Que a graça, a misericórdia e a paz estejam contigo.
Eu desejo muito ter notícias tuas. Eu ainda permaneço um prisioneiro da esperança, e julgo ser um serviço para o Senhor esperar com calma e submissão, até que a aurora do Senhor rompa e Seu amanhecer de verão surja. Pois estou persuadido: é parte da tarefa principal de nossa vida Deus ter-nos enviado por alguns anos a esta terra, entre demônios e homens, às marcas de fogo do diabo e às tentações, para que soframos por um tempo aqui entre os nossos inimigos. De outra forma, Ele faria o céu nos esperar logo que saíssemos do ventre, e teria nos levado para o lar em nosso país, sem nos deixar colocar os pés nesta vida complicada e cheia de espinhos.
Mas, estando conscientes de que o sofrimento é cinzelado em cada um de nós – em uns, mais, em outros, menos –, de acordo com o que a Infinita Sabedoria pensa ser bom, nossa parte é endurecer e habituar essa nossa natureza de pele fina a suportar o fogo e a água, os demônios, os leões, os homens, as perdas, o coração triste, como pessoas que são observadas por Deus, anjos, homens e demônios.
Oh, que loucura é sentar e chorar sobre um decreto divino que é mudo e surdo a nossas lágrimas, e que deve permanecer quieto e inamovível como o Deus que o fez! Pois quem poderia vir após nosso Senhor, a fim de alterar ou melhorar o que Ele decretou e fez? Teria sido melhor fazer janelas em nossa prisão, e olhar para Deus e para o nosso país, o céu, e gritar como homens acorrentados que ardentemente desejam o ar livre de rei: “Senhor, venha o Teu reino; oh, venha o Noivo! E oh, dia! Oh, belo dia, oh, infindável dia de verão, amanheça e brilhe, surja de sob o negro céu e brilhe!”
Esperança do livramento final
Estou persuadido de que, se a cada dia uma pequena pedrinha das paredes da prisão é quebrada, pelo que a certeza é dada ao prisioneiro acorrentado, que está deitado sob vinte pedras de ferro sobre os braços e as pernas, que, por fim, sua cadeia deva se quebrar em dois pedaços, e que um buraco seja, por fim, feito amplo o suficiente para ele sair em segurança para a sua tão desejada liberdade, pela qual esperou pacientemente, até que o tempo abrisse um buraco na parede da prisão e quebrasse suas correntes.
Os prisioneiros esperançosos do Senhor, sob suas provações, estão neste caso: anos e meses tirarão aos poucos as pedras desta casa de barro e, por fim, o tempo abrirá a largura de uma bela porta liberando a alma aprisionada para o ar livre no céu; e o tempo irá retirar, um por um, nossos parafusos de ferro que agora estão nos braços e nas pernas e ultrapassar e desgastar as amarras de nossos problemas, desgastando-as até que se tornem nada; porque o que sofri ontem, eu sei, nunca mais voltará a me perturbar.
Oh, que respiremos nova esperança, e nova submissão, cada dia, no colo de Cristo! Pois certamente, um peso de glória, bem pesado, sim, crescendo para um peso mais excedente e eterno, recompensará tanto o peso como o comprimento de cruzes leves e fugazes. Nossas águas não passam de marés vazantes, que não chegam ao nosso queixo, nem tomam nosso fôlego. Eu posso ver (se tomar emprestado os olhos de Cristo) a terra seca, e de perto; por que, então, não haveríamos de rir da adversidade, e desprezar as tentações que nascem e logo morrem?
O crente em segurança
Eu me regozijo na esperança a ser revelada, pois não é incerta a glória que procuramos.
Nossa esperança não está firmada em fios soltos, tais como: “Eu imagino que”, ou: “É provável que”; mas o cabo, a forte corrente de nossa âncora firme, é o juramento e a promessa Daquele que é a verdade eterna. Nossa salvação está amarrada pelas próprias mãos de Deus, e com a força do próprio Cristo, ao pilar da natureza imutável de Deus. “Eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos” (Ml 3.6).
Nós podemos brincar, e dançar e saltar em cima da Rocha digna e inamovível; o solo é bom e firme, e subsistirá aos ataques do inferno e do mundo.
Oh, que nossa fé sobreviva, contra os ventos e as ondas altas e orgulhosas, quando nossos mares parecerem estar todos em chamas! Oh, como eu me deixo levar freqüentemente! Eu sou posto a nadar quase afundando. Eu acho que o diabo tem a vantagem do terreno nessa batalha, pois luta em terreno conhecido: em nossa natureza corrupta. Pobre de mim! Ela é uma amiga parente dele, de sangue próximo, e não deixará de cair sobre nós. E, conseqüentemente, Ele que salva ao extremo, e leva muitos filhos à glória, ainda está defendendo minha salvação.
Dependência em Cristo para a perseverança
Vinte vezes por dia eu embaraço o meu céu, e aí tenho de chegar a Cristo com meu trabalho todo embaraçado para preocupá-Lo (como se pudesse) a fim de que Ele o desembarace; e procurar de novo o final certo da linha, e dobrar novamente minha glória eterna com as mãos Dele e dar uma palmada apropriada de Sua mão santa e graciosa à minha salvação arruinada e estragada.
Certamente é penoso cuidar para que uma criança tola não caia e fira o supercílio, e que chore por esse ou aquele brinquedo, ou que corra descuidada, ou pegue doenças infantis. E, antes que essa criança passe por tudo isso, ela precisa de muito cuidado e preocupação de seus cuidadores por causa de uma multidão de pequenas coisas. E assim é um crente: um trabalho penoso e um novelo embaraçado (como costumávamos dizer) para Cristo. Mas Deus seja louvado, pois a muitas salvações estragadas e a muitos novelos embaraçados Cristo consertou, desde que Ele passou a ser preceptor da humanidade perdida.
Oh, o que nós, crianças, faríamos sem Ele! Logo iríamos arruinar tudo! Mas, quanto menos peso sobre nossas pernas fracas e mais peso sobre Cristo, a Rocha forte, melhor para nós.
É bom para nós que Cristo sempre tenha tomado o estorvo de nós; é nosso céu poder colocar os muitos pesos e cargas sobre Cristo, fazer Dele tudo o que temos, da raiz ao topo, começando e terminando nossa salvação. Senhor, segura-nos aqui.
[1] Earlston, o Ancião e o Jovem (Alexander Gordon), descendentes da casa de Gordon de Lochinvar, que foi influenciado pelos ensinamentos de John Wycliffe. A casa de Earlston ficava perto de Carsphairn nas ilhas de Kirkcudbright. Alexander Gordon foi um presbiteriano convicto que compareceu perante o Tribunal da Alta Comissão em defesa de seus princípios (1635). Ele foi multado pesadamente. Mais tarde, ele representou Galloway no Parlamento Escocês. Seu filho mais velho, que herdou a propriedade da família em 1655, foi morto em 1679 enquanto dava assistência à causa da Aliança.
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Oh, se minha vontade se calasse como “uma criança desmamada dos seios” (Sl 131.2). Mas, pobre de mim! Quem tem um coração que dará a Cristo a última palavra na prova, e ouvirá e não falará outra vez? Oh! Provas e respostas queixosas, como “eu faço bem ficar indignado até a morte” (Jn 4.9), têm o mau cheiro de forte corrupção. Oh, bendita a alma que pode sacrificar sua vontade, e ir para o céu, tendo perdido sua vontade e ter resignado a ela por Cristo!
Eu não desejaria mais nada além de que Cristo fosse o rei absoluto sobre a minha vontade, e que minha vontade fosse uma sofredora em todas as cruzes, sem ter de se encontrar com Cristo e perguntar-Lhe: “Por que isso é assim?”
Eu ainda desejaria que meu amor ficasse apenas ao lado do lindo Jesus, e recebesse a graça de olhar para Ele, e arder por Ele, supondo que não pudesse tê-Lo até que meu Senhor dobrasse as folhas e os dois lados das tendas de barro dos pequenos pastores.
A estabilidade da salvação
Aquele que disse “Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1.27) – pois nossa esperança e o alicerce e seus pilares são Cristo-Deus – sabia que os pecadores estão ancorados e estabilizados em Deus; de tal forma que, se Deus não mudar, o que é impossível, então, minha esperança não oscilará. Oh, doce estabilidade da salvação bem alicerçada! Quem poderia ganhar o céu, se não fosse assim? E quem poderia ser salvo se Deus não fosse Deus, e se Ele não fosse o Deus que Ele é? Oh, que Deus seja louvado porque nossa salvação é abordada e aportada e firmada em Cristo, que é o Mestre dos ventos e das tempestades! E quais são os ventos dos mares que, ao soprar, podem tirar a costa ou a terra de seu lugar? Os baluartes muitas vezes são derrubados, mas a costa não é removida; no entanto, mesmo se fosse, ou pudesse ser, mesmo assim Deus não pode oscilar nem ser removido.
Oh, que nos afastemos deste Senhor forte e inamovível, e que nos libertemos, se estiver em nosso poder, Dele! Ai de nós! Nosso amor jovem e imaturo não alcançou Cristo, não O conhece. Ele é de tal largura e amplidão, profundidade e altura e de doçura insuperável, que nosso amor é pequeno demais para Ele; mas, oh, que nosso amor, pequeno como é, una-se à enorme doçura e à transcendente Excelência Dele! Oh, três vezes benditos, e benditos eternamente sejam aqueles que deixam a si mesmos: que estejam em amor unidos a Ele!
[1] John Stuart, Reitor de Ayr. “Um cristão piedoso e zeloso de muito tempo, desde os seus tenros anos.” Ele usou seus bens deste mundo para aliviar os oprimidos. Ele estava entre aqueles que inutilmente se esforçaram para imigrar para a Nova Inglaterra.
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E sucedeu que, estando Josué perto de Jericó, levantou os seus olhos e olhou; e eis que se pôs em pé diante dele um homem que tinha na mão uma espada nua; e chegou-se Josué a Ele, e disse-Lhe: ‘És tu dos nossos, ou dos nossos inimigos?’ E disse ele: ‘Não, mas venho agora como príncipe do exército do Senhor.’ Então Josué se prostrou com o seu rosto em terra e O adorou, e disse-Lhe: ‘Que diz meu senhor ao seu servo?’ Então disse o príncipe do exército do Senhor a Josué: ‘Descalça os sapatos de teus pés, porque o lugar em que estás é santo.’ E fez Josué assim.
(Js 5.13-15)
Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos.
(Ef 1.18)
Gostaria de deixar claro desde já que não é meu propósito tratar da correspondência entre o livro de Josué e a carta aos efésios. Estamos ocupados nesses estudos com um assunto em particular, ao redor do qual tudo se reúne, o qual é o centro, a saber: o objetivo de Deus de ter a plenitude celestial expressa nessa Terra e por meio de um povo. Todas as Suas atividades ao longo dos séculos, desde o tempo em que estabeleceu os céus sobre a Terra foram, e ainda são, se tomadas a partir do ponto de vista do homem, como uma peregrinação, um movimento espiritual em direção ao céu. Isso não significa necessariamente um movimento literal para algum lugar, mas é um progresso dentro da esfera do propósito de Deus – é aquilo que o Senhor Jesus denominou “como no céu” (Mt 6.10) quando se referia à vontade de Deus, uma correspondência na terra daquilo que está no céu. Existe um caminho, uma jornada celestial nessa direção, e estamos buscando, entre outras coisas, ver sua natureza. Assim, vimos que, uma vez que na conversão muitos não sabem muito além do início desse caminho, o Senhor levanta instrumentos com o objetivo de serem os pioneiros do caminho para os demais, e nesses vasos aprofunda bastante Sua obra em relação ao céu.
Vamos prosseguir um pouco mais. Nessas duas passagens que acabamos de ler chegamos a um ponto particular nesta questão de atingir a plenitude celestial. A segunda metade do livro de Josué se concentra no povo recebendo a herança: a herança é dividida, distribuída e Israel toma posse dela. Estranhamente vemos a ordem invertida em Efésios, a epístola correspondente a Josué. Ali se fala da herança de Deus em Seu povo: “As riquezas da glória da Sua herança nos santos” (1.18). Gostaria mencionar algo a esse respeito antes de prosseguirmos, pois não se trata de algo diferente, mas da mesma coisa vista por outro lado.
O Senhor só recebe Sua herança quando, e somente quando, Seu povo se torna de fato um povo celestial. Para que o Senhor tenha Sua herança, Seu povo deve estar na posição em que é visto na Epístola aos Efésios.
Quando Seu povo de fato toma a posição e a posse [descritas no livro de Josué], então se torna verdadeiramente um povo celestial, e o Senhor recebe Sua herança. Ver “as riquezas da glória da Sua herança nos santos” significa, por esse outro lado, que chegamos ao ponto onde Ele pode ver isso em nós. O Senhor não pode ver Sua herança nos santos até que Ele os veja posicionados no lugar que Ele designou, até que Ele os veja realmente como o povo que responde a Seu propósito como um povo celestial. Digo isso para esclarecer qualquer possível dificuldade mental advinda de falarmos do povo possuindo uma herança e dessa menção ao Senhor possuindo Sua herança.
O ponto que queremos destacar não é apenas essa verdade de existir uma herança em Cristo, seja para nós ou para o Senhor. Não nos referimos apenas a essa verdade, demonstrada na Palavra, de que quando estamos em união com Cristo por meio de Sua morte, de Seu sepultamento e de Sua ressurreição, entramos na esfera de plenitude Divina. O ponto que estamos enfatizando nesse momento é de realmente nos tornarmos um povo celestial, de fato tomar posse disso – não doutrinária, não teórica, não biblicamente, mas em verdade. Tenho certeza de que vemos essa verdade, a contemplamos, reconhecemos que é uma apresentação maravilhosa. Estou certo de que abraçamos essa idéia no coração, mas o problema é que tudo isso é tão familiar e amplamente difundido por meio de ensino, e ainda assim poucos vivem essa experiência. Eles ainda não chegaram realmente àquela posição onde sua vida corresponde a esse conhecimento, e qual é a utilidade ou o benefício de toda a nossa doutrina, do nosso ensino, da nossa interpretação, da contemplação e tudo o mais se não desfrutamos disso? Portanto, precisamos olhar para o caminho de maneira que, eu diria, possamos chegar lá, para que aquilo se torne realidade.
