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A tragédia de Santa Maria (Solano Portela)

A tragédia de Santa Maria está na mente de todos os brasileiros. Mais de 230 mortes – a maioria de jovens, deixando centenas de famílias enlutadas, como consequência do terrível incêndio. O que era uma noite de diversão transformou-se em um rio de lágrimas que transborda por todo o país. Mais uma vez, as últimas viradas de anos têm sido marcada por tragédias. Em janeiro de 2011, avalanches de terra e enchentes ceifaram centenas de vidas, na região serrana do Rio. Em 2008/2009 foram inundações e deslizamentos assoladores em Santa Catarina. Na transição 2009/2010 tivemos também mortes e prejuízos causados pelas águas, no sudeste do Brasil. Naquela ocasião escrevíamos, também, sobre o terremoto no Haiti e choramos com o conseqüente sofrimento chocante e intenso daquele evento que dizimou cerca de 200 mil pessoas. Três anos depois, aquele povo ainda geme com a orfandade, dissolução social, promessas não cumpridas pela “comunidade internacional” e com a extrema e endêmica corrução arraigada naquela terra. Isso porque ainda não nos saiu da memória o Tsunami de 26.12.2004, no Oceano Índico, quando pereceram cerca de 220 mil pessoas, situação recentemente lembrada no filme “O Impossível”.
Enquanto vemos as cenas de dor e tristeza, e avaliamos tudo isso, somos levados às Escrituras para procurar alguma compreensão trazida pelo próprio Deus, para esses desastres. É no meio dessas circunstâncias que decidimos recolocar aqui alguns pensamentos que já foram expressos neste Blog em posts anteriores.
Na ocorrência de tragédias devemos resistir à tentação de procurar respostas que diminuem a bíblica soberania e majestade de Deus, e conseqüentemente não fazem justiça à sua pessoa, ou aquelas que nos colocam com Deus – pontificando um julgamento divino sobre a situação imediata da ocorrência. Tais “explicações”, “conclusões” e “construções” aparentam ser plausíveis, mas revelam-se meramente humanas, pois contrariam a revelação das Escrituras. Esses tipos de respostas sempre aparecem, quando ocorrem desastres; quando diversas vidas são ceifadas e pessoas que estavam entre nós desaparecem, de uma hora para outra. Interpretações estranhas dessas circunstâncias não são novidade e nem têm surgido apenas em nossos dias.
Por exemplo, em novembro de 1755 a cidade de Lisboa foi praticamente arrasada por um grande terremoto. A conclusão emitida por padres jesuítas foi a de que: “Deus julgou e condenou Lisboa, como outrora fizera com Sodoma”. Voltaire (François Marie Arouet), que era um deísta, escreveu em 1756 “Poemas sobre o desastre em Lisboa”. Ali, ele culpa a natureza e a chama de malévola, deixando no ar questionamentos sobre a benevolência de Deus. Jean Jacques Rousseau, respondeu com “Carta sobre a providência”. Nela ele culpa “o homem” como responsável pela tragédia. Ele aponta que, em Lisboa, existiam “20 mil casas de seis ou sete andares” e que o homem “deveria ter construído elas menores e mais dispersas”. Ou seja, procurando “inocentar a Deus e a natureza” ele coloca a agência da tragédia no desatino dos homens, de maneira bem semelhante à que os especialistas contemporâneos e comentaristas da mídia adoram fazer.[1]
Quando do terremoto no Haiti, à semelhança do que ocorreu no Tsunami, alguns depoimentos de pastores, que li, falavam sobre a “mão pesada de Deus, em julgamento”; opinião semelhante à emitida quando do acidente com o avião que transportava o grupo “Mamonas Assassinas”, em 1996. No entanto, nenhuma pessoa tem essa capacidade de julgamento, que reflete apenas orgulho e prepotência.
