Leitura: Hebreus 11.24-27, 13, 16.
Deus tem um grande desejo: ter aquilo que poderia ser chamado de “um povo desfrutando do Seu melhor”. Enquanto Ele não tiver esse povo, nunca estará plenamente satisfeito. Pode haver aqueles que aceitarão Seu “segundo melhor” – pois Ele certamente permite um segundo melhor –, mas apenas um povo voltado para o Seu melhor vai verdadeiramente satisfazer Seu coração. Mas, como o processo para obter o Seu melhor é repleto de conflito, custo e disciplina, e tudo isso é absolutamente contrário ao curso da natureza, nem todos – na verdade, apenas uns poucos – continuarão com Ele na busca de Seu melhor. Esse princípio é visto ao longo das Escrituras, e existem algumas ilustrações notáveis dele. Elas são encontradas em todas as dispensações.
Não devemos dizer que a geração que pereceu no deserto, e que fora tirada do Egito pela virtude do precioso sangue e pela fé inicial – pois “pela fé passaram o Mar Vermelho” (Hb 11.29) – representa a perda absoluta e final da salvação. No entanto, fica muito claro que aquela geração perdeu aquilo que Deus intencionava para ela, e foi uma perda grande e dolorosa, sempre apresentada nas Escrituras como um exemplo de tragédia, fracasso e decepção. Não devemos dizer que a maior parte daqueles que foram para o exílio na Babilônia, na Caldéia, e nunca mais retornaram, perderam eternamente a salvação de Deus. Mas sabemos que a minoria voltou e, ao fazer isso, cumpriu o verdadeiro propósito de Deus. Esses são apresentados como aqueles de quem particularmente Deus não se envergonha. Em certo sentido Deus se envergonha dos demais, tanto no deserto como na Babilônia. Isso acontece em todas as dispensações. O chamado continua soando, inclusive aqui, para que o povo de Deus não se satisfaça com uma segunda opção que não seja o melhor de Deus.
Mas, como já dissemos, isso não é apenas um chamado para uma realização. Esse é um chamado para o pioneirismo em favor de outros, pois muitos do povo do Senhor não conhecem o caminho celestial. Eles estranhamente não conhecem o caminho celestial, apesar de serem nascidos do alto. Essa é uma verdade, ainda que não apresentaremos todas as provas dela. Talvez muitos de nós tenham tido essa atitude por um período da vida cristã. Tudo era essencialmente terreno. Nossas atividades eram relacionadas à terra, de uma maneira cristã. Então, chegou um momento de crise, quando entendemos o sentido de um céu aberto e fomos elevados a um nível inteiramente novo de vida espiritual; a partir daí começamos a aprender as coisas celestiais de uma nova maneira. Tudo isso são fatos, e o movimento de todos aqueles que são chamados por Deus para trilhar esse caminho celestial não envolve apenas sua própria medida espiritual, mas essas pessoas são chamadas a abrir caminho para aqueles que não o conhecem, até mesmo entre o povo do Senhor. Isso não significa que devem pregar sobre um caminho celestial ou possuir uma interpretação especial das Escrituras, alguma doutrina ou fraseologia. Significa que eles são chamados a viver pelo benefício desse chamado, viver de acordo com ele, e, por meio daquilo que eles sabem e experimentam, são capazes de ajudar os outros a se elevarem dos níveis mais baixos da vida espiritual.
Portanto, vamos examinar novamente a questão do pioneirismo no caminho celestial, centrando nossos pensamentos em outro grande pioneiro: Moisés. Existem, é claro, muitos outros aspectos de sua vida além do pioneirismo, mas acredito que este aspecto realmente é o que torna Moisés significativo: o fato de que ele foi o pioneiro de um caminho celestial.
