Categoria: A. W. Pink
As igrejas de Deus (A. W. Pink)
“Pois vós, irmãos, vos tornastes imitadores das igrejas de Deus em Cristo Jesus que estão na Judéia” (1Ts 2:14)
A ignorância que prevalece no Cristianismo agora em relação às Igrejas de Deus é profunda e mais geral que qualquer outro erro sobre qualquer outro tema das Escrituras. Muitos que são fortes em relação ao Evangelho e são corretamente ensinados sobre os grandes fundamentos da fé, estão equivocados em relação à Igreja. Há de se notar que a confusão que abunda diz mais respeito a palavra “Igreja”. Há poucas palavras com tamanha variedade de sentidos. O homem comum entende por “igreja” um edifício no qual as pessoas se congregam para a adoração pública. Porém os que compreendem melhor, sabem que o termo se refere as pessoas que se congregam neste edifício.
Outros usam o termo em um sentido denominacional e chamam de a “Igreja Metodista” ou a “Igreja Presbiteriana”. Também se emprega para chamar de instituições do Estado como a “Igreja da Inglaterra” ou a “Igreja da Escócia”.
Para os papistas, a palavra “igreja” é quase sinônimo da palavra “salvação”, porque eles ensinam que todos os que estão fora da “Santa Igreja Mãe” estão eternamente perdidos.
Para muitos que são até mesmo povo de Deus, parece não interessar-lhes o que Deus pensa sobre o tema. É triste notar que homens devotos no Evangelho, que proclamam a Palavra de Deus, nos comentam que não se molestam em relação à doutrina da Igreja; que a salvação é um tema mais importante; e o estabelecimento dos Cristão nos fundamentos é tudo o que é necessário.
Vemos que eles dão capítulo e versículo para cada declaração que fazem e enfatizam a autoridade da Palavra de Deus, porém cerram os olhos à seus ensinamentos sobre a Igreja.
Que constitui uma Igreja Neotestamentária ?
Que haja multidões de supostos Cristãos que desdenham a importância desta questão em manifesto. Suas ações os demonstram. Não se molestam em contestar a pergunta. Alguns estão contentes em ficar fora de qualquer Igreja terrenal. Outros se unem a alguma igreja por considerações sentimentais, porque seus pais ou seus parentes pertencem à ela. Todavia outros se unem a uma igreja por motivos mais baixos, por razões políticas ou de negócios. Porém isto não deve ser assim.
Se o leitor é um Anglicano, deve sê-lo porque está convencido de que sua igreja é a mais bíblica. Se é presbiteriano, deve sê-lo pela convicção de que sua igreja está mais de acordo com a Palavra de Deus. E assim também se és Batista, ou Metodista, etc.
Há muitos outros que não guardam nenhuma esperança de poder contestar satisfatoriamente a pergunta: O que é uma Igreja Neotestamentária ? A confusão que causam no Cristianismo, as numerosas seitas e denominações, que diferem amplamente na doutrina e na constituição da igreja e na sua idéia sobre o governo, tem desanimado a muitos. Não dispõe de tempo necessário para examinar as declarações de muitas denominações. Muitos Cristãos são pessoas muito ocupadas, que trabalham muito para ganhar a vida, e não tem o tempo necessário para investigar adequadamente os méritos escriturísticos dos diferentes sistemas eclesiásticos.
Conseqüentemente deixam de um lado a questão, porque a vem demasiadamente difícil e complexa para poder chegar a uma conclusão satisfatória e conclusiva. Porém não, a solução não deve ser assim. Em vez de que estas diferenças de opiniões nos deixem perplexos, devem estimular-nos a chegar a compreender a mente de Deus em relação ao assunto. Se Ele nos diz que devemos “comprar a verdade”, o que implica que o esforço e o sacrifício são necessários, somos convidados a “provar todas as coisas”.
Agora, é óbvio a todos que deve haver uma maneira mais excelente do que examinar os credos e os artigos de fé de todas as demais denominações. O único método satisfatório para descobrir a resposta divina à pergunta é voltarmos para o próprio Novo Testamento e estudar seus ensinamentos relacionados à “Igreja”; não os pontos de vista de algum homem piedoso; não aceitando o credo de uma Igreja a qual pertencem os meus pais; mas sim provando todas as coisas por si mesma. O povo de Deus não tem nenhum direito de organizar uma igreja sobre fundamentos que não são os que governaram as Igrejas no tempo do Novo Testamento. Uma instituição cujos ensinamentos ou governo são contrários aos Novo Testamento sem dúvida não é uma igreja neotestamentária.
Agora, se Deus tem considerado de suma importância colocar entre as páginas de inspiração, o que é uma igreja neotestamentária, então deve ser importante para cada homem ou mulher estudar o que está escrito, e submetermos a sua autoridade e conformarmos à sua conduta. Assim que apelo ao Novo Testamento unicamente e busco a resposta a nossa pergunta.
1. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes.
Muita confusão tem sido o resultado de se utilizar adjetivos que não se encontram no Novo Testamento. Se fossemos perguntar a alguns Cristãos: a que igreja você pertence ? Contestariam: a grande igreja invisível de Cristo – uma igreja que é intangível e invisível. Quantos repetem o Credo dos Apóstolos, “Creio na santa igreja católica ?, que certamente não era parte alguma no credo que os apóstolos mantiveram. Outros falam de uma “igreja militante” e de uma “igreja triunfante”, porém nenhum destes termos se encontram nas Escrituras, e os empregarmos somente cria dificuldade e confusão. No momento que deixamos de reter “o modelo das sãs palavras” (2 Timóteo 2:13) e usamos termos não-escriturísticos, somente nos confundimos ainda mais. Não podemos melhorar as Sagradas Escrituras. Não há necessidade de inventar mais temos, fazê-lo é criticar o vocabulário do Espírito Santo. Quando alguns falam de uma igreja universal de Cristo, empregam um termo anti-escriturístico. O que querem dizer é “a família de Deus”. Esta última expressão inclui toda a companhia dos eleitos, porém a palavra “Igreja” não tem o mesmo sentido.
