“Depois fez Moisés partir os israelitas do Mar Vermelho, e saíram ao deserto de Sur” (Êx 15.22). Quando Deus separa um povo para Si, não só é necessário que essas pessoas sejam resgatadas com “sangue precioso” e, então, aproximadas como adoradores purificados, mas também é parte do sábio propósito de Deus que elas devam passar pelo deserto antes de entrarem na herança prometida. Dois desígnios principais são assim cumpridos.
Em primeiro lugar, as provas e os testes do deserto tornam manifesto o mal do coração e a incurável corrupção da carne, e isso [aplicando a nós] a fim de que sejamos humilhados, para esconder a soberba de nós (Jó 33.17), e para que provemos por experiência que a entrada na herança está também e unicamente ligada à graça soberana, visto que não existe merecimento, sim, “bem algum” em nós (cf. Rm 7.18).
Em segundo lugar, conforme Jeová leva Seu povo para o deserto, vai com ele e faz com que Sua presença e Seu amor lhe sejam manifestos. Isso ocorre, pois é Seu propósito exibir Seu poder de salvar Seus remidos das conseqüências de suas falhas, e assim fazer da necessidade deles a oportunidade de derramar abundantemente sobre eles as riquezas de Sua graça. Somos, então, levados a ver não só Israel, mas Deus com eles e para eles no devastado e solitário deserto.
Julgamento e humilhação não são o fim que o Senhor dá (cf. Tg 5.11), mas são a ocasião para uma renovada exibição da longanimidade e da bondade do Pai. O deserto pode e irá manifestar a fraqueza de Seus santos e, infelizmente!, as falhas deles, mas isso é apenas para magnificar o poder e a misericórdia Daquele que os trouxe para o local de teste. Além disso, Deus tem em vista nosso bem-estar final, para que bem nos suceda (Dt 6.18), e, quando as provas crescem, quando nosso Deus fiel supre cada necessidade nossa, tudo, tudo será para Sua honra, Seu louvor e Sua glória.
Assim, o propósito de Deus em conduzir seu povo [redimido] pelo deserto era (e é) não só para que pudesse prová-lo (Dt 8.2-5), mas para que, no julgamento, Ele pudesse manifestar que era por eles ao suportar seus fracassos e suprir suas necessidades. O deserto, então, nos dá não só uma revelação de nós mesmos, mas também manifesta os caminhos de Deus.
“Depois fez Moisés partir os israelitas do Mar Vermelho, e saíram ao deserto de Sur” (Êx 15.22). Essa é a primeira vez que lemos sobre eles estarem no deserto. Que eles não tinham ainda realmente entrado deduz-se de 13.20: “Assim partiram de Sucote e acamparam-se em Etã, à entrada do deserto”. Mas agora eles “saíram ao deserto”. A conexão é muito impressionante e instrutiva. Foi sua passagem pelo mar1 que introduziu os redimidos de Deus no deserto. Sua viagem através do Mar Vermelho fala da união do crente com Cristo em Sua morte e ressurreição (Rm 6.3,4). Tipologicamente, estão agora sobre o terreno da ressurreição. Para que não perdêssemos a força disso, o Espírito Santo teve o cuidado de nos dizer que “Depois fez Moisés partir os israelitas do Mar Vermelho, e saíram ao deserto de Sur; e andaram três dias no deserto”. Aqui, como em muitas outras passagens2, os “três dias” falam da ressurreição (1Co 15.4).
No que diz respeito à vida espiritual, o mundo é simplesmente um deserto seco e desolado.