Se olharmos para a vida de Moisés a partir de um ponto de vista terreno, vemos muito desapontamento, fracasso e tragédia, pois, apesar de ter palmilhado o caminho celestial e aprendido muito dele por oitenta anos – que foram oitenta longos, difíceis e escrutinadores anos de disciplina e sofrimento –, nem ele nem o povo que ele tirou do Egito entraram na terra. Isso nos soa como decepção, na verdade, como tragédia. Jamais poderei ler aquele registro de Moisés implorando a Deus para deixá-lo entrar em Canaã, e a recusa absoluta, final e conclusiva de Deus, sem ser profundamente tocado. É algo comovente.
Dessas pessoas que foram constituídas numa nação pelas mãos de Moisés, e que instrumentalmente deviam a ele sua existência como nação, vemos que além do fato daquela primeira geração não ter entrado na terra e na herança, toda a história da nação desde então se tornou uma tragédia. Houve momentos e períodos brilhantes nessa história; houve tempos de glória, mas, olhando o todo até nossos dias, lembrando o quanto falam sobre Moisés, o que atribuem a Moisés e o quanto sempre apelam para Moisés, essa tem sido uma história muito decepcionante. Reitero que, sob certos pontos de vista, a vida de Moisés indica muito do que podemos considerar fracasso, decepção e tragédia. Mas, por outro lado, quando observamos o próprio fato da vida de Moisés e a natureza de sua conclusão, o fato da geração que pereceu no deserto, o fato dessa nação ter fracassado e desapontado ao longo das eras, vemos que esse é o argumento mais conclusivo para outro aspecto, qual seja: a verdade Divina do que é celestial. É claramente enfatizado que, se tudo se resumir nas coisas daqui de baixo, então é muito pobre. Deve haver algum outro caminho, alguma outra sequência para isso, aquilo não pode ser tudo. Não; existe outro ponto de vista: o ponto de vista celestial, onde o tudo é interpretado e governado pelo céu.
Bem, vamos olhar para Moisés: em primeiro lugar para ele e seu treinamento e, em segundo lugar, para Israel debaixo de sua liderança.
1. O treinamento de Moisés
(a) Captura soberana
Começaremos com a pessoa e o treinamento de Moisés, não com seu nascimento. Vamos iniciar a partir de onde lemos sobre ele na Epístola aos Hebreus: quando estava no Egito. Nesse ponto, encontramo-nos novamente diante de algo que já mencionamos nessas meditações: aquele senso inato de destino. Não poderemos fugir disso. Quando tratamos do pleno propósito de Deus e tudo que envolve a obra, o serviço, o ministério e o pioneirismo relacionados a ela, este sempre será o ponto inicial, isto sempre estará ali: esse sentimento profundo da soberana captura Divina para algo.
Aqui está este homem no Egito, cercado por tudo o que o Egito oferece. Os estudantes de história sabem que a glória e o encanto do Egito não eram pouca coisa nos dias de Moisés. Ele estava cercado por tudo isso. O escritor de Hebreus aqui fala dos “tesouros do Egito”. Seus prazeres, suas amenidades, sua erudição, sua educação: todos os seus privilégios, inclusive a casa do rei – tudo estava ao comando e à disposição de Moisés. Ele era “instruído em toda a ciência dos egípcios” (At 7.22) e tinha todos os “tesouros” do Egito nas mãos. Isso não era pouca coisa. Você diria que isso era algum sem qualquer valor para ser desprezado? Isso era o poderoso “tudo” deste mundo – mas aquele senso de destino o transformou em nada. Embora Moisés pudesse desfrutar de tudo, tanto quanto podia, havia uma sombra constante sobre esse prazer, algo dentro dele o impedia de ficar plenamente satisfeito com aquilo. Havia uma inquieta sensação de descontentamento e insatisfação em Moisés, o que de fato era uma ação da relutância de Deus de se satisfazer com qualquer coisa aquém de Seu pleno propósito. Moisés talvez não conseguisse explicar ou definir esse estranho anseio, mas aquilo o fez saber que o “tudo” do Egito não era de forma alguma o tudo de Deus, e que o Egito nunca poderia responder a esse chamado e o levar para cima e além.
