de uma cabeça coroada de espinhos, e ao mesmo tempo umedeciam-se-lhe os olhos. De repente brotou esta idéia do seu espírito: “Sei pintar! O meu pincel O anunciará. Ah! no outro quadro Sua face só revelava agonia, mas não era essa a expressão da verdade. Faltava ali o amor inexprimível, a compaixão infinita, o sacrifício voluntário!”

O artista caiu de joelhos, e orou para que pudesse pin­tar dignamente, e por esse modo pregar.

Começou a obra, e o fogo do gênio brilhou até alcançar e mesmo ultrapassar seus limites. O quadro da crucificação ficou uma maravilha – quase divino!

Não quis vendê-lo; fez doação dele à sua terra natal, sendo exposto na galeria pública, onde se reuniam para o admirar muitos dos cidadãos, que ao contemplá-lo emudeciam e se comoviam profundamente, voltando para casa com o conhecimento do amor de Deus, e repetindo consigo mesmo as palavras que tão claramente estavam escritas por baixo do quadro:

“Tudo isto Eu fiz por ti;

Que fazes tu por Mim?”

Stenburg também costumava ir ali, e, a um canto da galeria, observava o povo que se juntava em roda do quadro, orando a Deus para que abençoasse seu sermão ali delineado. Um dia, depois de todos terem saído, ele viu uma pobre moça de pé a chorar amargamente defronte do quadro. Aproximou-se dela e perguntou-lhe:

– Que foi, moça?

Ela se voltou-se. Era Pepita.

– Oh, senhor, se Ele tivesse me amado assim – disse ela apontando para aquela face que indicava tanto amor. – Eu não sou mais que uma pobre cigana. Este amor é para ti, mas não para uma pessoa como eu – e não pôde conter as lágrimas de desespero.

– Pepita, esse amor também é para ti!

E então o pintor disse-lhe tudo. Conversaram até à hora de fechar a galeria. Ele agora não se aborrecia de responder às perguntas da jovem, porque era aquele o assunto que mais apreciava. Contou-lhe a história daquela maravilhosa vida, daquela morte sublime, da glória suprema da ressurreição, e também lhe explicou a união que aquele amor efetua. Ela escutou, recebeu e creu: “Tudo isto Eu fiz por ti.”

Haviam decorridos dois anos desde que fora encomendado o quadro. Voltou o inverno, o frio era intenso, e o vento soprava pelas ruas estreitas de Düsseldorf, fazendo estremecer as vidraças da casa do artista. Tinha terminado seu trabalho daquele dia, e estava sentado ao pé do fogão onde ardia um fogo muito confortador, lendo uma cópia do seu querido Evangelho, que tinha obtido com dificuldade. De repente bateram à porta, e entrou um homem que vestia um jaquetão de peles muito usado, no qual se viam sinais de neve. O cabelo negro caía-lhe em caracóis à roda do rosto. Lançou um olhar esfomeado para o pão e a carne que estavam sobre a mesa, ao mesmo tempo que dava seu recado:

– O senhor pode me acompanhar, por favor, para um caso muito urgente? – disse

– Onde? – perguntou o pintor. Era isso que ele não devia dizer, pois a polícia podia vir a sabê-lo, e expulsá-los de lá, como já tinha feito várias vezes.

– Por que você quer que eu vá?

– Não posso lhe dizer, senhor – responde o homem –, mas alguém que está morrendo deseja vê-lo.

– Coma alguma coisa – disse o artista –; eu irei com você.

O homem murmurou palavras de agradecimento, ao mesmo tempo em que devorava a comida.

– Você está com fome?

– Oh, senhor, todos nós morrendo de fome.

Stenburg foi buscar um saco cheio de comida.

– Você pode levar isto? – perguntou ao homem.

– Ah, meu senhor, com todo prazer! Mas venha depressa, não há tempo a perder.

O artista foi atrás dele, seguindo-o rapidamente por várias ruas até saírem da cidade e chegarem ao campo. A claridade da lua, que ia nascendo, mostrava que se aproximavam do bosque. Entraram nele. As ramadas estavam cobertas de neve, e os enormes troncos eram tantos que se misturavam. Não havia caminho, mas o homem não exitava. Caminhava rapidamente e em silêncio à frente de Stenburg. Por fim chegaram a um vale cercado de árvores, onde se viam algumas barracas.

– Por favor, entre ali – disse o homem indicando ao artistas uma das barracas, e voltando-se para um grupo de homens, mulheres que estava ao seu redor, falou-lhes numa língua estranha e tirou o saco de cima dos ombros.

O artista entrou na barraca com dificuldade. O luar brilhante iluminava aquele miserável interior. Sobre umas folhas secas jazia uma forma humana. Era uma moça de rosto macilento.

