Categorias
Doze pérolas Given O. Blakely

Doze pérolas (8)

Cem coisas que acompanham a salvação (4)

    1. Ter nosso nome escrito no Céu (Lc 10.20; Hb 12.23)
    2. Uma herança incorruptível, incontaminável e que não se pode murchar, guardada no céu para nós (1Pd 1.4)
    3. Sermos guardados no poder de Deus (1Pd 1.5)
    4. Sermos guardados de tropeçar (Jd 24)
    5. A paz de Deus guardando nosso coração e nossos pensamentos (Fp 4.7; Cl 3.15)
    6. Saber em quem temos crido (2Tm 1.12)
    7. Sermos santificados e idôneos para o uso do Senhor (2Tm 2.21)
    8. Recebermos graça sobre graça (Jo 1.16)
    9. Compreendermos perfeitamente a extensão da salvação (Ef 3.18)
    10. Conhecermos o amor de Cristo que excede todo o entendimento (Ef 3.19)
Categorias
Samuel Rutherford Sofrimento Testemunho

Cartas de Samuel Rutherford (11)

Para John Stuart [1]

Aberdeen, 1637

Infortúnios comerciais

A graça, a misericórdia e a paz estejam contigo.

Desejo muito ter notícias tuas, estando agora afastado de meu rebanho e sendo o prisioneiro de Cristo em Aberdeen. Eu não te faria pensar que é estranho que tua viagem à Nova Inglaterra tenha sido tal tropeço. Ela, de fato, fez meu coração pesado; porém eu sei que a Providência não é muda, mas fala, e pela qual nosso Senhor fala de Sua mente à tua, embora, para o presente, tu não compreendas bem o que Ele diz.

Seja como for, Aquele que se assenta sobre o dilúvio [Sl 29.10] te mostrou a Sua maravilhosa bondade em grandes profundidades. Eu sei que tuas perdas foram grandes, e tua esperança muito se afastou de ti. Mas eu te suplico, senhor: compreende corretamente todos os obstáculos que nosso Senhor está colocando no caminho. Eu me convenço de que teu coração anseia pelos passos do rebanho para comeres ao lado da tenda do pastor, e habitar ao lado Daquele a quem tua alma ama; e que é teu desejo permanecer no deserto onde a Mulher está protegida do Dragão (Ap 12.14). E, sendo esse o teu desejo, lembra-te de que um pobre prisioneiro de Cristo te disse que essa viagem sem sucesso está prenhe com misericórdia e consolação, e trará um belo nascimento assistido pelo Senhor. Espera nisso: “Aquele que crer, não se apresse” (Is 28.16).

Espero que estejas perguntando o que o Senhor quer dizer, e qual seria a Sua vontade com respeito à tua volta.

Meu querido irmão, deixa Deus fazer contigo o que Ele quiser; Ele terminará tudo em consolação, e transformará em glória os teus sofrimentos; e irias tu querer obra melhor?

Essa água estava em teu caminho para o céu, e estava escrito no livro de teu Senhor: era-te necessário atravessá-la e, portanto, beijar a Sua sábia e inerrante Providência. Não deixes que as censuras dos homens, que só vêem o exterior das coisas, e o vêem mui imperfeitamente, abatam tua coragem e tua alegria no Senhor. Apesar de tua fé ver apenas o lado escuro da Providência, ela tem um lado melhor, e Deus te levará a vê-lo.

Aprende a crer que Cristo é melhor que os golpes que Ele desfere, que Ele mesmo e Suas promessas são melhores que as tristezas que provê. Reveses e decepções não são Escritos canônicos. A luta pela Terra Prometida parecia gritar para a promessa de Deus: “Tu mentiste!” Se nosso Senhor cavalgar sobre a palha, Seu cavalo não tropeçará nem cairá. “Porque sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28). Portanto, naufrágios, perdas, etc. contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus. Assim, eu deduzo que as perdas, as decepções, as más línguas, a perda de amigos, casas ou do país estão a serviço de Deus, trabalhando para produzir em ti o bem de tudo o que acontece contigo. Não deixe que o agir do Senhor te pareça severo, brutal, ou não próprio de um pai, só porque é desagradável. Quando a bendita vontade do Senhor soprar contra os teus desejos, o melhor é, em humildade, içar as velas em direção a Ele, e estar pronto a ser conduzido por qualquer caminho que ao Senhor aprouver. É uma questão de negar-te a ti mesmo, ser como se não tivesses uma vontade, mas que a tivesses livremente entregue à disposição de Deus. E, usar a Sua vontade para ti mesmo é ao mesmo tempo santidade verdadeira, teu descanso e paz. Tu não sabes o que o Senhor obterá de tudo isso, mas tu o saberás em breve.

E o que escrevo a ti, escrevo a tua esposa. Sofro com o caso dela, mas lhe suplico que não tema nem desfaleça. Essa viagem é parte do seu deserto para o céu e para a Terra Prometida, e há poucas milhas agora a serem percorridas. Está mais próxima a aurora do dia para ela, do que quando ela saiu da Escócia. Vou me alegrar em saber que tu e ela tendes consolo e coragem no Senhor.

A bênção das provações

Agora, quanto a mim: eu fiquei ali por três dias perante a Alta Corte, acusado de traição contra o nosso Rei. (Um ministro que foi testemunha chegou bem perto de jurar isso.) Deus me salvou de sua maldade.

Primeiramente, eles me privaram de meu ministério; em segundo lugar, eles me silenciaram para que eu não tomasse parte em nenhuma função ministerial dentro deste reino, sob pena de rebelião; em terceiro lugar, confinaram minha pessoa dentro da cidade de Aberdeen, onde encontro ministros trabalhando por meu confinamento em Caithness ou em Orkney, longe deles, porque há algumas pessoas aqui (querendo ser edificadas) que recorrem a mim.

Em minha primeira entrada, eu tive pesados desafios dentro de mim, e uma corte me cercou (mas, espero, não em nome de Cristo) na qual foi afirmado que meu Senhor não queria mais meu serviço e que estava cansado de mim. E, como um tolo, eu acusei Cristo também de crueldade. Minha alma desfaleceu, e eu recusei o consolo, e disse: “Em que Cristo se afligiu por mim? Pois eu desejei ser fiel em Sua casa.” Assim, em meus devaneios e erros, meu Senhor Jesus derramou misericórdia sobre mim, que sou menos que o menor de todos os santos. Eu me deitei no pó e comprei uma acusação de Satanás contra Cristo, e ele ficou feliz em ma vender. Mas depois Cristo se mostrou amigo a mim, e em misericórdia me perdoou, e esqueceu minha parte nisso, apenas reclamando que esse julgamento deveria ser em Seu território e com Sua permissão. Agora passo de meu comparecimento ao tribunal; e, como se Cristo tivesse cometido os erros, Ele próprio os reparou e retornou à minha alma. E é assim que agora Seu pobre prisioneiro se nutre nas festas de amor.

Meus adversários não sabem que cortesão eu sou agora com meu Nobre Rei por cuja coroa eu sofro. É apenas nossa carne fraca e preguiçosa que traça um relato distorcido da cruz de Cristo.

Oh, como é doce, doce o Seu jugo. As cadeias de Cristo são de ouro puro; os sofrimentos por Ele são perfumados. Eu não trocaria o meu choro pelas risadas de todos os catorze bispos. Eu não trocaria minha tristeza pela alegria do mundo. Oh, amável, amável Jesus; quão doces devem ser Teus beijos, uma vez que Tua cruz tem aroma tão doce! Oh, se todos os três reinos participassem da minha festa de amor e do consolo de um prisioneiro privilegiado!

Caro irmão, eu te encarrego de louvar por mim, e de buscar ajuda de nosso conhecido lá para me ajudar a louvar. Por que eu deveria sufocar a honestidade de Cristo para comigo? Meu coração está empenhado em que meu silêncio e meus sofrimentos preguem. Eu te rogo, pelas entranhas de Cristo, que me ajudes a louvar. Lembra-te do meu amor por tua esposa, pelo sr. Blair, pelo sr. Livingstone e pelo sr. Cunningham. Dá-me notícias, pois estou ansioso pelo que fazer. Se eu visse um chamamento para a Nova Inglaterra, eu o seguiria. Que a graça esteja contigo.


[1] John Stuart, prefeito [ou preboste] de Ayr, Escócia. “Um cristão piedoso e zeloso de muito tempo, desde os seus tenros anos.” Ele usou seus bens deste mundo para aliviar os oprimidos. Ele estava entre aqueles que inutilmente se esforçaram em imigrar para a Nova Inglaterra.

 

(Para ler todos os artigos dessa série, clique aqui.)

Categorias
Doze pérolas Given O. Blakely

Doze pérolas (7)

Cem coisas que acompanham a salvação (3)

  1. Termos os olhos do nosso entendimento iluminados (Ef 1.18,19)
  2. Completa certeza da esperança (Hb 6.11)
  3. Plenitude da inteligência para conhecimento do mistério de Deus e Pai e de Cristo (Cl 2.2)
  4. Inteira certeza de fé (Hb 10.22)
  5. Sermos de Cristo, como casados (Rm 7.4)
  6. Darmos fruto para Deus (Rm 7.4)
  7. Sermos herdeiros de Deus (Rm 8.17)
  8. Sermos co-herdeiros de Cristo (Rm 8.17)
  9. Sermos participantes da natureza divina (2Pd 1.4)
  10. Estarmos unidos ao Senhor (1Co 6.17)
Categorias
Perseverança T. Austin-Sparks

Capítulo 6: O caminho para o objetivo final de Deus

Apesar de não lê-lo nesse momento, usaremos o livro de Josué como referência à medida que prosseguirmos.