 Mas outros procuram uma teologia estranha às Escrituras, para “isolar” Deus da regência da história. São os mesmos que, quando da ocorrência do Tsunami e do acidente ocorrido com o Vôo 447 da Air France em junho de 2009, emitiram a seguinte conclusão: “Diante de uma tragédia dessa magnitude, precisamos repensar alguns conceitos teológicos” (veja as excelentes reflexões sobre esse último desastre, no post do Augustus Nicodemus, neste mesmo blog). No entanto, em vez de formularmos nossa teologia pelas experiências, voltemo-nos ao ensinamento do próprio Jesus.
Graças a Deus que temos, em Lucas 13.1-9, instrução pertinente sobre como refletir sobre desastres e tragédias. A primeira tragédia tratada é aquela gerada por homens (Vs 1-3). Certos galileus haviam sido mortos por soldados de Pilatos. A Bíblia diz que “alguns” colocaram-se como críticos e juízes (a resposta de Jesus infere isso); deduziram que aqueles que haviam sofrido violência humana, sangue derramado por armas (um paralelo às situações que vivemos nos nossos dias) seriam mais pecadores do que os demais. No entanto, o ensino ministrado pelas Escrituras é o seguinte: Não vamos nos colocar no lugar de Deus. Não vamos nos concentrar em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas. Jesus, em essência diz: cuidem de si mesmos! Constatem os seus pecados! Arrependam-se!
Mas ele nos traz, também, um segundo tipo de tragédias. Esta que é referida é semelhante, guardadas as proporções, a essas enchentes e deslizamentos, ou ao terremoto do Haiti. São tragédias classificadas como “fatalidades”. Jesus fala da Torre de Siloé. O texto (Vs 4-5) diz que ela desabou, deixando 18 mortos. Jesus sabia que mesmo quando, aos nossos olhos, mortes ocorrem como conseqüência de acidentes, isso não impede que rapidamente exerçamos julgamento; não impede que tentemos nos colocar no lugar de Deus. E Jesus pergunta, sobre os que pereceram: “Acham que eram mais culpados do que todos os demais habitantes da cidade”? O ensino é idêntico: Não se coloquem no lugar de Deus; não se concentrem em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas; cuidem de si mesmos! Constatem a sua culpa! Arrependam-se!
O surpreendente é que Jesus passa a ilustrar o seu ensino com uma parábola (Vs.6-9). Ele fala de uma figueira sem fruto. Aparentemente, a parábola não teria relação com as observações prévias, mas, na realidade, tem. Ela nos ensina que vivemos todos em “tempo emprestado” pela misericórdia divina. O texto nos ensina que:
• Figueiras existem para dar frutos – o homem vinha procurar frutos – essa era sua expectativa natural. Todos nós fomos criados para reconhecer a Deus e dar frutos. Esse é o nosso propósito original.
• Figueiras sem frutos “ocupam inutilmente a terra”. O corte é iminente, e justificado a qualquer momento.
• O escape: É feito um apelo para que se espere um pouco mais, na esperança de que, bem cuidada e adubada, a figueira venha a dar fruto e escape do corte.
• Lições para o vizinho? Jesus não apresenta a figueira como um paralelo para fazermos uma comparação com outras pessoas – cujas existências foram ceifadas como vítimas de violência ou fatalidades. Ele quer que nos concentremos em nós mesmos, em nossas próprias vidas, pecados e na necessidade de arrependimento.
• Tempo emprestado: O que ele está ensinando e ilustrando, aqui, é que nós, você e eu, como os habitantes de Santa Maria, as vítimas do Tsunami, na Ásia, ou os habitantes do Haiti, vivemos em tempo emprestado; vivemos pela misericórdia de Deus; vivemos com o propósito de frutificar, de agradar o nosso proprietário e criador.

