F. J. Huegel
Se o estudo da Bíblia é para trazer o enlevo espiritual e tem como seu fruto a benção que Deus pretendia, ele deve ser em acordo com o principal princípio da interpretação bíblica; isto é, que tal estudo procure reconhecer que as Escrituras têm um fim supremo. Esse fim supremo é Jesus Cristo: “Vocês diligentemente estudam as Escrituras… As Escrituras que testificam de mim”. O Senhor Jesus Cristo é o Alfa e o Ômega da Bíblia. No momento em que perdemos de vista este fato podemos encontrar muito daquilo que é edificante, mas perdemos a chave. Precisamos esquadrinhar as Escrituras com o propósito de conhecer e amar o Redentor de uma humanidade maldita e pecadora. Este Redentor as Escrituras proclama fielmente. Se falharmos nisso, nenhum poder no céu ou na terra será capaz de remover o véu dos nossos olhos. O verdadeiro significado das Santas Escrituras nunca será revelado a nós.
Não somente é necessário ter em mente que a Bíblia tem o Senhor Jesus Cristo como seu supremo fim, precisamos também ter diante de nós o fato de que Cristo mesmo tinha em vista um alvo plenamente compreensível o qual Ele nunca perdeu de vista. Ele é o Cordeiro imolado desde a fundação do mundo. Ele foi “entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus”, ainda que mãos fracas O crucificaram. Este era Seu transcendente fim, Ele veio para morrer. Quando no monte da transfiguração falou com Moisés e Elias na presença de Pedro, Tiago e João, as duas mais significantes figuras do Velho Testamento encontraram os três principais apóstolos do Novo Testamento, com o Messias transfigurado como o centro, enquanto a voz de Deus foi ouvida dizendo: “Este é Meu Filho amado, a Ele ouvi”. E qual foi o tema desta sublime entrevista? Poderia haver somente um tema expressando o mais profundo interesse do céu e ao mesmo tempo a maior necessidade da terra, a morte do Salvador que Ele deveria consumar em Jerusalém. Sim, é a cruz. O maior dos apóstolos disse que ele não se gloriaria em nada mais. Desde a fundação do mundo, o Cristo de Deus estava na marcha em direção ao monte chamado Calvário.
Nós não iremos muito longe com Jesus nosso Senhor até que olhemos as coisas com Seus olhos e adotemos Seu ponto de vista. Estaremos maravilhados e seriamente amedrontados como estavam os apóstolos quando Jesus, no caminho para Jerusalém, disse a eles que o Filho do Homem deveria ser entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas que O condenariam à morte e O entregariam aos gentios para ser escarnecido e açoitado, cuspido e morto (Mc 10:32-34). Mas, ademais do nosso medo e admiração viria uma nova revelação do Filho de Deus: “Um Cordeiro como se tivesse sido morto”. É o ponto de vista do Calvário que habilita alguém a penetrar o mais profundo dos mistérios das Escrituras e entrar para a vida da mais plena libertação e vitória que elas oferecem ao crente.
“Está consumado!” Nunca houve uma palavra tão grave, nem haverá jamais alguma para superá-la. Este é o maior momento, não somente na história da humanidade, mas em toda a história moral de Deus. Aqui temos a obra-prima de Deus. Seu mais sublime feito histórico, que permanecerá como tal por todas as eras vindouras.
Alguém pode ficar chocado pelo fato de que nem João nem nenhum outro dos escritores, movidos como foram pelo Espírito Santo, buscou entrar nos detalhes do sofrimento físico do Salvador. Estes foram apenas uma escassa reflexão da mais profunda agonia de ordem cósmica. Este não foi um mero martírio. Este não foi mera devoção por uma causa sublime que aceita todas as coisas em resignação por causa do amor. Este não foi um mero exemplo de auto-sacrifício que devemos seguir. Este não foi um esforço para conduzir os homens ao arrependimento por uma persuasão moral impingida pelo sofrimento do Filho de Deus. Todas as teorias do homem concernentes à expiação, e existem muitas, sucumbem quando todos os fatos que têm que ver com a cruz são tomados em conta.