O tipo de Igreja que é enfatizado no Novo Testamento não é nem invisível nem universal, mas visível e local. A palavra para “igreja” é ekklesia e os que conhecem a língua grega estão de acordo que significa uma assembléia. Uma assembléia é uma companhia de gente que realmente se reúne. Se nunca se reúnem, então isso seria um mal uso da linguagem dizer que são uma assembléia. Por isso, como todo o povo de Deus nunca tem estado em uma assembléia, juntos, não há uma Igreja ou assembléia universal. Essa igreja é todavia futura porque ainda não tem uma existência corporal.
Para provar o que se disse acima, vamos examinar as passagens onde o termo foi usado pelo nosso próprio Senhor durante os dias de sua carne. Somente duas vezes nos quatro Evangelhos encontramos a Cristo falando de sua “Igreja”. A primeira está em Mateus 16:18, onde disse Jesus a Pedro “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. A que tipo de Igreja se referia o Salvador? A grande maioria dos Cristãos pensam que foi a grande Igreja invisível, mística e universal, que inclui todos os redimidos. Porém certamente estão equivocados. Se isto houvesse sido o sentido da palavras, necessariamente haveria dito “Sobre esta pedra estou construindo minha Igreja”. Porém disse “construirei”, tempo futuro. O que demonstra que quando falou estas palavras, a Igreja não tinha existência, salvo no propósito de Deus. A igreja à qual Cristo se refere em Mateus 16:18 não podia ser universal, isto é, uma igreja que inclui todos os santos de Deus, porque o tempo do verbo que emprega manifestamente exclui os santos do Antigo Testamento. Além disso, nosso Senhor não se referia à Igreja na glória, porque essa Igreja já não estará sob o perigo das portas do inferno. Sua declaração que “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” sem dúvida esclarece que se refere a Sua Igreja sobre a terra, uma Igreja visível e universal.
O único outro exemplo de nosso Senhor falando da Igreja quando esteve na terra, se encontra em Mateus 18:17: “Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano”. Agora, o único tipo de Igreja a qual um irmão pode falar de seus problemas é um Igreja visível e local. Isto é tão óbvio que não há necessidade de falar mais deste ponto.
No último livro do Novo Testamento, encontramos o nosso Senhor usando o termo outra vez. Primeiro em 1:11 disse a João “Escreve em um livro o que vês, e enviá-lo às sete igrejas que estão na Ásia”. Outra vez, é claro que o Senhor fala de igrejas locais. Depois disto, o Senhor usa a palavra 19 vezes no Apocalipse e em cada passagem a referência foi à Igrejas locais. Sete vezes repete “O que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”, não disse “ouça o que o Espírito diz à Igreja” – o que haveria dito se a opinião popular fosse a correta.
A última referência no Apocalipse está em Apocalipse 22:16: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas a favor das igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã”. A razão disto é que a Igreja de Cristo ainda não tem nenhuma existência tangível e incorporada, seja na glória ou sobre a terra; tudo o que tem agora são suas Igrejas locais.
Uma prova adicional de que o tipo de Igreja que é enfatizado no Novo Testamento é local e visível, está em outros passagens da Escritura. Lemos da “igreja que estava em Jerusalém” (Atos 8:1), “a igreja que estava em Antioquia” (Atos 13:1); “a igreja de Deus que está em Corinto” (1 Coríntios 1:2) – tomem nota de que ainda que esta Igreja tinha vínculos com as demais Igrejas, se distingue de “todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Coríntios 1:2). Outra vez lemos de Igrejas, plural no número. “Assim as igrejas em toda a Judéia, Galiléia e Samária, tinham paz…” (Atos 9:31); “…As igrejas de Cristo vos saúdam” (Romanos 16:16); “…as igrejas da Galácia” (Gálatas 1:2). Assim que se pode ver que a idéia proeminente e dominante no Novo Testamento, foi de Igrejas locais e visíveis.
2. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados.
Por “crentes batizados” quero dizer Cristão que tenha sido submergido em água. Em todo o Novo Testamento, não há nem um só caso de alguém que chegara a ser membro de uma igreja de Jesus Cristo sem ser primeiro batizado; há muitos casos, muitas indicações e provas de que todos os que pertenciam às igrejas nos dias dos apóstolos eram Cristãos batizados.
Vamos ver primeiro a última parte de Atos 2:47: “E cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos”. Notem que o versículo não diz que “Deus” ou “o Espírito Santo” ou “Cristo” mas “o Senhor” acrescentava. A razão é esta: “o Senhor” leva a idéia de autoridade e os que Ele acrescentava à igreja haviam se submetido ao Seu senhorio. E a maneira pela qual haviam submetido a Ele está nos versículos 41-42: “De sorte que foram batizados os que receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas; e perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Assim que durante os dias mais primitivos desta dispensação, o Senhor acrescentava à Sua igreja pessoas que estavam batizadas.
Vejam a primeira das epístolas. Romanos 12:4-5 demonstra que os santos em Roma formavam uma igreja local. Agora regressemos a Romanos 6:4-5 onde encontramos o apóstolo dizendo aos membros de Roma (e deles): “Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se temos sido unidos a ele na semelhança da sua morte, certamente também o seremos na semelhança da sua ressurreição”. Assim que os membros da igreja local em Roma eram cristãos batizados.
