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Vida cristã

O Vento em Nosso Rosto

A. W. Tozer
“Deus vos chamou para o lado de Cristo”, escreveu o piedoso Rutherford, “e agora o vento está dando no rosto de Cristo nesta terra; e, vendo que estais com Ele, não podeis esperar abrigo a sotavento ou do lado ensolarado da escarpa.”

Com a bela sensibilidade para as palavras que caracterizava a mais casual declaração de Samuel Rutherford, ele aqui cristaliza para nós um dos grandiosos fatos radicais da vida cristã: o vento está soprando no rosto de Cristo e, porque O acompanhamos, também temos o vento em nosso rosto. Não devemos esperar menos.

O anseio pelo abrigo ensolarado é deveras natural, e, para as criaturas sensíveis que somos, é inteiramente desculpável, suponho eu. Ninguém gosta de andar no vento frio. Contudo, a Igreja vem tendo de marchar com o vento dando em seu rosto ao longo dos séculos.

Em nossa avidez por conseguir conversos, temo que ultimamente pese sobre nós a culpa de usar a técnica do vendedor moderno, que geralmente apresenta só as qualidades desejáveis de um produto e ignora o restante. Vamos às pessoas e lhes oferecemos um lar confortável no lado ensolarado da escarpa. Se tão-somente aceitarem a Cristo, Ele lhes dará paz mental, solucionará seus problemas e negócios, protegerá suas famílias e as manterá felizes o tempo todo. Elas acreditam em nós e vêm, e o primeiro vento frio as envia arrepiadas a algum conselheiro para ver o que está errado; e essa é a última notícia que temos de muitas delas.

Os ensinamentos de Cristo revelam que Ele é realista no melhor sentido da palavra. Em parte nenhuma dos evangelhos encontramos algo que seja visionário ou exageradamente otimista. Ele dizia toda a verdade aos Seus ouvintes e deixava que eles formassem sua opinião. Ele podia entristecer-se com a retirada de um interessado que não podia enfrentar a verdade; nunca porém corria atrás dele para tentar ganhá-lo mediante róseas promessas. Ele queria que O seguissem sabendo o preço, ou, se não, deixava que seguissem seus próprios caminhos.

Isto é simplesmente dizer que Cristo é honesto. Podemos confiar Nele. Ele sabe que nunca será popular entre os filhos de Adão, e sabe que Seus seguidores não precisam esperar popularidade. O vento que sopra em Seu rosto será sentido por todos quantos viajam com Ele, e nós não somos intelectualmente honestos quando procuramos ocultar-lhes esse fato.

Oferecendo aos nossos ouvintes um evangelho doce e leve, e prometendo a todo aquele que o recebe um lugar na encosta ensolarada da colina, não apenas os enganamos cruelmente, mas também garantimos alto índice de acidentes entre os conversos obtidos mediante essas condições. Em certos campos estrangeiros foi cunhada a expressão “cristãos com arroz” para descrever os que adotam o cristianismo por algum lucro. O missionário experimentado sabe que o converso que tem de pagar alto preço por sua fé em Cristo é que perseverará até o fim. Ele começa já com o vento a soprar-lhe no rosto, e se a tempestade ficar mais forte, ele não retrocederá, porquanto foi preparado para suportá-la.

Abaixando o preço do discipulado, estamos produzindo cristãos com arroz às dezenas de milhares, precisamente aqui, no continente americano. Os que lembram dos tempos passados, lembrar-se-ão da explosão do comércio de terras na Flórida há poucos anos, quando alguns inescrupulosos corretores de imóveis ficaram ricos vendendo grandes extensões de pântanos cheios de jacarés a preços fantásticos a nortistas ingênuos. Agora mesmo há uma explosão no setor dos bens religiosos, na encosta ensolarada da colina. Milhares estão investindo e uns poucos empresários estão ficando ricos; mas quando o público descobrir o que comprou, alguns desses empresários terão de abandonar o negócio. E isso pode não acontecer tão cedo.

O que terá Cristo para oferecer-nos, que seja seguro, genuíno e desejável? Ele oferece perdão dos pecados, purificação interior, paz com Deus, a vida eterna, o dom do Espírito Santo, vitória sobre a tentação, a ressurreição dos mortos, um corpo glorificado, a imortalidade e um lugar de moradia na casa do Senhor para sempre. Estes são alguns dos benefícios que nos vêm como resultado da fé em Cristo e da entrega total a Ele. Acrescentamos a estes as maravilhas ascensionais e as crescentes glórias que virão a ser nossas por meio das imensas extensões da eternidade, e teremos uma imperfeita idéia do que Paulo denominou “insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8).

Aceitar o chamamento de Cristo muda de fato o pecador que a Ele se entrega, mas não muda o mundo. O vento continua soprando em direção ao inferno, e o homem que caminhar na direção oposta terá o vento batendo no rosto. E é melhor levar isto em conta quando ponderarmos as realidades espirituais. Se as insondáveis riquezas não merecem que por elas soframos, é bom saber disso agora e parar de brincar de religião.

Quando o rico e jovem governante soube do preço do discipulado, retirou-se triste. Não pôde renunciar à encosta ensolarada da colina. Mas, graças sejam dadas a Deus, em cada época existem alguns que se negam a retroceder. O livro de Atos dos Apóstolos é a história de homens e mulheres que expunham o rosto ao rijo vento da perseguição e do prejuízo, e seguiam o Cordeiro aonde quer que Ele fosse. Sabiam que o mundo odiou a Cristo sem motivo, e os odiava por causa Dele; mas pela glória que lhes foi proposta, continuaram resolutos pelo caminho.

Talvez se possa reduzir a coisa toda a uma simples questão de fé e incredulidade. A fé vê de longe a vitória de Cristo e se dispõe a suportar toda e qualquer dificuldade para participar dela. A incredulidade não está segura de coisa alguma, exceto que odeia o vento e aprecia a encosta ensolarada da colina. Cada pessoa terá de decidir-se sozinha, se poderá arcar ou não com o terrível fausto da incredulidade.

(Extraído de Textos da Reforma)

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Igreja

O Cristianismo Liberal Está Pagando os Seus Pecados

Convicções não-ortodoxas sobre o casamento gay e supostas doutrinas sexistas estão esvaziando as igrejas.

Por Charlotte Allen, editora de catolicismo do site www.beliefnet.com, autora do livro The human Christ: the search for the historical Jesus (“O Cristo humano: a busca pelo Jesus histórico”). Julho/2006.

Quando olhamos para as discussões e para a acelerada fragmentação da Igreja Episcopal nos EUA, da qual diversas paróquias, e até mesmo algumas dioceses, estão se desligando, não estamos falando apenas de bispos gays, da bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo ou da eleição de uma mulher como bispa presidente. Estamos falando também do desmantelamento da igreja cristã.

Abraçado pela liderança de todas as principais denominações protestantes, assim como por uma boa parte do Catolicismo nos EUA, o cristianismo liberal tem sido proclamado pelos seus entusiastas nos últimos 40 anos como o futuro da igreja cristã.

Ao contrário, como já admitem todos menos alguns poucos teimosos, todas as principais igrejas e movimentos interdenominacionais que relativizaram a doutrina e suavizaram princípios morais estão diminuindo em número e, no caso da Igreja Episcopal, desintegrando-se.

Não é apenas uma coincidência: Mais ou menos na mesma época em que os episcopais, na convenção geral de Columbus, Ohio, desdenhavam uma diretiva da Comunhão Anglicana Mundial que afirmava que a igreja estava “arrependida” de ter confirmado três anos antes a ordenação do bispo declaradamente gay V. Gene Robinson de New Hampshire, a Igreja Presbiteriana nos EUA, na sua assembléia geral em Birmingham, Alabama, tornou-se motivo de piada da blogosfera ao aprovar tacitamente designações alternativas para a supostamente sexista trindade cristã: Pai, Filho e Espírito Santo. Entre os nomes sugeridos constavam “Mãe, Filho/a e Ventre”, e “Pedra, Redentor/a e Amigo/a”[1]. Pegando o embalo dos revisionistas presbiterianos, o blogger Rod Dreher, do site www.beliefnet.com promoveu o concurso “Batize a Trindade”. Entre as respostas constavam “Pedra, Tesoura e Papel” e “Larry, Curly e Moe” (os Três Patetas).

Seguindo o exemplo dos episcopais, os presbiterianos também votaram a favor de deixar a critério das congregações locais a decisão de ordenar pastores gays e lésbicas que morassem com seu/sua parceiro/a, e endossaram a legalização da maconha para fins médicos. (Esta última decisão pode até ser uma boa idéia, mas é difícil entender por que uma denominação cristã deveria deliberar sobre isto).

A Igreja Presbiteriana dos EUA é famosa pela sua conferência de 1993, co-patrocinada pela Igreja Metodista Unida, a Igreja Evangélica Luterana na América e outras igrejas tradicionais, na qual os participantes “reimaginavam” Deus como “A Nossa Criadora Sofia” e praticavam um ritual feminista do “leite e mel”, com o objetivo de substituir a ceia tradicional do pão e do vinho.

Como se para disputar com os presbiterianos quem conseguia jogar fora mais elementos milenares da fé cristã, os Episcopais em Columbus surpreendentemente se recusaram até mesmo a considerar uma resolução que afirmava que Jesus Cristo é Senhor. Quando uma igreja cristã não consegue endossar uma declaração teológica básica encontrada diversas vezes no Novo Testamento, ela não é uma igreja cristã séria. Ela é uma Igreja da Moda, que dá uma licença de bem estar a qualquer coisa que os elementos liberais da sociedade secular considerem permissível ou politicamente correto.

Você quer fazer sexo gay? Mudar o nome de Deus para Sofia? Vá adiante. A recém-eleita bispa presidente episcopal, Katharine Jefferts Schori, é uma combinação única de todas essas coisas: Ela votou a favor de Robinson, abençoou uniões do mesmo sexo na diocese de Nevada, orou para um Jesus fêmea na convenção de Columbus, e convidou o antigo bispo de Newark, New Jersey, John Shelby Spong, famoso por negar a divindade de Cristo, para falar aos seus sacerdotes.

Quando uma igreja não se leva a sério, os seus membros também não a levam. É difícil acreditar que há tão pouco tempo, em 1960, membros das igrejas tradicionais – Episcopais, Presbiterianos, Metodistas, Luteranos e assim por diante – representavam 40% de todos os protestantes estadunidenses. Hoje, está mais para 12% (17 milhões entre 135 milhões). Uma parte do declínio acelerado se deve à queda das taxas de natalidade entre os tradicionais, geralmente democratas, mas também é óbvio que milhões de cristãos tradicionais (e especialmente os seus filhos) simplesmente abandonaram os bancos da igreja para nunca mais voltar. De acordo com o Instituto Hartford para a Pesquisa da Religião, em 1965 haviam 3,4 milhões de episcopais; hoje, são 2,3 milhões. O número de presbiterianos caiu de 4,3 milhões em 1965 para 2,5 milhões hoje. Compare isso com os 16 milhões de membros que os Batistas do Sul oficialmente têm.

Quando uma religião diz “tanto faz” para as questões doutrinárias, considera Jesus como apenas mais um mestre sábio, recusa-se por princípio a evangelizar e deixa os seus membros fazerem praticamente o que quiserem, é apenas um pequeno passo até eles decidirem que uma das coisas que eles não querem fazer é levantar domingo de manhã e ir para a igreja.

O sociólogo Rodney Stark (The Rise of Christianity) e o historiador Philip Jenkins (The Next Christendom) defendem que quanto maiores as demandas éticas e doutrinárias mais profundo é o compromisso dos fiéis a uma fé. As igrejas evangélicas e pentecostais, que pregam a moralidade bíblica, não têm nenhum problema em afirmar que Jesus é o Senhor, e geralmente evitam ordenar mulheres. Essas igrejas estão crescendo firmemente, tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo.

Apesar da freqüência dominical média a uma igreja episcopal ser de 80 pessoas, a Igreja Episcopal, como um todo, tem condições financeiras para continuar por algum tempo, graças ao seu inventário de terras, fruto dos seus anos dourados, e à renda proveniente dos dias (passados!) em que ela era o Partido Republicano em oração. Alem do mais, ela tem compensado algumas de suas perdas atraindo católicos liberais desafetos e gays e lésbicas. A situação da menos endinheirada Igreja Presbiteriana dos EUA é mais complicada. Logo antes da sua assembléia geral em Birmingham, ela anunciou que cortaria 75 empregos para conseguir uma redução orçamentária de US$9,15 milhões no seu escritório central, o terceiro corte de empregos nos últimos quatro anos.

Os episcopais têm perfumes, sinos, almofadas rendadas e bispos coloridos e ornamentados, do tipo católico, como atrativos. Mas quem, nas atuais circunstâncias, quer virar presbiteriano?

Ainda assim, deve ser humilhante para os liberais episcopais o fato de muitas das paróquias e dioceses que querem se desligar da Igreja Episcopal nos EUA (incluindo a de San Joaquin, na Califórnia) estão crescendo, e não diminuindo, têm membros ativos nos seus bancos, que pagam pela manutenção das suas igrejas e não ficam na dependência de ricos defuntos. A Igreja Episcopal de Cristo, em Plano, Texas, de 21 anos, por exemplo, é uma das maiores igrejas episcopais no país. As 2.200 pessoas que freqüentam os seus cultos todos os domingos equivalem mais ou menos ao número de episcopais ativos em toda a diocese de Nevada, sob o comando de Jefferts Schori.

Não é nenhuma surpresa a Igreja de Cristo, assim como outras paróquias dissidentes, pregar uma teologia bastante conservadora. A sua ruptura da igreja nacional veio depois de Rowan Williams, arcebispo de Cantuária e chefe da Comunhão Anglicana, propor uma estrutura em dois níveis de membresia, na qual a Igreja Episcopal nos EUA e outras igrejas que se negam a aderir a padrões bíblicos tradicionais teriam um status de “associados” na Comunhão. Os dissidentes esperam manter a comunicação plena com Cantuária ao se submeterem à supervisão de bispos anglicanos não estadunidenses.

Quanto ao resto dos Episcopais, eles nos lembram a expressão “rearranjar as cadeiras no convés do Titanic”. Vários sites episcopais liberais hoje são dedicados a ofender Peter Akinola, eloqüente primaz da diocese anglicana da Nigéria que, assim como a vasta maioria dos 77 milhões de anglicanos no mundo – de acordo com dados da Comunhão Anglicana – acredita que “as práticas homossexuais” são “incompatíveis com as Escrituras” (essas palavras são da resolução de 1998 da Comunhão, na conferência dos bispos em Lambeth). Akinola pode ter a maioria ao seu lado, mas ele é agora o Voldemort – não, melhor, o Karl Rove[2] – do mundo episcopal estadunidense. Outros liberais estão irados com uma simples resolução de última hora de Columbus, pedindo que a igreja “se restrinja” de consagrar bispos cujo estilo de vida possa ofender “a igreja maior” – uma resolução imediatamente ignorada quando um segundo homem gay, que mora publicamente com outro homem, foi nominado bispo de Newark.

Então esse é o cristianismo liberal que era para ser o cristianismo do futuro: confusão, cismas, queda vertiginosa do número de membros, um colapso da cristologia e encontros nacionais que competem com os da Modern Language Association (“Associação da Língua Moderna”) para ver quem tem maior potencial de piadas. E eles continuam dizendo para a Igreja Católica que é melhor ela adotar o programa liberal – ordenar mulheres, abençoar casamentos gays, e assim por diante – ou morrer. Tá bom, então…

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[1] Nota do Tradutor: No original em inglês, não há designação de gêneros nos termos usados.
[2] Nota do Tradutor: Voldemort é o arquiinimigo do Harry Potter. Karl Rove é “Deputy Chief of Staff” do governo George W. Bush.

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Vida cristã Watchman Nee

A justiça de Deus

Nos primeiros capítulos, vimos que o homem pecou e que a salvação de Deus é baseada no fato de o homem ter pecado. Se o homem não tivesse pecado, não haveria necessidade de salvação. Uma vez que o homem pecou, Deus deu a lei para mostrar-lhe que ele pecou. A lei de Deus veio ao mundo a fim de que as transgressões humanas abundassem. No princípio, o homem tinha apenas pecado; ele não tinha transgressões. Mas quando a lei veio, o homem não só possuía pecado, mas também transgressões. Após transgredir, o homem percebe que é um pecador. Graças ao Senhor, porque apesar de termos pecado e transgredido, Deus, que é amor, propôs-se a dar-nos graça e misericórdia. Ele propôs fazer algo para nós a fim de resolver os problemas que não podemos resolver por nós mesmos.