Creio que a conclusão desse ensino, é que, conscientes da soberania de Deus e de que ele sabe o que deve ser feito, não devemos insistir em procurar grandes explicações para as tragédias e fatalidades. Jesus nos ensina que teremos aflições neste mundo (João 1.33) – essa é a norma de uma criação que geme na expectativa da redenção. 1 Pe 4.19 fala dos que sofrem segundo a vontade de Deus. Lemos que não devemos ousar penetrar nos propósitos insondáveis de Deus; não devemos “estranhar” até o “fogo ardente” (1 Pe 4.12).

Assim, as tragédias, desde as locais pessoais até as gigantescas, de características nacionais e internacionais, são lembretes da nossa fragilidade; de que a nossa vida é como vapor; de que devemos nos arrepender dos nossos pecados; de que devemos viver para dar frutos.
Também, não cometamos o erro de diminuir a pessoa de Deus, indicando que ele está ausente, isolado, impotente. Como tantas vezes já dissemos, “Deus continua no controle”. Lembremos-nos de Tiago 4.12: “um só é legislador e juiz – aquele que pode salvar e fazer perecer”. Não sigamos, portanto, nossas “intuições”, no nosso exame dos acontecimentos, mas a Palavra de Deus. Como nos instrui 1 Pe 4.11: “ se alguém falar, fale segundo os oráculos de Deus”.
Em adição a tudo isso, não podemos cometer o erro de ser insensíveis às tragédias – Pv 17.5 diz: “o que se alegra na calamidade, não ficará impune”; mesmo perplexos, sabendo que não somos juízes nem videntes. Devemos nos solidarizar com as vítimas, na medida do possível e atravessar portas de contato e transmissão das boas novas divinas àqueles que Deus venha, porventura, colocar em nosso caminho.
 [1] Folha de S. Paulo 28/12/2004; Jornal do Commércio – Recife – 2/1/2005, de onde foram extraídas as citações desse trecho.
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Adaptado de estudos e sermões proferidos em 2005, e de POST de janeiro de 2010
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A profunda superficialidade de nossos dias (Walter Mcalister)

Uma das características que melhor definem a época da História em que vivemos é a superficialidade. Somos pensadores superficiais. Somos cristãos superficiais. Aliás, eu diria até que somos profundamente superficiais. Claro que ser “profundamente superficial” é o que chamamos de um oximoro – uma expressão que se contradiz e, ao fazê-lo, afirma uma contradição. Assim como “água seca”, ou uma “verdadeira mentira”, “profunda superficialidade” soa como um absurdo. Mas é isso mesmo o que somos. Pois somos superficiais até as mais profundas profundezas da nossa alma. Não importa quão profundamente cavemos na nossa alma contemporânea, nunca chegamos a algo que seja substancial. Tudo é superficial. Nossos sentimentos mais profundos são superficiais. Nossas paixões mais arrebatadoras são superficiais, efêmeras, passageiras. Somos pessoas cuja alma se assemelha a uma floresta inteiramente composta por árvores sem raízes. Por mais que você consiga adentrar os recônditos mais escondidos da floresta, não achará uma árvore que tenha firmeza. Pois, sem raízes, qualquer uma delas é facilmente arrancada pelo vento e substituída.

Essa constatação não significa que não tenhamos sentimentos fortes. Temos. Não quer dizer que nossas atitudes não sejam profundamente sentidas. São. Mas todas as profundezas do nosso ser, de nossos sentimentos e das nossas atitudes são, em última análise, superficiais.

Tomemos como exemplo a postura atual da maioria da sociedade brasileira contra a homofobia. “Todos” se dizem profundamente inconformados com os “tão intolerantes” cristãos. Afinal, “todos sabem” que qualquer opção de vida que um indivíduo faça é seu direito e é algo “absolutamente normal”. Esse é o discurso feito em público. Só que o bloco político que fez da sua campanha a defesa dos homoafetivos foi derrotado nas urnas de uma maneira tão absoluta e humilhante que ninguém quer falar a respeito do assunto. Na hora do “vamos ver”, da defesa política da opção dessas pessoas, ninguém compareceu. Multidões aparecem para fazer uma parada festiva. Mas, na hora de transformar esse discurso em ação… nada. E, quando não há um gay por perto, a grande maioria dos que os defendem não hesita em fazer piadas sobre os seus trejeitos.

Mas não sejamos duros com os que não compartilham da nossa fé. Afinal, vivemos numa casa cujo telhado também é de vidro. Se começarmos a jogar pedras, estilhaços vão voar para todos os lados.