Agora considerem a igreja em Corinto. Em Atos 18:8 lemos: “e muitos dos coríntios, ouvindo, criam e eram batizados”. Outra prova de que os santos de Corinto foram batizados se acha em 1 Coríntios 1:13-14; 10:2,6. E 1 Coríntios 12:13 traduzido corretamente (espero comentar sobre esta passagem em outro artigo mais adiante) expressamente afirma que a entrada à assembléia local é pelo batismo nas águas.
E antes de passar a outro ponto, permita-me dizer que um igreja composta de crentes batizados é óbvia e necessariamente uma igreja batista – de que mais a vamos chamar ? Este é o nome que Deus deu ao primeiro homem que chamou e comissionou para batizar. O nomeou “João Batista”. E por isso os verdadeiros batistas não devem ter vergonha do nome que levam. Se alguém perguntar: por que não chamou o Espírito Santo de a “igreja batista em Corinto”? ou, “das igrejas batistas na Galácia”? Contestamos, por esta razão: não havia, nesse tempo, necessidade de assinalar distinções utilizando este adjetivo. Não havia outros tipos de igrejas nos dias dos apóstolos, além de igrejas batistas. Todas eram Igrejas Batistas; isto é, todas estavam compostas de crentes batizados de acordo com as Escrituras. São os homens que tem inventado outras “igrejas” e nomes para as igrejas agora em existência.
3. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados que formam uma organização.
Uma assembléia é uma companhia de pessoas que se reúnem juntos em uma organização, de outro modo não haveria nada para distinguir-lhes de uma multidão qualquer. Prova clara disto se acha em Atos 19:39: “E se demandais alguma outra coisa, averiguar-se-á em legítima assembléia”. Estas palavras foram pronunciadas pelo escrivão do povo à multidão que quebrantava a paz. E havendo “apaziguado a multidão” e havendo afirmado que os apóstolos não eram nem ladrões de igrejas ou blasfemadores da deusa do povo, lhes recordou a Demétrio e seus seguidores que “os tribunais estão abertos e há procônsules”; e lhes convida a acusar-se uns aos outros. A palavra grega para “assembléia” nesta passagem é ekklesia e a referência foi à corte jurídica Romana, isto é, uma organização governada por leis.
Também as figuras usadas pelo Espírito Santo em relação com a “igreja” são pertinentes unicamente a uma organização local. Em Romanos 12 e em 1 Coríntios 12 Ele emprega o “corpo” humano como uma analogia ou ilustração. Este exemplo não é próprio para representar uma igreja “invisível” ou “universal” cujos membros estão esparzidos por toda a terra. Não é necessário recordar ao leitor que não há organização mais perfeita na terra que o corpo humano, cada membro em seu lugar apropriado, cada um cumprindo seu dever e função. Em 1 Timóteo 3:15 a igreja é chamada “a casa de Deus”. Esta “casa” fala de organização, cada habitante tendo sua própria recâmara, os móveis em seu lugar, etc.
Outra prova de que uma “igreja” neotestamentária é uma companhia local de crentes batizados, em uma relação organizada, se acha em Atos 7:38, onde o Espírito Santo aplica o termo ekklesia aos filhos de Israel – “na congregação (igreja) no deserto”. Agora bem, os filhos de Israel no deserto eram uma assembléia organizada, redimida e batizada. Será que alguém se surpreenda que foram batizados ? Porém a Palavra de Deus é mui explícita neste ponto: “Pois não quero, irmãos, que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar; e, na nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés” (1 Coríntios 10:1-2). Também estavam organizados; tinham seus “príncipes” (Números 7:2) e seus “sacerdotes”, “anciões” (Êxodo 24:1) e seus “oficiais” (Deuteronômio). Assim pois podemos ver que foi correto aplicar o termo ekklesia a Israel no deserto. E podemos descobrir como sua aplicação a Israel nos ajudar a definir seu sentido exato. Vemos que uma igreja neotestamentária tem seus “oficiais”, seus “anciões” (que é o mesmo que “bispos”), “diáconos” (Timóteo 3:11,12), “tesoureiro” (João 12:6; 2 Coríntios 8:19), e “escrivão” – a enumeração dos membros (Atos 1:15) claramente implica um registro.
4. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados em uma organização, pública e corporalmente adorando a Deus pela maneiras que Ele estabeleceu
Seria necessário citar uma boa parte do Novo Testamento, para amplificarmos sobre este tema. Melhor é que o leitor leia com cuidado o livro dos Atos e as epístolas, com uma mente aberta, e encontrará abundante confirmação do tema. Porém somente permita-me dizer em resumo: Primeiro, para manter “a doutrina dos apóstolos” e o companheirismo (Atos 2:42). Segundo, para preservar e perpetuar o batismo escriturístico e a ceia do Senhor: “as instruções tal como” Paulo as entregou à Igreja (1 Coríntios 11:2). Terceiro, para manter a disciplina santa: Atos 13:17; 1 Timóteo 5:20-21, etc. Quarto, para ir a todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura (Marcos 16:15).
5. Uma Igreja Neotestamentária é independente de tudo, menos de Deus.
Cada igreja local é completamente independente de todas as demais. Uma igreja em uma cidade não tem autoridade sobre outra igreja em outra cidade. Nem tampouco pode um grupo de igrejas locais eleger um “comitê”, “presbitério” ou “papa” para assenhorar-se sobre os membros daquelas igrejas. Cada igreja tem seu próprio governo, conforme 1 Coríntios 16:3; 2 Coríntios 8:19. Por “governo” quero dizer que sua obra é administrativa e não legislativa.