O final do caminho

É necessário vislumbrar o objetivo final logo no início da jornada, antes mesmo de considerar o caminho para chegar até lá. Iniciamos por observar que Deus começou com os céus e, então, prosseguiu para a Terra, e que no final da Bíblia aquilo que desce do céu indica a consumação de todo o processo de Suas atividades através dos tempos. Desse modo, no fim teremos uma expressão completa e plena daquilo que é celestial. Esse é o fim. Dissemos inicialmente que os céus governam tudo. Como ocorre na natureza, também acontece nas coisas do Espírito. Tudo é governado pelos céus, e a Terra e tudo o que é terrenal deve considerar aquilo que é celestial e a isso responder.

Entenda isso como uma verdade espiritual. Aquilo que é verdadeiro na esfera da criação natural é simplesmente uma expressão da mente espiritual de Deus. E isso significa que, assim como este mundo, esta Terra, é governado e controlado por forças celestiais e corpos celestes, de tal modo que, se ele escapasse do correto ajuste ou relacionamento com esses corpos, se desintegraria, congelaria, queimaria, deixaria de funcionar como um todo orgânico. O mesmo ocorre na esfera espiritual. A Bíblia toda indica este fato: que tudo o que temos aqui se relaciona com o que está no céu, e que tudo tem origem no céu, devendo responder e se ajustar a ele. Eu me refiro a tudo em nossa vida, pois o Espírito Santo, tendo descido do céu, é o elo entre o que está aqui e o que está lá.

Essas não são apenas idéias abstratas, mas são os fatores que estão por trás de tudo o que temos da revelação Divina nas Escrituras. Toda a Bíblia, do primeiro ao último versículo, pode ser resumida nisto: que o céu está desafiando esta Terra, e esta Terra deve responder ao céu. Isso abrange inúmeros detalhes, mas é um fato: o fim de todas as coisas resultará simplesmente na plena concretização do céu na criação e, especialmente de forma espiritual, no povo de Deus. Essa é a visão inicial do objetivo final.

Mas devemos notar outra verdade governante em relação a esse fim. Vou primeiramente abrir um parêntese para dizer uma coisa. Algumas dessas frases nos são muito familiares, e sempre temo que a familiaridade com a fraseologia possa tirar-nos um pouco do foco. Vamos pausar para compreender a força da expressão “verdade governante”. Quando estamos debaixo do governo de uma lei, não poderemos escapar dela. Temos as leis da natureza em nosso corpo, neste mundo. Elas estão aqui, e, se as desrespeitarmos, isso não as tira de operação. Descobriremos, no longo prazo, que elas nos destruirão, elas nos alcançarão. Mas, se entrarmos em consonância com elas, então, essas leis serão nossa salvação, nossa vida. Elas estão “governando”, quer isso nos agrade ou não. Assim, “tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). Essa é uma lei, e dela não escaparemos. Existem inúmeras leis assim. Portanto, quando falamos de uma lei ou verdade “governante”, referimo-nos a algo que devemos conhecer e a que temos de obedecer, pois foi estabelecido por Deus em Seu universo.

Deus escolhe soberanamente Seus vasos

Vamos, então, seguir para a próxima verdade governante relacionada ao objetivo final de Deus: que Ele escolhe vasos, tanto individuais como coletivos, ou corporativos, conduzindo-os soberanamente, de maneira peculiar, a uma relação com Seu objetivo pleno, e faz isso realizando neles aquilo que deseja obter em um grupo muito maior. O Senhor soberanamente escolhe vasos – sejam indivíduos ou grupos de pessoas, conforme é amplamente indicado na Bíblia – e, então, Ele começa a trabalhar com esses vasos a fim de fazer algo extraordinário, de maneira muito completa, para que alcance muitos outros por meio desse processo que faz nos vasos que elegeu. Esta é uma verdade governante: Ele faz algo em um vaso eleito, que está destinado a uma abrangência bem maior.

Valores representativos

Vamos então fazer uma pausa, porque sempre precisamos ajustar nossa inclinação mental. Pode ser que muitos, ao ler essas linhas, digam: “Bem, não consigo me ver como um vaso eleito, dessa maneira específica”. Nós pensamos naqueles homens a quem nos referimos como os pioneiros deste caminho celestial: Abraão, Moisés e outros. Então, afirmamos: “Não sou um Moisés ou um Abraão; não vejo como me encaixar nessa categoria”.

Bem, embora possa haver entre nós indivíduos escolhidos por Deus para algo dessa natureza extraordinária, existe outro lado: podemos ser parte de um vaso coletivo ou corporativo. Poderia até ir mais longe, afirmando que provavelmente somos. Então, se o Senhor o tomou e implantou em você esse senso de destino, essa convicção de ter sido chamado para algo maior do que apenas “ser cristão”, esse forte senso de vocação, se isso estiver em você, pode se considerar relacionado a um propósito maior. Se isso for verdade, não considere suas experiências e seu relacionamento com Deus individualmente, de forma pessoal, como se você fosse muito especial.

Deixe-me explicar isso de outra forma. Você pode estar passando por situações que se relacionam a algo que Deus está fazendo em um vaso coletivo sem perceber como o significado do que está passando tem relação com sua vida individual e pessoal. “Por que estou passando por isso?” Bem, a resposta é: porque você é parte de um todo. Freqüentemente, sentimos que uma grande pressão é colocada sobre nós como indivíduos. Quando começamos a comparar nossas anotações sobre isso, descobrimos que outras pessoas espiritualmente relacionadas a nós estão passando pela mesma experiência. Esta é a grande lei do Corpo: “Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele” (1Co 12.26). Mas, o que isso quer dizer?

Veja, trata-se de algo coletivo, corporativo; e, embora não possamos acompanhar tudo para ver como as coisas estão se desenrolando, Deus está fazendo algo de uma maneira relacionada, e nós fazemos parte dela. Estamos sofrendo o impacto de algo muito maior. Esse relacionamento espiritual nos envolve nesse propósito maior de Deus, que se relaciona aos lugares celestiais, é muito maior do que esta Terra. É isso que nos faz um. Nossa unidade não se deriva de uma associação com alguma coisa, de ter nosso nome em um rol de membros ou de sermos reconhecidos publicamente como membros de determinado grupo. Não é isso. Podemos estar a centenas ou a milhares de quilômetros de distância, afastados, e ainda assim sentir as repercussões, porque estamos ligados a essa coisa celestial que Deus está fazendo. Isso porque, quando estamos na esfera celestial, todas as coisas terrenas saem de cena: geografia, distâncias e tempo se vão. Essas coisas não são lá de cima.

Se ao menos pudéssemos receber a concepção celestial da Igreja! Oh, quão tolas são nossas concepções terrenas da Igreja! Quando tratamos daquilo que chamamos Igreja, devemos sair desta Terra e de tudo o que aqui está. Perceberemos que tudo se resume apenas a uma unidade no céu. Tudo isso que temos aqui não tem correspondência lá. Esse é o ponto onde paramos quando falamos sobre a passagem do Jordão no último capítulo. No Jordão, algo foi deixado para trás. O povo se mudou da base terrena para a base celestial. Falaremos mais disso a seguir. Essa deve ser uma realidade espiritual, uma consciência na qual entramos.

Embora não possamos explicar e entender por que podemos estar passando por um momento tão ruim, a explicação celestial é que estamos envolvidos em algo relacionado ao propósito maior de Deus, e estamos sofrendo, ou passando por essa experiência de uma maneira relacionada.

Isso é muito maravilhoso, pois de vez em quando encontramos outras pessoas com quem desfrutamos de comunhão espiritual e descobrimos que elas têm passado exatamente pela mesma experiência. O Senhor tem falado a elas e feito algo com elas, que não é comum ou usual, mas é algo muito especial.

Valores intrínsecos

Como mencionamos anteriormente, tudo isso está relacionado com o fato de que Deus escolhe vasos individuais ou coletivos e faz neles algo destinado a um grupo muito maior. Esses vasos, sejam eles individuais ou coletivos, são representativos de algo que Deus busca em maior e mais ampla escala, em uma esfera mais ampla. Tudo tem início neles. Acho que é isso que Paulo tinha em mente quando disse: “Para que em mim, que sou o principal [o primeiro] […] para exemplo” (1Tm 1.16). Acredito que Paulo quis dizer que aquilo que Deus faria por meio dele seria algo representativo. Tudo aquilo que o Senhor faria por meio dele em esferas mais amplas, nas igrejas, nas províncias e nas nações, seria representativo, simbólico. Deus iria operar em uma escala mais ampla por meio desse homem realizando algo nele, não apenas concedendo a ele palavras para compartilhar.

É aí que costumamos nos perder. Deus começa fazendo algo. Ele traz à existência, em um vaso, uma representação viva de Seu pensamento mais pleno, usando para isso meios peculiares, incomuns e extraordinários. Veremos poucas experiências comuns da vida desse vaso; pelo contrário, suas experiências terão um caráter extraordinário, incomum. Esses vasos representativos, individuais ou coletivos, são escolhidos para que neles sejam estabelecidos valores intrínsecos e essenciais, destinados a uma esfera e a um reino mais amplos. Tudo deve ser passível de expansão, de disseminação, de amplo alargamento e extensão.

Em química, chamamos isso de “tintura-mãe”, uma substância que pode ser ampliada e distribuída; é uma essência pura e concentrada. Mas produzir esses valores intrínsecos e concentrados em qualquer vaso é um trabalho extraordinário. Não haverá nada de comum nesse processo. Alguns de vocês entenderão isso a partir da própria experiência. Os tratos de Deus com vocês não são nada comuns. Às vezes acreditamos que essa concentração é forte demais em nossa experiência! Nós nos questionamos se conseguiremos passar por esse trato específico do Senhor conosco.