Pode ser que esse fato esteja oculto hoje enquanto você lê essas palavras. Você poderia obter muita coisa neste mundo se desejasse se empenhar para alcançá-las. Você poderia ter um caminho no mundo, em seus prazeres e outras coisas, se realmente quisesse. Sim, e talvez você pudesse obter aceitação e posição até mesmo no mundo religioso, mas isso se tornou secundário para você. Há algo em você – que talvez não possa definir, nem mesmo descrever o que é –, mas você sabe que existe algo, e, a menos que descubra o que é e consiga obtê-lo, sua vida será uma decepção, tudo não passará de escárnio. Se isso for verdade em seu caso, é uma grande esperança, algo maravilhoso: o sentido do céu desceu e capturou você. É claro que, se você não tiver essa percepção, ficará satisfeito com todo tipo de coisas inferiores a isso, e estará correndo atrás delas. Mas, observe, se você conseguir viver assim, essa é uma acusação terrível, pois significa que de alguma forma, no que diz respeito a você, aquela poderosa captura celestial fracassou.
(b) Uma crise
Assim, algo começou a tocar interiormente Moisés, e essa coisa interior levou-o a uma crise definitiva, a crise entre o terreno e o celestial. O Senhor tem maneiras maravilhosas de produzir essa crise. Ela nem sempre é produzida e precipitada por algum êxtase – se é isso que você busca –, pela glória de uma grande luz e visão, pelo arrebatamento da alma, por alguma experiência celestial tremendamente maravilhosa. Nem sempre essa crise acontece assim. Não foi dessa forma que aconteceu com Moisés, nem com outros. Como ela ocorreu, então? Um dia, ele saiu e viu um egípcio maltratando um hebreu; então, esse senso de destino se apoderou dele e o governou, e, como se deduz, ele era fisicamente forte, ali mesmo atacou o egípcio e o matou. Essa foi a crise que precipitou tudo. Às vezes, apenas acordamos para o celestial ou somos colocados face a face com essa esfera devido a uma contravenção ou uma falha terrível; pois, quase imediatamente depois disso, a permanência de Moisés no reino do Egito se tornou insustentável, e ele precisou partir.
Mas o que havia dentro dessa crise, qual era seu sentido, por que Deus permitiu que ela acontecesse? Moisés poderia ter dito: “Por que o Senhor me permitiu fazer isso? Por que o Senhor, que me conhecia de antemão e, em Sua própria presciência, me chamou para Seu grande serviço me deixou fazer essa bagunça? Por que Ele permitiu que eu me envolvesse em algo como um assassinato, para ter minhas mãos manchadas por um crime? Eu, que fui chamado para ser o emancipador do povo de Deus! Por que o Senhor permitiu isso?” A resposta teria sido: “Não é assim que o céu faz as coisas, Moisés. Essa é a maneira do mundo, é o modo da carne fazer as coisas. Não é a maneira como o céu faz as coisas. Você, Moisés, nunca pode trazer um povo celestial a um lugar celestial por meio de métodos e meios terrenos. Aprenda isso de uma vez por todas. Essa pode parecer uma maneira terrível de lidar com a situação, mas ela aí está, de forma clara e simples. Esse povo, que você foi escolhido para liderar pela presciência, por um ato soberano de Deus e por meio desse senso de destino em você, esse povo foi escolhido para ser um povo celestial. Como você pode conduzi-lo para um nível de vida celestial se esse não for seu nível de vida?” Voltaremos a isso em um minuto. O céu irrompe e afirma enfaticamente: “Não, Moisés. Armas carnais para fins carnais, mas não armas carnais para fins espirituais; meios terrenais para fins terrenais, mas não meios terrenais para fins celestiais. O céu governa aqui, e que isso fique registrado assim.” Que lição de vida! Que fundamento!
