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Afinal, a mulher pode ou deve usar véu? (José Carlos Jacintho de Campos)

Está se tornando usual, em nossos dias, a aplicação indevida dos verbos poder e dever. Conforme a conveniência ou ponto de vista que se queira defender, dissimuladamente fazem a substituição desses verbos em artigos ou comentários bíblicos que passam desapercebidos pelos menos atentos, gerando costumes ou tradição ao arrepio da sã doutrina.

O verbo poder representa a faculdade ou possibilidade de fazermos alguma coisa de acordo com o nosso livre-arbítrio. Tanto é verdade que esse verbo não é conjugável no modo imperativo. Já o verbo dever tem o significado absoluto de ter a obrigação de fazer-se aquilo que está determinado ou sugerido.

Para exemplificar: podemos cometer pecado? Sim, porque isso faz parte da influência carnal que possuímos, está dentro da nossa capacidade física ou mental; por isso pecamos e diariamente temos de confessar nossos pecados a Deus (1Jo 1.8-10). Por outro lado, devemos viver assiduamente no pecado? Claro que não, pois isto está claramente determinado na Palavra de Deus que não devemos permanecer no pecado, tendo em vista que é nisto que se diferenciam os filhos de Deus e os filhos do diabo (1Jo 3.9,10). Portanto, nem tudo que se pode fazer é o que deve ser feito, sob pena de estarmos pecando e nos identificando com os desobedientes a Deus.

Ninguém, em sã consciência, discordará da afirmação de Paulo que os maridos devem amar a esposa assim como Cristo amou a Igreja a ponto de se entregar por ela (Ef 5.22-33). Sabiamente, as mulheres dão grande ênfase a esta passagem, tendo em vista que a elas é determinado que sejam submissas ao marido, como ao Senhor, logo a recíproca tem de ser verdadeira, ou seja, as mulheres se submetem por obediência ao Senhor e, em nome dessa mesma obediência, o marido lhes deve amor na mesma plenitude que Cristo amou a Sua Igreja.

Dever implica em obrigação; logo, não cumprir aquilo que é determinado na Bíblia é desobediência a Deus.

O que causa estranheza é que o mesmo vernáculo – deve – usado em Efésios 5.28, que, no original grego, denota uma inquestionável obrigação moral, não é aceito, principalmente pelas mulheres, em 1Coríntios 11.10, que afirma que a mulher deve trazer um sinal de submissão ou autoridade em sua cabeça por causa dos anjos. Nesta passagem o verbo está conjugado no modo imperativo afirmativo, que não deixa nenhuma dúvida quanto à ordem nele contida. Como é possível o mesmo verbo ter sentidos diferentes em Efésios 5.28 e em 1Coríntios 11.10? Dever implica em obrigação; logo, não cumprir aquilo que é determinado na Bíblia é desobediência a Deus.

É impressionante como muitas pessoas têm gasto um precioso tempo levantando argumentos, até mesmo absurdos, para justificar o descumprimento da determinação bíblica que a mulher deve cobrir a cabeça nas reuniões da igreja. Esses argumentos geram uma confusão tamanha que faz com que as lideranças de algumas igrejas locais deixem o uso do véu a critério pessoal de cada irmã, como se houvesse duas verdades na Bíblia.

A isto chamamos de a Síndrome de Pilatos, ou seja, conhece-se a verdade, porém é “politicamente correto” não a aplicar; com isso, “lavam-se as mãos” jogando a responsabilidade da decisão sobre as mulheres. Esse procedimento, de não assumir responsabilidades, foi utilizado por Pilatos para encaminhar Jesus Cristo para a morte. Por definição: responsabilidade não se transfere, assume-se para não se tornar um irresponsável.

Creio ser oportuno avaliarmos alguns dos argumentos apresentados por aqueles que procuram justificar a desobediência do não uso do véu pelas mulheres nas reuniões públicas realizadas pela igreja local.

O Argumento Restritivo

“O assunto era específico à igreja em Corinto.”

Os que assim argumentam se estribam no erro de que a Primeira Epístola aos Coríntios se prende obstinadamente a fatos locais; logo, o uso do véu pelas mulheres seria específico para aquela igreja local.

Sem dúvida, essa afirmação é absurda, pois é claríssima a universalidade da epístola: “À igreja de Deus que está em Corinto, aos santificados em Cristo Jesus, chamados para serem santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome do Senhor Jesus, Senhor deles e nosso” (1.2). Será por demais pretensioso afirmar que os males que afligiam aquela igreja jamais ocorreriam em outras. O Espírito Santo orientou Paulo nesse sentido a fim de que as demais igrejas aprendessem com os erros cometidos por aqueles irmãos e evitassem os mesmos procedimentos.

Sabemos que, apesar dessas admoestações, esses erros não deixaram de ser praticados, pois, ainda hoje, cometem-se os mesmos pecados apesar das advertências contidas nesta carta. Dizer-se que assuntos correlatos à ordem nos cultos, à participação na ceia, ao ordenamento dos dons espirituais, à sublimidade do amor, à ressurreição dos mortos e aos assuntos pertinentes à coleta seriam específicos à igreja em Corinto é, no mínimo, por desconhecimento bíblico, pois, se for de caso pensado, é má-fé.

O Argumento Cultural

“O uso do véu era um costume social da época em Corinto.”

Pelo fato de Paulo fazer uma referência quanto ao costume social do tamanho do cabelo a ser usado por homens e mulheres (1Co 11.14,15), isto não significa que ele estivesse fazendo o mesmo com o véu.

A comparação é uma figura de linguagem que facilita o ensino ou a explicação sobre determinado aspecto. Um quilo de ilustração vale por uma tonelada de explicações, porém, quando o espírito farisaico prevalece não há ilustração que dê jeito. Lembremo-nos das parábolas de Cristo e a rebeldia dos judeus.

Se a afirmação que o uso do véu para as mulheres é coisa do passado e era aplicado somente naqueles dias, isto vale dizer que o inverso também é verdadeiro, ou seja, os homens de hoje deveriam orar com a cabeça coberta, pois Paulo teria determinado somente para aquela época que o homem devia, ao contrário das mulheres, orar com a cabeça descoberta (v. 4). Teriam, porventura, os homens de hoje de usar o “tallith” (um xale de quatro pontas) sobre a cabeça como faziam e fazem atualmente os judeus que oram com a cabeça coberta nas sinagogas, tendo em vista que o costume da cabeça descoberta seria somente para aquela época?

Percebam o absurdo dessa interpretação! Se não bastasse isso, se o uso fosse válido somente para aquela época, isto equivale dizer que hoje em dia os anjos do Senhor não mais estariam ao redor daqueles que O temem. O verso 10 de 1Coríntios 11 é claríssimo: a mulher deve trazer a cabeça coberta por causa dos anjos. Ensinar que a mulher não deve usar véu é o mesmo que dizer que os anjos não existem ou não atuam mais!

O escritor de Hebreus não deixa dúvida quanto ao ministério dos anjos junto à igreja: “São todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor dos que hão de herdar a salvação” (Hb 1.14). Os anjos do Senhor não podem contemplar a desobediência das servas, pois o uso do véu pela mulher é um sinal da sua submissão, assim como eles são submissos e se cobrem com suas asas ao comparecerem perante o Trono de Deus (Is 6.2).

Com base nesse mesmo trecho de Isaías 6.2, há afirmações incorretas de que o homem também deveria cobrir a cabeça em suas orações a Deus. A Palavra de Deus é claríssima a esse respeito: “Na verdade, o homem não deve cobrir a cabeça por ser ele imagem e glória de Deus” (1Co 11.7).

É lamentável a errônea interpretação de que a sujeição das mulheres pelo uso do véu é um sinal de que elas são inferiores aos homens. Isto é ignorância!

Convém ressaltar que o citado verso 10 de 1Coríntios 11 contém uma profunda sabedoria. O vernáculo grego exousia significa “o direito de fazer alguma coisa”, ou seja, a cabeça coberta da mulher lhe outorga autoridade para orar, adorar e exercer os seus dons espirituais e, com essa atitude, ela se legitima perante os anjos e concomitantemente perante a igreja, conforme os versos 13 e 16 de 1Coríntios 11. Portanto, fica extremamente claro que essa legitimidade é manifestada pelo véu que a mulher trouxer na sua cabeça, pois o exercício da sua autoridade está sendo demonstrado pelo sinal da sua submissão. Isto é sabedoria de Deus!

É lamentável a errônea interpretação de que a sujeição das mulheres pelo uso do véu é um sinal de que elas são inferiores aos homens. Isto é ignorância! Submissão não é sinônimo de inferioridade. Jesus sujeitou-se ao Pai, porém jamais Lhe foi inferior porque Ele – assim como o Pai – é Deus. Jesus deixou claro isso ao afirmar que, enquanto Ele aqui estivesse, o Pai seria maior e não melhor que Ele. Isto diferencia sujeição de inferioridade (Jo 10.30; 17.11,21-23). Qualquer outra interpretação fica por conta do inimigo de nossa alma.

O Argumento da Substituição

“O cabelo comprido substitui o uso do véu na igreja.”

Jamais Paulo fez tal afirmação. O uso da figura de linguagem do cabelo comprido das mulheres, que para elas era uma glória, pois a cabeleira lhes fora dada em lugar da mantilha (1Co 11.15), é uma explicação à sua própria indagação. “Julgai entre vós mesmos: é conveniente que uma mulher ore com a cabeça descoberta a Deus?” (v. 13). Essa figura de linguagem em hipótese nenhuma anula a obrigatoriedade do cumprimento do verso 10.

É erro grotesco afirmar-se que o cabelo comprido do verso 15 substitui o véu do verso 6, pois os vernáculos usados no original grego para essas vestimentas não são os mesmos; ou seja, no verso 6 trata-se realmente de um véu, peça de tecido mais leve, e, no verso 15, de mantilha, vestimenta feminina mais pesada.

Aprendemos em hermenêutica que, em nenhuma hipótese, devemos fixar uma doutrina ou norma tendo como base uma figura de linguagem, pois ela serve somente para ilustrar. Aquilo que está sendo ilustrado é que deverá prevalecer.

O Argumento da Ausência

“Se não houver varão presente às reuniões, a mulher pode orar sem véu.”

Outra afirmação improcedente. O que é que tem a ver uma coisa com a outra? A mulher não usa véu por causa do homem, mas por causa dos anjos, como sinal da sua autoridade e submissão à ordenança contida na Palavra de Deus. Os versos 5 e 6 de 1Coríntios 11 são extremamente claros: “Toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça descoberta desonra a sua cabeça, porque é a mesma coisa como se estivesse rapada. Portanto, se a mulher não se cobre com véu, tosquie-se também; se, porém, para a mulher é vergonhoso ser tosquiada ou rapada, cubra-se de véu.”

Paulo ilustra a cabeça descoberta com a punição que era dada às mulheres devassas [rapar o cabelo]. O Espírito Santo levou Paulo a ser extremamente enérgico nessas colocações. De fato, ele está afirmando que seria vergonhoso para a mulher orar com a cabeça descoberta porque, desta forma, estaria se colocando no mesmo nível daquelas que, por viverem no pecado, eram excluídos da sociedade.

O Argumento Indecoroso

“Paulo não gostava de mulher.”

Sem dúvida, essa afirmação vem do inferno. O movimento feminista infiltrado em algumas igrejas denominacionais tem lançado essa leviandade, com a maldosa insinuação de que Paulo era casto por não gostar de mulher.

Quanta maldade somente para justificar o uso do púlpito e o não uso do véu pelas mulheres nas reuniões públicas da igreja local! As revelações contidas na Palavra de Deus não são de entendimento humano, mas por inspiração do Espírito Santo. Paulo afirma em 2Timóteo 3.16: “Toda Escritura é divinamente inspirada”. Pedro reafirma em 1Pedro 1.20.21: “Nenhuma profecia da Escritura é de particular interpretação. Porque a profecia nunca foi produzida por vontade dos homens, mas os homens da parte de Deus falaram movidos pelo Espírito Santo.”

Portanto, quem manda as mulheres se cobrirem nas reuniões públicas da igreja com o véu não é Paulo, mas o Espírito Santo que é de Deus. A maledicência lançada contra Paulo é indecente, pois ele jamais se desagradou das mulheres ou as menosprezou, como ele mesmo escreve em Gálatas 3.28: “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois de Cristo Jesus.”

Propositadamente as feministas se esquecem da menção que Paulo faz em suas epístolas às valorosas e dedicadas servas que, como ele, gastaram a vida em prol do Evangelho, e que, por certo, oravam com a cabeça coberta. É torpeza colocar dúvida sobre a masculinidade de Paulo pelo fato de ele praticar a castidade (1Co 7.7-9). Por trás de toda essa desavença criada pelas feministas em torno do uso do véu, está o velado descontentamento das mulheres em usá-lo por entenderem que Paulo teria sido extremamente injusto com elas na medida em que as colocou em sujeição ao homem. Essa idéia é absurdamente errada! A sujeição da mulher ao homem vem desde a criação, e não se trata de uma “invenção” de Paulo, mas é uma determinação de Deus.

Desde o princípio da criação a liderança do homem e a sujeição da mulher são determinadas por Deus, tendo em vista que o homem é a imagem e glória de Deus e a mulher, a glória do homem (11.7). O homem foi colocado no mundo como representante de Deus para exercer domínio sobre a terra e a sua cabeça descoberta é um testemunho silencioso desse fato.

Portanto, o homem não deve cobrir a cabeça, pois tal ato seria um grande insulto a Deus porque estaria cobrindo a Sua glória. À mulher nunca foi dada essa liderança. Deus a colocou como ajudadora do homem. O diabo, em sua astúcia, induziu Eva a usurpar a liderança que pertencia a Adão na medida em que ela, sozinha, decidiu manter aquele fatídico diálogo. Por isso, Deus determinou à mulher: “Ele [o homem] te dominará” (Gn 3.16). Eliminar essa sujeição é coisa do diabo; desde o princípio ele persiste nisso.

O Argumento do Paradigma

“Nas igrejas denominacionais históricas as mulheres não usam véu.”

Se somos como somos é porque entendemos que assim devemos ser como igreja de Cristo que somos; ou seja: se nos reunimos dessa forma é porque cremos que devemos ter por modelo a igreja primitiva, que é algo sobremodo difícil em nossos dias em virtude das muitas tradições que foram criadas no meio tido como evangélico.

Assim como ocorreu no judaísmo e no catolicismo, o protestantismo se tem conduzido mais pelas tradições humanas do que propriamente pelas revelações contidas na Palavra de Deus. Amamos os irmãos denominacionais, porém, se nos reunimos procurando o padrão autêntico das igrejas neo-testamentárias, isso significa que não devemos aceitar tradições humanas misturadas ao ajuntamento solene.

As mesmas vozes que evocam o costume das denominacionais históricas para o não uso do véu pelas mulheres são as mesmas que não concordam, dentre tantas outras coisas, com a diferenciação que é feita entre o clérigo e o leigo cujo princípio eclesiástico nega, de fato, a unidade de todos os crentes. O vocacionamento clerical é estranho aos ensinamentos contidos na Palavra de Deus, pois “como pedras vivas, somos edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1Pe 2.5). Portanto, todos os cristãos nascidos espiritualmente de novo possuem o mesmo sacerdócio.

Que diremos, então, acerca de distorções doutrinárias? Por que, então, somente determinada prática nos serve, como o não uso do véu, e não há concordância em relação às demais? Não seria uma hipocrisia pensarmos dessa forma, ou seja, naquilo que atende aos anseios das mulheres as tradições das igrejas denominacionais devem ser seguidas? Creio que Paulo nos dá essa resposta em 1Coríntios 11.16: “Se alguém quiser ser contencioso [ao permitir que a mulher ore sem véu], nós não temos tal costume, nem tampouco as igrejas de Deus.”

O Argumento Doutrinário

“A obrigatoriedade do uso do véu não é um ponto doutrinário por estar revelado em apenas uma passagem da Palavra de Deus.”

É sobremodo estranho o ensino que surgiu em nosso meio de que uma doutrina bíblica somente é válida quando existe no mínimo mais de uma passagem que confirme a sua condição como tal.

O nosso assunto aqui não é o de abrir um debate sobre hermenêutica, porém, se essa afirmação fosse verdadeira, a maioria das citações escatológicas não seria doutrinária. Basta lermos o Apocalipse e veremos que grande parte dos assuntos nele contidos estão revelados somente lá; ou ainda, não poderemos afirmar que os mortos não serão arrebatados antes dos vivos simplesmente pelo fato de isso estar revelado apenas em 1Tessalonicenses 4.15-17.

É impressionante como se inventa tanto por causa de algo tão simples que é o uso do véu pelas mulheres.

O Argumento da Concorrência

“O tamanho e a cor do véu promovem um desfile de moda na igreja.”

Por último, justifica-se o não-uso do véu pelo fato de que poderá haver entre as mulheres uma concorrência ou desfile de moda pela multiplicidade de cores e tamanhos dos véus. Justificar que o uso do véu criaria uma disputa de moda entre as irmãs é uma afirmação temerária. Os vestidos, as calças compridas (por vezes coladas ao corpo), as saias (por vezes curtas demais), as bluas, os sapatos, as meias, os brincos, os anéis, os colares, os esmaltes, os batons, etc. não causam concorrência, mas o véu promoverá isso?! Não devemos subestimar a Deus dessa forma, pois é o Espírito Santo que determina o uso do véu.

Quanto ao tamanho gerar um modismo, pelo fato de que, quanto menor o véu, mais elegante a mulher fica, particularmente pode-se entender que se é ruim usar um véu pequeno, pior será não usar nenhum. Porém, é verdadeiro que está havendo um abuso em nossos dias pelo uso de véus minúsculos, que os descaracterizam como a cobertura estabelecida na Palavra de Deus.

Pelo fato do seu tamanho não ser determinado explicitamente no citado trecho, isto não significa que qualquer coisa que se coloca sobre a cabeça estaria cumprindo com a divina determinação. Convém lembrar que o uso do véu ordenado por Deus não é uma mera vestimenta, mas um sinal (1Co 11.10) e, por inferência, sabemos que qualquer que seja um sinal, ele somente atinge seu objetivo na medida que revela nitidamente aquilo que ele se propôs mostrar.

A prudência e a moderação são virtudes recomendadas para cercear qualquer tipo de exagero tanto para mais como para menos, pois há que se ter acentuado cuidado com as posições extremistas.

Segundo o consagrado servo do Senhor William MacDonald (The Believer’s Bible Comentary), “o véu somente é válido quando o seu uso exterioriza a graça interior da mulher. A coisa mais importante no uso do véu deve ser a certeza de que o coração está realmente submisso: o véu sobre a cabeça das mulheres possui esse real significado (…)”.

Portanto, o tamanho e a cor não são coisas fundamentais; o que verdadeiramente importa é a sujeição das mulheres às determinações contidas na Palavra de Deus. As cores e tamanhos serão adequados por elas próprias segundo a graça que interiormente possuem pela habitação do Espírito Santo.

Isto equivale dizer que o não-uso do véu significa a inexistência de reverência e temor a Deus, e é uma questão definitiva e incontestável na Palavra de Deus. A recusa ou omissão das mulheres com respeito ao uso do véu nas reuniões públicas da igreja são demonstrações de rebeldia a Deus. As vozes discordantes são por conta de interpretações de particular elucidação, não por revelação divina.

Que diremos, pois, à vista destes argumentos? Atentemos para o convite de Paulo: “Sede meus imitadores, como também eu o sou de Cristo” (1Co 11.1). Permita Deus que assim seja!

 

(Extraído de um xerox desse artigo na revista Amados…, 32, sem identificação de editora ou de local de publicação. Se alguém conhecer os detentores dos direitos autorais desse texto ou se a revista ainda é publicada, favor entrar em contato.)

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Vida cristã Watchman Nee

Vivendo pela vida de Deus (Watchman Nee)

A. Vivendo pela Vontade do Homem ou pela Vida de Deus

“Constituído, não conforme a lei de mandamento carnal, mas segundo o poder da vida indissolúvel”. (Hb 7:16)

“Não temas; eu sou o primeiro e o último, e aquele que vive; estive morto, mas eis que estou vivo pelos séculos dos séculos, e tenho as chaves da morte e do inferno”. (Ap 1:17,18)

“Ao qual, porém, Deus ressuscitou, rompendo os grilhões da morte; por quanto não era possível fosse ele retido por ela”. (At 2:24)

“Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca”. (Mt 26:41)

“Disse-lhe Jesus: Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim; ainda que morra viverá”. (Jo 11:25)

“Para o conhecer e o poder da sua ressurreição e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com ele na sua morte”. (Fp 3:10)

“E qual a suprema grandeza do seu poder para com os que cremos, segundo a eficácia da força do seu poder; o qual exerceu ele em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e fazendo-o sentar à sua direita nos lugares celestiais”. (Ef 1:19-20)

“Porque Deus é quem efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade”. (Cl 1:29)

“Porque bem sabemos que a lei é espiritual; eu, todavia, sou carnal, vendido à escravidão do pecado”. (Rm 7:14)

“Porque não queremos, irmãos, que ignoreis a natureza da tribulação que nos sobreveio na Ásia, porquanto foi acima das nossas forças, a ponto de desesperarmos até da própria vida. Contudo, já em nós mesmos tivemos a sentença de morte, para que não confiemos em nós, e, sim em Deus que ressuscita os mortos”. (II Co 1:8-9)

“Então ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza”. (II Co 12:9a)

“Posto que buscais prova de que em mim Cristo fala, o qual não é fraco para convosco, antes é poderoso em vós”. (II Co 13:3)

Muitas pessoas estão vivendo pela vontade própria, e não pela vida de Deus. Eles são cristãos porque decidiram sê-lo. Decidiram por sua vontade. Eles querem santificação e estão determinados a obtê-la. Resolveram experimentar vitória em suas vidas. Por melhor que isso possa parecer, estas pessoas estão vivendo pela sua vontade. Suas vidas estão totalmente dentro da esfera de suas vontades. Semelhantemente, muita obra cristã é realizada também nesta esfera.

Você deveria ser um bom cristão, deveria ter vitória, e deveria ser cheio com o Espírito. Mas o máximo que consegue alcançar é somente desejar isso. “O espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26:41b). “Pois o querer fazer o bem está em mim; não, porém o efetuá-lo. Porque não faço o bem que prefiro, mas o mal que não quero, esse faço” (Rm 7:18b – 19). O desejo da vontade não pode lhe dar o poder de fazê-lo, pois a carne é mais forte.

Aquele que confia na vontade certamente será derrotado. A vontade é muito fraca; ela não pode levar alguém a ser vitorioso. Ela somente consegue funcionar à medida em que algo a move ou empurra. Esta não é a vida de Cristo; é a vida da vontade. Ela está destinada à derrota.

A vida de Cristo, no entanto, está acima do plano da vontade. A Sua vida nos ampara; nos leva consigo e nos conduz naturalmente. Nós nada fazemos; Ele tudo faz. Sua vida flui e transborda sobre a vontade e as circunstâncias. Não lutamos nem nos esforçamos para trilhar o caminho. Ele simplesmente nos carrega consigo, em Seus braços.

Em relação à nossa fraqueza física, a mesma regra se aplica. Não podemos nos forçar a vencer nossas fraquezas ou a viver acima delas.. A vida de Cristo, porém, simplesmente flui e nos carrega consigo. Não precisamos nos reanimar e prosseguir, pois Cristo o faz por nós. Como descrito em II Coríntios 1:8-9, Paulo estava em completo desânimo tanto interna quanto externamente. Ele estava verdadeiramente em uma condição desesperadora, onde acabara-se toda a esperança. Então ele declarou que confiava na vida de ressurreição do nosso Senhor Jesus. Apenas a vida não é suficiente, é necessária a vida de ressurreição. Enquanto Romanos 7 nos mostra que a vontade é impotente – pois ela não consegue nos levar à vitória, Romanos 8 nos fala que “a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus nos livrou da lei do pecado e da morte” (v. 2).

B. Vivendo pela Sabedoria Humana ou pela Vida de Deus
“Porque a nossa glória é esta: o testemunho da nossa consciência, de que com santidade e sinceridade de Deus, não com sabedoria humana, mas na graça divina, temos vivido no mundo, e mais especialmente para convosco”. (II Co 1:12)

“Quando se aproximava do Egito, quase ao entrar, disse a Sarai, sua mulher: Ora, bem sei que és mulher de formosa aparência; os egípcios, quando te virem, vão dizer: É mulher dele, e me matarão, deixando-te com vida. Dize, pois, que és minha irmã, para que me considerem por amor a ti e, por tua causa, me conservem a vida”. (Gn 12:11-13)

“Aconteceu que, num daqueles dias, estando Jesus a ensinar o povo no templo e a evangelizar, sobrevieram os principais sacerdotes e os escribas, juntamente com os anciãos, e o argüiram nestes termos: Dize-nos: Com que autoridade fazes estas cousas? ou quem te deu esta autoridade? Respondeu-lhes: Também vos farei uma pergunta; dizei-me: O batismo de João era dos céus ou dos homens? Então eles arrazoavam entre si: Se dissermos: Do céu, ele dirá: Porque não acreditastes nele? Mas se dissermos: Dos homens, o povo todo nos apedrejará; porque está convicto de ser João um profeta. Por fim disseram que não sabiam. Então Jesus lhes replicou: Pois nem eu vos digo com que autoridade faço estas cousas”. (Lc 20:1-8)

“Porque eu desci do céu não para fazer a minha própria vontade; e sim, a vontade daquele que me enviou”. (Jo 6:36)

Vimos que não é pela vontade do homem que vivemos. Agora veremos que também não é a sabedoria humana o princípio que governa a vida. Todo aquele que age baseado em sua sagacidade está no caminho errado. A única pergunta que deveríamos fazer é: “Qual é a vontade de Deus?” Não permitamos de modo algum que nossa esperteza se envolva nisso. Você teme dificuldades ou problemas? Se teme, a sagacidade ou a sabedoria humana imediatamente aparecem. Você busca a gloria dos homens? Se busca, então a sagacidade se introduz rapidamente.