Vejo pessoas demonstrarem uma enorme paixão ao defender o culto “gospel”, com todas as suas manifestações emotivas e bombásticas, e que afirmam ter um profundo “amor” para com Deus e seu Filho, Jesus Cristo, para não mencionar também o Espírito Santo. Derramam lágrimas. Fiéis se prostram e até se arrastam pelo chão, rugindo como leões. Muitos abanam os seus braços numa comoção em massa, enquanto alguém grita ao microfone algo sobre render honra, glória e louvor ao Deus Altíssimo, criador dos céus e da terra.

Pouco tempo depois, muitos (sim, muitos) estão tomando umas e outras no barzinho e contando piadas sujas. Não são poucos os jovens que até terminam no motel uma noitada após um “cultaço”. Sua paixão profunda no culto não passa de uma profunda superficialidade. Sim, porque não há ligação entre uma paixão e a outra. Arrebatados pelo culto, são, em seguida, igualmente arrebatados pelos seus instintos mais baixos, traindo tudo o que o culto deveria representar.

Leio a lista dos interesses que pessoas escrevem em seu perfil do Facebook e me espanto. Enquanto dizem “curtir” o reverendo Paul Washer, “curtem” programas de televisão que promovem sexo ilícito e toda sorte de perversão, justo aquilo que o reverendo Washer combate tão claramente: True Blood, Sexo sem compromisso, Friends, Vampire Diaries, Crepúsculo e uma infinidade de filmes e seriados que vomitam sua imundície sobre o mundo todo. Qualquer um que fizesse um estudo do perfil da maioria dos jovens que povoam a nação virtual teria que chegar à conclusão de que são insanos, hipócritas, e ímpios disfarçados de crentes. E é exatamente o que são. Iludem-se ao pensar que podem ser amigos do mundo e também de Deus.

Seus corações não estão alicerçados em Jesus. Sua paixão por Cristo é tão profundamente superficial como sua paixão pelas inúmeras cores de esmalte (que é a moda atual entre as mocinhas de Cristo) ou por sapatos – sim, sapatos. De cabeças ocas e corações esfacelados, vivem sendo arrebatados pela última novela (sim, porque isso é normal e achar que não é torna-se legalismo), moda, filme ou música. Põem Jesus Cristo ao lado de Lady Gaga nas suas páginas de “curtir”.

É insano. Uma geração sem moral, sem raízes e sem um norte.

Mas… será que são todos assim? Claro que não. Alguns estão começando a pensar. Alguns estão começando a se questionar. Nem tudo está perdido. Mas a maioria, lamento dizer, está.

Na paz,

+W

(Fonte)

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Ataque à verdade (João Calvino)

O cão late quando seu dono é atacado. Eu seria um covarde se visse a verdade divina ser atacada e continuasse em silêncio, sem dizer nada.

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Apostolado ou apostolice? (Márcio Redondo)

Uma leitura atenta do Novo Testamento nos leva a questionar não apenas certas práticas do movimento apostólico moderno, mas o próprio movimento.

Já faz algum tempo eu andava curioso por conhecer melhor o chamado movimento apostólico. Não estou falando da Igreja Primitiva, não. Refiro-me aos apóstolos de nossos dias, esses que começaram a pipocar depois de 1980. Então, há pouco mais de um mês, reencontrei meu amigo Freddy Guerrero, que mora em Quito, no Equador. Tive a grata surpresa de saber que ele está investigando o assunto, como parte de seus estudos de pós-graduação. Eu, um leigo no assunto, diante de um “expert”… É claro que bombardeei-o de perguntas.

Descobri várias coisas. Existem pelo menos três grandes redes apóstolicas. É isso mesmo. São três redes. Quer dizer, estão divididos. Desde logo, vê-se que os apóstolos do século XXI não são um exemplo de unidade em Cristo. Em todas as três redes há uma fortíssima ênfase na batalha espiritual. A maior das redes é de linha carismática. Outra é messiânica, e a terceira é judaizante. Aliás, fiquei de queixo caído ao saber que os apóstolos da linha judaizante negam que Jesus seja Deus.

O movimento apostólico ensina que cada apóstolo possui autoridade espiritual sobre territórios específicos. Um é apóstolo de Buenos Aires, outro é da Cidade do México, e assim por diante. É claro que o Brasil também já está “loteado”. Segundo cálculos feitos por Freddy, existem hoje no mundo todo uns 10 mil “apóstolos”. Estes alegam possuir a mais alta autoridade espiritual em suas respectivas regiões. Todas as igrejas, de qualquer denominação, e mesmo aquelas sem filiação denominacional estão sob a autoridade deles. Bem, pelo menos é assim que pensam.