É somente quando a fé do cristão se apodera da união com Cristo em Sua morte e ressurreição, reconhecendo que é uma nova criatura Nele, que ele se torna consciente do deserto. Na mesma proporção em que apreendemos nossa nova posição diante de Deus e nossa porção em Seu filho, assim irá este mundo [esta era] torna-se para nós um deserto triste e desolado. Para o homem natural, o mundo oferece muito que seja atraente e sedutor, mas, para o homem espiritual, tudo nele é apenas “vaidade e aflição de espírito”. Para o olho do sentido há muito no mundo que seja agradável e prazeroso, mas os olhos da fé não vêem nada a não ser morte escrito por todo lado – “mudança e decadência em tudo a meu redor eu vejo3”. Há muita coisa que serve para “a concupiscência dos olhos e a soberba da vida” (1Jo 2.16), mas absolutamente nada para a nova natureza. No que diz respeito à vida espiritual, o mundo é simplesmente um deserto seco e desolado.
O deserto é o lugar de viajantes jornadeando de um país para outro; ninguém, a não ser um louco, pensaria em fazer sua casa [eterna] lá. É exatamente assim que esse mundo é [enquanto estiver sob a maldição de Deus]. É o lugar pelo qual o homem viaja do tempo à eternidade. E a fé é o que faz a diferença entre os modos pelos quais os homens consideram este mundo. Os incrédulos, em sua maioria, estão contentes em permanecer aqui. Eles se estabelecem como se fossem ficar aqui para sempre – “O seu pensamento interior é que as suas casas serão perpétuas e as suas habitações, de geração em geração; dão às suas terras os seus próprios nomes” (Sl 49.11). Todo esforço é feito para prolongar sua vida terrena, e, quando finalmente a morte faz sua vindicação sobre eles, relutam em partir. Muito diferente é com o crente, o crente genuíno. Sua casa não está aqui. Ele olha para “a cidade que tem fundamentos, da qual o artífice e construtor é Deus” (Hb 11.10). Por isso, ele é um estranho e peregrino aqui (v. 13). É disso que o deserto fala. Canaã era o país que Deus havia prometido dar a Abraão e a sua descendência, e o deserto era simplesmente uma terra estranha através da qual eles passaram a caminho de sua herança.
“E andaram três dias no deserto e não acharam água” (Êx 15.22). Esta é a primeira lição que nosso deserto de vida é projetado para nos ensinar: não há nada aqui em baixo [durante esta era] que possa, de maneira alguma, suprir a vida que recebemos de Cristo. Os prazeres do pecado, as atrações do mundo, não mais satisfazem. As coisas que anteriormente nos encantavam, agora nós as repelimos. As companhias que costumávamos considerar tão agradáveis tornaram-se desagradáveis. As coisas que encantam os ímpios só nos fazem gemer. O cristão que está em comunhão com seu Senhor não encontra absolutamente nada em torno dele que refresque ou possa refrescar sua alma sedenta. Para ele, as cisternas rasas deste mundo [amaldiçoado] secaram. Seu grito será a do salmista: “Ó Deus, Tu és o meu Deus; de madrugada Te buscarei. A minha alma tem sede de Ti, a minha carne Te deseja muito em uma terra seca e cansada, onde não há água4” (Sl 63.1). Ah, eis o recurso do crente: somente Deus pode satisfazer os desejos de seu coração. Assim como ele inicialmente deu ouvidos às palavras de graça do Salvador – “Se alguém tem sede, venha a Mim e beba” (Jo 7.37) –, assim deve continuar a ir a Ele, o único que possui a água da vida.
“Então chegaram a Mara. Mas não puderam beber das águas de Mara, porque eram amargas; por isso chamou-se o lugar Mara” (Êx 15.23). Isso foi uma provação dolorosa, um verdadeiro teste. Uma jornada de três dias no deserto quente e arenoso sem encontrar qualquer água; e agora que ela é encontrada, é amarga!
“Quantas vezes esse é o caso com o jovem crente, sim, e com o antigo também. Nós nos agarramos àquilo que pensamos que irá satisfazer, e só encontramos amarga decepção. Será que isso já não ocorreu? Você já experimentou os prazeres, ou as riquezas ou as honras do mundo, apenas para descobrir que eles são amargos. Você está convidado para uma festa alegre. Uma vez isso pode ter sido muito agradável, mas agora, como é amargo para o paladar da nova natureza! Quão totalmente decepcionado você volta para casa. Você colocou o coração em algum objeto dessa terra? Você tem permissão para obtê-lo, mas quão vazio ele é! Sim, o que você esperava que produzisse alguma satisfação só traz tristeza e vazio.”