No entanto, se o seu desejo é seguir somente a vontade de Deus (após esta lhe ter sido mostrada), então você não será afetado pelas críticas dos homens. Atenha-se apenas à vontade de Deus. Não se importe com o que o mundo pensa; nem considere que conseqüências podem haver.

Não confie na vontade ou sabedoria humana; confie apenas na graça de Deus. Quando você cometer um erro grave, e estiver em dificuldades, simplesmente clame a Deus: “Senhor, tem misericórdia de mim e ajuda-me.” Não tente se desembaraçar com mais manobras, mas lance-se sobre a misericórdia de Deus. Ele dispersará as nuvens e o livrará.

Aqueles que são brilhantes são os que se metem em mais problemas, por que confiam em sua sabedoria. Pessoas que são bem menos brilhantes têm poucos problemas, na medida em que confiam somente em Deus. Porém, onde há sagacidade, sempre haverá desonestidade, engano e pecado. Pesar a questão olhar seus vários ângulos, calcular o que pode acontecer se dissermos ou fizermos isto ou aquilo – tudo isso é sagacidade. Todavia, para o cristão isso é pecado. Deus não permitirá que você aja de acordo com sua própria forma de pensar e, sim, segundo Sua vontade. Algumas vezes você pode sentir como se estivesse caminhando diretamente contra algo pavoroso, mas se esta for Sua vontade e o Seu caminho, então não tente discutir, mas simplesmente obedeça, com a fé de uma criança.

C. A Lei do Espírito da Vida
“Porque, no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo nos meus membros outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros”. (Rm 7:22-23)

“Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte. Porquanto ao que fora impossível à lei, no que estava enferma pela carne, isso fez Deus enviando a seu próprio Filho em semelhança de carne pecaminosa e no tocante ao pecado; e, com efeito, condenou Deus, na carne, o pecado. A fim de que o preceito da lei se cumprisse em nós que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito”. (Rm 8:2-4)

O homem apresentado em Romanos 7 vive pela sua vontade. Toda a sua vida e conduta são controladas por ele mesmo. Embora sua vontade possa ser boa, sua conduta é má. Ele se conforta dizendo, “eu anseio por Deus; minha vontade é dEle; eu odeio o pecado, não desejo fazer nada errado; desejo a vontade de Deus e quero glorificá-Lo em todas as coisas”. Contudo, isso é o máximo que essa pessoa pode fazer. Ele não viu que tudo isso está na esfera da vontade. Por esta razão, ele continua debaixo da lei. O poder da sua vontade se torna o único poder da sua vida; sendo assim, ele não é capaz de sair da fraqueza para a consecução.

Muitos cristãos controlam-se bem. Eles mantêm um forte domínio sobre si. Estão determinados a não pecar, nem a ofender os outros.. Com força eles se seguram, refreiam e controlam, querendo fazer de si mesmos pessoas que agem de determinada maneira e falam com um certo tom de voz, que eles aprovam. Eles, portanto, forçam a si mesmos a fazer o que não querem e se reprimem sob o poder da vontade. Mas tudo isso não passa da lei, a lei da vontade natural. Contudo, Romanos 8:2 nos diz que “a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te livrou da lei do pecado e da morte.” Se alguém não tem experimentado isso, ou é porque não nasceu de novo ou porque não foi bem instruído no evangelho pleno de Jesus Cristo. Ele conhece apenas um evangelho imperfeito, ou então não crê realmente na Palavra de Deus, por falta de revelação.

Como a lei do Espírito da vida vence a lei do pecado e da morte? No momento em que você é salvo, você sabe o que deve fazer. Você não precisa pesar e raciocinar para saber se uma palavra ou atitude é correta ou não. Há algo dentro de você que lhe diz tudo. Portanto, não é uma questão de saber, mas sim de obedecer ou não a essa voz interior, essa luz interior. A lei do Espírito da vida está operando dentro de você o tempo todo, mas pode ser que você não tenha aprendido a obedecê-la. A forma com que esta lei vence a outra é simples, natural, sem esforços. Ao reconhecer e crer nesta lei da vida que está operando em seu interior, você simplesmente eleva sues olhos e diz ao Senhor: “Senhor, eu não posso; mas Tu podes”. Isso é tudo o que você tem que fazer. Não é uma questão de tentar, mas de reconhecer esta vida em você, a qual é Cristo. Você apenas a observa viver, fluir e operar naturalmente sem esforço algum.

Imagine que você seja convidado para ir a uma casa onde, no passado, você sempre falava de maneira carnal e fazia coisas que não glorificavam ao Senhor. Será que você precisa se preparar orando muito sobre esse assunto, decidindo não repetir o que dizia ou fazia antes, e clamando ao Senhor para ajudá-lo? Não, você simplesmente crê que há uma nova lei operando em você – a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus. E esta lei o libertará. Descanse no poder da lei da vida. Não fique tentando, nem fique ansioso. Apenas confie totalmente nesta vida, nessa lei. E se você se esquecer, o Espírito o lembrará, pois isto é Sua responsabilidade. A lei opera naturalmente e sem esforço. Confie Nele com uma fé de criança, livre dos esforços, das lutas ou do empenho da vontade.

Será que essa lei espontânea está operando em você? Será que tem fluido de você, sem esforço, uma vida simples e espontânea?

D. Deixe de Tentar
“Observai as aves do céu: não semeiam, não colhem, nem ajuntam em celeiros; contudo vosso Pai celeste as sustenta. Porventura, não valeis vós muito mais do que as aves? Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida? E por que andais ansiosos quanto ao vestuário? Considerai como crescem os lírios do campo: eles não trabalham nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã é lançada no forno, quanto mais a vós outros, homens de pequena fé” (Mt 6:26-30)

“Agora, pois, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus”. (Rm 8:1)

Há uma nova lei operando em nós que é maior que a lei antiga. Creia nesta nova lei. Creia que ela está operando, e que continuará a operar. Simplesmente siga essa lei. É assim que os cristãos vivem.

As pessoas não salvas, por outro lado, precisam controlar-se. Elas precisam refrear e ordenar as suas vidas pelas suas vontades. Os salvos, no entanto, podem soltar-se. Eles podem abandonar todo esforço próprio e desistir de tentar e lutar com suas vontades. Eles se renderão nas mãos de Deus. Deixe de tentar e deixe Deus agir.

E. A Palavra de Deus é Viva
“Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, é mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. (Hb 4:12)

“Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno”. (Sl 139:23-24)

“A revelação das tuas palavras esclarece, e dá entendimento aos simples”. (Sl 119:130)

“Mas todas as cousas, quando reprovadas pela luz, se tornam manifestas; porque tudo que se manifesta é luz”. (Ef 5:13)

“Àquele lugar chamou Jacó Peniel, pois disse: Vi a Deus face a face, e a minha vida foi salva”. (Gn 23:30)

“A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens”. (Jo 1:4)

Como vamos saber que parte de nossos pensamentos ou decisões é de Deus e que parte é nossa? Algumas vezes há apenas uma diferença mínima e conseqüentemente descobrimos que não podemos diferenciá-las. Podemos nos perguntar: “Isso sou eu, ou é o Senhor, em mim? Isso procede do meu espírito ou da minha alma?” Tentamos dissecar nossos pensamentos, palavras e ações a fim de saber qual parte é natural e qual é espiritual. Esta é uma tarefa extremamente difícil, e ficamos desesperados quando tentamos fazer a discriminação.

Tentar fazer isso é fatal. Somente resulta em perplexidade e hesitação. Nada é exato ou firme; é como estar sempre num labirinto ou em um nevoeiro. Toda essa abordagem, porém, está errada. Deus nunca nos disse que podemos distinguir dentro de nós o que é alma e o que é espírito. Tal abordagem está errada e a pessoa que tenta fazê-la também estará errado. Deus nunca quis que fizéssemos isso, porque se olharmos para dentro de nós mesmo, só veremos trevas. Examinar-se a si mesmo a esse respeito nunca nos levará a achar luz. Pois tudo é escuridão dentro em nós. Seguir este caminho não nos levará a lugar algum. É um beco sem saída. Portanto precisamos parar com essa prática.

“A palavra de Deus é viva e eficaz, é mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração”. Quando dizemos ou sentimos que estamos certos ou errados, o ponto fundamental é: Como sabemos? De onde veio a luz – ou seja, o conhecimento de que isso ou aquilo está certo ou errado? De dentro de nós ou da palavra de Deus? Houve revelação? Tem que haver revelação ou luz baseada na Palavra de Deus para que possamos realmente ver. No momento em que o Espírito Santo envia luz sobre a Palavra de Deus, vemos e sabemos.

Devemos ter a luz que mata. Sob tal luz vemos que tudo o que é nosso está centralizado na alma. Portanto precisamos de revelação, porque ela mata e realiza a obra. Deus não opera de outra maneira à parte da revelação. Obter revelação é suficiente, pois a obra então é realizada. No momento em que a recebemos e nos vemos como Deus nos vê, somos enfraquecidos e nossa vida da alma morre. A luz que vem da revelação traz consigo o poder; ou melhor, ela mesma é o poder. Sendo assim, tudo depende de revelação. Depois que a recebemos nada mais resta para Deus fazer. Não há um segundo passo a tomar – a revelação é a chave de tudo.

Em Peniel, Jacó disse: “Vi a Deus face a face.” Esse é o local de revelação. Não apenas uma experiência, é estar face a face com o próprio Deus. Não é meramente uma operação de Deus, é a própria Luz. A luz mata, mas melhor ainda, a luz purifica. A única razão para não termos luz é não termos lugar para ela. Fechamos a porta. Estamos fechados para a luz. Ore para que possamos estar abertos a ela. Não obteremos luz até que estejamos abertos para ela. E quando a luz vem, ela mata. Portanto, após recebermos a luz, não mais devemos olhar para dentro de nós e nos perguntar se estamos certos ou errados, se é da alma ou do espírito. Somente ore: “Sonda-me, ó Deus, e conhece o meu coração: prova-me e conhece os meus pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau, e guia-me pelo caminho eterno.”

Você deve aprender a se abrir. Não engane a si mesmo, nem seja soberbo. Seja humilde e aprenda a ser sincero. Muitas vezes não somos sinceros para com Deus e com Sua Palavra. Algumas vezes a luz vem devagar, pouco a pouco. Mas quando ela vier, renda-se a ela. Ande mansamente com temor e tremor. Lide com o eu até o limite máximo, ou melhor, deixe o Espírito Santo lidar com você sem restrições. A razão pela qual somos carentes de discernimento em relação às situações de outros é porque não permitimos que Deus nos dê luz com respeito a nós mesmos. Precisamos primeiro discernir nosso próprio eu. Então poderemos ajudar outros a ver.

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A. W. Pink Igreja

As igrejas de Deus (A. W. Pink)

“Pois vós, irmãos, vos tornastes imitadores das igrejas de Deus em Cristo Jesus que estão na Judéia” (1Ts 2:14)

A ignorância que prevalece no Cristianismo agora em relação às Igrejas de Deus é profunda e mais geral que qualquer outro erro sobre qualquer outro tema das Escrituras. Muitos que são fortes em relação ao Evangelho e são corretamente ensinados sobre os grandes fundamentos da fé, estão equivocados em relação à Igreja. Há de se notar que a confusão que abunda diz mais respeito a palavra “Igreja”. Há poucas palavras com tamanha variedade de sentidos. O homem comum entende por “igreja” um edifício no qual as pessoas se congregam para a adoração pública. Porém os que compreendem melhor, sabem que o termo se refere as pessoas que se congregam neste edifício.

Outros usam o termo em um sentido denominacional e chamam de a “Igreja Metodista” ou a “Igreja Presbiteriana”. Também se emprega para chamar de instituições do Estado como a “Igreja da Inglaterra” ou a “Igreja da Escócia”.

Para os papistas, a palavra “igreja” é quase sinônimo da palavra “salvação”, porque eles ensinam que todos os que estão fora da “Santa Igreja Mãe” estão eternamente perdidos.

Para muitos que são até mesmo povo de Deus, parece não interessar-lhes o que Deus pensa sobre o tema. É triste notar que homens devotos no Evangelho, que proclamam a Palavra de Deus, nos comentam que não se molestam em relação à doutrina da Igreja; que a salvação é um tema mais importante; e o estabelecimento dos Cristão nos fundamentos é tudo o que é necessário.

Vemos que eles dão capítulo e versículo para cada declaração que fazem e enfatizam a autoridade da Palavra de Deus, porém cerram os olhos à seus ensinamentos sobre a Igreja.

Que constitui uma Igreja Neotestamentária ?

Que haja multidões de supostos Cristãos que desdenham a importância desta questão em manifesto. Suas ações os demonstram. Não se molestam em contestar a pergunta. Alguns estão contentes em ficar fora de qualquer Igreja terrenal. Outros se unem a alguma igreja por considerações sentimentais, porque seus pais ou seus parentes pertencem à ela. Todavia outros se unem a uma igreja por motivos mais baixos, por razões políticas ou de negócios. Porém isto não deve ser assim.

Se o leitor é um Anglicano, deve sê-lo porque está convencido de que sua igreja é a mais bíblica. Se é presbiteriano, deve sê-lo pela convicção de que sua igreja está mais de acordo com a Palavra de Deus. E assim também se és Batista, ou Metodista, etc.

Há muitos outros que não guardam nenhuma esperança de poder contestar satisfatoriamente a pergunta: O que é uma Igreja Neotestamentária ? A confusão que causam no Cristianismo, as numerosas seitas e denominações, que diferem amplamente na doutrina e na constituição da igreja e na sua idéia sobre o governo, tem desanimado a muitos. Não dispõe de tempo necessário para examinar as declarações de muitas denominações. Muitos Cristãos são pessoas muito ocupadas, que trabalham muito para ganhar a vida, e não tem o tempo necessário para investigar adequadamente os méritos escriturísticos dos diferentes sistemas eclesiásticos.

Conseqüentemente deixam de um lado a questão, porque a vem demasiadamente difícil e complexa para poder chegar a uma conclusão satisfatória e conclusiva. Porém não, a solução não deve ser assim. Em vez de que estas diferenças de opiniões nos deixem perplexos, devem estimular-nos a chegar a compreender a mente de Deus em relação ao assunto. Se Ele nos diz que devemos “comprar a verdade”, o que implica que o esforço e o sacrifício são necessários, somos convidados a “provar todas as coisas”.

Agora, é óbvio a todos que deve haver uma maneira mais excelente do que examinar os credos e os artigos de fé de todas as demais denominações. O único método satisfatório para descobrir a resposta divina à pergunta é voltarmos para o próprio Novo Testamento e estudar seus ensinamentos relacionados à “Igreja”; não os pontos de vista de algum homem piedoso; não aceitando o credo de uma Igreja a qual pertencem os meus pais; mas sim provando todas as coisas por si mesma. O povo de Deus não tem nenhum direito de organizar uma igreja sobre fundamentos que não são os que governaram as Igrejas no tempo do Novo Testamento. Uma instituição cujos ensinamentos ou governo são contrários aos Novo Testamento sem dúvida não é uma igreja neotestamentária.

Agora, se Deus tem considerado de suma importância colocar entre as páginas de inspiração, o que é uma igreja neotestamentária, então deve ser importante para cada homem ou mulher estudar o que está escrito, e submetermos a sua autoridade e conformarmos à sua conduta. Assim que apelo ao Novo Testamento unicamente e busco a resposta a nossa pergunta.

1. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes.
Muita confusão tem sido o resultado de se utilizar adjetivos que não se encontram no Novo Testamento. Se fossemos perguntar a alguns Cristãos: a que igreja você pertence ? Contestariam: a grande igreja invisível de Cristo – uma igreja que é intangível e invisível. Quantos repetem o Credo dos Apóstolos, “Creio na santa igreja católica ?, que certamente não era parte alguma no credo que os apóstolos mantiveram. Outros falam de uma “igreja militante” e de uma “igreja triunfante”, porém nenhum destes termos se encontram nas Escrituras, e os empregarmos somente cria dificuldade e confusão. No momento que deixamos de reter “o modelo das sãs palavras” (2 Timóteo 2:13) e usamos termos não-escriturísticos, somente nos confundimos ainda mais. Não podemos melhorar as Sagradas Escrituras. Não há necessidade de inventar mais temos, fazê-lo é criticar o vocabulário do Espírito Santo. Quando alguns falam de uma igreja universal de Cristo, empregam um termo anti-escriturístico. O que querem dizer é “a família de Deus”. Esta última expressão inclui toda a companhia dos eleitos, porém a palavra “Igreja” não tem o mesmo sentido.

O tipo de Igreja que é enfatizado no Novo Testamento não é nem invisível nem universal, mas visível e local. A palavra para “igreja” é ekklesia e os que conhecem a língua grega estão de acordo que significa uma assembléia. Uma assembléia é uma companhia de gente que realmente se reúne. Se nunca se reúnem, então isso seria um mal uso da linguagem dizer que são uma assembléia. Por isso, como todo o povo de Deus nunca tem estado em uma assembléia, juntos, não há uma Igreja ou assembléia universal. Essa igreja é todavia futura porque ainda não tem uma existência corporal.

Para provar o que se disse acima, vamos examinar as passagens onde o termo foi usado pelo nosso próprio Senhor durante os dias de sua carne. Somente duas vezes nos quatro Evangelhos encontramos a Cristo falando de sua “Igreja”. A primeira está em Mateus 16:18, onde disse Jesus a Pedro “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. A que tipo de Igreja se referia o Salvador? A grande maioria dos Cristãos pensam que foi a grande Igreja invisível, mística e universal, que inclui todos os redimidos. Porém certamente estão equivocados. Se isto houvesse sido o sentido da palavras, necessariamente haveria dito “Sobre esta pedra estou construindo minha Igreja”. Porém disse “construirei”, tempo futuro. O que demonstra que quando falou estas palavras, a Igreja não tinha existência, salvo no propósito de Deus. A igreja à qual Cristo se refere em Mateus 16:18 não podia ser universal, isto é, uma igreja que inclui todos os santos de Deus, porque o tempo do verbo que emprega manifestamente exclui os santos do Antigo Testamento. Além disso, nosso Senhor não se referia à Igreja na glória, porque essa Igreja já não estará sob o perigo das portas do inferno. Sua declaração que “as portas do inferno não prevalecerão contra ela” sem dúvida esclarece que se refere a Sua Igreja sobre a terra, uma Igreja visível e universal.

O único outro exemplo de nosso Senhor falando da Igreja quando esteve na terra, se encontra em Mateus 18:17: “Se recusar ouvi-los, dize-o à igreja; e, se também recusar ouvir a igreja, considera-o como gentio e publicano”. Agora, o único tipo de Igreja a qual um irmão pode falar de seus problemas é um Igreja visível e local. Isto é tão óbvio que não há necessidade de falar mais deste ponto.

No último livro do Novo Testamento, encontramos o nosso Senhor usando o termo outra vez. Primeiro em 1:11 disse a João “Escreve em um livro o que vês, e enviá-lo às sete igrejas que estão na Ásia”. Outra vez, é claro que o Senhor fala de igrejas locais. Depois disto, o Senhor usa a palavra 19 vezes no Apocalipse e em cada passagem a referência foi à Igrejas locais. Sete vezes repete “O que tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas”, não disse “ouça o que o Espírito diz à Igreja” – o que haveria dito se a opinião popular fosse a correta.

A última referência no Apocalipse está em Apocalipse 22:16: “Eu, Jesus, enviei o meu anjo para vos testificar estas coisas a favor das igrejas. Eu sou a raiz e a geração de Davi, a resplandecente estrela da manhã”. A razão disto é que a Igreja de Cristo ainda não tem nenhuma existência tangível e incorporada, seja na glória ou sobre a terra; tudo o que tem agora são suas Igrejas locais.

Uma prova adicional de que o tipo de Igreja que é enfatizado no Novo Testamento é local e visível, está em outros passagens da Escritura. Lemos da “igreja que estava em Jerusalém” (Atos 8:1), “a igreja que estava em Antioquia” (Atos 13:1); “a igreja de Deus que está em Corinto” (1 Coríntios 1:2) – tomem nota de que ainda que esta Igreja tinha vínculos com as demais Igrejas, se distingue de “todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Coríntios 1:2). Outra vez lemos de Igrejas, plural no número. “Assim as igrejas em toda a Judéia, Galiléia e Samária, tinham paz…” (Atos 9:31); “…As igrejas de Cristo vos saúdam” (Romanos 16:16); “…as igrejas da Galácia” (Gálatas 1:2). Assim que se pode ver que a idéia proeminente e dominante no Novo Testamento, foi de Igrejas locais e visíveis.

2. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados.
Por “crentes batizados” quero dizer Cristão que tenha sido submergido em água. Em todo o Novo Testamento, não há nem um só caso de alguém que chegara a ser membro de uma igreja de Jesus Cristo sem ser primeiro batizado; há muitos casos, muitas indicações e provas de que todos os que pertenciam às igrejas nos dias dos apóstolos eram Cristãos batizados.

Vamos ver primeiro a última parte de Atos 2:47: “E cada dia acrescentava-lhes o Senhor os que iam sendo salvos”. Notem que o versículo não diz que “Deus” ou “o Espírito Santo” ou “Cristo” mas “o Senhor” acrescentava. A razão é esta: “o Senhor” leva a idéia de autoridade e os que Ele acrescentava à igreja haviam se submetido ao Seu senhorio. E a maneira pela qual haviam submetido a Ele está nos versículos 41-42: “De sorte que foram batizados os que receberam a sua palavra; e naquele dia agregaram-se quase três mil almas; e perseveravam na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas orações”. Assim que durante os dias mais primitivos desta dispensação, o Senhor acrescentava à Sua igreja pessoas que estavam batizadas.

Vejam a primeira das epístolas. Romanos 12:4-5 demonstra que os santos em Roma formavam uma igreja local. Agora regressemos a Romanos 6:4-5 onde encontramos o apóstolo dizendo aos membros de Roma (e deles): “Fomos, pois, sepultados com ele pelo batismo na morte, para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida. Porque, se temos sido unidos a ele na semelhança da sua morte, certamente também o seremos na semelhança da sua ressurreição”. Assim que os membros da igreja local em Roma eram cristãos batizados.

Agora considerem a igreja em Corinto. Em Atos 18:8 lemos: “e muitos dos coríntios, ouvindo, criam e eram batizados”. Outra prova de que os santos de Corinto foram batizados se acha em 1 Coríntios 1:13-14; 10:2,6. E 1 Coríntios 12:13 traduzido corretamente (espero comentar sobre esta passagem em outro artigo mais adiante) expressamente afirma que a entrada à assembléia local é pelo batismo nas águas.

E antes de passar a outro ponto, permita-me dizer que um igreja composta de crentes batizados é óbvia e necessariamente uma igreja batista – de que mais a vamos chamar ? Este é o nome que Deus deu ao primeiro homem que chamou e comissionou para batizar. O nomeou “João Batista”. E por isso os verdadeiros batistas não devem ter vergonha do nome que levam. Se alguém perguntar: por que não chamou o Espírito Santo de a “igreja batista em Corinto”? ou, “das igrejas batistas na Galácia”? Contestamos, por esta razão: não havia, nesse tempo, necessidade de assinalar distinções utilizando este adjetivo. Não havia outros tipos de igrejas nos dias dos apóstolos, além de igrejas batistas. Todas eram Igrejas Batistas; isto é, todas estavam compostas de crentes batizados de acordo com as Escrituras. São os homens que tem inventado outras “igrejas” e nomes para as igrejas agora em existência.

3. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados que formam uma organização.
Uma assembléia é uma companhia de pessoas que se reúnem juntos em uma organização, de outro modo não haveria nada para distinguir-lhes de uma multidão qualquer. Prova clara disto se acha em Atos 19:39: “E se demandais alguma outra coisa, averiguar-se-á em legítima assembléia”. Estas palavras foram pronunciadas pelo escrivão do povo à multidão que quebrantava a paz. E havendo “apaziguado a multidão” e havendo afirmado que os apóstolos não eram nem ladrões de igrejas ou blasfemadores da deusa do povo, lhes recordou a Demétrio e seus seguidores que “os tribunais estão abertos e há procônsules”; e lhes convida a acusar-se uns aos outros. A palavra grega para “assembléia” nesta passagem é ekklesia e a referência foi à corte jurídica Romana, isto é, uma organização governada por leis.