Neste capítulo, contudo, devemos ver algo mais. Apesar de Deus nos amar e mostrar-se misericordioso para conosco e apesar de pretender plenamente nos dar graça, há algo que torna muito difícil para Deus fazê-lo. Deus não pode conceder-nos graça instantaneamente; Ele não pode dar-nos vida eterna diretamente. Há um dilema que Deus deve resolver antes de poder conceder-nos graça. O problema, o qual a Bíblia menciona freqüentemente, é a própria justiça de Deus.

A expressão justiça de Deus tem confundido muitos teólogos há séculos. Se lermos a Bíblia sem conceitos nocivos ou noções preconcebidas, Deus nos mostrará o que é a Sua justiça. Podemos ver essa questão claramente sem muita dificuldade. Neste capítulo, desejamos ver, pela graça de Deus, o que é a justiça de Deus. Em outras palavras, esperamos ver a dificuldade que Deus encontra quando Ele nos salva.

Sua Salvação Combinada com Sua Justiça

Se Deus vai salvar-nos, Ele deve fazê-lo de modo que combine ou se ajuste a Ele mesmo. Se Deus vai dar-nos salvação, Ele não pode dar-nos de maneira que contrarie Sua natureza, Seu método e Sua maneira. Somos pecadores cheios de transgressões e, por isso, não temos nenhuma noção de justiça. Se quiséssemos ser salvos, provavelmente usaríamos todos os meios possíveis, quer retos ou tortuosos, bons ou maus. Tentaríamos mil e uma maneiras para sermos salvos. Desde que sejamos salvos de alguma maneira, isso já nos basta. Não nos preocupamos se o procedimento é adequado ou se o método está certo. Desde que sejamos salvos, estamos satisfeitos. Nem mesmo atentamos de onde vem a salvação e se está ou não certa. Nesse sentido somos como ladrões. O que preocupa um ladrão é conseguir dinheiro. Ele não se preocupa de onde o dinheiro vem. Desde que ganhe dinheiro, fica satisfeito. Ele não tem o conceito do certo e do errado; ele não tem o conceito de justiça e de injustiça. Mas devemos perceber que a salvação não é somente uma questão de sermos salvos, mas de Deus salvar-nos. Embora desejemos ser satisfeitos não importando como somos salvos, Deus não pode dizer que tudo o que implica na salvação se resume em salvar-nos, sem se importar se a maneira pela qual somos salvos está correta ou não. Deus, sem dúvida, deseja dar-nos graça e salvar-nos. Indubitavelmente, Ele quer dar-nos Sua vida. Deus é cheio de amor, e Ele está mais do que desejoso de que sejamos salvos. Mas se Deus vem salvar-nos, Ele tem de fazê-lo de modo excelente. Por isso, o fato de Deus nos salvar é um grande problema. Deus realmente deseja salvar os homens. Mas qual o método a ser usado por Ele para que o homem possa ser salvo da maneira justa? Que método há que seja o mais racional? Que método há que se compare com Sua própria dignidade? É fácil ser salvo, mas é difícil ser salvo justamente. Eis por que a Bíblia fala muito sobre a justiça de Deus. Ela nos diz repetidamente que Deus salva o homem de maneira compatível com Sua justiça.

Que é a justiça de Deus? A justiça de Deus é o modo de Deus agir. Amor é a natureza de Deus, santidade é a disposição de Deus e glória é o próprio ser de Deus. Justiça, no entanto, é o proceder de Deus, Sua maneira e Seu método. Uma vez que Deus é justo, Ele não pode amar o homem meramente conforme o Seu amor. Ele não pode conceder graça ao homem meramente conforme Ele quer. Ele não pode salvar o homem meramente conforme o desejo do Seu coração. É verdade que Deus salva o homem porque o ama. Mas Ele deve fazê-lo de um modo que esteja de acordo com Sua justiça, Seu proceder, Seu padrão moral, Sua maneira, Seu método, Sua dignidade e Sua majestade.

Sabemos que para Deus é fácil salvar o homem. Mas não é fácil para Deus salvá-lo de maneira justa. Apenas imagine quão fácil seria para Deus salvar-nos se a questão da justiça não fosse um problema. Não haveria dificuldade alguma. Se Deus não nos amasse, nada poderia ser feito por nós e tudo seria sem esperança. Mas Deus nos amou e teve misericórdia de nós. Além disso, Ele pretende dar-nos graça. Se a justiça não contasse, Deus poderia dizer: “Você pecou? tudo bem, apenas não cometa o erro novamente”. Deus, assim, poderia ignorar nossos pecados. Ele poderia dispensar-nos e mandar-nos embora. Se Deus não julgasse o pecado do pecador e tratasse seus pecados conforme a lei, mas perdoasse descuidadamente, onde então estaria Sua justiça? Aqui reside a dificuldade.

Algum tempo atrás, um irmão se envolveu numa questão complicada e foi posto na prisão pelo governo. Eu sabia que, embora ele não estivesse completamente sem culpa, o erro era realmente de outra pessoa. Por causa disso, quis ajudá-lo. Fui até Nanquim e conversei com algumas pessoas que estavam envolvidas no caso. Eu lhes falei sobre a situação e pedi-lhes que ajudassem em alguma coisa. Éramos nove ali e todos éramos muito ocupados. Tivemos nove reuniões num período de onze dias, tentando descobrir um modo de ajudar aquele homem. Finalmente, todas essas pessoas admitiram que tinham a maneira e a autoridade para livrá-lo, mas não poderiam fazê-lo sem incriminar a si mesmos. Então, tivemos de achar um modo de libertar o homem que fosse, ao mesmo tempo, legal.

Sem dúvida alguma, Deus é cheio de amor para conosco. Deus quer salvar-nos. Mas Ele também deseja fazê-lo legalmente. Se não nos salvar legalmente, Ele não pode salvar-nos de maneira nenhuma. O amor de Deus é limitado por Sua justiça. Deus não pode agir contrariamente a Si próprio e declarar irresponsavelmente que nossos pecados estão apagados, que tudo está bem e que podemos considerar-nos livres. Se Deus nos perdoasse de modo irresponsável, que lei, que justiça e que verdade seriam deixadas no universo? Tudo isso estaria acabado.

É verdade que Deus nos quer salvar, e é verdade que precisamos ser salvos. A questão é se há ou não injustiça em sermos salvos. Há muitos hoje que aceitam subornos e são parciais por causa dos relacionamentos particulares. Eles sempre ajudam os outros, e os outros sempre recebem benefícios deles; mas todos concordamos que essas pessoas não são adequadas. Elas não são justas, mas corruptas. Elas podem ter muito amor, mas o que fazem não é correto. Deus não pode salvar-nos à custa de se envolver em injustiça. Deus deve salvar-nos preservando Sua justiça. Para Deus é importante salvar-nos, mas deve fazê-lo de acordo com Sua justiça. Deus poderia salvar-nos imediatamente com Seu amor. Mas também deve salvar-nos de maneira muito justa.

Como isso pode ser feito? Para Deus não é uma questão fácil salvar-nos sem violar Sua justiça. Como pode Deus justificar pecadores sem cometer injustiça? Como pode Deus salvar pecadores sem envolver-se em injustiça? Como Deus pode perdoar nossos pecados de maneira justa? Deus quer salvar-nos, mas Ele quer que sejamos capazes de dizer ao mesmo tempo que recebemos Sua vida e fomos salvos porque Ele nos justificou da maneira mais justa.

A Salvação de Deus para a Demonstração da Sua Justiça

Há um livro na Bíblia, o livro de Romanos, que nos diz como Deus trata especificamente com esse problema. Vejamos Romanos 3:25-26, começando com a segunda parte do versículo 25: “Para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus”. Aqui tenho de acrescentar uma palavra. Algumas versões cometem um erro ao traduzir o versículo 25. Elas traduzem: “Para declarar Sua justiça para a remissão de pecados passados, pela tolerância de Deus”. Mas a palavra para não deveria ser usada nesse versículo. Em vez disso, deveria dizer: “Para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos”. Além disso, no versículo 26, a palavra e deveria ser entendida como união de duas coisas que ocorrem ao mesmo tempo. Assim, esta sentença deveria ser entendida desta maneira: “Para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus”. Enquanto Deus justifica os que crêem em Jesus, Ele demonstra ser justo, e o homem deve reconhecê-Lo como justo.

O versículo 25 trata de problemas passados; o versículo 26 trata de problemas presentes. Os problemas passados referem-se ao povo da época do Antigo Testamento. Os problemas presentes relacionam-se ao povo da época do Novo Testamento. O versículo 25 trata de questões do Antigo Testamento. O versículo 26 trata de questões do Novo Testamento. As pessoas da época do Antigo Testamento transgrediram a lei por quatro mil anos. Elas eram cheias de pecados e transgressões. Mas Deus não as destinou à perdição ou destruição imediata. Naqueles quatro mil anos, dia após dia, Deus tolerou e deixou impunes os pecados previamente cometidos. Não vemos o lago de fogo imediatamente após o jardim do Éden. Embora Deus dissesse ao homem que no dia em que ele comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal certamente morreria (Gn 2:17), quando Adão comeu o fruto, ele não foi imediatamente para o lago de fogo. Por quê? Porque Deus deixou impunes os pecados da época do Antigo Testamento; Ele exerceu Sua tolerância sobre eles. Deus tolerou e deixou impunes os pecados cometidos pelo homem no passado. Mas uma questão se levanta imediatamente: Deus foi justo ao tolerar e deixar impunes os pecados humanos no Antigo Testamento? Qual foi o propósito de Deus em fazer isso? Na verdade, ao deixar impunes os pecados do homem e tolerá-los, Deus estava manifestando Sua justiça.

Deus não quer que pensemos que após sermos salvos, nossa salvação é ilegal. Deus não gostaria que o homem acolhesse tais críticas. Deus quer mostrar-nos que nada há de ilegal ou injusto em Seus caminhos. Quanto aos pecados da época do Antigo Testamento, Ele diz que Sua tolerância e Sua indulgência foram para demonstrar a Sua justiça. Quanto aos pecados da presente era, Ele diz que o que é feito é também para demonstrar Sua justiça. Deus deseja que ao justificar os que crêem em Jesus, Ele seja reconhecido como O justo.

A salvação de Deus não é “mercadoria contrabandeada”. Deus quer que a nossa salvação venha pela “porta da frente”. Nossa salvação tem de ser correta e adequada. Ele não permitirá que ninguém diga que a nossa salvação é inadequada. Ele não oferece uma salvação fraudulenta. Uma salvação fraudulenta é rejeitada por Deus. A intenção de Deus é salvar-nos, mas Ele quer fazê-lo de maneira a estar relacionada com Sua natureza, Seu padrão moral, Sua dignidade, Sua lei e Sua justiça. Deus não pode salvar-nos ilegalmente.

Aqui temos um problema. Se Deus estivesse disposto a usar todos os meios possíveis para nos salvar e se ignorasse totalmente a questão da justiça, Ele poderia dizer a qualquer pessoa: “Vai, você está livre”. Há homens que são tolamente bons. Se Deus dissesse isso, Ele seria um Deus tolamente bom. Deus jamais poderia ser assim. Se Deus não amasse você, seria fácil — Ele simplesmente o deixaria morrer e perecer quando pecasse. Mas Ele não pode permitir que isso aconteça, porque o ama. O problema é que o pecado do homem e o amor de Deus aqui estão juntos. Agora, quando a justiça é adicionada a esses dois, a salvação se torna a coisa mais difícil sobre a terra. Se o homem não tivesse pecado, tudo estaria bem; e se Deus não nos amasse, também não haveria problema. Se alguém comete um crime e deve morrer, isso nada tem a ver comigo se eu não o amo. Hoje muitos estão presos para ser executados. A questão significa pouco para mim se eu não os amo. Ser-me-ia difícil somente se os amasse e quisesse salvá-los. Se eles não tivessem pecado, a questão seria fácil de tratar. E se não os amasse, a questão também seria fácil de controlar. Além disso, se eles pecaram e os amo, mas não tenho justiça, a questão ainda pode ser tratada facilmente; posso controlá-la irresponsavelmente por meio de suborno. Mas, se sou uma pessoa justa, não posso recorrer a tais métodos fraudulentos e impróprios. Não os libertaria ilegalmente. Se vou salvá-los, tenho de fazê-lo corretamente. Levar a cabo tal salvação se torna a mais difícil tarefa em toda a terra. Estas três questões — amor, pecado e justiça — não podem coexistir facilmente. O amor é um fato; o pecado também é um fato e a justiça é uma necessidade. Por esses três estarem juntos, Deus deve vir com uma maneira de nos salvar e de satisfazer Seu coração de amor, enquanto, ao mesmo tempo, de preservar a Sua justiça. Cumprir tal obra seria deveras uma obra-prima. Aleluia! A salvação que Deus nos preparou em Seu Filho Jesus é tal obra-prima. Ele é capaz de nos salvar de nossos pecados e demonstrar Seu amor, e é capaz de fazê-lo da maneira mais justa. Isso Ele faz pela obra redentora do Senhor Jesus.

A Vinda de Cristo Como a Exigência de Deus em Justiça

A vinda do Senhor Jesus Cristo à terra foi a exigência de Deus em justiça; não foi a exigência de Deus em graça. Essa é uma palavra muito séria. Se houvesse amor sem justiça, o Senhor Jesus não teria necessidade de vir à terra e a cruz teria sido desnecessária. Por causa do problema da justiça, o Senhor Jesus teve de vir. Sem justiça, Deus poderia salvar-nos do modo que quisesse. Ele poderia ignorar nossos pecados ou perdoá-los levianamente. Ele poderia adotar uma atitude permissiva em relação aos nossos pecados ou ficar completamente alheio a eles. Se Deus dissesse: “Já que todos pecaram, desta vez Eu deixo passar; apenas não pequem novamente”, não haveria necessidade nenhuma para um Jesus de Nazaré no primeiro plano. Além da exigência da justiça, não era necessária a vinda de Jesus de Nazaré. A vinda de Jesus de Nazaré foi uma exigência da justiça.

Quando o pecado entrou no mundo, o governo de Deus foi danificado. Sua ordem determinada no universo foi quebrada; Sua glória foi esmagada; Sua santidade foi profanada; Sua autoridade foi rejeitada e Sua verdade foi distorcida. Quando o pecado entrou no mundo, Satanás riu e os anjos testificaram que o homem tinha falhado e caído. Se Deus tivesse de julgar o pecado sem misericórdia, Ele agiria sem amor. Mas, se Ele ignorasse os pecados do homem sem julgá-los, Ele agiria sem justiça. Porque Deus ama ao mundo e ao mesmo tempo é justo, Ele teve de enviar o Senhor Jesus até nós. Por ser justo, Ele teve de julgar o pecado. Porque Ele é amor, Ele teve de suportar o pecado do homem em seu lugar. Devo enfatizar essas duas declarações: Deus deve julgar porque é justo. E Deus sofre o julgamento e a punição devidos ao homem, porque Ele é amor. Sem julgamento, não vemos justiça; com julgamento, não vemos amor. Contudo, o que Ele fez foi suportar o julgamento em nosso lugar. Dessa forma, Ele manifesta tanto Seu amor como Sua justiça em Jesus Cristo.

A Cruz Manifesta a Justiça e o Amor de Deus

Assim, a cruz está onde a justiça de Deus é manifestada. A cruz nos mostra o quanto Deus odeia o pecado. Ele está determinado a julgar o pecado. Ele estava disposto a pagar preço tão alto como o de ter Seu Filho pregado na cruz. Deus não estava disposto a desistir de Sua justiça. Se Deus estivesse disposto a esquecer Sua justiça, a cruz teria sido desnecessária. Por não estar disposto a abandonar Sua justiça, Deus preferiu que Seu Filho morresse.

A cruz também é o lugar onde o amor de Deus é manifestado. O peso dos nossos pecados deveria estar sobre nós. Se não o suportamos, é injusto. Mas suportar tal carga é demais para nós. Por isso Ele veio e a carregou por nós. O fato de Deus dispor-se a suportar a carga mostra-nos Seu amor. O fato de Deus ter, na verdade, suportado tal fardo, demonstra a Sua justiça. Deus fazer-nos levar a punição é justiça sem amor. Deus não nos fazer levar a punição é amor sem justiça. Por Ele tomar a punição e levá-la por nós, há tanto justiça como amor. Aleluia! A cruz cumpre tanto a exigência da justiça, como a exigência do amor. Nossa salvação hoje não é “mercadoria contrabandeada”; não a recebemos de modo fraudulento ou impróprio. Nós não fomos salvos ilegalmente. Fomos salvos de modo claro e definitivo por meio do julgamento.