Este é o sofrimento de Deus pelos pecadores do mundo. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo… Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus… Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós… Temos a redenção pelo seu sangue, a redenção dos nossos delitos”. Somente termos fortes como estes encontrados nas epístolas de Paulo são realmente adequados quando procuramos o significado do Calvário, pois as expressões de Paulo são inspiradas pelo Espírito Santo cuja missão é de tomar das coisas de Cristo e revelá-las ao coração do crente.
Somos muito gratos a João por cada palavra que nos deu concernente à crucificação. É a ele que estamos em débito pela conservação daquela mais significativa das sete últimas palavras do nosso infinitamente adorável Salvador quando falou desde a cruz: “Está consumado”, palavras proferidas, Mateus nos diz, com grande voz. Não é de admirar que a terra tremeu, que as rochas foram rachadas, que o véu do templo foi rasgado em duas partes de cima a baixo. Não é de se admirar que as sepulturas foram abertas e que muitos corpos de santos que dormiam ressuscitaram. Não é de admirar que o capitão da guarda romana, vendo estas coisas, temeria grandemente e clamaria dizendo: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus”. Mas para alcançar o mais profundo significado do grito triunfante do Salvador, que marca a consumação da Sua obra de Redentor do mundo, devemos ir para as cartas de Paulo. Aqui o véu é posto de lado e vemos pela iluminação do Espírito Santo que, escarnecido pela turba, ridicularizado com ódio incomensurável e desprezado pelos fariseus e sacerdotes, ultrajado pelas autoridades judaicas, nosso Senhor, em Sua paixão e agonia sobre o maldito madeiro, morreu para a destruição das obras do príncipe das trevas e para a redenção do mundo. João, quando escreve sua primeira carta às igrejas, diz que o sangue de Jesus Cristo limpa de todo pecado, e podemos estar seguros de que ele disse isso não como uma teoria teológica a respeito do amargo sofrimento do Redentor e morte na cruz do Calvário, mas como alguém que, junto com inumeráveis milhões pelos séculos, experimentaram a paz que vem a todos aqueles que com sua carga de pecado e culpa lançaram-se sobre a misericórdia de Deus como revelada no Crucificado.
Os cristãos encontram na cruz do Redentor a garantia divina da remissão dos seus pecados, o mais elevado incentivo para uma vida santa, para a fé em Deus, amor pelos seus companheiros, para o auto-sacrifício e para a obediência à vontade do Pai, custe o que custar. A cruz é a revelação suprema da própria glória de Deus porque quando o grito “Está consumado” adentrou o céu desde os lábios do Salvador, sim, e baixou ao inferno, em legitimidade e verdade uma nova fundação foi colocada para a vida do mundo. Na luz da ressurreição do Salvador, pela afirmação da Santa Bíblia e a iluminação do Espírito Santo, os pecadores que experimentaram a redenção pelo Seu poder sabem que isso é assim. Esse grito foi o soar da morte da velha ordem, pois o homem velho foi crucificado juntamente com Cristo. Temos isso expresso com poder e beleza divinos nestas palavras de Paulo: “Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo” (Cl 2:14-15).
Ele é o Rei dos Reis e, podemos adicionar, Ele nunca foi mais majestoso do que naquela hora, nunca mais real do que quando na cruz do Calvário gritou, “Está consumado”. Ele reina desde o madeiro. Que trono é a cruz! Que coroa é a cora de espinhos! A terra nunca poderia coroá-Lo mais adequadamente, pois Seu incomensurável amor abraçou toda a humanidade e, identificando a Si mesmo com os pecados de todos, sofreu “o justo pelo injusto”, fazendo a paz em uma plena descarga da culpa de todo o mundo sobre o Seu amargo sofrimento e morte. Os espinhos eram nossos pecados, o escárnio a recompensa por nossa culpa, os pregos cravados em Suas tremulas mãos, os vergões pelos quais somos sarados.
Não é de se admirar que leríamos no Salmos 24 o registro da recepção do Salvador, quando Ele ressuscitou e ascendeu ao céu, em termos tão esmagadores. “Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória. Quem é este Rei da Glória? O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na guerra. Levantai, ó portas, as vossas cabeças, levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória. Quem é este Rei da Glória? O Senhor dos Exércitos, ele é o Rei da Glória”.
Do livro: João olha para a cruz, de F.J. Huegel
Fonte: Revista O Vencedor, edição nº3 Fevereiro-Maio 2007
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