Também as figuras usadas pelo Espírito Santo em relação com a “igreja” são pertinentes unicamente a uma organização local. Em Romanos 12 e em 1 Coríntios 12 Ele emprega o “corpo” humano como uma analogia ou ilustração. Este exemplo não é próprio para representar uma igreja “invisível” ou “universal” cujos membros estão esparzidos por toda a terra. Não é necessário recordar ao leitor que não há organização mais perfeita na terra que o corpo humano, cada membro em seu lugar apropriado, cada um cumprindo seu dever e função. Em 1 Timóteo 3:15 a igreja é chamada “a casa de Deus”. Esta “casa” fala de organização, cada habitante tendo sua própria recâmara, os móveis em seu lugar, etc.

Outra prova de que uma “igreja” neotestamentária é uma companhia local de crentes batizados, em uma relação organizada, se acha em Atos 7:38, onde o Espírito Santo aplica o termo ekklesia aos filhos de Israel – “na congregação (igreja) no deserto”. Agora bem, os filhos de Israel no deserto eram uma assembléia organizada, redimida e batizada. Será que alguém se surpreenda que foram batizados ? Porém a Palavra de Deus é mui explícita neste ponto: “Pois não quero, irmãos, que ignoreis que nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, e todos passaram pelo mar; e, na nuvem e no mar, todos foram batizados em Moisés” (1 Coríntios 10:1-2). Também estavam organizados; tinham seus “príncipes” (Números 7:2) e seus “sacerdotes”, “anciões” (Êxodo 24:1) e seus “oficiais” (Deuteronômio). Assim pois podemos ver que foi correto aplicar o termo ekklesia a Israel no deserto. E podemos descobrir como sua aplicação a Israel nos ajudar a definir seu sentido exato. Vemos que uma igreja neotestamentária tem seus “oficiais”, seus “anciões” (que é o mesmo que “bispos”), “diáconos” (Timóteo 3:11,12), “tesoureiro” (João 12:6; 2 Coríntios 8:19), e “escrivão” – a enumeração dos membros (Atos 1:15) claramente implica um registro.

4. Uma Igreja Neotestamentária é um corpo local de crentes batizados em uma organização, pública e corporalmente adorando a Deus pela maneiras que Ele estabeleceu
Seria necessário citar uma boa parte do Novo Testamento, para amplificarmos sobre este tema. Melhor é que o leitor leia com cuidado o livro dos Atos e as epístolas, com uma mente aberta, e encontrará abundante confirmação do tema. Porém somente permita-me dizer em resumo: Primeiro, para manter “a doutrina dos apóstolos” e o companheirismo (Atos 2:42). Segundo, para preservar e perpetuar o batismo escriturístico e a ceia do Senhor: “as instruções tal como” Paulo as entregou à Igreja (1 Coríntios 11:2). Terceiro, para manter a disciplina santa: Atos 13:17; 1 Timóteo 5:20-21, etc. Quarto, para ir a todo o mundo e pregar o Evangelho a toda criatura (Marcos 16:15).

5. Uma Igreja Neotestamentária é independente de tudo, menos de Deus.
Cada igreja local é completamente independente de todas as demais. Uma igreja em uma cidade não tem autoridade sobre outra igreja em outra cidade. Nem tampouco pode um grupo de igrejas locais eleger um “comitê”, “presbitério” ou “papa” para assenhorar-se sobre os membros daquelas igrejas. Cada igreja tem seu próprio governo, conforme 1 Coríntios 16:3; 2 Coríntios 8:19. Por “governo” quero dizer que sua obra é administrativa e não legislativa.

Uma igreja neotestamentária deve fazer todas as coisas decentemente e em ordem (1 Coríntios 14:40), e sua única regra para ordenar as coisas, é a Sagrada Escritura. Seu único modelo, sua corte de apelação, é a Bíblia e nada mais que a Bíblia, pela qual todas as questões de fé, doutrina, e a vida Cristã são determinadas. Sua única cabeça é Cristo: Ele é seu Legislador, Fonte e Senhor.

A Igreja local deve ser governada pelo que o Espírito disse às igrejas. Por isso logicamente está separada do Estado e deve recusar o sustento econômico do Estado. Ainda que seus membros são instruídos a submeterem-se “às autoridades superiores” (Romanos 13:1), não devem permitir que o Estado lhes dite nos assuntos da fé ou da prática.

A administração do governo de uma igreja neotestamentária reside em sua própria membresia e não em um corpo especial de homens, seja dentro ou fora da igreja. Uma maioria de seus membros decidem as ações da igreja. Isto se vê claramente em 2 Coríntios 2:6: “Basta a esse tal (a pessoa disciplinada) esta repreensão feita por muitos”. As últimas duas palavras “por muitos” é tradução de hupo ton pleionon. Pleionon é um adjetivo e literalmente significa pela maioria e é traduzido assim pelo Dr. Charles Hodge, um dos melhores e competentes conhecedores do Grego.

Em resumo: a menos que haja uma companhia de pessoas regeneradas, batizadas de acordo com as Escrituras, organizadas segundo o Novo Testamento, adorando a Deus segundo suas instruções, tendo companheirismo com a doutrina dos apóstolos, mantendo as ordenanças, preservando a disciplina estrita, ativa na evangelização, então não há uma igreja neotestamentária, chame o que se chame. Porém se uma igreja possui estas características, é então a única instituição em toda terra ordenada, construída e aprovada pelo Senhor Jesus Cristo. Assim que o escritor considera seu maior privilégio, depois de ser salvo, pertencer a uma de Suas igrejas. Que a graça divina me ajude a andar dignamente como membro de Sua Igreja!

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Obs.: Não concordo com todas as afirmações do autor, mas o texto é excelente ponto de partida para conversarmos sobre a igreja.

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Apostolado ou apostolice? (Márcio Redondo)

Uma leitura atenta do Novo Testamento nos leva a questionar não apenas certas práticas do movimento apostólico moderno, mas o próprio movimento.

Já faz algum tempo eu andava curioso por conhecer melhor o chamado movimento apostólico. Não estou falando da Igreja Primitiva, não. Refiro-me aos apóstolos de nossos dias, esses que começaram a pipocar depois de 1980. Então, há pouco mais de um mês, reencontrei meu amigo Freddy Guerrero, que mora em Quito, no Equador. Tive a grata surpresa de saber que ele está investigando o assunto, como parte de seus estudos de pós-graduação. Eu, um leigo no assunto, diante de um “expert”… É claro que bombardeei-o de perguntas.

Descobri várias coisas. Existem pelo menos três grandes redes apóstolicas. É isso mesmo. São três redes. Quer dizer, estão divididos. Desde logo, vê-se que os apóstolos do século XXI não são um exemplo de unidade em Cristo. Em todas as três redes há uma fortíssima ênfase na batalha espiritual. A maior das redes é de linha carismática. Outra é messiânica, e a terceira é judaizante. Aliás, fiquei de queixo caído ao saber que os apóstolos da linha judaizante negam que Jesus seja Deus.

O movimento apostólico ensina que cada apóstolo possui autoridade espiritual sobre territórios específicos. Um é apóstolo de Buenos Aires, outro é da Cidade do México, e assim por diante. É claro que o Brasil também já está “loteado”. Segundo cálculos feitos por Freddy, existem hoje no mundo todo uns 10 mil “apóstolos”. Estes alegam possuir a mais alta autoridade espiritual em suas respectivas regiões. Todas as igrejas, de qualquer denominação, e mesmo aquelas sem filiação denominacional estão sob a autoridade deles. Bem, pelo menos é assim que pensam.

Aproveito para mencionar que Freddy chegou a ser convidado por um “apóstolo” argentino para se tornar “apóstolo” de Quito. Se tivesse aceito, o argentino teria imposto as mãos sobre Freddy e hoje eu seria amigo de um “apóstolo”. Felizmente, Freddy teve o bom senso de rejeitar o convite. Fica um pouco a idéia de clube do Bolinha, com um apóstolo convidando alguém para se tornar um deles.

Pessoalmente, creio que alguns desses “apóstolos” são sinceros em seu desejo de servir a Deus, embora estejam equivocados. Mas não posso dizer isso de todos. Sem citar nomes, Freddy me contou casos de “apóstolos” envolvidos em escândalos sexuais, disputas por poder, enriquecimento à custa das igrejas, etc. Um outro amigo me contou de um “apóstolo” aqui no Brasil que, na sua estratégia de batalha espiritual, resolveu delimitar as fronteiras de sua jurisdição. Como Jesus Cristo é apresentado na Bíblia como o leão de Judá (Apocalipse 5.5) e como os leões demarcam seu território com urina, esse “apóstolo” começou a sair pelas ruas de sua cidade e circunscrever sua área com… sua própria urina! Quanta ingenuidade!

Uma leitura atenta do Novo Testamento nos leva a questionar não apenas certas práticas do movimento apostólico, mas o próprio movimento. Se não, vejamos:

Biblicamente a palavra “apóstolo” tem a idéia de procurador ou representante de alguém. A ênfase do vocábulo não está na tarefa em si, mas em quem deu a tarefa ao apóstolo. Por esse motivo, em várias de suas cartas, Paulo se apresenta como “apóstolo de Cristo Jesus” (Galátas 1.1; Efésios 1.1; Colossenses 1.1; 1 Timóteo 1.1; 2 Timóteo 1.1), pois é Jesus quem o havia comissionado. E essa procuração era intransferível. Nem Paulo nem os demais apóstolos da Igreja Primitiva tinham o direito de chamar alguém para ser apóstolo junto com eles. A escolha de alguém para o apostolado era prerrogativa do próprio Jesus (Atos 1.2).

Além disso, apóstolo era alguém que viu pessoalmente a Jesus ressuscitado (Atos 1.21-26). Aliás, ao defender seu apostolado, Paulo faz uma clara associação entre ser apóstolo e ter visto Jesus (1 Coríntios 9.1). Ele também afirma que Jesus ressuscitado apareceu a todos os apóstolos. No seu caso pessoal, Jesus apareceu-lhe “como a um que nasceu fora de tempo” (1 Coríntios 15.7), pois foi em circunstâncias excepcionais, após Jesus ter subido ao céu, que Paulo viu Jesus (Atos 9.3-6).

Os apóstolos do Novo Testamento caracterizavam-se, entre outras coisas, por “sinais, prodígios e poderes miraculosos” (2Co 12.12; ver tb At 5.12). Isso funcionava como confirmação de que o apóstolo recebera autoridade da parte do Senhor Jesus. Os acontecimentos não eram coisas do tipo cair no culto, mas verdadeiros milagres, como cura de aleijados de nascença (At 3.2-8; 14.8-10) e ressurreição de um jovem (At 20.9-12).

Para concluir, o ministério apostólico neo-testamentário não era delimitado geograficamente. Paulo, por exemplo, foi apóstolo dos gentios (Galátas 2.8; Romanos 11.13). Não estava preocupado com territórios, mas com pessoas. Para ele não havia fronteiras. Seu interesse era levar não-judeus ao conhecimento de Jesus, não importa onde estivessem.

Minha dificuldade em aceitar o movimento apostólico dos nossos dias reside em que os “apóstolos” modernos não viram Jesus ressucitado, não foram designados pessoalmente pelo próprio Jesus, não realizam prodígios e sinais como na época do Novo Testamento e, ao contrário dos apóstolos do século I, se preocupam com a distribuição territorial. Minha conclusão é que tais pessoas declaram-se apóstolos, mas na verdade nunca o foram (2 Coríntios 11.13; Apocalípse 2.2).

Se, apesar das objeções acima, você ainda está pensando em seguir a profissão de apóstolo, é melhor se apressar. Infelizmente as áreas nobres já estão ocupadas. Mas ainda existem cidades menores sem dono. A propósito, parece que a Antártida ainda não tem apóstolo. Um continente inteiro à disposição! Alguém se candidata?

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Márcio Redondo, membro da Igreja Batista Bairro Aeroporto (Londrina, PR), é professor de tempo integral da Faculdade Teológica Sul-Americana, onde também exerce as funções de Vice-Diretor e Coordenador de Pós-Graduação e Pesquisa e edita a revista eletrônica Teologia Hoje. Pastor e professor de teologia desde 1976, é também conhecido por seu trabalho de tradução de livros acadêmicos, inclusive Bíblias. É casado com Marilza e pai de Ester e Rute.

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Evangelho Martin Lloyd-Jones

Apelando por decisões (Martyn Lloyd-Jones)

Visando ao propósito de sermos satisfatoriamente práticos e contemporâneos, nesta altura me convém levantar a questão se devemos envidar qualquer esforço para condicionar a reunião e as pessoas, para que estas recepcionem a nossa mensagem. É neste ponto que se encaixa a questão da música. Afinal, o pregador é quem segura o leme do culto, e está dentro de sua alçada, por conseguinte, controlar esse aspecto. Nos nossos dias, essa pode ser uma questão extremamente penosa, e já conheci muitos ministros que se viram envolvidos em grandes dificuldades por causa da questão de coros, de cântico de hinos e talvez de quartetos. Sucede que há templos que contam com cantores coristas ou solistas pagos, os quais talvez nem sejam membros da Igreja, e nem mesmo se consideram crentes. Além disso, há o problema dos organistas. E, passando a um tipo mais popular de música, em algumas congregações há intermináveis cânticos de corinhos. E finalmente, em alguns países, existem indivíduos cuja função especial consiste em conduzir os cânticos, esforçando-se por fazer as pessoas entrarem na correta atitude e condição mental para acolherem a mensagem que ouvirão.

Como poderíamos avaliar todas essas coisas? Qual deveria ser a nossa atitude diante delas? Meu comentário inicial é que, uma vez mais, temos à frente algo que cabe dentro da mesma categoria de algumas das coisas que já estivemos considerando. Trata-se de algo que foi herdado da era vitoriana. Nada se faz mais urgentemente necessário do que uma análise das inovações que surgiram no campo da adoração religiosa durante o século XIX – o qual para mim, quanto a esse particular, foi devastador. Quanto mais prontamente nos esquecermos do século XIX e retrocedermos até ao século XVIII, e mesmo mais, até aos séculos XVII e XVI, tanto melhor. O século XIX. com sua mentalidade e perspectiva, é o responsável pela grande maioria de nossas dificuldades e problemas atuais. Foi naquele tempo que se verificaram alterações fatais em tantos quadrantes, conforme podemos averiguar. E ocupando posição mui proeminente, entre as modificações que tiveram lugar, citamos a música em seus variegados estilos. Com freqüência, e especialmente nas igrejas fora da tradição episcopal, as congregações nem mesmo dispunham de órgão, antes daquela época Muitos dos lideres evangélicos eram contrários ao uso do órgão. e procuravam justificar sua atitude com o respaldo das Escrituras; e assim muitos deles eram contrários ao cântico de qualquer coisa exceto dos salmos. Não vou avaliar as várias interpretações contrárias das Escrituras pertinentes ao assunto, e nem debater quanto à antigüidade do cântico de hinos; o que desejo frisar é que se por um lado o cântico de hinos tornou-se muito popular nos últimos anos do século XVII, e, mais particularmente. durante o século XVIII, por outro lado, a nova ênfase emprestada à música, que ocorreu em cerca dos meados do século passado, fazia parte daquela atitude de respeitabilidade, de pseudo-intelectualismo, que já estive descrevendo.

Mais particularmente ainda, com freqüência se verifica uma ameaça bem real, uma espécie de “tirania do organista”. Isso se dá porque o organista encontra-se numa posição em que ele ou ela pode exercer considerável controle. Munido de um instrumento poderoso, o organista pode controlar o ritmo em que um hino é entoado, e o efeito varia de um a outro extremo, se ele o toca em ritmo apressado ou em ritmo lento. No ministério muitos pregadores têm tido problemas com organistas difíceis e especialmente com o tipo que está muito mais interessado pela música do que pela Verdade. Por conseguinte, o pastor deve usar de muito critério ao nomear um organista, assegurando-se de antemão que se trate de um verdadeiro crente. E se você tiver um coral em sua Igreja, então deverá insistir sobre esse mesmo ponto, no tocante a cada membro. O primeiro desiderato não é que os coristas tenham boa voz, e, sim, que possuam caráter cristão, amem á Verdade e se deleitem em cantá-la. É desse modo que podemos evitar a tirania do organista, bem como sua irmã gêmea, a tirania do coral. No Pais de Gales, minha terra de origem, havia uma expressão usada com freqüência. Aludia não tanto ao coral, mas ao cântico por parte da congregação. Este era conhecido como “o demônio dos cânticos”. O que isso queria dizer é que essa prática causava mais querelas e cismas nas Igrejas do que praticamente qualquer outra questão, e que os cânticos ofereciam ao diabo mais freqüentes oportunidades de entravar e produzir roturas na obra do que qualquer das outras atividades na vida da Igreja. Porém, independente disso, a música, em suas variadas formas, faz surgir no horizonte o problema todo do elemento de entretenimento, o qual consegue insinuar-se e pode levar as pessoas a virem ás reuniões para ouvir música, e não com o propósito de adorar.

Meu argumento é que podemos estipular como regra bastante geral que quanto maior for a atenção que se tenha dado a esse aspecto da adoração – a saber, o tipo de edifício, o cerimonial, os cânticos, menor será a espiritualidade provável; e disso só se pode esperar menor calor, entendimento e interesses espirituais. Todavia, eu não estacaria aqui, mas faria uma pergunta, pois sinto que é tempo de começarmos a fazer essa indagação. Conforme eu já dissera noutra conexão, precisamos interromper determinados maus hábitos que têm penetrado na vida das nossas Igrejas, transformando-se numa tirania. Já me havia referido á forma fixa e preestabelecida, bem como ás pessoas que se dispõem a brincar com a Verdade e tentam modificá-la, mas que resistem a qualquer tentativa de alteração na ordem do culto e nessa rígida forma preestabelecida. Portanto, sugiro que é chegado o tempo de fazermos as seguintes perguntas: Por que se faz necessária toda essa ênfase sobre a música? Por que isso tem qualquer importância, afinal? Enfrentemos essa questão; e por certo, quando fazemos assim, chegamos forçosamente á conclusão de que aquilo que deveríamos buscar e ter como alvo é uma congregação de pessoas que entoam juntas louvores a Deus; e que a verdadeira função de um órgão é acompanhá-las. Compete-lhe servir de acompanhamento; e não de ditador. Nunca deveríamos permitir-lhe ocupar tal posição. Sempre deve ser subserviente. Eu diria mesmo que o pregador, de modo geral, deveria escolher tanto as melodias quanto os hinos, porquanto às vezes verifica-se contradição entre as duas coisas. Algumas melodias virtualmente contradizem a mensagem do hino, embora a métrica seja correta. Por conseguinte, o pregador tem o direito de dirigir essas questões; e não podemos desistir desse direito.

Talvez você não esteja disposto a concordar comigo quando sugiro que deveríamos abolir de uma vez por todas os corais; mas por certo todos devem concordar que o ideal seria que todas as pessoas elevassem suas vozes em louvor, adoração e veneração, regozijando-se enquanto assim o fazem. Confio em que você também concordará que as tentativas deliberadas para “condicionar” as pessoas são decididamente prejudiciais. Espero poder tratar disso na próxima seção, razão por que, por enquanto, contento-me em dizer que essa tentativa de “condicionar” as pessoas, suavizando-as; por assim dizer, realmente milita contra a verdadeira pregação do Evangelho. Não se trata de mera imaginação ou teoria. Lembro-me de ter estado em mui famosa conferência religiosa onde a rotina invariável, em cada reunião, e também no caso de cada orador, era a seguinte. Pedia-se de cada orador que estivesse presente na plataforma a certa hora. Então seguiam-se literalmente quarenta minutos de cânticos, dirigidos por um artista, tudo salpicado com observações supostamente humorísticas, pelo citado cavalheiro. Não havia qualquer leitura das Escrituras, havia uma oração extremamente breve; e então ordenavam ao orador que falasse.

Esse é um exemplo do que quero dizer por elemento de entretenimento. Recordo-me que havia um solo de órgão, um solo de xilofone, e em seguida um grupo vocal – lembro-me até do nome deles – Os Cantores do Jubileu Eureca, os quais ficavam mais ou menos simulando aquilo sobre o que cantavam. Tudo isso se prolongava por quarenta minutos. Confesso que senti imensa dificuldade para pregar depois disso. Também me senti compelido a modificar a minha mensagem, a fim de enfrentar aquela situação com que me defrontava. Eu sentia que o “programa”, a forma fixa, dominava a situação, e que cada indivíduo ali tornava-se parte integrante do entretenimento. Por essa razão é que temos de ser tão cuidadosos. Portanto, eu diria como uma regra geral: Conserve a música em seu devido lugar. Ela é uma criada, uma serva, e não lhe devemos permitir que domine ou controle as coisas, em nenhum sentido.

Menciono outra questão que pode parecer trivial – a despeito do que algumas pessoas lhe têm dado imensa atenção. É a questão se deveríamos manipular as luzes do edifício em que estamos pregando, a fim de tomar mais eficaz a pregação. Alguns lugares contam com lâmpadas de diferentes cores instaladas em lugares estratégicos e, conforme o sermão vai prosseguindo, as luzes vão sendo gradualmente apagadas, até que, no fim, em certo caso particular, sobre o qual estou pensando, não há mais qualquer lâmpada acesa, exceto uma cruz vermelha iluminada, suspensa por cima da cabeça do pregador. Tudo é apenas condicionamento psicológico; mas tais práticas estão sendo justificadas em termos de que elas facilitam a aceitação da Verdade por parte das pessoas. Todavia, poderíamos deixar a questão nessa altura, dizendo simplesmente que a questão que realmente se levanta aqui é o ponto de vista de alguém acerca da obra e do poder do Espírito Santo. Quão difícil é fazer tudo isso adaptar-se á Igreja do Novo Testamento e à sua adoração de natureza espiritual.

Porém, isso conduz, mui naturalmente, a uma outra questão importantíssima, a qual envolve a pergunta se, no término dum sermão preparado segundo os moldes que estamos considerando, o pregador deveria fazer apelos para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Várias expressões têm sido utilizadas, como “vir á frente”, “vir ao altar”, “ritual do arrependido”, “assento dos ansiosos”, etc., para descrever esse modo de proceder.

Esse é um assunto que nestes últimos anos tem ganhado considerável proeminência, razão pela qual precisamos tratar do mesmo. Seja como for, trata-se de um problema que todo pregador precisa arrostar. Eu mesmo por muitas vezes já tive de enfrentá-lo. Algumas pessoas, em diversas ocasiões, ao encerrar-se alguma reunião, têm-se aproximado de mim a fim de me chamarem a atenção, passando-me ás vezes uma verdadeira reprimenda, porque eu não fizera um apelo imediato para que as pessoas se decidissem. Algumas dessas pessoas chegam mesmo ao extremo de afirmar que com isso eu cometo um pecado, que fora criada uma oportunidade excelente pela minha própria pregação, mas eu não me aproveitara da mesma. E então costumam dizer: “Tenho certeza de que se o senhor ao menos tivesse feito um apelo, teria conseguido um grande número de decisões” – ou algo similar a esse argumento.

Em adição a isso, certo número de ministros me tem dito, nos últimos dez anos mais ou menos, que no fim do culto certas pessoas vêm dizer-lhes que eles não pregaram o Evangelho, simplesmente por não terem feito um apelo. Isso lhes havia acontecido tanto em cultos matinais como em cultos noturnos. E já havia sucedido não somente durante cultos de evangelização, mas igualmente em outras reuniões, cujo intuito não é primariamente evangelístico. Não obstante, por não ter havido qualquer “apelo”, haviam sido acusados de não terem pregado o Evangelho. De certa feita conheci três homens, três pastores, que virtualmente já tinham sido contratados para pastorear em determinadas Igrejas, e que estavam a ponto de serem aceitos quando alguém, de repente, lhes fizera a pergunta: Eles costumavam fazer um “apelo” no fim de cada sermão? E posto que aqueles três homens em particular haviam respondido na negativa, não foram aceitos, afinal, ficando cancelada a decisão daquelas Igrejas. Isso se tem tomado problema dos mais incisivos, como resultado de determinadas coisas que vêm acontecendo desde os fins da Segunda Guerra Mundial.