O senhorio do Espírito Santo
A primeira coisa que acontece depois daquela obra preparatória que mencionamos anteriormente – o Jordão, o deixar algo no leito do Jordão, nosso velho homem crucificado e deixado ali; após deixá-lo ali e deixá-lo ser coberto pelas águas e deixá-lo para trás; depois disso e depois de Gilgal, que representa o lado negativo desse fato, o despojamento – é o lado positivo, o revestir-se, a tomada de posse ou a entrada na terra de fato, é o tornar-se aquilo que sempre esteve em vista. Isso sempre esteve em vista, pelo menos desde que o povo saiu do Egito, e vemos que isso foi mencionado no cântico de Moisés. Sim, isso foi prenunciado na libertação do povo, do outro lado do Mar Vermelho, naquela grandiosa canção profética. Sempre foi uma noção, mas tratava-se de algo remoto, em algum ponto distante, mais ou menos vívido, conforme os dias passavam; era algumas vezes algo forte, claro, positivo e envolvente; em outras, esmaecido, fraco, distante e abstrato.
Mas toda essa questão veio à tona como algo presente: a preparação fora feita. Chegamos à passagem que acabamos de ler em Josué 5.13-15. Josué, diante de Jericó, “levantou os seus olhos e olhou; e eis que se pôs em pé diante dele um homem que tinha na mão uma espada nua”. O espírito guerreiro em Josué evidentemente se elevou, e ele desafiou o homem: “És Tu dos nossos, ou dos nossos inimigos?” – provavelmente indicando que, se o homem respondesse sim à última parte da pergunta, seria pior para ele –, pois naquele ponto Josué via apenas um homem. A resposta dada revelou que Ele era mais do que um homem. Josué capitulou, deixou a atitude desafiadora de lado, curvou-se, adorou, confessou-se servo desse Homem e pediu-Lhe instruções.
Quem é este Homem? Como eu disse em um capítulo anterior, minha convicção particular é que este Homem representa, nesta porção específica da Bíblia, o Espírito Santo no Novo Testamento. Isso, acredito eu, poderia ser confirmado por muitas evidências, mas, sem argumentar a esse respeito a partir das Escrituras, vamos ver como a coisa se desenrola de fato.
Vemos diversas mudanças tomando lugar a partir deste ponto. Até aqui o curso, o caminho, o governo do povo tinham sido regulados pela coluna de nuvem e pela coluna de fogo. Todos concordamos que isso era o Espírito Santo. Trata-se de algo objetivo, evidente para os sentidos, algo característico do deserto. Quando chegamos aos lugares celestiais, tudo provém do Espírito; mas, apesar de neste ponto Ele ter assumido uma forma visível, isso nunca mais aconteceu no futuro. Ele desapareceu da percepção sensorial, apesar de permanecer presente nos acontecimentos, sempre ali, o Príncipe invisível do exército do Senhor. Essa é uma mudança importante, e ainda há muitas outras acontecendo. Não há mais o maná, mas o fruto da terra, pães e espigas tostadas, que são, em outro sentido o pão da vida, o alimento celestial [conf. Js 5.11,12]. Tudo isso pertence a outra esfera: Cristo em ressurreição, não mais o pão partido, Cristo em humilhação. Temos Cristo em ressurreição, o alimento de um povo celestial. Um alimento pertencia ao deserto, mas esse pertence à terra. E assim podemos continuar observando essas diferenças. Veja, nesta esfera tudo é essencialmente celestial, toma um novo sentido; em outras palavras, é essencialmente espiritual; não mais sensorial, temporal, mas essencialmente espiritual.
Paulo diz que o Espírito Santo é o “penhor da nossa herança” (Ef 1.14), de forma que a chegada do Espírito Santo neste ponto torna-se a garantia de que o propósito de Deus será cumprido. Apesar de invisível a partir deste ponto, Ele é a segurança absoluta de tudo o que está prestes a acontecer. Em nosso último estudo mencionamos que a presença do Espírito Santo na unção para o propósito Divino positivamente garante a realização desse propósito, não é apenas uma fonte para a capacitação, mas é a própria base que garante sua realização. Como isso se torna realidade? Algo mais do que apenas uma doutrina, uma verdade, um preceito, mas se concretiza como uma realidade presente?
Deus nos deu o Espírito como um penhor: a garantia, a segurança. O aspecto positivo se inicia com este fato: o Espírito Santo é apresentado como Senhor. Perceba que a Escritura o denomina “como príncipe”. “Como Príncipe do exército do Senhor”: Ele é apresentado em Seu Senhorio. O lado positivo das coisas começa aqui, com o Senhorio absoluto do Espírito Santo entre o povo de Deus. Ele é assim apresentado e reconhecido, e algo relacionado a isso é feito. Não se trata de uma verdade objetiva, mas de algo que é positivamente realizado em relação a ela. Josué se prostrou em absolutas rendição e sujeição.
A Cruz conduziu a isso. A Cruz sempre nos dirige ao Senhorio do Espírito Santo. Deixamos o Jordão com direção a Seu Senhorio. A Cruz demanda isso. Se Ele não estiver em Seu lugar como Senhor, e se não houver rendição, melhor retornar à Cruz – volte e dê outra olhada nas águas, veja aquelas pedras que devem representar você. Algo errado aconteceu; se Ele não for o Senhor você não está sendo fiel ao fato da Cruz.
Mas aqui, na interpretação espiritual, assumimos que a Cruz já é realmente um fato estabelecido. Embora existam as falhas e as fraquezas na vida humana – e as vemos em Josué –, e, apesar dessas faltas e fraquezas e imperfeições ainda existirem em nossa humanidade, consideramos que a Cruz já quebrantou e abriu caminho para o Espírito Santo no que diz respeito ao nosso coração, a nossa vontade e a nossa mente. Isto é o que a Cruz representa: o caminho do Senhorio do Espírito aberto, e, mediante esse Senhorio, o caminho para a plenitude celestial está aberto.
Que profunda diferença encontramos entre as “conquistas” (?) do homem – eu diria, os avivamentos produzidos pelo homem – e a obra do Espírito Santo! Que diferença! Josué é o livro das poderosas diferenças. A diferença aqui é tal que acaba tirando o homem de cena. O homem não pode enfrentar essa coisa, ele não tem espaço aqui, pois tudo está muito além de sua capacidade de fazer estimativas. O Senhor lançou Seu povo numa esfera onde tudo é absolutamente diferente do modo do homem fazer as coisas. Quando o Espírito Santo é o Senhor, não precisamos organizar as coisas para que elas funcionem. Não precisaremos planejar, imaginar e formular a fim de realizar alguma coisa, fazer a obra de Deus, ter um avivamento. Tudo simplesmente acontece. Esse é o caminho do céu. E isso requer que estejamos naquela posição, requer esse governo absoluto do Espírito Santo. Encontramos o “toque terreno” em todas as atividades realizadas pelo homem – meios, métodos, pessoas, toda aquela parafernália usada para garantir o sucesso –, e as coisas prosseguem com muito barulho e rangido, demandam por uma quantidade enorme de suporte humano, e estão prestes a desaparecer a qualquer momento; se não forem sustentadas com alguma coisa, tudo entrará em colapso.
Nunca é assim em uma obra do Espírito. A questão é esse toque terreno, pois ele sempre representa a morte, a prisão. O Senhorio absoluto do Espírito Santo demanda que esse toque terreno seja terminado – e esse é o sentido da ordem que Josué recebeu de tirar os sapatos dos pés. “Que diz meu senhor a seu servo?” [Js 5.14,15]. “Vá e conquiste a terra. Vá e tome posse dela. Vá e conduza o povo para dentro”? De jeito nenhum. “Tire seus sapatos.” “Tire os sapatos, Josué, e tudo mais acontecerá. Destrua o toque terreno e veja o que se seguirá. Você só precisará rodear Jericó. Os homens não a conquistariam dessa maneira. Imagine a tremenda campanha militar que teria sido organizada se fosse delegada aos homens a tarefa de conquistar Jericó! Não! Tire os sapatos e veja o que acontecerá.”
Se você questionar essa interpretação, veja o que aconteceu quando Josué, ou Israel, calçaram os sapatos um pouco mais à frente. O que aconteceu em Ai? O que aconteceu com os gibeonitas? Israel voltou a calçar os sapatos, a tocar na terra, e logo veio o resultado: prisão, transigência, limitação. Descalce os sapatos e deixe-os ali. O princípio do celestial é o princípio do mover do Espírito Santo, é o princípio da plenitude espiritual. “Tire os seus sapatos, porque o lugar em que está é terreno celestial.” Não temos uma posição ali; a Terra não tem lugar ali; o mundo não tem lugar ali; os homens não têm lugar ali. Esse é um solo sagrado e santificado para o céu. A partir desse ponto, o céu assumirá o controle. Sim, mesmo usando aquele grande instrumento levantado para servir ao Senhor, o céu assumiu o controle. A soberania na escolha de um instrumento nunca significa que essa soberania cede espaço à força humana, e o Senhor nunca desculpa os erros desse instrumento. Isso e válido para Josué e Israel, pois Josué, como já mencionamos, é o representante de todos os santos e todos os servos do Senhor.
O Espírito Santo comprometido com o propósito de Deus
Observe a resposta à pergunta de Josué: “És Tu dos nossos, ou dos nossos inimigos?” [v. 13]. “De qual deles? Por nós? Por eles? Por isto? Por aquilo?” “Não. Não sou por isto ou por aquilo, não sou por vós nem por eles: Eu sou pelo propósito do Senhor.” Este é o conteúdo real de Sua resposta. “Não sou por pessoas, sejam elas quem forem: Eu sou pelo propósito do Senhor. Não sou a favor desta ou daquela obra que estejam tentando fazer para o Senhor. Sou pelo propósito do Senhor, estou comprometido com o propósito de Deus, o Seu propósito eterno.” “Não, mas…” [v. 14]. Oh, se pudéssemos compreender a força dessa expressão com respeito a tudo! Queremos que o Espírito Santo patrocine nossos movimentos, nossa obra, nosso ministério. Estamos perguntando ao Espírito Santo se Ele é “por nós”. Ele nunca atestará isso. Há um sentido em que o Senhor é por Seu povo. “Se Deus é por nós…” [Rm 8.31]. Mas há outro sentido em que o Senhor diz: “Não sou por vocês, mas por Meu propósito em e por meio de vocês; não sou propriamente por vocês, como indivíduos, ou por Israel, ou por Josué, aquele que foi soberanamente escolhido e ungido. Não sou por você, mas estou comprometido com o propósito de Deus”.
O que quero enfatizar é que devemos identificar a base e o objeto do compromisso do Espírito Santo. Precisamos saber com que o Espírito Santo está comprometido. Temos muito planejamento e arranjos para o Senhor, mas o Senhor não assume e concretiza nossos planos. Quantas coisas têm sido arranjadas, planejadas e programadas hoje no mundo para o Senhor. Ainda assim, não vemos um progresso. O Senhor parece não se comprometer com elas. Esse é exatamente o ponto. Devemos identificar o objetivo do Espírito Santo. O objetivo do Espírito Santo não é fazer alguma coisa e produzir alguma coisa na Terra, não é estabelecer algo nela e em contato com ela, como “sapatos”. Estabelecer algo aqui não é, de maneira alguma, Seu objetivo. O Espírito Santo está comprometido com algo que é absolutamente celestial, e Seu objetivo pleno é separar cada coisa deste mundo, de modo espiritual e interior. Isso será ampliado mais adiante, mas observe que é muito importante saber com o que Deus se compromete. Ele não se comprometerá com nada que esteja ligado a esta Terra. Ele só se comprometerá com aquilo que estiver ligado ao céu.
O Espírito Santo com uma espada nas mãos
Uma vez que isso foi estabelecido, há algo que se segue, que é também extraordinário. Este Príncipe do exército do Senhor está de pé com Sua espada nua, desembainhada, na mão. Oh, isso indica um combate, não é? Trata-se de uma batalha, não é mesmo? Imediatamente o Espírito Santo assume o comando, e vemos uma completa rendição a Ele. Não se engane: a batalha acaba de começar. Qualquer que seja seu conceito a respeito de ser batizado com o Espírito Santo e suas implicações, seja qual for o sentido disso para você, saiba que isso significa conflito imediato e incessante. Isso pode representar outras coisas também, mas significa que entramos em uma guerra sem direito à dispensa, alistamo-nos em um exército sem direito a aposentadoria. Nunca mais nos aposentaremos. Estamos nisso até o fim.
Não foi assim com o Senhor Jesus? Tudo começou no Jordão: o céu aberto, o Espírito Santo, o deserto, o diabo. Imediatamente “foi conduzido Jesus” (Marcos usa as palavras “levado” ou “impelido”) “pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo” (Mt 4.1). Assim que os céus foram abertos para o advento do Espírito, naquele dia chamado Pentecostes, a guerra começou, a Igreja nela entrou e nunca mais saiu. Se saiu foi para seu próprio prejuízo espiritual. De alguma forma, este Senhorio do Espírito Santo resulta imediatamente nisso. A espada está à mão e não será embainhada novamente até que a tarefa do dia termine.