Uma igreja neotestamentária deve fazer todas as coisas decentemente e em ordem (1 Coríntios 14:40), e sua única regra para ordenar as coisas, é a Sagrada Escritura. Seu único modelo, sua corte de apelação, é a Bíblia e nada mais que a Bíblia, pela qual todas as questões de fé, doutrina, e a vida Cristã são determinadas. Sua única cabeça é Cristo: Ele é seu Legislador, Fonte e Senhor.
A Igreja local deve ser governada pelo que o Espírito disse às igrejas. Por isso logicamente está separada do Estado e deve recusar o sustento econômico do Estado. Ainda que seus membros são instruídos a submeterem-se “às autoridades superiores” (Romanos 13:1), não devem permitir que o Estado lhes dite nos assuntos da fé ou da prática.
A administração do governo de uma igreja neotestamentária reside em sua própria membresia e não em um corpo especial de homens, seja dentro ou fora da igreja. Uma maioria de seus membros decidem as ações da igreja. Isto se vê claramente em 2 Coríntios 2:6: “Basta a esse tal (a pessoa disciplinada) esta repreensão feita por muitos”. As últimas duas palavras “por muitos” é tradução de hupo ton pleionon. Pleionon é um adjetivo e literalmente significa pela maioria e é traduzido assim pelo Dr. Charles Hodge, um dos melhores e competentes conhecedores do Grego.
Em resumo: a menos que haja uma companhia de pessoas regeneradas, batizadas de acordo com as Escrituras, organizadas segundo o Novo Testamento, adorando a Deus segundo suas instruções, tendo companheirismo com a doutrina dos apóstolos, mantendo as ordenanças, preservando a disciplina estrita, ativa na evangelização, então não há uma igreja neotestamentária, chame o que se chame. Porém se uma igreja possui estas características, é então a única instituição em toda terra ordenada, construída e aprovada pelo Senhor Jesus Cristo. Assim que o escritor considera seu maior privilégio, depois de ser salvo, pertencer a uma de Suas igrejas. Que a graça divina me ajude a andar dignamente como membro de Sua Igreja!
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Obs.: Não concordo com todas as afirmações do autor, mas o texto é excelente ponto de partida para conversarmos sobre a igreja.
Fé (A. W. Pink)
“De fato sem fé é impossível agradar a Deus” (Hb 11:6)
“Mas a palavra que ouviram não lhes aproveitou, visto não ter sido acompanhada pela fé, naqueles que a ouviram.” (Hb 4:2)
Estes dois versículos juntos no mostram como é vã toda a atividade religiosa onde não há fé. A atividade exterior deve ser realizada correta e diligentemente, mas a menos que a fé esteja em operação, Deus não é honrado e a alma não é edificada. A fé abre o coração de Deus, e é mediante a fé que recebemos a graça de Deus – não uma mera aceitação do que ‘é revelado em Sua Palavra, mas um princípio sobrenatural de graça que existe no Deus das Escrituras. Isso o homem natural, não importa o quanto religioso ou ortodoxo ele seja, não tem; e nenhum de seus esforços, nem atos da sua vontade, pode adquirir. É um dom soberano de Deus.
A fé deve operar em todas as atividades dos cristãos, se Deus há de ser glorificado e ele edificado.
Primeiro, na leitura da Palavra: “Estes, porém, foram registrados para que creiais” (Jo 20:31).
Segundo, no ouvir da pregação dos servos de Deus: “A pregação da fé” (Gl 3:2).
Terceiro, na oração: “Peça-a porém com fé, em nada duvidando” (Tg 1:6).
Quarto, na nossa vida diária: “Visto que andamos por fé, e não pelo que vemos” (II Co 5:7); “esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no filho de Deus” (Gl 2:20).
Quinto, em nossa partida desse mundo: “Todos estes morreram na fé” (Hb 11:13).
O que o fôlego é para o corpo, a fé é para a alma; pois alguém que sem fé busca realizar ações espirituais, é como se colocasse uma mola em um boneco de madeira, fazendo-o mover-se mecanicamente.
Um professo não-regenerado pode ler as Escrituras e ainda assim não ter qualquer fé espiritual. Assim como o hindu devoto lê atentamente o Upanishad e o muçulmano o seu alcorão, muitos países “cristãos” adotam o estudo da Bíblia, e mesmo assim não têm mais da vida de Deus em suas almas do que têm os seus irmãos pagãos. Milhares nesta terra lêem a Bíblia, crêem na sua autoria divina, e se tornam mais ou menos familiarizados com o seu contudo. Um mero professo pode ler vários capítulos diariamente, e mesmo assim nunca compreender um único versículo. Mas a fé aplica a Palavra de Deus: ela aplica Suas terríveis ameaças e estremece diante delas; ela aplica Suas solenes advertências, e procura atendê-las; ela aplica Seus preceitos, e suplica a Ele por sua graça para acompanhá-lo.
Acontece o mesmo no ouvir a pregação da Palavra. Um professo carnal se orgulhará de ter comparecido a esta ou aquela conferência, de ter ouvido aquele famoso professor e aquele renomado pregador, e ter tido tanto proveito para a sua alma quanto se nunca tivesse ouvido qualquer um deles. Ele pode ouvir dois sermões todo domingo, e depois de cinqüenta anos ser tão morto espiritualmente como é hoje. Mas o homem regenerado compreende a mensagem e avalia a si mesmo pelo que ouve. Ele é muitas vezes convencido dos seus pecados e feito lamentar deles. Ele testa a si mesmo pelo padrão de Deus, e se sente tão longe de ser aquilo que deveria que sinceramente duvida da sinceridade da sua profissão (de fé). A Palavra o corta em pedaços como uma espada de dois gumes, e o faz clamar “desventurado homem que sou!”