Para nós, o perdão é gratuito, mas para Deus não há tal coisa como perdão gratuito. Para Ele, o perdão vem somente após a redenção dos pecados. Por exemplo, se você infringir a lei, e o tribunal exigir que pague uma multa de mil dólares, você deve pagar a multa para que seu caso seja encerrado. Da mesma maneira, fomos salvos somente após sermos julgados na cruz. Nossa salvação vem após sofrermos o julgamento pelo pecado em Cristo. É uma salvação que vem apenas mediante o julgamento. Aleluia! Nós fomos julgados; então, depois disso, fomos salvos. O amor de Deus está aqui e a justiça de Deus também está aqui.

Deixe-me dar uma ilustração. Suponha que haja um irmão que seja milionário e que eu seja um de seus devedores. Digamos que eu lhe deva grande soma em dinheiro, quantia tão grande quanto os dez mil talentos mencionados no livro de Mateus (18:24). Quando tomei emprestado o dinheiro dele, assinei uma nota promissória. Na nota, a quantidade e o vencimento estão claramente estabelecidos, bem como os termos e as condições da penalidade. Suponha que agora eu vá até ele e diga: “Gastei todo o dinheiro que tomei emprestado de você, e é-me impossível ganhá-lo e pagá-lo a você num momento de crise econômica como este. Estou com dificuldade até para conseguir comida e sobreviver. Por favor, tenha misericórdia e me libere. Devolva-me a promissória”. Se eu implorar dessa maneira, ele pode devolver-me a nota? A promissória contém exatamente a quantidade que lhe devo e a época em que devo pagar. Esse é um contrato que não somente eu devo cumprir, mas ele tem de honrar da mesma forma. Como devedor, tenho a responsabilidade de pagá-lo dentro do prazo estipulado. Como credor, ele também tem uma responsabilidade a cumprir, isto é, de devolver-me a promissória somente após receber o dinheiro. Se ele me devolver a nota antes de receber o dinheiro, mesmo que o faça por amor e em consideração a mim, ele não está sendo justo. Porque nós, seres humanos, somos simplesmente injustos e estamos acostumados a atitudes injustas, raramente nos ocorre que o perdão gratuito seja uma forma de injustiça. Mas Deus não pode fazer algo injusto. Se Deus nos perdoasse gratuitamente, Ele seria injusto. Além do mais, voltando à ilustração, suponhamos que esse irmão me devolva a nota promissória sem receber o dinheiro. Isso vai afetar-me de modo negativo. Quando tiver dinheiro, irei usá-lo indiscriminadamente. Terei descoberto que posso usar o dinheiro dos outros fácil e levianamente. Assim, esse perdão gratuito do irmão é injustiça para com ele e uma má influência para mim.

Agora, suponha que esse irmão seja justo, mas não queira que eu lhe pague. Que ele pode fazer? Deixe-me contar-lhe o que fiz numa situação semelhante. Certa vez alguém foi até minha casa pedir-me dinheiro emprestado. Ele era um cristão nominal. Então lhe disse que, de acordo com a Bíblia, os cristãos não devem tomar dinheiro emprestado. Mas assim mesmo ele suplicou-me que lhe emprestasse dinheiro. A princípio, resolvi simplesmente dar-lhe o dinheiro; mas sabia que ele era irresponsável com o dinheiro dos outros, porque alguns irmãos me haviam alertado e dito que essa pessoa freqüentemente pedia dinheiro emprestado aos irmãos, e advertiram-me a não lhe emprestar coisa alguma. Então, numa segunda consideração, decidi a não simplesmente dar-lhe o dinheiro, mas em vez disso, emprestar-lhe. Quando lhe entreguei a quantia que me pediu, perguntei-lhe quando iria devolvê-la. Eu o pressionei por uma data de pagamento, embora soubesse que a quantia nunca seria restituída. Pedir emprestado era um hábito dele; era sua vida. Mas não podia dizer-lhe que não esperava que ele pagasse, pois isso seria um convite para mais empréstimos. Assim, estabeleci uma data de pagamento. Quando chegou o dia, propositadamente escrevi-lhe uma carta, lembrando-o de que a data havia chegado. Após receber minha carta, ele veio ver-me. Mas antes que pudesse falar muito, eu o interrompi e lhe disse que fosse para casa e encontrasse com sua esposa, pois ela tinha algo a dizer-lhe. Assim, ele foi para casa. Na verdade, antes que viesse ver-me, eu levei à sua casa a quantia exata que ele me devia e a dei à sua esposa. Disse-lhe que quando seu marido voltasse para casa, ela deveria dizer-lhe que eu lhe havia mandado a soma do dinheiro do pagamento de sua dívida. Quando o marido chegou em casa, a esposa lhe disse o que eu havia falado. Então ele abriu o pacote e encontrou a quantia exata de seu débito. Ele então entendeu o que fazer. Voltou à minha casa e me devolveu o dinheiro. Nesta atitude, você pode ver o amor e a justiça. Se este homem tivesse sido forçado a me pagar, não teria havido amor. Mas se não o autorizasse a pagar, eu teria sido injusto, pois eu havia dito claramente que o dinheiro lhe havia sido dado como empréstimo. Não apenas teria sido injusto em mim mesmo, como também teria exercido má influência sobre ele. Numa próxima vez, ele teria sido mais irresponsável. Assim, eu fiz o que fiz.

Devemos a Deus “dez mil talentos”, mas não temos como restituí-lo. Agora, Deus está fazendo a mesma coisa conosco. Porque nos ama, Ele não pode pedir-nos que o paguemos. Mas porque é justo, Ele não nos dirá que não precisamos pagar. Para nós, é impossível restituí-Lo. No entanto, para Deus é injusto liberar-nos de nossa obrigação. Louvamos ao Senhor porque Ele veio para nos dar o “dinheiro” a fim de que possamos pagar-Lhe o que devemos. O cobrador é Deus e o pagador também é Deus. Sem cobrar, não há justiça; mas se tivermos de pagar, não há amor. Agora, o próprio Deus é o cobrador; assim, a justiça é mantida. E o próprio Deus também é o pagador; assim, o amor é mantido. Aleluia! O cobrador é o pagador. Esse é o significado bíblico da redenção dos pecados.

Dessa forma, Jesus, o Nazareno, veio e levou nossos pecados em Seu corpo na cruz. O próprio Deus veio carregar os nossos pecados. Nossos pecados foram julgados por Deus na pessoa de Jesus Cristo. O sangue do Senhor Jesus derramado na cruz é a prova desse julgamento. Nós nos achegamos a Deus por esse sangue. Por intermédio do Senhor Jesus, dizemos a Deus que fomos julgados. Agora, devolvemos-Lhe o que o Senhor Jesus pagou por nós. É verdade que pecamos. Mas não somos irresponsáveis; houve o julgamento. É verdade que tínhamos um débito. Mas não estamos fugindo dele; o débito já foi pago. Temos o sangue, que significa a salvação realizada pelo Senhor Jesus, como prova de quitação de que Deus pagou nosso débito a Si Mesmo. Eis por que o sangue no Antigo Testamento era aspergido sete vezes no interior do véu. É por isso que ele tinha de ser levado até o propiciatório sobre a arca. Deus tem de perdoar todos os pecadores que vêm a Ele pelo sangue do Senhor Jesus. Não há outra maneira de sermos perdoados por Ele.

Voltemos à ilustração anterior. Suponha que eu tenha tomado emprestado de um irmão dez mil talentos de prata e não tenha dinheiro para pagá-lo. Um dia, ele vai à minha casa e diz: “Você me deve dez mil talentos de prata. Agora, precisa devolver-me. Não sou uma pessoa irresponsável ou negligente. Tudo o que faço, faço seriamente. Você tem de pagar-me. Agora, aqui estão dez mil talentos de prata. Leve isso à minha casa amanhã e pague seu débito. Assim, você pode pegar sua nota promissória de volta”. Eu deveria esperar que indo à sua casa com o dinheiro no dia seguinte, poderia resgatar a promissória. Mas suponha que após devolver-lhe o dinheiro, ele diga que, porque o dinheiro me fora dado no dia anterior, ele não me devolverá a nota. Ele pode fazer tal coisa? Quando eu lhe der o dinheiro, será que ele tem o direito de não me devolver a nota promissória? Não. Ele tinha o direito de não me dar o dinheiro no dia anterior. Se ele não me tivesse dado o dinheiro, no máximo, eu poderia dizer que ele não me ama. Não posso dizer nem uma palavra a mais. Mas se ele me deu o dinheiro, e eu o paguei, ele seria injusto se ainda mantivesse a nota; não é simplesmente uma questão de não me amar. Se ele for justo, ele tem de me dar a nota quando lhe devolvo o dinheiro.

Deus é Obrigado a Perdoar-nos por Causa da Justiça

Portanto, antes de o Senhor Jesus vir à terra e ser morto na cruz, seria correto Deus recusar-se a nos salvar. Deus podia não nos salvar. Se Deus não nos tivesse dado Seu Filho, tudo o que podíamos dizer era que Deus não nos amava. Nada poderíamos dizer além disso. Mas porque Deus verdadeiramente nos deu Seu Filho e pôs nossos pecados sobre Ele a fim de que pudéssemos ser redimidos de nossos pecados, Deus nada pode fazer senão perdoar nossos pecados quando nos achegamos a Ele por meio do sangue do Senhor Jesus e mediante Sua obra. Aleluia! Deus tem de perdoar nossos pecados! Você percebe que Deus é obrigado a nos perdoar? Se vai a Deus por intermédio de Jesus Cristo, Deus é obrigado a perdoar seus pecados. Foi amor que levou Seu Filho à cruz, mas foi justiça o que levou Deus a nos perdoar.

João 3:16 diz: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito”. Por amor, Deus nos deu Seu Filho Unigênito. Mas em 1 João 1:9 é dito: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. A obra da cruz foi cumprida para nós mediante o amor de Deus. Mas hoje quando vamos a Deus por meio da obra consumada de Jesus Cristo, Deus tem de nos perdoar baseado em Sua fidelidade e justiça.

Assim, se o Senhor Jesus não tivesse vindo, Deus estaria desobrigado de nos salvar. Mas agora que o Senhor Jesus foi morto, mesmo que Deus não tivesse prazer em salvar-nos, rigorosamente falando, Ele ainda teria de fazê-lo. Se Ele recebesse o dinheiro poderia recusar-se a devolver a nota promissória? Deus não pode ser injusto, porque se for injusto, Ele próprio se torna um pecador. Por isso, Deus é obrigado a perdoar a todos os que vêm a Ele por meio do sangue do Senhor Jesus. Aleluia! Deus não pode recusar-se a perdoá-los. Quero gritar que isso é o evangelho! Uma vez que Deus nos deu Seu Filho, Ele se comprometeu. Você pensa que podemos restituir a Deus agora? Hoje, por meio do Senhor Jesus, não apenas podemos pagar a Deus, mas temos mais do que precisamos para pagá-Lo. Temos um excedente; pois onde o pecado é abundante, a graça é superabundante. O pecado é abundante. Mas a graça no Filho de Deus é mais abundante, até mesmo superabundante. Por essa razão é que unicamente por meio do Senhor Jesus podemos ser salvos.

Cada um deve admitir que não há nada injusto com Deus quando vamos a Ele por meio do Senhor Jesus e quando Ele nos dá vida e perdoa nossos pecados. O nosso coração nunca pode dizer que Deus, ao perdoar nossos pecados, salvou-nos ilicitamente quando deixou impunes nossos pecados, tolerando e justificando aos que crêem em Jesus. Nunca podemos dizer que Deus lidou irresponsavelmente com nossos pecados. Pelo contrário, devemos dizer que Deus nos salvou do modo mais justo. Nossa salvação é uma salvação adequada e íntegra. Os nossos pecados foram julgados; portanto, fomos salvos. Ninguém pode dizer que Deus nos salvou adotando procedimentos injustos. Antes, devemos dizer que Deus nos salvou pelos mais justos procedimentos.

A Justiça de Deus Manifestada à Parte da Lei

Agora vamos voltar a Romanos 3. Os versículos 19 a 26 são uma passagem bastante difícil na Bíblia. Mas após termos visto sobre a justiça de Deus e a justiça que o Senhor Jesus cumpriu, Romanos 3:19-26 é maravilhoso. O versículo 19 diz: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz, para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus”. Por que Deus deu a lei ao homem? Ela foi dada para que o homem nada tivesse a dizer diante de Deus, para que toda boca pudesse ser fechada. Deus quer mostrar ao homem que todos são pecadores e que todos pecaram. Não há um que seja bom. O versículo 20 diz: “Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”. O propósito final e máximo da lei de Deus foi mostrar ao homem que ele é um pecador. O propósito da lei não foi para que o homem fosse salvo por meio dela. A lei tem um tom totalmente condenatório. A lei diz que o homem deveria ser condenado, deveria morrer e deveria perecer.

Se a questão parasse aqui, não haveria evangelho e tudo estaria terminado. Mas a questão não pára aqui. O homem não pode viver pela lei, mas Deus tem outros meios. Se você não puder devolver o dinheiro, Deus tem outras maneiras para devolvê-lo por você. As duas primeiras palavras no versículo 21 são maravilhosas; elas demonstram uma grande virada nessa questão: “Mas agora”. Graças ao Senhor porque há essa virada! “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus”. A justiça de Deus foi originalmente manifestada na lei. Mas se esse fosse o caso agora, estaríamos condenados. Que significa dizer que a justiça de Deus foi manifestada na lei? Significa que tudo o que você devia a Deus, você tinha de pagar. Se pecasse, você tinha de perecer. Se transgredisse, você deveria ir para a perdição. Assim, a lei deveria manifestar a justiça de Deus. Punir os pecadores seria a atitude mais justa que Deus deveria ter. Mas, graças ao Senhor, a justiça de Deus não é mais manifestada na lei. Se Sua justiça fosse manifestada na lei, Deus teria de julgar os pecadores. Mas a justiça de Deus se manifesta sem lei, e sendo assim, o julgamento recai sobre o próprio Deus. O final do versículo 21 diz: “Testemunhada pela lei e pelos profetas”. Mesmo os profetas no Antigo Testamento, incluindo Davi e todos os outros profetas, testificaram a mesma coisa.

Como a justiça de Deus é manifestada? O versículo 22 diz: “Justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção”. Mas já que todos pecaram e carecem da glória de Deus (v. 23), como podemos obter a graça de Deus? Os versículos 24 e 25 dizem que somos “justificados gratuitamente (…) mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação”. Deus enviou Jesus para redimir-nos de nossos pecados e O propôs como propiciação. Creio que todos nós sabemos o que é o propiciatório. O propiciatório é a tampa da arca no tabernáculo do Antigo Testamento; foi o lugar onde Deus concedeu graça ao homem. Todo lugar na terra é manchado pelo pecado. Mas esse lugar, e somente esse lugar, é sem pecado. Agora Jesus tornou-se o propiciatório. Como Ele se tornou tal lugar? Por meio de Seu sangue como garantia. Deus propôs Jesus como o propiciatório e, agora, pelo sangue de Jesus, posso achegar-me a Deus por fé. Deus não pode fazer outra coisa senão derramar graça sobre mim. Somente após Deus ter feito isso, posso dizer que Sua tolerância e Seu deixar os pecados impunes no Antigo Testamento foram justos; e somente após Deus ter feito isso, posso dizer que o fato de justificar os que crêem em Jesus no Novo Testamento também é justo. Somos salvos hoje não porque Deus encobriu nossos pecados, mas porque Deus tratou com nossos pecados. Diante de Deus, não somos devedores perdoados, mas devedores quitados que estão perdoados.

Isso é algo muito precioso na Bíblia. Essa é a única maneira de nós, cristãos, podermos ter ousadia diante de Deus. Você já percebeu que por mais precioso que o amor seja ele nunca é confiável? Você não pode levar uma pessoa ao tribunal só porque ela não o amou por alguns dias. Num tribunal não há tal coisa como o amor. Mas se a injustiça ocorrer ou se o pecado surgir, a lei falará. Deus gosta de nos dar uma ajuda, algo para nos agarrarmos. Por meio de tal ajuda, nossa fé pode ser fortalecida e as promessas de Deus podem ser cumpridas em nós. Essa ajuda é o Senhor Jesus Cristo. Deus sabe que podemos duvidar; assim, Ele trabalha a fé em nós por intermédio de Seu Filho. Podemos dizer-Lhe: “Deus, uma vez que me deste Teu Filho e permitiste que Ele morresse, deves perdoar os meus pecados”.