Bem, você pode nunca ter cometido um assassino, mas não tenho dúvidas de que pelo menos alguns dos que lêem essas linhas aprenderam lições muito profundas dessa natureza: que você simplesmente não pode prosseguir com Deus neste nível, você não pode seguir em frente com Deus nesta linha, não pode servir a Deus em Seu propósito celestial desta forma: na força da carne. Isso é muito fiel ao princípio divino. O céu não aceitará nada desse tipo, mas demandará por sua própria vida e natureza. Essa foi a crise entre o celestial e o terrenal no treinamento de Moisés.
(c) Quarenta anos no deserto
Então, temos a próxima fase: a ida para o deserto, para um “deserto remoto” pelos próximos quarenta anos. Oh, certamente isso não tem lugar na economia de Deus! Sim, os desertos sempre representam e significam uma coisa, onde quer que você os encontre. Eles significam o esvaziamento pessoal. Pense sobre isso. Você não poderá ser uma pessoa muito importante, autossuficiente e autoconfiante em um deserto. Um deserto nos esvazia de tudo isso. Não é somente você que está no deserto: o deserto entra em você, tornando-o estéril, desolado, incapaz, inútil. Você não acha que em quarenta anos no deserto isso não foi injetado em Moisés? O que estava acontecendo?
Esse é o lado negativo do treinamento, representando o cancelamento do Egito e do mundo. O Egito apontava para autossuficiência, sempre foi o sinônimo de independência – e o Egito precisava ser tirado de Moisés. Ele precisou ser esvaziado do espírito e dos princípios do mundo. O Egito havia entrado em Moisés e agora estava sendo posto para fora, enquanto exatamente o contrário do Egito estava entrando. Esse lado que chamamos de negativo é uma parte integrante da escola do caminho celestial. Isso nos leva interior e espiritualmente ao lugar onde vemos de modo claro que em nós não habita bem algum, e que não seremos capazes de produzir e realizar nada. Esse é o deserto. Não entenda mal nem falhe em reconhecer isso. Isso é verdadeiro com relação à vida, à experiência e é alinhado aos princípios celestiais. É necessário que haja uma abertura de espaço em nós para o céu, pois não há lugar para o céu em nós por natureza.
(d) A difícil prova de emancipação
Então, temos o próximo passo depois disso: Moisés é trazido de volta ao Egito para a difícil prova da emancipação. Agora é o Senhor, não mais Moisés. Ou tudo vai ser o Senhor agora, ou nada acontecerá. Mas será o Senhor. “Agora verás o que hei de fazer” (Êx 6.1). Certo dia, Moisés disse: “Agora você verá o que eu farei”, e o egípcio sentiu o peso disso, e, no dia seguinte, o hebreu. Mas isso acabou, e o Senhor agora diz: “Agora verás o que hei de fazer”. “Eu vou agir, agora que você parou.” A posição é alterada, tudo agora se torna possível. Houve uma transição do negativo para o positivo. A grande e difícil prova da emancipação desse povo tem início.
O primeiro estágio relaciona-se com a vara e a mão. Vemos em Êxodo 4: “Que é isso na tua mão?” “Uma vara.” “Muito bem; por meio daquela vara as coisas serão realizadas.” “Põe agora a tua mão no teu seio” [vv. 2,6] “Retire-a” – branca e leprosa. “Torna a pôr a tua mão no teu seio”. “Retire” – limpa e íntegra.
A vara
O que a vara representa? Sabemos que a vara usada por Moisés se tornou a vara usada por Arão, aquela que brotou quando o sacerdócio foi posto à prova (Nm 17). Doze varas foram colocadas na tenda do testemunho durante a noite, representando as tribos. De manhã, havia onze varas mortas e uma viva – o emblema de um sacerdócio vivo. E não se esqueça: o sacerdócio se relaciona com o espiritual. Eles teriam de lidar com todos os deuses dos egípcios. Eles são impuros, corruptos, maus, comitiva do diabo. Se faz necessário o grande poder de um sacerdócio santo para lidar com essa situação impura. É a vara da palavra da Cruz. A palavra da Cruz é uma vara poderosa.