Novamente, é importante que tenhamos os pensamentos claros acerca da história dessa questão. A abordagem histórica será sempre proveitosa. Há muitos que não parecem ter consciência do fato que tudo isso, à semelhança de muitas outras coisas que penetraram na vida da Igreja, só o fizeram durante os últimos cem anos. Esse costume foi introduzido bastante cedo no século passado, mais cedo que outras coisas que tenho mencionado. Realmente foi introduzido por Charles G. Finney na década de 1820. Foi ele quem deu início ao chamado “assento dos ansiosos”, aquela “nova medida” através da qual se apelava ás pessoas que se decidissem no mesmo instante. Tudo fazia parte essencial de seu método, abordagem e maneira de pensar; e naqueles dias a questão provocou muitas controvérsias. Trata-se de controvérsia das mais importantes, além de ser interessante e fascinante em extremo, Recomendo que os pregadores façam disso matéria de leitura. Os dois maiores protagonistas desse debate foram W. H. Nettleton e Finney. Nettleton foi um pregador muitíssimo usado em reuniões de pregação. Viajava muito e era constantemente convidado a pregar nos templos de outros ministros. Jamais efetuara um “apelo” para que as pessoas se decidissem imediatamente, mas era grandemente usado, e numerosas pessoas se convertiam sob seu ministério agregando-se ás Igrejas locais. Seguia a doutrina calvinista, e punha em prática as suas crenças nesse particular. Mas então surgiu Finney em cena, com o seu apelo direto à vontade para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Isso provocou grande controvérsia entre os dois pontos de vista, e muitos ministros se viram envoltos em imensas dificuldades, entre os dois conceitos. Há uma fascinante narrativa sobre o episódio na autobiografia do Dr. Lyman Beecher, pai do Dr. Henrv Ward Beecher. Ele fora grande amigo de Nettleton, e, a princípio, pôs-se ao lado deste. Eventualmente, entretanto, bandeou-se para a causa de Finney. O Dr. Charles Hodge e outros dentre as grandes figuras de Princeton estiveram ativamente engajados nessa discussão, como também J. W. Nevin, fundador da Teologia Mercersberg.

Essa é a história da origem dessa prática, e importa que nos tomemos informados da mesma. Não foi por acidente que tenha sido introduzida por Finney, porquanto, em última análise, é uma questão teológica. Ao mesmo tempo, sem embargo, não é somente uma questão teológica; e nunca nos deveríamos esquecer que um arminiano como João Wesley, além de outros, jamais empregou esse método.

É possível que a melhor maneira pela qual eu possa estimular outros a pensar, conferindo-lhes alguma ajuda quanto a isso, é declarar francamente que não tenho seguido essa prática em meu ministério. E permita-me dar-lhe alguns dos motivos que me têm influenciado quanto a essa matéria. Não procurarei declará-los em qualquer ordem sistemática e precisa, mas dou aqui uma ordem geral. O primeiro motivo é que, sem dúvida, é um erro exercer pressão direta sobre a vontade. Desejo esclarecer o que digo. O homem constitui-se de mente, afetos e vontade: e meu argumento é que ninguém deve fazer pressão direta sobre a vontade. Sempre deveríamos avizinhar-nos da vontade por intermédio da mente, do intelecto, e então, através das afeições. A ação da vontade deveria ser determinada por essas influências A minha base bíblica para assim asseverar é a epístola de Paulo aos Romanos 6:11, onde o apóstolo declara: “Mas graças a Deus porque, outrora escravos do pecado, contudo viestes a obedecer de coração á forma de doutrina a que fostes entregues”.

Observemos a ordem dessas sentenças. Eles haviam “obedecido”, é verdade; mas, de que maneira? “… de coração …” Porém, o que foi que os levara a fazer isso, o que movera os seus corações? Foi essa “forma de doutrina”, que lhes fora anunciada. Ora, o que lhes fora anunciado ou pregado fora a Verdade, e Verdade dirigida primariamente á mente. Na medida em que a mente apreende ou compreende a Verdade, os afetos são acesos e movidos; e, dessa maneira, a vontade é persuadida, daí resultando a obediência. Noutras palavras, a obediência não resulta de alguma pressão direta sobre a vontade, mas é conseqüência de uma mente iluminada e de um coração enternecido. Para mim, esse é um ponto crucial.

Deixe-me desdobrar mais ainda a importância dessa idéia. Em preleção anterior, aventurei-me a sugerir que o próprio grande Whitefield, ocasionalmente, caia no erro de desfechar um ataque direto sobre as emoções ou a imaginação; mas lamentamos qualquer tentativa para fazer-se isso deliberadamente. Encontramos aqui um outro aspecto exato desse mesmo princípio. Da mesma maneira que é errado lançar um ataque contra as emoções, é também errado desfechar um ataque contra a vontade.

Na pregação, cabe-nos expor a Verdade; e, como é óbvio, isso ocupa lugar proeminente e primacial para a mente. No momento em que nos desviamos dessa ordem de coisas, dessa norma, e nos aproximamos diretamente de qualquer dos outros elementos, estamos convidando dificuldades; e o mais provável é que as arranjaremos.

Em segundo lugar, argumento que pressão demasiada sobre a vontade inevitavelmente há algum deste elemento em toda a pregação, mas refiro-me aqui à pressão em excesso – ou pressão por demais direta, é algo perigoso, porquanto, no fim, poderá produzir uma condição na qual aquilo que determinou a reação favorável de um indivíduo que “veio à frente”, não foi tanto a própria Verdade, mas, talvez, a personalidade do evangelista, ou então algum vago temor geral, ou alguma outra forma de influência psicológica qualquer. Isso faz-nos relembrar, uma vez mais, o papel da música nos cultos de pregação. Podemos ficar embriagados de música – não há como duvidar sobre isso. A música pode ter o efeito de criar um estado emocional tal que a mente não mais funciona como deveria, não mais fazendo discriminações. Já vi pessoas cantarem até atingirem um estado de embriaguez no qual não mais tinham consciência do que estavam fazendo. O ponto importante é que deveríamos dar-nos conta de que os efeitos produzidos dessa maneira não são produzidos pela Verdade, e, sim, por um outro dentre esses diversos fatores.

Há alguns poucos anos passados, sucedeu deparar-me com uma extraordinária ilustração exatamente desse particular. Meramente repetirei algo que foi divulgado pela imprensa, razão pela qual não estarei revelando segredo algum, e nem traindo qualquer confiança. Certa vez pediram a um evangelista da Inglaterra que dirigisse um programa de cântico de hinos no domingo à noite pelo rádio. Tal programa era levado ao ar, regularmente, por meia hora, todos os domingos. Diferentes Igrejas eram solicitadas a cuidar desse programa, de semana em semana. Ora, naquela ocasião particular, esse bem conhecido evangelista estava realizando esse programa no Albert Haíl, de Londres. Tudo fora planejado conforme era costumeiro, com meses de antecedência. Cerca de uma semana, mais ou menos, antes do programa ser levado a efeito, chegou em Londres um outro evangelista; e, ao ouvir falar do fato o evangelista britânico convidou este Outro para pregar antes da meia hora de hinos ser levada ao ar. Assim fez o evangelista. E este foi avisado que teria de parar sua pregação a certa hora, porquanto naquele momento estariam “no ar” para a radiodifusão dos hinos cantados. Portanto, o evangelista pregou e terminou sua pregação exatamente na hora marcada; e de imediato os hinos foram postos “no ar” por meia hora. Quando tudo terminara, e não estavam mais no ar”, o evangelista visitante fez seu usual “apelo”, convidando as pessoas para que se adiantassem à frente. No dia seguinte esse evangelista foi entrevistado por repórteres. e, entre outras perguntas, foi-lhe indagado se estava satisfeito com o resultado de seu apelo. Imediatamente ele retrucou que não estava, que estava desapontado, e que o número de pessoas que atendera ao convite fora muito menor do que estava acostumado a obter em Londres, bem como em outras localidades. Então foi-lhe feita a próxima pergunta óbvia, por um dos jornalistas: “E ao que se pode atribuir o fato de que a reação foi comparativamente pequena nesta ocasião?’ Sem a menor hesitação, o evangelista respondeu que isto era bastante simples, pois infelizmente houvera uma interrupção de meia hora, para o cântico de hinos, entre o fim do seu sermão e a realização do apelo. Isso, declarou ele, era a explicação. Se ao menos lhe houvesse sido permitido que fizesse seu apelo imediatamente no fim de seu sermão, então o resultado teria sido muitíssimo maior.

Não é, realmente, um episódio iluminador e instrutivo? Não comprova ele que algumas vezes, afinal, o que produz os resultados, como ficou claro, não é a Verdade, e nem a atuação do Espírito? Pois eis que aquele pregador, pessoalmente, admitia que os “resultados” não podiam resistir ao teste de meia hora de cântico de hinos, admitia que meia hora de cântico de hinos pode anular os efeitos de um sermão, sem importar quais tenham sido esses efeitos, pelo que os resultados obtidos haviam sido desapontadores. Esse episódio serve de ótima ilustração do fato que a pressão direta sobre a vontade pode produzir “resultados”, embora isso não tenha nenhum relacionamento com a Verdade.

O meu terceiro argumento é que a pregação da Palavra e os apelos para que as pessoas se decidam são coisas que não deveriam ser separadas em nossa mente. Isso requer mais algum esclarecimento. Foi um grande princípio, enfatizado dentro do ensino reformado, que teve início no século XVI, que as ordenanças jamais deveriam ser separadas da pregação da Palavra. Os católicos romanos foram os culpados de tal separação, com o resultado que as ordenanças foram divorciadas da Palavra e se tornaram entidades autônomas. De acordo com tal doutrina, o efeito e os resultados nas pessoas seriam produzidos, não por intermédio da pregação da Verdade, e, sim, através da ação das ordenanças, que agiriam ex opere operato. O ensinamento protestante, entretanto, condenou tal doutrina, ressaltando que as ordenanças sob hipótese alguma deveriam ser separadas da pregação, por ser essa a única maneira de evitar noções semi-mágicas e experiências espúrias.

Meu argumento é que o mesmo princípio se aplica a essa questão de convites para que as pessoas se decidam, e também que a tendência crescente vem sendo de pôr-se cada vez mais ênfase sobre o “apelo” e sobre as decisões, considerando isso como algo que subsiste por si mesmo. Lembro-me de ter estado em uma reunião evangelística na qual eu, além de outros, sentimos que o Evangelho não fora pregado, verdadeiramente. O Evangelho fora mencionado, mas certamente não fora comunicado, não fora pregado; para minha admiração, entretanto, grande número de pessoas se dirigiu à frente em resposta ao apelo feito no fim. E a pergunta que imediatamente se levantou foi: o que poderia explicar uma coisa assim? No dia seguinte eu discutia sobre essa questão com um amigo meu. Disse ele: “Nada há de difícil a respeito desse fenômeno: esses resultados nada têm a ver com a pregação”. Então insisti: “Bem, nesse caso, o que é que acontece?” Replicou ele: “É Deus quem está respondendo às orações de milhares de pessoas que oram, pedindo tais resultados, ao redor do mundo; não é a pregação”. Minha contenção é que não deveria haver tal disjunção entre o “apelo” e a pregação, da mesma maneira que não deve haver separação entre as ordenanças e a pregação.

Meu quarto ponto é que esse método certamente envolve, implicitamente, a idéia de que os pecadores possuem um poder inerente de decisão e de auto-conversão. Entretanto, isso não pode ser conciliado com o ensinamento escriturístico, segundo se vê em 1 Coríntios 2:14: “Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espirito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente”. Ou como Efésios 2:1, que assevera: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados”. E ainda existem muitos trechos semelhantes.

Como meu quinto ponto, sugiro que nisso fica implícito que o evangelista, de alguma maneira, se encontra em posição de manipular o Espírito Santo e as Suas operações. O evangelista precisa meramente aparecer e fazer o seu apelo, e inevitavelmente seguir-se-ão resultados. Se houvesse algum fracasso ocasional, ou uma ou outra reunião com pouca ou nenhuma reação positiva, então não existiria tal problema; mas tão freqüentemente, hoje em dia, os organizadores são capazes de predizer o número dos “resultados”.

A maioria concordaria com o meu sexto ponto, o qual assegura que esse método tende por produzir uma superficial convicção de pecado, se é que a produz. As pessoas com freqüência reagem positivamente por terem a impressão de que, fazendo assim, receberão certos benefícios. Lembro-me de ter ouvido falar a respeito de um homem importante que era considerado como um dos convertidos de determinada campanha. Entrevistaram-no e perguntaram por que viera à frente na campanha evangelística do ano anterior. Sua resposta foi que o evangelista dissera: “Se alguém não quiser ‘perder o barco’, é melhor que venha à frente”. E, como ele não queria “perder o barco”, viera à frente; e tudo quanto o entrevistador pôde arrancar dele é que agora ele estava “no barco”. Não tinha certeza sobre o significado dessas palavras, nem do que se tratava realmente, e nem parecia ter-lhe acontecido qualquer transformação real durante o ano que se passara desde então. Mas lá estava ele. Um ato de decisão pode ser tão superficial assim.

Ou consideremos uma outra ilustração, extraída dentre as minhas próprias experiências. Na Igreja que pastoreei, no sul do Pais de Gales, eu costumava ficar na porta principal do templo ao encerramento do culto de domingo à noite para cumprimentar as pessoas com um aperto de mão. O incidente a que me reporto envolve um homem que costumava vir às nossas reuniões todos os domingos à noite. Era um operário, e também era alcoólatra quase inveterado. Embebedava-se regularmente todos os sábados à noite, mas também vinha regularmente ocupar um assento na galeria de nosso templo, todos os domingos á noite. Naquela noite específica a que me refiro, aconteceu-me observar que, enquanto eu pregava, aquele homem estava sendo obviamente tocado pela Palavra. Eu podia ver que ele chorava copiosamente, e desejei muito saber o que estava acontecendo com ele. Terminada a reunião, fui postar-me á porta. Passados uns momentos, vi que aquele homem se aproximava, e imediatamente me vi a braços com um tremendo conflito mental Deveria eu em face do que tinha visto, dizer lhe uma palavra e convidá-lo a tomar uma decisão naquela mesma noite, ou não deveria? Estaria eu interferindo com a obra do Espírito se assim agisse? Apressadamente resolvi que não pediria a ele que ficasse mais um pouco, mas tão-somente me despedi dele como era de habito, e ele saiu Seu rosto revelava que estivera chorando muito ele quase nem podia olhar- me no rosto. Na noite seguinte, quando eu me encaminhava para uma reunião de oração que teria lugar na igreja, ao atravessar uma passarela por cima de uma linha de trem, notei que aquele homem vinha na minha direção para falar comigo. Ele atravessou a rua a fim de vir dizer-me: “Sabe de uma coisa, doutor? Se o senhor me tivesse convidado para demorar-me mais um pouco, na noite passada, eu lhe teria atendido”. “Pois, bem”, retruquei, “agora eu estou lhe fazendo um convite. Venha comigo”. “Não, não”, ele se apressou a dizer, “mas se o senhor me tivesse convidado na noite passada, eu teria atendido”. Então eu lhe disse: “Meu caro amigo, se aquilo que lhe aconteceu na noite passada não perdurou por vinte e quatro horas, então não me interessa. Se você não está pronto a vir comigo agora, conforme estava na noite passada, então você ainda não tem a coisa certa e verdadeira. Não importando o que lhe tenha afetado na noite passada, era algo apenas temporário e passageiro, e você ainda não conseguiu, de fato, perceber sua necessidade de Cristo”.

São coisas dessa ordem que podem suceder, mesmo quando não se faz apelo nenhum. Porém, quando o costume é fazer apelos, então esse fenômeno é grandemente exagerado, e obtemos muitas conversões espúrias. Conforme eu tenho lembrado a você, o próprio João Wesley, o grande arminiano, não apelava ás pessoas para que “viessem á frente”. O que se pode encontrar com grande freqüência em seus diários, é algo parecido com o que aqui é transcrito: “Preguei em tal lugar. Muitos pareceram estar profundamente tocados, mas só Deus sabe quão profundamente”. Sem dúvida, essas palavras são muito significativas e importantes. Wesley era possuidor de entendimento espiritual, e sabia que muitos fatores são capazes de afetar-nos. Mas, aquilo em que ele realmente se interessava não era resultados imediatos e visíveis, e sim, a obra regeneradora do Espírito Santo. O conhecimento do coração humano, da psicologia humana, deveria ensinar-nos a evitar qualquer coisa que incremente a possibilidade de alcançarmos resultados espúrios.

Um outro argumento – o sétimo – é que assim fazendo estaremos encorajando as pessoas a pensar que seu ato de virá frente, de alguma maneira, as salva. É como se fora um ato que precisa ser feito imediatamente, como se fora uma ação capaz de salvar as pessoas. Foi isso que aconteceu no caso daquele homem que sentia que agora estava “no barco”, por ter vindo á frente, embora não entendesse coisa alguma do que estava fazendo.

Porém, conforme já tenho sugerido, não será essa uma prática baseada, em última análise, na desconfiança acerca do Espírito Santo, de Seu poder e de Sua obra? Não deixa ela subentendido que o Espírito Santo precisa ser ajudado, auxiliado e suplementado, a fim de que a obra seja apressada, não podendo tudo ser deixado nas mãos do Espírito? Não posso ver como poderíamos escapar dessa conclusão.

Ou então, colocando o problema sob outra luz – um nono ponto – não se levanta toda essa questão da doutrina da regeneração? Para mim, essa é a questão mais séria de todas. O que quero dar a entender é o seguinte (e o que aqui digo cobre este ponto tanto quanto o anterior), que em face de ser essa uma obra do Espírito Santo, e dEle somente, então ninguém mais pode concretizá-la no Seu lugar. A obra verdadeira da convicção de pecado, da regeneração, da dádiva do dom da fé e da nova vida cabe, unicamente, ao Espírito Santo. E posto ser uma obra Sua, ela sempre será uma obra completa; e sempre será uma obra que se fará visível. Sempre foi assim. Pode-se ver isso, da maneira mais dramática, no dia de Pentecoste, em Jerusalém, conforme Atos 2. Enquanto Pedro ainda proferia o seu sermão, os ouvintes começaram a clamar, sob convicção de pecado: “Que faremos, irmãos?” Ora, Pedro estava pregando sob o poder do Espírito Santo. Ele estava expondo e aplicando as Escrituras. E não se utilizou de qualquer técnica, e nem deixou escoar-se qualquer intervalo entre o sermão e o apelo. De fato, nem ao menos Pedro teve a possibilidade de terminar o seu sermão. A poderosa obra de convicção prosseguia, e fez-se visível da maneira como invariavelmente se faz.

Lembro-me de ter lido a narrativa de certo reavivamento que ocorreu no Congo, em um livro intitulado Thgs is That (Isso é Aquilo), particularizando um dos capítulos escrito por um homem a quem conheci pessoalmente. Ele já vinha atuando como missionário evangélico, no coração da África, por vinte anos, e a cada reunião, virtualmente, fizera apelos ao povo para que viesse á frente e se decidisse pelo Evangelho, em resposta á sua mensagem. Pouquíssimos haviam atendido, e ele estava de coração partido de tristeza. Ele pressionava os ouvintes e lhes fazia rogos, e fazia tudo quanto é habitual entre os evangelistas; e, no entanto, não obtinha resposta favorável. Então, de certa feita, ele teve de afastar-se para uma parte distante do distrito do qual estava encarregado. Enquanto estava ausente, irrompeu um reavivamento na área central de seu distrito. A sua esposa lhe enviou uma mensagem, relatando o que estava sucedendo. A principio ele não gostou do que acontecia. Não o alegrava ouvir falar acerca daquilo, porque tudo sucedera enquanto ele não estava presente – todos nos inclinamos a sermos culpados de tal orgulho. Não obstante, precipitou-se de volta, no intuito de controlar o que sentia ser uma explosão de emocionalismo ou alguma espécie de “fogo fátuo”. Tendo regressado, reuniu o povo no templo, e começou a pregar. Para seu completo espanto, e antes de estar a meio caminho de seu sermão, as pessoas começaram a virá frente, sob profunda convicção de pecado. Aquilo que ele tentara levá-los a fazer por vinte anos e não conseguira, agora faziam-no espontaneamente. Por quê? Porque o Espírito Santo estava realizando a obra. Sua atuação sempre se torna manifesta. Assim deve suceder, necessariamente, e assim sempre sucederá. Certamente isso não requer demonstração e nem argumento em seu favor. A obra de Deus sempre se patenteia, quer na natureza, na criação ou nas almas dos homens.

Já passei por muitas experiências no que tange a esse aspecto da questão. Mais adiante, direi alguma coisa sobre o romance da obra do pregador e do ministro do Evangelho; e isso focaliza um dos aspectos da mesma. Lembro-me de como, durante os negros dias da Segunda Guerra Mundial, quando tudo era desencorajador em extremo – os bombardeios haviam dispersado a nossa congregação, e assim por diante – eu estava passando por um período de grande desencorajamento. De repente, recebi uma carta das Índias Orientais Holandesas, que agora têm por nome Indonésia. Fora enviada por um soldado holandês que me dizia que sua consciência o havia espicaçado de tal maneira que, finalmente, resolvera escrever-me para narrar o que lhe havia sucedido dezoito meses antes. Esclarecia-me que viera á Inglaterra, com o Exército Livre Holandês. E enquanto estava aquartelado em Londres, viera aos nossos cultos por diversas vezes. Naqueles dias, ficara convencido sobre o fato de que jamais fora um crente verdadeiro, embora tivesse pensado que o era. Depois disso, passou por um negro período de convicção de pecado e de desamparo espiritual; mas, eventualmente, pudera ver com clareza a Verdade e desde então muito se regozijava. Nunca viera contar-me o que se passara consigo, por diversas razões; mas agora me participava de tudo em sua carta.

Minha reação a essas coisas é a seguinte. Que importa se eu vier a saber ou não do resultado da pregação? Naturalmente, isso tem seu valor, do ângulo que serve de encorajamento para o obreiro cristão. Mas não têm valor algum, do ponto de vista da própria obra. A obra foi realizada, e ela se patenteou, e continuava a manifestar-se na vida daquele soldado antes mesmo dele haver-me escrito. E é isso que realmente importa.

Graças a Deus, tenho constatado a repetição dessa experiência nestes últimos tempos. Tendo-me aposentado de um pastorado ativo, e podendo viajar por muitos lugares, por restar-me mais tempo, tenho encontrado pessoas, em vários lugares da Grã-Bretanha, que me vêm dizer que se converteram enquanto me ouviam pregando. De nada eu soubera antes desses episódios, mas eles tinham acontecido há muitos anos, no passado. Por exemplo, eu pregava no templo de certo pregador, há exatamente dezoito meses passados. Enquanto me apresentava à sua congregação, ele narrou em breves pinceladas a sua história espiritual, e, para minha total surpresa, fiquei sabendo que eu havia desempenhado um papel vital na mesma. Aquele homem fora um profissional muito bem qualificado, que deixara a sua profissão e se tornara o pastor daquela Igreja. Ele contou aos circunstantes como, em uma quente noite de verão, no mês de junho, ao andar sem rumo por uma rua de Londres, ouviu o som de cânticos que provinham da Capela de Westminster. Entrou e permaneceu ali até o fim da reunião. “Saí dali”, declarou ele, “um novo homem, nascido de novo, regenerado”. Antes daquela oportunidade ele fora completamente ignorante sobre tais coisas; e, na verdade, inclinara-se por desprezá-las e eliminá-las de suas cogitações. Ora, aquela era a primeira vez que eu ouvia falar de tais acontecimentos, embora tudo tivesse ocorrido em 1964. Porém, que importa isso? O importante é que, visto ser o Espírito aquele que realiza tal obra, trata-se de uma obra real, sólida; e ela sempre tende por manifestar-se.

Passo agora a firmar como meu décimo ponto que nenhum pecador chega realmente a “decidir-se em prol de Cristo”. Esse vocábulo, “decidir-se”, a mim sempre me pareceu bastante errado. Com freqüência tenho ouvido pessoas usarem expressões que me parecem perturbadoras, que me deixam muito infeliz. Geralmente usam-nas em sua ignorância, e com a melhor das intenções. Posso pensar em um idoso cavalheiro que costumava dizer o seguinte: “Meus amigos, eu me decidi ao lado de Cristo faz quarenta anos, e nunca me arrependi disso”. Quão terrível é dizer, “Nunca me arrependi!” Mas esse é o tipo de declaração que fazem as pessoas que têm sido criadas no Evangelho debaixo desse ensinamento e desse método. Um pecador nunca “se decide” em favor de Cristo; o pecador “foge” para Cristo, em total desamparo e desespero, dizendo –

Infrator, à fonte corro,

Lava-me, Senhor, ou morro.

Ninguém vem verdadeiramente a Cristo, a menos que se atire nEle como seu único refúgio e esperança, seu único meio de escape das acusações da própria consciência e da condenação ante a santa lei de Deus. Nenhuma outra coisa é satisfatória. Se um homem qualquer disser que, tendo pensado sobre a questão e havendo considerado todos os lados envolvidos, terminou por decidir-se ao lado de Cristo, e se o fez sem qualquer emoção ou sentimento, não poderei aceitá-lo como homem que foi regenerado. Como um coitado que está se afogando não simplesmente “se decide” a pegar na corda que lhe é atirada, mas agarra-se a ela pois esta é sua única escapatória, assim também o pecador convicto não simplesmente “se decide” em favor de Cristo. Tal expressão é inteiramente imprópria.

Entretanto, uma vez mais temos de defrontar-nos com o argumento baseado em “resultados”. Mas, “Veja o que acontece”, dizem muitos. Ao que me parece, esse é um argumento que pode ser respondido de diversos modos. Um deles é que nós, protestantes que somos, não deveríamos lançar mão do argumento jesuítico de que o fim justifica os meios. No entanto, esse argumento sobre resultados eqüivale a isso, efetivamente. Mas, deveríamos aprofundar-nos mais, examinando os resultados e as reivindicações que são feitas. Qual porcentagem dessas “decisões” perdura? Já ouvi evangelistas dizerem que nunca esperam que se firme mais de uma décima parte dessas decisões. Eles afirmam isso abertamente. O que então exerceu influência sobre os restantes? E se alguém disser que só importam aqueles dez por cento, por representarem o resultado da operação do Espírito, então replicarei que isso teria acontecido mesmo na ausência de qualquer “convite para virem á frente”.