Estou tentando permanecer bem próximo da Bíblia. Não pense que estou falando de algo que não está contido ali. Faço referência ao pano de fundo daquilo que está revelado na Palavra de Deus. Esta foi a experiência de Abraão: uma experiência incomum, uma forte concentração de Deus sobre esse homem. Pense na numerosa multidão que derivou seus valores de Abraão. Mas ele chegou ao limite mais de uma vez, chegando a um ponto onde não poderia mais suportar. E nessas horas Deus precisou intervir para levá-lo adiante. O valor intrínseco celestial é a prova mais difícil que alguém pode atravessar.

Em nossa natureza, somos totalmente terrenos, em todos os sentidos. Temos necessidade de ver as coisas – isso é terrenal. Temos necessidade de sentir coisas – isso é terrenal. Desejamos todas as evidências – precisamos de tantas coisas terrenas. Mas Deus nos tira dessa Terra, arrebata-nos daqui – refiro-me a um aspecto espiritual – e nos suspende, por assim dizer, em pleno ar. Esse é um tipo de existência muito precário, extremamente penoso. Não sabemos onde estamos, não temos as explicações, não conseguimos firmar solidamente os pés no chão nem sentir que temos certeza de coisa alguma. Deus está desestabilizando todas as nossas faculdades de análise e interpretação, e tornando absolutamente necessário possuir outro tipo de sabedoria e entendimento que não pertencem, de modo algum, a essa Terra ou ao mundo ou ao homem natural. Trata-se de algo celestial. Essa foi a experiência desses pioneiros do caminho celestial. Ouça-os clamando de sua natureza terrena, às vezes até murmurando com o Senhor. Ouça Jeremias, veja tudo aquilo estava além da sua compreensão. Deus buscava valores intrínsecos intensivos ali.

Ministério espontâneo

Prosseguindo um pouco mais, temos o ministério espontâneo. Grifo a palavra espontâneo, pois não me refiro a um ministério organizado. Quando o ministério é dessa natureza, só precisaremos ser, e tudo acontecerá. Vocês me entendem? As coisas acontecem naturalmente, se formos espontâneos. Assim como não podemos apagar o Sol, não poderemos silenciar esse ministério.

Era isso que o Senhor Jesus buscava no início de Seu ministério. Em primeiro lugar, Ele tomou um grupo de homens, de indivíduos, e os conduziu a um processo. Nem tudo ocorreu de forma tão simples como lemos na história. Podemos ler nos Evangelhos os registros do período que cobre a história de três anos de companheirismo do Senhor com aqueles discípulos, e também podemos ler a respeito daqueles últimos dias do Senhor na Terra e, então, da Sua Cruz. Bem, só essa história já é extraordinária, mas não temos o registro de tudo o que se passou no interior daqueles homens, pois não seria possível registrar isso. Ao longo daqueles três anos, atrevo-me a dizer que eles foram repetidamente conduzidos ao fim dos próprios recursos: não sabiam onde estavam, para onde iam e o que tudo aquilo representava. Eles freqüentemente tentavam compreender as coisas a partir de seus próprios conceitos, de sua mentalidade, interpretando os fatos à luz da profecia, e assim por diante. Tentavam decifrar as coisas e adaptá-las a seu manual de instruções. Entretanto, o Senhor continuamente os desafiava; era para eles um contínuo enigma, um Homem impossível de perscrutar. O Senhor nunca fez coisas de acordo com o manual, nem mesmo de acordo com Moisés. Ele transtornou todas aquelas coisas. O que o Senhor estava fazendo? O que Ele queria dizer com tudo aquilo?

E, então, temos a Cruz. Não podemos compreender plenamente por meio da leitura a profundidade da angústia e da perplexidade da alma deles naqueles dias. Só poderemos compreender essas coisas por meio de nossa própria experiência, quando o Senhor começar a fazer coisas como essas conosco: tirando-nos de nossa zona de conforto e contradizendo todas as nossas expectativas, parecendo tomar o sentido extremamente oposto do que esperávamos ter o direito de esperar Dele. Ele não faz as coisas dentro de nossas expectativas. Às vezes, nós nos sentimos acuados e sem saída nesses tratos do Senhor conosco. O Senhor tomou aqueles homens para Si e os conduziu a tudo isso por meio de uma experiência muito profunda.

E, por meio daqueles homens, o Senhor obteve igrejas, obteve grupos de crentes, e a coisa toda começou. Existe um tipo peculiar de disciplina e treinamento relacionado à vida corporativa, quando deixamos de ser tratados individualmente, mesmo como cristão, e passamos a viver uma vida conjunta, entrando em um relacionamento com outros crentes e vivendo uma vida corporativa, uma vida celestial na Terra. O Novo Testamento nos mostra que isso não é nada fácil. Podemos pensar, olhando objetivamente, que é adorável ser parte de uma assembléia, mas nem sempre é. Esse grupo aqui pode estar passando por tal coisa. Algo está acontecendo, existe um agir de Deus ali que às vezes é tão profundo e terrível que é impossível de compreender o que Ele quer com aquilo; ainda assim todos o percebemos.

Esse caminho é profundo, cheio de sofrimento, e juntos passamos por essas dores de parto, como assembléia. Assim nasceram aquelas igrejas, e elas passaram por tudo isso. Eles também receberam instrução, mas, independente de tudo que receberam na forma de instrução e ensino, havia sempre a paralela e correspondente disciplina do Espírito Santo. O Espírito Santo sustentava Sua mão sobre elas e tratava com elas de forma drástica. Coisas estavam acontecendo.

Você pode me pedir um exemplo. Observe todos os acontecimentos em Corinto. O que Paulo disse aos cristãos ali? “Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem [que morreram]” (1Co 11.30). Vemos ali uma história espiritual secreta. O Espírito Santo assumira o controle da situação. Provavelmente eles viam as coisas pela ótica natural. “Alguém está doente, chamem o médico.” Mas, espere: será que existe algum fator espiritual atrelado a isso? Será que isso não tem alguma relação com o Espírito Santo? Paulo diz: “Sim!” Isso não significa que todo mundo que está doente tenha alguma falta no sentido espiritual, mas o princípio está aí. A Igreja está sendo tratada pelo Espírito Santo em relação ao propósito pleno de Deus.

O ponto é muito claro. Deus toma primeiro os indivíduos e depois as assembléias, e Ele estabelece esse ministério espontâneo fazendo algo nas pessoas, não somente concedendo a elas uma mensagem ou uma verdade. Tudo apenas acontece, e isso é tudo. As coisas acontecem de forma inexplicável, e tudo que poderemos dizer é que o Espírito Santo tomou aquilo e está o usando. Ele mesmo se encarrega da expansão daquilo que fez, Ele amplifica o alcance. Tudo apenas acontece. Paulo disse a respeito da igreja em Tessalônica: “Por vós soou a palavra do Senhor, não somente na Macedônia e na Acaia, mas também em todos os lugares” (1Ts 1.8). Será que isso significa necessariamente que eles enviaram evangelistas? Eles podem ter feito isso, mas não é isso que o texto diz. Observe o contexto. Paulo está dizendo: “Em todo lugar as outras igrejas falam sobre vocês; eu nem preciso fazer isso – todos conhecem vocês.” Esse é o ministério espontâneo que brota de algo que Deus fez. Deus toma as coisas em Sua mãos para obter esses valores intrínsecos, e Ele não irá desperdiçá-los.

Assim, o propósito almejado por Deus governa todos os Seus tratos com Seus instrumentos. A plenitude celestial é Seu propósito final e motiva todos os Seus tratos com os vasos que Ele escolheu em relação àquele fim. Ele os está conduzindo à plenitude celestial.

Devemos perceber que nada que Deus faz é um fim em si mesmo. A conversão não é um fim em si mesma. É trágico considerá-la assim e se acomodar e se satisfazer só com ela. Contente-se com a conversão apenas e em breve verá o que lhe acontecerá. O que resultará disso? Todo o senso de propósito será apagado, toda a vitalidade da conversão diminuirá ao ponto de haver apenas um monte de pessoas convertidas. Elas são convertidas; elas creram no Senhor Jesus, mas não passam disso. Provavelmente, o nosso maior problema hoje seja esse monte de pessoas apenas convertidas sobre a Terra. Elas estagnaram; sua conversão se tornou um fim em si mesma.

A vida de assembléia não é um fim em si mesma. Reúna um grupo dentre o povo do Senhor em uma expressão corporativa, permita que as pessoas estabeleçam seus limites, que se tornem eminentes aos próprios olhos, desfrutem de bons momentos em conjunto, e logo verá a mesma coisa acontecer. Isso também ocorre com a chamada obra do Senhor: se ela se tornar um fim em si mesma – ou seja, se ela se tornar alguma coisa –, novamente teremos uma tragédia. Nós passamos a assumir, de alguma forma, a obra do Senhor, seja a assim chamada obra missionária, ou qualquer outra obra específica, e então aquela coisa particular começa a ser limitada, até aquela esfera ser firmemente limitada ou trazida ao fim. Logo será necessário começar tudo de novo, pois tudo foi perdido. A obra se tornou algo em si mesma.

Vamos relembrar: se o Senhor fez algo com essa essência concentrada do celestial em você, em mim ou em um grupo de pessoas, isso não será um fim em si mesmo. A esfera e a forma podem mudar, mas aquilo permanecerá. Deus tem o que Ele quer e encontrará um caminho para obtê-lo, se aquilo for de fato celestial. Nós só cortamos nossa própria utilidade e nosso ministério quando os trazemos para a Terra. Este é um ditado verdadeiro: faça disso o seu ministério, o meu ministério, e ele será limitado à Terra, não mais se moverá, não cumprirá o propósito designado por Deus.