Sim, mas devemos lembrar que essa é uma linguagem espiritual. O Espírito Santo não está muito interessado em uma guerra literal ou carnal. A guerra, o conflito no qual Ele está envolvido é segundo Sua própria natureza: espiritual. Tudo será segundo o espírito, porque forças espirituais tomaram posse do território; e, portanto, é em um combate espiritual que elas serão despojadas. Essa é uma das razões que tornam essa batalha tão real e verdadeira. Nem precisamos elaborar muito sobre isso: nós sabemos do que se trata. Sabemos que não daremos um passo sequer no sentido da conquista espiritual sem que sejamos contestados; encontraremos conflito antes de fazermos qualquer movimento ou um gesto com direção a um aumento espiritual. Essa é uma verdade. Estamos em uma guerra espiritual, e sua natureza está além de nosso poder de compreensão. Imaginamos que ela vai ocorrer de uma maneira, mas será de outra. Os ataques nunca vêm de onde esperamos e nem em formas que supomos que poderíamos reconhecer. O fato é que raramente reconhecemos o diabo quando ele desfere seus ataques. Eles parecem estar cobertos por acaso, ou infortúnio, ou algo que parece ter dado errado, mas basta julgarmos seu efeito com relação à nossa vida espiritual, e descobriremos que há algo mais de projeto e inteligência ocultos nele do que meras circunstâncias da vida. Trata-se de uma guerra espiritual, e foi o Espírito Santo quem a precipitou.
Entenda isso, pois explica muita coisa. Como o inimigo atua com freqüência usando nosso “ponto cego”! Acho que provavelmente a principal causa do sucesso dele hoje é devido aos pontos cegos do povo do Senhor. O preconceito é denominado “cautela”, a suspeita é considerada “vigilância” – bons nomes para coisas ruins. O inimigo é um mestre nesse quesito há tempos. O preconceito que você tem pode ser seu ponto cego criado pelo diabo. Ele encontrou a possibilidade de criar isso, e é o impedimento que está no caminho de sua plenitude espiritual e celestial. O povo do Senhor está preso nessa armadilha hoje, por todo o mundo. A ampliação e o aumento espirituais, de maneira celestial, estão sendo resistidos e frustrados por preconceitos e suspeitas do povo de Deus. “Um inimigo é que fez isso” [Mt 13.28].
Por que será que na Epístola aos Efésios, com toda aquela apresentação da plenitude celestial, e tendo-a em vista, e o correspondente conflito espiritual, o Apóstolo ora para que “os olhos do entendimento sejam iluminados”? [1.18]. Por que isso é necessário? Devido a esses pontos cegos, esse processo de cegueira, porque tudo pode ser perdido devido a um preconceito, uma mente algo fechada, um pouco de suspeita e de falso medo, em vez de confiar no Espírito Santo e de conhecer a unção dentro de nós que irá “ensinar todas as coisas” (1Jo 2.27) e mostrar o que é certo e errado. Podemos acreditar que estamos nos fortalecendo “preventivamente” e podemos estar nos fortalecendo contra o Espírito Santo. Isso é o que muitos estão fazendo. Essa é a esfera do conflito. Espiritualmente as coisas acontecem assim. Isso é muito sinistro e sutil.
Mas temos outro aspecto desse conflito espiritual. Por que o Espírito Santo traz isso à tona? Por que Ele precipita tudo isso? Podemos pensar que isso provém naturalmente do inimigo, mas, então, por que é o Espírito Santo que sempre inicia isso tudo, fazendo de Si mesmo a ocasião desse combate? Vimos isso no caso do Senhor Jesus. Isso aconteceu de forma deliberada conforme vemos na declaração definitiva, positiva e precisa: “Então foi conduzido Jesus pelo Espírito ao deserto, para ser tentado pelo diabo” – o Espírito Santo tomou a iniciativa, trouxe isso à luz [Mt 4.1]. Ele fez isso com a Igreja – de modo deliberado, sabendo exatamente o que fazia. Com efeito, é como se o Espírito Santo dissesse: “Vou conduzi-los à batalha agora mesmo, imediatamente”. Por quê?
Bem, por uma razão: porque isso é uma questão espiritual, uma herança espiritual, porque há forças espirituais que se apossaram dessa herança e devem ser expulsas. Mas também é porque só crescemos espiritualmente por meio do conflito, e o Senhor tem interesse em nosso progresso. Talvez isso fosse muito difícil de compreender se alguém subisse em uma plataforma e dissesse: “Você está passando por maus momentos porque o Senhor está interessado em você. Ele está dando ao diabo permissão para atacá-lo porque tem Seus maiores interesses focados em seu bem-estar”. Talvez fosse difícil para nós aceitar essa declaração. Da próxima vez que o inimigo vier contra nós e iniciar sua obra terrível, seremos os últimos a dizer: “Oh, como o Senhor me ama!” Nós não reagimos dessa maneira.
Mas não podemos atestar que um fato verdadeiro em nossa experiência e história – e, portanto, verdadeiro ao princípio – é que nunca fazemos nenhum progresso espiritual, não aumentamos, crescemos, nem avançamos, exceto por meio do conflito? Essa é a verdade. O único caminho para crescermos é ter algo a vencer, é quando nossa vida espiritual se depara com algo a superar. Essa é uma lei na natureza e na graça. Não há progresso sem combate. Queira Deus que vejamos as coisas dessa maneira sempre que encararmos dificuldades! Acreditamos nessa verdade como um fato, mas, oh!, não gostamos de estar envolvidos nela!
Isso não será suficiente. O Senhor deseja que as pessoas realmente tomem posse; não teórica e doutrinariamente, nem com base em uma leitura da Bíblia, mas Ele deseja que realmente entrem na sua possessão. Entramos no caminho da realidade quando realmente nos sujeitamos ao Senhorio do Espírito Santo, e o Senhor considera tudo isso real e muito prático.
Jericó é um lugar representativo: o grande exemplo de como as coisas acontecerão de acordo com esse princípio. Em primeiro lugar, como já dissemos, precisaremos estar em uma posição celestial, não em uma posição terrena, não fazendo as coisas da maneira humana. Vemos o resultado daquele princípio primeiramente em Abraão, quando ele tentou agir e acabou provocando uma terrível confusão por ter tocado a Terra. E isso aconteceu outra vez quando Moisés tomou as coisas nas próprias mãos e atacou o egípcio e o hebreu, causando uma impressionante confusão. Josué toma toda aquela história espiritual, e vemos ali o resultado da disciplina do Senhor. Em Jericó descobrimos que não existem armas carnais – nada da razão humana, nada restou para o homem ali. Se não for celestial, não é nada. Não é assim que as coisas acontecem na Terra. Podemos rodear a cidade, não só por sete dias, por toda a vida, e nada acontecerá se não estivermos em uma posição celestial, a menos que haja uma intervenção dos céus. Jericó representa o homem deixado de lado, totalmente excluído. É algo celestial.
Bem, essa é a base. Então, imediatamente depois disso, descobrimos que se o inimigo não conseguir sucesso por meio de resistência declarada, tentará usar táticas mais sutis. Se estivemos firmes em uma posição celestial, o inimigo não terá sucesso por meio de uma resistência aberta. Jericó significa a manutenção dessa posição celestial. O povo não conquistou a cidade no primeiro dia, mas sustentou, guardou e ratificou sua posição, e no último dia ainda o confirmaram por sete vezes, mantendo sua posição celestial, sem retrocesso. Nem sempre alcançamos o objetivo no primeiro ou no segundo dia. Deve haver um apego a essa posição em fé, e o inimigo será completamente derrotado quando essa posição for realmente sustentada dessa forma. Quando ele for derrotado nessa linha, ele precisará assumir a derrota, mas, se puder, vai tentar trabalhar usando meios sutis.
Não é isso que vemos no caso dos gibeonitas? Eles agiram de maneira sutil para introduzir um “toque terreno” em algum lugar [Js 9.4-6]. O mesmo aconteceu com Acã e Ai, a capa babilônica e a cunha de ouro – vemos nisso um toque terreno [Js 7.21]. Os gibeonitas e a aliança feita com eles se constituíram em outro toque terreno. Não devemos imaginar que nossa guerra espiritual sempre será aberta, clara e declarada. Devemos perceber o toque terreno sendo manobrado pelo inimigo na tentativa de introduzir algo que tenha contato com o que é amaldiçoado e com o qual Deus não poderá prosseguir.
Como isso acontece? Sabemos, é claro, que eles haviam saído de Gilgal – Gilgal, o lugar do rolar [1], o lugar onde a carne foi deixada de lado. Mas eles não retornaram para Gilgal depois de Jericó. Eles seguiram diretamente para Ai; embora o costume fosse sempre retornar para Gilgal após um avanço ou uma conquista – retornar para Gilgal e sair novamente de lá. Desta vez, eles não fizeram isso, mas continuaram em frente.
Vamos nos manter perto da cruz e nunca presumir que, como o Senhor nos abençoou, nos levou a prosperar e a ter sucesso, podemos prosseguir sem ela. Nunca, por um momento sequer, devemos nos afastar da Cruz. A Cruz não é algo que fica para trás, a ser deixado. É algo para estar conosco todo o tempo. É nossa segurança. Esse é o caminho celestial, essa é a natureza do caminho celestial, é o caminho para o fim proposto por Deus. Que o Senhor nos mantenha nele.
[1] A palavra Gilgal significa “uma roda, um rolo”.
Mantém-te firme em Cristo sem vacilar, e luta pela fé, porque não se obtém nem se mantém Cristo facilmente. O preguiçoso que professa fé apresenta o céu como se este estivesse na porta ao lado e pensa voar para o céu sem sair da cama, num sonho da noite.
Mas na verdade isso não é tão fácil como a maioria dos homens pensa. O próprio Cristo suou antes de ganhar esta cidade, embora Ele fosse o herdeiro nascido livre.
Cristianismo é ser sincero, honesto, sem fingimento e de coração reto diante de Deus; e viver e servir a Deus, como se não houvesse nenhum homem ou mulher em todo o mundo morando perto de ti para te observar.
Qualquer pequena graça que tiveres, vê que ela seja sã e verdadeira.
Marcas de um cristão
Tu podes estabelecer uma diferença entre ti e os réprobos, se tiveres estas marcas:
Se prezares Cristo e Sua verdade de tal forma que sejas capaz de vender tudo para comprá-Lo, e de sofrer por isso.
Se o amor por Cristo, mais do que a lei ou o medo do inferno, te mantiver afastado do pecado.
Se tu te humilhares e negares tua própria vontade, tua sagacidade, teu bom nome, teu conforto, tua honra, o mundo e a vaidade e a glória dele.
Tua profissão de fé não deve ser estéril ou vazia de boas obras.
Em todas as coisas tu deves ter como alvo honrar a Deus. Tu deves comer, beber, dormir, comprar, vender, sentar, levantar, orar, ler e ouvir a Palavra com o propósito de coração de honrar a Deus.
Tu deves mostrar-te como inimigo do pecado, e reprovar as obras das trevas, como embebedar-se, xingar, mentir, embora teus companheiros te odeiem por agir assim.
Mantém em tua mente a verdade de Deus que me ouviste ensinar, e não te envolvas com a corrupção e as novas modas que entram na casa de Deus.
Tem consciência de teu chamamento quando fizeres pactos, ao comprares e ao venderes.
Acostuma-te com a oração diária; entrega todos os teus caminhos e tuas ações a Deus em oração, súplicas e gratidão. E não te importes de seres zombado, pois Cristo Jesus foi zombado antes de ti. Persuade a ti mesmo de que esse é o caminho da paz e consolo pelo qual eu agora sofro. Eu ouso ir para a morte e para a eternidade com esse caminho, embora os homens possivelmente pensem que há outro. Lembra-te de mim em tuas orações, e do estado desta igreja oprimida. Que a graça esteja contigo.
[1] John Clark, provavelmente um paroquiano de Anwoth.
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Desejo muito ter notícias tuas, estando agora afastado de meu rebanho e sendo o prisioneiro de Cristo em Aberdeen. Eu não te faria pensar que é estranho que tua viagem à Nova Inglaterra tenha sido tal tropeço. Ela, de fato, fez meu coração pesado; porém eu sei que a Providência não é muda, mas fala, e pela qual nosso Senhor fala de Sua mente à tua, embora, para o presente, tu não compreendas bem o que Ele diz.
Seja como for, Aquele que se assenta sobre o dilúvio [Sl 29.10] te mostrou a Sua maravilhosa bondade em grandes profundidades. Eu sei que tuas perdas foram grandes, e tua esperança muito se afastou de ti. Mas eu te suplico, senhor: compreende corretamente todos os obstáculos que nosso Senhor está colocando no caminho. Eu me convenço de que teu coração anseia pelos passos do rebanho para comeres ao lado da tenda do pastor, e habitar ao lado Daquele a quem tua alma ama; e que é teu desejo permanecer no deserto onde a Mulher está protegida do Dragão (Ap 12.14). E, sendo esse o teu desejo, lembra-te de que um pobre prisioneiro de Cristo te disse que essa viagem sem sucesso está prenhe com misericórdia e consolação, e trará um belo nascimento assistido pelo Senhor. Espera nisso: “Aquele que crer, não se apresse” (Is 28.16).
Espero que estejas perguntando o que o Senhor quer dizer, e qual seria a Sua vontade com respeito à tua volta.
Meu querido irmão, deixa Deus fazer contigo o que Ele quiser; Ele terminará tudo em consolação, e transformará em glória os teus sofrimentos; e irias tu querer obra melhor?
Essa água estava em teu caminho para o céu, e estava escrito no livro de teu Senhor: era-te necessário atravessá-la e, portanto, beijar a Sua sábia e inerrante Providência. Não deixes que as censuras dos homens, que só vêem o exterior das coisas, e o vêem mui imperfeitamente, abatam tua coragem e tua alegria no Senhor. Apesar de tua fé ver apenas o lado escuro da Providência, ela tem um lado melhor, e Deus te levará a vê-lo.