Indo mais adiante, é imprescindível que saibamos fazer a distinção entre resultados imediatos e resultados remotos. Para fins de argumentação, vamos admitir que se verifique certo número de resultados imediatos. Apesar disso, teremos de levar em conta os efeitos e resultados remotos dessa maneira de proceder – o efeito sobre a vida da Igreja local, bem como sobre a vida das Igrejas em geral. A despeito de tudo quanto nos tem sido dito acerca de resultados fenomenais e espantosos, durante os últimos vinte anos, dificilmente poder-se-ia contestar que o nível geral de autêntica espiritualidade, na vida das nossas Igrejas, tem atravessado um seríssimo declínio. Ora, esse é o efeito remoto, o qual é diametralmente contrário àquilo que sempre aconteceu em tempos de reavivamento e despertamento espiritual.

Outrossim, nas reuniões de pastores e em conversa particular com muitos ministros, tenho averiguado que, de modo geral, os ministros acham que seus problemas aumentaram, e não que diminuíram, em anos recentes. Já mencionei o caso de ministros que nem ao menos têm sido convidados por certas Igrejas, por esse motivo. E já teci comentários sobre outros que são criticados pelos próprios membros de suas respectivas Igrejas porque não costumam fazer um “apelo” no fim de cada culto. Essa prática parece haver introduzido uma nova espécie de mentalidade, uma carnalidade que se expressa na forma de um doentio interesse pelos números. Isso também tem criado um desejo pelo que é emocionante, uma quase impaciência diante da mensagem, porquanto todos estão esperando pelo “convite”, após a pregação, para que vejam os resultados. Ora, esse estado de coisas, por certo, é muito sério.

Nesta altura, vem participar do quadro geral um outro elemento. Conforme eu já dissera, exprime um fato aquela declaração de que os organizadores dessa espécie de atividade são capazes de predizer, com extraordinária precisão, o número de decisões e resultados que provavelmente conseguirão. Têm até mandado imprimir seus cálculos antes da campanha ter início, e geralmente não erram por grande margem em suas estimativas. Ora, isso é algo perfeitamente inconcebível em conexão com a obra do Espírito Santo. Ninguém sabe o que o Espírito Santo haverá de fazer. “O vento sopra onde quer Nada pode ser predito, nada pode ser antecipado. Os maiores pregadores e santos, com freqüência, têm tido cultos difíceis e estéreis quanto aos resultados numéricos, e têm deplorado esse fato. E mesmo em períodos de reavivamento, há dias e reuniões em que coisa alguma acontece, em absoluto; mas no dia seguinte, talvez, eis que ocorre um avassalador derramamento de poder. Por conseguinte, o próprio fato que se pode mais ou menos antecipar e predizer o que provavelmente sucederá, serve de indicação de que tal método não se molda ao que sempre caracterizou a obra do Espírito. Por outro lado, confio que tenha ficado claro que, em tudo quanto acabo de dizer, não estou pondo em dúvida os motivos ou a sinceridade daqueles que se utilizam desses métodos, e nem que não tenham havido conversões genuínas, pois preocupei-me tão somente em mostrar por quais razões eu mesmo não tenho empregado essa técnica.

Portanto, você perguntará, o que se deveria fazer? Eu mesmo situo a questão nestes termos. O apelo deve fazer parte integrante da própria Verdade, da própria mensagem. Enquanto você estiver proferindo um sermão, deveria estar fazendo constantes aplicações da mensagem, sobretudo, como é natural, na última fase, quando chegarem á aplicação final e ao clímax do sermão. Mas o apelo deve fazer parte da mensagem; deve ser assim, inevitavelmente. O sermão deve ter a capacidade de fazer os homens perceberem ser essa a única coisa que pode ser feita. O apelo deve estar implícito ao longo de todo o corpo do sermão, bem como em tudo quanto o pregador faz. E eu diria, sem qualquer hesitação, que um apelo distinto, separado e especial no fim do sermão, após certo intervalo, ou após um hino, só deveria ser feito se o pregador tiver plena consciência de alguma imposição avassaladora do Espírito de Deus para que ele assim faça. Se alguma vez eu sentir tal coisa, fá-la-ei; mas somente então. E mesmo num caso desses, a maneira pela qual o farei não será convidando as pessoas para que venham á frente. Simplesmente participarei aos presentes que me ponho á disposição para conversar com qualquer pessoa que queira entrevistar-me, no fim da reunião ou em qualquer outra oportunidade. De fato, acredito que o ministro sempre deveria anunciar, de alguma maneira ou forma, que ele está pronto para conversar com qualquer pessoa que queira conversar com ele a respeito de sua alma e de seu destino eterno. Isso pode ser dito por meio de um cartão posto em cada assento – assim tenho agido eu mesmo – embora você possa fazê-lo usando qualquer outro esquema. Faça-se disponível, deixe bem claro que está à disposição dos interessados, e assim você descobrirá que as pessoas que sentiram a convicção de pecado, virão falar com você porque se sentem infelizes. Não é infreqüente que elas receiam voltar para casa do mesmo jeito. Já vi casos de pessoas que, depois de estarem a meio caminho de casa, voltaram para conversar comigo, na igreja, por não poderem tolerar o senso de convicção de pecado e de infelicidade; a agonia delas era grande demais.

Ou então, se tiverem encontrado a salvação e agora se rejubilam nela, haverão de querer revelar-lhe o acontecido. Cada pessoa fará isso no seu próprio tempo; permita-lhe a liberdade de fazê-lo. Não procure forçar tais coisas. Essa é uma obra do Espírito Santo de Deus. A obra dEle é completa, e também é duradoura; e, por essas razões, não nos devemos impacientar e ansiar á cata de resultados. Não estou dizendo que essa ânsia seja desonesta, mas digo que ela é um erro. Precisamos aprender a confiar no Espírito, dependendo da Sua atuação infalível.

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Vida cristã Watchman Nee

Vida nas profundezas (Watchman Nee)

Leitura da Bíblia: Mc 4:5-6, 16-17; Os 14:5-7; Ct 4:12.

A partir das três passagens acima, podemos refletir sobre que tipo de viver entre os cristãos agrada a Deus, que tipo de viver e perseverante e imutável, e que tipo de viver pode sobreviver aos infortúnios e suportar testes. Por que alguns cristãos no inicio de sua experiência parecem tão brilhantes, mas depois de algum tempo não se pode encontrá-los? Por que é que alguns desistem na metade do caminho durante sua peregrinação? Por que é que alguns não conseguem seguir o Senhor ate o fim? Isto tem um relacionamento muito íntimo com o modo como vivem. Se um cristão não tem vida normal, ele e inseguro e é fácil desistir. Portanto, não devemos negligenciar esta questão.

UMA VIDA SUPERFICIAL

Marcos 4:5-6 diz: “Outra caiu em solo rochoso, onde a terra era pouca, e logo nasceu, visto não ser profunda a terra. Saindo, porém, o Sol a queimou; e porque não tinha raiz, secou-se”. Esta e uma das parábolas do Senhor Jesus sobre a semeadura de sementes. Nos versículos 16-17, o Senhor explica aos discípulos esta parábola: “Semelhantemente São estes os semeados em solo rochoso, os quais, ouvindo a palavra, logo a recebem com alegria. Mas eles não têm raiz em si mesmos, sendo antes de pouca duração; em lhes chegando a angustia ou a perseguição por causa da palavra, logo se escandalizam”. Pela explicação do Senhor, vemos que esta e uma vida superficial que não pode suportar ou resistir ao teste das provações. Este tipo de vida aparentemente tem um bom começo, mas acaba miseravelmente. De acordo com este fenômeno, é algo que “logo nasceu”. Assim que brotou, obviamente a casca exterior da semente rompeu-se, e ela germinou. Isto quer dizer: a palavra não e mais simples doutrina para esta pessoa, mas foi transformada em vida. Como germinou e germinou rapidamente, igualmente, é como se o desenvolvimento fosse tão rápido e o progresso tão maravilhoso que ela tem razão de sentir-se satisfeita. Contudo, o fim é decepcionante, porque quando o sol está alto, ela é queimada e seca. Ela é a mais rápida para germinar, bem como para secar. Brotos que não podem resistir ao calor do sol têm pouca esperança de amadurecer e estão sujeitos a secar muito cedo. A condição da vida de muitos cristãos e exatamente assim. Muitos cristãos, imediatamente após ouvirem a palavra, prontamente a recebem com alegria sob a ilusão de que obtiveram tudo, entenderam tudo, estão preparados para pagar qualquer preço, e estão prontos para andar em qualquer caminho. Diante de Deus, eles têm a vontade e a consagração; diante dos homens, eles dão testemunho e são bastante zelosos. Contudo, quando menos esperam, quando lhes sobrevém alguma provação, eles logo começam a ficar abalados, sentem-se um tanto desanimados, acham insuportável, fogem diante do medo e, inevitavelmente, caem.

Irmãos e irmãs, para nós que já somos cristãos, o queimar do sol e indispensável porque ajuda nosso crescimento e auxilia nosso amadurecimento. Se você não pode manter-se em pé, e cai assim que encontra o calor do sol, isto indica quão superficial você é. o queimar do sol apenas exporá sua verdadeira condição; ele não roubará o que você realmente possui. É possível que a Palavra de Deus seja incapaz de suportar o queimar do sol? Não. O problema é como a Palavra de Deus é recebida. Por que ela germinou imediatamente, e secou assim que foi exposta ao calor do sol? Qual é a causa? Na Palavra do Senhor, podemos ver três razões para isto.

Primeira razão: Superficialidade do solo

A primeira razão é a superficialidade do solo. Isto significa que não há terreno e conseqüentemente nenhuma profundidade. Um cristão cujo solo é superficial nada tem interiormente. Quando tal pessoa ouve a palavra, toda frase parece ser prontamente recebida e bem compreendida. Ele está apto para transmiti-la a outras pessoas e pronto a dar testemunho diante delas. É tão fácil tal pessoa perder a verdade que ouviu, destruí-la, e desfazer o que disse a outras pessoas. Ela é facilmente satisfeita e também, sente fome facilmente; ela torna-se feliz e triste facilmente; ela com facilidade se entusiasma e também esfria; facilmente ri e chora. Tal pessoa é superficial; tal pessoa está vivendo em suas emoções e circunstâncias.

Sabemos que se uma árvore é alta, suas raízes devem ser profundas. Algumas podem atingir a profundidade de até três ou quatro quilômetros. Uma árvore que não consegue absorver água da superfície, sabe-se que aprofunda suas raízes até atingir a fonte de água. As palmeiras no Deserto da Arábia, apesar do calor do sol, permanecem com folhagem verde, porque extraem água descendo as profundezas, capacitando­-as a resistir ao sol ardente. Se um cristão aprofundou suas raízes, ele também será capaz de resistir ao calor do sol. Oh! Todos aqueles que vivem nos seus sentimentos ou influenciados pelas circunstâncias são pessoas sem profundidade. Também aqueles que são propensos a oscilar por suas emoções, e são influenciados pelo ambiente, não tem profundidade. Aqueles cuja vida está profundamente enraizada não prestam atenção as circunstâncias, nem vivem por sentimento, mas somente por fé. Eles não olham nem dependem das circunstâncias, mas vêem o Senhor atrás delas. Tais pessoas têm o amparo, o suporte e o poder que vem de Deus, em vez de serem influenciados pelas circunstâncias. Se uma pessoa não vive olhando para o Senhor por trás das circunstâncias, mas para as emoções e circunstâncias, não haverá uma única verdade ou ensinamento que ela seja capaz de possuir profundamente. Quando as circunstâncias São favoráveis, ela é ativa e eufórica, mas assim que encontra provações, torna­-se desanimada, depressiva e melancólica. Assim que a cruz a confronta, tal pessoa cai. Irmãos e irmãs, se vocês ficam abatidos e recuam quando encontram provações, isto prova que estão sem profundidade. Quando o sol os queima, imediatamente vocês murcham.

Segunda Razão: Falta de Raiz

A segunda razão e a ausência de raiz. Que é raiz? A parte de uma árvore exposta à vista é o tronco e o que está fora da vista, no solo, é a raiz; aquela parte com vida e que é visível são os galhos; a parte com vida, mas que é invisível é a raiz. Portanto, a raiz representa a vida escondida. Todo aquele que não tem raiz no Senhor, sua vida deve ser seca. Todo aquele que não tem vida oculta espiritualmente, e nada tem, além do que é manifesto diante dos homens, não tem raiz. Raiz e a parte invisível oculta; o que e exposto e visível não é raiz. Raiz é a invisível parte oculta; o que e exposto e visível não é raiz. Irmãos, vocês devem perguntar-se: além daquela parte de sua vida que é visível diante dos homens, quanto de vida oculta você tem diante do Senhor? Se tudo o que você tem é o pouco que é o exposto, nada há de maravilhoso porque você murcha assim que o sol se levanta e esquenta. Em nosso viver espiritual não há nada capaz de nos sustentar como a vida escondida. Se encontrarmos um irmão ou irmã que caíram, não olhemos a queda como um acontecimento acidental ou repentino. Ao invés disso, devemos perceber que anteriormente havia algo errado com sua vida oculta diante de Deus. Desde que ele não tem raiz, ele cai quando o sol se levanta para queimá-lo.

Em Mateus 6:6, o Senhor Jesus diz: “Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto, e, fechada a porta, oraras a teu Pai que esta em secreto; e teu Pai que vê em secreto, te recompensara”. Fechar a porta é a vida oculta, e isso é raiz. Aqui, o Senhor fala de um modo peculiar: o Pai vê em secreto. Oh! a oração pode ser vista! Sempre pensamos que a oração é ouvida mas o Senhor diz que ela e vista. Portanto, algumas vezes não temos palavras na presença de Deus, mas apenas uma atitude – isto e precioso também. Oh! irmãos e irmãs, que proporção de sua vida é vista por Deus em secreto? Ou tudo o que vocês tem e visível diante dos homens? Quanto de sua vida espiritual diante de Deus nunca foi divulgado? Quanto da experiência que vocês tem é comparado com a que Paulo manteve em segredo das outras pessoas por quatorze anos? (2 Co 12:2). Se nada têm, isto indica que você não tem raiz. Se você e uma pessoa sem raiz, você imediatamente cairá quando o sol se levanta para queimá-lo. Irmãos e irmãs, daquilo que vocês possuem, apenas o que Pode sobreviver ao teste das provações é digno de confiança. Se vocês não aprofundaram suas raízes o bastante, vocês estão sujeitos a fracassar.

Terceira Razão: Empedramento do Solo

A terceira razão é que embaixo da superfície terrestre também há pedras. Não é que uma pessoa com pouca terra esteja sem vontade de aprofundar suas raízes, mas as pedras lá estão para obstruí-las. Superficialmente, ela é como as outras pessoas, mas em seu interior há pecados escondidos e ego endurecido. Na Bíblia, pedra tem diversos sentidos, um dos quais e o coração de pedra (Ez 36:26). Se desejamos aprofundar nossas raízes, não devemos endurecer nossos corações (Hb 3:8). Muitos cristãos nunca foram contrariados em seu modo de pensar e nunca foram quebrados. Eles sempre têm muitas razões para rejeitar a vontade de Deus e insistir em seus próprios pontos de vista, se uma coisa deve ser feita deste ou daquele modo. Eles têm pedras interiormente, e seu coração é muito duro. Deus tem de destruir suas pedras interiores antes que possam aprofundar suas raízes. Há apenas uma espécie de pessoa que aprofunda as raízes: aquele que teme a Palavra do Senhor (Is 66:5). Irmãos e irmãs, vocês precisam saber que um coração insubmisso a Deus e um coração de pedra. Devemos pedir a Deus que nos ilumine para ver quão grandes são as pedras em nós. Se temos pedras interiormente, não podemos aprofundar raízes. Então, quando o sol se levanta e esquenta, como não murchar?

As pedras não existem apenas por causa de um coração endurecido, mas também por causa de pecados ocultos. Talvez, em sua vida, haja um determinado pecado do qual você não se livrou, porque o preço é alto demais para que você tenha coragem de tratar com ele. Ou talvez a exigência de Deus seja forte demais para você ceder, resultando em argumentação e discussão com Deus. Se você tolera que seu pecado oculto permaneça, você não pode aprofundar raízes. Como, então, evitar de murchar quando o sol aparece e esquenta?

O QUEIMAR DO SOL

Irmãos e irmãs, sem luz nós não compreenderíamos quão superficiais somos. Se não fosse pelo queimar do sol, não poderíamos entender porque aqueles que desabrocham mais rapidamente, são também aqueles que murcham mais rapidamente. Quantas vezes nos enganamos sendo complacentes com nosso estado espiritual e vemo-nos como pessoas maravilhosas! Contudo, para nossa grande surpresa, quando o sol aparece e esquenta, imediatamente murchamos.

Por que Deus permite o queimar do sol e também consente que dificuldades nos sucedam? Irmãos, vocês devem saber que esta é a expressão final e máxima do amor do Senhor – a cruz. Oh! nada há que possa cultivar nossa vida espiritual tão bem quanto a cruz; nenhum teste pode ser melhor que a cruz. Um dia, quando ouvimos a palavra da verdade, aceitamo-la com alegria, imediatamente, e também consagramo-nos a Deus. Supomos que somos muito certos e super valorizamo-nos; assim Deus especialmente nos envia os testes e a cruz para que sejamos capazes de ver-nos. Conseqüentemente, um dia nós até mesmo temos uma controvérsia com Deus. O que esperamos de Deus não é esta direção, mas Ele verdadeiramente faz assim. Aonde Deus quer que vamos, não é aonde gostáramos de ir; o que Ele nos designa para fazer não é o que estamos dispostos a fazer. Portanto, não estamos satisfeitos; e inevitavelmente entendemos mal e culpamos Deus, e temos uma controvérsia com Ele. Irmãos, por favor, lembrem-se de que esta controvérsia é que os leva a condição de murchar. Todo murchar espiritual começa com desentendimento com Deus. Oh! se Deus cede e você vence, você esta condenado a murchar. Portanto, a cruz é-nos um teste para decidir se nossa vida penetrará nas riquezas ou murchara. Em outras palavras, se nossa vida será abundante ou secará depende de como tratamos com nossa divergência com Deus. Se você prevalece e Deus cede, não há outro resultado para sua vida a não ser murchar. Portanto você nunca deve regozijar-se por sua vitória aparente nem se deleitar em sua liberdade. Você precisa saber que isto simplesmente mostra que sua vida logo murchará, e que seu viver degenerar-se-á em breve. Isto e o que a experiência de muitos cristãos confirma. Não há uma vez em que Deus cede, e que sua vida permanece abundante. Portanto, se entre Deus e você ainda existe uma negociação não concluída, um problema não resolvido, e um ponto obscuro sobre a vontade de Deus, você deve ser extremamente cuidadoso. Se está em dúvida, insatisfeito com os arranjos de Deus e escolhe o caminho que você mesmo considera bom, então não precisa esperar ate o resultado tornar-se aparente; anteriormente você já começou a murchar.

Irmãos e irmãs, não devemos imaginar que realmente adquirimos algo simplesmente por ouvir uma mensagem. Deus terá de criar circunstâncias tais que vocês verdadeiramente sentirão a necessidade da palavra que ouviram, de maneira a testar se aceitaram realmente ou superficialmente a palavra. Deus tem de arquitetar uma circunstância para revelar-lhes que nenhum preceito da Escritura pode ser adquirido sem pagar-se um preço. Por exemplo, depois que ouviram uma palavra sobre paciência, Deus arranjar-lhes-á tribulação porque “tribulação produz paciência” (Rm 5:3). Quando ouvirem a palavra sobre obediência, Deus ira prová-los com situações difíceis para que aprendam a obediência pelas coisas que sofrem (Hb 5:8). Após ouvirem a palavra sobre doçura, Deus, um dia, leva-os, face a face com muitas pessoas e problemas irritantes, que os fazem aprender a “ser brando para com todos” (2 Tm 2:24). Depois de ouvirem a palavra que diz que devem ter fé, Deus parecera ocultar-Se e não lhes dar atenção quando chamarem por Ele, para que não vacilem por incredulidade, mas sejam fortes na fé, dando gloria a Deus (Rm 4:20). Cada vez que vocês ouvirem alguma palavra, se suportarem o teste, a palavra então estará garantida em vocês.

Deus nunca permitirá que paremos no estágio de ouvir uma mensagem e consagrar-nos. Ele deve testar-nos. Deus somente pode fazer uso daqueles vasos que ainda podem permanecer firmes após passar pelo teste da provação. Certa vez uma irmã idosa, ha muito tempo a serviço do Senhor, falou a um irmão jovem que começava a servir: “Todo pão colocado nas mãos do Senhor, Ele primeiramente parte, e então distribui a outras pessoas. Um pão não partido não pode tornar-se sustento para a vida de outras pessoas. E muito comum que, por um lado consagremo-nos a Deus, mas por outro lado, nosso corarão silenciosamente fala com esperança: Oh! Senhor, eu realmente já me consagrei a Ti, mas peço-Te que nunca me quebres! Todos nós esperamos que o pão permaneça intacto para sempre, e que fique permanentemente onde foi colocado. Mas nenhum pão nas mãos do Senhor fica inteiro. Se você não deseja ser quebrado pelo Senhor; então, não se coloque em Suas mãos”. Irmãos e irmãs, estas são palavras ditas pela experiência pessoal daqueles que conhecem o Senhor. Todo pão colocado nas mãos do Senhor é partido por Ele. Aqui é onde esta a dificuldade de muitos irmãos: após ouvir um sermão, alguém alegremente diz: “Oh! Senhor, eu ofereço-Te tudo o que tenho”. Mas, quando o Senhor esta partindo-o, esperava que isto não acontecesse. Irmãos e irmãs, enquanto estão nas mãos de Deus, vocês não estão dispostos a ser quebrados por Ele. Tal vida é a mais dolorosa. Se vocês esperam que sua vida seja abundante, devem permitir que Deus ordene muitos testes para prová-los.

VIDA NAS PROFUNDEZAS

Oséias 14:5-7 diz: “Serei para Israel como orvalho, ele florescerá como lírio, e lançará as suas raízes como o cedro do Líbano. Estender-se-ão os seus ramos, o seu esplendor será como o da oliveira, e a sua fragrância como a do Líbano. Os que se assentam de novo a sua sombra voltarão; serão vivificados como o cereal, e florescerão como a vide; a sua fama será como a do vinho do Líbano”. Nesta passagem, Líbano e mencionado três vezes: uma vez como um lírio, uma vez como uma oliveira e uma vez como o vinho. Por que e dada tal ênfase ao Líbano aqui? E porque o cedro da montanha do Líbano e muito alto e suas raízes são muito profundas. A Bíblia usa o cedro do Líbano para representar a maior e mais alta árvore na terra; ele também é apresentado como símbolo daquelas pessoas que aprofundam suas raízes. Nesta passagem, o lírio é a primeira alusão ao Líbano, depois a oliveira e finalmente o vinho. o fato de a Bíblia falar desta maneira tem um profundo significado. Apenas falaremos brevemente a esses respeito aqui.

Por que o lírio é comparado ao Líbano? Um lírio e puro e bonito. O lírio referido aqui cresce no deserto e não no jardim de uma casa. Não há jardineiro para cultivá-lo, mas depende unicamente do calor do sol, da chuva e do orvalho para sustento. Nós, cristãos, somos os lírios dos vales (Ct 2:1), confiando totalmente no cultivo e sustento de Deus. Uma vida espiritual pura e bela provém de uma comunhão ininterrupta com Deus. Portanto, é dito para crescer como o lírio e lançar suas raízes como o cedro do Líbano.

Por que uma oliveira é citada junto ao Líbano? Aos olhos dos homens, uma oliveira não tem beleza. Se dissermos que a beleza e a peônia (N.R. – erva com grandes flores, de grande beleza ornamental), e fácil para as pessoas entenderem, mas dever-se-ia dizer o contrário em relação a uma oliveira. Contudo, a Bíblia mostra que a beleza aos olhos de Deus não e a beleza superficial, mas o fruto na realidade. A oliveira e uma árvore que gera um fruto que produz óleo – sua beleza esta no seu fruto. A beleza de um cristão está em gerar o fruto do Espírito. Isto pode ser adquirido apenas lançando e fixando raízes nas profundezas. Portanto, é dito que sua beleza é como a oliveira e seu aroma como o Líbano.

Por que o vinho está relacionado ao Líbano? E dito: “florescerão como a vide”. Alguma vez já vimos a flor da vide? Sua flor é minúscula! Logo apos o florescer, as uvas aparecem. Nunca vimos a flor da vide num vaso de flores. Por que não é dito que a flor e como a do pessegueiro ou como o crisântemo? Porque a flor que Deus honra não e para as pessoas apreciarem, mas a que pode produzir fruto como a vida. O que Deus requer de um cristão e que lance raízes e produza frutos abundantemente. Eis porque é dito que eles florescerão como a vide, e a sua fragrância será como a do vinho do Líbano.

