crucificado

O trecho escolhido começa com eu [subentendido]. Existem dois grandes eus nas Escrituras, os quais são exatamente opostos. Um é o eu daquele querubim: é a primeira vez que a palavra eu foi usada no universo de Deus e foi quando o rebelde a pronunciou. O outro eu é o de nosso Senhor, o qual Ele usou com Seus discípulos, quando disse “Eu em vós”. O que Satanás realmente queria dizer quando usou pela primeira vez a palavra eu foi: “Não mais Deus, mas eu”. Isso fez dele o arqui-traidor. Quando ele continuou dizendo “Eu irei”, isso foi um ato de auto-traição.

Adão e Eva fizeram a mesma escolha que o diabo já tinha feito: o eu em lugar de Deus. O eu se tornou o centro da visão deles, e eles também disseram: “Não mais Deus, mas eu”. Esse eu é também o centro da sua vida e da minha, e quer viver para si mesmo. Para haver uma nova história em nossa vida, deverá haver primeiro uma mudança no nosso relacionamento tanto com o eu quanto com Deus. Nossa vida devem ser reajustadas de tal maneira que, em vez de “Não mais Deus, mas eu”, seja o: “Já não sou eu, mas Cristo” de Gálatas 2.19,20.

Mas o eu nunca sairá do trono por si mesmo. Ele nunca se rebaixará ou se retirará em favor de Cristo. Ele deve ser removido a fim de ser substituído por Cristo como centro de nossa vida. Como se pode fazer isso? Existe somente um lugar onde isso pode ser feito, e esse lugar é a cruz de Cristo. O caminho de Deus é o caminho da cruz, e o caminho da cruz significa morte. Nós não podemos dizer de uma forma real: “Cristo vive em mim” antes de dizermos: “Eu estou crucificado com Cristo”. Essa é a ordem de Deus, e não pode ser mudada. Quando o velho eu se retira por meio da crucificação, a nova vida entra pela ressurreição. Quando o velho eu cai e morre, o novo eu surge e vive.

Por que razão o velho eu é tão abominável e odioso aos olhos de Deus, para que deva tratar tão drasticamente com ele? Eu estou sempre procurando uma visão nova desse versículo. Alguns anos atrás, compreendi esse verso de uma maneira bem definida como um padrão para minha vida diária. Recentemente, li um folheto e recebi uma nova luz nesse versículo, o qual deu lugar a uma nova linha de pensamento com respeito à razão pela qual Deus teve de levar o velho eu à cruz para ser crucificado com Jesus Cristo. Vou pedir a você que abra a Bíblia em Marcos 10.32-45, e leia esse trecho antes de continuar a ler este artigo.

Nessa passagem, o Senhor Jesus falou a Seus discípulos do sofrimento que O esperava; da zombaria, do tormento e dos acoites, que terminariam em morte de crucificação. Alguém poderia pensar que o coração deles tivesse sido comovido enquanto visualizavam a agonia que esperava o Senhor. Mas muito pelo contrário! As palavras do Senhor Jesus pareciam não dizer nada a eles. Por quê? Porque eles estavam preocupados consigo mesmos. Dois deles, Tiago e João, vieram ao Senhor dizendo: “Mestre, queremos que nos conceda o que Te vamos pedir”. Isto é o ego falando: “Que Tu nos concedas!” Não há nenhum desejo de fazer algo para Ele.

O eu sempre espera que alguém o sirva. Ele não vem para servir, mas para ser servido. Sim! O eu quer que todo mundo e todas as coisas o sirvam – pessoas, circunstâncias e, mesmo ocasionalmente, o tempo.

O Senhor Jesus perguntou: “Que quereis que vos faça?” Quanta graça! Que incomparável altruísmo e humildade! Então, os dois disseram: “Permite-nos que na Tua glória nos assentemos um à Tua direita e o outro à Tua esquerda.” “Permiti-nos! Não importa que tipo de lugar os outros dez tenham; qualquer lugar será bom para eles; mas cuida para que nós tenhamos os melhores lugares, por obséquio. Depois que o Senhor nos houver colocado assentados, pode, então, assentar os outros em qualquer lugar.” Lembre-se que estes dois eram ardentes fundamentalistas. Eles acreditavam no céu. Haveria de vir uma Terra Gloriosa, e eles queriam se assegurar de que teriam os melhores lugares ali; eles iriam reservá-los, e queriam obter essa solicitação antes mesmo que os outros tivessem uma chance.

O Senhor fez dessa solicitação uma ocasião para ensinar-lhes mais alguma coisa: “Não sabeis o que pedis. Podeis vós beber o cálice que Eu bebo?” “Sim! Vocês estarão Comigo na Terra Gloriosa, mas há alguma coisa antes da Terra Gloriosa. Há o cálice: a cruz! Vocês estão prontos para ir à cruz? Os lugares que vocês terão na glória irão depender de vocês irem àquela cruz Comigo ou não, de vocês beberem aquele cálice Comigo.”