Oh, essa tentativa de tomar posse das coisas na esfera de Deus e torná-las particularmente nossas! Digo que se você tem um mandato de Deus, se foi ungido pelo céu, se tem um ministério dado por Ele, então, não precisará sustentá-lo como algo propriamente seu ou empenhar-se por sua realização como isso partisse de você. Esse ministério se cumprirá, e nem a Terra nem o inferno poderão detê-lo. O céu cuidará dele. Mas isso precisa ser mantido em relação ao céu. A unção e tudo o que ela envolve vêm do céu e deve ser sustentado a partir do céu, e o próprio céu vai sustentar tudo. Coloque Paulo na prisão, e ainda assim seu ministério será cumprido. Ele está relacionado ao céu. “O céu reina” (Dn 4.26). Mas, se trouxemos esse ministério para qualquer lugar na Terra, então o céu não irá patrociná-lo. Temos muitos exemplos disso na história.

Percebendo que o objetivo de Deus é plenitude espiritual e celestial, e que ela ocorre por meio de um alargamento progressivo, devemos ter profundo interesse em saber qual é esse caminho. Devemos ter real interesse em conhecer esse caminho do céu, o que é o caminho do céu para chegar ao propósito final de Deus. “Tudo o que dantes foi escrito, para o nosso ensino foi escrito” (Rm 15.4). O livro de Josué é parte dessas coisas que dantes foram escritas para nosso ensino, e nele recebemos muita luz sobre esse assunto do caminho celestial, que é tão contrário ao caminho terreno. Não sei o que você espera que aconteça ou espera experimentar quando falamos que o objetivo de Deus é a plenitude espiritual e que é algo em que Deus está operando. O que você espera que aconteça? Acredito que a primeira parte deste livro traz luz a esse respeito.

O espírito de servo

Olhemos para Josué. Lembre-se de que Josué representa o propósito de Deus para todos os Seus santos e todos os Seus servos, e que aquilo que Deus fez em Josué é o que Ele fará com todos aqueles a quem vai ministrar. O que Deus fez com Josué relacionava-se a um grupo maior. Bem, como isso teve início? O livro começa assim: “E sucedeu, depois da morte de Moisés, servo do Senhor, que o Senhor falou a Josué, filho de Num, servo de Moisés” [Js 1.1] – a palavra “servo” significa “assistente”. Pensando em tudo que está diante de nós nesse livro, talvez pensemos que ele deveria ter um início melhor. Moisés, o servo do Senhor, e Josué apenas seu assistente? Ele não é apresentado com um título oficial, como “o servo do Senhor”, mas apenas como um assistente. Vamos seguir essa palavra e ver onde ela nos conduzirá. A mesma palavra é usada com referência a João Marcos: “E tinham também a João como seu cooperador” (At 13.5). O que é um assistente, um cooperador? Bem, um ponto importante a respeito de um assistente, com certeza, é que ele conhece aquele tipo de sujeição que torna possível fazer o que lhe é exigido. Aqui temos o início daquele poderoso Josué que haveremos de ver mais à frente.

Conhecemos a grande importância de Eliseu. Que lugar notável Eliseu veio a ocupar, recebendo uma porção dobrada do espírito de Elias e realizando obras ainda maiores do ele fez! Você se lembra do que foi dito sobre Eliseu. “Eliseu […] derramava água sobre as mãos de Elias” (2Rs 3.11). Ele era seu assistente. Foi aí que Eliseu começou.

No capítulo 10 de Josué, quando ele ordena ao Sol: “Sol, detém-te”, está escrito: “E não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, ouvindo o Senhor assim a voz de um homem” [vv. 12,14]. Este homem estava tocando nas coisas celestiais. Isso é impressionante. Onde isso começou? Como assistente de Moisés! Ele aprendeu a sujeição: fazer o que lhe era dito, realizar coisas triviais, ser obediente e assumir uma posição humilde. E não pense que isso foi fácil para Josué. Ele tinha uma alma, assim como qualquer um de nós. Houve uma ocasião em que outros profetizavam no acampamento, e Josué é quem foi a Moisés e disse: “Moisés, meu senhor, proíbe-o”. E Moisés replicou: “Tens tu ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta” (Nm 11.26-30). Josué tinha uma alma, suas próprias idéias. Naquela ocasião, ele era um jovem. Mas, aqui, finalmente, ele inicia a grande obra de sua vida, e está prestes a emergir no verdadeiro propósito do chamado soberano de Deus, e a narrativa começa assim: “Moisés, servo do Senhor […] Josué, filho Num, servo de Moisés”. Esse não seria um princípio? Temos algo aqui. Devemos sempre nos lembrar que foi o Espírito Santo quem escreveu a Bíblia – e o Espírito Santo é constante com os princípios espirituais. Não importa qual a forma deles; não importa quando, onde ou como: o princípio permanece exatamente o mesmo.

Os levitas começavam seu ministério aos 25 anos, mas não lhes era autorizado assumir plena responsabilidade até os trinta anos. Eles permaneciam debaixo da coordenação de levitas experimentados por cinco anos. Esse princípio do Assistente é sustentado ao longo das Escrituras. Sempre existe um período ou uma fase probatória antes da plena aprovação. A plenitude será suspensa até que o propósito específico de aprendizagem naquele período como Assistente seja alcançado. Ali será inculcada a habilidade de obedecer, receber ordens, permanecer em sujeição, servir. Não devemos presumir que somos alguma coisa. Aquilo que viremos a ser deve fluir naturalmente daquilo que pouco a pouco nos tornamos. Não devemos esperar que ocorra uma imediata e inevitável demonstração grandiosa do poder e da plenitude de Deus logo que Ele nos chamar para servi-Lo. Josué foi o Assistente de Moisés por muito tempo antes de ser tornado em seu sucessor, e bem antes que a manifestação do espírito de Moisés fosse percebida nele.

Deus cava fundo; Ele não tem prazer na superficialidade, e a medida de nossa utilidade em relação a Seu propósito pleno será equivalente à medida de nossa disciplina, por meio de provas. Nunca seremos líderes espirituais enquanto não tivermos aprendido a mansidão, como Assistentes fiéis.

Devemos nos lembrar, então, que sucessão nas coisas celestiais não se trata de algo oficial. Nunca acontecerá por meio de seleção humana, e nunca será presumida por causa das pessoas envolvidas. Não podemos assumir que somos os sucessores daquilo que Deus tem feito. Não podemos presumir que temos um lugar ali, e certamente ninguém poderá nos estabelecer nisso. Se essa for uma sucessão celestial, será soberana e espiritual. Nunca saberemos como a soberania Divina vai agir, mas podemos estar bem cientes de que o propósito Divino vai agir ao contrário de nossas expectativas e idéias.

Graça soberana

O próximo movimento foi enviar espias. Josué os enviou. Qual foi o resultado? “Toda a terra está adiante: Eu a dei a vocês.” “Hoje começarei a engrandecer-te perante os olhos de todo o Israel” [Js 3.7]. Temos uma imensa plenitude à vista. Bem, então, certamente veremos muita dignidade ao longo de todo o processo? Não. Raabe, uma prostituta, é a chave de toda a situação. Uma mulher sem uma boa reputação, ou de má fama, sem posição social alguma no conceito do mundo: tudo está ligado a isso. Isso reflete a soberania e a graça: não entraremos na terra da plenitude celestial sem essas duas coisas. Até mesmo o promissor Josué descobre que tudo depende de uma mulher de má fama.

Deus tem estranhas maneiras de nos humilhar. Quantas vezes buscamos algo maravilhoso, grandioso, glorioso, nobre e renomado em relação às grandes coisas de Deus. Então, Ele nos reduz nos levando a aceitar algo sem nenhum qualquer reconhecimento, sem aceitação alguma, exatamente aquilo que vai barrar nossa expectativa de receber louvor e admiração, se for isso que estamos buscando.

Se estivermos desejando ser introduzidos numa esfera de influência e utilidade, bem, não será dessa forma. Não haverá a possibilidade de chegar a lugar nenhum nesse mundo tomando esse caminho. Veja a influência que aquela mulher tinha em Jericó. Será que sua palavra teria algum peso ali? De jeito nenhum. Não houve envolvimento de altos escalões. Se isso não for algo dado pelo céu, não temos mais nada a nosso favor, não recebemos nenhuma ajuda externa. Não, não temos nenhuma outra base, nenhum caminho, nenhum outro ponto de apoio, que não seja do céu. Não podemos contar com pessoas influentes na corte nessa questão. Tudo deve vir do céu: será fruto da soberania ou nada teremos.

E tudo é fruto da graça, pois Raabe está na genealogia de Jesus Cristo. Maravilhoso! Quando chegamos à genealogia do Novo Testamento: Raabe! Oh, graça! O que poderia recomendar Raabe? O que poderia colocá-la no registro inspirado, nas Sagradas Escrituras, na linhagem de Jesus Cristo? Nada além de graça, e isso vem do céu. É assim que tudo funciona. Se algo deve ter valor real, será derivado da graça soberana, e nada mais; não haverá lugar para recebermos elogios. Estamos fora da corte, não temos nada que sustente nossa reivindicação, nada natural que possa nos apoiar. Estamos bem no nível de Raabe. Imagine o grande Josué aceitando isso. Mas esse é um princípio constante ao longo da Palavra de Deus. Se ao menos pudesse mostrar-lhes como ele se repete. Vocês diriam: “Ora, Deus parece sair de Seu caminho em detrimento de Seus próprios interesses, arriscando prejudicar o sucesso de Seus propósitos, tornando-os realmente difíceis de alcançar. Ele poderia ao menos ter escolhido uma pessoa respeitável, ainda que não fosse importante ou proeminente.” Mas Ele toma uma pessoa de má reputação, e faz de tudo para manter essa situação fiel a Seus princípios. Se não for fruto do céu, será menos que nada. Aquela mulher é a chave de Jericó, e Jericó é a chave da terra. Esse é o tipo de chave que o Senhor usa.