Na oração o mero professo muitas vezes faz o crente humilde envergonhar-se de si mesmo. O religioso carnal que tem “o dom da palavra” nunca se perde com elas: frases fluem de seus lábios tão prontamente como águas de um riacho murmurante; versículos das Escrituras parecem correr através de sua mente tão livremente como o pó passa pela peneira. Ao passo que o pobre oprimido filho de Deus é muitas vezes incapaz de fazer algo mais do que clamar “Ó Deus sê propício a mim pecador” . Ah, meus amigos, nós precisamos distinguir nitidamente entre a habilidade natural de “fazer” “boas orações” e o espírito de suplica verdadeira: um consiste meramente de palavras, o outro de “gemidos inexprimíveis”; um é adquirido por educação religiosa, o outro é implantado na alma pelo Espírito Santo.
Assim é também em assuntos sobre as coisas de Deus. O professo fútil pode conversar loquazmente, e muitas vezes, de modo ortodoxo, de “doutrinas”, sim, e de coisas terrenas também: de acordo com a sua disposição, ou dependendo da sua audiência, assim é o seu tema. Mas o filho de Deus, embora sendo pronto para ouvir o que é para edificação, é “tardio para falar”. Oh, meu leitor, cuidado com pessoas que falam muito; um tambor faz bastante barulho mas é vazio por dentro! “Muitos proclamam a sua própria benignidade, mas o homem fidedigno quem o achará?” (Pv 20:6). Quando um santo de Deus abre os seus lábios para falar de assuntos espirituais, é para dizer o que o Senhor, em Sua infinita misericórdia, tem feito por ele; mas o religioso carnal está ansioso sempre para que os outros saibam o que ele “tem feito pelo Senhor”.
A diferença é evidente da mesma forma, entre o crente genuíno e o crente nominal, com relação à vida diária: conquanto este último possa parecer exteriormente justo, ainda assim por dentro está “cheio de hipocrisia e iniqüidade” (Mt 23:28). Eles colocarão a pele de uma verdadeira ovelha, mas na realidade são “lobos em pele de ovelhas”. Mas os filhos de Deus têm a natureza da ovelha, e aprendem dAquele que é “manso e humilde de coração”, e como eleitos de Deus se revestem de “ternos afetos de misericórdia, de bondade, de humildade, de mansidão, de longanimidade” (Cl 3:12). Eles são em secreto o que são em público. Eles adoram a Deus em espírito e em verdade, e têm a sabedoria bem guardada no coração.
Também é assim no fim de suas vidas. Um professo vazio pode morrer tão fácil e tranqüilamente como viveu – abandonado pelo Espírito Santo, e não perturbado pelo diabo; como diz o salmista: “para ele não há preocupações” (Sl 73:4). Mas isso é muito diferente do fim daquele cuja consciência, profundamente sulcada e reconhecidamente corrompida, foi “aspergida” com o precioso sangue de Cristo: “Observa o homem íntegro, e atenta no que é reto; porquanto o homem de paz terá posteridade” (Sl 37:37) – sim, uma paz “que excede todo o entendimento”. Tendo vivido a vida do justo, ele morre a “morte do justo” (Nm 23:10).
E o que é que distingue um caráter do outro, onde está a diferença entre o crente genuíno e o que é apenas no nome? Nisto: uma fé dada por Deus e implantada no seu coração pelo Espírito. Não um mero concordar intelectual com a Verdade, mas um vivo, espiritual, e vital principio no coração – uma fé que “purifica o coração” (At 15:9), que “atua pelo amor” (Gl 5:6), que “vence o mundo” (I Jo 5:4). Sim, uma fé que divinamente mantida em meio a provações por dentro, e de oposições por fora; uma fé que exclama “ainda que me mate, nEle confiarei” (Jó 13:15).
É bem verdade que essa fé não está sempre em atuação, nem é igualmente forte em todo o tempo em atuação, nem é igualmente forte todo o tempo. O beneficiário dela deve ser ensinado por dolorosa experiência que da mesma forma como ele não a criou, ele também não pode comandá-la; por essa razão ele se volta para o seu Autor e diz: “Senhor eu creio, ajuda-me com a minha falta de fé”. E é assim para que quando ler a Palavra seja capaz de apossar-se das suas preciosas promessas; quando prostar-se diante do trono da graça, ele seja capaz de lançar o seu fardo sobre o Senhor; quando ele levantar-se para seus deveres temporais, seja capaz de apoiar-se nos braços eternos; e quando ele for chamado a passar pelo vale da sombra da morte, clame triunfante “não temerei mal nenhum, porque Tu estás comigo” . “Senhor aumenta-nos a fé”.
“Nos meus primeiros anos eu assiduamente segui este triplo caminho:
- Em primeiro lugar, eu lia toda a Bíblia três vezes por ano (oito capítulos do Antigo Testamento, e dois do Novo Testamento diariamente). Eu constantemente perseverei nisso durante dez anos, a fim de me familiarizar com o conteúdo, que só pode ser alcançado por meio de consecutivas leituras.
- Em segundo lugar, eu estudei uma porção da Bíblia a cada semana, concentrando-me por dez minutos (ou mais) todo dia na mesma passagem, pensando na ordem dela, na ligação entre cada afirmação, buscando uma definição dos termos importantes, olhando todas as referências marginais, procurando seu significado típico.
- Terceiro, eu meditei sobre um versículo a cada dia, escrevendo-o sobre um pedaço de papel na parte da manhã, memorizando-o, consultando-o em alguns momentos ao longo do dia; pensando separadamente em cada palavra, pedindo a Deus para revelar para mim o seu significado espiritual e para escrevê-la no meu coração. O versículo era o meu alimento para aquele dia. Meditação é para a leitura como a mastigação é para o comer.