Qual é a questão relacionada a toda essa provação? É a afirmação do Senhor: “Os egípcios saberão que eu sou o Senhor” (Êx 7.5). Essa é a questão. Vamos então começar a aplicá-la de maneira prática por meio da palavra da Cruz, a palavra do sacerdócio vivo.
Aplique-o primeiro a toda a esfera da natureza, da criação. “Eu, o Senhor, as criei” (Is 45.8). O Senhor do Calvário é o Senhor da criação, e a primeira aplicação da palavra da Cruz ocorreu no Egito. Com um toque do Senhor da criação, o mundo dos seres vivos é trazido a julgamento. Eis a questão: “Eu sou o Senhor” [Êx 7.5].
A segunda aplicação é em relação aos céus – pois o Senhor fez os céus assim como fez a terra –, e os elementos são tocados por meio de Sua palavra. Se olhar para o Calvário, você verá ali todas essas características. Quando Ele, o grande Pioneiro do caminho celestial, foi à Cruz, toda a criação foi afetada. O céu e a terra estavam envolvidos. Houve um grande terremoto, e houve “trevas sobre toda a terra, até a hora nona” [Mt 27:45]. A criação e os próprios elementos sofreram o impacto Daquele que é a Palavra na Cruz. Isso aconteceu tipologicamente no Egito.
Então, em terceiro lugar, temos a aplicação para o inferno. Qual é a maior arma do inferno? A morte, “o último inimigo” (1Co 15.26). A morte não é nossa amiga, é o último inimigo, e a morte foi o último juízo do Egito. A fortaleza do inferno foi invadida, o poder da morte foi conquistado para a emancipação de um povo. Foi isso que Cristo fez na Cruz. Esta é a palavra da Cruz: o inferno foi invadido e a morte foi capturada para servir aos fins determinados por Deus, em vez de frustrá-los. No Egito, a palavra, por meio da vara, tocou o primogênito com a morte, e o inferno foi picado em seu âmago com seu próprio ferrão. Mas isso não é tudo. Aquela mesma vara guiou o povo para fora, executando a redenção do Egito através do Mar Vermelho. “E tu, levanta a tua vara, e estende a tua mão sobre o mar” (Êx 14.16). A palavra da Cruz é a palavra da vida triunfante sobre a morte. A morte é vencida, a vida e a incorrupção são trazidos à luz [2Tm 1.10]. Por meio da vara da palavra da Cruz, por meio dessa provação maravilhosa de emancipação, Moisés aprendeu uma coisa: que o céu governa.
Você se pergunta porque tudo foi gradual, não acontecendo de uma só vez. O efeito da vara foi apenas parcial no início, mas ganhou força e poder à medida que avançava.
Temos dois lados. Por um lado, existe o caráter progressivo dessa educação: ela é gradual. Não vamos ver e conhecer todo o poder do céu instantaneamente. Aprendemos um pouco de cada vez. É uma coisa gradual. Esse poder se manifesta até um ponto uma vez, vai um pouco além na próxima. Não é isso que estamos aprendendo? Aprendemos esta lição de maneiras simples: como o céu é maior do que a terra, do que o homem, a natureza, o inimigo. Estamos aprendendo cada vez mais, passo a passo, o significado dessa tremenda e infinita ascendência do céu.
Mas existe outro lado. Deus, progressivamente, está ampliando as forças contrárias, estendendo-as gradualmente. “Eu lhe endurecerei o coração”; “Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó”; “Eu endurecerei o coração de Faraó”; “o Senhor endureceu o coração de Faraó” [Êx 4.21; 7.3; 14.4;8]. Deus poderia tê-lo eliminado com um só golpe, mas Ele estendeu isso ao limite máximo. O poder deste mundo será ampliado em toda a sua extensão para encontrar o poder infinito do céu, e então, ao final de tudo, a superioridade do céu será muito clara.