Aproveito para mencionar que Freddy chegou a ser convidado por um “apóstolo” argentino para se tornar “apóstolo” de Quito. Se tivesse aceito, o argentino teria imposto as mãos sobre Freddy e hoje eu seria amigo de um “apóstolo”. Felizmente, Freddy teve o bom senso de rejeitar o convite. Fica um pouco a idéia de clube do Bolinha, com um apóstolo convidando alguém para se tornar um deles.

Pessoalmente, creio que alguns desses “apóstolos” são sinceros em seu desejo de servir a Deus, embora estejam equivocados. Mas não posso dizer isso de todos. Sem citar nomes, Freddy me contou casos de “apóstolos” envolvidos em escândalos sexuais, disputas por poder, enriquecimento à custa das igrejas, etc. Um outro amigo me contou de um “apóstolo” aqui no Brasil que, na sua estratégia de batalha espiritual, resolveu delimitar as fronteiras de sua jurisdição. Como Jesus Cristo é apresentado na Bíblia como o leão de Judá (Apocalipse 5.5) e como os leões demarcam seu território com urina, esse “apóstolo” começou a sair pelas ruas de sua cidade e circunscrever sua área com… sua própria urina! Quanta ingenuidade!

Uma leitura atenta do Novo Testamento nos leva a questionar não apenas certas práticas do movimento apostólico, mas o próprio movimento. Se não, vejamos:

Biblicamente a palavra “apóstolo” tem a idéia de procurador ou representante de alguém. A ênfase do vocábulo não está na tarefa em si, mas em quem deu a tarefa ao apóstolo. Por esse motivo, em várias de suas cartas, Paulo se apresenta como “apóstolo de Cristo Jesus” (Galátas 1.1; Efésios 1.1; Colossenses 1.1; 1 Timóteo 1.1; 2 Timóteo 1.1), pois é Jesus quem o havia comissionado. E essa procuração era intransferível. Nem Paulo nem os demais apóstolos da Igreja Primitiva tinham o direito de chamar alguém para ser apóstolo junto com eles. A escolha de alguém para o apostolado era prerrogativa do próprio Jesus (Atos 1.2).

Além disso, apóstolo era alguém que viu pessoalmente a Jesus ressuscitado (Atos 1.21-26). Aliás, ao defender seu apostolado, Paulo faz uma clara associação entre ser apóstolo e ter visto Jesus (1 Coríntios 9.1). Ele também afirma que Jesus ressuscitado apareceu a todos os apóstolos. No seu caso pessoal, Jesus apareceu-lhe “como a um que nasceu fora de tempo” (1 Coríntios 15.7), pois foi em circunstâncias excepcionais, após Jesus ter subido ao céu, que Paulo viu Jesus (Atos 9.3-6).

Os apóstolos do Novo Testamento caracterizavam-se, entre outras coisas, por “sinais, prodígios e poderes miraculosos” (2Co 12.12; ver tb At 5.12). Isso funcionava como confirmação de que o apóstolo recebera autoridade da parte do Senhor Jesus. Os acontecimentos não eram coisas do tipo cair no culto, mas verdadeiros milagres, como cura de aleijados de nascença (At 3.2-8; 14.8-10) e ressurreição de um jovem (At 20.9-12).

Para concluir, o ministério apostólico neo-testamentário não era delimitado geograficamente. Paulo, por exemplo, foi apóstolo dos gentios (Galátas 2.8; Romanos 11.13). Não estava preocupado com territórios, mas com pessoas. Para ele não havia fronteiras. Seu interesse era levar não-judeus ao conhecimento de Jesus, não importa onde estivessem.