(Charles Stanley)
Israel iria, a partir de agora, sentir a esterilidade e a amargura do deserto. Com que luz no coração os israelitas começaram a jornada através dele? Eles eram pouco preparados para o que estava a sua frente. Caminhar três dias e não encontrar água, e, quando a encontram, ela é amarga! Algo completamente diferente eles esperavam de Deus! Quão natural para eles, depois de experimentar a grande obra de libertação que Deus havia feito para eles, contar com Ele lhes provendo um caminho suave e fácil. Assim, também, é com os jovens cristãos. Eles têm paz com Deus e regozijam-se no conhecimento do perdão de pecados. Eles (ou nós) pouco antecipam as tribulações que estão diante de si. Não esperamos que as coisas sejam agradáveis aqui? Já não procuramos ser felizes neste mundo? E não fomos desapontados e desanimados, quando não encontramos água e aquela que há é amarga? Ah, entramos no deserto sem compreender o que ele é! Nós pensamos, se pensamos em tudo, que nosso gracioso Deus gracioso nos guardaria da tristeza. Ah, caro leitor, é na mão direita de Deus, não neste mundo, que há “delícias perpetuamente” (Sl 16.11).
Seca e amargura são tudo o que podemos esperar do lugar que não possui Cristo
Como já dissemos, o deserto simboliza e retrata de forma precisa este mundo, e a primeira etapa da viagem faz antever o todo! Seca e amargura são tudo o que podemos esperar do lugar que não possui Cristo. Como poderia ser diferente? Será que Deus deseja que nos estabeleçamos e nos contentemos em um mundo que O odeia e que expulsou Seu Filho amado? Nunca! Aqui, então, está algo de vital importância para o jovem cristão. Deveríamos começar a jornada no deserto esperando nada além de carência. Se esperamos paz em vez de perseguição, que ele nos fará alegres em vez de causar-nos dor, decepção e desânimo por não satisfazer nossas expectativas, a frustração será nossa porção. Muitos cristãos experientes testemunharão que a maioria de suas falhas no deserto devem ser atribuído a seu começo com uma visão errada do que o deserto é. Facilidade e descanso não podem ser encontrados nele, e, quanto mais buscamos por eles, mais aguda será nossa decepção. A primeira etapa de nossa viagem deve proclamar a nós o que a verdadeira natureza da viagem é. É Mara.
“E o povo murmurou contra Moisés, dizendo: Que havemos de beber?” (Êx 15.24). Isso é muito solene. Três dias atrás, esse povo estava cantando; agora está murmurando. O louvor de antes dá lugar à queixa em Mara! Essa experiência era uma provação real, mas quão tristemente os israelitas falharam nela. Tal como antes, quando viram os egípcios caindo sobre eles em Pi-Hairote, agora, mais uma vez, menosprezam a Moisés por tê-los deixado em apuros. Eles pareciam ter esquecido completamente o fato de que tinham sido levados a Mara pela coluna de nuvem (13.22)! Sua murmuração contra Moisés era, na realidade, murmuração contra o Senhor. E assim é conosco. Cada queixa contra nossas circunstâncias, cada resmungar sobre o tempo, sobre a forma como as pessoas nos tratam, sobre os desafios diários da vida, é dirigido contra Aquele que “faz todas as coisas segundo o conselho da Sua vontade” (Ef 1.11). Lembre-se, caro leitor, que o que está aqui registrado da história de Israel é escrito “para aviso nosso” (1Co 10.11). Não é o mesmo perverso coração de incredulidade e a mesma vontade rebelde dentro de nós como os que estavam nos israelitas? Portanto, precisamos buscar sinceramente a graça para que sejamos subjugados e quebrantados.