Aprende a crer que Cristo é melhor que os golpes que Ele desfere, que Ele mesmo e Suas promessas são melhores que as tristezas que provê. Reveses e decepções não são Escritos canônicos. A luta pela Terra Prometida parecia gritar para a promessa de Deus: “Tu mentiste!” Se nosso Senhor cavalgar sobre a palha, Seu cavalo não tropeçará nem cairá. “Porque sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28). Portanto, naufrágios, perdas, etc. contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus. Assim, eu deduzo que as perdas, as decepções, as más línguas, a perda de amigos, casas ou do país estão a serviço de Deus, trabalhando para produzir em ti o bem de tudo o que acontece contigo. Não deixe que o agir do Senhor te pareça severo, brutal, ou não próprio de um pai, só porque é desagradável. Quando a bendita vontade do Senhor soprar contra os teus desejos, o melhor é, em humildade, içar as velas em direção a Ele, e estar pronto a ser conduzido por qualquer caminho que ao Senhor aprouver. É uma questão de negar-te a ti mesmo, ser como se não tivesses uma vontade, mas que a tivesses livremente entregue à disposição de Deus. E, usar a Sua vontade para ti mesmo é ao mesmo tempo santidade verdadeira, teu descanso e paz. Tu não sabes o que o Senhor obterá de tudo isso, mas tu o saberás em breve.
E o que escrevo a ti, escrevo a tua esposa. Sofro com o caso dela, mas lhe suplico que não tema nem desfaleça. Essa viagem é parte do seu deserto para o céu e para a Terra Prometida, e há poucas milhas agora a serem percorridas. Está mais próxima a aurora do dia para ela, do que quando ela saiu da Escócia. Vou me alegrar em saber que tu e ela tendes consolo e coragem no Senhor.
A bênção das provações
Agora, quanto a mim: eu fiquei ali por três dias perante a Alta Corte, acusado de traição contra o nosso Rei. (Um ministro que foi testemunha chegou bem perto de jurar isso.) Deus me salvou de sua maldade.
Primeiramente, eles me privaram de meu ministério; em segundo lugar, eles me silenciaram para que eu não tomasse parte em nenhuma função ministerial dentro deste reino, sob pena de rebelião; em terceiro lugar, confinaram minha pessoa dentro da cidade de Aberdeen, onde encontro ministros trabalhando por meu confinamento em Caithness ou em Orkney, longe deles, porque há algumas pessoas aqui (querendo ser edificadas) que recorrem a mim.
Em minha primeira entrada, eu tive pesados desafios dentro de mim, e uma corte me cercou (mas, espero, não em nome de Cristo) na qual foi afirmado que meu Senhor não queria mais meu serviço e que estava cansado de mim. E, como um tolo, eu acusei Cristo também de crueldade. Minha alma desfaleceu, e eu recusei o consolo, e disse: “Em que Cristo se afligiu por mim? Pois eu desejei ser fiel em Sua casa.” Assim, em meus devaneios e erros, meu Senhor Jesus derramou misericórdia sobre mim, que sou menos que o menor de todos os santos. Eu me deitei no pó e comprei uma acusação de Satanás contra Cristo, e ele ficou feliz em ma vender. Mas depois Cristo se mostrou amigo a mim, e em misericórdia me perdoou, e esqueceu minha parte nisso, apenas reclamando que esse julgamento deveria ser em Seu território e com Sua permissão. Agora passo de meu comparecimento ao tribunal; e, como se Cristo tivesse cometido os erros, Ele próprio os reparou e retornou à minha alma. E é assim que agora Seu pobre prisioneiro se nutre nas festas de amor.
Meus adversários não sabem que cortesão eu sou agora com meu Nobre Rei por cuja coroa eu sofro. É apenas nossa carne fraca e preguiçosa que traça um relato distorcido da cruz de Cristo.
Oh, como é doce, doce o Seu jugo. As cadeias de Cristo são de ouro puro; os sofrimentos por Ele são perfumados. Eu não trocaria o meu choro pelas risadas de todos os catorze bispos. Eu não trocaria minha tristeza pela alegria do mundo. Oh, amável, amável Jesus; quão doces devem ser Teus beijos, uma vez que Tua cruz tem aroma tão doce! Oh, se todos os três reinos participassem da minha festa de amor e do consolo de um prisioneiro privilegiado!
Caro irmão, eu te encarrego de louvar por mim, e de buscar ajuda de nosso conhecido lá para me ajudar a louvar. Por que eu deveria sufocar a honestidade de Cristo para comigo? Meu coração está empenhado em que meu silêncio e meus sofrimentos preguem. Eu te rogo, pelas entranhas de Cristo, que me ajudes a louvar. Lembra-te do meu amor por tua esposa, pelo sr. Blair, pelo sr. Livingstone e pelo sr. Cunningham. Dá-me notícias, pois estou ansioso pelo que fazer. Se eu visse um chamamento para a Nova Inglaterra, eu o seguiria. Que a graça esteja contigo.
[1] John Stuart, prefeito [ou preboste] de Ayr, Escócia. “Um cristão piedoso e zeloso de muito tempo, desde os seus tenros anos.” Ele usou seus bens deste mundo para aliviar os oprimidos. Ele estava entre aqueles que inutilmente se esforçaram em imigrar para a Nova Inglaterra.
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Apesar de não lê-lo nesse momento, usaremos o livro de Josué como referência à medida que prosseguirmos.
O final do caminho
É necessário vislumbrar o objetivo final logo no início da jornada, antes mesmo de considerar o caminho para chegar até lá. Iniciamos por observar que Deus começou com os céus e, então, prosseguiu para a Terra, e que no final da Bíblia aquilo que desce do céu indica a consumação de todo o processo de Suas atividades através dos tempos. Desse modo, no fim teremos uma expressão completa e plena daquilo que é celestial. Esse é o fim. Dissemos inicialmente que os céus governam tudo. Como ocorre na natureza, também acontece nas coisas do Espírito. Tudo é governado pelos céus, e a Terra e tudo o que é terrenal deve considerar aquilo que é celestial e a isso responder.
Entenda isso como uma verdade espiritual. Aquilo que é verdadeiro na esfera da criação natural é simplesmente uma expressão da mente espiritual de Deus. E isso significa que, assim como este mundo, esta Terra, é governado e controlado por forças celestiais e corpos celestes, de tal modo que, se ele escapasse do correto ajuste ou relacionamento com esses corpos, se desintegraria, congelaria, queimaria, deixaria de funcionar como um todo orgânico. O mesmo ocorre na esfera espiritual. A Bíblia toda indica este fato: que tudo o que temos aqui se relaciona com o que está no céu, e que tudo tem origem no céu, devendo responder e se ajustar a ele. Eu me refiro a tudo em nossa vida, pois o Espírito Santo, tendo descido do céu, é o elo entre o que está aqui e o que está lá.
Essas não são apenas idéias abstratas, mas são os fatores que estão por trás de tudo o que temos da revelação Divina nas Escrituras. Toda a Bíblia, do primeiro ao último versículo, pode ser resumida nisto: que o céu está desafiando esta Terra, e esta Terra deve responder ao céu. Isso abrange inúmeros detalhes, mas é um fato: o fim de todas as coisas resultará simplesmente na plena concretização do céu na criação e, especialmente de forma espiritual, no povo de Deus. Essa é a visão inicial do objetivo final.
Mas devemos notar outra verdade governante em relação a esse fim. Vou primeiramente abrir um parêntese para dizer uma coisa. Algumas dessas frases nos são muito familiares, e sempre temo que a familiaridade com a fraseologia possa tirar-nos um pouco do foco. Vamos pausar para compreender a força da expressão “verdade governante”. Quando estamos debaixo do governo de uma lei, não poderemos escapar dela. Temos as leis da natureza em nosso corpo, neste mundo. Elas estão aqui, e, se as desrespeitarmos, isso não as tira de operação. Descobriremos, no longo prazo, que elas nos destruirão, elas nos alcançarão. Mas, se entrarmos em consonância com elas, então, essas leis serão nossa salvação, nossa vida. Elas estão “governando”, quer isso nos agrade ou não. Assim, “tudo o que o homem semear, isso também ceifará” (Gl 6.7). Essa é uma lei, e dela não escaparemos. Existem inúmeras leis assim. Portanto, quando falamos de uma lei ou verdade “governante”, referimo-nos a algo que devemos conhecer e a que temos de obedecer, pois foi estabelecido por Deus em Seu universo.
Deus escolhe soberanamente Seus vasos
Vamos, então, seguir para a próxima verdade governante relacionada ao objetivo final de Deus: que Ele escolhe vasos, tanto individuais como coletivos, ou corporativos, conduzindo-os soberanamente, de maneira peculiar, a uma relação com Seu objetivo pleno, e faz isso realizando neles aquilo que deseja obter em um grupo muito maior. O Senhor soberanamente escolhe vasos – sejam indivíduos ou grupos de pessoas, conforme é amplamente indicado na Bíblia – e, então, Ele começa a trabalhar com esses vasos a fim de fazer algo extraordinário, de maneira muito completa, para que alcance muitos outros por meio desse processo que faz nos vasos que elegeu. Esta é uma verdade governante: Ele faz algo em um vaso eleito, que está destinado a uma abrangência bem maior.
Valores representativos
Vamos então fazer uma pausa, porque sempre precisamos ajustar nossa inclinação mental. Pode ser que muitos, ao ler essas linhas, digam: “Bem, não consigo me ver como um vaso eleito, dessa maneira específica”. Nós pensamos naqueles homens a quem nos referimos como os pioneiros deste caminho celestial: Abraão, Moisés e outros. Então, afirmamos: “Não sou um Moisés ou um Abraão; não vejo como me encaixar nessa categoria”.
Bem, embora possa haver entre nós indivíduos escolhidos por Deus para algo dessa natureza extraordinária, existe outro lado: podemos ser parte de um vaso coletivo ou corporativo. Poderia até ir mais longe, afirmando que provavelmente somos. Então, se o Senhor o tomou e implantou em você esse senso de destino, essa convicção de ter sido chamado para algo maior do que apenas “ser cristão”, esse forte senso de vocação, se isso estiver em você, pode se considerar relacionado a um propósito maior. Se isso for verdade, não considere suas experiências e seu relacionamento com Deus individualmente, de forma pessoal, como se você fosse muito especial.
Deixe-me explicar isso de outra forma. Você pode estar passando por situações que se relacionam a algo que Deus está fazendo em um vaso coletivo sem perceber como o significado do que está passando tem relação com sua vida individual e pessoal. “Por que estou passando por isso?” Bem, a resposta é: porque você é parte de um todo. Freqüentemente, sentimos que uma grande pressão é colocada sobre nós como indivíduos. Quando começamos a comparar nossas anotações sobre isso, descobrimos que outras pessoas espiritualmente relacionadas a nós estão passando pela mesma experiência. Esta é a grande lei do Corpo: “Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele” (1Co 12.26). Mas, o que isso quer dizer?
Veja, trata-se de algo coletivo, corporativo; e, embora não possamos acompanhar tudo para ver como as coisas estão se desenrolando, Deus está fazendo algo de uma maneira relacionada, e nós fazemos parte dela. Estamos sofrendo o impacto de algo muito maior. Esse relacionamento espiritual nos envolve nesse propósito maior de Deus, que se relaciona aos lugares celestiais, é muito maior do que esta Terra. É isso que nos faz um. Nossa unidade não se deriva de uma associação com alguma coisa, de ter nosso nome em um rol de membros ou de sermos reconhecidos publicamente como membros de determinado grupo. Não é isso. Podemos estar a centenas ou a milhares de quilômetros de distância, afastados, e ainda assim sentir as repercussões, porque estamos ligados a essa coisa celestial que Deus está fazendo. Isso porque, quando estamos na esfera celestial, todas as coisas terrenas saem de cena: geografia, distâncias e tempo se vão. Essas coisas não são lá de cima.
Se ao menos pudéssemos receber a concepção celestial da Igreja! Oh, quão tolas são nossas concepções terrenas da Igreja! Quando tratamos daquilo que chamamos Igreja, devemos sair desta Terra e de tudo o que aqui está. Perceberemos que tudo se resume apenas a uma unidade no céu. Tudo isso que temos aqui não tem correspondência lá. Esse é o ponto onde paramos quando falamos sobre a passagem do Jordão no último capítulo. No Jordão, algo foi deixado para trás. O povo se mudou da base terrena para a base celestial. Falaremos mais disso a seguir. Essa deve ser uma realidade espiritual, uma consciência na qual entramos.
Embora não possamos explicar e entender por que podemos estar passando por um momento tão ruim, a explicação celestial é que estamos envolvidos em algo relacionado ao propósito maior de Deus, e estamos sofrendo, ou passando por essa experiência de uma maneira relacionada.
Isso é muito maravilhoso, pois de vez em quando encontramos outras pessoas com quem desfrutamos de comunhão espiritual e descobrimos que elas têm passado exatamente pela mesma experiência. O Senhor tem falado a elas e feito algo com elas, que não é comum ou usual, mas é algo muito especial.
Valores intrínsecos
Como mencionamos anteriormente, tudo isso está relacionado com o fato de que Deus escolhe vasos individuais ou coletivos e faz neles algo destinado a um grupo muito maior. Esses vasos, sejam eles individuais ou coletivos, são representativos de algo que Deus busca em maior e mais ampla escala, em uma esfera mais ampla. Tudo tem início neles. Acho que é isso que Paulo tinha em mente quando disse: “Para que em mim, que sou o principal [o primeiro] […] para exemplo” (1Tm 1.16). Acredito que Paulo quis dizer que aquilo que Deus faria por meio dele seria algo representativo. Tudo aquilo que o Senhor faria por meio dele em esferas mais amplas, nas igrejas, nas províncias e nas nações, seria representativo, simbólico. Deus iria operar em uma escala mais ampla por meio desse homem realizando algo nele, não apenas concedendo a ele palavras para compartilhar.