Minha dificuldade em aceitar o movimento apostólico dos nossos dias reside em que os “apóstolos” modernos não viram Jesus ressucitado, não foram designados pessoalmente pelo próprio Jesus, não realizam prodígios e sinais como na época do Novo Testamento e, ao contrário dos apóstolos do século I, se preocupam com a distribuição territorial. Minha conclusão é que tais pessoas declaram-se apóstolos, mas na verdade nunca o foram (2 Coríntios 11.13; Apocalípse 2.2).

Se, apesar das objeções acima, você ainda está pensando em seguir a profissão de apóstolo, é melhor se apressar. Infelizmente as áreas nobres já estão ocupadas. Mas ainda existem cidades menores sem dono. A propósito, parece que a Antártida ainda não tem apóstolo. Um continente inteiro à disposição! Alguém se candidata?

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Márcio Redondo, membro da Igreja Batista Bairro Aeroporto (Londrina, PR), é professor de tempo integral da Faculdade Teológica Sul-Americana, onde também exerce as funções de Vice-Diretor e Coordenador de Pós-Graduação e Pesquisa e edita a revista eletrônica Teologia Hoje. Pastor e professor de teologia desde 1976, é também conhecido por seu trabalho de tradução de livros acadêmicos, inclusive Bíblias. É casado com Marilza e pai de Ester e Rute.

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Reencarnação e ressurreição (Pr. Franklin Ferreira)

“Creio… na ressurreição do corpo” — assim afirma o credo dos apóstolos e assim cristãos de tradições tão diversas, como católicos, ortodoxos e protestantes, têm unanimemente confessado sua fé através dos séculos. [1] A ressurreição é o alicerce da esperança do crente diante da morte.

A reencarnação

Dentre todas as idéias que se opõem à doutrina cristã da ressurreição, talvez a reencarnação seja a alternativa mais conhecida. Existem variações sobre a noção de reencarnação, mas a idéia básica é que a nossa vida atual neste mundo é uma repetição de outras existências vividas em outros corpos — a alma da mesma pessoa continua reencarnando, esquecendo as vidas passadas. As vidas futuras das pessoas são determinadas pela lei do carma, que afirma que os maus atos passados estão relacionados com a vida presente, e que as ações atuais da pessoa têm implicações para as vidas futuras. O estado (social e físico) no qual a pessoa nascerá no futuro é assim determinado. Alguns hindus e budistas acreditam que a essência que é reencarnada é uma essência impessoal, o que significa dizer que a pessoa em si realmente não existe mais. Diferente do ensino oriental, a idéia ocidental ressalta um conceito mais otimista da vida, sendo que o objetivo de múltiplas reencarnações é finalmente unir-se à divindade, tornando-se divino. Em síntese, “todos os ensinos reencarnacionistas baseiam-se numa cosmovisão monista, mística e ocultista, que promove a divindade essencial da humanidade, nega a noção de um Deus pessoal soberano e oferece a promessa de sabedoria esotérica” (R. M. Enroth).

Cristo ressuscitou

Segundo C. S. Lewis (1898-1963), “Jesus abriu à força a porta que estava fechada desde a morte do primeiro homem. Ele encontrou, enfrentou e derrotou o Rei da Morte. Tudo é diferente porque Ele fez isso”. Por isso, a ressurreição de Cristo faz parte essencial da pregação da Igreja em todos os tempos. A esperança da futura ressurreição dos crentes depende da ressurreição de nosso Senhor (1 Co 15.1-19). Em sua ressurreição, Cristo venceu a morte para podermos participar da justiça que em sua morte adquiriu para todos nós (1 Co 15.17, 54-55; Rm 4.25; 1 Pe 1.3, 21). À luz dos métodos historiográficos, a ressurreição de Jesus é o fato melhor atestado em toda a história. Algumas evidências históricas da ressurreição podem ser resumidas assim:

1. O medo do poder de Roma foi totalmente ignorado quando o selo romano posto sobre o túmulo foi quebrado;

2. Tanto judeus quanto romanos admitiram que o túmulo estava vazio. Ninguém podia encontrar ou mostrar o corpo. Por isso, o silêncio dos judeus é tão significativo quanto o falar dos cristãos;