Algumas vezes, ouvimos as pessoas orando: “Ó Deus, quero ser salvo. Por favor, salve-me! Pequei, mas estou determinado a ser salvo. Por favor, seja misericordioso para comigo e faça o Senhor Jesus morrer por mim”. Quando tais pessoas oram, elas podem chorar amargamente. Elas agem como se o coração de Deus fosse muito duro e crêem que antes que Deus possa perdoá-las ou voltar-lhes Seu coração, elas têm de chorar muito. Os que oram desse modo, não sabem o que é o evangelho. Se o Filho de Deus não tivesse vindo à terra, seu choro e súplica diante de Deus poderiam funcionar. Mas o Filho de Deus veio e o problema do pecado foi resolvido. A obra redentora na cruz foi cumprida. Quando as pessoas vão a Deus, não há mais necessidade de pobres lamúrias. Uma vez que Deus nos deu Seu Filho, Ele pode perdoar os pecados por meio do Filho. Ele é fiel para fazê-lo; Ele não está sendo mentiroso ao fazer isso. E Ele é justo ao fazê-lo; nada há de injusto aqui. Quando a justiça está envolvida, a fidelidade também está.

A maioria das pessoas hoje é ignorante; primeiro quanto à justiça de Deus e depois quanto ao fato de que o Senhor Jesus cumpriu a justiça de Deus. As pessoas não sabem que a justiça de Deus é manifestada sem lei. Elas ainda tentam exercer justiça diante de Deus. Elas são como o homem que deve dez mil talentos. Não há absolutamente como pagar o débito. O homem ainda tenta economizar alguns centavos descendo do bonde uma parada antes, esperando assim economizar para pagar sua dívida. Ele ainda está calculando, esperando economizar um pouco aqui ou ali, fazer isto ou aquilo, a fim de conseguir um pouco de dinheiro para pagar a dívida. Ele ainda quer dizer ao seu credor que embora deva dez mil talentos, tem alguns centavos consigo. Ele não percebe que a soma total já foi enviada à sua casa.

O homem não tem idéia do que Deus realizou por intermédio de Seu Filho. Por isso, o apóstolo Paulo nos diz qual atitude o homem deve tomar. Com respeito à justiça de Deus, precisamos atentar para duas passagens na Bíblia. A primeira passagem está em Romanos 10. Os versículos 3 e 4 dizem: “Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê”. Eu amo estes dois versículos. Quando lemos tais versículos relacionados com o evangelho, nosso coração deve animar-se. Esses versículos dizem que os judeus não sabiam que a justiça de Deus tinha sido firmada; eles ainda estavam procurando estabelecer sua própria justiça. Eles faziam o máximo que podiam para ser bons, para trocar suas obras pela salvação e para trocar sua justiça pela vida e tudo o que Deus lhes tem dado. Mas Paulo disse que todos os que procuram estabelecer a sua própria justiça não se sujeitam à justiça de Deus. Não se sujeitar à justiça de Deus é não se sujeitar à obra que Deus cumpriu em Seu Filho Jesus. A justiça de Deus é consumada em Seu Filho Jesus. A cruz de Jesus é tanto uma manifestação do amor de Deus como o cumprimento da justiça de Deus. Na cruz de Jesus, a justiça de Deus foi cumprida. Se algum homem quiser estabelecer sua justiça hoje, ele estará negando a suficiência da obra do Senhor na cruz. Nunca pense que podemos acrescentar algo à obra que o Senhor Jesus cumpriu. Nunca pense que podemos ajudá-la ou remendá-la um pouco. Todos os que buscam estabelecer sua própria justiça não se sujeitam à justiça de Deus. Se alguém envia uma soma de dinheiro à minha casa para pagar um empréstimo que me fez e ainda tento economizar alguns trocados para saldá-lo, eu realmente estou desprezando o que ele me deu. Todos os que buscam estabelecer sua própria justiça estão blasfemando contra Deus.

Por que “o fim da lei é Cristo”? O fato de Cristo ser o fim da lei significa que Cristo inclui tudo o que a lei tem. Em outras palavras, Deus não lhe deu somente dez mil talentos; todo o dinheiro do mundo foi dado a você. Como pode você economizar uns poucos trocados? O fim da lei é Cristo. Como achará outra justiça maior? Se um homem é muito grande e ocupa toda a cadeira, será que você pode apertar-se com ele na mesma cadeira? O fim da lei é Cristo. Como você vai estabelecer sua justiça? Louvamos ao Senhor porque Ele nos deu o melhor! Gostaria de dizer uma palavra forte numa maneira mais reverente: Deus “esgotou” Sua onipotência em Seu Filho Jesus. O fim da lei é Cristo. Todo o que crer Nele deve receber justiça. Os que crêem em Jesus são obrigados a receber. Não há possibilidade de não receberem. Eu gosto dessa idéia. É impossível não sermos salvos. Deus nos deu Seu Filho, o qual não apenas possui o pouco que você necessita, mas possui todas as coisas. Deus nunca pode desamparar-nos, os que cremos em Seu Filho. Deus não tem como nos rejeitar. Todos os que vão a Deus por meio do Filho devem receber justiça. Não há o que discutir; a garantia é certa.

A outra passagem da Escritura é 2 Coríntios 5:21. Nós fomos salvos, mas ainda vivemos como humanos. É verdade que agora estamos salvos e que nossos pecados estão perdoados, mas que fazer enquanto vivemos na terra? Hoje somos todos cristãos e somos todos filhos do Senhor. Observando Seus filhos, Deus declara algo mais espantoso aqui: “Àquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós”. Deus fez o Senhor Jesus pecado. Originalmente, o Senhor Jesus era completamente sem pecado; Ele nada tinha a ver com o pecado. Agora, Deus O julgou enquanto julgava o próprio pecado. Deus O julgou dessa forma “para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Hoje, no Senhor Jesus Cristo, você e eu somos o exemplo da justiça de Deus. Quando as pessoas nos vêem, elas vêem a justiça de Deus. Porque o Senhor Jesus se tornou pecado por nós e carregou os nossos pecados para nos perdoar, nós, os pecadores, tornamo-nos agora a justiça de Deus no Senhor Jesus Cristo. Somos a justiça viva de Deus andando na terra. Em Cristo, somos os representantes da justiça de Deus.

Se você não sabe o que é a justiça de Deus, tudo o que precisa fazer é encontrar uma pessoa salva e dar uma boa olhada nela. Você então saberá o que é a justiça de Deus. Se quiser conhecer a justiça de Deus, basta encontrar um cristão e saberá que Deus não lida com os nossos pecados irresponsavelmente. Ele fez pecado Àquele que não conheceu pecado. Porque o Senhor Jesus morreu, a obra da redenção foi cumprida. Estarmos hoje no Senhor Jesus é uma expressão da justiça de Deus. Quando uma pessoa vê alguém que crê no Senhor Jesus, ela vê a justiça de Deus. Se alguém quiser conhecer a justiça de Deus, posso levantar-me e dizer: “Simplesmente olhe para mim. Deus me ama muito. Ele me ama ao máximo. Ele não é negligente com o pecado. Eis por que Ele levou o Senhor Jesus a morrer na cruz. Olhe para mim, um pecador salvo hoje. Eu sou uma amostra da justiça de Deus em Cristo”.

Hoje, nós proclamamos duas grandes verdades ao mundo. Todas as duas são o que o mundo desesperadamente necessita. A primeira é que Deus ama ao homem. Esse é um fato maravilhoso. Mas não é tudo. A outra grande verdade é que Deus em Sua justiça perdoou os pecados do homem. Agora o homem pode vir a Deus com toda intrepidez e cheio de fé, lembrando-O de que Ele perdoou seus pecados.

Finalmente, gostaria de fazer uma pergunta. Por que há a parábola do filho pródigo em Lucas 15? Parece que falta algo nessa parábola. Após o rapaz desperdiçar seus bens e voltar para casa, o pai realmente deveria amá-lo, mas deveria ter dito pelo menos algumas palavras de repreensão ao filho, talvez algo assim: “Você tomou todos os seus bens e os gastou; agora até seu estômago está vazio”. Mas o pai não disse nenhuma palavra como essa. Não é de se admirar que o filho mais velho dissesse algo. Até nós temos algo a dizer. Não é injustiça quando há pecado e ele não é tratado? Se Lucas 15 tivesse apenas a parábola do filho pródigo, concluiríamos que Deus não é justo, que Deus não julgou o pecado, mas que o encobriu. Na parábola do filho pródigo, não há algo como uma palavra de repreensão. Mas graças ao Senhor que há três parábolas em Lucas 15. A primeira é a parábola do pastor salvando a ovelha. A segunda é a da mulher procurando a dracma perdida. A terceira é a do pai recebendo o filho pródigo. Já na primeira parábola, temos o bom pastor dando sua vida pela ovelha. O Senhor Jesus já veio e morreu. O pecado do pródigo já foi julgado na primeira parábola. Em razão do que aconteceu na primeira parábola, há a segunda, na qual uma mulher acende uma candeia para procurar a dracma perdida. Uma vez que o Senhor Jesus cumpriu a salvação, o Espírito Santo pode vir iluminar-nos com Sua luz. Depois disso, o Pai não vê mais o problema do pecado. O problema do pecado foi esclarecido na parábola do pastor dando sua vida pela ovelha. E mais, a percepção interior foi iluminada na parábola da mulher acendendo a candeia. Os erros já foram percebidos. Quando o Pai vem, tudo o que Ele precisa fazer é dar as boas vindas ao pródigo. O Senhor Jesus perdoou nossos pecados. O Espírito Santo nos iluminou e nos convenceu do pecado, da justiça e do juízo. Assim, quando o Pai vem, a questão do pecado não precisa mais ser mencionada; Ele somente tem o trabalho de nos dar as boas-vindas. Nas duas parábolas anteriores, a justiça de Deus assim como Seu amor já se manifestaram.

Suponha que uma pessoa ainda não tenha se achegado a Deus, mas vê que é um pecador e reconhece que o Senhor Jesus julgou seus pecados. O bom Pastor levou seus pecados embora e o Espírito Santo o iluminou a respeito deles. Quando tal pessoa volta para casa, ela tem de perceber que a questão do pecado acabou para sempre; foi tratada na cruz. Lembre-se de que a casa do Pai não é lugar para se falar sobre pecado. Não é lugar para se falar sobre nosso desperdício. A cruz é o lugar para se falar sobre pecado; é o lugar para se falar sobre a nossa queda. Se você estiver em casa, Deus pode mui justamente não preferir falar sobre seus pecados. Podemos comer e beber para deleite de nosso coração. Podemos viver, usar as vestes mais caras, descansar e festejar para o deleite do nosso coração. Deus disse que uma vez estivemos perdidos, mas agora fomos achados; que uma vez estivemos mortos, mas agora voltamos para a vida. Não há mais problemas aqui. Aleluia! A graça de Deus é-nos suficiente. Desse modo, percebemos que a graça de Deus é fiel e justa.

A Justiça da Salvação

Uma coisa que devemos saber é que antes de o Senhor Jesus morrer, seria injusto Deus perdoar nossos pecados, mas depois da Sua morte seria igualmente injusto Deus não perdoar nossos pecados. Sem a morte do Senhor Jesus, o perdão de Deus seria injustiça de Sua parte; Ele nunca poderia fazê-lo. Com a morte do Senhor Jesus, Ele continuaria igualmente injusto se não quisesse perdoar. Por favor, lembre-se, uma redenção sem sangue é injusta. Por outro lado, quando alguém tem o sangue e lhe é negada a salvação, isso também é injusto.

Uma vez, fui com um irmão a Quiuquiam. Enquanto estávamos viajando no barco e partilhando a Palavra com outros, comecei a falar com uma pessoa sobre nossa fé. Ao mesmo tempo, nosso irmão falava com outra pessoa, que era muçulmana. Durante a conversa, nosso irmão perguntou ao homem se ele tinha algum pecado. O homem tentou dizer-lhe quão bom é o islamismo e quão grande foi Maomé. Mas nosso irmão disse: “Não estou lhe perguntando sobre essas coisas. Minha pergunta é esta: ‘Você tem algum pecado?’ Ele confessou que sim. Nosso irmão então lhe perguntou: “Então, que vai fazer sobre isso? Há algum modo de você ser perdoado?” O homem respondeu que se ele quisesse ser perdoado, tinha de sentir remorso no coração e fazer o bem, e fazer isto e aquilo e muitas outras coisas. Depois que o homem relacionou todas as coisas que deveria fazer, nosso irmão disse: “Este é exatamente o ponto da controvérsia. Você disse que quando alguém peca, o remorso pode trazer-lhe o perdão. Mas eu digo que quando alguém peca deve haver punição. Sem punição, não pode haver perdão. Você acha que um sentimento de remorso trará perdão a alguém. Mas digo que o perdão somente vem pelo julgamento. Se eu pecar nesta cidade e fugir para um país distante, posso ter remorso lá e praticar muita caridade. Posso ser um bom homem lá. Mas nada disso removerá meu pecado. Seu Deus é um Deus que perdoa sem julgamento. Mas meu Deus é um Deus que perdoa somente após julgar”. O muçulmano então perguntou: “Então, como você pode ser perdoado?” “É por isso que”, disse nosso irmão, “você precisa crer em Jesus. Somente crendo em Jesus você será perdoado. Seus pecados foram julgados no Senhor Jesus e quando crer Nele, você será perdoado”. Aqui está a justiça de Deus. Hoje os homens consideram se Deus é amor ou não. Eles não percebem que Deus não é apenas amor, mas Ele também é justo. Não é que Deus queira somente perdoar os pecados do homem. Ele tem de perdoá-los de maneira que não conflitem com Sua natureza e Sua justiça. É isso que os homens não vêem.

As Aplicações da Justiça de Deus

Devemos agora perguntar: como a justiça de Deus é aplicada a nós? A justiça de Deus é aplicada a nós de duas formas. A justiça de Deus pode primeiro ser aplicada dando paz ao nosso coração. Os sentimentos são indignos de confiança; por isso, podemos não confiar nos sentimentos de Deus. O amor é igualmente indigno de confiança. Se o amor de alguém mudar, ninguém pode culpá-lo ou culpá-la por isso. Mas podemos valer-nos da justiça e fazer reclamações baseados na justiça. Se Deus somente nos ama, Ele pode poupar-nos do julgamento dos pecados ou pode deixar-nos facilmente, se for algo que Ele consiga fazer. Mas como será se um dia Deus não estiver mais satisfeito conosco e não quiser continuar conosco? Se Deus não nos amasse mais e se tornasse bravo e insatisfeito conosco, nós sofreríamos. Sob tais circunstâncias, não poderíamos ter qualquer segurança a respeito de Deus e nosso coração nunca estaria em paz. Mas agora que Deus nos deu Sua justiça, estamos em paz, pois sabemos que nossos pecados foram julgados na pessoa de Cristo. Assim, podemos ter uma consciência ousada e uma segurança definitiva quando nos achegamos a Deus, e nosso coração pode ter paz. A paz não pode ser obtida pelo amor; a paz somente pode ser obtida por meio da justiça. Embora, em realidade, o amor de Deus seja confiável, do ponto de vista humano, ele não é tão confiável quanto a justiça de Deus. Logo que uma pessoa começa a crer em Deus, ela deve aprender a confiar mais em Sua justiça do que em Seu amor. Mais tarde, enquanto progride, ela deve aprender a confiar mais no amor de Deus do que em Sua justiça. Tal confiança pertence a um estágio avançado da vida cristã. Essa é a vida de pessoas como Madame Guyon. Mas, no começo, devemos tomar a justiça como a base de nossa fé. Sem justiça, a fé não tem base. Graças a Deus que nossos pecados foram perdoados. Agradecemos-Lhe porque Ele nunca mais nos julgará. Como o hino diz:

Não cobra duas vezes Deus:
Primeiro de Seu Filho e
Depois então de mim.
Nosso coração está tranqüilo, pois nossos pecados foram julgados.

