Escrevi este texto há três anos. Muita coisa do que escrevi então é válida, uma vez mais, à virada de ano.

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Há um hino antigo que diz:

Finda-se este dia
Que meu Pai me deu,
Sombras vespertinas
Cobrem já o céu!
Ó Jesus bendito,
Se comigo estás,
Eu não temo a noite,
Vou dormir em paz.

São quatro estrofes que revelam fragilidade diante da vida, reconhecimento de pecados e fé no cuidado do Senhor. Cantadas em ritmo lento, quase choroso, confessional, são uma bela oração para o final de cada dia, bem como um declaração de confiança no Senhor que prepara o dia de amanhã.

Gosto desse hino, e o conheço desde a infância. Mas no último dia do ano ele me parece especialmente necessário. Mudo a palavra “dia” para “ano” e tenho: “Finda-se este ano que meu Pai meu deu”.

Sim, 2005 foi-me dado por meu Pai, meu amoroso, santo, justo e bondoso Pai. Ele não me deu tudo de uma vez só, mas ao longo de 365 dias, no amanhecer dos quais Suas misericórdias se renovaram e foram a causa de eu não ser consumido. Nesses 365 dias, fui guiado por meu Pai, tanto para as águas de descanso, para os pastos verdejantes, quanto pelo vale da sombra da morte, pelos caminhos que feriram meus pés, machucaram meu coração, arrancaram-me lágrimas dos olhos. Em todos os caminhos Ele esteve comigo.

Este não foi um ano fácil. Mas foi dado por Deus. Quantas lições preciosas aprendi — e quantas desperdicei. Quantas vezes preferi o sono a Seu doce chamado à comunhão. Quantas vezes deixei-O de lado para preocupar-me comigo mesmo. Quantas vezes Ele me envergonhou, presenteando-me em Sua bondade quando eu estava indiferente a Ele. Mas também quantas vezes me alegrei em vê-Lo operar, em vê-Lo ser bondoso, em vê-Lo em meus irmãos, em ouvi-Lo em um versículo do Livro Santo. E quantas vezes eu não O vi, mas Ele lá estava, guardando a mim e a minha família, produzindo “coincidências”, livrando-me do mal.

Este é meu Deus. Este é meu Pai.

Houve muitas alegrias e tristezas: reencontrei antigos amigos e colegas, fiz novos amigos, amizades se esfriaram, amigos não eram amigos… Coisas do nosso coração corrupto, inconstante. Provavelmente eu tenha falhado com muitos, ferido outros tantos, sem perceber, sem notar. Desculpem-me. Projetos maravilhosos foram frustrados, frustrações se revelaram grandes projetos. Dores foram alternadas com alegrias, sofrimentos com consolações, lágrimas com as costas de uma mão amiga a enxugá-la, muitas perguntas, algumas respostas, anseios com orações respondidas, orações não-respondidas com respostas à oração não-feita. “Quão variadas são Tuas obras!” Deus esteve lá, em cada um dos 365 ciclos de luz e trevas, sono e atividades, silêncio e multidão.

Eu preferia não ter feito muita coisa que fiz em 2005. Mas agora já as fiz. A segunda estrofe é minha confissão:

Com pecados hoje [este ano]
Eu Te entristeci,
Mas perdão Te peço
Por amor de Ti.

Hoje gostaria de não os ter praticado, mas no momento pareceram-me tão necessários! Como dizia o irmão Lawrence, há quase 400 anos, “esta é minha natureza; é o que sei fazer melhor”. E sei que, sem a graça do Senhor, continuarei caindo todos os dias. Pecados por “pensamentos, palavras, obras e omissões” como diz antiga liturgia. O principal deles, o que mais me fere a mim, e sei que a Ele especialmente: o pecado de não confiar Nele. Quantas vezes a meu coração subiram pensamentos de desconfiança, de incredulidade…

Por essa razão, oro o restante da estrofe:

Sou Teu pequenino,
Livra-me do mal;
Em Ti mesmo eu tenha
Proteção real.

Sim, somente se Ele me guardar verei o raiar de outro dia e depois de outro, outro e outro.

Há quem imagine que, pelo simples fato de um novo ano ter-se iniciado, tudo será diferente, assim, de modo automático, instantâneo. Grande tolice. As resoluções de ano novo não sobrevivem a duas quinzenas de férias ou às primeiras dificuldades da rotina. As misericórdias do Senhor não se renovam anualmente, mas a cada manhã. Portanto, precisamos de um recomeço a cada manhã, a cada despertar. A cada meia-noite, temos um novo “atá aqui nos ajudou o Senhor”. E, renovadas Suas misericórdias, recomeçamos: uma nova oportunidade de andarmos com Ele, de sermos mais Dele, de O conhecermos mais, de sermos mais conformados à imagem de Seu Filho, de vivermos na expectativa da volta de nosso amado Senhor!

Estamos mais próximos, cada dia mais próximos da realização de nossa bendita esperança: nosso Senhor voltará! Não importando a que escola escatológica pertençamos, não importando o que digam os homens descrentes, o fato é que Ele está às portas. E ao alvorecer de cada manhã, é-nos dada mais uma oportunidade de estarmos prontos para o grande dia. Pode ser em 2006!

Com certeza, em 2006 também haverá dias difíceis, dias sem sol, dias em que nos sentiremos em trevas, desamparados, sozinhos, desanimados até para abrir os olhos e sair da cama. Mas nosso Senhor estará lá. “Nada chega a nós sem ter antes passado por Ti, ó Deus.” Essa verdade pode guardar nosso coração nos dias de escuridão e fraqueza. “Meu Pai, eu não Te entendo, mas confio em Teu amor” é uma doce e simples oração, mas muito necessária. Muitas vezes teremos oportunidade de dizê-la no ano que começa amanhã. Aquele que, como este que se encerra em 11 horas, nos foi dado por nosso Pai, nosso querido, amoroso, justo, santo e bondoso Pai, que nos presenteou com Seu único Filho para poder se tornar nosso Pai.

É isto. Receba essas idéias soltas, um tanto desconexas, como meu desejo de que, em 2006, você experimente a mais doce, ampla, rica, profunda realidade de ser filho de Deus, o Pai misericordioso que prepara cada dia.

Seu conservo,

francisco nunes

Campos de Boaz: colheita do que Cristo, o Boaz celestial, espalhou em Seus campos é um projeto cristão voluntário sob responsabilidade de Francisco Nunes.
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