E qual foi a causa de sua murmuração? Só pode haver uma resposta: seus olhos não estavam postos em Deus. Após as maravilhas do poder de Jeová que haviam testemunhado e a gloriosa libertação que haviam experimentado, era, para os israelitas era inequivocamente evidente que Deus era por eles e com eles. Mas, longe de reconhecerem isso, eles não parecem ter dado a Deus um único pensamento. Eles falam como se tivessem relacionamento apenas com Moisés. E não é, freqüentemente, assim conosco? Quando chegamos a Mara, não acusamos algum companheiro de ser o responsável por nossa porção tão difícil? Algum amigo em quem confiávamos, algum conselheiro cuja orientação nós respeitamos, algum braço de carne sobre o qual nos apoiamos falhou conosco, e nós o culpamos por causa das “águas amargas”!
“E ele clamou ao Senhor” (Êx 15.25). Moisés fez o que deveria ter feito: ele levou o assunto a Deus em oração. É para isto que nosso “Mara” serve: para nos conduzir ao Senhor. Eu digo “conduzir”, pois o trágico é que, na maioria das vezes, estamos tão sob a influência da carne que nos tornamos absorvidos pelas bênçãos de Deus em lugar de estarmos envolvidos com o próprio Abençoador. Talvez não deixemos totalmente de orar, mas sim que há muito pouco coração em nossas orações. É triste e solene, ainda que nem um pouco menos verdade, que é preciso um “Mara” para nos fazer clamar a Deus com seriedade.
“Andaram desgarrados pelo deserto, por caminhos solitários; não acharam cidade para habitarem. Famintos e sedentos, a sua alma neles desfalecia. […] Portanto, lhes abateu o coração com trabalho; tropeçaram, e não houve quem os ajudasse. Então clamaram ao Senhor na sua angústia, e os livrou das suas dificuldades. […] A sua alma aborreceu toda a comida, e chegaram até às portas da morte. Então clamaram ao Senhor na sua angústia, e Ele os livrou das suas dificuldades. […] Andam e cambaleiam como ébrios, e perderam todo o tino. Então clamam ao Senhor na sua angústia, e Ele os livra das suas dificuldades” (Sl 107.4,5,12,13,18,19,27,28). Infelizmente, isso é o que tantas vezes acontece com o escritor e com o leitor.
“E ele clamou ao Senhor, e o Senhor mostrou-lhe uma árvore, que lançou nas águas, e as águas se tornaram doces” (Êx 15.25). Moisés não clamou a Deus em vão. Aquele que proveu a redenção para Seu povo é o Deus de toda graça, e com infinita longanimidade Ele suportar Seu povo. A fé de Israel pode falhar e, em vez de confiar no Senhor para o atendimento de suas necessidades, deu lugar à murmuração; no entanto, Ele veio em seu socorro. Acontece o mesmo conosco. Como é verdade que Deus “não nos tratou segundo os nossos pecados nem nos recompensou segundo as nossas iniqüidades” (Sl 103.10). Mas em que base o Trino Santo trata tão ternamente Seu povo errante? Ah, não é bonito ver que, neste ponto também, nossa tipificação é perfeita: foi em resposta aos clamores de um mediador intercessor que Deus agiu. Em seu caráter oficial, Moisés é visto, durante toda a jornada, como aquele que se coloca entre Deus e Israel. Foi em resposta ao clamor dele que o Senhor veio socorrer Israel! E bendito seja Deus porque há também Aquele que vive “sempre para interceder” por nós (Hb 7.25), e, nesta base, Deus trata com ternura conosco quando passamos pelo deserto: “Se alguém pecar, temos um Advogado para com o Pai, Jesus Cristo, o justo” (1Jo 2.1).
Quão dependentes somos do Senhor e quão cegos somos em nós mesmos!