A justiça de Deus tem outra aplicação: Ela nos leva a perceber a repugnante natureza do pecado. A fim de preservar Sua justiça, Deus se dispôs até mesmo a sacrificar Seu Filho na cruz. Deus preferiu antes sacrificar Seu Filho à Sua justiça, Sua verdade e Sua lei. Deus não faria algo que fosse contrário à Sua natureza. Assim, podemos ver quão repugnante é o pecado. Se Deus não pode ser indiferente ao pecado e prefere antes julgar Seu Filho para tratar com o pecado, também não podemos ser indiferentes em relação ao pecado. Aos olhos de Deus, Seu Filho pode ser sacrificado, mas o pecado não pode deixar de ser tratado. Todo o que crê no Senhor Jesus deve ver então que nenhum pecado pode ser ignorado. A atitude de Deus em relação ao pecado é muito rígida. Agora todos os nossos pecados estão perdoados. O Senhor Jesus morreu, fomos perdoados, e todas as coisas estão resolvidas. Neste ponto, gostaria de fazer mais uma ilustração. Um dia, eu estava no Parque Hsiao-feng lendo minha Bíblia. De repente, o céu escureceu e houve um trovão. Parecia que ia chover imediatamente. Fechei a Bíblia rapidamente e corri até uma pequena casa atrás do parque. Mas pouco depois a chuva ainda não havia chegado e, então, fui para casa apressadamente. A caminho de casa, o céu ainda estava bem escuro; trovejava e as nuvens estavam muito carregadas. Ainda assim a chuva não caiu. Nenhuma gota caiu sobre mim em todo o caminho para casa. Em outra ocasião, algum tempo mais tarde, fui de novo ao mesmo parque para ler. Dessa vez, também o céu escureceu como da vez anterior. Começou a trovejar novamente e as nuvens estavam pesadas e densas. Então, considerei minha experiência anterior, fiquei calmo e caminhei lentamente. Mas infelizmente, dessa vez, a chuva veio e me molhei. Não tive escolha a não ser correr para a pequena casa outra vez. Quando cheguei na casa, a chuva desabou. Não sabia quão forte a chuva seria. Mas, finalmente, o céu clareou, as nuvens se dispersaram, cessaram os trovões e voltei para casa. Dessa vez, assim como na anterior, não caiu uma gota de chuva enquanto voltava para casa. Mas deixe-me fazer-lhe uma pergunta: Em qual ocasião meu coração teve mais paz? Em ambas as ocasiões a chuva não caiu sobre mim quando eu voltava para casa. Mas em qual das vezes tive mais paz? Foi da primeira ou da segunda vez? Embora na primeira vez não tenha chovido a caminho de casa, não sabia quando a chuva viria; em decorrência disso, meu coração ficou de sobreaviso. Na segunda ocasião, também não houve chuva a caminho de casa, mas meu coração estava em paz, porque a chuva já tinha passado e o céu estava claro. Muitas pessoas esperam que a graça de Deus encubra seus pecados. Elas são como eu em minha primeira volta ao lar. Embora não haja chuva, a escuridão ainda se mantém, troveja e as nuvens são densas. Seu coração ainda fica ansioso. Elas não sabem o que lhes acontecerá. Mas graças ao Senhor, pois a salvação que recebemos é algo que já “passou pela chuva”. É uma salvação que “passou pelo trovão”. Nossa “chuva” já foi derramada no Calvário, e nosso “trovão” já aconteceu no Calvário. Agora, tudo passou. Regozijamo-nos não somente porque nossos pecados foram perdoados, mas porque eles foram perdoados após terem sido tratados. Eles não foram encobertos. Deus tratou com o problema dos nossos pecados. A ressurreição de Seu Filho tornou-se a evidência dessa obra. Hoje é dia de graça. Mas devemos lembrar-nos de que a graça reina pela justiça (Rm 5:21). A graça não pode vir diretamente; ela deve vir pela justiça. A graça de Deus não vem a nós diretamente. Ela vem a nós pelo Calvário. Hoje, alguns dizem que se Deus nos ama, Ele pode perdoar-nos sem julgamento. Isso seria a graça reinando sem justiça. Mas a graça está reinando pela justiça. A graça precisa da justiça do Calvário antes de poder reinar. Hoje, nosso receber da graça está unicamente baseado na justiça de Deus. Nossos pecados são perdoados após terem sido tratados. Quando vemos a cruz, é correto dizer que ela é a justiça de Deus. É também certo dizer que ela é a graça de Deus. A cruz significa a justiça de Deus e ela também significa a graça de Deus. Para Deus, a cruz é justiça; para nós, ela é graça. Hoje quando vemos a cruz, nosso coração descansa, pois sabemos que a graça que recebemos foi recebida mediante a maneira justa de Deus. Sabemos que a nossa salvação é clara, completa, adequada e justa. Nossa salvação não vem mediante contrabando ou fraude. Pelo contrário, ela vem pelo julgamento sobre o pecado. Louvado seja o Senhor! A cruz resolveu o problema do pecado e a ressurreição confirmou que a solução é de fato verdadeira.

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Vida cristã

A maior necessidade do cristão

Há algo que o cristão precisa mais do que qualquer outra coisa, algo em que todas as outras descansam e para a qual todas as outras se tornam. Pela Palavra de Deus somos informados que, com certeza, “não sabemos como devemos orar, mas o Espírito intercede por nós” (Rm. 8:26). Ele sabe o que precisamos e intercede por nós e em nós. Ele nos ensina a orar, e em Efésios 1:17 lemos a oração para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, nos conceda o Espírito de sabedoria e revelação, para que O conheçamos melhor. Esta é nossa maior necessidade: um verdadeiro conhecimento de Deus. Se o Espírito Santo coloca isso antes de todas as outras coisas, deve ser porque é mais importante do que qualquer outra. Isso está colocado no fundamento da fé cristã, na entrada da vida cristã. É a essência de toda a confiança. Por que não confiamos em Deus? Porque não O conhecemos! Esse conhecimento de Deus é nossa maior necessidade, o primeiro passo de nossa trajetória cristã. Nossa confiança será sempre apenas proporcional ao nosso conhecimento.

(E. W. Bullinger)

Antes do fim deste dia ainda há tempo de conhecer um pouco mais nosso Senhor e, como resultado, confiar um pouco mais Nele. Suas mãos são as mais recomendadas para conduzir nossa vida.
Tenha uma boa noite!

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Igreja Vida cristã

Doze Conselhos Importantes Para Aqueles Que Desejam Ser Líderes na Casa de Deus

Watchman Nee

1) Aprendam a amar os outros, a pensar no bem deles, a ter cuidado por eles, a negar-se a si próprios por causa deles e a dar a eles tudo o que têm. Se alguém não consegue negar-se a si próprio em beneficio dos outros, ser-lhe-á impossível conduzir alguém no caminho espiritual. Aprendam a dar aos outros o que você tem, ainda que se sinta como se nada tivesse. Então o Senhor começará a derramar-lhe a Sua bênção.

2) A força interior de um líder deveria equivaler à sua força exterior. Esforços em demasia, avanços desnecessários, inquietações, apertos, tensões, falta no transbordar, planos humanos e avanços na frente do Senhor, são todas as coisas que não devem ocorrer. Se alguém está cheio de abundância em seu interior, tudo o que emana dele é como o fluir de correntes de águas, e não existem esforços demasiados de sua parte. É preciso ser de fato um homem espiritual, e não simplesmente se comportar como um.

3) Ao fazer a obra de Deus aprenda a ouvir os outros. O ensinamento de Atos 15 consiste em ouvir, isto é, ouvir o ponto de vista de outros irmãos porque o Espírito Santo poderá falar por meio deles. Seja cuidadoso,, pois ao recusar ouvir a voz dos irmãos, você poderá estar deixando de ouvir a voz do Espírito Santo. Todos aqueles envolvidos em liderança devem assentar-se para ouvi-los. Dê a eles oportunidades ilimitadas de falar. Seja gentil, seja alguém quebrantado e esteja pronto para ouvir.

4) 0 problema de muito líderes é não estarem quebrantados. Pode ser que tenham ouvido muito, a respeito de serem “quebrantados” porem não possuem revelação dessa verdade. Se alguém está quebrantado, não tentará chegar as suas próprias decisões no que toca a questões importantes ou aos ensinamentos, não dirá que é capaz de compreender as pessoas ou de fazer coisas, não ousará tomar para si a autoridade ou impor a sua própria autoridade sobre os outros, nem aventurar-se-á a criticar os irmãos ou tratá-los com presunção. Um irmão quebrantado não tentará auto defender-se nem remoer-se por algo que ficou para traz.

5) Não deve existir nas reuniões nenhuma tensão, tampouco na Igreja. Com respeito às coisas da Igreja aprenda a não fazer tudo você mesmo. Distribua as tarefas entre os outros e os leve a aprender a usar suas próprias capacidades de executar. Em primeiro lugar, você deve expor-lhes resumidamente os princípios fundamentais a seguir e depois se certificar de que agiram de acordo. É um erro fazer você fazer muita coisa. Evite também aparecer demais na reunião, caso contrário os irmãos poderão ter a sensação de que você está fazendo tudo sozinho. Aprenda a ter confiança nos irmãos e a distribuí-la entre eles.

6) O Espírito de Deus não pode ser coagido na Igreja. Você precisa ser submisso a Ele pois, caso contrário, quando Ele cessar de ungi-lo a Igreja se sentirá cansada ou até mesmo enfadada. Se o meu espírito estiver forte em Deus, ele alcançará e tomará a audiência em dez minutos; se estiver fraco não adiantará gritar palavras estrondosas ou gastar um tempo mais longo, o que inclusive com certeza será prejudicial.

7) Ao pregar uma mensagem, não a faça demasiadamente longa ou trabalhada, caso contrário o espírito dos santos sentir-se-á enfadado. Não inclua pensamentos superficiais ou afirmações rasteiras no conteúdo da mensagem; evite exemplos infantis, bem como raciocínios passíveis de serem considerados pelas pessoas como infantis. Aprenda concluir o ponto alto da mensagem dentro de um período de meia hora. Não imagine que, o fato de estar gostando de sua própria mensagem, significa que as suas palavras são necessariamente de Deus.

8 ) Uma tentação com que freqüentemente nos deparamos numa reunião de oração é querer liberar uma mensagem ou falar por tempo demasiado. Uma reunião de oração deve ser consagrada a oração, muito falatório levará à sensação, de sentir-se pesado, com o que a reunião se tornará um fracasso.

9) Os obreiros precisam aprender muito, antes de assumirem uma posição onde tenham de lidar com problemas ou com pessoas. Com um aprendizado inadequado, um conhecimento insuficiente, um quebrantamento incompleto e um juízo não digno de confiança, serão incompetentes para lidar com os outros. Não tire conclusões precipitadas; mesmo quando se está prestes a fazer algo deve-se fazê-lo com temor e tremor. Nunca trate com leviandade as coisas espirituais. Pondere-as no coração.

10) Aprenda a não confiar unicamente em seus próprios juízos. Aquilo que consideras correto pode ser errado e aquilo que consideras errado pode ser correto. Se alguém está determinado a aprender com humildade, levará, com certeza, alguns poucos anos para terminar de fazê-lo. Portanto, por enquanto, você não deve confiar demasiadamente em si mesmo ou estar muito seguro a respeito, do seu modo de pensar.

11) É perigoso para as pessoas da Igreja seguirem as suas decisões antes de você ter atingido o estado de maturidade. O Senhor operará em você para tratar seus pensamentos e para quebrantá-lo antes que você possa compreender a vontade de Deus e ser definitivamente ‘autoridade de Deus’. A autoridade se baseia no conhecimento da vontade de Deus. Onde não estiver sendo manifestado a vontade e o propósito de Deus, ali não há autoridade de Deus.

12) A capacidade de um servo de Deus com certeza será expandida porem pelo mesmo Deus que o capacitou. Descanse em Deus, ame-o de todo o coração. Jesus disse “sem mim nada podereis fazer”. A autoridade necessária para o desempenho do ministério é fruto de nosso relacionamento. Nunca olhe para dentro de você mesmo, pois isso poderia desanimá-lo. Porém jamais abra mão de:
– Intimidade com Deus, e
– O conselho dos sábios que Deus colocou na Igreja.

“Não fostes vós que me escolhestes, porem eu vos escolhi a vós e vos designei para que vades e deis frutos e o vosso fruto permaneça afim de que tudo o pedirdes ao Pai em meu nome Ele vos conceda” (Jo 15:16).

Extraído do livro “O Testemunho de Watchman Nee” e são partes de uma carta escrita em 10/03/1950 durante o período de vinte anos em que permaneceu preso pelo Regime Comunista Chinês.

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Encorajamento Vida cristã

Ouro em pó

Ele se derramou por nós, e ser conformados à Sua morte significa, portanto, que nós derramamos nossa vida pelos outros.

Campbell Morgan

Deus é amor, e aquele que aprendeu a viver no Espírito de amor aprendeu a viver e a habitar em Deus.

Andrew Murray

A vontade de Deus e a minha felicidade são sinônimos.

Evan Hopkins

Até a morte, terei empregado tudo o que existe em mim para amar o Senhor.

Irmão Lawrence

A cruz de Cristo é o coração de Deus quebrado pelo pecado. Ela nos fala que Deus, que tem de julgar e punir o pecado, salvará e perdoará o pecador.

Ruth Paxson

A marca de um santo não é a perfeição, mas a consagração. Um santo não é um homem sem faltas, mas um homem que se deu sem reservas a Deus.

Bispo Westcott

Somente na eternidade, purificados e livres das restrições do corpo de barro, é que os redimidos dentre os homens serão capazes de entender o pleno significado da Sua cruz de vergonha e cantar com a mais profunda adoração: “Digno és (…) porque foste morto” (Ap 5.9).

Jessie Penn-Lewis

Um cristianismo roubado da cruz é um cristinismo roubado da sua glória.

The Overcomer

Tudo em que Paulo se gloriava estava centralizado na cruz: não na Encarnação, mas na cruz; não no Exemplo Divino, mas na cruz; não na Segunda Vinda, mas na cruz; não em seus próprios trabalhos, sofrimentos e lágrimas, mas na cruz. O coração de toda revelação incide sempre sobre os estendidos braços da cruz.

The Overcomer

O amor do Senhor Jesus abrange toda a raça e, no entanto, ele me escolhe e se concentra em mim.

D. M. Panton

Minha vida é concentrada e controlada pela consciência de que alguém me ama com amor onipotente — todos os portões do céu não podem prevalecer contra ele; um amor onipresente — nunca há uma condição de vida na qual ele não se revela; um amor onisciente — alcançando as desconhecidas necessidades da alma.

S. H. Tyng

“Para mim o viver é Cristo.” Portanto, para mim agora nada é impossível, nenhuma tentação é inconquistável, nenhuma obra outorgada por Deus é impraticável, nenhuma coroa é inconquistável.

D. M. Panton

Que o Senhor nos leve não somente a ter mais da Sua vida, mas também menos de nós mesmos.

Watchman Nee

O Evangelho tem de ser antagonista a tudo o que é contrário a Deus.

C. A. Fox

A necessidade humana é a chave que destranca os celeiros da provisão de Deus para os filhos dos homens.

J. R. Miller

Nós precisamos de ventos e tempestades para exercitar nossa fé, para arrancar o ramo podre da auto-dependência e nos enraizar mais firmemente em Cristo.

C. H. Spurgeon

A incredulidade coloca as circunstâncias entre você e Cristo, de modo que você não O vê, como os discípulos que não O conheceram através da cerração e gritaram de medo. A fé põe Cristo entre você e as circunstâncias, de modo a não vê-las por causa da glória daquela luz.

F. B. Meyer

O Calvário é o machado de Deus lançado à raiz da árvore da primeira família. Adão é cortado. Um novo Homem sobe ao trono.

Autor desconhecido

O tomar a cruz é o fim das cruzes e o início do discipulado.

C. G. Trumbull

A cruz de Cristo me condena a me tornar um santo.

Um cristão bechuana

Esteja mais desejoso de ajuda interior e livramento do que da remoção da mão de Deus, quando Ele lançar aflição sobre você.

Robert Chapman

Por todo o caminho meu Salvador me conduz; que tenho eu para pedir além disso?

Fanny Crosby

Somente Deus pode satisfazer o coração humano.

Andrew Murray

Na criação de Deus, nosso coração foi feito para satisfazer a Deus, para ser preenchido com Deus. Se nosso coração está cheio com menos do que o próprio Deus, então, ele não será satisfeito.

C. H. Yu

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Vida cristã

Cinco Passos em Direção à Boa Terra da Obediência

Andrew Murray

Sabendo que Deus nos chama para entrarmos na boa terra de obediência total, permanece a pergunta: Como entrar nela? Quero oferecer cinco palavras como expressões da disposição de um coração confiante para entrar naquela boa terra: eu a vejo, eu a desejo, eu a espero, eu a aceito e eu confio em Cristo.

A Fé Vê

Necessitamos, em primeiro lugar, estabelecer a questão de maneira calma e definitiva.

Existe realmente uma tal terra da promessa onde constante obediência é certa e divinamente possível? Enquanto houver alguma dúvida sobre este ponto, é fora de questão subir e possuir a terra.

Pense, por um instante, na fé de Abraão. Era uma confiança que repousava em Deus, na sua onipotência e na sua fidelidade. Ouça esta promessa: “Dar-vos-ei coração novo… porei dentro em vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, guardeis os meus juízos e os observeis” (Ez 36.26,27).

Aqui está o compromisso de aliança de Deus. Ele completa: “Eu, o Senhor, o disse, e o farei” (v.36). Ele assume a responsabilidade de levar-nos a obedecer e de nos capacitar para isso. Em Cristo e no Espírito Santo, ele fez a provisão mais maravilhosa que se possa imaginar para o cumprimento da sua promessa.