Já dissemos isso tantas vezes, e é verdade. Embora não possamos compreender, ver ou calcular, a verdade é que “o poder que em nós opera” é “a sobre-excelente grandeza do Seu poder” (Ef 3.20; 1.19). Não sabemos, somos incapazes de mensurar a imensidão das forças que operam contra a salvação de uma alma, que se opõem ao propósito de Deus para Seu povo. Sabemos um pouco a respeito, e saberemos mais e mais à medida que avançarmos, mas quando a Palavra menciona “a sobre-excelente grandeza do Seu poder”, isso não é apenas um figura de linguagem, mas é uma tentativa, apenas uma tentativa, por meio da linguagem, dos superlativos, de tudo o que a linguagem humana pode fazer, de transmitir a realidade. “E qual a sobre-excelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do Seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-O dentre os mortos” (Ef 1.19,20). E essa palavra é direcionada a nós.
Temos algo extraordinário aqui. Temos a superioridade do céu sobre toda essa situação de trazer um povo para fora e conduzi-lo através. Estamos nessa escola. Moisés esteve nessa escola. Ele foi submetido a essa provação para que pudesse progressivamente, mas de forma bastante firme e definitiva, reconhecer que tudo o que está aqui no Egito, representado por faraó, será drenado até a última gota de sua vitalidade e morrerá. Moisés às vezes ficava apreensivo, voltava do desafio desapontado. Ele sentia: “Ainda não chegamos lá, ainda falta alguma coisa”. “Tudo bem”, dizia o Senhor; “nós teremos algo mais.” O Senhor estava educando Moisés, e este estava vendo mais e mais progressivamente. Você não acha que, se Deus fizesse tudo de uma vez, em um ato, perderíamos alguma coisa, tomaríamos as coisas como garantidas, não teriam tanto valor para nós, seriam apenas um milagre do passado? No entanto, ao longo de nossa vida, Deus está estendendo as forças opositoras que operam contra nós para provar que Suas forças são superiores. É uma longa escola, mas esse é o caminho do propósito celestial.
A mão
Agora vamos falar da mão. “Põe agora a tua mão no teu seio” [Êx 4.6]. Que mão? Aquela mão que havia assassinado o egípcio, manchada de sangue, a mão da força natural, da autossuficiência. Aquela mão representava o velho Moisés e seu fracasso, fracasso debaixo da energia e do impulso da própria vontade. “Ponha essa mão no teu seio. O que está ali, Moisés? Isso é aquilo que provém de você. Você acha que pode manejar a vara de Deus? Acha que com isso pode trazer a autoridade celestial? Oh não! Essa mão precisa ser limpa antes que você possa empunhar aquela vara. Esse seio precisa ser limpo, aquela mancha deve ser removida, toda aquela energia do ego e da autossuficiência deve ser eliminada. Moisés, aquela mão leprosa é aquilo que você é em si mesmo.”
Um ato Divino de purificação ocorreu em Moisés. Naquele instante, todo o significado da Cruz, da palavra da Cruz, entrou em vigor na vida de Moisés, em tipo, em figura. A partir daí é possível receber a palavra da Cruz, a palavra de autoridade, quando temos uma mão purificada, ou seja, um coração circuncidado, uma vida interior separada da força e da suficiência carnais. As coisas devem acontecer assim. Não teremos poder no reino dos deuses dos egípcios, aquelas forças espirituais que atuam neste mundo, não teremos nenhuma autoridade nessa esfera, nem mesmo temos esperança de dominar essa força a menos que algo tenha acontecido para nos libertar de nossa própria força, de nossa suficiência, de nosso próprio coração.