É aí que costumamos nos perder. Deus começa fazendo algo. Ele traz à existência, em um vaso, uma representação viva de Seu pensamento mais pleno, usando para isso meios peculiares, incomuns e extraordinários. Veremos poucas experiências comuns da vida desse vaso; pelo contrário, suas experiências terão um caráter extraordinário, incomum. Esses vasos representativos, individuais ou coletivos, são escolhidos para que neles sejam estabelecidos valores intrínsecos e essenciais, destinados a uma esfera e a um reino mais amplos. Tudo deve ser passível de expansão, de disseminação, de amplo alargamento e extensão.
Em química, chamamos isso de “tintura-mãe”, uma substância que pode ser ampliada e distribuída; é uma essência pura e concentrada. Mas produzir esses valores intrínsecos e concentrados em qualquer vaso é um trabalho extraordinário. Não haverá nada de comum nesse processo. Alguns de vocês entenderão isso a partir da própria experiência. Os tratos de Deus com vocês não são nada comuns. Às vezes acreditamos que essa concentração é forte demais em nossa experiência! Nós nos questionamos se conseguiremos passar por esse trato específico do Senhor conosco.
Estou tentando permanecer bem próximo da Bíblia. Não pense que estou falando de algo que não está contido ali. Faço referência ao pano de fundo daquilo que está revelado na Palavra de Deus. Esta foi a experiência de Abraão: uma experiência incomum, uma forte concentração de Deus sobre esse homem. Pense na numerosa multidão que derivou seus valores de Abraão. Mas ele chegou ao limite mais de uma vez, chegando a um ponto onde não poderia mais suportar. E nessas horas Deus precisou intervir para levá-lo adiante. O valor intrínseco celestial é a prova mais difícil que alguém pode atravessar.
Em nossa natureza, somos totalmente terrenos, em todos os sentidos. Temos necessidade de ver as coisas – isso é terrenal. Temos necessidade de sentir coisas – isso é terrenal. Desejamos todas as evidências – precisamos de tantas coisas terrenas. Mas Deus nos tira dessa Terra, arrebata-nos daqui – refiro-me a um aspecto espiritual – e nos suspende, por assim dizer, em pleno ar. Esse é um tipo de existência muito precário, extremamente penoso. Não sabemos onde estamos, não temos as explicações, não conseguimos firmar solidamente os pés no chão nem sentir que temos certeza de coisa alguma. Deus está desestabilizando todas as nossas faculdades de análise e interpretação, e tornando absolutamente necessário possuir outro tipo de sabedoria e entendimento que não pertencem, de modo algum, a essa Terra ou ao mundo ou ao homem natural. Trata-se de algo celestial. Essa foi a experiência desses pioneiros do caminho celestial. Ouça-os clamando de sua natureza terrena, às vezes até murmurando com o Senhor. Ouça Jeremias, veja tudo aquilo estava além da sua compreensão. Deus buscava valores intrínsecos intensivos ali.
Ministério espontâneo
Prosseguindo um pouco mais, temos o ministério espontâneo. Grifo a palavra espontâneo, pois não me refiro a um ministério organizado. Quando o ministério é dessa natureza, só precisaremos ser, e tudo acontecerá. Vocês me entendem? As coisas acontecem naturalmente, se formos espontâneos. Assim como não podemos apagar o Sol, não poderemos silenciar esse ministério.
Era isso que o Senhor Jesus buscava no início de Seu ministério. Em primeiro lugar, Ele tomou um grupo de homens, de indivíduos, e os conduziu a um processo. Nem tudo ocorreu de forma tão simples como lemos na história. Podemos ler nos Evangelhos os registros do período que cobre a história de três anos de companheirismo do Senhor com aqueles discípulos, e também podemos ler a respeito daqueles últimos dias do Senhor na Terra e, então, da Sua Cruz. Bem, só essa história já é extraordinária, mas não temos o registro de tudo o que se passou no interior daqueles homens, pois não seria possível registrar isso. Ao longo daqueles três anos, atrevo-me a dizer que eles foram repetidamente conduzidos ao fim dos próprios recursos: não sabiam onde estavam, para onde iam e o que tudo aquilo representava. Eles freqüentemente tentavam compreender as coisas a partir de seus próprios conceitos, de sua mentalidade, interpretando os fatos à luz da profecia, e assim por diante. Tentavam decifrar as coisas e adaptá-las a seu manual de instruções. Entretanto, o Senhor continuamente os desafiava; era para eles um contínuo enigma, um Homem impossível de perscrutar. O Senhor nunca fez coisas de acordo com o manual, nem mesmo de acordo com Moisés. Ele transtornou todas aquelas coisas. O que o Senhor estava fazendo? O que Ele queria dizer com tudo aquilo?
E, então, temos a Cruz. Não podemos compreender plenamente por meio da leitura a profundidade da angústia e da perplexidade da alma deles naqueles dias. Só poderemos compreender essas coisas por meio de nossa própria experiência, quando o Senhor começar a fazer coisas como essas conosco: tirando-nos de nossa zona de conforto e contradizendo todas as nossas expectativas, parecendo tomar o sentido extremamente oposto do que esperávamos ter o direito de esperar Dele. Ele não faz as coisas dentro de nossas expectativas. Às vezes, nós nos sentimos acuados e sem saída nesses tratos do Senhor conosco. O Senhor tomou aqueles homens para Si e os conduziu a tudo isso por meio de uma experiência muito profunda.
E, por meio daqueles homens, o Senhor obteve igrejas, obteve grupos de crentes, e a coisa toda começou. Existe um tipo peculiar de disciplina e treinamento relacionado à vida corporativa, quando deixamos de ser tratados individualmente, mesmo como cristão, e passamos a viver uma vida conjunta, entrando em um relacionamento com outros crentes e vivendo uma vida corporativa, uma vida celestial na Terra. O Novo Testamento nos mostra que isso não é nada fácil. Podemos pensar, olhando objetivamente, que é adorável ser parte de uma assembléia, mas nem sempre é. Esse grupo aqui pode estar passando por tal coisa. Algo está acontecendo, existe um agir de Deus ali que às vezes é tão profundo e terrível que é impossível de compreender o que Ele quer com aquilo; ainda assim todos o percebemos.
Esse caminho é profundo, cheio de sofrimento, e juntos passamos por essas dores de parto, como assembléia. Assim nasceram aquelas igrejas, e elas passaram por tudo isso. Eles também receberam instrução, mas, independente de tudo que receberam na forma de instrução e ensino, havia sempre a paralela e correspondente disciplina do Espírito Santo. O Espírito Santo sustentava Sua mão sobre elas e tratava com elas de forma drástica. Coisas estavam acontecendo.
Você pode me pedir um exemplo. Observe todos os acontecimentos em Corinto. O que Paulo disse aos cristãos ali? “Por causa disto há entre vós muitos fracos e doentes, e muitos que dormem [que morreram]” (1Co 11.30). Vemos ali uma história espiritual secreta. O Espírito Santo assumira o controle da situação. Provavelmente eles viam as coisas pela ótica natural. “Alguém está doente, chamem o médico.” Mas, espere: será que existe algum fator espiritual atrelado a isso? Será que isso não tem alguma relação com o Espírito Santo? Paulo diz: “Sim!” Isso não significa que todo mundo que está doente tenha alguma falta no sentido espiritual, mas o princípio está aí. A Igreja está sendo tratada pelo Espírito Santo em relação ao propósito pleno de Deus.
O ponto é muito claro. Deus toma primeiro os indivíduos e depois as assembléias, e Ele estabelece esse ministério espontâneo fazendo algo nas pessoas, não somente concedendo a elas uma mensagem ou uma verdade. Tudo apenas acontece, e isso é tudo. As coisas acontecem de forma inexplicável, e tudo que poderemos dizer é que o Espírito Santo tomou aquilo e está o usando. Ele mesmo se encarrega da expansão daquilo que fez, Ele amplifica o alcance. Tudo apenas acontece. Paulo disse a respeito da igreja em Tessalônica: “Por vós soou a palavra do Senhor, não somente na Macedônia e na Acaia, mas também em todos os lugares” (1Ts 1.8). Será que isso significa necessariamente que eles enviaram evangelistas? Eles podem ter feito isso, mas não é isso que o texto diz. Observe o contexto. Paulo está dizendo: “Em todo lugar as outras igrejas falam sobre vocês; eu nem preciso fazer isso – todos conhecem vocês.” Esse é o ministério espontâneo que brota de algo que Deus fez. Deus toma as coisas em Sua mãos para obter esses valores intrínsecos, e Ele não irá desperdiçá-los.
Assim, o propósito almejado por Deus governa todos os Seus tratos com Seus instrumentos. A plenitude celestial é Seu propósito final e motiva todos os Seus tratos com os vasos que Ele escolheu em relação àquele fim. Ele os está conduzindo à plenitude celestial.
Devemos perceber que nada que Deus faz é um fim em si mesmo. A conversão não é um fim em si mesma. É trágico considerá-la assim e se acomodar e se satisfazer só com ela. Contente-se com a conversão apenas e em breve verá o que lhe acontecerá. O que resultará disso? Todo o senso de propósito será apagado, toda a vitalidade da conversão diminuirá ao ponto de haver apenas um monte de pessoas convertidas. Elas são convertidas; elas creram no Senhor Jesus, mas não passam disso. Provavelmente, o nosso maior problema hoje seja esse monte de pessoas apenas convertidas sobre a Terra. Elas estagnaram; sua conversão se tornou um fim em si mesma.
A vida de assembléia não é um fim em si mesma. Reúna um grupo dentre o povo do Senhor em uma expressão corporativa, permita que as pessoas estabeleçam seus limites, que se tornem eminentes aos próprios olhos, desfrutem de bons momentos em conjunto, e logo verá a mesma coisa acontecer. Isso também ocorre com a chamada obra do Senhor: se ela se tornar um fim em si mesma – ou seja, se ela se tornar alguma coisa –, novamente teremos uma tragédia. Nós passamos a assumir, de alguma forma, a obra do Senhor, seja a assim chamada obra missionária, ou qualquer outra obra específica, e então aquela coisa particular começa a ser limitada, até aquela esfera ser firmemente limitada ou trazida ao fim. Logo será necessário começar tudo de novo, pois tudo foi perdido. A obra se tornou algo em si mesma.
Vamos relembrar: se o Senhor fez algo com essa essência concentrada do celestial em você, em mim ou em um grupo de pessoas, isso não será um fim em si mesmo. A esfera e a forma podem mudar, mas aquilo permanecerá. Deus tem o que Ele quer e encontrará um caminho para obtê-lo, se aquilo for de fato celestial. Nós só cortamos nossa própria utilidade e nosso ministério quando os trazemos para a Terra. Este é um ditado verdadeiro: faça disso o seu ministério, o meu ministério, e ele será limitado à Terra, não mais se moverá, não cumprirá o propósito designado por Deus.
Oh, essa tentativa de tomar posse das coisas na esfera de Deus e torná-las particularmente nossas! Digo que se você tem um mandato de Deus, se foi ungido pelo céu, se tem um ministério dado por Ele, então, não precisará sustentá-lo como algo propriamente seu ou empenhar-se por sua realização como isso partisse de você. Esse ministério se cumprirá, e nem a Terra nem o inferno poderão detê-lo. O céu cuidará dele. Mas isso precisa ser mantido em relação ao céu. A unção e tudo o que ela envolve vêm do céu e deve ser sustentado a partir do céu, e o próprio céu vai sustentar tudo. Coloque Paulo na prisão, e ainda assim seu ministério será cumprido. Ele está relacionado ao céu. “O céu reina” (Dn 4.26). Mas, se trouxemos esse ministério para qualquer lugar na Terra, então o céu não irá patrociná-lo. Temos muitos exemplos disso na história.
Percebendo que o objetivo de Deus é plenitude espiritual e celestial, e que ela ocorre por meio de um alargamento progressivo, devemos ter profundo interesse em saber qual é esse caminho. Devemos ter real interesse em conhecer esse caminho do céu, o que é o caminho do céu para chegar ao propósito final de Deus. “Tudo o que dantes foi escrito, para o nosso ensino foi escrito” (Rm 15.4). O livro de Josué é parte dessas coisas que dantes foram escritas para nosso ensino, e nele recebemos muita luz sobre esse assunto do caminho celestial, que é tão contrário ao caminho terreno. Não sei o que você espera que aconteça ou espera experimentar quando falamos que o objetivo de Deus é a plenitude espiritual e que é algo em que Deus está operando. O que você espera que aconteça? Acredito que a primeira parte deste livro traz luz a esse respeito.
O espírito de servo
Olhemos para Josué. Lembre-se de que Josué representa o propósito de Deus para todos os Seus santos e todos os Seus servos, e que aquilo que Deus fez em Josué é o que Ele fará com todos aqueles a quem vai ministrar. O que Deus fez com Josué relacionava-se a um grupo maior. Bem, como isso teve início? O livro começa assim: “E sucedeu, depois da morte de Moisés, servo do Senhor, que o Senhor falou a Josué, filho de Num, servo de Moisés” [Js 1.1] – a palavra “servo” significa “assistente”. Pensando em tudo que está diante de nós nesse livro, talvez pensemos que ele deveria ter um início melhor. Moisés, o servo do Senhor, e Josué apenas seu assistente? Ele não é apresentado com um título oficial, como “o servo do Senhor”, mas apenas como um assistente. Vamos seguir essa palavra e ver onde ela nos conduzirá. A mesma palavra é usada com referência a João Marcos: “E tinham também a João como seu cooperador” (At 13.5). O que é um assistente, um cooperador? Bem, um ponto importante a respeito de um assistente, com certeza, é que ele conhece aquele tipo de sujeição que torna possível fazer o que lhe é exigido. Aqui temos o início daquele poderoso Josué que haveremos de ver mais à frente.