3. De alguma maneira, diante da guarda romana, a pedra de quase duas toneladas foi removida da entrada do túmulo;

4. Uma guarda militar romana, altamente disciplinada, deixou seu posto e precisou ser subornada pelas autoridades para mentir sobre o que realmente aconteceu. Foi justamente para evitar o roubo do corpo que a guarda foi exigida (Mt 27.64s);

5. A mortalha, intacta, não continha o corpo. João Crisóstomo (344-407), bispo de Constantinopla, observou que ladrões não poderiam roubar o corpo nu, porque demora-se muito para tirar o linho: “ele [o corpo] foi enterrado com muita mirra, que cola o linho ao corpo assim como o chumbo” (Hom. 54, sobre João 4);

6. Mais tarde, Cristo apareceu a mais de 500 testemunhas em diferentes situações e a maioria ainda estava viva quando Paulo escreveu 1 Coríntios, entre 55 e 56 d.C. — cerca de 25 anos após a ressurreição;

7. Flavio Josefo, historiador judeu do final do primeiro século, disse: “Das mulheres, nenhuma evidência será aceita, por causa da frivolidade e temeridade do seu sexo” (Antigüidades iv.8.15). Por causa da desconsideração do judaísmo antigo em relação à confiabilidade das mulheres, se a história da ressurreição fosse realmente uma manipulação, elas nunca teriam sido escolhidas para ser as primeiras testemunhas do fato;

8. A evidência conclusiva contra a possibilidade de que os discípulos roubaram o corpo é a disponibilidade dos discípulos de sofrer e até morrer por sua fé, crendo que realmente houve a ressurreição do Senhor. E isto depois de terem fugido e se escondido durante a crucificação;

9. É importante perceber que não existe evidência para qualquer tentativa de refutação da ressurreição de Cristo por parte de seus adversários, nos primeiros séculos do cristianismo. A igreja foi construída sobre este fato: que Jesus Cristo, uma vez crucificado, ressuscitou dentre os mortos;

10. No fim, há uma ausência total de outras explicações satisfatórias para o fenômeno da ressurreição de Cristo; qualquer outra teoria não responde a toda a evidência.

Nossa ressurreição

As Escrituras são claras em prometer ressurreição aos que crêem. Ela é ensinada no Antigo Testamento explicitamente no Salmo 16.10, em Oséias 6.2, Ezequiel 37.1-14, Isaías 26.13-19, Daniel 12.2 e implicitamente no Salmo 49.14, 15, além de outros textos. É significativo que Jesus e os autores do Novo Testamento sustentaram que o Antigo Testamento ensina a ressurreição (Mc 12.24-27; At 2.24-32; 13.32-37; Hb 11.9). No Novo Testamento, esta foi uma das doutrinas mais elaboradas, principalmente nos escritos de Paulo (1 Co 15.1-58; 2 Co 5.15-17; 1 Ts 4.16s), sendo mencionada em quase todos os escritos (At 1.22; 2.24, 32; 3.15; 13.29s; Hb 6.1s; 11.19, 35; 1 Pe 1.3, 4; 3.19s; Ap 1.5; 5.9, 10; 20.5-15). O Novo Testamento afirma unanimemente que Deus vai ressuscitar os mortos e que isso não é considerado algo difícil demais para Ele fazer (At 26.8).

A realidade de nossa ressurreição é ensinada por dois fatos. O primeiro é que Jesus foi ressuscitado no mesmo corpo no qual Ele morreu. Em Lucas 23.39, vemos que Jesus não ressuscitou apenas na forma do espírito, mas fisicamente. O segundo é que nós teremos corpos iguais ao corpo de Cristo. Ele é “as primícias dos que dormem” (1 Co 15.21). A ressurreição implica uma continuidade entre o corpo físico que temos agora e o corpo que teremos no futuro. Os próprios santos martirizados serão incluídos na ressurreição (Ap 20.5) e haverá mútuo reconhecimento (Mt 8.11; Lc 13.28). Quanto a outros benefícios que os crentes recebem de Cristo na ressurreição, o Breve Catecismo de Westminster (1647) afirma: “Na ressurreição, os crentes, sendo ressuscitados em glória, serão publicamente reconhecidos e absolvidos no dia do juízo, e tornados perfeitamente felizes no pleno deleite de Deus, por toda a eternidade”.