(2) Israel sob a liderança de Moisés
Depois entramos naquela fase, que é tão longa que mal ouso tratar dela agora, que foi Israel debaixo da liderança de Moisés. Foi uma prolongada controvérsia entre o celestial e o que é terrenal. Todos aqueles quarenta anos da nação no deserto se resumiram nisto: a controvérsia entre o celestial e o terrenal. Eles foram tornados um povo celestial para ter todos os seus recursos, apoio e socorro vindos do céu. Deveriam estar neste mundo, mas não pertencer a ele. Essa verdade é muito clara em um deserto: estar no mundo, sem pertencer a ele.
O propósito Divino era criar um lugar mais amplo para o céu. Ali naquele deserto havia muito espaço para o céu. Tudo que viesse do lado Divino precisaria ser celestial. O povo foi constituído segundo princípios celestiais. Moisés no monte estava assegurando aqueles princípios celestiais para a constituição da nação. Tudo estava sendo recebido do céu. De acordo com o padrão mostrado no monte, todo o relacionamento do povo de Israel com Deus no deserto, que era centralizado no tabernáculo, veio do céu. Tudo era celestial, nada havia sido deixado para o homem e seu próprio julgamento. Sua caminhada dia a dia dependia de meios celestiais: da coluna de nuvem e de fogo [cf. Êx 13.21]. Tudo era celestial. Que combate celestial: Moisés no cimo do outeiro, com as mãos levantadas, a batalha acontecendo no vale. O céu estava dirigindo essa guerra: um combate celestial [cf. Êx 17]. Tudo se resumia em aprender o significado do caminho celestial, em cada um de seus aspectos.
Mas eles falharam em aprender essas lições, desceram à terra, rejeitaram o celestial. Aquele caminho era muito árduo, era muito difícil para a carne, era muito incerto. Demandava tanta dependência, tornando o ego absolutamente incapaz. Eles não poderiam fazer nada por si mesmos – e nós desejamos muito ajudar a nós mesmos nessas condições. Tudo era tão celestial, apesar de ter sido muito real. Aqueles que conhecem alguma coisa a esse respeito bem sabem que as coisas celestiais são extremamente reais, muito mais reais do que as outras coisas. Mas eles não adotaram e repudiaram o caminho celestial, optando pelo terrenal, e todos pereceram, na terra, no deserto.
Josué e Calebe aprenderam todas aquelas lições da escola de Moisés e de Israel por si mesmos. Eles aprenderam as lições, compreenderam a verdade celestial e tomaram a próxima geração: uma geração celestial.
Bem, tudo isso pode ser considerado história, assim como tudo que está na Bíblia. No entanto, tenho certeza de que muitos de vocês estão lendo sua própria história. Consideramos esse princípio muito fiel à nossa experiência, àquilo que Deus está fazendo conosco: derrotando-nos, confundindo-nos, levando-nos a um fim, a um vazio e ao absoluto desamparo? Ainda assim, por meio de um grande poder que não sentimos, do qual não temos consciência, continuamos “sendo arrastados para a frente e para cima”. Essa é a história da sobrevivência de tantos, quando tudo parecia ter se perdido, quando falhamos, fomos quebrados, desapontamos o Senhor; e acreditamos não haver mais futuro diante de nós.
Mas existe um futuro. Nós continuamos em frente. Existe algo do além que nos sustenta o tempo todo, e talvez hoje nosso coração esteja mais voltado para o que é de Deus do que ocorria antes. E por que isso acontece? Não porque tivemos mais sucesso, nem porque somos menos cheios de fraquezas e falhas. Não; aprendemos a lição de nossa própria fraqueza. Sabemos hoje, melhor do que nunca, que “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7.18) – e hoje o Senhor tem uma influência ainda mais forte sobre nós. Como isso é possível? Esse é um mistério. Oh, graças a Deus isso é verdade! Agradeça a Deus por Sua graça soberana! Essas são as evidências de que Ele nos chamou com um grande chamado e que não ficará satisfeito até que nos conduza a Seu propósito final. Que sigamos em frente, custe o que custar.
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