Quanto mais alguém seguir o método acima mais deve ser capaz de dizer:
‘A tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho’ Sl 119: 105’”
Em nossa primeira meditação sobre este maravilhoso livro das origens, apontamos para algumas das surpreendentes analogias que existem entre a ordem seguida por Deus em Sua obra da criação e Seu método de ação na “nova criação”, a criação espiritual do crente. Primeiro houve trevas, depois a ação do Espírito Santo, então, a palavra de poder entrou em ação, e depois, luz como resultado, e mais tarde, ressurreição e frutos. Há também uma surpreendente prefiguração do grande tratamento dispensacional da nossa raça neste registro de Sua obra em seis dias, mas como isso já recebeu atenção de canetas mais capazes que a nossa, passamos para ainda outra aplicação prática desta escritura. Há muito sobre Cristo neste primeiro capítulo de Gênesis se somente tivermos olhos para ver, e é à típica inferência prática de Gênesis 1 em relação a Cristo e Sua obra que vamos, aqui, dirigir a atenção.
Cristo é a chave que abre as portas de ouro do templo da verdade Divina. “Examinai as Escrituras”, é Sua ordem, “pois são elas que testificam de Mim”. E novamente, Ele declara, “No rolo do Livro está escrito de Mim”. Em cada seção da Palavra escrita, a Palavra Pessoal está preservada como sagrada – tanto em Gênesis como em Mateus. E, agora, vamos afirmar que na fachada da Revelação Divina, temos um “ plano de ação simbólico de todo o trabalho de Redenção”.
Nas afirmações iniciais deste capítulo descobrimos, em símbolo, a grande necessidade de Redenção.” No início, Deus criou os céus e a terra”. Isto nos leva de volta à criação primeira a qual, como tudo que vem da mão de Deus, deve Ter sido perfeita, maravilhosa, gloriosa. Assim também foi a condição original do homem. Feito à imagem do Seu Criador, enriquecido com o sopro de Elohim, ele foi declarado como “ muito bom”.
Mas as palavras seguintes apresentam um quadro muito diferente -“E a terra era sem forma e vazia”, ou, como no original Hebraico, poderia ser traduzido mais literalmente como : “A terra tornou-se um caos”. Entre os dois primeiros versos de Gênesis 1, uma terrível calamidade aconteceu. O pecado entrou no universo. O coração do mais poderoso de todas as criaturas de Deus encheu-se de orgulho – Satanás ousou opor-se à vontade do Todo-Poderoso. Os efeitos desastrosos de sua queda alcançaram a nossa terra, e o que foi originalmente criado por Deus como perfeito e maravilhoso, tornou-se em ruína. Os efeitos do seu pecado, do mesmo modo, atingiram muito mais do que a si mesmo – as gerações de uma humanidade ainda por nascer foi amaldiçoada como a consequência de seus primeiros pais. “Havia trevas sobre a face do abismo”. Trevas são o oposto de luz. Deus é Luz. Trevas são o emblema de satanás.
Essas palavras descrevem bem a condição natural da nossa raça caída. Judicialmente separada de Deus, moral e espiritualmente cega, experimentalmente escravos de satanás, uma terrível mortalha de trevas está colocada sobre a massa de uma humanidade não-regenerada. Mas isto somente preenche um pano de fundo negro sobre o qual podem ser colocadas as glórias da Graça Divina. “Onde abundou o pecado, superabundou a graça”. O método desta “superabundância de graça” está simbolicamente delineado na obra de Deus durante os seis dias. No trabalho dos quatro primeiros dias, temos uma memorável prefiguração dos quatro grande estágios na obra de Redenção. Agora não podemos fazer muito mais do que chamar a atenção para os contornos deste maravilhoso quadro primitivo. Mas, à medida que dele nos aproximamos, para observá-lo em temor e admiração, possa o espírito de Deus selecionar as realizações de Cristo e mostrá-las a nós.
I – No trabalho do primeiro dia, a Encarnação Divina é , simbolicamente declarada.
Se homens caídos e cheios de pecado devem ser reconciliados com o Santo Deus Triuno, o que deve ser feito? Como pode ser transposto o infinito abismo que separa a Divindade da humanidade? Que escada poderá ser colocada aqui na terra para se chegar precisamente no céu? Só uma resposta é possível a essas perguntas. O passo inicial na obra da redenção humana deve ser a Encarnação da Divindade. Necessariamente, este deve ser o ponto de partida. O Verbo deve se tornar carne. O próprio Deus deve descer até o fundo do poço onde, desprotegidamente, se encontra a humanidade arruinada, se é que deve ser resgatada do barro grudento e transportada para lugares celestiais. O Filho de Deus deve assumir, em si mesmo, a forma de servo e ser feito em semelhança de homens.
Isto é precisamente o que a obra do 1º dia tipifica na prefiguração do passo inicial da Obra de Redenção, também chamado de Encarnação do Divino Redentor. Observe, agora, 5 pontos:
1: há o trabalho do “Espírito Santo”. “O Espírito de Deus se movia sobre a face das águas” (v 2). Do mesmo modo foi a ordem seguida na Encarnação Divina. Em relação à mãe do Salvador lemos: “Descerá sobre ti o Espírito Santo, e o poder do Altíssimo te envolverá com a sua sombra; por isso também o ente santo que há de nascer será chamado Filho de Deus” Lc 1:35.