A continuidade entre o corpo presente e o futuro é também marcada por algumas mudanças. Mateus 22.30 diz que no céu seremos como os anjos, não casados. É discutível se isso quer dizer que não existirá macho e fêmea no céu, mas as relações sexuais não continuarão. O corpo ressuscitado de Cristo tinha o poder de aparecer de repente entre os discípulos (Lc 24.36), mas era ainda um corpo físico (Jo 20.24-28). O corpo no estado futuro terá capacidades além daquelas que tem agora. O corpo será próprio para a existência celestial que teremos. Serão corpos perfeitos, sem corrupção, poderosos e gloriosos (1 Co 15.35-58). Estaremos livres das imperfeições e das necessidades que temos na terra. Em 1 Coríntios 15.50, Paulo diz que carne e sangue não podem herdar o reino de Deus, mas isso não elimina a possibilidade de uma ressurreição física. O corpo pode ser diferente do que é agora e ainda ser composto de matéria física. Como o erudito puritano Richard Sibbes (1577-1635) disse, “Deus prepara nossa alma aqui para possuir um corpo glorioso no porvir; e preparará o corpo para receber uma alma gloriosa”.

Ressurreição: obra do Deus triúno

Todos os membros da Trindade estão envolvidos na ressurreição dos crentes. Em alguns casos, se diz simplesmente que Deus ressuscita os mortos, sem especificar nenhuma pessoa (Mt 22.29; 2 Co 1.9). Mas a ressurreição é também mencionada como obra do Pai por meio do Espírito Santo (Rm 8.11). Mais particularmente, porém, a obra da ressurreição é atribuída ao Filho (Jo 5.21, 25, 28, 29; 6.38-40, 44, 54; 1 Ts 4.16), sendo destacado que há uma ligação especial entre a ressurreição de Cristo e a nossa ressurreição (1 Co 15.12-14).

Em conclusão, os cristãos crêem com convicção que “aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo, depois disto, o juízo” (Hb 9.27). Por isso, têm repudiado o ensino da reencarnação como uma séria e mortífera distorção da fé evangélica.

NOTAS:

1 – Este ponto precisa ser bem enfatizado, pois em anos recentes alguns têm suposto erroneamente que a Igreja cria na reencarnação, em seu início. A Igreja cristã nunca ensinou ou creu na reencarnação. Isso pode ser facilmente refutado com uma consulta ao Didaquê 16.6 e às obras de Inácio de Antioquia (Trall. 9.2), Clemente de Roma (1 Clem. 24-26), Justino (1 apol. 18s.), Irineu de Lião (Adv. haer. 1.6.2; 1.27.3; 5.1.2) e Tertuliano (De ressurr. carn.). A reencarnação foi ainda repetidamente rejeitada pelos Concílios de Lião (1274) e Florença (1439), bem como pelo do Vaticano II (1965, Lumen Gentium, 48). Em anos mais recentes, Rudolf Bultmann pretendeu negar a historicidade da ressurreição, tentando reinterpretá-la em termos de linguagem mitológica, sendo refutado pelos trabalhos de Oscar Culmann (Christ and time; Immortality of the soul or resurrection of the body?) e Herman Ridderbos (Bultmann, a ser lançado pela Editora Cultura Cristã), entre outros. A importância da doutrina da ressurreição na pregação e ensino cristãos pode ser facilmente comprovada a partir do estudo das obras de cristãos com métodos teológicos tão diferentes como Agostinho de Hipona (Enchir. 84-87; De civ. dei 22.20.1; 22.19), Tomás de Aquino (Expositio super Symbolo Apostolorum), João Calvino (Inst. 3.25) e Karl Barth (Church Dogmatics 3.2.47; 4.1.59), ou com uma consulta aos principais catecismos e confissões de fé da Igreja cristã.

Sobre o autor: Franklin Ferreira (Bacharel em Teologia, Mestre em Teologia, Bacharelando em Educação e Doutorando em Teologia) é professor de teologia sistemática no Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, no Rio de Janeiro, e na Escola de Pastores, em Niterói.
Fonte: Revista Ultimato.

Extraído de www.monergismo.com

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