Conhecemos a grande importância de Eliseu. Que lugar notável Eliseu veio a ocupar, recebendo uma porção dobrada do espírito de Elias e realizando obras ainda maiores do ele fez! Você se lembra do que foi dito sobre Eliseu. “Eliseu […] derramava água sobre as mãos de Elias” (2Rs 3.11). Ele era seu assistente. Foi aí que Eliseu começou.
No capítulo 10 de Josué, quando ele ordena ao Sol: “Sol, detém-te”, está escrito: “E não houve dia semelhante a este, nem antes nem depois dele, ouvindo o Senhor assim a voz de um homem” [vv. 12,14]. Este homem estava tocando nas coisas celestiais. Isso é impressionante. Onde isso começou? Como assistente de Moisés! Ele aprendeu a sujeição: fazer o que lhe era dito, realizar coisas triviais, ser obediente e assumir uma posição humilde. E não pense que isso foi fácil para Josué. Ele tinha uma alma, assim como qualquer um de nós. Houve uma ocasião em que outros profetizavam no acampamento, e Josué é quem foi a Moisés e disse: “Moisés, meu senhor, proíbe-o”. E Moisés replicou: “Tens tu ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta” (Nm 11.26-30). Josué tinha uma alma, suas próprias idéias. Naquela ocasião, ele era um jovem. Mas, aqui, finalmente, ele inicia a grande obra de sua vida, e está prestes a emergir no verdadeiro propósito do chamado soberano de Deus, e a narrativa começa assim: “Moisés, servo do Senhor […] Josué, filho Num, servo de Moisés”. Esse não seria um princípio? Temos algo aqui. Devemos sempre nos lembrar que foi o Espírito Santo quem escreveu a Bíblia – e o Espírito Santo é constante com os princípios espirituais. Não importa qual a forma deles; não importa quando, onde ou como: o princípio permanece exatamente o mesmo.
Os levitas começavam seu ministério aos 25 anos, mas não lhes era autorizado assumir plena responsabilidade até os trinta anos. Eles permaneciam debaixo da coordenação de levitas experimentados por cinco anos. Esse princípio do Assistente é sustentado ao longo das Escrituras. Sempre existe um período ou uma fase probatória antes da plena aprovação. A plenitude será suspensa até que o propósito específico de aprendizagem naquele período como Assistente seja alcançado. Ali será inculcada a habilidade de obedecer, receber ordens, permanecer em sujeição, servir. Não devemos presumir que somos alguma coisa. Aquilo que viremos a ser deve fluir naturalmente daquilo que pouco a pouco nos tornamos. Não devemos esperar que ocorra uma imediata e inevitável demonstração grandiosa do poder e da plenitude de Deus logo que Ele nos chamar para servi-Lo. Josué foi o Assistente de Moisés por muito tempo antes de ser tornado em seu sucessor, e bem antes que a manifestação do espírito de Moisés fosse percebida nele.
Deus cava fundo; Ele não tem prazer na superficialidade, e a medida de nossa utilidade em relação a Seu propósito pleno será equivalente à medida de nossa disciplina, por meio de provas. Nunca seremos líderes espirituais enquanto não tivermos aprendido a mansidão, como Assistentes fiéis.
Devemos nos lembrar, então, que sucessão nas coisas celestiais não se trata de algo oficial. Nunca acontecerá por meio de seleção humana, e nunca será presumida por causa das pessoas envolvidas. Não podemos assumir que somos os sucessores daquilo que Deus tem feito. Não podemos presumir que temos um lugar ali, e certamente ninguém poderá nos estabelecer nisso. Se essa for uma sucessão celestial, será soberana e espiritual. Nunca saberemos como a soberania Divina vai agir, mas podemos estar bem cientes de que o propósito Divino vai agir ao contrário de nossas expectativas e idéias.
Graça soberana
O próximo movimento foi enviar espias. Josué os enviou. Qual foi o resultado? “Toda a terra está adiante: Eu a dei a vocês.” “Hoje começarei a engrandecer-te perante os olhos de todo o Israel” [Js 3.7]. Temos uma imensa plenitude à vista. Bem, então, certamente veremos muita dignidade ao longo de todo o processo? Não. Raabe, uma prostituta, é a chave de toda a situação. Uma mulher sem uma boa reputação, ou de má fama, sem posição social alguma no conceito do mundo: tudo está ligado a isso. Isso reflete a soberania e a graça: não entraremos na terra da plenitude celestial sem essas duas coisas. Até mesmo o promissor Josué descobre que tudo depende de uma mulher de má fama.
Deus tem estranhas maneiras de nos humilhar. Quantas vezes buscamos algo maravilhoso, grandioso, glorioso, nobre e renomado em relação às grandes coisas de Deus. Então, Ele nos reduz nos levando a aceitar algo sem nenhum qualquer reconhecimento, sem aceitação alguma, exatamente aquilo que vai barrar nossa expectativa de receber louvor e admiração, se for isso que estamos buscando.
Se estivermos desejando ser introduzidos numa esfera de influência e utilidade, bem, não será dessa forma. Não haverá a possibilidade de chegar a lugar nenhum nesse mundo tomando esse caminho. Veja a influência que aquela mulher tinha em Jericó. Será que sua palavra teria algum peso ali? De jeito nenhum. Não houve envolvimento de altos escalões. Se isso não for algo dado pelo céu, não temos mais nada a nosso favor, não recebemos nenhuma ajuda externa. Não, não temos nenhuma outra base, nenhum caminho, nenhum outro ponto de apoio, que não seja do céu. Não podemos contar com pessoas influentes na corte nessa questão. Tudo deve vir do céu: será fruto da soberania ou nada teremos.
E tudo é fruto da graça, pois Raabe está na genealogia de Jesus Cristo. Maravilhoso! Quando chegamos à genealogia do Novo Testamento: Raabe! Oh, graça! O que poderia recomendar Raabe? O que poderia colocá-la no registro inspirado, nas Sagradas Escrituras, na linhagem de Jesus Cristo? Nada além de graça, e isso vem do céu. É assim que tudo funciona. Se algo deve ter valor real, será derivado da graça soberana, e nada mais; não haverá lugar para recebermos elogios. Estamos fora da corte, não temos nada que sustente nossa reivindicação, nada natural que possa nos apoiar. Estamos bem no nível de Raabe. Imagine o grande Josué aceitando isso. Mas esse é um princípio constante ao longo da Palavra de Deus. Se ao menos pudesse mostrar-lhes como ele se repete. Vocês diriam: “Ora, Deus parece sair de Seu caminho em detrimento de Seus próprios interesses, arriscando prejudicar o sucesso de Seus propósitos, tornando-os realmente difíceis de alcançar. Ele poderia ao menos ter escolhido uma pessoa respeitável, ainda que não fosse importante ou proeminente.” Mas Ele toma uma pessoa de má reputação, e faz de tudo para manter essa situação fiel a Seus princípios. Se não for fruto do céu, será menos que nada. Aquela mulher é a chave de Jericó, e Jericó é a chave da terra. Esse é o tipo de chave que o Senhor usa.
O homem natural banido
Quando chegamos ao fim da travessia do Jordão, Josué ordena que seja escolhido um homem representante de cada tribo de Israel, e que esses homens tomem doze pedras, colocando-as no leito do Jordão e deixando-as ali. Todo Israel, cada homem em Israel foi deixado no leito do Jordão. Assim é o homem aos olhos de Deus: uma pedra deixada no fundo do Jordão, deixada para trás. Aquilo que atravessa o Jordão e sai do outro lado é um testemunho de que algo foi deixado para trás, porque logo a seguir temos Gilgal. Algo havia sido deixado para trás. Não poderemos trazer isso para a terra, deve ser deixado no Jordão, não tem suporte aqui no céu. Este homem natural, esse conceito coríntio do homem, ficará ali, no fundo do Jordão, Deus deixou lá. As águas o cobriram e voltaram a correr, e ele está lá no fundo, enterrado para sempre. “E ali estão até ao dia de hoje” (Js 4.9). Esse é o caminho do alargamento.
Mas Deus precisa nos mostrar isso, e me parece que Gilgal foi a aplicação prática do princípio implícito naquelas pedras que ficaram no leito do rio. Aquelas pedras representavam a união do povo de Deus com Cristo em Sua morte e em Seu sepultamento – o homem natural que estava em evidência no deserto estava sendo tirado de vista. Gilgal toma essa verdade e a aplica perpetuamente. Colossenses 2.11,12 confirma isso. Precisaremos experimentar isso em nossa alma – em nossa carne –: a obra cortante da Cruz, a morte de Cristo. Podemos crer em toda a doutrina de Romanos 6 e, ainda assim, é possível que estejamos vivendo de modo grandemente contrário a isso em nós mesmos. O céu não se comprometerá com a carne ou com a vida natural. Se estivermos ocupados com nós mesmos, falando sobre nós, sobre nosso trabalho, sobre como temos sido usados, e coisas assim, não estaremos nos valores plenos de um céu aberto. É tão fácil deslizar inconscientemente de dar glória a Deus para gloriar-se na própria obra ou em parte dela. Quando isso acontece, a atmosfera muda e as pessoas espiritualmente sensíveis sabem que algo aconteceu, que uma nuvem desceu. O céu é tão transparente que nenhum vapor dessa Terra pode chegar lá, e a plenitude celestial demanda por transparência em nosso espírito.
Para ler o capítulo 1, clique aqui; capítulo 2, aqui; capítulo 3, aqui; capítulo 4, aqui, capítulo 5, aqui.
Eu gostaria de satisfazer os teus desejos, fazendo e estruturando para ti um Diretório [2] Cristão. Mas os eruditos já o fizeram antes de mim, de modo muito mais criterioso do que eu poderia; especialmente os senhores Rogers, Grennham e Perkins. [3] No entanto, eu te mostrarei o que eu teria feito, embora nunca tenha conseguido alcançar meus propósitos.
Que horas do dia, ou mais, ou menos horas, para a Palavra e a oração, sejam oferecidas a Deus, não poupando a décima segunda hora, ou o meio-dia, embora aí haja um tempo mais curto.
Em meio às tarefas do mundo, deve-se pensar sobre o pecado, o julgamento, a morte e a eternidade, com uma ou duas palavras (no mínimo) de rápida oração a Deus.
Cuida para não teres um coração disperso nas orações a sós.
Não ajas de má vontade, embora possas sair da oração sem a sensação de alegria. Ter desânimo, sensação de culpa e fome é, às vezes, muito bom para nós.
Que o Dia do Senhor, da manhã à noite, seja gasto sempre em oração privada ou em adoração pública.
Que as palavras sejam cumpridas; pensamentos dispersivos ou ociosos sejam evitados; que a raiva repentina ou o desejo de vingança, mesmo que sejam por perseguição da verdade, sejam impedidos; pois muitas vezes confundimos nosso zelo com nosso próprio fogo selvagem.
Que pecados conhecidos, descobertos e revelados contra a consciência sejam evitados, pois são preparativos muito perigosos para levarem à dureza do coração.
Que, em tratando com homens, em acordos e trocas, sejam consideradas a fé e a verdade; que tratemos com todos os homens com sinceridade; que tenhamos consciência das palavras fúteis e mentirosas; e que nossa postura seja tal que, quando outros a virem, possam falar honrosamente de nosso doce Mestre e daquilo que professamos.
Eu tenho sido muito desafiado,
Por não ter atribuído tudo a Deus, como o propósito último, pois eu não como, bebo, durmo, me locomovo, falo ou penso para Deus.
Pois eu não tirei proveito das boas companhias; e porque eu não deixei uma palavra de convicção para os homens naturais e ímpios, tal como reprovando suas palavras torpes; ou por ter sido uma testemunha silenciosa de seu comportamento permissivo; e porque eu não pretendi, em todas as companhias, fazer o bem.
Pois os infortúnios e as calamidades da igreja, e de certos mestres, não têm me abalado.
Pois lendo a vida de Davi, Paulo, e outros como eles, quando isso me humilhava, eu, não alcançando a sua santidade, não me fazia imitá-los, ficando longe, pelo menos, segundo a medida da graça de Deus.
Pois os pecados da mocidade, que não sofreram arrependimento, não foram revistos nem houve tristeza por eles.
Pois repentinos arroubos de orgulho, luxúria, vingança e amor pelas honrarias não foram resistidos nem lamentados.
Pois a minha caridade era fria.
Pois as experiências que eu tive de Deus me ouvir, neste ou naquele particular, sendo reunidas, mesmo assim, em um novo problema, eu sempre (ou pelo menos uma vez) tinha de buscar por minha fé, como se eu estivesse iniciando do A, B, C, outra vez.
Pois eu não tenha ousadamente contradito os inimigos que falavam contra a verdade, quer fosse em público nas reuniões da igreja, ou à mesa ou em conferências comuns.
Pois, em grandes dificuldades, eu tenha recebido relatórios falsos sobre o amor de Cristo e não confiei Nele em Suas punições; embora o próprio evento dissesse que tudo havia sido pela graça.
Nada me comove mais e pesa em minha alma, do que nunca ter podido, em minha prosperidade, lutar tanto em oração com Deus, nem ser tão morto para o mundo, ou estar tão ávido e doente de amor por Cristo, pensar tanto no céu, do que quando o peso de dez pedras de uma pesada cruz estava sobre mim.
Que da cruz tenham saído votos de nova obediência, que a comodidade jogou longe, como o vento faz com a palha.