Líbano é citado três vezes aqui – todas com o propósito de chamar nossa atenção à vida nas profundezas. Embora esta vida nas profundezas seja como o lírio crescendo num vale isolado, como a oliveira que não é bonita exteriormente e como a vide que não se sobressai ao florescer, ainda assim ela e o resultado de olhar para Deus com simplicidade, e é capaz de produzir muito fruto. Este e o tipo de viver que um cristão deve ter. E impossível ter esta espécie de viver, a não ser que aprofundemos as raízes. Para atingir este tipo de viver deve haver um exercício regular diário. Separe pelo menos um pequeno tempo somente para orar ler a Palavra lendo e orando simultaneamente na presença de Deus. Se possível, também reserve algum tempo para orar pelos santos, pelas igrejas em vários lugares, e pela obra de Deus. Se um cristão não lê a Escritura e não ora toda manhã, é inútil falar sobre vida em profundidade. Lançar raiz não são meras palavras, mas uma prática verdadeira em nosso viver diário. Quando você começa a aprender, é necessário pagar um preço por isto. Possa o amor de Deus atrair-nos para as profundezas, dia após dia, para que possamos aprofundar nossas raízes cada vez mais.

Para viver uma vida nas profundezas, é necessário ter comunhão íntima e direta com o Senhor. Cantares 4:12 diz: “Jardim fechado es tu, minha irmã, noiva minha, manancial recluso, fonte selada”. Aqui é falado sobre um jardim. Como é visto na Bíblia, um jardim foi a primeira idéia de Deus.

Diferente de uma terra comum para plantação de um modo geral, ou de um campo especifico para lavoura, um jardim é somente para beleza e desfrute. Num jardim pode haver árvores, mas o propósito não é a madeira; ou pode haver árvores frutíferas, mas ainda o propósito não é gerar frutos. A importância de um jardim esta relacionada a suas flores. Elas foram plantadas apenas por sua beleza. Plantar flores e, portanto, para a satisfação dos olhos. Descrever este jardim como um “jardim fechado” significa que ele não é um parque público ao qual todos tem acesso para ter prazer, mas é fechado exclusivamente para Cristo. A beleza interior e para ser vista e apreciada somente por Cristo. Este tipo de viver não pretende agradar aos homens mas apenas a Cristo.

Este tipo de vida e “um manancial recluso”. Um manancial é para as pessoas usarem; embora seja assim, ainda está reservado para o Senhor.

Esta espécie de vida e “uma fonte selada”. Um manancial é produzido pelo trabalho humano, mas uma fonte não. Um manancial é para os homens, mas uma fonte e para Deus. Uma fonte e para a alegria e o contentamento que adquirimos na presença de Deus. Tal experiência não é para ser deliberadamente exposta a outras pessoas porque ela e uma fonte selada.

Resumindo, um cristão nunca deveria, intencionalmente, exibir sua beleza, busca e experiência espirituais para que outros vejam. Por outro lado, tudo deveria ser silenciosamente selado para o Senhor. Somente esta espécie de vida nas profundezas satisfará o coração do Senhor.

Irmãos e irmãs, nossa vida e muitas vezes tão superficial e uma grande parte dela é exposta na superfície. Possa o Senhor conceder-nos graça permitindo que a cruz faça uma obra profunda em nosso interior para que possamos firmar raízes a fim de ter vida nas profundezas para cumprir as exigências de Deus e satisfazer Seu coração.

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Doze Cestos Cheios, vol. 4, Editora Árvore da Vida.

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A. W. Tozer Vida cristã

Nunca se defenda (A. W. Tozer)

Todos nós nascemos com o desejo de defender-nos. E, caso insista em defender a si mesmo, Deus permitirá que você o faça. Porém, se você entregar sua defesa a Deus, então, Ele o defenderá. Ele disse a Moisés certa vez: “Serei inimigo dos teus inimigos e adversários dos teus adversários” (Êx 23.22).

Muito tempo atrás, o Senhor e eu chegamos juntos ao capítulo 23 do livro de Êxodo, e Ele me mostrou essa passagem. Já faz trinta anos que ela tem sido uma fonte de bênçãos indizíveis para mim. Não tenho de lutar. O Senhor é Quem luta por mim. E Ele certamente fará o mesmo por você. Ele será o Inimigo dos seus inimigos e Adversário de seus adversários, e você nunca mais precisará defender a si mesmo.

O que defendemos? Bem, defendemos nosso serviço e, particularmente, defendemos nossa reputação. Sua reputação é o que os outros pensam que você é, e se surgir alguma história sobre você, a grande tentação é tentarmos correr para acabar com ela. Mas, como você bem sabe, tentar chegar até a fonte de uma história assim é uma tarefa inútil. Absolutamente inútil! É como tentar achar o passarinho, depois de ter encontrado uma pena no gramado. Não poderá fazer isso. Porém, se se voltar completamente ao Senhor, Ele o defenderá completamente e providenciará para que ninguém lhe cause dano. “Toda arma contra forjada contra ti, não prosperará”, diz o Senhor, “toda língua que ousar contra ti em juízo, tu a condenarás” (Is 54.17).

Henry Suso foi um grande crente em dias passados. Um dia, ele estava buscando o que alguns crentes têm-me dito que também estão buscando: conhecer melhor a Deus. Vamos colocar isso nestes termos: você está procurando ter um despertamento religioso no íntimo de seu espírito que o leve para as coisas profundas de Deus. Bem, quando Henry Suso estava buscando a Deus, pessoas começaram a contar histórias más sobre ele, e isso o entristeceu tanto que ele chorou lágrimas amargas e sentiu grande mágoa no coração.

Então, um dia, ele estava olhando pela janela e viu um cão brincando no terraço. O animal tinha um trapo que jogava por cima de si, e tornava a alcançá-lo apanhando-o com os dentes, e corria e jogava, e corria e jogava muitas vezes. Então, Deus disse a Henry Suso: “Aquele trapo é sua reputação, e estou deixando que os cães do pecado rasguem sua reputação em pedaços e a lancem por terra para seu próprio bem. Um dia desses, as coisas mudarão”.

E as coisas mudaram. Não demorou muito tempo até que os indivíduos que estavam atacando a reputação de Suso ficassem confundidos, e ele foi elevado a um lugar que o transformou num poder em seus dias e numa grande bênção até hoje para aqueles que cantam seus hinos e lêem suas obras.

(Artigo extraído do livreto Cinco Votos Para Obter Poder Espiritual, de A. W. Tozer, Editora dos Clássicos, julho de 2004).

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O santuário do Deus vivo (Martin Lloyd-Jones)

“Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os discípulos de que está escrito: O zelo da Tua casa Me consumirá.” (João 2.13-17)

Detivemos nosso olhar sobre a purificação do templo, considerando, em termos gerais, a mensagem transmitida por esta passagem à Igreja, como um todo. Mas, como muitos comentaristas ao longo dos séculos concordam, obviamente, também há uma mensagem individual ao cristão. Vimos como as pessoas, imediatamente, obedecem ao Senhor quando O ouvem, e compreendemos que a única explicação para tal obediência é que essas pessoas se conscientizaram do poder eterno e da divindade Dele. Portanto, precisamos ter isso em mente ao aplicar individualmente a mensagem desse acontecimento.

Como tenho afirmado, minha proposição é que o grande tema do Evangelho de João está neste versículo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (10.10). Também estou sugerindo que cada um dos dramáticos acontecimentos relatados no Evangelho de João nos fornece algum aspecto adicional do ensino referente à forma pela qual Ele nos propicia a grande bênção de Sua plenitude.

É muito importante, portanto, que O consideremos como Ele é, ou seja, como o Senhor. É Ele quem age, quem decide quando e como agir. A pergunta que desejo colocar diante de você é esta: Você já recebeu de Sua plenitude e graça sobre graça? Sempre devemos nos fazer esta pergunta porque todas as ações de Jesus podem ser compreendidas e interpretadas à luz disso. Tudo o que Ele realizou e afirmou é uma indicação do que é essencial antes de alcançarmos aquela plenitude, e aqui Jesus nos mostra, de forma clara e definitiva, uma dessas condições.

Você se lembra que Jesus foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa, conforme a lei ordenava que todos os judeus fizessem. Nós O vimos chegando ao templo e soubemos o que Ele encontrou ao entrar lá: no pátio externo, mercadores vendiam bois, ovelhas e pombas para os sacrifícios, e cambistas trocavam moedas estrangeiras pela moeda local. Aquele cenário encheu nosso Senhor com um sentimento de terror e indignação. Ele virou as mesas dos cambistas, expulsou os mercadores e seus animais e ordenou aos que vendiam pombas para que as retirassem daquele local. Ele, como o fez naquela ocasião, purifica o templo.

Qual é, então, o ensino? Qual é a mensagem que recebemos como indivíduos? Permita-me colocar desta forma: nossa alma é como templo no qual nosso Senhor faz moradia. Esta é nossa proposição básica e fundamental. Isso é definitivo neste assunto sobre salvação cristã. Esta salvação não apenas significa que nossos pecados são perdoados, ou que temos a certeza de que não iremos viver eternamente no inferno porque Deus perdoou aos nossos pecados. Tampouco apenas significa que recebemos uma nova natureza. De fato, todas essas coisas são verdadeiras e gloriosas, e devemos agradecer a Deus por elas. Porém, a salvação cristã nos oferece algo além disso que é, nada mais, nada menos, que o próprio Senhor Jesus Cristo habitando em nós. Essa é a ilustração que encontramos em diversos lugares da Bíblia. Realmente, no Antigo Testamento somos informados de que o templo não deveria apenas nos ensinar a respeito da Igreja em geral e sobre como prestar culto na casa de Deus, mas também nos fornece um quadro individual da nossa alma.

Mais adiante, no Evangelho de João, essa verdade é colocada diante de nós de forma clara e explícita. Nosso Senhor está lembrando aos discípulos que Ele irá deixá-los, mas acrescenta que não os deixará sem consolo. Ele disse: “Naquele dia, vós conhecereis que Eu estou em Meu Pai, e vós, em Mim, e Eu, em vós. Aquele que tem os Meus mandamentos e os guarda, esse é o que Me ama; e aquele que Me ama será amado por Meu Pai, e Eu também o amarei e Me manifestarei a ele” (14.20, 21). Logo depois, no versículo 23, lemos: “Respondeu Jesus: Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra; e Meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.” Esta é a plenitude da experiência cristã. O propósito supremo de Deus é habitar em nós, homens e mulheres, ou seja, “a vida de Deus na alma do homem”, como afirmou Henry Scougal.

Veja como Paulo expressa isso, na Segunda Carta aos Coríntios. Ao questionar: “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos”, ele lembra aos seus leitores esta grande promessa: “Porque nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16). Em 1 Coríntios, ele diz: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós” (6.19). Esta é a suprema verdade que deveríamos sempre ter em mente com respeito à nossa fé. Como já vimos, a oração de Paulo pelos efésios era esta: “Para que, segundo a riqueza da Sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o Seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé” (3.16, 17). Paulo estava escrevendo aos cristãos, mas também estava orando para que eles perseverassem nesse conhecimento.

Nunca devemos nos contentar com algo que seja inferior a essa vida cristã. Temos de aprender a considerar nossa alma como santuário no qual Deus faz moradia: Deus, o Pai, Deus, o Filho e Deus, o Espírito Santo. Notamos que este ensino está sempre presente quando cristãos são levados a perceber tudo o que lhes é possível como crentes em Jesus Cristo.

Assim, havendo iniciado este capítulo com a proposição de que cada um de nós é o santuário de Deus, a próxima questão que devemos responder é esta: Em que condição se encontra este santuário? Agora é que percebemos a relevância daquele incidente ocorrido no templo de Jerusalém. Em tempo, quero deixar bem claro que não estou preocupado com aqueles que não são cristãos. Estou falando especificamente para aqueles que são cristãos. Nosso Senhor está no templo, o lugar que Deus concedeu aos filhos de Israel. Aqui Ele não está lidando com os gentios, mas com o povo judeu. Ele está lidando com pessoas religiosas, com o próprio povo de Deus. É importante ter isso bem claro em mente porque, caso contrário, poderemos perder o ponto principal desse incidente. Sempre estamos alertas para enxergar certas coisas que falam aos não-cristãos, porém aqui estamos preocupados com o que deve ser feito e com o que o Senhor fará com os crentes, a fim de que Ele possa vir e fazer moradia no coração deles, pela fé. Assim, é necessário que examinemos o templo, exatamente como o Senhor fez, quando foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa.

Um antigo puritano colocou esse assunto de forma muito clara utilizando uma analogia. Considerando primariamente os irregenerados, ele afirmou que a condição de homens e mulheres no pecado, como resultado da Queda, é similar ao estado de muitos dos antigos castelos, facilmente encontrados nos países europeus. Você encontra o castelo em ruínas, tomado pela vegetação de espinhos e outras, mas, se olhar atentamente, com freqüência, descobrirá uma pequena inscrição, em algum lugar, onde lerá: “Em tal época, fulano e beltrano moraram aqui.” Aquele castelo foi moradia de alguma pessoa de destaque no passado. O antigo puritano disse que este é o tipo de inscrição que encontramos gravada na alma de cada um dos não-cristãos: “Deus já morou aqui.” Deus não mora mais ali, o local está em ruínas, em processo de destruição. As paredes e ameias estão parcialmente desmoronadas e a vegetação invadiu o local de tal maneira que é difícil perceber que aquelas ruínas já foram, algum dia, a morada de alguém. Este é o não-cristão, mas estamos considerando o cristão; por isso, a questão é: O que encontramos neste santuário?

Com certeza, a mensagem é de que a condição da alma de muitos crentes é muito similar àquela encontrada por Jesus, no templo de Jerusalém. Aqui está a casa de Deus, com todos os cerimoniais indicados e ordenados pelo próprio Deus, mas nosso Senhor descobre que há certo abuso de tudo isso. O lugar está sendo usado para servir aos propósitos egoístas dos homens, e atividades que, em si mesmas, são legítimas, como comprar e vender bois, ovelhas e pombas ou trocar dinheiro, têm-se transformado no centro, na atividade principal. Assim, nosso Senhor afirmou que eles haviam tornado “a casa do Pai em casa de negócio”. E aqui cada um de nós é desafiado a examinar o estado de nossa própria alma, este lugar no qual Deus deseja habitar.

Se o Senhor examinasse nossa alma, neste exato instante, como a encontraria? O que há para ser descoberto ali? Seria pecado? Seria maldade? Jesus encontraria coisas que não deveriam estar lá? Haveria certo elemento de descrença, dúvida ou incerteza? Haveria coisas horripilantes, tolas e sem valor? E sobre nossos pensamentos, fantasias e intenções do coração? Estas são as coisas pelas quais Ele esquadrinha nossa alma.

No Antigo Testamento, ao examinar todos os detalhes que Deus ordenou, primeiramente a Moisés, depois a Davi e Salomão sobre a construção do tabernáculo e do templo, podemos ver que tudo foi projetado com o intuito de criar um local adequado para que Deus pudesse ali habitar. Porém, há outra maneira, mais importante, pela qual devemos nos examinar. O grande problema com aquelas pessoas é que elas estavam fazendo um mau uso de muitas coisas que Deus indicou como formas e meios de culto, buscando servir a seus fins indignos. Portanto, o mais importante é nos questionarmos: Que uso estamos fazendo do Evangelho de nosso Senhor e Salvador?

Cremos na doutrina da justificação pela fé, no perdão gratuito dos pecados. Isso é correto, mas que uso estamos fazendo disso? Estamos dizendo que, portanto, não importa mais como agimos ou nos comportamos, que podemos pecar porque sabemos que seremos perdoados? Estamos fazendo algum tipo de “comércio” com a cruz de Cristo? Esta é uma expressão utilizada por Pedro: “Movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias” (2 Pe 2.3). As pessoas transformam o sangue e a cruz de Cristo em benefício pessoal.

Em outras palavras, será que estamos dizendo: “Bem, agora creio no Senhor Jesus Cristo. Eu sei que serei perdoado, não há dúvidas sobre isso. Portanto, posso fazer o que desejar. Tudo o que tenho de fazer é me arrepender, dizer que sinto muito e serei perdoado”? Se pensamos desta maneira, estamos fazendo um mau uso, um comércio com o sangue de Cristo.

Assim, este é o tipo de lição que nosso Senhor está nos ensinando quando, munido de um chicote de cordas, expulsou aquelas pessoas do templo. Estamos usando a graça, as glórias do Evangelho, simplesmente para cauterizar nossa consciência, para permanecer em pecado e evitar a punição? Esta é uma atitude terrível, e creio que, quando examinamos nosso interior, com freqüência, nos descobrimos culpados da acusação de estar, da maneira mais sutil e diabólica, fazendo mau uso das coisas que Deus nos concedeu em nosso próprio benefício.

Existem muitas coisas mais sobre as quais podemos nos examinar – não entrarei em detalhes. “Examine-se, pois, o homem a si mesmo”. Esta foi a instrução que Paulo nos deixou quando da celebração da Ceia do Senhor. Paulo disse isso porque os coríntios estavam abusando desta cerimônia. Alguns deles participavam da Ceia apenas para beber e comer em demasia. Por esta razão, encontramos esta terrível advertência: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo.” Por quê? Porque, diz Paulo, quer você faça isso ou não, acumulará juízo para si. Porque ele não criam como deveriam, havia entre ele muitos fracos e doentes e não poucos que dormiam (1 Co 11.28-30). Se você não deseja ser julgado e condenado com o mundo, examine-se a si mesmo, livre-se dessas coisas. E devemos fazer o mesmo, em todo o tempo. Não há nada mais terrível do que utilizar o dom da graça, a casa de Deus, as glórias e as bênçãos do Evangelho para servir a propósitos pessoais e egoístas.

Eu creio – graças a Deus por isso! – que hoje em dia há menos possibilidade de encontrarmos essa situação do que no passado. Há cem anos ou mais, quando o costume de ir à casa de Deus era mais freqüente, as pessoas eram mais culpadas desse pecado do que nos dias atuais. Como indiquei no capítulo anterior, as pessoas utilizavam a casa de Deus e os meios da graça em benefício de seus negócios pessoais ou sua carreira. Não há muito disso hoje, talvez porque vivemos em um tempo no qual o culto a Deus não seja mais tão popular como era no passado. Porém, ainda em nossos dias há a possibilidade de estarmos utilizando as coisas que Deus nos concede de forma indigna. Portanto, quando nos auto-examinamos, estou certo de que estamos prontos a compartilhar com aquele que disse:

Vem as ruínas da minha alma reparar,
e meu coração uma casa de oração tornar.
Charles Wesley

Mas, tendo expressado o princípio geral, permita-me mostrar-lhe as coisas particulares que precisamos compreender à luz deste ensino. A primeira é o senhorio de Cristo. Aqui está Ele, indo ao templo e assumindo o controle, a despeito de ser apenas um carpinteiro nazareno. Ele faz isso como Alguém que tem o direito de fazê-lo, que tem autoridade. O lugar Lhe pertence. Ele menciona, no versículo 16, “a casa de Meu Pai”. Ele não disse “nosso” Pai, mas “Meu” Pai, indicando, portanto, que Ele não era outro senão o Filho de Deus e que vinha como o Senhor do templo, o Único a ter o direito de fazer o que desejasse ali.

É trágico perceber que no evangelismo, com freqüência, se faz uma distinção de Jesus Cristo como Salvador e como Senhor. Claro que há uma diferença, mas se você força uma divisão está cometendo um dos mais perigosos erros que se pode conceber. Isso acontece, não é verdade? Jesus Cristo é apresentado apenas como o Salvador, transmitindo a idéia de que, em primeiro lugar, você deve aceitá-Lo como Salvador e, somente mais tarde, você será apresentado a Ele como Senhor. E, então, lhe dirão: “Já que você O aceitou como o Salvador, aceite-O agora como o Senhor de sua vida.” Como se fosse possível receber Jesus como Salvador e não como Senhor!

Uma das lições mais importantes desse incidente é que devemos aceitar Jesus como Ele é. Ele sempre surge na plenitude de Sua abençoada pessoa. Nós não acreditamos em “Jesus”, mas no Senhor Jesus Cristo. Não podemos dividi-Lo desta maneira. Ele insiste para que O recebamos integralmente. Não existe a possibilidade de recebermos as bênçãos do perdão e da purificação sem, ao mesmo tempo, crer em Jesus como o Senhor. Ele não veio apenas para que fôssemos perdoados, mas Ele “se deu por nós, a fim de remir-nos de toda a iniqüidade e purificar, para Si mesmo, um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Ele veio para conduzir-nos a Deus (1 Pe 3.18). Ele veio para nos tornar um povo santo, e nenhum aspecto da salvação deve ser visto isolado desta verdade.

Você diz que crê na morte de Cristo na cruz por seus pecados. Muito bem, mas imediatamente isso implica outra dedução, como Paulo escreveu: “Acaso não sabeis (…) que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço” (1Co 6.19, 20). Ao morrer na cruz, Jesus “comprou” você e, portanto, você Lhe pertence, você é Dele. Ele é o Senhor do templo.

Este é o primeiro princípio da vida cristã. No momento em que somos convencidos do pecado, do perigo da punição e do inferno, compreendemos que temos sido escravos do pecado e de Satanás, mas que a partir daquele instante, mediante a fé em Jesus, não somos somente perdoados, mas estamos livres do antigo senhorio e pertencemos a Ele. Tornamo-nos escravos do Senhor Jesus Cristo.

Quantos problemas seriam evitados em nossa vida se apenas tivéssemos em mente esta compreensão! O cristão nunca é livre. Todos somos escravos, pois servimos ao diabo ou servimos ao Filho de Deus. O apóstolo Paulo gloriava-se com este título. Ele escreveu: “Paulo, servo de Jesus Cristo” (Rm 1.1). Portanto, desde o início nosso Senhor insiste em que observemos este senhorio.

Como vimos na festa de casamento em Caná da Galiléia, Ele não recebe ordens – Ele nem mesmo aceita sugestões. Ele é o Senhor que toma as decisões e determina o que fazer. Jesus agiu exatamente da mesma maneira no templo. Portanto, não há o que se discutir a esse respeito. Nós somos Sua legítima propriedade.

O próximo fato que Cristo deixa claro é que, quando Ele visita Sua propriedade, nada fica sem ser inspecionado. Não podemos esconder coisa alguma de Jesus. Novamente, há um grande princípio que aparece ao longo de toda a Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento. O exemplo clássico é o de Davi, filho de Jessé. Ele foi o maravilhoso rei de Israel, o “doce salmista”. Sim, este homem de Deus caiu em pecado. Ele planejou e conspirou, pensando que era muito esperto. Davi pensou que não havia deixado pista alguma, que todos os seus passos estavam encobertos. E, realmente, conseguiu enganar a quase todos. Somente uma ou duas pessoas sabiam o que ele havia feito. Davi pensou que tudo estava indo muito bem, mas logo percebeu que estava enganado. Deus enviou o profeta Natã para desmascará-lo, e seu pecado foi exposto.

No Salmo 51, Davi faz uma confissão completa, escrevendo palavras como estas: “Eis que Te comprazes na verdade no íntimo” (v. 6). Por fim, ele compreendeu que Deus não apenas se interessa por nossas ações externas, mas Ele conhece nosso coração.

Mais adiante, Davi escreveu: “Se eu no coração contemplara a vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (66.18). Agora, esta idéia significa esconder algo no coração. Ao mesmo tempo em que dizemos que somos cristãos, deliberadamente, escondemos algum pecado em nosso íntimo.

Davi escreveu que isso não era bom, pois o Senhor não o ouviria. Deus exige honestidade absoluta nesse assunto. Ele exige completa transparência, pois não pode ser enganado. Ele é onisciente e onipresente.

Encontramos a mesma idéia no Salmo 139: “Para onde me ausentarei do Teu Espírito? Para onde fugirei da Tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também (vv.7, 8). Não importa onde eu esteja – norte, sul, leste ou oeste –, não posso escapar da presença de Deus. Esta verdade é fundamental para a vida cristã. O problema é que muitos de nós imaginam Deus nos olhando em termos de pecados particulares. Mas não devemos pensar assim. Devemos pensar em termos de relacionamento e compreender que Deus conhece tudo a nosso respeito.

Talvez a afirmação mais clara sobre o conhecimento que Deus possui de nós encontra-se no capítulo quarto da grande carta aos hebreus. O autor escreveu:

Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia, seguindo o mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração. E não há nenhuma criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as cousas estão descobertas e patentes aos olhos Daquele a quem temos de prestar contas.
(vv. 11-13).

Ao final do Evangelho de Marcos, encontramos outra tremenda afirmação dessa verdade. Somos informados de que, pouco antes do fim, Jesus foi novamente ao templo em Jerusalém e observou tudo (11.11). Gosto de pensar que agora mesmo Ele está observando tudo em nossa alma, onde nada pode ser encoberto de Seus olhos, como o autor deste hino escreveu:

O Teu gentil, mas penetrante olhar,
pode esquadrinhar
as muitas chagas que a vergonha encobre.
Henry Twells

Estamos lidando com uma pessoa que é o Senhor, que não somente detém o direito e a autoridade, mas também possui completo conhecimento, visão e “poder de esquadrinhar” nosso interior.