A forma como a resposta de Deus veio nessa ocasião também é profundamente significativa e instrutiva. Ele mostrou a Moisés “uma árvore”. A árvore estivera lá, evidentemente, o tempo todo, mas Moisés não a viu, ou pelo menos não sabia de suas propriedades edulcorantes. Não foi até o Senhor lhe mostrasse a árvore que ele aprendeu da provisão da graça de Deus. Isso mostra quão dependentes somos do Senhor, e quão cegos somos em nós mesmos. De Hagar lemos: “E abriu-lhe Deus os olhos, e viu um poço de água” (Gn 21.19). Semelhantemente, em 2Reis 6.17 nos é dito: “O Senhor abriu os olhos do moço, e viu; e eis que o monte estava cheio de cavalos e carros de fogo, em redor de Eliseu”. Claramente, “o ouvido que ouve e o olho que vê, o Senhor os fez a ambos” (Pv 20.12)
E o que foi que o Senhor mostrou a Moisés? Foi uma árvore. E o que essa árvore, que adoçou as águas amargas, tipifica? Certamente é a pessoa e a obra de nosso bendito Salvador – os dois estão inseparavelmente ligados. Existem várias escrituras que O apresentam sob a figura de uma árvore. No primeiro salmo é dito que Ele “será como a árvore plantada junto a ribeiros de águas, a qual dá o seu fruto no seu tempo; as suas folhas não cairão e tudo quanto fizer prosperará” (v. 3). Novamente, em Cantares de Salomão 2.3, lemos: “Qual a macieira entre as árvores do bosque, tal é o meu amado entre os filhos; desejo muito a sua sombra, e debaixo dela me assento; e o seu fruto é doce ao meu paladar”. Aqui esta a segunda grande lição de nosso deserto-vida: nada pode adoçar o amargo cálice de nossas experiências terrenas, exceto repousar sob a sombra de Cristo! Sente-se a Seus pés, caro leitor, e você encontrará Seu fruto doce ao paladar, e Suas palavras mais doces do que o mel ou o favo de mel.
Mas a árvore também fala da cruz de Cristo: “Levando Ele mesmo em Seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro5” (1Pe 2.24).
“A cruz de Cristo é o que faz doce para nós aquilo que é naturalmente amargo. É a comunhão de Seus sofrimentos (Fp 3.10), e o conhecimento disso desde o início [da vida cristã], que sofrimento não poderá adoçar! […] Lembremo-nos de que os sofrimentos de que falamos são, portanto, os sofrimentos que são peculiares a nós como cristãos. Essa amargura de morte no deserto não é simplesmente a experiência do que cabe em sorte ao homem comum experimentar. Não é a amargura simplesmente de estar no corpo, de suportar os males de que, dizem, a carne é herdeira. É a amargura que resulta de estar ligado com Cristo em Seu próprio caminho de sofrimento aqui. “Se sofrermos com Ele também reinaremos com Ele” Mara, então, é adoçada por esta “árvore”: a cruz, a cruz de vergonha, a cruz que foi a marca do veredito do mundo a Ele: a cruz é a doçura das lutas. Se nós suportarmos vergonha e rejeição por Ele, como Dele, poderemos suportar, e a doce realidade de estar unidos a Ele faz Mara potável.”
(Mr. Grant)
Uma bela ilustração disso é dada em Atos 16. Ali vemos Paulo e Silas na prisão de Filipos; eles haviam sido cruelmente açoitados e depois jogados no calabouço mais profundo. Ei-los na escuridão, com os pés no tronco e as costas sangrando. Isso foi “Mara” para eles, sem dúvida. Mas o que eles estavam fazendo? Eles “cantavam louvores”, e cantaram tão vigorosamente que os outros presos os escutavam (v. 25). Aqui vemos a “árvore” adoçando as águas amargas. Como lhes era possível cantar nessas circunstâncias? Porque eles se alegraram por terem sido considerados dignos de sofrer afrontas por “Seu nome” (5.41)! Assim, então, é como devemos usar a cruz em nossa vida diária: considerar nossas provações e aflições cristãs como oportunidade para ter comunhão com os sofrimentos do Salvador.