Que a prática era tão curta e estreita, e a luz, tão longa e ampla.
Que não meditei freqüentemente sobre a morte.
Que não tenho tido o cuidado de ganhar outros para Cristo.
Que a graça e os dons que tenho tragam pouca ou nenhuma gratidão.
Há, também, algumas coisas que me ajudaram, tais como:
Eu fui beneficiado por fazer sozinho uma longa viagem, dedicando aquele tempo à oração;
Pela abstinência, e dedicando dias a Deus;
Por orar por outros; pois, em fazendo uma tarefa para Deus por eles, eu obtive algo para mim mesmo.
Eu realmente confirmei, em muitas ocasiões, que Deus ouve orações; e, portanto, eu orava por qualquer coisa, por menor que fosse sua importância.
Ele me capacitou a não ter dúvidas que esse caminho, que é zombado e ridicularizado, é o único caminho para o céu.
Caro senhor, estas e muitas outras ocorrências em minha vida devem conduzir a:
Ter cuidado com pensamentos ateístas, tais como: “Será que há um Deus no céu?”, que, às vezes, trarão problemas e surpresas aos melhores.
Ter cuidado acima de tudo do crescimento em graça; e deve-se lamentar o abandonar o primeiro amor.
Ter a consciência de orar pelos inimigos que estão cegos. Eu ainda me envergonho com a bondade de Cristo para um pecador como eu. Ele deixou um fogo em meu coração sobre o qual o inferno não pode jogar água, nem apagar ou extinguir.
[1] John Fleming, Conselheiro de Leith, foi um comerciante escocês de madeira que auxiliou Rutherford em dias de dificuldade e supriu-o para atender suas necessidades. [2] Termo adotado da linguagem jurídica, refere-se a um documento com instruções para orientar a pessoa em qualquer assunto ou negócio. [3] Daniel Rogers (1573–1652), clérigo não-conformista inglês, sofreu sob a perseguição dos puritanos ligados ao movimento do arcebispo William Laud, que rejeitava a predestinação. Richard Greenham (1535?–1594?), clérigo inglês de importante influência no movimento puritano na Inglaterra. William Perkins (1558–1602), clérigo e teólogo inglês, um dos maiores líderes do puritanismo na Igreja da Inglaterra.
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Eu tenho Alguém lá em cima que não me esquece; Ele cresce em Sua bondade. Aprouve à santa Majestade Dele tirar-me do púlpito e me ensinar muitas coisas, em meu exílio e prisão, que até então eram mistérios para mim, tais como:
Crescente percepção do amor de Deus
1. Eu vejo Seu amor e Sua bondade sem limites, e como meus ciúmes e delírios, quando da minha entrada neste forno, eram tolos e ousados a ponto de dizer a Cristo, que é a própria Verdade, em Seu rosto: “Tu mentiste”. Eu quase perdi o controle; fiquei imaginando se aquilo era de Cristo ou não; pois a bruma e a fumaça de meu coração perturbado me fizeram mal interpretar meu Mestre, Jesus. Minha fé estava fraca, e a esperança, fria e congelada; e meu amor, que causou ciúmes, tinha algum calor e fumaça, mas não tinha nenhuma chama. Estava eu, no entanto, procurando algo de bom no antigo clamor de Cristo a mim, embora eu tivesse perdido todos os meus direitos. Mas o tentador estava demasiadamente sobre minhas opiniões, e ainda estava soprando a brasa. Ai de mim!
Antes eu não sabia bem com que habilidade meu Intercessor e Advogado, Cristo, me defendia e me perdoava de tais tolices. Agora Ele voltou à minha alma “com cura em Suas asas” (Ml 4.2); e em nada estou em falta com Cristo agora, pois Ele me recompensou acima da medida, por Sua presença, a dor que sofri por esperar, e qualquer perda menor que suportei por meu testemunho contra os males feitos a Ele.
Eu suponho que tenha sido doloroso para meu Senhor esconder-se por mais tempo. De certa maneira, Ele estava desafiando Sua própria crueldade e se arrependeu de Suas tristezas. E agora, o que mais posso querer eu na Terra que Cristo dê a um prisioneiro? Oh, como Ele é doce e amável agora! Ai de mim! Porque não tenho ninguém para me ajudar a erguer meu Senhor Jesus a Seu trono, sobre toda a Terra!
Resignação
2. Fui agora trazido a alguma medida de submissão, e resolvi esperar até ver o que meu Senhor Jesus fará comigo. Eu agora não ouso apelidar, ou dizer uma palavra contra a Providência de meu Senhor, que tudo vê e que a tudo assiste. Eu vejo que a Providência não corre com rodas quebradas; mas eu, como tolo, entalhei uma Providência para meu próprio lazer, para morrer em meu ninho, e dormir quieto até meus cabelos se tornarem grisalhos, e ficar no lado ensolarado da montanha, em meu ministério em Anwoth. Mas agora nada tenho a dizer contra uma lareira emprestada e à casa de outro homem, nem às tendas de Quedar, onde vivo, sendo afastado para longe de meus conhecidos, de meus entes queridos e de meus amigos. Vejo que Deus tem o mundo sobre Suas rodas, e o modela na roda como o oleiro faz com o vaso sobre a roda. Eu não ouso dizer que há qualquer movimento desordenado ou irregular na Providência. O Senhor é quem a faz. Eu não irei à lei com Cristo, pois nada ganharia com isso.
Morte para o mundo
3. Tenho aprendido uma mortificação maior, e não me lamento por isso nem procuro sugar os peitos secos do mundo. Não; meu Senhor encheu-me com tantas delícias que eu me sinto como o conviva de um banquete que dele está cheio, cuja alegria não é simples.
Por que deveria eu cair de joelhos e adorar o grande ídolo da humanidade: o mundo? Eu tenho um Deus melhor do que um deus de barro.
Não; agora, no lugar em que estou colocado, eu não me importo muito em dar a este mundo o resgate de minha vida – entregá-la por pão e água. Eu sei que este mundo não é o meu lar, nem a casa de meu Pai; ele não passa de estrado dos pés de Deus, um lugar árido e vazio. Que os bastardos o tomem; espero nunca pensar em me associar a eles para ter honra ou riquezas. Não, agora eu digo rindo: “Tu és loucura”.
Tentações
4.Penso ser a pura verdade que a maior tentação fora do inferno é viver sem tentações. Se minhas águas ficassem paradas, elas apodreceriam. A fé é melhor quando se enfrentam o vento e a fria tempestade de inverno. A graça murcha sem adversidades. O diabo não passa de um mestre-esgrimista de Deus, para nos ensinar a manejar nossas armas.
Enfermidades
5. Eu não sabia o quanto eu era fraco até agora, quando Ele se esconde, e eu preciso procurá-Lo sete vezes ao dia. Eu sou um galho seco e murcho, e um pedaço de carcaça morta, ossos secos, e incapaz de pisar em uma palha. Os pensamentos sobre meus antigos pecados me são como intimações da morte; e o caso de meu falecido irmão me atingiu o coração. Quando minhas feridas estão fechando, qualquer pequena irritação as faz sangrar novamente. De tão fina pele é minha alma que eu penso que ela é como a pele sensível de um homem que nada pode tocar; tu percebes de quão perto eu teria de alvejar o prêmio, se a Sua graça não fosse suficiente para mim.
[1] John Fuflarton, Terratenente de Carleton. Carleton ficava na paróquia de Borgue, não muito distante de Anwoth.
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Essas passagens que lemos a respeito da travessia do Jordão são uma perfeita apresentação do que o Senhor está nos falando nessa série de estudos. À medida que lemos, deve ficar bem claro para nós que esse ponto representou um momento muito crítico na história daquele povo: a travessia do Jordão representou a conclusão de um longo processo de preparação e o início de uma nova e maravilhosa fase em sua vida. Além disso, tomando como base o suporte abundante provido pelo Novo Testamento, vemos que esse momento foi uma representação da vida dos que são ou viriam a ser filhos de Deus em nosso tempo. O Novo Testamento retoma esse incidente na vida de Israel e declara que foi um tipo ou uma figura, tendo seu sentido espiritual verdadeiro e permanente atrelado ao cristão ou ao futuro cristão.
De modo que nós, que vivemos no tempo e na situação atuais, nos posicionamos exatamente nesta parte do livro de Josué. Ela se aplica a nós. Não estamos apenas lendo algo que ocorreu tantos séculos atrás, meramente como uma idéia a respeito de algo que aconteceu na vida dos filhos de Israel, quando eles saíram do deserto e entraram na terra de Canaã. Estamos lendo a partir dali até os dias de hoje. Estamos recapitulando aquele evento e afirmando: “Isso não aconteceu outrora, acontece agora; hoje as coisas são assim, ou pelo menos deveriam ser”. O maravilhoso é que aquele fato pode acontecer agora, neste exato momento, em nossa experiência. A ordem de Josué: “Santificai-vos, porque amanhã fará o Senhor maravilhas no meio de vós” [Js 3.5], nos é possível agora, pode ser atualizada para nossos dias. Portanto, vamos meditar nisso, pois estamos atentos a tudo que consideramos nos capítulos anteriores: o pioneirismo do caminho celestial.
O objetivo em vista nessa transição
Em primeiro lugar, lembremos do objetivo, o objeto em vista nesta transição, na travessia do Jordão. Já recebemos a interpretação espiritual desse incidente. Ele indica uma ilustração da vida em ressurreição e em união celestial com Cristo. Esse é o objetivo para o qual Deus chamou Seu povo. É precisamente para isto que o Senhor nos chamou, por Sua graça: para uma união em ressurreição com Cristo, união com Cristo baseada na vida de ressurreição. E não apenas isso, mas também uma união com Cristo em Sua vida celestial, por meio do Espírito Santo: unidade com Ele como no céu, e tudo o que ele representa.
Esse é o objetivo, o mínimo irredutível da vontade de Deus para Seu povo. Se não entramos em uma união com o Senhor Jesus em ressurreição, não chegaremos à união alguma. Isso quer dizer que nada sabemos realmente do sentido e do valor prático de sermos “unidos ao Senhor”. Muitos sabem algo do que é estar em união com um Cristo vivo, mas talvez saibam muito pouco e não o suficiente a respeito da união celestial com Ele e todas as implicações disso. Até que cheguemos a essa experiência, não atingimos o objetivo da salvação, nem chegaremos a satisfazer Deus por ter-nos salvo. Devemos ver o que isso significa.
Transição
(a) Para a autoridade de Cristo
Tornando nosso objeto bem claro diante de nós, examinaremos mais de perto essa transição, que teve dois aspectos. Em primeiro lugar, ela representou uma transição da autoridade das trevas para a autoridade de Cristo. Até aquele ponto, essas pessoas ainda estavam debaixo a autoridade das trevas, apesar de terem deixado o Egito há muitos anos. O fato é que, embora tivesse decorrido um tempo considerável desde que saíram do Egito, o Egito acabava de sair delas. É possível que sejamos salvos do mundo de maneira exterior e ainda assim não termos sido salvos dele de maneira interior. O Egito preservou uma força dentro do povo durante os anos de deserto. Aquela geração constantemente se voltava para o Egito. “Quem dera tivéssemos morrido por mão do Senhor na terra do Egito” (Êx 16.3). “Oh, que tivéssemos ficado no Egito!” Vemos que o Egito ainda estava no interior deles exercendo um domínio; eles ainda sonhavam e imaginavam que encontrariam satisfação ali. Eles não haviam chegado completa e totalmente àquela emancipação que conduz a um estabelecimento claro, de uma vez por todas, de que não existe absolutamente nada mais naquele mundo; o apenas pensar que poderia haver é repugnante e odioso, representa desolação. Vemos que eles não tinham chegado a esse ponto. Isso acontece mesmo com os cristãos, quando, às vezes, debaixo de tensão e pressão, pensam que estariam melhor, que teriam um tempo mais fácil se voltassem para o mundo. Mas o Jordão resolveu isso. O que quer que tenha permanecido os espreitando por todos os anos do deserto acabou no Jordão. Essa autoridade, esse controle interior, foi finalmente quebrado no Jordão. Aquela foi uma transição total da autoridade das trevas para a autoridade de Cristo, tipologicamente falando.
Vou repetir mais uma vez algo que já disse muitas vezes:
É possível que tenhamos e conheçamos a Cristo como nosso Salvador sem conhecê-Lo como nosso Senhor.
Ou seja, podemos conhecê-Lo apenas como nossa fonte de salvação: como Salvador da condenação, do juízo vindouro, do inferno, e podemos até receber algumas bênçãos positivas desse Salvador resultantes dessa posição. Oh, mas existe ainda tanto conhecimento possível e real diante de nós! Temos um intervalo muito longo entre o êxodo e o eisodos[1], entre a saída e a entrada; existe um grande intervalo entre essas duas coisas. São tantos os cristãos que participam de uma convenção e aceitam Jesus Cristo como Senhor apesar de serem salvos há tanto tempo, para então descobrir que isso podia ter ocorrido há muito tempo, que o intervalo que se passou entre essas duas coisas foi longo demais. O Jordão nos fala de encontrar Cristo como Senhor, não só como nosso Salvador do julgamento e da morte – o Jordão representa tudo que envolve Seu senhorio. Enquanto Ele não for o Senhor, não começaremos a descobrir as riquezas insondáveis que Nele estão, como vemos nas riquezas da terra de Canaã.