2: a palavra se manifesta como Luz. ”Disse (palavra) Deus: Haja luz; e houve luz” (v3) . Do mesmo modo, quando Maria mostra a Santa Criança: “A glória do Senhor brilhou ao redor deles” Lc 2:9. E quando Ele é apresentado no templo, Simeão foi movido pelo Espírito Santo para dizer: “Porque os meus olhos já viram a tua salvação, a qual preparaste diante de todos os povos; luz para revelação dos gentios, e para glória do teu povo de Israel” Lc 2:30.
3: a luz é aprovada por Deus, “E viu Deus que a luz era boa”(v4). Nós não podemos, agora, ampliar muito a profunda importância simbólica desta declaração, mas gostaríamos de observar que a palavra hebraica aqui traduzida “boa” também aparece em Eclesiastes 3:11 como “formosa” – “Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo. Deus viu que a luz era boa, formosa! Como é obvia esta aplicação prática do nosso Senhor Encarnado! Depois de Sua chegada neste mundo, ficamos sabendo que “Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça, diante de Deus e dos homens” (Lc 2:52), e que as primeiras palavras do Pai em relação a Ele foram, “Este é o Meu Filho amado em quem me comprazo”. Sim, boa e formosa foi a luz na percepção espiritual do Pai. Quão cego estava o homem para não ver Nele nenhuma formosura para desejá-lo!
4: a luz foi separada das trevas, ”E (Deus) fez separação entre a luz e as trevas” (v4). Como o Espírito Santo é vigilante ao proteger os tipos! Como Ele é cuidadoso ao chamar nossa atenção para a diferença imensurável entre o Filho do Homem e os filhos dos homens! Embora em Sua infinita condescendência Ele se visse apto para participar de nossa humanidade, contudo Ele não experimentou nossa depravação. A luz de Cristo foi separada das trevas (humanidade caída). “Com efeito, nos convinha um sumo sacerdote como este, santo, inculpável, sem mácula, separado dos pecadores” (hb 7:26).
5: a luz foi chamada por Deus – “Chamou Deus à luz Dia” (v5). Portanto, a luz também estava com Ele que é a Luz do Mundo. Não foi permitido a José e Maria escolherem o nome da Santa Criança. No Antigo Testamento, o profeta havia declarado, “Ouvi-me, terras do mar, e vós, povos de longe, escutai! O Senhor me chamou desde o meu nascimento, desde o ventre de minha mãe fez menção de meu nome”; (Is 49:1). E para o cumprimento desta profecia, enquanto ainda no ventre de Sua mãe, um anjo é mandado por Deus a José dizendo: “Ela dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus” (Mt 1:21).
II – Na obra do segundo dia a Cruz de Cristo é simbolicamente apresentada.
Qual foi a etapa seguinte necessária à realização da Obra de Redenção? A Encarnação em si não satisfaria a nossa necessidade. “Em verdade, em verdade vos digo: se o grão de trigo, caindo na terra , não morrer, fica ele só; mas, se morrer, produz muito fruto”. (Jo 12:24). O Cristo encarnado revela a vida perfeita e imaculada que por si só entra em contato com a mente de Deus, mas não ajuda a atravessar o espaço intransponível entre um Deus Santo e um pecador arruinado. Para tal, o pecado deve ser afastado, e isto não pode ser feito a não ser que a morte entre em cena. “Pois sem o derramamento de sangue não há remissão”. O cordeiro deve ser morto. O Santo deve entregar Sua vida. A Cruz é o único lugar onde as exigências justas do trono de Deus podem ser satisfeitas.
Na obra do segundo dia, esta segunda etapa na realização da redenção humana é simbolicamente apresentada. O acontecimento importante na obra deste segundo dia é a divisão, separação, isolamento. “E disse Deus: Haja firmamento no meio das águas e separação entre águas e águas. Fez, pois, Deus o firmamento e separação entre as águas debaixo do firmamento e as águas sobre o firmamento. E assim se fez”. (v 6,7 ). É surpreendente perceber aqui que há uma divisão dupla: primeiro, há um firmamento no meio das águas e este firmamento divide as águas das águas e, segundo, o firmamento dividiu as águas que estavam debaixo dele das que estavam sobre ele. Cremos que o “firmamento”, aqui, tipifica a Cruz , e apresenta seu duplo aspecto. Lá, nosso abençoado Senhor foi dividido ou separado do próprio Deus – “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” e, também lá (na cruz), Ele foi separado do homem “Cortado da terra dos viventes” (Is 53:8).
Que o “firmamento”, aqui, realmente prefigura a Cruz, está claramente sustentado pela maravilhosa analogia entre o que aqui é nos contado a seu respeito e a sua concordância simbólica com a Cruz de Cristo. Observe quatro aspectos:
1: o firmamento foi o propósito de Deus antes de ser realmente feito. No verso 6, lê-se: “E disse Deus: Haja firmamento…”, e no verso 7, “Fez, pois, Deus o firmamento…”. Como é perfeita a relação entre aquilo que prefigura o tipo e aquilo que é prefigurado no tipo (antitipo).
Muito, mas muito tempo antes que a cruz fosse erigida nas alturas do Gólgota, já era o propósito de Deus. Cristo foi “O Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo”. (Ap 13:8).
2: o firmamento foi estabelecido no meio das águas. É bem sabido entre os estudiosos da Bíblia que na Escritura “águas” simboliza povos, nações (Ap 17:15). Na sua aplicação simbólica, portanto, estas palavras poderiam significar “Deixe a Cruz ser colocada no meio dos povos”. Múltiplas são as aplicações sugeridas por estas palavras. Mas, infinitamente mais exato, é o tipo. Nossas mentes, imediatamente, voltam-se às palavras “onde O crucificaram e com Ele outros dois, um de cada lado, e Jesus no meio” (Jo 19:18). A situação geográfica do Calvário é do mesmo modo materialização de uma realidade: a Palestina é praticamente o centro ou o meio da terra.