A obrigação de obediência nunca poderá ser extinta desde que Deus é Deus. A graça apenas estabelece, em uma base mais elevada, o que mais enfática e plenamente devemos a Ele como Suas criaturas redimidas.
“Ali lhes deu estatutos e uma ordenança e ali os provou. E disse: Se ouvires atento a voz do Senhor, teu Deus, e fizeres o que é reto diante de Seus olhos, e inclinares os teus ouvidos aos Seus mandamentos e guardares todos os Seus estatutos, nenhuma das enfermidades porei sobre ti, que pus sobre o Egito” (Êx 15.25,26). É muito importante marcar o contexto aqui. Nada havia sido dito sobre os estatutos e mandamentos de Jeová enquanto eles estavam no Egito. Mas, agora que eles haviam sido redimidos, agora que tinham sido comprados para Deus, as reivindicações governamentais divinas são feitas sobre eles. O Senhor estava lidando com eles na maravilhosa graça. Mas a graça não é anarquia. A graça somente nos torna mais devedores a Deus. Nossas obrigações são aumentadas, não canceladas assim. A graça reina pela justiça, não às custas dela (Rm 5.21). A obrigação de obediência nunca poderá ser extinta desde que Deus é Deus. A graça apenas estabelece, em uma base mais elevada, o que mais enfática e plenamente devemos a Ele como Suas criaturas redimidas.
Este princípio percorre toda a Escritura e se aplica a todas as dispensações: a bênção é dependente da obediência. Israel seria imune às doenças do Egito somente enquanto desse ouvidos diligentemente à voz do Senhor, seu Deus, e fizesse o que era certo a Seus olhos! Mas vamos deixar esse ponto claro. A guarda de Seus mandamentos não tem nada a ver com nossa salvação [eterna]. Israel aqui já estava sob o sangue e tinha sido, tipologicamente, trouxe através da morte para o terreno da ressurreição. No entanto, agora o Senhor lembra os israelitas de Seus mandamentos e estatutos. Até que ponto, então, estão errados os que argumentam que a lei não tem nada a ver com os cristãos? É verdade, ela não tem relação com sua salvação [eterna]. Mas é necessária para a regulamentação de sua caminhada. Crentes, assim como os incrédulos, estão sujeitos ao governo de Deus. A falha em reconhecer isso, a falha em obedecer a Seus mandamentos, não nos fará perder nossa salvação [eterna], mas vai trazer sobre nós o castigo das pragas de nosso Pai justo (cf. Jo 17.25).
Uma expressão separada é usada para a sentença final de Êxodo 15.26: “Porque Eu sou o Senhor que te sara”. Isso tem sido usado por algumas pessoas bem-intencionadas, cujo zelo é “sem entendimento”. Elas têm destacado essa sentença da Escritura e reivindicado o Senhor como seu Curador. Com isso, elas querem dizer que, em resposta a sua fé que se apropria dessa palavra, Deus as cura de doenças sem o uso de ervas ou drogas. A partir disso, elas deduzem o princípio de que é errado para um crente recorrer a qualquer médico ou assistência médica. O Senhor é o médico delas, e é não confiar Nele consultar um médico humano. Mas, se essa escritura for examinada em seu contexto, vamos ver que ela, em vez de ensinar que Deus despreza o uso de meios na cura do Seu povo, Ele os emprega. As águas amargas de Mara não foram curadas por um “faça-se” peremptório de Jeová, mas por uma árvore jogada nelas! Assim, na primeira referência à cura na Bíblia, encontramos Deus escolhendo deliberadamente empregar meios para a cura e a saúde de Seu povo. Da mesma forma, ele abençoou Eliseu na utilização de meios (sal) na cura das águas em 2Reis 2.19-22. Do mesmo modo, Deus instruiu seu servo Isaías a usar um meio (um cataplasma de figo) na cura de Ezequias. Assim também em Salmos 104.14, lemos: “Faz crescer a erva para o gado e a verdura para o serviço do homem, para fazer sair da terra o pão”. Então, lemos o apóstolo Paulo exortando Timóteo a tomar um pouco de vinho por causa do estômago (1Tm 5.23). Mesmo na nova terra, Deus usará meios para curar o corpo das nações que viveram o milênio sem morrer e serão ressuscitadas em corpos glorificados: “As folhas da árvore são para a saúde [cura] das nações” (Ap 22.2).