Simplesmente faça o que Abraão fez – fixe o seu coração em Deus. “Mas, pela fé, se fortaleceu, dando glória a Deus, estando plenamente convicto de que ele era poderoso para cumprir o que prometera” (Rm 4.20,21). A onipotência de Deus era o esteio de Abraão. Faça com que seja o seu também. Olhe para todas as promessas que temos na Palavra de Deus de recebermos um coração puro, um coração firmado e irrepreensível em santidade, uma vida de justiça e santidade, um caminhar inculpável e agradável a Deus em todos os seus mandamentos, de Deus trabalhar em nós para efetuar tanto o querer como o realizar, e de operar em nós aquilo que é agradável à sua vista – e veja tudo isso com fé simples: Deus o disse; seu poder irá realizá-lo.

Esta vida de plena obediência é possível, está ao nosso alcance. Essa certeza precisa tomar conta de sua vida. A fé pode ver o invisível e o impossível. Maravilhe-se com a visão até que o seu coração diga:

“Tem de ser verdade. É verdade. Há uma vida prometida que ainda não conheci.”

A Fé Deseja

Quando leio o evangelho e vejo quão prontos estavam os doentes, os cegos e os necessitados para crerem na palavra de Cristo, freqüentemente eu me pergunto: O que eles tinham que os tornavam tanto mais preparados para isso do que nós? A resposta que eu encontro na Palavra é esta: a grande diferença estava na honestidade e na intensidade do desejo. Eles verdadeiramente desejavam libertação com todo o seu coração. Não havia necessidade de insistência para fazê-los desejar a bênção de Jesus.

Pena que é tão diferente conosco! Todos nós desejamos, de certa maneira, ser melhores do que somos. Mas quão poucos realmente “têm fome e sede de justiça”; quão poucos desejam intensamente e imploram por uma vida de total obediência e pela constante consciência de estarem agradando a Deus!

Não pode haver fé forte sem desejo forte. Desejo é o grande motivador do universo. Foi o desejo de Deus de nos salvar que o moveu a enviar o seu Filho. É o desejo que move os homens a estudarem, trabalharem e sofrerem. Só o desejo de salvação pode trazer um pecador a Cristo. É o desejo por Deus, pela mais íntima amizade com ele, e por ser exatamente o que ele quer que sejamos, que fará com que a terra prometida nos seja atraente. É isto que vai fazer com que abandonemos as demais coisas para conseguir tudo o que nos foi prometido e tornar a obediência de Cristo nossa de fato.

E como é que o desejo pode ser despertado? Olhando, à luz do Espírito de Deus, contemplando essa vida e vendo-a como possível, como certa, como divinamente assegurada e abençoada, até que a nossa fé comece a arder com desejo e digamos:

“Eu realmente desejo obtê-la. Com todo o meu coração vou buscá-la.”

A Fé Espera

É grande a diferença entre desejo e expectativa. Alguém pode ter um forte desejo pela salvação e, ao mesmo tempo, ter pouca esperança de realmente obtê-la. É um grande passo à frente quando o desejo passa a ser expectativa, e a pessoa começa a falar:

“Tenho certeza de que é para mim e, embora eu não o veja agora, tenho uma confiante expectativa de obtê-lo.”

A vida de obediência não é mais um ideal inatingível que Deus coloca diante de nós apenas para fazer com que nos esforcemos um pouquinho mais para alcançá-lo. Não! É uma realidade planejada por ele para que fosse experimentada em carne e sangue aqui na terra. Espere-a, como algo preparado com toda certeza para você. Cultive a expectativa de que Deus a torne experiência em sua vida.

Muitas coisas, na verdade, tendem a neutralizar essa expectativa: suas falhas no passado; seu temperamento ou circunstâncias desfavoráveis; a fragilidade da sua fé; sua dificuldade ao pensar no que essa entrega, essa disposição de ser obediente até a morte, pode exigir de você; sua consciência da falta de poder para isso – tudo faz com que você diga:

“Talvez seja para os outros, mas receio que não seja para mim.”

Eu lhe imploro que não fale dessa maneira. Falando assim, você deixa Deus fora da equação. Tenha expectativa de receber sua herança. Olhe para cima, para o poder e para o amor de Deus, e comece a dizer:

“Isto é para mim, sim!”

Tome coragem ao conhecer os santos de Deus do passado. Veja aqui um exemplo.

Desde a sua mocidade, Gerhard Tersteegen (um pregador pietista alemão, 1697-1769) buscava e servia ao Senhor. Tal era o desejo gerado pelo Espírito no seu interior, que abandonou carreira e negócios para poder buscar a Deus com mais empenho. Depois de algum tempo, a sensação da graça de Deus lhe foi retirada e, por cinco longos anos, viveu como um náufrago perdido no meio do mar, onde não aparecem nem sol nem estrelas. “Mas a minha esperança estava em Jesus.” De repente, brilhou nele uma luz que nunca mais se apagou.

A vida de crucificação com Cristo não se podia aprender, de acordo com sua nova luz, através de estudo ou instrução humana. Só podia ser ensinada pelo Espírito Santo. “É algo muito pequeno para Deus nos levar a encontrar em nossas almas, em um instante, sem esforço, aquilo que talvez tenhamos buscado exteriormente, por muitos anos e com muito empenho.”

O que ele encontrou? Uma nova visão do Salvador, como aquele que é todo-suficiente. “Jesus somente é suficiente”, ele aprendeu, “no entanto, é insuficiente quando não for abraçado como solução total e única.”

Ele escreveu com sangue das suas próprias veias uma carta para o Senhor Jesus, na qual disse:

Meu Jesus, reconheço que pertenço somente a ti, meu único Salvador e Noivo. Desta noite em diante, renuncio do meu coração todo direito e autoridade que Satanás injustamente me concedeu sobre mim mesmo. Esta noite tu rompeste as portas do inferno e abriste para mim o coração amoroso do Pai! Desta noite em diante, ofereço todo meu coração e todo meu amor a ti em eterna gratidão. A partir desta noite, e por toda eternidade, tua vontade, não minha, seja feita! Comanda, reina e governe sobre mim. Eu me entrego totalmente, sem reservas, e prometo, com a tua ajuda e poder, dar a minha última gota de sangue antes de consciente e voluntariamente, em meu coração ou vida, ser falso e desobediente a ti. Tu tens o amor do meu coração para ti mesmo e para mais ninguém. Teu Espírito seja meu guarda; tua morte, a rocha da minha segurança. Que teu Espírito sele o que foi escrito na simplicidade do meu coração.

Tua possessão indigna, Gerhard Tersteegen, 1724

Esta foi a sua obediência até a morte.

O mesmo Deus ainda vive. Você também pode experimentar a vida de obediência que vem por Cristo. Ponha a sua esperança nele. Ele o fará.

A Fé Aceita

Aceitar é mais do que esperar. Muitos caminham e esperam e nunca possuem porque não aceitam.

Se você ainda não aceitou, nem se sente pronto para aceitar, o que você precisa fazer é: ter expectativa! Porém, se houver uma expectativa de coração, e se for realmente uma expectativa focada no próprio Deus, certamente esta o guiará até a aceitação.

Agora se você já tem a expectativa, a palavra urgente para você é: Aceite! A fé tem o maravilhoso poder dado por Deus de dizer: “Eu aceito, eu tomo, é meu”.

É pela falta desta fé definida que se apropria da bênção espiritual desejada que muitas orações parecem ser infrutíferas. Para esse ato de fé, nem todos estão prontos.

Onde não existe verdadeira convicção do pecado da desobediência e, pior ainda, onde não há genuína tristeza por causa disso; onde não existe forte anseio ou propósito de realmente obedecer a Deus em tudo; onde não há interesse profundo na mensagem da Sagrada Escritura de que Deus quer nos “aperfeiçoar em todo bem” para cumprirmos a sua vontade, por ele mesmo operando em nós “o que é agradável diante dele” (Hb 13.21), também não haverá a capacidade espiritual para aceitar a bênção.

O cristão se contenta em ser um bebê. Ele quer somente sugar o leite da consolação. Não está pronto para comer o alimento forte que Jesus comeu, “fazendo a vontade do seu Pai.”

Mesmo assim, quero suplicar a todos: Aceite a graça para viver essa maravilhosa nova vida de obediência. Aceite-a agora. Sem isso, seu ato de consagração significará muito pouco. Sem isso, seu propósito de tentar ser mais obediente falhará. Deus já não lhe mostrou que há uma posição inteiramente nova para você aceitar – uma posição atingível de ter a simples obediência de criança, dia a dia, a cada ordem recebida pela voz do Espírito; uma posição atingível de ter a simples dependência de criança em sua graça todo-suficiente para executar essas ordens?

Oro para que, mesmo agora, você assuma essa posição, faça a sua entrega e aproprie-se da graça divina. Aceite a verdadeira vida de fé e entre na incessante obediência da fé. Que sua fé se torne tão ilimitada e segura quanto o são as promessas e o poder de Deus. Que sua simples obediência de criança seja tão ilimitada quanto a sua fé. Peça a Deus para ajudá-lo e aceite tudo o que ele já lhe ofereceu.

A Fé Confia em Cristo Para Tudo

“Porque quantas são as promessas de Deus tantas têm nele o sim; porquanto também por ele é o amém para glória de Deus, por nosso intermédio” (2 Co 1.20). É possível que, enquanto leu sobre a vida de obediência, tenham surgido perguntas e dificuldades para as quais você não tem uma resposta imediata. Pode parecer difícil para receber tudo isso ou para conciliar as verdades com seus velhos hábitos de pensamentos, palavras e ações. Você teme que não seja capaz de logo sujeitar tudo a esse princípio supremo que deve governar toda sua vida.

Para todas essas questões, há uma resposta, uma libertação de todos os temores: Jesus Cristo, o Salvador vivo, conhece tudo, e pede que você confie nele e se entregue totalmente à sua sabedoria e poder, a fim de poder sempre andar no caminho da obediência da fé

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Extraído de The School of Obedience (A Escola da Obediência), de Andrew Murray (1828-1917), ministro, missionário e autor na África do Sul.

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Vida cristã

Aos Pés da Cruz ou Crucificado Nela?

Fala-se e canta-se muito que devemos estar aos pés da cruz, não obstante as Escrituras não falarem absolutamente nada sobre isso. Ao contrário, as Escrituras afirmam que estamos crucificados com Cristo, ou, em outras palavras, que não ficamos lá embaixo, aos pés dela, mas, sim, em cima, de braços abertos. Mas nunca se ouve ninguém falando assim.

Embaixo, aos pés da cruz, pode ficar toda sorte de pessoas. Mas só se deixam dependurar nela aqueles que odeiam a sua própria vida até a morte e amam a Deus de todo o seu coração. São estes que, por meio da fé, tornam-se participantes da morte e da vida de Cristo, e querem caminhar em suas pisadas, não importa a que preço.
O perdão de seus pecados as pessoas podem obter também “aos pés da cruz”, embaixo, mas não a vitória sobre o pecado. Esta só se alcança lá em cima, dependurado. Os que ficam aos pés da cruz podem pecar, mas os que estão lá em cima, não.

Que os olhos de muitos sejam abertos nestes dias, para que vislumbrem o glorioso mistério da fé!

(Elias Aslaksen, in Estou Crucificado com Cristo, La Vida, 1988, traduzido do alemão)

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Estudo bíblico

O primeiro pecado do homem

Watchman Nee

Gn 2:9 “E o Senhor Deus fez brotar da terra toda qualidade de árvores agradáveis à vista e boas para comida, bem como a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal. (…) Ordenou o Senhor Deus ao homem, dizendo: De toda árvore do jardim podes comer livremente; mas da árvore do conhecimento do bem e do mal, dessa não comerás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás” (Gn 2.9,16,17).

“Ora, a serpente era o mais astuto de todos os animais do campo, que o Senhor Deus tinha feito. E esta disse à mulher: É assim que Deus disse: Não comereis de toda árvore do jardim? Respondeu a mulher à serpente: Do fruto das árvores do jardim podemos comer, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais. Disse a serpente à mulher: Certamente não morrereis. Porque Deus sabe que no dia em que comerdes desse fruto, vossos olhos se abrirão, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal. Então, vendo a mulher que aquela árvore era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar entendimento, tomou do seu fruto, comeu, e deu a seu marido, e ele também comeu. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram que estavam nus; pelo que coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais. E, ouvindo a voz do Senhor Deus, que passeava no jardim à tardinha, esconderam-se o homem e sua mulher da presença do Senhor Deus, entre as árvores do jardim” (3.1-8).
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Neste estudo, gostaríamos de ver como foi que o primeiro homem pecou, e recebê-lo como admoestação para nós hoje. Pois como foi o primeiro pecado, assim serão todos os pecados depois dele. O pecado que Adão cometeu é o mesmo que todos nós cometemos. De modo que, conhecendo o primeiro pecado, podemos compreender todos os pecados do mundo. Pois, segundo a perspectiva bíblica, o pecado possui um único princípio.

Em todo pecado podemos ver o “ego” em operação. Embora hoje em dia as pessoas classifiquem os pecados em um sem-número de categorias, entretanto, falando por indução, há somente um pecado básico: todos os pensamentos e ações que constituem pecado estão relacionados com o “ego”. Em outras palavras, embora o número de pecados no mundo seja deveras astronômico, o princípio subjacente a cada pecado é somente um – tudo o que satisfaz o ego. Todos os pecados são cometidos por causa do ego. Se faltar o ego, não haverá pecado.

Examinemos este ponto mais atentamente.

Que é orgulho? Não é uma exaltação do ego?
Que é ciúme? Não é o temor de ser suplantado?
Que é a emulação? Nada mais é que a luta par ser melhor do que os outros.
Que é a raiva? É a reação contra a perda sofrida pelo ego.
Que é o adultério? É seguir as paixões e lascívias do ego.
Não é a covardia o cuidado que se dá à fraqueza do ego?
Ora, é impossível mencionar todos os pecados, mas se examinássemos a todos, um por um, descobriríamos que o princípio de todos eles é o mesmo: algo que de alguma maneira se relaciona com o ego. Onde quer que se encontre pecado, aí também estará o ego. E onde quer que o ego for ativo, ali também haverá pecado à vista de Deus.

Por outro lado, ao examinarmos o fruto do Espírito Santo – que representa o testemunho cristão – facilmente veremos o oposto: nada mais é do que atos desprendidos do ego.

Que é amor? Amor é apreciar os outros sem pensar no ego.
Que é alegria? É olhar para Deus a despeito do ego.
Paciência é desprezar nossa própria dificuldade.
Paz é deixar a perda de lado.
Gentileza é não prestar atenção a nosso próprios direitos.
Humildade é esquecer-se dos méritos próprios.
Temperança é o ser sob controle.
Fidelidade é domínio-próprio.
Ao examinarmos todas as virtudes cristãs, discerniremos que a não ser pela libertação do ego ou do seu esquecimento, o crente não possui outra virtude. O fruto do Espírito Santo é determinado por um único princípio: a perda total do ego.

Mencionei somente algumas virtudes e alguns pecados; mas acho que são suficientes para provar que pecado é seguir o ego, ao passo que virtude é esquecer-se do ego.

Se compreendermos estes dois princípios, poderemos diariamente observar todos os vários pecados e julgar se cada um deles relaciona-se com o ego ou não. Mas permita-me dizer-lhe claramente que à parte do “desprendimento” humano não há virtude, e à parte do seu “egoísmo” não há pecado. O ego do homem é a raiz de todos os males.

Nas passagens que lemos no início deste capítulo, vimos que existiam duas árvores no jardim do Éden, e que Adão, ao comer o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, trouxe o pecado ao mundo. Examinemos mais atentamente as duas árvores mencionadas. Usarei duas palavras para representar o significado de ambas as árvores. O significado da árvore do conhecimento do bem e do mal é independência, e o da árvore da vida é confiança.

Examinaremos primeiro a árvore do conhecimento do bem e do mal. De saída devemos compreender que o comer do fruto desta árvore em si não é o grande pecado. Aqui, Adão não cometeu adultério, assassínio, nem muitos outros pecados imundos. Simplesmente comeu do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. Ora, embora o que Adão cometeu não fosse algum pecado horrível, não obstante, o comer do fruto desta árvore fez com que não somente ele caísse, mas também sua descendência; desta forma enchendo o mundo de pecados. Embora o pecado cometido por ele não fosse horrível, seu ato deu ensejo a toda sorte de pecados. Segundo nossa lógica, se o primeiro pecado do homem for o “gerador” de todo o pecado do mundo, esse primeiro pecado deve ser o mais horrível de todos. Entretanto, o que vemos aqui é meramente um homem comendo fruto demais. Em certo sentido, portanto, é de aparência inofensiva.