O homem natural banido

Quando chegamos ao fim da travessia do Jordão, Josué ordena que seja escolhido um homem representante de cada tribo de Israel, e que esses homens tomem doze pedras, colocando-as no leito do Jordão e deixando-as ali. Todo Israel, cada homem em Israel foi deixado no leito do Jordão. Assim é o homem aos olhos de Deus: uma pedra deixada no fundo do Jordão, deixada para trás. Aquilo que atravessa o Jordão e sai do outro lado é um testemunho de que algo foi deixado para trás, porque logo a seguir temos Gilgal. Algo havia sido deixado para trás. Não poderemos trazer isso para a terra, deve ser deixado no Jordão, não tem suporte aqui no céu. Este homem natural, esse conceito coríntio do homem, ficará ali, no fundo do Jordão, Deus deixou lá. As águas o cobriram e voltaram a correr, e ele está lá no fundo, enterrado para sempre. “E ali estão até ao dia de hoje” (Js 4.9). Esse é o caminho do alargamento.

Mas Deus precisa nos mostrar isso, e me parece que Gilgal foi a aplicação prática do princípio implícito naquelas pedras que ficaram no leito do rio. Aquelas pedras representavam a união do povo de Deus com Cristo em Sua morte e em Seu sepultamento – o homem natural que estava em evidência no deserto estava sendo tirado de vista. Gilgal toma essa verdade e a aplica perpetuamente. Colossenses 2.11,12 confirma isso. Precisaremos experimentar isso em nossa alma – em nossa carne –: a obra cortante da Cruz, a morte de Cristo. Podemos crer em toda a doutrina de Romanos 6 e, ainda assim, é possível que estejamos vivendo de modo grandemente contrário a isso em nós mesmos. O céu não se comprometerá com a carne ou com a vida natural. Se estivermos ocupados com nós mesmos, falando sobre nós, sobre nosso trabalho, sobre como temos sido usados, e coisas assim, não estaremos nos valores plenos de um céu aberto. É tão fácil deslizar inconscientemente de dar glória a Deus para gloriar-se na própria obra ou em parte dela. Quando isso acontece, a atmosfera muda e as pessoas espiritualmente sensíveis sabem que algo aconteceu, que uma nuvem desceu. O céu é tão transparente que nenhum vapor dessa Terra pode chegar lá, e a plenitude celestial demanda por transparência em nosso espírito.


Para ler o capítulo 1, clique aqui; capítulo 2, aqui; capítulo 3, aqui; capítulo 4, aqui, capítulo 5, aqui.

Categorias
Samuel Rutherford Sofrimento Testemunho

Cartas de Samuel Rutherford (10)

Para John Fleming, Conselheiro de Leith [1]

Aberdeen, 15 de março de 1637

Orientações para a conduta cristã

Eu gostaria de satisfazer os teus desejos, fazendo e estruturando para ti um Diretório [2] Cristão. Mas os eruditos já o fizeram antes de mim, de modo muito mais criterioso do que eu poderia; especialmente os senhores Rogers, Grennham e Perkins. [3] No entanto, eu te mostrarei o que eu teria feito, embora nunca tenha conseguido alcançar meus propósitos.

  1. Que horas do dia, ou mais, ou menos horas, para a Palavra e a oração, sejam oferecidas a Deus, não poupando a décima segunda hora, ou o meio-dia, embora aí haja um tempo mais curto.
  2. Em meio às tarefas do mundo, deve-se pensar sobre o pecado, o julgamento, a morte e a eternidade, com uma ou duas palavras (no mínimo) de rápida oração a Deus.
  3. Cuida para não teres um coração disperso nas orações a sós.
  4. Não ajas de má vontade, embora possas sair da oração sem a sensação de alegria. Ter desânimo, sensação de culpa e fome é, às vezes, muito bom para nós.
  5. Que o Dia do Senhor, da manhã à noite, seja gasto sempre em oração privada ou em adoração pública.
  6. Que as palavras sejam cumpridas; pensamentos dispersivos ou ociosos sejam evitados; que a raiva repentina ou o desejo de vingança, mesmo que sejam por perseguição da verdade, sejam impedidos; pois muitas vezes confundimos nosso zelo com nosso próprio fogo selvagem.
  7. Que pecados conhecidos, descobertos e revelados contra a consciência sejam evitados, pois são preparativos muito perigosos para levarem à dureza do coração.
  8. Que, em tratando com homens, em acordos e trocas, sejam consideradas a fé e a verdade; que tratemos com todos os homens com sinceridade; que tenhamos consciência das palavras fúteis e mentirosas; e que nossa postura seja tal que, quando outros a virem, possam falar honrosamente de nosso doce Mestre e daquilo que professamos.
Eu tenho sido muito desafiado,
  1. Por não ter atribuído tudo a Deus, como o propósito último, pois eu não como, bebo, durmo, me locomovo, falo ou penso para Deus.
  2. Pois eu não tirei proveito das boas companhias; e porque eu não deixei uma palavra de convicção para os homens naturais e ímpios, tal como reprovando suas palavras torpes; ou por ter sido uma testemunha silenciosa de seu comportamento permissivo; e porque eu não pretendi, em todas as companhias, fazer o bem.
  3. Pois os infortúnios e as calamidades da igreja, e de certos mestres, não têm me abalado.
  4. Pois lendo a vida de Davi, Paulo, e outros como eles, quando isso me humilhava, eu, não alcançando a sua santidade, não me fazia imitá-los, ficando longe, pelo menos, segundo a medida da graça de Deus.
  5. Pois os pecados da mocidade, que não sofreram arrependimento, não foram revistos nem houve tristeza por eles.
  6. Pois repentinos arroubos de orgulho, luxúria, vingança e amor pelas honrarias não foram resistidos nem lamentados.
  7. Pois a minha caridade era fria.
  8. Pois as experiências que eu tive de Deus me ouvir, neste ou naquele particular, sendo reunidas, mesmo assim, em um novo problema, eu sempre (ou pelo menos uma vez) tinha de buscar por minha fé, como se eu estivesse iniciando do A, B, C, outra vez.
  9. Pois eu não tenha ousadamente contradito os inimigos que falavam contra a verdade, quer fosse em público nas reuniões da igreja, ou à mesa ou em conferências comuns.
  10. Pois, em grandes dificuldades, eu tenha recebido relatórios falsos sobre o amor de Cristo e não confiei Nele em Suas punições; embora o próprio evento dissesse que tudo havia sido pela graça.
  11. Nada me comove mais e pesa em minha alma, do que nunca ter podido, em minha prosperidade, lutar tanto em oração com Deus, nem ser tão morto para o mundo, ou estar tão ávido e doente de amor por Cristo, pensar tanto no céu, do que quando o peso de dez pedras de uma pesada cruz estava sobre mim.
  12. Que da cruz tenham saído votos de nova obediência, que a comodidade jogou longe, como o vento faz com a palha.
  13. Que a prática era tão curta e estreita, e a luz, tão longa e ampla.
  14. Que não meditei freqüentemente sobre a morte.
  15. Que não tenho tido o cuidado de ganhar outros para Cristo.
  16. Que a graça e os dons que tenho tragam pouca ou nenhuma gratidão.
Há, também, algumas coisas que me ajudaram, tais como:
  1. Eu fui beneficiado por fazer sozinho uma longa viagem, dedicando aquele tempo à oração;
  2. Pela abstinência, e dedicando dias a Deus;
  3. Por orar por outros; pois, em fazendo uma tarefa para Deus por eles, eu obtive algo para mim mesmo.
  4. Eu realmente confirmei, em muitas ocasiões, que Deus ouve orações; e, portanto, eu orava por qualquer coisa, por menor que fosse sua importância.
  5. Ele me capacitou a não ter dúvidas que esse caminho, que é zombado e ridicularizado, é o único caminho para o céu.
Caro senhor, estas e muitas outras ocorrências em minha vida devem conduzir a:
  1. Ter cuidado com pensamentos ateístas, tais como: “Será que há um Deus no céu?”, que, às vezes, trarão problemas e surpresas aos melhores.
  2. Ter cuidado acima de tudo do crescimento em graça; e deve-se lamentar o abandonar o primeiro amor.
  3. Ter a consciência de orar pelos inimigos que estão cegos. Eu ainda me envergonho com a bondade de Cristo para um pecador como eu. Ele deixou um fogo em meu coração sobre o qual o inferno não pode jogar água, nem apagar ou extinguir.

[1] John Fleming, Conselheiro de Leith, foi um comerciante escocês de madeira que auxiliou Rutherford em dias de dificuldade e supriu-o para atender suas necessidades.
[2] Termo adotado da linguagem jurídica, refere-se a um documento com instruções para orientar a pessoa em qualquer assunto ou negócio.
[3] Daniel Rogers (1573–1652), clérigo não-conformista inglês, sofreu sob a perseguição dos puritanos ligados ao movimento do arcebispo William Laud, que rejeitava a predestinação. Richard Greenham (1535?–1594?), clérigo inglês de importante influência no movimento puritano na Inglaterra. William Perkins (1558–1602), clérigo e teólogo inglês, um dos maiores líderes do puritanismo na Igreja da Inglaterra.

 

(Para ler todos os artigos dessa série, clique aqui.)

Categorias
Citações Gotas de orvalho Vários

Gotas de orvalho (306)

Nunca precisamos gritar para um Deus ausente. Ele está mais perto do que nossa própria alma, mais perto do que nossos pensamentos mais secretos.

(A.W. Tozer)

Faça todo o bem que puder. Por todos os meios que você puder. De todas as maneiras que você puder. Em todos os lugares que você puder. Sempre que você puder. Para todas as pessoas que você puder. Enquanto você puder.

(John Wesley)

Se Jesus não é suficiente para motivá-lo a uma vida piedosa, você não conhece Jesus.

(Paul Washer)

Satanás sempre encontra algum mal para mãos ociosas fazerem.