Bem, o próximo princípio é que, desde cedo, Jesus deixa claro que abomina certas coisas. Ele não as tolerará em Sua casa e jamais caminhará lado a lado com elas. Essa é uma grande mensagem, não é? Não é incrível que possamos nos esquecer desta verdade? Estes são os primeiros princípios da vida cristã. Não há necessidade de apresentar grandes argumentos sobre os pecados particulares e tentar decidir o que é certo ou errado. É uma questão de relacionamento pessoal. Se você, simplesmente, pensar nisso, a maioria de seus problemas estará resolvida. Não haverá mais sentido em tentar fingir ou explicar certas atitudes, pois Ele está observando, vendo tudo o que fazemos.

Imediatamente, Ele revela o que pensa do pecado, e Sua atitude é clara. Há algo poderoso nisso. Possui seu aspecto terrível, mas também glorioso. Lemos no livro de Apocalipse como João O vê: “Os olhos como chama de fogo” (1.14). Seu olhar é de amor, de compaixão, o olhar de quem morreu por nossos pecados, mas também não podemos esquecer que Seus olhos são como chama de fogo. Este é o elemento de julgamento que é colocado no Evangelho de João nestes termos: “O zelo da Tua casa Me consumirá” (2.17).

Por que razão o Senhor desceu dos céus? Porque Ele viu a ruína e os estragos que o pecado no coração de homens e mulheres estava causando no Universo de Deus, especialmente na alma humana. Ele viu o que o diabo havia feito, e Sua alma de justiça foi afligida: “O zelo da Tua casa Me consumirá.”

Ele é consumido pela paixão da retidão, glória e justiça divinas. Este zelo está presente em Seu relacionamento conosco. Ele odeia o pecado: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar” (Hc 1.13). Isso também é verdadeiro com respeito ao nosso amado Senhor. Deus habita nesta “luz inacessível, a quem homem algum jamais viu” (1 Tm 6.16). Pense na visão de Isaías, encontrada em seu livro, no capítulo 6: a santidade de Deus, a fumaça enchendo toda a casa e as bases do limiar se movendo. Esta é uma visão de Deus e Sua glória eterna. Isso sempre revela o pecado e a impureza. Isaías clamou: “Então, disse eu: Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos” (v. 5).

E, claro, em todo este ensinamento, nosso Senhor mostra a condenação ao pecado. Jesus disse: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6.24). Há uma absoluta incompatibilidade.

Ainda, veja o que escreveu o apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 6. Aqui vemos uma afirmação lógica do que Cristo representava no templo de Jerusalém. Ouça as perguntas que Paulo faz. Primariamente, referindo-se à questão do cristão casar-se com um não-cristão, o apóstolo afirma: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos” (v. 14). Ele diz para não fazermos isso. Mas, qual a razão dessa proibição? Paulo apresenta argumentos na esfera de princípios gerais e pergunta: “Que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos?” (vv. 14-16). Essas coisas, Paulo afirma, são completamente opostas. Você não pode misturar a justiça com a injustiça, a fé com a descrença. Tentar fazer isto sempre resultará em tragédia. Nosso Senhor deixa isso bem claro por Sua reação no templo de Jerusalém.

Tiago também tratou desse tema: “Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce” (3.11, 12). João utilizou uma linguagem ainda mais forte quando escreveu: “Aquele que diz: Eu O conheço, e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo 2.4).

Em outras palavras, o Senhor não habitará com bois, ovelhas, pombas e cambistas. Ele não fará moradia em um lugar de descontrole, enganos e impurezas. O último livro da Bíblia, Apocalipse, revela claramente esta verdade. Nos dois capítulos finais, uma visão do céu é apresentada, e lemos: “Nela, nunca jamais penetrará cousa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira” (21.27). Somente o que é puro, limpo e santo terá lugar no céu.

Então, à luz de tudo isso, o que acontece? A resposta é, de certo modo, bem simples. Há duas atividades; a nossa e a Dele. É sempre assim: “Tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo (…) e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio.”

Primeiramente – creio que isso tornará as coisas mais claras para todos nós – a maneira como Jesus agiu naquele acontecimento, surpreendeu a muitos de nós. Não conseguimos entender Suas atitudes e começamos a nos perguntar o que está acontecendo. Com freqüência, quando percebemos que não estamos vivendo a vida cristã que deveríamos, quando enxergamos que podemos ir além, pensamos que tudo o que precisamos fazer é confessar a Ele e pedir-Lhe por Sua bênção, que a receberemos imediatamente. No entanto, isso é puro engano. Você sabe o que conseguirá? Provavelmente, será açoitado. Se você assumir essas coisas com seriedade e desejar que sua alma seja a moradia de Deus, esteja preparado para receber os açoites. Se você pensa que, no mesmo instante, receberá um presente e uma resposta positiva, sendo preenchido com uma grande alegria e maravilhoso êxtase, está incorrendo em um grande erro. Sempre deverá acontecer uma limpeza antes, sempre haverá um processo de exame terrível. Deus revelará o que está escondido nos recantos escuros de sua alma, Ele explorará os calabouços úmidos, e você verá coisas em seu interior que lhe causarão arrepios e horror. Com certeza, você irá se queixar. Por vezes, desejará nunca ter iniciado esse processo. Sentir-se-á miserável e perceberá que as coisas, em vez de melhorarem, ficarão piores.

Mas tudo isso está correto e faz parte do tratamento. Se você não estiver preparado para ser açoitado, com certeza se sentirá desapontado e não conseguirá ir muito longe no processo. Ele sempre age dessa maneira. No instante em que você se achegar a Ele e dizer-Lhe: “Sim, este é Teu templo, Tu tens direito a ele, podes iniciar a limpeza”, Ele começará a agir em você, confeccionando um pequeno chicote de cordas e o utilizando. Ele expulsará o que não prestar. Lançará fora coisas que você tem valorizado ou amado. Jesus o fará sentir que está contra você e que já não há mais esperança. Porém, esta é a maneira de agir Dele. “O Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6).

Que coisa terrível é não conhecer a disciplina do Senhor. Se você não conhece isso, diz o autor de Hebreus, então, é um bastardos e não filho (v. 8). O texto prossegue: “Toda a disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza” (v. 11). No entanto, é Seu trabalho – permita que Ele vá até o fim. Você é santuário do Senhor e Ele sabe o que é melhor. Portanto, afirmo que não devemos apenas esperar por Sua disciplina, mas devemos até mesmo orar por ela. Creio que é um excelente teste para verificar nosso relacionamento com Ele.

Há alguma coisa debaixo do sol
que a Ti meu coração reluta em revelar?
Ah! Extirpe-a, então, e reine absoluto,
o Senhor de todas as ações em mim.
Então, meu coração da terra será livre,
quando repouso encontrar em Ti.
Gerhard Tersteegen (tradução de John Wesley)

Aqui está Tersteegen, sendo tratado com açoites e começando a compreender o propósito de Deus. Ele diz: “Há algo a ser removido que eu ainda não tenha visto? Ah! Extirpe isso, então.” Ele não consegue fazer isso, assim pede ao Senhor que o faça. “Remova o que está errado”, ele solicita. “Extirpe o que é necessário e reine absoluto. Seja o Senhor de todas as ações em mim”. Você já clamou por algo assim? Já solicitou ao Senhor que retire certas coisas de seu coração? Este é um claro sinal de que Ele está trabalhando em você e tem usado Seu abençoado açoite a fim de limpar, purificar Sua casa, Seu santuário.

Então, Ele nos conclama a realizar certas coisas. Jesus se volta para os vendedores de pombas e lhes diz: “Tirai daqui estas coisas.” Isso é um mistério. Não vou fingir que compreendo esta palavra. Por que Ele não tira tudo de errado que temos em nós? Quando os filhos de Israel foram levados do Egito para a terra de Canaã, muitos dos inimigos que encontraram pela frente foram destruídos por Deus. Porém, certos inimigos foram deixados para que os judeus enfrentassem e, se não fossem combatidos pelo povo de Deus, esses inimigos permaneceriam como ameaça constante. Moisés disse: “Os que deixardes ficar, ser-vos-ão como espinhos nos vossos olhos e como aguilhões nas vossas ilhargas” (Nm 33.55). O povo tinha de fazer a parte que lhe cabia. Deus realizou grande parte da tarefa, mas deixou que os judeus a terminassem. Esta lógica parece ser a regra em todos esses assuntos.

Deste modo, há uma grande ligação em 2 Coríntios 7.1: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus.” Ou podemos colocar desta forma: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta” (Ap 3.20). Bem, usar este texto como uma mensagem evangelística é deturpar o contexto. Esta mensagem faz parte de uma carta endereçada às igrejas, aos crentes. Após o Senhor ter realizado certas coisas, Ele diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém (…) abrir a porta” – esta é nossa parte. Ele atua e, então, nos convoca a agir. “Aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2 Co 7.1); purificando-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito. Esta é a maneira mediante a qual nos prepara.

E para o que somos preparados? Bem, Ele está preocupado em nos possuir integralmente. Ele deseja que o santuário seja como deve ser, um lugar para Sua moradia. Ele deseja que a casa do Pai não seja um lugar de comércio, mas um lugar onde o Pai possa habitar. Esta é a grande promessa: “Nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16).

A vida de Deus está em sua alma? Isso é a verdadeira fé cristã, o que foi planejado para ser. Não é somente tomar uma decisão, acreditar que seus pecados estão perdoados e, então, prosseguir em grandiosas atividades. Isso não é o Cristianismo em essência. O real Cristianismo é saber que Deus está em sua alma, que caminha em seus caminhos e habita no santuário. É saber que Cristo come e bebe com você. É conhecê-Lo intimamente, que é a vida eterna (veja Jo 17.3). Ele veio ao mundo para que Sua experiência fosse vivida em cada um de nós. E, quando compreender isso e começar a desejar e a clamar por isso, então, esteja preparado para ser visto pelos olhos que são “como chama de fogo”. Nada poderá ser ocultado. Ele trará todas as coisas que estiverem erradas para a luz e as extirpará. Então, e somente então, você saberá que Ele está habitando no santuário e terá a certeza de que Cristo está morando em seu coração, pela fé.
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(Extraído do livro O Segredo da Bênção Celestial, cap. 7, de Martin Lloyd-Jones, co-edição Editora Textus e Editora dos Clássicos, 2002, com permissão da Editora Textus para publicação no sítio Campos de Boaz.)

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A intolerância bíblica (Martin Lloyd-Jones)

Gostaria de enfatizar esta verdade, asseverando que existe, na fé cristã, um lado de intolerância. Vou mais além e afirmo que, se não temos visto este lado intolerante da fé, provavelmente nunca vimos verdadeiramente a fé. Existem muitos mandamentos nas Escrituras que substanciam a afirmativa de que colocar mais alguém ao lado de Jesus, ou falar de salvação a parte dEle, ou sem que Ele seja o centro dela, é traição e negação da verdade. O apóstolo Pedro, dirigindo-se ao sinédrio em Jerusalém, disse: “porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome dado, entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).

Todo falso ensinamento deve ser odiado e combatido. O Novo Testamento nos diz que assim fez nosso Senhor e todos os apóstolos, e que eles se opuseram e advertiram as pessoas contra isso. Mas pergunto novamente: isto é realizado hoje? Qual sua atitude pessoal quanto a isso? Acaso é você uma daquelas pessoas que diz que não há necessidade dessas negativas, e que deveríamos estar contentes com uma apresentação positiva da verdade? Subscrevemos o ensinamento prevalecente que discorda de advertências e críticas ao falso ensinamento? você concorda com aqueles que dizem que um espírito de amor é incompatível com a denúncia crítica e negativa dos erros gritantes, e que temos de ser sempre positivos? A resposta mais simples a tal atitude é que o Senhor Jesus Cristo denunciou o mal e os falsos mestres. Repito que Ele os denunciou como “lobos vorazes” e como “sepulcros caiados” e como “guias cegos”. O apóstolo Paulo disse de alguns deles: “o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia”. Esta é a linguagem das Escrituras. Pode haver pouca dúvida, mas a Igreja está como é hoje porque não seguimos o ensinamento do Novo Testamento e as suas exortações, e nos restringimos ao positivo e ao assim chamado “Evangelho simples”, e fracassamos em acentuar negativas e críticas. O resultado é que as pessoas não reconhecem o erro, quando se defrontam com ele.

Aceitam aquilo que aparenta ser bom, e se impressionam com aqueles que vem às suas portas falando da Bíblia e oferecendo livros sobre a Bíblia e profecias e coisas deste tipo. E eles, na condição de sua ignorância infantil, freqüentemente ajudam a propagar o falso ensinamento, porque não conseguem ver nada de errado nele. Além disso não compreendem que o erro deve ser odiado e denunciado. Eles imaginam-se a si mesmos cheios de um espírito de amor, são iludidos por satanás, a fera destruidora que estava no encalço delas, e que, num bote súbito, os agarrou com sua esperteza e sutileza.

Não é agradável ser negativo; ter que denunciar e expor o erro não dá alegria. Mas qualquer pastor que sinta, em pequena medida, e com humildade, a responsabilidade que o apóstolo Paulo conhecia num grau infinitamente maior pelas almas e o bem estar espiritual de seu povo, é forçado a fazer estas advertências. Isto não é desejado nem apreciado por esta moderna geração moralmente fraca. Muito amiúde a bancada tem controlado o púlpito e grande dano tem sobrevindo à Igreja. O apóstolo adverte a Timóteo que virá um tempo em que as pessoas “não suportarão a sã doutrina”. Este é freqüentemente o caso no tempo presente, e assim tem sido durante este século. Por isso é importante que cada membro deva ter uma concepção real da Igreja e do oficio do ministro em particular.

Hoje há no mundo igrejas que na superfície parecem ser igrejas florescentes. Multidões se agregam a elas e demonstram demasiado zelo e entusiasmo. Mas num exame mais acurado descobre-se que a maior parte do tempo é tomado por música de vários tipos, e com clubes e sociedades e atividades sociais. O culto começa às 11:00h e tem que terminar exatamente ao meio-dia, e haverá sérios problemas se isso não ocorrer! Há apenas uma breve “reflexão” de quinze minutos, vinte minutos no máximo. O infeliz ministro, se não enxergar estas coisas com clareza, teme ir contra os desejos da maioria.

Sua sobrevivência depende dos membros da igreja, e o resultado é que tudo é feito para se conformar aos desejos e anseios da congregação.

Mas deixe-me acrescentar que o ministro também não pode impor. É o próprio Senhor quem determina, Aquele que está assentado à mão direita de Deus e que deu “alguns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores” (Ef 4:11 ). Ele os deu para a edificação dos membros da Igreja, e é a mensagem dELE que deve ser pregada sem temor nem favor. Precisamos recuperar algo do espírito de John Knox cuja pregação fazia tremer a Maria, Rainha dos Escoceses.

O trabalho do ministro é edificar o corpo de Cristo. A ocupação do ministro é edificar a Igreja, não a si mesmo! Ai! Eles têm muito freqüentemente edificado a si mesmos, e temos lido de príncipes da igreja vivendo em posições de grande pompa e riqueza. Isto é uma gritante deturpação dos ensinamentos de Paulo! Observemos que os ministros são  chamados para edificar, não para agradar nem entreter. O modo pelo qual deveriam fazer isso está resumido perfeitamente naquela passagem, imensamente lírica, de Atos 20 . O apóstolo Paulo está se despedindo dos presbíteros da igreja de Éfeso, à beira mar, e eis o que ele diz: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e È Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (v.32). “Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar”! Não é surpresa que a igreja seja o que é hoje, pois lhe têm sido dados filosofia e entretenimento. Por meio delas um ministro pode, por enquanto, atrair e segurar uma multidão; mas não pode edificar; a tarefa dos pregadores é edificar, não atrair multidões. Nada edifica a não ser a inadulterada Palavra de Deus. Não há autoridade fora dela; e ela não pode de modo algum ser modificada ou nivelada para se adaptar à moda da ciência moderna, ou a alguns supostos “resultados confirmados da crítica” que está sempre em modificação.

É o “eterno Evangelho” e é: a “Eterna Palavra a mesma que Paulo e os demais apóstolos pregaram, a mesma Palavra que os Reformadores protestantes pregaram, os Puritanos, e os grandes pregadores de duzentos anos atrás, como também Spurgeon no último século, sem qualquer modificação que fosse. É pelo fato de isso ter sido tão amplamente esquecido nos últimos cem anos que as coisas hoje estão como estão.

Extraído do jornal Os Puritanos, ano III, n. 3

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Encorajamento Vida cristã

O inexplicável sofrimento dos justos (Norbert Lieth)


O sofrimento de um justo não pode ser explicado, mas muitas e muitas vezes sua razão de ser foi interpretada de maneira incorreta. Muitos cristãos que estão sofrendo se preocupam demais em achar a “causa” de sua angústia e se esgotam de tanto questionar. Minha doença é castigo pelo meu pecado? Ou será que Deus quer me disciplinar, educar, purificar, transformar através do sofrimento, me preparar para Seu Reino e Sua glória? – É claro que existem castigos mandados por Deus, mas nem de longe todo o sofrimento físico ou emocional, toda derrota, fome ou tormento podem ser explicados dessa maneira. Quem recebeu a Jesus Cristo em sua vida por meio da fé não sofre por causa da ira de Deus ou por castigo, mas o sofrimento é uma provação e é igualmente um meio pedagógico que o Senhor usa na vida dos crentes (Hb 12.1-11; Rm 8.31-39). Mas não são raras as vezes em que o agir de Deus e a Sua direção em nossas vidas continuará sendo um mistério para nós, principalmente quando Ele manda sofrimento e tristeza.

Não queremos deixar passar despercebido o fato de que nem todo o sofrimento tem a amável correção do Senhor como alvo final. Existem sofrimentos que nascem do ódio satânico, e se os mesmos nos alcançam foi porque o Senhor o permitiu. Os sofrimentos de Jó, por exemplo, não vieram de Deus. Também não havia motivo para correção na vida desse homem, pois Jó vivia completamente dentro do que agradava ao Senhor e era irrepreensível, o que foi confirmado pelo próprio Senhor. Seus sofrimentos eram provocados pelo maligno (comp. Jó 1.1,6-19).

Os Salmos e Provérbios também falam do sofrimento do justo: “Muitas são as aflições do justo!” (Sl 34.19a; comp. também Pv 11.31). A Bíblia nos exorta a não considerarmos todo e qualquer sofrimento dos justos como conseqüência automática de culpa e pecado em suas vidas, pois com isso estaríamos condenando a maneira justa de viver dos retos de coração. Asafe orou: “Com efeito, inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido, e cada manhã castigado. Se eu pensara em falar tais palavras, já aí teria traído a geração de teus filhos” (Sl 73.13-15). Também no Salmo 44 encontramos uma das muitas indicações da Palavra de Deus de que sofrimento nem sempre tem sua origem em pecado ou culpa diante de Deus e nem sempre é castigo por erros cometidos: “Tudo isso nos sobreveio, entretanto não nos esquecemos de ti, nem fomos infiéis à tua aliança. Não tornou atrás o nosso coração, nem se desviaram os nossos passos dos teus caminhos… Se tivéssemos esquecido o nome do nosso Deus ou tivéssemos estendido as mãos a deus estranho, porventura não o teria atinado Deus, ele que conhece os segredos dos corações? Mas, por amor a ti, somos entregues à morte continuamente, somos considerados como ovelhas para o matadouro” (vv. 17-18, 20-22). Mas todo esse sofrimento estava sob a permissão de Deus: “…para nos esmagares onde vivem os chacais, e nos envolveres com as sombras da morte… Pois a nossa alma está abatida até ao pó, e o nosso corpo como que pegado no chão. Levanta-te para socorrer-nos, e resgata-nos por amor da tua benignidade (vv. 19,25-26).”

Antes que eu mencione o testemunho do irmão Lee, da Coréia do Sul, perguntemo-nos: todos esses sofrimentos foram resultado de pecado na vida desse irmão? Ele conta:

Eu tinha 18 anos de idade quando os norte-coreanos invadiram a Coréia do Sul. Presenciei quando 7.000 cristãos foram mortos, inclusive meu pai e minha irmã. Durante três dias minha irmã ficou pendurada de cabeça para baixo em uma corda. No terceiro dia, ela estava quase desacordada. Todos os dias os comunistas nos levavam para fora para que pudéssemos ver como eram tratados os cristãos presos. Todos tínhamos sido presos e interrogados: “Você é cristão?” Naquela época minha irmã tinha 22 anos de idade. E naquele dia em que fui obrigado a ficar na sua frente, ela me reconheceu. Sangue já escorria de sua cabeça. Me senti impotente diante dela, pois estava amarrado. Mas ela cantava num sussurro: “Em Jesus amigo temos…” e “Mais perto quero estar, meu Deus de Ti…” E foi dessa maneira que ela morreu, mas sua morte vitoriosa deixou uma profunda impressão em minha vida. – Uma semana depois meu velho pai de 72 anos foi executado. Ele foi queimado vivo, depois de ter passado fome por um mês. Jogaram-no em uma cova, cobriram-no com querosene e tocaram fogo. Antes de perder os sentidos, gritou com suas últimas forças: “Você tem de acabar o que eu não consegui levar até o fim!” Então levantou suas mãos e orou: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem!”

Esses dois acontecimentos deixaram marcas em toda a minha vida futura, marcas que nunca mais puderam ser apagadas. Não posso descrever os sofrimentos que tive que passar. Durante um mês inteiro meus carrascos me espancaram, queimaram e quebraram meus ossos. Quando eles finalmente acharam que eu estava morto, jogaram-me em um pântano. Fiquei oito dias inconsciente no meio de cadáveres. Os ratos passavam por cima de nós e o sofrimento era infernal. Mas nessa hora eu entreguei minha vida ao Senhor Jesus. Reconheci o que significa na vida de uma pessoa um relacionamento pessoal com Jesus: no mais profundo sofrimento pode nascer a alegria da fé!

Os terríveis sofrimentos e a angústia de sua irmã e de seu pai e seus próprios sofrimentos contribuíram para que o Dr. Lee chegasse a crer no Senhor Jesus Cristo – que maravilhoso fruto de sofrimento por amor ao Senhor!

Será que você anda encurvado sob o fardo de sofrimentos e pressões do dia-a-dia que pesa sobre os seus ombros? Você se angustia com problemas e infortúnio? Você sofre por fracassos, decepções, esperanças frustradas? Ou você sofre por amor a Cristo? Existe uma cruz pesada sobre sua vida, cruz que você tem de carregar?

Qual é a causa do sofrimento, se não é o pecado?

Sofrimento por amor a Jesus. Foi dito ao apóstolo Paulo que ele iria sofrer muito por amor a Jesus (At 9.16). O Senhor o usou de modo extraordinário como instrumento muito útil, mas os sofrimentos de Paulo foram igualmente extraordinários. Os profundos sofrimentos por amor a Jesus faziam parte de sua elevada vocação.

Sofrimentos por amor a Jesus não são motivo de tristeza, mas de alegria: “… alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando” (1 Pe 4.13). E sofrer pelo Evangelho é um tipo de sofrimento por amor a Jesus (2 Tm 1.8), assim como sofrimentos por praticar o bem (1 Pe 2.20), sofrimentos por causa da justiça (Mt 5.10) e os sofrimentos como servos de Deus (2 Co 6.4 ss.).

Sofrimentos por amor aos outros (à Igreja). É isso o que nos relata Colossenses 1.24: “Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja.” Sofrimentos suportados com paciência por um cristão servem de exemplo e testemunho para toda a Igreja, pois é nisso que o caráter de Jesus mais se reflete. E é por isso que as pessoas mais santificadas têm de sofrer mais, por estarem muito próximas do Senhor e por terem condições de suportar o sofrimento. Epafrodito, cooperador de Paulo, ficou gravemente enfermo por causa da obra do Senhor e por servir ao apóstolo por parte dos filipenses (comp. Fl 2.25-30).

Sofrimentos por testemunhar da fé para a glória do Senhor. Para provar isso quero citar novamente 1 Pedro 4.13: “…alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando.” O salmista Asafe testemunha em meio ao seu sofrimento: “Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho, e depois me recebes na glória. Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfalecem, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre… Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos”(Sl 73.23-26, 28).

Será que conseguimos imaginar o testemunho glorioso e elogiado que um servo de Deus que sofre por amor ao Senhor tem diante do mundo invisível dos anjos, quando se firma no Senhor e espera nEle em meio aos sofrimentos, e quando consegue dizer “Senhor, apesar de tudo eu quero ficar perto de Ti”? Como é grandioso e maravilhoso o reflexo desses sofrimentos na eternidade! Isso é mostrado em Romanos 8.18: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós.”

O que devemos fazer no sofrimento?