Por que isto é assim? Deus vê o pecado de Adão como espécime típico de incontáveis pecados a serem cometidos por todos os homens depois dele. Deus deseja que compreendamos que não importa qual seja a natureza do pecado de Adão, essa também será a natureza dos múltiplos e variados pecados que o mundo cometerá depois de Adão. Externamente o pecado pode ser polido ou rude, mas sua natureza e princípio permanecem sempre os mesmos. O pecado de Adão não é mais que seguir sua própria vontade. Uma vez que Deus lhe havia proibido comer desse fruto particular, ele devia completamente ter-se desfeito de sua própria inclinação e obedecido a Deus. Mas ele desobedeceu a Deus e comeu o fruto, segundo sua própria vontade. E assim ele pecou. Daí se depreende que o pecado de Adão nada mais foi que agir fora de Deus e segundo sua própria vontade. Embora os pecados cometidos pela descendência de Adão diferissem grandemente do seu em aparência (pois não há outra pessoa que possa cometer o mesmo pecado que Adão cometeu), porém, em princípio, também agiram segundo sua própria vontade; logo, seus pecados têm todos a mesma natureza.

É pecado conhecer o bem e o mal?

Não é virtude conhecer o bem e o mal?

Deus conhece o bem e o mal (Gn 3:5,22).

É pecado ser igual a Deus? Por que , pois, o ato de Adão torna-se a própria raiz de todo o pecado e miséria humanos? Por que motivo?

Embora tal ação aparentemente seja boa, Adão agiu sem o mandamento ou promessa de Deus. E ao tentar conseguir esse conhecimento fora de Deus, segundo seu próprio ego, Adão pecou.

Agora percebemos o significado da palavra “independência”.

Todas as AÇÕES independentes de Deus são pecado.

Adão não tinha confiado em Deus; não tinha tomado a decisão de obedecer a Deus; havia agido independentemente de Deus; e a fim de conseguir a independência contra Deus. E é por isso que o Senhor declarou ser isto pecado.

Portanto, compreenda isto, não é preciso cometer muitos e terríveis pecados a fim de se considerar pecado. Para Deus, todas as ações realizadas fora dele são pecado. “Ser igual a Deus”, por exemplo, é excelente desejo; mas tentar fazê-lo sem ouvir o mandamento de Deus e sem esperar pelo tempo de Deus é pecaminoso à Sua vista. Quão freqüentemente julgamos ser as coisa más pecados e as boas, justiça. Deus, entretanto, vê as coisas de maneira diferente. Em vez de diferenciar o bem e o mal pela aparência, ele olha para o modo com que tal ação é feita. Não importa quão excelente tal coisa possa parecer ao mundo, tudo o que for feito pelo crente sem procurar a vontade Deus, sem esperar por seu tempo, ou sem depender de seu poder (mas feito segundo nossa própria vontade, com pressa, ou por nossa própria habilidade) – tal ação é pecado à vista de Deus.

O Senhor não olha para o bem ou para o mal da coisa em si. Antes, olha para sua fonte. Ele anota mediante que poder tal coisa é feita. À parte de seu próprio poder, Deus não se interessa por nenhum outro. Ainda que fosse possível que o crente fizesse algo melhor que a vontade de Deus, ele ainda condenaria a ação e consideraria o crente ter pecado.

É verdade que todas as suas obras e aspirações são segundo a vontade de Deus? Ou são elas simplesmente sua própria decisão? Suas obras têm origem em Deus? Ou são elas realizados segundo seu bom prazer? Todas as nossas ações independentes, não importa quão excelentes ou virtuosas pareçam ser, não são aceitáveis a Deus. Tudo o que é feito sem saber claramente a vontade de Deus, é pecado aos olhos Dele. Tudo o que é realizado sem depender Dele também é pecado.

Os cristãos de hoje são muito capazes de fazer coisas, são muito ativos e fazem coisas boas em excesso! Entretanto, Deus não olha para a quantidade de boas obras que a pessoa realiza; interessa-se somente pelo quanto é feito por amor ao Seu mandamento. Ele não indaga o quanto a pessoa trabalhou para ele; simplesmente pergunta o quanto depende Dele. O prazer de Deus não se encontra na muita atividade , e sim, na dependência que a pessoa tem Dele. Não importa quão zelosamente você trabalhe para o Senhor, sua obra será em vão se não for feita por Ele em você. Devemos fazer esta pergunta a nós mesmos: é a obra que faço realizada pelo Senhor em mim, ou sou eu mesmo quem a efetua?

Todas as OBRAS independentes de Deus são pecado.

Por favor, tenha em conta que podemos pecar até mesmo enquanto salvamos almas. Se não dependermos de Deus, mas confiarmos em nosso próprio entendimento e experiência do evangelho, à vista de Deus estaremos pecando, e não salvando almas, ainda que gastemos tempo e energia persuadindo as pessoas a crerem no Senhor!

Se em vez de perceber nossa total fraqueza e depender inteiramente do poder do Senhor, tentarmos edificar os santos com a força de nosso conhecimento bíblico e da excelência de nossa sabedoria, aos olhos de Deus estaremos pecando enquanto pregamos! Por melhores que todos os atos de amor e compaixão possam parecer ao público, – se forem realizado por nosso impulso ou força – aos olhos de Deus são pecaminosos. O Senhor não pergunta se fizemos um bom trabalho; somente examina se confiamos nele. Tudo o que é feito por nossa própria vontade será queimado no dia do juízo de Cristo, mas o que é realizado em Deus permanecerá.

O significado do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal não é outro senão o estar ativo fora de Deus, procurar o que é bom segundo o entendimento da própria pessoa, estar com pressa e ser incapaz de esperar a fim de obter o conhecimento que Deus ainda não deu; não confiar no Senhor, mas procurar avançar pelo nosso próprio caminho.

Tudo isso pode ser resumido numa frase:

Independência de Deus

Deus não tem prazer no homem que se aparta Dele e age independentemente. Pois Ele deseja que o homem confie Nele.

O propósito do Senhor ao salvar o homem e também ao criá-lo é que o homem cofie Nele. Eis o significado da árvore da vida: confiança. “De toda árvore do jardim comerás livremente”, disse Deus a Adão; “mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não comerás”. Dentre todas as árvores cujos frutos podiam ser comidos, Deus menciona especialmente a árvore da vida em forte contraste com a árvore do conhecimento do bem e do mal. “E também a árvore da vida no meio do jardim, e a árvore do conhecimento do bem e do mal”. Ao notarmos a menção particular de Deus à árvore da vida, devemos reconhecer que de todas as árvores comestíveis, esta é a mais importante. É desta árvore que Adão devia ter comido primeiro. Por que é isto assim?

A árvore da vida representa a vida de Deus, a vida não criada de Deus. Adão é um ser criado, portanto, não possui esta vida não criada. Embora a esta altura ele ainda esteja sem pecado, não obstante, é apenas natural, uma vez que não recebeu a vida santa de Deus. O propósito de Deus é que Adão escolha o fruto da árvore da vida por sua própria vontade para que se relacione com Deus pela vida divina. Assim, Adão, de simples criatura de Deus, chegaria ao novo nascimento. O que Deus requer de Adão é que negue sua vida natural e se una a Ele pela vida divina, destarte vivendo diariamente pela vida de Deus. Este é o significado da árvore da vida. O Senhor queria que Adão vivesse por essa vida que não era dele originariamente.

Logo, temos aqui o sentimento distinto da independência, confiança. Pois, quando o ser criado vive por sua vida natural, não precisa depender de Deus. Esta vida criada é autônoma e autopreservadora. Mas, para que o ser criado via pela vida do Criador, ele tem que ser totalmente dependente, pois a vida que levaria então não seria sua, mas de Deus. Ele não poderia ser independente de Deus, mas teria que manter constante comunhão com Ele e confiar completamente Nele. Essa é a vida que Adão não tem em si mesmo, e logo, deve confiar em Deus a fim de recebê-la. Além disso, essa vida – se recebida por Adão – é a que ele não poderia levar por seu próprio esforço; por isso teria que depender de Deus continuamente a fim de conservá-la. Assim, a condição para conservá-la tornar-se-ia a mesma condição para recebê-la. Adão teria de depender dia a dia, a fim de viver esta vida santa de uma maneira prática.

Tudo isto que temos dito com respeito a Adão, Deus também o exige de nós. Na época de Adão, a vida de Deus e a vida do homem estavam presentes no jardim. Hoje, a vida divina e a vida humana estão presentes em nós. Nós os que cremos no Senhor e somos salvos, nascemos de novo – isto é, nascemos de Deus; e assim temos uma vida de relacionamento com Deus. A vida da criatura está em nós, mas também está a vida do Criador. O problema atual então é se vivemos ou não pela vida divina – se nossa vida depende ou não totalmente de Deus. Assim como nossa carne não pode viver se estiver separada de sua vida natural, da mesma forma nossa vida espiritual não pode prosseguir se estiver separada da vida do Criador.

Deus não deseja que tenhamos nenhuma atividade fora Dele. Deseja que morramos para nós mesmos e sejamos dependentes Dele como se não pudéssemos nos mover sem Ele. Ele não gosta que iniciemos nada sem sua ordem. Ele se agrada de que realmente percebamos nossa inutilidade e confiemos Nele de todo o coração. Devemos resistir a todas as ações independentes de Deus. As obras que são feitas sem oração e espera, sem procurar conhecer claramente a vontade divina, sem confiar inteiramente em Deus, e sem examinar nossa consciência, a fim de determinar se o ego ou a impureza estão misturados: tudo isto provém de nós mesmos e é pecado à vista de Deus.

O Senhor não pergunta quão boa é nossa obra; Ele somente pergunta quem fez a obra. Ele não será movido pelo pequeno bem que você e eu façamos. Ele não está satisfeito com nada a não ser a SUA obra. Você pode estar ativamente engajado na obra Dele e trabalhar muito. Você pode até mesmo sofrer por causa de Cristo e de Sua igreja; mas se não tiver certeza de que é Deus que deseja que você realize a obra, ou, se não compreender completamente sua própria ignorância e incompetência, e com muito temor e tremor se lançar sobre o Senhor, então, como Adão, você estará pecando à vista de Deus. Oh! Cesse sua própria obra! Não pense que pode fazer tudo o que seja bom. Você pode labutar e se esforçar segundo seu próprio prazer, mas terá pouca ou nenhuma utilidade espiritual.

Todos nós sabemos que o incrédulo, não importa quão boa seja sua conduta, não pode ser salvo por ela. Não conhecemos nós tantos não-crentes cuja conduta é recomendável? São amáveis, gentis, humildes, pacientes; muitas vezes ultrapassam a média dos cristão em virtude. Por que, apesar da conduta invejável, ainda não são salvos? Porque todo este bem provém de sua vida natural, logo, não podem obter a aprovação de Deus. Deus somente se agrada do que pertence a Ele; do que procede Dele. Consequentemente, incrédulo algum pode agradar a Deus com seus próprios feitos.

O mesmo se aplica ao crente. Pensamos poder agradar ao Senhor com nossas obras boas e zelosas? Precisamos compreender que, a não ser pela vida que Deus nos deu, não existe a mínima diferença entre o nosso ego e o ego dos incrédulos. Os egos são absolutamente os mesmos. A vida natural do pecador e a vida natural do santo não diferem uma da outra. Se as boas ações realizadas pelos incrédulos mediante esta vida natural são rejeitados por Deus, também o será o bem praticado mediante a vida natural pelos crentes.

É triste que esqueçamos tão prontamente a lição que antes tínhamos aprendido! Quando cremos no Senhor Jesus, Deus convenceu-nos por Seu Espírito Santo de que nossa justiça, a seus olhos, para nada servia. Depois de sermos salvos, entretanto, de alguma forma, voltamos a imaginar que agora nossa própria justiça é útil e agradável a Deus. Devíamos saber que pelo fato de sermos salvos e nascidos de novo nossa velha vida não melhorou nem mudou em nada. A não ser pela vida nova recém obtida, nosso antigo ego permanece o mesmo.

O princípio que aprendemos na regeneração devia ser mantido continuamente. Uma vez que nós, quando incrédulos, não fomos salvos por nossas obras independentes, da mesma forma, nós os crentes, não ganharemos a aprovação de Deus por nossas ações independentes. Tudo o que é feito fora da dependência de Deus é desagradável a Ele. Quer proceda do pecador, quer do santo, a ação independente é rejeitada por Deus.

Você pode se gloria de quanto, como crente, tem feito; o quanto tem trabalhado, e até mesmo quanta benção e fruto tem experimentado; ainda assim, aos olhos de Deus estas não passam de obras mortas e sem utilidade alguma, pois todas elas são realizadas por você mesmo, e não pela operação divina em você.

Quão difícil é depender de Deus! Quão difícil é para os sábios confiarem! Quão árduo é para os talentosos confiar em Deus! Muitas vezes tornamo-nos ativos sem esperar que Deus nos dê força especial. É-nos tremendamente difícil negar o nosso talento, tornar-nos totalmente inúteis perante Deus e não depender de nossa capacidade, mas totalmente do Senhor. O Senhor deseja que neguemos a nós mesmos e a nosso poder e que reconheçamos a nossa fraqueza e a inutilidade de nossas palavras e ações. A não ser que primeiro chegue o suprimento de Deus, não podemos dizer palavra alguma nem realizar nada. É assim que Ele deseja que dependamos Dele, pois o que temos em nós mesmos sem dúvida nos afastará de Deus. Nosso talento, nossa sabedoria, nosso poder e nosso conhecimento, tudo tenderá a fortalecer nossa autoconfiança excluindo nossa confiança Nele. A menos que propositada e persistentemente neguemos nossa capacidade, jamais dependeremos de Deus.

Quando pequena, a criança depende de seus pais para tudo; mas quando cresce possui em si mesma tal poder e sabedoria que procura a independência em vez da dependência. Nosso Deus deseja que tenhamos com ele um relacionamento permanente como crianças para que possamos continuamente confiar Nele.

Você acha que agora tem poder? Que já foi santificado? Que já foi enchido permanentemente com o Espírito Santo? Que suas obras já produziram frutos? Se assim for, essa maneira de pensar priva-lo-á de um coração dependente. É preciso que você mantenha a atitude e a postura de desamparo perante os homens a fim de fazer real progresso no caminho de Deus. Se permitir que o ego penetre sutilmente de modo que você considere a si mesmo com tendo tudo, deve compreender que não mais estará dependendo de Deus.

Eu, que agora falo com você, não tenho certeza alguma quanto a meu futuro. Não sei se ainda estarei pregando o evangelho no ano que vem. A menos que Deus me conservar até o ano que vem, pode ser que eu não possa servir; deveras, posso até mesmo nem seguir a Cristo. Digo isto com um coração angustiado, pois sei que não tenho meios de conservar a mim mesmo. Se Deus não me conservar, confesso não ser por mim mesmo capaz de estar em pé no lugar humilde de hoje. Lembro-me de como estive a ponto de separar-me de Cristo muitas vezes desde o dia em que me tornei crente, mas louvo a Deus por ter-me conservado.

Permita-me dizer-lhe que, a não ser mediante o depender de Deus e confiar nele momento a momento, não conheço outra maneira de viver uma vida santificada. Se não dependermos do Senhor não podemos saber quanto tempo podemos viver como crentes por um único dia.

Será que realmente percebemos isto? Ou será que ainda temos um pequeno poder com o qual sustentar a nós mesmos e ter sucesso em muitas coisas? Seja manifesto a todos que a autoconfiança é o inimigo da dependência de Deus. Deus deve levar-nos até nosso fim para que saibamos não existir bem algum em nós.

Não fosse por sua graça, teríamos derrotas de todos os lados. Devemos chegar ao ponto que percebamos ser absolutamente indignos e não ter força alguma. Não ousamos ser autoconfiantes, nem ousamos tomar qualquer ação independente, fora de Deus. Devemos continuar prostrados perante Ele com temor e tremor, buscando Sua graça. De outra forma, nossa natureza fará com que nos consideremos competentes, tendo prazer em nossa próprias atividades e recusando-nos a depender de Deus.

Ao olhar para os anos passados posso ver que muitos irmãos a quem conheci se desviaram. Ainda me lembro do que certo irmão me disse um dia: ” senhor, agora conhecemos as Escrituras que o senhor prega; temos feito grande progresso e não estamos muito distantes de seus obreiros.”. Que autoconfiança! Mas onde estão esses irmãos hoje? Também lembro de outro irmão dizer-me recentemente: “Irmão Nee, pode ser que eu não conheça muita coisa, mas pelo menos conheço os ensinamentos bíblicos…” ao ouvir isto, imediatamente percebi que este irmão corria sério perigo. Hoje, ele também se desviou do caminho estreito. São muitas as tragédias similares que podemos recordar durante nossa vida. A causa principal de tais tragédias é a autoconfiança. A autoconfiança é a causadora de todas as derrotas.