3: o firmamento dividiu as águas. Portanto, a Cruz dividiu os “povos”. A Cruz de Cristo é o grande divisor da humanidade. Foi assim historicamente, o ladrão que creu, do ladrão impotente (desprotegido). Assim foi desde aquele dia e assim é hoje. Por um lado, “Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem”, mas, por outro lado, “mas para nós, que somos salvos, poder de Deus”. (I cor 1:18)
4: o firmamento foi designado por Deus. “E Deus fez o firmamento”. Também assim foi anunciado no Dia de Pentecostes em relação ao Senhor Jesus Cristo. “Sendo este entregue pelo determinado desígnio e presciência de Deus” (Atos 2:23). Do mesmo modo foi declarado no tempo antigo, “Agradou ao Senhor ferí-lo; colocou sobre Ele o sofrimento”. A Cruz foi desígnio e compromisso divino.
Também não é profundamente significativo que as palavras, “E Deus viu que era bom” tenham sido omitidas no final da obra do segundo dia? Se elas aqui fossem incluídas o símbolo teria sido destruído. A obra do segundo dia apontava para a Cruz e, na Cruz, Deus estava lidando com o pecado. Ali, sua ira estava sendo usada sobre o Justo, o qual estava morrendo pelo injusto. Embora Ele não tivesse nenhum pecado, ainda assim Ele “foi feito pecado por nós.
Portanto, a omissão, neste ponto, da usual expressão “Deus viu que era bom” assume um significado mais profundo do que aquele até então admitido.
III – na obra do terceiro dia a Ressurreição do Senhor é simbolicamente apresentada.
Nosso artigo já excedeu os limites que originalmente estabelecemos, portanto, forçosamente devemos abreviá-lo.
A terceira etapa necessária para a realização da obra de Redenção foi a Ressurreição do Crucificado. Um Senhor morto não poderia salvar ninguém. “Por isso, também pode salvar totalmente os que por ele se chegam a Deus…”Por que? “vivendo sempre…” (Hb 7:25).
Desta maneira está em nosso símbolo. Acima de qualquer dúvida, aquilo que foi prefigurado na obra do terceiro dia é a Ressurreição. No registro concernente ao terceiro dia é que lemos “e apreça a porção seca” (v 9). Antes disso havia estado submersa, enterrada sob as águas. Mas, agora, a porção seca é levantada acima dos mares; há ressurreição, a terra aparece. Mas isto não é tudo. No verso 11 lemos, “Produza a terra relva…”. Até este ponto a morte reinava suprema. Nenhuma forma de vida aparecia sobre a superfície da terra devastada. Mas, no terceiro dia, à terra é ordenado “produzir”. Não no segundo nem no quarto, mas no terceiro dia, a vida foi vista sobre a terra devastada! Perfeito é o símbolo para todos que têm olhos para ver. Maravilhosamente significativas são as palavras, “produza a terra” para aqueles que têm ouvidos para ouvir. Foi no terceiro dia que nosso Senhor ressurgiu dentre os mortos, de acordo com as Escrituras. De acordo com quais Escrituras? Nós não temos nestes versos 9 e 11 de Gênesis 1, o primeiro dessas escrituras, bem como o quadro original da Ressurreição de nosso Senhor?
IV – Na obra do quarto dia a Ascensão do Senhor é simbolicamente sugerida.
A Ressurreição não completou o trabalho de Redenção de nosso Senhor. Para tal Ele deveria entrar no Lugar Celestial que não fosse feito por mãos. Ele deveria tomar Seu lugar à mão direita da Majestade nas alturas. Ele deveria ir “para o mesmo céu, para comparecer, agora, por nós, diante de Deus” (Hb 9:24).
Mais uma vez vemos que Tipo corresponde ao Antitipo. Na obra do quarto dia nossos olhos são removidos da terra e todos seus afazeres se voltam para os céus! (veja os versos 14–19) . À medida que lemos estes versos e deduzimos algo de sua importância tipológica, não vimos o Espírito Santo dizer, “Buscai as cousas lá do alto, onde Cristo vive assentado à direita de Deus. Pensai nas cousas lá do alto, não nas que são aqui da terra” (Cl 3: 1,2) .
E à medida que levantamos nossos olhos em direção aos céus, o que vemos? Duas grandes luzes – simbolicamente Deus e seu povo. O sol que nos fala de “Sol da Justiça” (Ml 4:2), e a lua que fala de Israel e da Igreja (Ap 12:1), tomando emprestado e refletindo a luz do sol. E observe suas funções: primeiro, eles existem “para alumiarem a terra” (v 18). Do mesmo modo acontece com Cristo e seu povo. Durante o presente intervalo de trevas, a noite do mundo, Cristo e Seu povo são “a luz do mundo”, mas durante o Milênio eles vão governar e reinar sobre a terra.
Portanto, na obra dos quatro primeiros dias de Gênesis 1, vimos a prefiguração dos quatro grandes estágios ou crises na realização da Obra de Redenção. A Encarnação, a Morte, a Ressurreição e a Ascensão de nosso abençoado Senhor estão, respectivamente, tipificadas. À luz desta prefiguração, quão preciosa são as palavras no final da obra de seis dias: “Assim, pois, foram acabados os céus e a terra e todo o seu exército. E havendo Deus terminado no dia sétimo a sua obra, que fizera, descansou nesse dia de toda a sua obra que tinha feito”(Gn 2:1,2). A obra da Redenção está completa, e nesta obra Deus encontrou Seu descanso!
Como vamos continuar nossas meditações sobre o livro de Gênesis, possa Deus, em Sua graça misericordiosa, revelar-nos “os aspectos maravilhosos de sua Lei”.