(Isaac Watts)

A vontade de Deus é sempre ‘boa, perfeita e agradável’; por vezes, misteriosa e dolorosa, mas sempre amorosa e sábia.

(Francisco Nunes)

Se Deus justifica o homem quem poderá condená-lo? Mas se Deus o condena, quem poderá justificá-lo?

(Thomas Watson)

A chave para a história do mundo é o reino de Deus.

(Martyn Lloyd-Jones)

Vive o Sᴇɴʜᴏʀ,
que remiu a minha alma
de toda a angústia. […]
Grandioso és, ó Senhor Deus,
porque não há semelhante a Ti
e não há outro Deus
senão Tu só.

(2Sm 4.9b; 7.22)

Categorias
Doze pérolas Given O. Blakely

Doze pérolas (6)

Cem coisas que acompanham a salvação (2)

  1. O privilégio de andar na luz (1Jo 1.7)
  2. Perdão quando o pecado é confessado (1Jo 1.9)
  3. Termos Cristo em nós, a esperança da glória (Cl 1.27)
  4. Termos o Espírito de adoção (Rm 8.15)
  5. Sermos ensinados por Deus a amar-nos uns aos outros (1Ts 4.9)
  6. Conhecermos o Pai por meio do Filho (Mt 11.27)
  7. Cristo manifestando-se a nós (Jo 14.21)
  8. O Pai e o Filho fazendo morada em nós (Jo 14.23)
  9. Poder no homem interior (Ef 3.16)
  10. O Espírito de sabedoria e de revelação (Ef 1.17)
Categorias
Samuel Rutherford Sofrimento Testemunho

Cartas de Samuel Rutherford (9)

Para o Terratenente de Carleton [1]

Aberdeen, 14 de março de 1637

Eu tenho Alguém lá em cima que não me esquece; Ele cresce em Sua bondade. Aprouve à santa Majestade Dele tirar-me do púlpito e me ensinar muitas coisas, em meu exílio e prisão, que até então eram mistérios para mim, tais como:

Crescente percepção do amor de Deus

1. Eu vejo Seu amor e Sua bondade sem limites, e como meus ciúmes e delírios, quando da minha entrada neste forno, eram tolos e ousados a ponto de dizer a Cristo, que é a própria Verdade, em Seu rosto: “Tu mentiste”. Eu quase perdi o controle; fiquei imaginando se aquilo era de Cristo ou não; pois a bruma e a fumaça de meu coração perturbado me fizeram mal interpretar meu Mestre, Jesus. Minha fé estava fraca, e a esperança, fria e congelada; e meu amor, que causou ciúmes, tinha algum calor e fumaça, mas não tinha nenhuma chama. Estava eu, no entanto, procurando algo de bom no antigo clamor de Cristo a mim, embora eu tivesse perdido todos os meus direitos. Mas o tentador estava demasiadamente sobre minhas opiniões, e ainda estava soprando a brasa. Ai de mim!

Antes eu não sabia bem com que habilidade meu Intercessor e Advogado, Cristo, me defendia e me perdoava de tais tolices. Agora Ele voltou à minha alma “com cura em Suas asas” (Ml 4.2); e em nada estou em falta com Cristo agora, pois Ele me recompensou acima da medida, por Sua presença, a dor que sofri por esperar, e qualquer perda menor que suportei por meu testemunho contra os males feitos a Ele.

Eu suponho que tenha sido doloroso para meu Senhor esconder-se por mais tempo. De certa maneira, Ele estava desafiando Sua própria crueldade e se arrependeu de Suas tristezas. E agora, o que mais posso querer eu na Terra que Cristo dê a um prisioneiro? Oh, como Ele é doce e amável agora! Ai de mim! Porque não tenho ninguém para me ajudar a erguer meu Senhor Jesus a Seu trono, sobre toda a Terra!

Resignação

2. Fui agora trazido a alguma medida de submissão, e resolvi esperar até ver o que meu Senhor Jesus fará comigo. Eu agora não ouso apelidar, ou dizer uma palavra contra a Providência de meu Senhor, que tudo vê e que a tudo assiste. Eu vejo que a Providência não corre com rodas quebradas; mas eu, como tolo, entalhei uma Providência para meu próprio lazer, para morrer em meu ninho, e dormir quieto até meus cabelos se tornarem grisalhos, e ficar no lado ensolarado da montanha, em meu ministério em Anwoth. Mas agora nada tenho a dizer contra uma lareira emprestada e à casa de outro homem, nem às tendas de Quedar, onde vivo, sendo afastado para longe de meus conhecidos, de meus entes queridos e de meus amigos. Vejo que Deus tem o mundo sobre Suas rodas, e o modela na roda como o oleiro faz com o vaso sobre a roda. Eu não ouso dizer que há qualquer movimento desordenado ou irregular na Providência. O Senhor é quem a faz. Eu não irei à lei com Cristo, pois nada ganharia com isso.

Morte para o mundo

3. Tenho aprendido uma mortificação maior, e não me lamento por isso nem procuro sugar os peitos secos do mundo. Não; meu Senhor encheu-me com tantas delícias que eu me sinto como o conviva de um banquete que dele está cheio, cuja alegria não é simples.

Por que deveria eu cair de joelhos e adorar o grande ídolo da humanidade: o mundo? Eu tenho um Deus melhor do que um deus de barro.

Não; agora, no lugar em que estou colocado, eu não me importo muito em dar a este mundo o resgate de minha vida – entregá-la por pão e água. Eu sei que este mundo não é o meu lar, nem a casa de meu Pai; ele não passa de estrado dos pés de Deus, um lugar árido e vazio. Que os bastardos o tomem; espero nunca pensar em me associar a eles para ter honra ou riquezas. Não, agora eu digo rindo: “Tu és loucura”.

Tentações

4. Penso ser a pura verdade que a maior tentação fora do inferno é viver sem tentações. Se minhas águas ficassem paradas, elas apodreceriam. A fé é melhor quando se enfrentam o vento e a fria tempestade de inverno. A graça murcha sem adversidades. O diabo não passa de um mestre-esgrimista de Deus, para nos ensinar a manejar nossas armas.

Enfermidades

5. Eu não sabia o quanto eu era fraco até agora, quando Ele se esconde, e eu preciso procurá-Lo sete vezes ao dia. Eu sou um galho seco e murcho, e um pedaço de carcaça morta, ossos secos, e incapaz de pisar em uma palha. Os pensamentos sobre meus antigos pecados me são como intimações da morte; e o caso de meu falecido irmão me atingiu o coração. Quando minhas feridas estão fechando, qualquer pequena irritação as faz sangrar novamente. De tão fina pele é minha alma que eu penso que ela é como a pele sensível de um homem que nada pode tocar; tu percebes de quão perto eu teria de alvejar o prêmio, se a Sua graça não fosse suficiente para mim.


[1] John Fuflarton, Terratenente de Carleton. Carleton ficava na paróquia de Borgue, não muito distante de Anwoth.

 

(Para ler todos os artigos dessa série, clique aqui.)

Categorias
Citações Gotas de orvalho Vários

Gotas de orvalho (305)

A santidade e a felicidade da criatura racional consistem nestas duas coisas: sua santidade, em conformidade com Deus; sua felicidade, em comunhão com Ele. E essas duas dependem uma da outra. Somente aqueles que são como Deus podem desfrutá-Lo.

(George Swinnock)

A diferença entre o verdadeiro e o falso arrependimento repousa nisto: o homem que verdadeiramente se arrepende clama contra o próprio coração; o outro, como Eva, contra a serpente ou contra alguém mais.

(John Bunyan)

A cabeça que certa vez
foi coroada com espinhos
está agora coroada com glória;
um diadema real adorna
a fronte do poderoso Vitorioso.

(Thomas Kelly)

A verdadeira paz não pode ser encontrada em qualquer outro lugar que não seja em Cristo.

(João Calvino)

Como o pai conseguiu ver o filho pródigo? Foi porque estava buscando por ele. E por que estava buscando por ele? É porque queria encontrá-lo.

(Alistair Begg)

Nada que seja feito para Deus ou em obediência a Ele será perdido.

(John Owen)

Não há santo como o Senhor;
porque não há outro fora de Ti;
e rocha nenhuma há
como o nosso Deus.

(1Sm 2.2)

Categorias
Doze pérolas Given O. Blakely

Doze pérolas (5)

Cem coisas que acompanham a salvação (1)

De vós, ó amados, esperamos coisas melhores, e coisas que acompanham a salvação.

(Hb 6.9)

  1. Comunhão com o Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor (1Co 1.9)
  2. Acesso ao Pai por Cristo e no Espírito (Ef 2.18)
  3. Acesso com confiança (Ef 3.12)
  4. Entrada à graça, na qual estamos firmes (Rm 5.2)
  5. Justiça, paz e alegria no Espírito Santo (Rm 14.17)
  6. Gozo e paz no crer (Rm 15.13)
  7. Abundância de esperança (Rm 15.13)
  8. Deus operando em nós tanto o querer como o efetuar (Fp 2.13)
  9. A contínua intercessão do Senhor Jesus (Hb 7.25)
  10. A intercessão do Espírito Santo (Rm 8.26)

Obs.: O presente artigo foi encontrado, em algumas fontes, como sendo de autoria de, pelo menos, dois diferentes autores. Até onde nos foi possível apurar, é de autoria de Given O. Blakely, publicado na revista The Banner of Truth de outubro de 1998. Em outro artigo, aparentemente o autor tomou o texto original de Blakely, não atribuindo-lhe a autoria, e o ampliou com a transcrição dos versículos.

Categorias
Perseverança T. Austin-Sparks

Capítulo 5: Jordão, uma mudança de posição

Leitura: Josué 3; 4.1-9.