Eles não tinham pensado nisto! Eles pensaram somente nos lugares que iriam ocupar na glória – puro e extremo egoísmo. Mas a cruz vem antes da glória; o cálice precede o lugar, não somente para eles, mas também para você e para mim. Quando os dez ouviram a conversa, ficaram muito aborrecidos pelo fato dos dois terem se antecipado a eles e pedido os melhores lugares. A raiva deles suscitou do Senhor Jesus estas palavras maravilhosas, as quais prefiguram a cruz e colocam-na bem no centro da experiência cristã:

“Mas entre vós não será assim; antes, qualquer que entre vós quiser tornar-se grande, será esse o que vos sirva; e, qualquer que entre vós quiser ser o primeiro, será servo de todos. Pois o próprio Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a Sua vida em resgate por muitos” (vv. 43-45).

Não pensariam vocês que a palavra “próprio” os teria atingido até o âmago? O próprio Filho do homem! Ele tinha o direito de vir esperando ser servido, porque era o Filho de Deus. Mas Ele veio também como o Filho do homem, e é assim que Ele próprio se chama aqui. O ego espera obter, Cristo veio para dar. Ele veio não para ser servido, mas para servir, até mesmo para dar a Si próprio à morte na cruz.

Há o cálice: a cruz! Vocês estão prontos para ir à cruz?

Há o cálice: a cruz! Vocês estão prontos para ir à cruz?

O eu sempre espera que alguém o sirva. Ele não vem para servir, mas para ser servido. Sim! O eu quer que todo mundo e todas as coisas o sirvam – pessoas, circunstâncias e, mesmo ocasionalmente, o tempo.

O velho eu tem um grande senso de sua própria importância, e uma presunçosa avaliação das próprias habilidades. Ele fica terrivelmente chateado se sua importância não é reconhecida, se seus dons não são valorizados, se seus direitos não são admitidos ou se não é considerado apropriadamente; tudo porque ele veio para ser servido, e não para servir.

O velho eu sabe muita coisa da Bíblia, mas nada da parte que diz: “Preferindo-vos em honra uns aos outros”, ou de: “Não procurando o que é propriamente seu”, ou de: “Alegrai-vos com os que se alegram”. Sendo assim, isso dá lugar ao ciúme e à inveja, talvez até mesmo à falta de perdão, ressentimento e ódio, tudo porque ele veio para ser servido, não para servir. Ele pode finalmente até fazer uma bondade a alguém, e então quase ter um colapso nervoso porque não foi suficientemente apreciado. Os agradecimentos não foram bastante profusos, porque ele veio para ser servido, não para servir.

Ele se orgulha de seu firme julgamento e sábio conselho e ama ser consultado. Se as pessoas se dão bem sem seu conselho, ou se seu conselho é dado, mas ignorado, então, sua reputação sofre. Ele veio para ser servido. Ele tinha de falar numa reunião e esperava uma grande audiência, mas não havia uma grande audiência; ou talvez a grande audiência estivesse lá, mas simplesmente saiu sem dizer qualquer palavra de como a reunião tinha sido um sucesso ou comentado da mensagem maravilhosa que tinha sido dada. Então, o velho eu foi para casa cabisbaixo e triste, julgando-se falho e sentindo-se extremamente deprimido e aborrecido. Ele não veio para servir, mas para ser servido, e estava desapontado.

Ele queria se entregar ao trabalho cristão, tinha esperado ardentemente por isso, mas pelo quê ele iria ganhar disso e não pelo quê ele representaria ao trabalho. Logo, ele ficou desapontado e cansado, e queria desistir. Por quê? Porque ele não veio para ministrar, mas para ser ministrado; e não recebeu o que esperava.

A Principal Causa do Problema

O problema que você e eu temos em nossa vida e em nosso serviço é devido principalmente ao eu. Naturalmente não pensamos assim! Nós continuamos a fazer exatamente aquilo que começou no Éden: nós tentamos colocar a culpa noutro lugar (cf. Gn 3.12). Mas nenhum de nós pode jamais ser roubado de qualquer paz, alegria, descanso, poder, ou qualquer outra coisa que pertence a nós pelo fato de sermos cristãos, a não ser por causa do velho eu. Ele fica tão inquietado por pequenas coisas. A água é cortada justamente na hora que alguém começa a lavar a louça; a carta não vem no dia exato em que é esperada; ou até mesmo alguém começa a escrever uma carta e acaba a tinta da caneta! Como o velho eu se indigna e se enfurece! Que momentos difíceis! Por quê? Ele está ocupado consigo mesmo, toda a vida gira em torno dele. Ele veio, não para ministrar, mas para ser ministrado. É, então, de estranhar que, para Deus, haja outro lugar para ele a não ser a cruz do Calvário?