– Pepita! – disse o pintor.

Ao som dessa voz, Pepita abriu os olhos. Aqueles belos olhos pretos ainda conservavam o brilho. Desenhou-se nos lábios um sorriso, e, apoiando-se nos cotovelos, disse:

– Sim, ELE vem me buscar! Ele me estende as mãos! Elas têm sangue! Por ti… Tudo isto Eu fiz por ti …

Com essas palavras, despediu-se do artista.

Muitos anos depois de o pintor e a cigana terem se encontrado na mansão celeste, chegou a Düsseldorf em sua esplêndida carruagem um jovem nobre e elegante, e, enquanto os cavalos descansavam, ele foi visitar a afamada galeria. Era rico, jovem, inteligente; o mundo sorria-lhe e tinha a seu alcance os tesouros desta terra. Percorreu a galeria e ficou extasiado defronte do quadro de Stenburg. Leu e tornou a ler as palavras que estavam gravadas na moldura.

Não podia afastar-se dali. Seu coração estava preso. O amor de Cristo tinha-se apoderado de sua alma. Passaram-se horas e chegou a noite. O guarda pôs a mão no ombro do choroso fidalgo, e disse-lhe que tinha de fechar a galeria, pois já era noite. Mas não! Para ele era antes o raiar da vida eterna. Aquele jovem era Zinzendorf. Ele voltou para a hospedaria, e entrou em sua carruagem, não com o objetivo de seguir para Paris, mas de voltar para sua casa. Desde aquele momento depôs sua vida, fortuna, fama, tudo aos pés Daquele que tinha murmurado ao seu coração as palavras:

“Tudo isto Eu fiz por ti;

Que fazes tu por Mim?”

Zinzendorf, o iniciador das Missões Moravianas, respondeu àquelas palavras com uma vida de absoluta dedicação à vontade do Senhor, até à morte.

O quadro de Stenburg já não existe na galeria de Düsseldorf, destruído com ela em um incêndio, mas pregou seu sermão, e Deus serviu-se dele para anunciar Seu dom – o Substituto do Calvário – de quem o apóstolo Paulo disse: “O qual me amou, e se entregou por mim” (Gl 2.20).

Vimos como a história do amor infinito e divino revelado em Cristo crucificado comoveu e prendeu extasiada a bela cigana Pepita; como venceu e inspirou o célebre pintor Stenburg; como atraiu e satisfez o jovem fidalgo Zinzendorf – mas que diremos de nós mesmos? Leitor, o que você diz? Você pode unir sua voz à nossa e exclamar: “Nós O amamos, porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19)?

Mas talvez você ainda nunca tenha ouvido essa história sublime que cativou Pepita. Leia por mais uns momentos, pois vamos resumi-la.

“O Pai enviou Seu Filho para Salvador do mundo” (1Jo 4:14), e sobre isso lemos:

“Cristo morreu por nossos pecados (…) e foi sepultado (…) e ressuscitou ao terceiro dia” (1Co 15.3,4).

Por Sua morte, o Salvador fez expiação por nossos pecados: em Sua sepultura vemos, pela fé, o fim de tudo quanto éramos como pecadores; e em Sua ressurreição nós O vemos sair de entre os mortos e subir para a glória celeste, sendo Ele o princípio de uma nova família – a família de Deus. Pela fé podemos dizer: sobre a cruz do Calvário, Cristo identificou-se com nosso pecado, e tomou nosso lugar no sofrimento e na morte; e agora, se cremos Nele, o amor divino nos identifica com Ele no poder de uma nova vida e no lugar de bênção que Ele atualmente ocupa com Deus na glória celeste.

Oh! Que conheçamos esse amor inexprimível, amor que a morte não pôde vencer, amor que atualmente desde a glória celeste nos atrai, ao ponto de dizermos como Paulo: “O amor de Cristo nos constrange”. E, inspirados por tal amor, assim como Zinzendorf e nosso artista, somos levados a mostrar, por vidas dedicadas a Ele, a gratidão e alegria de corações satisfeitos pelo amor divino.

(Obs. 1: A frase que estava no quadro Stenburg inspirou Francis Ridley Havergal [1836 – 1879] a escrever o hino “I Gave My Life for Thee”, com música de Philip Paul Bliss [1838 – 1876]; há uma melodia alternativa de William Herbert Jude [1851 – 1922]. Este hino está presente em alguns hinários em português.)

(Obs. 2: O sítio oficial do Conde Zinzendorf registra que o nome do pintor era, na verdade, Domenico Feti, e o nome do quadro era “Ecce Homo” (Eis o homem, em latim)

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