Como é que a nossa alma consegue ficar consolada e quieta em tempos de angústia? Em tempos de sofrimento ninguém mais consegue ajudar aquele que sofre a não ser o Senhor. Isso o salmista também sabia, pois orava: “Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa… Pois tu és o Deus da minha fortaleza” (Sl 43.1a,2a). Jesus Cristo sofreu fora da porta – e, nesse sentido, cada um que sofre está sozinho com seus sofrimentos, sofre “fora da porta” como Jesus. O salmista também tinha reconhecido isso, e encomendou sua alma juntamente com toda a sua angústia ao fiel cuidado de Deus. Ele sabia que a ajuda real, a ajuda que traz resultados não pode vir de pessoas, mas única e exclusivamente do Deus vivo. E era a Deus que ele queria entregar seu sofrimento. Ele não foi obrigado a se deixar enlouquecer e inquietar pelos outros e por seus bons conselhos, mas foi capaz de se entregar plenamente à vontade divina, e de se sentir abrigado e seguro no Senhor.

Ficamos consolados e tranqüilos quando entregamos nossa angústia ao Senhor, quando nos aquietamos e esperamos nEle.

Dificilmente o sofrimento pode ser explicado humanamente, ele só pode ser compreendido de dentro do santuário. Por isso o salmista orou: “Por que me rejeitas? Por que hei de andar eu lamentando sob a opressão dos meus inimigos? Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte, e aos teus tabernáculos. Então irei ao altar de Deus, de Deus que é a minha grande alegria; ao som da harpa eu te louvarei, ó Deus, Deus meu. Por que estás abatida, ó minha alma? por que te perturbas dentro em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 43.2b-5). O coração do salmista estava repleto de porquês. Ele não conseguia entender o porquê de seus sofrimentos; mas parece que, de repente, ele passou a entender, passou a não mais precisar de uma resposta para suas muitas perguntas – mas precisava somente de uma profunda comunhão com seu Deus no santuário (vv. 3b-4a). Essa foi a solução. Foi dessa maneira que sua alma conseguiu ficar quieta e consolada e cheia de gratidão para com o Senhor apesar do sofrimento pelo qual estava passando (vv. 4b-5). Nem sempre existe uma resposta, mas sempre existe consolo e luz na escuridão de nossa alma quando nos achegamos ao Senhor, quando entramos no santuário. E é por isso que filhos de Deus santificados conseguem dizer: “O Senhor está tão perto de mim!” Para o salmista passou a ser secundário conhecer ou não a causa de seus sofrimentos. Para ele passou a ser prioridade saber que era Deus que conduzia sua vida, passou a ser prioridade andar na luz do Senhor, andar na verdade do Senhor e ser dirigido pelo Senhor para alcançar seu alvo de vida.

Asafe estava cheio de dúvidas e questionamentos. Parecia-lhe que o sofrimento ela algo sem lógica, algo incompreensível e absurdo. Ele não era capaz de entendê-lo nem explicá-lo: “Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus…” (Sl 73.16-17). No santuário nem sempre recebemos a explicação para o porquê de nossos sofrimentos, mas em compensação recebemos consolo, recebemos fortalecimento e uma profunda paz. Até um homem como Elias chegou ao ponto de se sentir desesperado e questionava o motivo de tanto sofrimento. Ele não recebeu uma resposta para suas perguntas, mas recebeu comida e bebida para sua longa jornada em busca de um novo encontro com o Senhor. João Batista foi tomado de dúvidas quando estava no cárcere. E ele também não recebeu resposta ao porquê de seus sofrimentos, dúvida que certamente ocupava sua mente. Mas ele recebeu a palavra do Senhor: “…bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Mt 11.6).

Agora me dirijo a você, especialmente a você que tem sofrimento e dor em sua vida, que passa por angústias e enfermidades – você não quer simplesmente entrar no santuário para receber ali o consolo que vem de Deus? Em pouco tempo se cumprirá em sua vida o que o Senhor glorificado diz no último livro da Bíblia: “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras cousas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as cousas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras… O vencedor herdará estas cousas, e eu lhe serei Deus e ele me será filho” (Ap 21.4-5,7).

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A. B. Simpson Cristo Vida cristã

O próprio Cristo (A. B. Simpson)

Gostaria de levar o pensamento de cada um a focalizar-se em Jesus, e somente nEle.

É comum ouvirmos os crentes dizerem: “Ah, como eu gostaria de obter a bênção da cura divina. Mas ainda não a obtive.”

E outros afirmam: “Eu já.”

Mas quando lhes pergunto: “O que obteve?”, não sabem responder.

Alguns dizem: “Recebi a bênção.” “Recebi a cura.” “Recebi a santificação.”

Mas, graças a Deus, o que devemos desejar não é a bênção, nem a cura, nem a santificação, nem outra coisa qualquer, mas Alguém muito superior. Devemos desejar Cristo, o próprio Cristo.

PRECISAMOS DE UMA PESSOA

Encontramos na Palavra a afirmação “Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças” (Mt. 8:17); “Carregando Ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (I Pe. 2:24). É a Pessoa de Jesus Cristo que devemos desejar. Muitos indivíduos têm uma idéia sobre Cristo, mas não passam disso. Têm um conceito na mente, na consciência e na vontade, mas Ele mesmo ainda não faz parte da vida deles. Assim só possuem um símbolo e uma expressão material de uma realidade espiritual.

Certa vez vi uma reprodução da Constituição dos EUA feita sobre uma chapa de cobre. Quando se olhava de perto, via-se apena um texto impresso. Mas quando se afastava um pouco, divisava-se na chapa a efígie de George Washington. Vistas de certa distância, as letras formavam os traços de Washington, e quem olhasse para elas enxergava apenas a pessoa e não as palavras, nem as idéias. Então ocorreu-me um pensamento: “É assim que devemos olhar para a Bíblia, para entender os pensamentos de Deus. Neles vemos o amoroso rosto de Jesus delineando-se em meio às palavras. Ali está o próprio Jesus, que se apresenta como a Vida, a Fonte de Vida, e a presença constante que a sustenta.”

Durante muito tempo orei a Deus pedindo a santificação, e muitas vezes achei que a havia recebido. Houve até uma ocasião em que senti algo diferente, e me agarrei àquela experiência, receoso de a perder. Fiquei acordado a noite toda, temendo que ela me escapasse, e é claro que, assim que a emoção e a sensação momentânea se esvaíram, ela desvaneceu também. Perdi-a, porque não me firmara em Jesus. É que estivera bebendo pequenos goles de um imenso reservatório, quando poderia estar imerso na plenitude de Cristo.

Às vezes, nos cultos, via pessoas dando testemunho sobre o gozo espiritual, e até achava que eu também o experimentara, mas não conseguia conservá-lo. É que minha fonte de alegria não era Jesus. Afinal, um dia, ele me disse com muita mansidão:

“Meu filho, receba-me, e eu próprio serei a fonte constante de tudo isso.”

Então resolvi despreocupar-me da santificação e da bênção em si, e passei a contemplar o próprio Cristo. Assim, em vez de ter uma experiência, entendi que tendo Cristo tinha quem era maior do que uma necessidade do momento, tinha o Cristo que era tudo de que necessitava. E ali O recebi, de uma vez para sempre.

Assim que O vi por esse prisma, experimentei um revigorante descanso. Tudo ficou acertado de uma vez por todas. Nele tinha tudo de que precisava, não apenas para aquele momento, mas para o outro, e o outro, e o outro, e assim por diante. Vez por outra, Deus me deixa entrever como será minha vida daqui a um milhão de anos, quando resplandeceremos “como o sol, no reino de (nosso) Pai (Mt. 13:43) e teremos “toda a plenitude de Deus” (Ef. 3:19).

MEU GRANDE SEGREDO

Se eu afirmasse agora que possuo uma fórmula secreta para se obter riqueza e sucesso, que recebi diretamente do céu, e que, por meu intermédio, Deus daria grandes quantidades dela a quem quisesse, todo mundo ficaria muito interessado. Pois quero mostrar-lhes na Palavra de Deus uma oferta muito mais valiosa que essa suposta fórmula. Inspirado pelo Espírito, o apóstolo Paulo diz que existe um “mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações” (Cl. 1:26). Trata-se de um segredo que o mundo tem procurado, mas não encontra; um segredo que os sábios estão sempre desejando. E o Senhor nos garante que “agora, todavia, se manifestou aos seus santos”. E Paulo viajou pelo Império Romano entregando essa mensagem a quem estivesse apto para recebê-la. Eis o segredo: “Cristo em vós, esperança da glória” (vs. 27).

O grande segredo é: “Cristo em vós”. E eu o passo a você agora, se quiser crer no que Deus diz. Para mim, ele tem sido maravilhoso. Faz alguns anos busquei a Deus, cheio de temores e de sentimentos de culpa. Apliquei esse segredo à minha vida e foi a solução para todas as minhas preocupações e meu fardo de pecados. Mas depois, após algum tempo, vi-me outra vez dominado pelo pecado, e a tentação me parecia forte demais. Busquei a Deus, e de novo Ele me disse: “Cristo em vós”.

Foi assim que obtive a vitória, o descanso, as bênçãos.

Antes era a bênção, agora é o Senhor.
Antes era o que eu sentia; agora é a Palavra.
Antes eu queria os dons; agora o Doador.
Antes queria a cura; agora basta-me o próprio Jesus.

Antes era o esforço penoso; agora, a confiança perfeita.
Antes era uma salvação incompleta; agora é a perfeição.
Antes me segurava nEle; agora Ele me segura firmemente.
Antes estava sempre à deriva; agora minha âncora está firme.

Antes era um plenejamento incessante; agora a oração da fé.
Antes era uma preocupação constante; agora Ele cuida de tudo.
Antes era o que eu queria; agora é o que Jesus disser.
Antes era uma petição constante; agora, adoração incessante.

Antes era eu quem trabalhava; agora Ele age por mim.
Antes eu tentava usá-Lo; agora é Ele que me usa.
Antes queria o poder; agora tenho o Todo-Poderoso.
Antes trabalhava por vaidade; agora, tão somente para Ele.

Antes tinha esperança de conhecer Jesus; agora sei que Ele é meu.
Antes minha luz era intermitente; agora brilha intensamente.
Antes esperava a morte; agora anseio por Sua volta.
E minhas esperanças estão firmadas no céu.

(Extraído do livro Jesus Cristo, Ele Mesmo, Editora Betânia)

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A. W. Tozer Cristo Evangelho

Por que o mundo não O pode receber? (A.W. Tozer)

“O Espírito da verdade, que o mundo não pode receber” (João 14:17).

A fé cristã, baseada no Novo Testamento, ensina o completo contraste entre a igreja e o mundo. Não é mais do que um lugar comum religioso dizer que o problema conosco hoje é que procuramos construir uma ponte sobre o abismo que há entre duas coisas opostas, o mundo e a igreja, e realizamos um casamento ilícito para o qual não há autorização bíblica. Na verdade, nenhuma união real entre o mundo e a igreja é possível. Quando a igreja se junta com o mundo, já não é mais a igreja verdadeira, mas apenas um detestável produto misturado, um objeto de gozação e desprezo para o mundo, e uma abominação para o Senhor.

A obscuridade em que muitos (ou deveríamos dizer a maioria dos?) crentes andam hoje não é causada por falta de clareza da parte da Bíblia. Nada poderia ser mais claro do que os pronunciamentos das Escrituras sobre a relação do cristão com o mundo. A confusão que campeia nessa matéria resulta da falta de disposição de cristãos professos para levar a sério a Palavra do Senhor. O cristianismo está tão emaranhado no mundo que milhões nunca percebem quão radicalmente abandonaram o padrão do Novo Testamento. A transigência está por toda parte. O mundo está suficientemente caiado, encobrindo as suas faltas, para passar no exame feito por cegos que posam como crentes; e esses mesmos crentes estão eternamente procurando obter aceitação da parte do mundo. Mediante mútuas concessões, homens que a si mesmos se denominam cristãos manobram para ficar bem como homens que para as coisas de Deus nada têm, senão mudo desprezo.

Toda esta questão é espiritual, em sua essência. O cristão é o que não é por manipulação eclesiástica, mas pelo novo nascimento. É cristão por causa de um Espírito que nele habita. Só o que é nascido do Espírito é espírito. A carne nunca pode converter-se em espírito, não importa quantos homens considerados dignos da igreja nela trabalhem. A confirmação, o batismo, a santa comunhão, a profissão de fé – nenhum destes, nem todos estes juntos, podem transformar a carne em espírito, e tampouco podem fazer de um filho de Adão um filho de Deus. “E, porque vós sois filhos”, escreveu Paulo aos gálatas, “enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.”. E aos Coríntios, ele escreveu: “Examinai-vos a vós mesmos, se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados”. E aos romanos: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”.

A terrível zona de confusão tão evidente em toda a vida da comunidade cristã, poderia ficar esclarecida num só dia, se os seguidores de Cristo começassem a seguir a Cristo em vez de uns aos outros. Pois o nosso Senhor foi muito claro em Seu ensino sobre o cristão e o mundo.

Numa ocasião, depois de receber não solicitado e carnal conselho de irmãos sinceros, mas não esclarecidos, o nosso Senhor respondeu: “O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente. Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más”. Ele identificou os Seus irmãos na carne com o mundo e disse que Ele e eles eram de dois espíritos diferentes. O mundo O odiava, mas não podia odiá-los porque não podia odiar-se a si próprio. Uma casa dividida contra si mesma não subsiste. A casa de Adão tem que permanecer leal a si própria, ou se romperá. Conquanto os filhos da carne possam brigar entre si, no fundo estão unidos uns aos outros. É quando o Espírito de Deus entra, que entra um elemento estrangeiro. “Se o mundo vos odeia”, disse o Senhor aos Seus discípulos, “sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia.”. Paulo explicou aos gálatas a diferença entre o filho escravo e o livre: “Como, porém outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora” (Gálatas 4:29).
Assim, através do Novo Testamento inteiro, é traçada uma aguda linha entre a igreja e o mundo. Não há meio termo. O Senhor não reconhece nenhum bonzinho “concordar para discordar” para que os seguidores do Cordeiro adotem os procedimentos do mundo e andem pelo caminho do mundo. O abismo que há entre o cristão e o mundo é tão grande como o que separou o rico de Lázaro. E, além disso, é o mesmo abismo, isto é, é o abismo que separa o mundo, dos resgatados do mundo; do mundo, dos que continuam caídos.

Bem sei, e o sinto profundamente quão ofensivo esse ensino deve ser para aquele bando de mundanos que mói e remói o rebanho tradicional. Não posso alimentar a esperança de escapar da acusação de fanatismo e intolerância que, sem dúvida, lançarão contra mim os confusos religionistas que procuram fazer-se ovelhas por associação. Mas bem podemos encarar a dura verdade de que os homens não se tornam cristãos associando-se com gente de igreja, nem por contato religioso, nem por educação religiosa; tornam-se cristãos somente por uma invasão da sua natureza, invasão feita pelo Espírito de Deus por ocasião do novo nascimento. E quanto se tornam cristãos assim, imediatamente passam a ser membros de uma nova geração, uma “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus … que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (I Pedro 2:9,10).

Com os versículos citados, não houve desejo de os citar fora do contexto, nem de focalizar a atenção num lado da verdade para desviá-lo de outro. O ensino desta passagem forma completa unidade com toda a verdade do Novo Testamento. É como se tirássemos um copo de água do mar. O que tiraríamos não seria toda a água do oceano, mas seria uma amostra real e em perfeito acordo como o restante.

A dificuldade que nós cristãos contemporâneos enfrentamos não é a de entender mal a Bíblia, mas a de persuadir os nossos indóceis corações a aceitarem as suas claras instruções. O nosso problema é conseguir o consentimento das nossas mentes amantes do mundo para termos Jesus como Senhor de fato, bem como de palavra. Pois uma coisa é dizer, “Senhor, Senhor”, e outra completamente diferente é obedecer aos mandamentos do Senhor. Podemos cantar, “Coroai-O Senhor de todos”, e regozijar-nos com os agudos e sonoros tons do órgão e com a profunda melodia de vozes harmoniosas, mas ainda não teremos feito nada enquanto não abandonarmos o mundo e não fizermos os nosso rostos na direção da cidade de Deus na dura realidade prática. Quando a fé se torna obediência, aí é de fato fé verdadeira.

O espírito do mundo é forte, e gruda em nós tão entranhadamente como cheiro de fumaça em nossa roupa. Ele pode mudar de rosto para adaptar-se a qualquer circunstância e assim enganar muito cristão simples, cujos sentidos não são exercitados para discernir o bem e o mal. Ele pode brincar de religião com todas as aparências de sinceridade. Ele pode ter acessos de sensibilidade de consciência , e até pode confessar os seus maus caminhos pela imprensa pública. Ele louvará a religião e bajulará a igreja por seus fins. ele contribuirá para as causas de caridade e promoverá campanha para distribuir roupas aos pobres. Basta que Cristo guarde distância e que nunca afirme o Seu senhorio sobre ele. Positivamente isso não durará. E para com o verdadeiro Espírito de Cristo, só mostrará antagonismo. A imprensa do mundo (que é seu real porta-voz) raramente dará tratamento justo a um filho de Deus. Se os fatos a compelem a uma reportagem favorável, o tom tende a ser condescendente e irônico. Ressoa nela a nota de desdém.

Tanto os filhos deste mundo como os filhos de Deus foram batizados num espírito, mas o espírito do mundo e o Espírito que habita nos corações dos homens nascidos duas vezes, acham-se tão distanciados um do outro com o céu do inferno. Não somente são o completo oposto um do outro, mas também estão em extremo combate um contra o outro, mas também estão em agudo antagonismo um contra o outro. Para um filho da terra as coisas do Espírito são, ou ridículas, caso em que ele se diverte, ou sem sentido, caso em que ele se aborrece. “Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente.”

Na Primeira Epístola de João duas palavras são empregadas uma e outra vez,, as palavras eles e vós, e elas designam dois mUndos totalmente diversos; vós refere-se aos escolhidos, que deixaram tudo para seguir a Cristo. O apóstolo não se põe genuflexo, de joelhos, ante o deus de Tolerência (cujo culto se tornou na América uma espécie de religião de segunda capa); João é grosseiramente intolerante. Ele sabe que a tolerância pode ser simplesmente outro nome para a indiferença. Exige-se vigorosa fé para aceitar o ensino do experimentado João. É muito mais fácil apagar as linhas de separação e, assim, não ofender ninguém. Generalidades piedosas e o emprego de nós para significar tanto cristãos como descrentes, é muito mais seguro. A paternidade de Deus pode ser ampliada para incluir toda gente, desde Jack, o Estripador, até Daniel, o Profeta. Assim, ninguém fica ofendido e todos se sentem banhados e prontos para o céu. Mas o homem que se reclinara sobre o peito de Jesus não foi enganado assim tão facilmente. Ele traçou uma linha para dividir em dois campos a raça humana, para separar dos salvos os perdidos, dos que se afundarão no desespero final os que subirão para a recompensa eterna. De um lado estão eles — aqueles que não conhecem a Deus; de outro, vós (ou, com uma mudança de pessoa, nós), e entre ambos está um abismo moral largo demais para qualquer homem atravessar.

Eis aqui o modo como João o declara: “Filhinhos, vós sois de Deus, e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro”. Uma linguagem como esta é clara demais para confundir qualquer pessoa que honestamente queira conhecer a verdade. Nosso problema não é de entendimento, repito, mas de fé e obediência. A questão não é teológica: Que é que isto ensina?

É moral: Estou disposto a aceitar isto e arcar com as coseqüências? Posso agüentar o olhar frio? Tenho coragem de enfrentar os acerbos ataques movidos pelos modernistas? Ouso provocar o ódio dos homens que se sentirão apontados por minha atitude? Tenho suficiente independência mental para desafiar as opiniões da religião popular e de acompanhar um apóstolo? Ou, em resumo, posso persuadir-me a tomar a cruz com o seu sangue e com o seu opróbrio?

O cristão é chamado para ficar separado do mundo, mas precisamos ter certeza de que sabemos o que queremos dizer (ou, mais importante, o que Deus quer dizer) com o mundo. É provável que o façamos significar alguma coisa externa apenas, perdendo, assim, o seu significado real. Teatro, cartas, bebidas, jogos — estas coisas não são o mundo; são simples manifestações externas do mundo. A nossa luta não é apenas contra os procedimentos do mundo, mas contra o espírito do mundo. Porquanto o homem, salvo ou perdido, essencialmente é espírito. O mundo, no sentido neotestamentário do termo, é simplesmente a natureza humana não regenerada onde quer que esta se encontre, quer no bar, quer na igreja. O que quer que brote da natureza decaída, ou seja edificado sobre ela ou dela receba apoio, é o mundo, seja moralmente vil ou moralmente respeitável. Os antigos fariseus, a despeito da sua zelosa dedicação à religião, eram da própria essência do mundo. Os princípios espirituais sobre os quais eles contruíram o seu sistema foram retirados, não do alto, mas de baixo. Eles empregaram contra Jesus as táticas dos homens. Subornavam os homens para dizerem mentiras em defesa da verdade. Para defender Deus, agiam como demônios. Para proteger a Bíblia, desafiavam os ensinamentos da bíblia. Eles sabotavam a religião para salvá-la. Davam rédeas soltas ao ódio cego em nome da religião do amor. Vemos aí o mundo com todo o seu cruel desafio a Deus. Tão feroz foi esse espírito, que não descansou enquanto não levou à morte o próprio Filho de Deus. O espírito dos fariseus era ativa e maliciosamente hostil ao Espírito de Jesus, pois cada qual era uma espécie de destilação de ambos os respectivos mundos dos quais provinham.

Os mestres atuais que situam o Sermão do Monte nalguma outra dispensação que não esta e, assim, liberam a igreja do seu ensino, mal percebem o mal que fazem. Pois o Sermão do Monte dá em resumo as características do Reino dos homens regenerados. Os bem-aventurados pobres que choram seus pecados e têm sede de justiça são verdadeiros filhos do Reino. Com mansidão mostram misericórdia para com os seus inimigos; com sincera simplicidade contemplam a Deus; rodeados de perseguidores, abençoam, e não amaldiçoam. Com modéstia escondem as suas boas obras e com paciência aguardam a visível recompensa de Deus. Livremente renunciam aos seus bens terrenos, em vez de usar a violência para protegê-los. Eles acumulam os seus tesouros no céu. Evitam os elogios e esperam o dia da prestação final de contas para saber quem é maior no Reino do céu.

Se esta é uma visão bem precisa das coisas, que podemos dizer quando cristãos disputam entre si lugar e posição? Que podemos responder quando os vemos famintamente procurando homenagens e louvor? Como podemos desculpar a paixão por publicidade, tão claramente evidente entre os líderes cristãos? Que dizer da ambição política nos círculos cristãos? E das febris mãos estendidas para mais e maiores “oferendas de amor”? Que dizer do desavergonhado egoísmo entre os cristãos? Como explicar o grosseiro culto do homem que habitualmente infla um ou outro líder popular dando-lhe somas endinheiradas, beijo dado por aqueles que se propõe como fiéis pregadores do Evangelho?

Há só uma resposta a essas perguntas, é simplesmente que nessas manifestações vemos o mundo, e nada senão o mundo. Nehuma apaixonada declaração de “amor” às “almas” pode transformar o mal em bem. Estes são os mesmos pecados que crucificaram Jesus.

Também é verdade que as mais grosseiras manifestações da natureza humana decaída fazem parte do reino deste mundo. Diversões organizadas com ênfase em prazeres frívolos, os grandes impérios edificados em hábitos viciosos e inaturais, o irrestrito abuso dos apetites normais, o mundo artificial denominado “alta sociedade” – todas estas coisas são do mundo. Todas fazem parte daquilo de que a carne consiste, daquilo que se edifica sobre a carne e que há de perecer com a carne. E dessas coisas o cristão deve fugir. Todas essas coisas ele tem que pôr para trás e nelas não deve tomar parte. Contra eleas deve pôr-se serena, mas firmemente, sem transigência e sem temor.

Portanto, que o mundo se apresente em seus aspectos mais feios, quer em suas formas mais sutis e refinadas, devemos reconhecê-lo pelo que ele é, e repudiá-lo categoricamente. Precisamos fazer isso, se é que desejamos andar com Deus em nossa geração como Enoque o fez na sua. Um rompimento puro e simples com o mundo é imperativo. “Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo, constitui-se inimigo de Deus” (Tiago 4:4). “Não ameis o mundo nem as cousas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo” (I João 2:15,16). Estas palavras de Deus não estão diante de nós para nossa consideração; estão aí para nossa obediência, e não temos direito de nos entitular-mos cristãos se não as seguimos.

Quanto a mim, temo qualquer tipo de movimento religioso entre s cristãos que não leve ao arrependimento, resultando numa aguda separação do crente e o mundo. Suspeito de todo e qualquer esforço de avivamento organizado, que seja forçado a reduzir os duros termos do Reino. Não importa quão atraente pareça o movimento, se não se baseia na retidão e não é cuidado com humildade, não é de Deus. Se explora a carne, é uma fraude religiosa e não deve receber apoio de nenhum cristão temente a Deus. Só é de Deus aquele que horna o Espírito e prospera às expensas do ego humano. “Como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”.

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