O que Deus deseja que saibamos hoje é que não podemos depender absolutamente de nosso ego. Deseja que confessemos nossa fraqueza e inutilidade em todo o tempo. Deseja que tenhamos consciência do que nunca tivemos antes – isto é, deseja que estejamos cônscios de nossa total insuficiência e que admitamos que se não fosse por seu poder conservador, não podíamos permanecer nem um momento, e que se não fosse por sua fortaleza, nada podíamos fazer. Possamos nós ser quebrantados pelo Senhor hoje, para que não ousemos tomar nenhuma ação independente ou abrigar nenhuma atitude fora Dele. Doutra forma, o fim inevitável será a vaidade e a derrota.

Que Deus tenha misericórdia de todos nós!

Watchman Nee (Extraído do Livro “O Mensageiro da Cruz” – 1926)

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Encorajamento Vida cristã

Temos de Conservar os Olhos em Cristo

Não nos entreguemos ao desânimo, por mais oprimidos ou molestados que estejamos. A pessoa desanimada nada pode fazer. Nesse estado, ela não consegue resistir aos ardis do inimigo nem prevalecer em oração pelos outros. (…) No momento em que nosso coração rejeita a desconfiança ou o desânimo, o Espírito Santo desperta em nós a fé e sopra em nossa alma o vigor divino. (…) Se o crente mais fraquinho submeter-se ao Senhor e recorrer a Ele no nome de Jesus e com a fé singela de uma criança, todo o pode de Deus estará ao seu lado. (…) Temos de conservar os olhos em Cristo.

(Lettie Cowman)

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Testemunho

Da manjedoura à piscina

“O Senhor Jesus nasceu numa manjedoura!”

Este era o pensamento que consolava meu coração aflito. A sujeira e a escuridão eram angustiantes.

“Senhor, cuida do meu filho!”

Alguns meses antes, eu e minha esposa havíamos visitado o lugar. Instalações novas e modernas, recém-inauguradas, equipamento novo, completo, profissionais jovens e simpáticos, bem dispostos e de cara amiga. Excelente! “Já sabemos onde nosso filho irá nascer!” A maternidade pública próxima de nossa casa era resposta às orações. Sem convênio médico, numa cidade grande e nova, longe de minha irmã médica, era a segurança de que precisávamos. “Graças a Deus!”

– Liga pro Carlos!
Eram 3h da madrugada de 26 de agosto de 1991. As contrações se tornavam cada vez mais próximas uma da outra, a bolsa se rompera. Chegara a hora: Calebe queria nascer!
Carlos, um querido e tranqüilo irmão, morava relativamente perto de nós. Gentilmente havia se prontificado a nos levar para a maternidade. Ele nos acompanhara naquela visita que fizemos ao local.
– Carlos? Desculpe ligar a essa hora… É, o Calebe tá chegando!

Todo o período da gravidez havia sido cercado dos cuidados de Deus por meio de Seus filhos. Eu, minha esposa e dois filhotes viéramos de Porto Alegre para São Paulo há quatro meses. Terceira gravidez, cidade grande, muitas promessas e promessas quebradas (“Não foi isso que tinham nos falado!”), moradia num local de reuniões, sem plano de saúde, distância de tudo e de quase todos: tempo de provação em que a alma lutava para descansar e confiar em Deus.
Mas Ele, em Sua sempre infinita e imerecida bondade, nos cobriu de mimos. Entre os irmãos com quem nos reuníamos havia uma pediatra, uma médica, um dono de farmácia (o Carlos!), um casal sem filhos e dois dentistas, além de muitos outros amados santos. Resultado: compramos apenas uma chupeta para o Calebe.
E, para coroar todo aquele cuidado tão minucioso, a maternidade vizinha e reluzente. A única dor que havia eram as contrações. O coração estava tranqüilo, ansioso apenas para ver o guri que estava chegando.

Carlos chegou.

– Mas como?!
– Senhor, não podemos fazer nada. Todos os leitos estão ocupados e há quatro pacientes esperando vaga antes de sua esposa.
“Mas como? Por quê? Senhor, tava tudo tão certinho?! E meu filho?”

O ambiente era um caos. Pessoas correndo, mulheres e maridos preocupados de um lado para o outro, funcionários dando explicações, pacientes em macas no corredor, unhas sendo roídas, angústia palpável no ar, telefonemas sendo dados para todas as maternidades públicas da cidade, olhares pedindo socorro, os olhos do coração procurando Deus.
– Não tem vaga? Tá ok. Obrigado.
– Sem vagas? Todo mundo resolveu nascer hoje, né?! Então, tá.
– Uma vaga? Segura pra mim. Tô mandando uma paciente.

Carlos foi embora. Precisava trabalhar. Assegurou-nos de que tudo ia ficar bem, ia dar certo, pois Deus estava no controle. Confiei nele meio desconfiando de Deus. Custava ter deixado um leito para minha esposa?

Mais demora, mais hospitais sem vagas, menos tempo entre uma contração e outra. Não havia muito o que dizer! Quão rapidamente o tempo demora a passar em tempos de aflição.

– Duas vagas? Ótimo. Vão duas pacientes: Janisse e Celuta.
Aleluia! Nossa vez. Fim do sofrimento. Olhei aliviado para ela e sua barriga. Lindas.

– Calma, senhor, a ambulância está chegando.

Como um cretino desses ousa me pedir calma? Já faziam quase quatro horas que a bolsa de líquido de minha esposa tinha-se rompido, as contrações aumentando, ela sentada há horas numa recepção de maternidade, essa droga de ambulância não chega, e esse… me pede calma?! É fácil porque não é a esposa ou o filho dele.
O coração me jogava de um lado para o outro. “Tenho de dar um bom testemunho! Meu filho vai morrer. Senhor Jesus, socorro! Que droga de atendimento. Preciso encorajar minha amada…”.

A ambulância. Finalmente! De novo, um pouco de tranqüilidade.
Minha esposa e a outra grávida entraram com uma enfermeira. Prevendo o que poderia acontecer, a enfermeira pediu material para fazer o parto enquanto estivéssemos a caminho. Mas o quê ela faria se as duas crianças resolvessem nascer ao mesmo tempo?

– Maternidade do Brás? Não, não sei onde fica. Mas a gente descobre. Sobe aí, pai.
“Para que serve um motorista destes? Não me faltava mais nada?! Do Butantã para o Brás, e o cara não sabe o caminho?! Senhor!?”

– Acho que é por aqui.
E lá ia ele, como quem saiu para um piquenique com um cumpadre e duas cumadres barrigudas. Feliz, descansado, olhando o Tietê, sem pressa, sem sirene e filosofando.
– Correr? Não, não precisa. O que tem de ser será. Tudo tem seu tempo e só vai acontecer quando chegar a hora.
Seria pecado ou crime jogá-lo para fora e seqüestrar a ambulância com duas grávidas e uma enfermeira?

– Pronto. Chegamos. Não falei?
Bem seguro, ele entrou na rua estreitinha. Não seguiu muito adiante. Deu ré e retomou a viagem. Até hoje os funcionários daquela fábrica se perguntam o que fazia uma ambulância no meio do pátio onde tomavam café da manhã.

– Agora, sim! Taí! Pronto, pai. Chegamos.
Antes que eu fechasse a boca dele com um murro, desci e fui ajudar minha esposa. Levei-a até a recepção. Então, eu vi. “Meu Deus! Meu Deus!”

– Eu não disse? Tudo tem seu tempo. Chegamos na hora que Deus quis.

O hospital lembrava uma casa mal-assombrada. Abandonado, sujo, luzes apagadas. Não havia cadeiras de rodas para as grávidas, não havia papel higiênico nos banheiros cheios de teia de aranha, as macas frias, sem lençol, tinham pêlos e sangue de outras mulheres. Com a mesma lâmina usada sabe-se lá em quem, depilaram as duas novas vítimas que chegaram.

O único pensamento que me vinha ao coração e me trazia algum consolo e esperança era: “O Senhor Jesus nasceu numa manjedoura. E sobreviveu. Não teve infecção. Senhor, guarda meu filho! Por favor!”

Corri para o telefone, liguei para um irmão com quem eu trabalhava, pedi orações, socorro, esperança. Ele convocaria outros para orar. Ao desligar, senti-me sozinho, abandonado, num imenso e horrível açougue. E minha esposa e meu filho…

Lá dentro, a luta prosseguia. Não havia médico, apenas enfermeiras. Parteira. Os funcionários estavam em greve há três meses. O estado não fornecia praticamente nenhum material. As poucas pessoas disponíveis faziam seu melhor em meio à sujeira e falta do essencial.

Sem receber cuidados higiênicos, com o vestido com que viera da rua, minha esposa entrou em trablaho de parto. Sem perguntar-lhe nada, tentaram furar-lhe a bolsa com um objeto pontiagudo qualquer. Foi só o tempo de ela gritar que não precisava – um pouquinho mais e o Calebe terminaria ali. Então, para ajudá-la, fizeram a episiotomia… sem anestesia. A dor do parto impediu-a de sentir mais dor.

“… numa manjedoura. Senhor…”.

“Força!” Dor. Exaustão. Uma vez mais. Quase. Agora… Nasceu! Calebe. Lindo. Com arranhões na cabeça. Forte. Chorando. Vivo. Lágrimas. Carinho. Abraço. Graças a Deus!

– Parabéns, pai. Seu filho nasceu.

O aviso sem emoção me encheu de alegria, risos, lágrimas, gratidão. De joelhos no meu coração, agradeci porque o milagre de sobrevivência à manjedoura havia se repetido.
O Calebe nasceu a primeira vez.

Outra madrugada. Pesadelo. Medo. A pequenez diante das coisas inexplicáveis.
– MÃÃÃÃÃEE!
O mesmo bebê que lhe roubara aquela distante noite de sono precisava de ajuda novamente. A mãe atendeu-lhe o chamado. Ao lado dele, ouve o que o assustara. Abraça-o. Chora com ele. Afaga-o. Protege com seus invencíveis braços de carne frágil. É mãe.

– Mãe, eu quero entregar a minha vida pro Senhor Jesus. Ora comigo?

A luz brilhou nas trevas daquela madrugada. Repetia-se o milagre.
O Calebe nasceu a segunda vez.

Sábado, 26 de novembro de 2005. Ao completar 14 anos, como um presente para si mesmo e para Deus, Calebe foi batizado na piscina da casa de seus melhores amigos. Quanta alegria! Quanto louvor Àquele que tão bem cuidou dele ao longo desse tempo. A grande cicatriz no braço é mais um testemunho do mesmo amor de Deus por ele, cicatriz que não se compara àquelas que seu Senhor carrega por tê-lo salvo.

O frio, o vento que parou no momento adequado, a singeleza da cena, a emoção de quem estava presente – tudo e todos proclamavam a fidelidade Daquele que preserva a vida, da manjedoura à piscina.

(Francisco Nunes, Mogi das Cruzes, 29.11.05)

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Testemunho

Ei, magro, faz um som…

Quinta-feira, dia 17 de novembro de 2005. Na metade da manhã, já envolvido com o trabalho, com a mente e o coração nas dificuldades, sou interrompido pelo telefone. Uma voz que não reconheço brinca com meu nome. Irrito-me. A voz pergunta como vou. Reconheço: meu irmão, Ives, com quem há muito não falo. O coração se arrepende e se desarma.
Trocamos as perguntas tradicionais, “Como vão os filhos? “, “E a tua filha?”, “Me disseram que… É verdade?”, “Pois é…”.
– Bem, Xico, tem uma pessoa aqui que quer muito falar contigo. Vou passar o telefone pra ela. Tchau!

Detesto surpresas. Especialmente com pessoas. Facilmente magôo os outros por minha péssima memória, por meus sentimentos indisfarçáveis. “Queira Deus que não o faça dessa vez!”

– Alô, Xico. É a Téia!
Esforço de reativar todos os meus bancos de memória, que freqüentemente me deixam na mão quando mais deles preciso. Nada. Nenhuma informação. Nenhuma lembrança. Nenhum raio de ligação com algum fato passado.
– Téia?
Fiquei apreensivo. E se ela respondesse: “É, a Téia. Lembra de mim?”? Eu teria de dizer que ela não existia em minhas recordações. Mas meu irmão me disse que ela queria muito falar comigo… Por quê? Quem é?
A voz forte, levemente rouca, audivelmente emocionada, relembrou:
– Você lembra? Há muitos anos, em Araranguá…

Final de uma tarde de verão, cerca de 22 anos atrás, Araranguá, cidadezinha ao sul de Santa Catarina. Eu e minha noiva chegávamos de Torres, litoral gaúcho, e caminhávamos em direção à casa onde ficaríamos hospedados. Não lembro ao certo porque estávamos ali; um evento qualquer na congregação da qual meu sogro cuidava, talvez. As ruas praticamente vazias, o calor forte e o peso do violão e das malas nos faziam andar com pressa. Mas havia mais gente naquelas ruas sem gente. Duas garotas caminhavam em nossa direção. Roupas estranhas, desleixadas. Melhor passar logo por elas.
Ao chegarem perto de nós, uma delas me disse:
– Ei, magro, faz um som aí pra gente!

Seria zombaria? Uma oportunidade? Eu não sabia tocar muitas coisas, e quando cantávamos juntos, comigo tocando, normalmente eu e minha noiva tínhamos alguns desentendimentos. Mas, naquele momento, entendemos imediatamente: Deus estava nos dando uma oportunidade.

– … você e a Janisse estavam caminhando, com um violão, na frente do Bradesco…

Sentamo-nos nas escadas do Bradesco. O sol já não batia tão forte. E dissemos a elas algo assim:
– Nós queremos que vocês prestem bastante atenção nessas músicas.
E começamos. Os céus nos deram harmonia, talvez não de vozes, mas de coração. Queríamos intensamente que elas cressem Naquele em que críamos.
– Se você está vivendo sem vontade,
venha para perto de nós.
E mostraremos a você
a felicidade e o amor de Deus.
Ele é maravilhoso,
é divino e é real.
Procura Nele o que você não tem!
Encontre o amor,
encontre o louvor,
encontre a paz, a paz.

As moças ouviam atentamente. Não havia deboche nem risadas. Apenas o universo todo parado com suas distrações para que o coração delas fosse atingido, para que as barreiras interiores fossem vencidas e Aquele maravilhoso de quem falávamos desafinadamente se revelasse a elas.
A segunda música:
– Deixa Jesus encher tua vida
com Seu Espírito e Seu amor,
encher teu coração de gozo e louvor.
Deixa Jesus cuidar das coisas
que te fazem infeliz,
e andarás do modo como a Bíblia diz.

Oh, Cristo, meu Cristo,
venha em mim morar.

Oh, venha e cante com toda
a alegria do teu coração,
renda tudo a Ele e tenha salvação.
A Ele dá tuas tristezas,
desilusões e tua cruz,
tudo entrega hoje em nome de Jesus.

Não lembro o que falamos.

– … Aquele foi o dia mais importante da minha vida. Nunca esqueci dele!

Eu também não.

Ouvimos suas confissões de pecados, ouvimos da ingenuidade de seu coração corrupto que desejava ser bom, ouvimos seu anelo interior por vida. Então, ali mesmo, as convidamos a orar conosco. Uma oração singela, que deveria ser feita de coração: “Senhor Jesus, eu Te recebo como meu Senhor e Salvador.” Pronto. Simples assim. E o maior milagre do universo se repetiu: pecadores condenados ao lago de fogo escaparam das prisões do diabo e se tornaram filhos de Deus.

– Téia! É claro que eu lembro! Lembro muito bem! Ao longo desses anos, muitas e muitas vezes contamos esse fato para muitas pessoas.
– Xico, estou firme no Senhor e já pude levar muitas almas a Jesus. E eu nunca esqueci de vocês. Desde aquele tempo sempre quis muito reencontrar você e a Janisse. Preciso falar com vocês. Quando vocês vêm aqui?
As lágrimas a impediram de continuar.

Que pergunta doce! Como se fosse simples e instantâneo vencer os milhares de quilômetros que nos separam. Mas esse reencontro valeria a pena. Os laços do Calvário, mesmo depois de 22 anos, permanecem fortes. Depois de tudo o que ela passou, de rejeição de irmãos ao divórcio, permanece firme Naquele que, numa tarde quente, a alcançou por instrumentos mal tocados. Que privilégio, que honra seria ver essa prova viva da fidelidade do Senhor.

Deus inundou minha quinta-feira de alegria e gratidão. Fui salvo de mim mesmo pela lembrança da salvação da Téia. E o desejo de atender a outros pedidos de “Ei, magro, faz um som…”, mesmo tendo abandonado o violão, foi reaceso no meu coração.

O Deus a quem sirvo é maravilhoso!

(Francisco Nunes, 19.11.05, Mogi das Cruzes)

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