Essas passagens que lemos a respeito da travessia do Jordão são uma perfeita apresentação do que o Senhor está nos falando nessa série de estudos. À medida que lemos, deve ficar bem claro para nós que esse ponto representou um momento muito crítico na história daquele povo: a travessia do Jordão representou a conclusão de um longo processo de preparação e o início de uma nova e maravilhosa fase em sua vida. Além disso, tomando como base o suporte abundante provido pelo Novo Testamento, vemos que esse momento foi uma representação da vida dos que são ou viriam a ser filhos de Deus em nosso tempo. O Novo Testamento retoma esse incidente na vida de Israel e declara que foi um tipo ou uma figura, tendo seu sentido espiritual verdadeiro e permanente atrelado ao cristão ou ao futuro cristão.

De modo que nós, que vivemos no tempo e na situação atuais, nos posicionamos exatamente nesta parte do livro de Josué. Ela se aplica a nós. Não estamos apenas lendo algo que ocorreu tantos séculos atrás, meramente como uma idéia a respeito de algo que aconteceu na vida dos filhos de Israel, quando eles saíram do deserto e entraram na terra de Canaã. Estamos lendo a partir dali até os dias de hoje. Estamos recapitulando aquele evento e afirmando: “Isso não aconteceu outrora, acontece agora; hoje as coisas são assim, ou pelo menos deveriam ser”. O maravilhoso é que aquele fato pode acontecer agora, neste exato momento, em nossa experiência. A ordem de Josué: “Santificai-vos, porque amanhã fará o Senhor maravilhas no meio de vós” [Js 3.5], nos é possível agora, pode ser atualizada para nossos dias. Portanto, vamos meditar nisso, pois estamos atentos a tudo que consideramos nos capítulos anteriores: o pioneirismo do caminho celestial.

O objetivo em vista nessa transição

Em primeiro lugar, lembremos do objetivo, o objeto em vista nesta transição, na travessia do Jordão. Já recebemos a interpretação espiritual desse incidente. Ele indica uma ilustração da vida em ressurreição e em união celestial com Cristo. Esse é o objetivo para o qual Deus chamou Seu povo. É precisamente para isto que o Senhor nos chamou, por Sua graça: para uma união em ressurreição com Cristo, união com Cristo baseada na vida de ressurreição. E não apenas isso, mas também uma união com Cristo em Sua vida celestial, por meio do Espírito Santo: unidade com Ele como no céu, e tudo o que ele representa.

Esse é o objetivo, o mínimo irredutível da vontade de Deus para Seu povo. Se não entramos em uma união com o Senhor Jesus em ressurreição, não chegaremos à união alguma. Isso quer dizer que nada sabemos realmente do sentido e do valor prático de sermos “unidos ao Senhor”. Muitos sabem algo do que é estar em união com um Cristo vivo, mas talvez saibam muito pouco e não o suficiente a respeito da união celestial com Ele e todas as implicações disso. Até que cheguemos a essa experiência, não atingimos o objetivo da salvação, nem chegaremos a satisfazer Deus por ter-nos salvo. Devemos ver o que isso significa.

Transição

(a) Para a autoridade de Cristo

Tornando nosso objeto bem claro diante de nós, examinaremos mais de perto essa transição, que teve dois aspectos. Em primeiro lugar, ela representou uma transição da autoridade das trevas para a autoridade de Cristo. Até aquele ponto, essas pessoas ainda estavam debaixo a autoridade das trevas, apesar de terem deixado o Egito há muitos anos. O fato é que, embora tivesse decorrido um tempo considerável desde que saíram do Egito, o Egito acabava de sair delas. É possível que sejamos salvos do mundo de maneira exterior e ainda assim não termos sido salvos dele de maneira interior. O Egito preservou uma força dentro do povo durante os anos de deserto. Aquela geração constantemente se voltava para o Egito. “Quem dera tivéssemos morrido por mão do Senhor na terra do Egito” (Êx 16.3). “Oh, que tivéssemos ficado no Egito!” Vemos que o Egito ainda estava no interior deles exercendo um domínio; eles ainda sonhavam e imaginavam que encontrariam satisfação ali. Eles não haviam chegado completa e totalmente àquela emancipação que conduz a um estabelecimento claro, de uma vez por todas, de que não existe absolutamente nada mais naquele mundo; o apenas pensar que poderia haver é repugnante e odioso, representa desolação. Vemos que eles não tinham chegado a esse ponto. Isso acontece mesmo com os cristãos, quando, às vezes, debaixo de tensão e pressão, pensam que estariam melhor, que teriam um tempo mais fácil se voltassem para o mundo. Mas o Jordão resolveu isso. O que quer que tenha permanecido os espreitando por todos os anos do deserto acabou no Jordão. Essa autoridade, esse controle interior, foi finalmente quebrado no Jordão. Aquela foi uma transição total da autoridade das trevas para a autoridade de Cristo, tipologicamente falando.

Vou repetir mais uma vez algo que já disse muitas vezes:

É possível que tenhamos e conheçamos a Cristo como nosso Salvador sem conhecê-Lo como nosso Senhor.

Ou seja, podemos conhecê-Lo apenas como nossa fonte de salvação: como Salvador da condenação, do juízo vindouro, do inferno, e podemos até receber algumas bênçãos positivas desse Salvador resultantes dessa posição. Oh, mas existe ainda tanto conhecimento possível e real diante de nós! Temos um intervalo muito longo entre o êxodo e o eisodos [1], entre a saída e a entrada; existe um grande intervalo entre essas duas coisas. São tantos os cristãos que participam de uma convenção e aceitam Jesus Cristo como Senhor apesar de serem salvos há tanto tempo, para então descobrir que isso podia ter ocorrido há muito tempo, que o intervalo que se passou entre essas duas coisas foi longo demais. O Jordão nos fala de encontrar Cristo como Senhor, não só como nosso Salvador do julgamento e da morte – o Jordão representa tudo que envolve Seu senhorio. Enquanto Ele não for o Senhor, não começaremos a descobrir as riquezas insondáveis que Nele estão, como vemos nas riquezas da terra de Canaã.

(b) Para uma vida frutífera no Espírito

O Jordão também representou a transição da desolação e da esterilidade da natureza para a fecundidade da vida no Espírito. Aquelas pessoas viveram muito tempo em si mesmas; a vida do ego, a vida natural, havia se estabelecido. Vemos como seus interesses pessoais, considerações sobre vantagens ou desvantagens ocuparam muito espaço em sua perspectiva de vida. Se as coisas alinhadas ao propósito de Deus não fossem fáceis, mas contrariassem a natureza, então começavam as murmurações. Quando tudo corria bem, era natural o transbordar de alegria. Tudo isso se baseava na vida natural. Era natural se alegrar quando as coisas eram fáceis. Da mesma forma, era esperado resmungar porque as coisas estavam difíceis. Essa era a vida natural, e como o deserto foi árido para eles, um deserto exterior e interior. O Jordão daria fim a essa vida, representando uma transição daquela vida estéril e desolada na carne, na natureza, para uma vida no Espírito.

Aquele Homem que confrontou Josué como representante de Deus, era, acredito eu, ninguém menos que o Espírito Santo, o Espírito de Deus, o Capitão do exército do Senhor. Ele é aquele “Príncipe do exército do Senhor” (Js 5.14), como a Si mesmo se denominou. Quando o profeta usou estas palavras que tanto citamos ― “Não por força nem por violência, mas sim pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4.6) ―, o sentido literal seria: “Não por um exército […] mas pelo Meu Espírito”. Aqui está o Capitão do exército do Senhor, o Espírito, e a partir desse ponto Ele assumirá o comando, e como a situação será diferente! Será uma vida no Espírito. Sim, agora teremos fecundidade; não será uma vida sem escorregões e erros ― eles acontecem ―, mas será uma vida ajustada ao Espírito. Essa será uma vida de progresso, de expansão, de constante enriquecimento, uma vida de entrada na herança. “Todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1.3). Da esterilidade da natureza para a fecundidade da vida no Espírito: esse foi o significado da transição do Jordão.

O grande Pioneiro vai à frente

Chegamos, então, ao ponto central de tudo: o grande Pioneiro ― aqui registrado com letra maiúscula ―, o grande Pioneiro representado pela arca do Senhor de toda a terra. Mais uma vez reforço que essa não é uma interpretação imaginativa. O Novo Testamento garante, por meio de afirmação definida, que aquela arca era um tipo do Senhor Jesus. Não vamos parar nesse momento para provar isso nas Escrituras, mas é um fato. A arca tipifica Cristo. A grande transição estava prestes a ocorrer. Como isso aconteceria? “A arca da aliança do Senhor de toda a terra passa o Jordão diante de vós” (Js 3.11). “Haja, contudo, entre vós e ela, uma distância de dois mil côvados” (v. 4). Não podemos estimar exatamente essa medida porque temos três diferentes côvados registrados na Bíblia, e não sabemos qual deles foi usado em Josué (e, ainda que soubéssemos, não saberíamos sua medida exata); mas tomando por base a menor medida do côvado para estimar a distância entre a arca e o povo sabemos que era maior, muito superior a trezentos metros.

Por que essa distância? “Mantenha essa distância; não se aproxime; preserve aquele espaço poderoso entre você e a arca”; ou poderíamos dizer: “Entre você e Ele”? Por que esse grande espaço?

(a) A grandeza de Cristo em Sua morte

Isso não nos fala, em primeiro lugar, da grandeza de Cristo em Sua morte? Pois está escrito, como explicação entre parênteses: “Porque o Jordão transbordava sobre todas as suas ribanceiras, todos os dias da ceifa” (v. 15), e aquele foi o momento da travessia. “O Jordão transbordava sobre todas as suas ribanceiras” em uma grande inundação que se espalhava em todas as direções além de seu canal, e sabemos muito bem que isso fala das águas da morte e do julgamento. Fala da Cruz do Senhor Jesus. O Senhor permanece bem ali, no dilúvio, na inundação avassaladora do poder da morte. Ele permanece ali, bem no centro dela, em toda a sua profundidade, comprimento e largura; tragando tudo.