“Então vieram a Elim, e havia ali doze fontes de água e setenta palmeiras; e ali se acamparam junto das águas” (Êx 15.27). Isso não entra em conflito com nossas observações sobre os versos anteriores. Elim é o complemento a Mara, e isso será mais evidente se observarmos sua ordem. Em primeiro lugar, as águas amargas de Mara adoçadas pela árvore; em seguida, os poços de água pura e as palmeiras para sombra e refresco. Certamente a interpretação é óbvia: quando estamos caminhando em comunhão com Cristo e o princípio de Sua cruz é fielmente aplicado a nossa vida diária, não só a amargura do sofrimento por amor a Ele é adoçada, como entramos nas puras alegrias puras que Deus provê para os Seus, mesmo aqui em baixo. Elim, portanto, fala da satisfação que Deus dá aos que estão caminhando com Ele em obediência. Essa alegria de coração, essa satisfação de alma, chega a nós por meio do ministério da Palavra – daí a importância dos doze poços e das setenta palmeiras, os próprios números selecionados por Cristo ao enviar Seus apóstolos (ver Lc 9.1–10.1). O Senhor quis garantir que, assim que atendamos à lição de Mara, Elim será nossa alegre porção.
Notas
1 Que prefigura o batismo cristão (1Co 10.2). (N. do E.)
2 Compare Os 6.2 – “Ao terceiro dia [ou seja, depois de três milênios, 2Pe 3.8] nos [Israel] ressuscitará”; “Ao terceiro dia [o terceiro dia milenar] nos ressuscitará, e viveremos diante Dele [na presença de Cristo] – com At 7.5: “E [Deus] não lhe [a Abraão] deu nela [na terra de Canaã] herança, nem ainda o espaço de um pé; mas prometeu que lhe daria a posse dela, e, depois dele, à sua descendência, não tendo ele ainda filho”. Essa promessa só pode cumprida por Deus no momento da ressurreição de Abraão. Tenha em mente que Abraão esta naquela seção bendita do Hades/Sheol chamada Paraíso (Lc 23.43. Cf. 16. 23,26,30,31; Mt 16.18), aguardando o retorno de Cristo e o tempo de sua ressurreição (1Ts 4.15,16. Cf. Jo 14.3; Hb 11.39,40; Ap 6.9-11). (N. do E.)
Obs.: A nota acima é do editor original do presente artigo. Porém, o tradutor desta versão em português não concorda em que todos os “dias” da Bíblia devam ser interpretados doutrinariamente à luz de 2Pe 3.8. É meu entendimento que Pedro não está fazendo uma afirmação acerca da cronologia da Bíblia, mas apenas destacando a diferença entre a avaliação de tempo feita pelo homem e a feita por Deus, que está fora do tempo. Concordo que a referência a “três dias” sempre aponte, de uma forma ou outra, à ressurreição; no entanto, tenho restrições ao uso de 2Pe 3.8 nesse contexto. Essa observação, porém, não compromete, de modo algum, a aplicação geral feita pelo autor.
3 Verso do hino “Abide With Me” (Comigo habita), letra de Henry F. Lyte (1847), música, Eventide, de William H. Monk (1861).
4 O título inspirado (que faz parte do texto da Bíblia) deste salmo é: Salmo de Davi quando estava no deserto de Judá. (N. do T.)
5 A palavra grega ξυλου, traduzida aqui por madeiro, é traduzida também por varapaus (Mt 26.47 e outros), tronco (At 16.24), madeira (1Co 3.12) e árvore (Ap 2.7; 18.12; 22.2,14). Em inglês, nessa frase, cruz e madeiro são a mesma palavra. (N. do T.)