Agora voltemos ao nosso verso. “[Eu] estou crucificado com Cristo.” Creio que Paulo estava dando um testemunho pessoal. Ele nos deu a doutrina que está em Romanos 6.6, mas aqui ele dá seu testemunho pessoal de que isso é um fato e de que isso passou a ser sua própria realidade de vida. Paulo está dizendo aqui: “Eu, Paulo, fui crucificado com Cristo, e não é mais o velho homem que é o centro de minha vida; Outro veio para tomar seu lugar. Já não sou eu, mas Cristo!” Podemos dizer o mesmo como uma realidade viva?

Mas quem é Cristo? Qual é Sua vida? Uma vida assim humilde, santa, pura, justa, tal vida de amor: isto é Cristo. Aquele que é tudo isso – este Cristo, não outro – vive em você e em mim. Que espécie de vida Ele vive? Exatamente a mesma espécie de vida que viveu aqui na terra. Não é outra vida. Ele vive exatamente a vida que está vivendo agora à mão direita de Deus. E Cristo vive em mim!

Existem certos princípios que governaram a vida de Cristo quando Ele viveu aqui na terra; princípios bem definidos e afirmados muito claramente na Palavra de Deus, e vou mencionar cinco deles. Eu creio que, se deixar Cristo viver completamente em mim, então, Ele vai viver de acordo com esses mesmos princípios.

  1. Primeiro: Ele vivia puramente para a glória de Deus. Não havia um simples traço de auto-glorificação no Filho do homem. Ele disse em Sua oração sacerdotal: “Eu terminei o trabalho que Tu me deste”. Isso nos ensina que, mesmo antes do desejo de fazer a obra do Pai, o desejo ardente de Seu coração era glorificar Seu Pai. Ele tanto glorificou o Pai que pôde dizer a Felipe, quando este perguntou se poderia ver o Pai: “Aquele que vê a Mim vê o Pai”. Assim, este é o primeiro princípio da vida de nosso Senhor: glorificar a Deus, e não auto-glorificação.
  2. Segundo: Ele viveu para agradar ao Pai. Não houve nenhum agrado próprio em Sua vida. “Eu sempre faço as coisas que Lhe aprazem”; sempre, e não algumas vezes. Este foi um princípio permanente em Sua vida: viver para agradar ao Pai.
  3. Terceiro: Ele viveu em completa obediência a Seu Pai. Não navia nenhum traço de vontade própria Nele. Ele continuamente dizia: “Não seja feita a Minha vontade, mas a Tua”. Em todas as coisas e em todo momento, este também era um princípio permanente na vida do Filho do Homem aqui na terra.
  4. Quarto: Ele vivia em absoluta dependência de Seu Pai. Não havia auto-confiança. Ele disse: “O Filho nada pode fazer de Si mesmo, senão aquilo que vir o Pai fazer”.
  5. Quinto: Ele viveu somente para Seu Pai. Não havia apenas nenhuma vontade própria, mas também nenhum caminho próprio. Ele disse: “O Pai enviou-Me” e “Eu terminei a obra que o Pai me deu a fazer”.

Ora, o Cristo que vive em você e em mim pretende viver exatamente em acordo com esses cinco princípios, de maneira que em nossa vida haverá glorificação do Senhor Jesus Cristo, e não auto-glorificação: nosso viver será somente para agradá-Lo, e não para agrado próprio, mas uma vontade completamente entregue em submissão ao Senhor Jesus Cristo. Nós seremos realmente Seus escravos. Será uma vida vivida sem auto-confiança, nunca fazendo nada de nós mesmos. Crendo que Ele vive Sua vida em nós, nossa dependência estará totalmente Nele.

Paulo aplicou isso a si mesmo. O mesmo Cristo deve viver a mesma vida em você e em mim. Isso é tão profundo, e assim mesmo tão simples: apenas uma Pessoa divina vivendo Sua vida num ser humano. Não é que Cristo vai viver Sua vida em nós com nossa ajuda. Não é que Ele vai nos ajudar a viver a vida cristã. Não é nenhuma dessas duas coisas. É exatamente o que nosso verso diz: Cristo vivendo plenamente Sua vida em nós. Cremos nisso? É essa a vida que você e eu temos vivido até o dia de hoje? Temos estado conscientes de que há uma Pessoa divina dentro de nós, realmente vivendo Sua vida em nós?

Isso não poderia ser afirmado de maneira mais simples. Ainda temos nossa personalidade humana, mas existe outra Pessoa vivendo, e vivendo em todas as áreas de nossa vida, não em uma pequena parte, mas em toda parte. O velho eu está crucificado e, portanto, deve ser despojado como lemos em Efésios. O novo eu, o qual é Cristo em nós, a vida sobrenatural de uma Pessoa sobrenatural deve ser vivida plenamente em nós. Isso é verdade para você e para mim?

Fonte: extinta revista À Maturidade, nº 22 – Verão de 1992. Tradução: C. L. M. C Revisado por Francisco Nunes. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria e de tradução e seja exclusivamente para uso gratuito. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo. Ao compartilhar nossos artigos e/ou imagens, por favor, não os altere.
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