Quão grande é Cristo na morte! A morte não é pouca coisa: é uma inundação poderosa e avassaladora. O Senhor sondou e mediu suas profundezas e, ao morrer, destruiu a morte. Ali Ele está. Ele permanece na própria morte. A morte perdeu seu poder, a morte foi afastada, a morte foi proibida de prosseguir. Essa descrição é maravilhosa. Enquanto de um lado vemos a poderosa parede de água erguida, do outro lado, descendo para o Mar Morto, tudo o que falava de morte havia secado. Quão grande é Cristo na morte! Incomparável! Ele permanece sozinho ali. Ninguém mais poderia fazer isso.

(b) A exclusividade de Cristo em Sua morte

Vemos ali também a exclusividade de Cristo. Não apenas a grandeza, mas também a exclusividade de Cristo na morte. “Não havia ninguém mais que fosse bom o suficiente”. Oh, que blasfêmia comparar a morte, por mais heróica que seja, de um soldado que dá a vida pela pátria, com a morte de Jesus! Não. Qualquer heroísmo que possa existir ― e pode haver muito a ser honrado, valorizado e apreciado ―, por maior que seja o heroísmo e o sacrifício dos homens, “não chega nem perto” de dois mil côvados do sacrifício do Senhor. Existe um espaço ali. Deus estabeleceu essa distância e disse:

“Isso é inviolável: Ele está à parte, nada pode se aproximar desta poderosa obra de Jesus Cristo. Ninguém mais o fez e ninguém poderá fazê-lo; isso deve ser feito só por Ele.”

(c) A solidão de Cristo em Sua morte

Sozinho. Veja a solidão daquela figura ― esquecendo por um momento dos levitas que carregavam a arca nos ombros, pois a descrição tem como foco destacar a arca, não eles ―; vamos contemplá-la de longe, como aconteceu ali. O espaço era grande. Naquela distância considerável de trezentos metros seria como contemplar um pequeno objeto sozinho, um pequeno objeto solitário ali. Quão sozinho o Senhor esteve em Sua morte! “Todos os discípulos, deixando-O, fugiram” (Mt 26.56). Ele disse: “Vós […] me deixareis só” (Jo 16.32), e eles de fato o fizeram. E, então, a dor mais profunda de todas: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” (Mt 27.46). Sua solidão na morte é retratada por aquela arca. Contemple-O: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).

Por que essa solidão? Bem, “não havia ninguém mais que fosse bom o suficiente para pagar o preço do pecado”. Não havia ninguém comparável em excelência e grandeza, que fosse capaz de suportar o pecado do mundo. Ele foi o único apto a fazer isso, e isso O estabeleceu nessa extrema solidão. Quem suportaria saber, em plena consciência, o que é ser totalmente abandonado por Deus? Graças a Deus, nunca precisaremos saber disso. Não nos é necessário ter a consciência de que Deus nos abandonou, nem por um momento. Na verdade, não seríamos capazes de sobreviver a isso. Mas o Senhor o experimentou. Foi necessário que Ele, o Filho de Deus, passasse por isso. Esse foi o preço que Ele pagou como o Pioneiro ― o Pioneiro da nossa salvação, o Pioneiro da nossa herança, o Pioneiro da nossa possessão de tudo aquilo para o que Deus nos chamou pela união com Ele. O Pioneiro precisou pagar o preço dessa solidão definitiva e absoluta. Isso não reflete algo do suspiro, do brado, de Isaías 53? Sim, Ele foi o único naquela posição, ferido por nossas transgressões, ferido de Deus e oprimido, entregando a alma feita por Deus como oferta pelo pecado; mas Ele “verá Sua posteridade, prolongará Seus dias” [v. 10], e dessa solidão surgirão, em uma multidão poderosa, os filhos de Sua orfandade (49.20).

Identificação com Cristo pela fé e pelo testemunho

A próxima coisa, e a palavra final para o momento, é a identificação com Ele pela fé e pelo testemunho. Não, não podemos entrar nisso verdadeira e literalmente. Graças a Deus, isso não é necessário. Quero dizer que não somos chamados a passar por tudo o que Ele passou, mas somos chamados a assumir uma posição de fé, atestando isso de uma forma muito prática. Não seria apenas entrar e tomar tudo como nosso, mas reconhecer que só é nosso por causa Dele, só é nosso Nele. Existe uma identificação de vida com Ele.

Essa identificação pela fé e pelo testemunho é vista no mandamento de Deus quanto ao que devia ser feito. Pedras deveriam ser tiradas do leito do Jordão, daquele lugar onde tudo havia sido conquistado pelo grande Pioneiro da redenção e ― observe ― por doze homens, “de cada tribo um homem” (Js 4.2). Com efeito, cada homem de cada tribo está representado ali, tornando isso uma questão pessoal para cada um. “Cada um levante uma pedra” [v. 5]. Tudo deveria ser pessoal: um testemunho pessoal, uma apropriação pessoal de tudo aquilo, algo a ser tomando sobre os ombros, posicionando-nos debaixo de tudo o que isso significa: nosso compromisso com o Senhor Jesus, com Sua morte, com o fato de que Nele morremos; nosso compromisso com Seu sepultamento. “Fomos sepultados com Ele” (Rm 6.4). Então, temos nosso compromisso com Sua ressurreição. As pedras do Jordão significam nossa união com Ele na morte e no sepultamento; as pedras tiradas do Jordão e tomadas como memorial do outro lado representam nossa união com Ele na ressurreição.

Mas deve haver uma transação prática, pessoal e individual. “Cada um levante uma pedra.” Você tomou a pedra nos ombros, de forma pessoal? Você já fez isso de modo definitivo? Sabemos como o apóstolo Paulo diz que o testemunho é prestado (isso nos é muito familiar). “De sorte que fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida” (Rm 6.4). Temos essa história de forma clara e simples. Sim, pelo batismo declaramos que tomamos a pedra sobre os ombros, assumimos essa responsabilidade, estamos definitivamente comprometidos com tudo isso.

Deixe-me repetir: não fomos salvos apenas do julgamento, da morte e do inferno, não fomos salvos apenas de, mas para tudo aquilo que está no coração de Deus. As coisas não se relacionam mais com aquilo que vamos obter, como isso vai nos afetar; essa é a velha tirania; nossas circunstâncias não são mais pessoais. Agora o que importa é o que o Senhor deseja, o que O satisfaz e glorifica. Essa é a paixão de um coração verdadeiramente comprometido; e, quando Ele nos ajudar nesse sentido, nos transportando acima da cerca do interesse próprio, dos interesses mundanos, do governo carnal, para uma terra onde tudo está relacionado ao Senhor e ao que Ele deseja, teremos encontrado a terra que mana leite e mel, nós teremos encontrado as riquezas de Cristo, nós estaremos debaixo de um céu aberto. Grande parte de nossa vida e obra cristã é egoísta. Enquanto não formos tirados da esfera do ego e tenhamos sido movidos para o Senhor, de forma plena e completa, nada saberemos a respeito da vida celestial e sua plenitude espiritual. É isso que está representado aqui.

Que o Senhor nos encontre a todos fazendo esta grande transição, esta declaração: “Cada um levante uma pedra”. Que o Jordão, com tudo o que ele representa, repouse sobre nossos ombros.


[1] A palavra grega eisodos representa uma entrada, ao contrário de êxodos, que significa “saída”. A palavra é usada em Hb 10.19; 2Pd 1.11; 1Ts 1.9; 2.1.

Para ler o capítulo 1, clique aqui; capítulo 2, aqui; capítulo 3, aqui; capítulo 4, aqui.

Categorias
Samuel Rutherford Sofrimento Testemunho

Cartas de Samuel Rutherford (8)

Para William Livingstone [1]

Aberdeen, 13 de março de 1637

Conselho a um jovem

Eu me regozijo ao ouvir que Cristo afugentou tuas paixões da mocidade, e que estás, desde cedo pela manhã, alinhado com tal Senhor; pois um jovem é freqüentemente uma casa pronta para a morada do diabo. Sê humilde e grato pela graça, e julga, não tanto pelo peso, como pela verdade. Cristo não jogará água em tua brasa fumegante; Ele nunca apagará uma vela que foi acesa pelo Sol da Justiça.

Eu te recomendo oração e vigília com respeito aos pecados da juventude, pois sei que cartas escritas detêm-se entre o diabo e o sangue jovem. Satanás tem um amigo que corteja o coração do jovem; e ali o orgulho, a luxúria, o desejo carnal, a vingança e o esquecer-se de Deus estão empregados como seus agentes. Feliz será a tua alma se Cristo guarnecer a casa, e Ele próprio ficar com as chaves, e tudo comandar (totalmente, como Ele desejar governar tudo onde quer que Ele esteja). Guarda e recebe bem a Cristo; sopra tua brasa e deixa-O tutelar-te.

Agora, quanto a mim, sabe que estou em total acordo com meu Senhor. Cristo pôs o Pai e a mim nos braços um do outro. Muitos doces tratos Ele já fez, e tem feito a este como outro entre os demais. Eu reino, como rei, sobre minhas cruzes; eu não vou encorajar uma tentação nem dar ao diabo uma boa palavra; eu desafio os portões de ferro do inferno. Deus não levou em conta minhas brigas com Ele quando cheguei aqui, e agora Ele ceia e festeja comigo. Louva, louva comigo, e vamos juntos exaltar o Seu nome.


[1] William Livingstone, provavelmente um paroquiano de Anwoth.

 

(Para ler todos os artigos dessa série, clique aqui.)

Sair da versão mobile