(b) Para uma vida frutífera no Espírito
O Jordão também representou a transição da desolação e da esterilidade da natureza para a fecundidade da vida no Espírito. Aquelas pessoas viveram muito tempo em si mesmas; a vida do ego, a vida natural, havia se estabelecido. Vemos como seus interesses pessoais, considerações sobre vantagens ou desvantagens ocuparam muito espaço em sua perspectiva de vida. Se as coisas alinhadas ao propósito de Deus não fossem fáceis, mas contrariassem a natureza, então começavam as murmurações. Quando tudo corria bem, era natural o transbordar de alegria. Tudo isso se baseava na vida natural. Era natural se alegrar quando as coisas eram fáceis. Da mesma forma, era esperado resmungar porque as coisas estavam difíceis. Essa era a vida natural, e como o deserto foi árido para eles, um deserto exterior e interior. O Jordão daria fim a essa vida, representando uma transição daquela vida estéril e desolada na carne, na natureza, para uma vida no Espírito.
Aquele Homem que confrontou Josué como representante de Deus, era, acredito eu, ninguém menos que o Espírito Santo, o Espírito de Deus, o Capitão do exército do Senhor. Ele é aquele “Príncipe do exército do Senhor” (Js 5.14), como a Si mesmo se denominou. Quando o profeta usou estas palavras que tanto citamos ― “Não por força nem por violência, mas sim pelo Meu Espírito, diz o Senhor dos Exércitos” (Zc 4.6) ―, o sentido literal seria: “Não por um exército […] mas pelo Meu Espírito”. Aqui está o Capitão do exército do Senhor, o Espírito, e a partir desse ponto Ele assumirá o comando, e como a situação será diferente! Será uma vida no Espírito. Sim, agora teremos fecundidade; não será uma vida sem escorregões e erros ― eles acontecem ―, mas será uma vida ajustada ao Espírito. Essa será uma vida de progresso, de expansão, de constante enriquecimento, uma vida de entrada na herança. “Todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1.3). Da esterilidade da natureza para a fecundidade da vida no Espírito: esse foi o significado da transição do Jordão.
O grande Pioneiro vai à frente
Chegamos, então, ao ponto central de tudo: o grande Pioneiro ― aqui registrado com letra maiúscula ―, o grande Pioneiro representado pela arca do Senhor de toda a terra. Mais uma vez reforço que essa não é uma interpretação imaginativa. O Novo Testamento garante, por meio de afirmação definida, que aquela arca era um tipo do Senhor Jesus. Não vamos parar nesse momento para provar isso nas Escrituras, mas é um fato. A arca tipifica Cristo. A grande transição estava prestes a ocorrer. Como isso aconteceria? “A arca da aliança do Senhor de toda a terra passa o Jordão diante de vós” (Js 3.11). “Haja, contudo, entre vós e ela, uma distância de dois mil côvados” (v. 4). Não podemos estimar exatamente essa medida porque temos três diferentes côvados registrados na Bíblia, e não sabemos qual deles foi usado em Josué (e, ainda que soubéssemos, não saberíamos sua medida exata); mas tomando por base a menor medida do côvado para estimar a distância entre a arca e o povo sabemos que era maior, muito superior a trezentos metros.
Por que essa distância? “Mantenha essa distância; não se aproxime; preserve aquele espaço poderoso entre você e a arca”; ou poderíamos dizer: “Entre você e Ele”? Por que esse grande espaço?
(a) A grandeza de Cristo em Sua morte
Isso não nos fala, em primeiro lugar, da grandeza de Cristo em Sua morte? Pois está escrito, como explicação entre parênteses: “Porque o Jordão transbordava sobre todas as suas ribanceiras, todos os dias da ceifa” (v. 15), e aquele foi o momento da travessia. “O Jordão transbordava sobre todas as suas ribanceiras” em uma grande inundação que se espalhava em todas as direções além de seu canal, e sabemos muito bem que isso fala das águas da morte e do julgamento. Fala da Cruz do Senhor Jesus. O Senhor permanece bem ali, no dilúvio, na inundação avassaladora do poder da morte. Ele permanece ali, bem no centro dela, em toda a sua profundidade, comprimento e largura; tragando tudo.
Quão grande é Cristo na morte! A morte não é pouca coisa: é uma inundação poderosa e avassaladora. O Senhor sondou e mediu suas profundezas e, ao morrer, destruiu a morte. Ali Ele está. Ele permanece na própria morte. A morte perdeu seu poder, a morte foi afastada, a morte foi proibida de prosseguir. Essa descrição é maravilhosa. Enquanto de um lado vemos a poderosa parede de água erguida, do outro lado, descendo para o Mar Morto, tudo o que falava de morte havia secado. Quão grande é Cristo na morte! Incomparável! Ele permanece sozinho ali. Ninguém mais poderia fazer isso.
(b) A exclusividade de Cristo em Sua morte
Vemos ali também a exclusividade de Cristo. Não apenas a grandeza, mas também a exclusividade de Cristo na morte. “Não havia ninguém mais que fosse bom o suficiente”. Oh, que blasfêmia comparar a morte, por mais heróica que seja, de um soldado que dá a vida pela pátria, com a morte de Jesus! Não. Qualquer heroísmo que possa existir ― e pode haver muito a ser honrado, valorizado e apreciado ―, por maior que seja o heroísmo e o sacrifício dos homens, “não chega nem perto” de dois mil côvados do sacrifício do Senhor. Existe um espaço ali. Deus estabeleceu essa distância e disse:
“Isso é inviolável: Ele está à parte, nada pode se aproximar desta poderosa obra de Jesus Cristo. Ninguém mais o fez e ninguém poderá fazê-lo; isso deve ser feito só por Ele.”
(c) A solidão de Cristo em Sua morte
Sozinho. Veja a solidão daquela figura ― esquecendo por um momento dos levitas que carregavam a arca nos ombros, pois a descrição tem como foco destacar a arca, não eles ―; vamos contemplá-la de longe, como aconteceu ali. O espaço era grande. Naquela distância considerável de trezentos metros seria como contemplar um pequeno objeto sozinho, um pequeno objeto solitário ali. Quão sozinho o Senhor esteve em Sua morte! “Todos os discípulos, deixando-O, fugiram” (Mt 26.56). Ele disse: “Vós […] me deixareis só” (Jo 16.32), e eles de fato o fizeram. E, então, a dor mais profunda de todas: “Deus Meu, Deus Meu, por que Me desamparaste?” (Mt 27.46). Sua solidão na morte é retratada por aquela arca. Contemple-O: “Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo” (Jo 1.29).
Por que essa solidão? Bem, “não havia ninguém mais que fosse bom o suficiente para pagar o preço do pecado”. Não havia ninguém comparável em excelência e grandeza, que fosse capaz de suportar o pecado do mundo. Ele foi o único apto a fazer isso, e isso O estabeleceu nessa extrema solidão. Quem suportaria saber, em plena consciência, o que é ser totalmente abandonado por Deus? Graças a Deus, nunca precisaremos saber disso. Não nos é necessário ter a consciência de que Deus nos abandonou, nem por um momento. Na verdade, não seríamos capazes de sobreviver a isso. Mas o Senhor o experimentou. Foi necessário que Ele, o Filho de Deus, passasse por isso. Esse foi o preço que Ele pagou como o Pioneiro ― o Pioneiro da nossa salvação, o Pioneiro da nossa herança, o Pioneiro da nossa possessão de tudo aquilo para o que Deus nos chamou pela união com Ele. O Pioneiro precisou pagar o preço dessa solidão definitiva e absoluta. Isso não reflete algo do suspiro, do brado, de Isaías 53? Sim, Ele foi o único naquela posição, ferido por nossas transgressões, ferido de Deus e oprimido, entregando a alma feita por Deus como oferta pelo pecado; mas Ele “verá Sua posteridade, prolongará Seus dias” [v. 10], e dessa solidão surgirão, em uma multidão poderosa, os filhos de Sua orfandade (49.20).
Identificação com Cristo pela fé e pelo testemunho
A próxima coisa, e a palavra final para o momento, é a identificação com Ele pela fé e pelo testemunho. Não, não podemos entrar nisso verdadeira e literalmente. Graças a Deus, isso não é necessário. Quero dizer que não somos chamados a passar por tudo o que Ele passou, mas somos chamados a assumir uma posição de fé, atestando isso de uma forma muito prática. Não seria apenas entrar e tomar tudo como nosso, mas reconhecer que só é nosso por causa Dele, só é nosso Nele. Existe uma identificação de vida com Ele.
Essa identificação pela fé e pelo testemunho é vista no mandamento de Deus quanto ao que devia ser feito. Pedras deveriam ser tiradas do leito do Jordão, daquele lugar onde tudo havia sido conquistado pelo grande Pioneiro da redenção e ― observe ― por doze homens, “de cada tribo um homem” (Js 4.2). Com efeito, cada homem de cada tribo está representado ali, tornando isso uma questão pessoal para cada um. “Cada um levante uma pedra” [v. 5]. Tudo deveria ser pessoal: um testemunho pessoal, uma apropriação pessoal de tudo aquilo, algo a ser tomando sobre os ombros, posicionando-nos debaixo de tudo o que isso significa: nosso compromisso com o Senhor Jesus, com Sua morte, com o fato de que Nele morremos; nosso compromisso com Seu sepultamento. “Fomos sepultados com Ele” (Rm 6.4). Então, temos nosso compromisso com Sua ressurreição. As pedras do Jordão significam nossa união com Ele na morte e no sepultamento; as pedras tiradas do Jordão e tomadas como memorial do outro lado representam nossa união com Ele na ressurreição.
Mas deve haver uma transação prática, pessoal e individual. “Cada um levante uma pedra.” Você tomou a pedra nos ombros, de forma pessoal? Você já fez isso de modo definitivo? Sabemos como o apóstolo Paulo diz que o testemunho é prestado (isso nos é muito familiar). “De sorte que fomos sepultados com Ele pelo batismo na morte; para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos, pela glória do Pai, assim andemos nós também em novidade de vida” (Rm 6.4). Temos essa história de forma clara e simples. Sim, pelo batismo declaramos que tomamos a pedra sobre os ombros, assumimos essa responsabilidade, estamos definitivamente comprometidos com tudo isso.
Deixe-me repetir: não fomos salvos apenas do julgamento, da morte e do inferno, não fomos salvos apenas de, mas para tudo aquilo que está no coração de Deus. As coisas não se relacionam mais com aquilo que vamos obter, como isso vai nos afetar; essa é a velha tirania; nossas circunstâncias não são mais pessoais. Agora o que importa é o que o Senhor deseja, o que O satisfaz e glorifica. Essa é a paixão de um coração verdadeiramente comprometido; e, quando Ele nos ajudar nesse sentido, nos transportando acima da cerca do interesse próprio, dos interesses mundanos, do governo carnal, para uma terra onde tudo está relacionado ao Senhor e ao que Ele deseja, teremos encontrado a terra que mana leite e mel, nós teremos encontrado as riquezas de Cristo, nós estaremos debaixo de um céu aberto. Grande parte de nossa vida e obra cristã é egoísta. Enquanto não formos tirados da esfera do ego e tenhamos sido movidos para o Senhor, de forma plena e completa, nada saberemos a respeito da vida celestial e sua plenitude espiritual. É isso que está representado aqui.
Que o Senhor nos encontre a todos fazendo esta grande transição, esta declaração: “Cada um levante uma pedra”. Que o Jordão, com tudo o que ele representa, repouse sobre nossos ombros.
[1] A palavra grega eisodos representa uma entrada, ao contrário de êxodos, que significa “saída”. A palavra é usada em Hb 10.19; 2Pd 1.11; 1Ts 1.9; 2.1.
Para ler o capítulo 1, clique aqui; capítulo 2, aqui; capítulo 3, aqui; capítulo 4, aqui.
Eu me regozijo ao ouvir que Cristo afugentou tuas paixões da mocidade, e que estás, desde cedo pela manhã, alinhado com tal Senhor; pois um jovem é freqüentemente uma casa pronta para a morada do diabo. Sê humilde e grato pela graça, e julga, não tanto pelo peso, como pela verdade. Cristo não jogará água em tua brasa fumegante; Ele nunca apagará uma vela que foi acesa pelo Sol da Justiça.
Eu te recomendo oração e vigília com respeito aos pecados da juventude, pois sei que cartas escritas detêm-se entre o diabo e o sangue jovem. Satanás tem um amigo que corteja o coração do jovem; e ali o orgulho, a luxúria, o desejo carnal, a vingança e o esquecer-se de Deus estão empregados como seus agentes. Feliz será a tua alma se Cristo guarnecer a casa, e Ele próprio ficar com as chaves, e tudo comandar (totalmente, como Ele desejar governar tudo onde quer que Ele esteja). Guarda e recebe bem a Cristo; sopra tua brasa e deixa-O tutelar-te.
Agora, quanto a mim, sabe que estou em total acordo com meu Senhor. Cristo pôs o Pai e a mim nos braços um do outro. Muitos doces tratos Ele já fez, e tem feito a este como outro entre os demais. Eu reino, como rei, sobre minhas cruzes; eu não vou encorajar uma tentação nem dar ao diabo uma boa palavra; eu desafio os portões de ferro do inferno. Deus não levou em conta minhas brigas com Ele quando cheguei aqui, e agora Ele ceia e festeja comigo. Louva, louva comigo, e vamos juntos exaltar o Seu nome.
[1] William Livingstone, provavelmente um paroquiano de Anwoth.
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“Se alguém vier a Mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser Meu discípulo” (Lc 14.26).
A palavra grega traduzida para “aborrecer” significa “amar menos em comparação a”. Jesus está nos chamando para ter um amor por Ele que é tão totalmente inclusivo, fervoroso e absoluto que todas as nossas afeições terrenas não podem chegar perto disso. Se nós tivéssemos esse inflamado, todo-consumidor, intenso e jubiloso amor por Cristo, não precisaríamos de esboços, diagramas e instruções nos dizendo como orar; nós oraríamos porque nosso coração estaria queimando de amor por Ele. Nós não ficaríamos entediados tentando preencher uma hora orando ambiguamente por necessidades de todo o mundo; Cristo seria o objeto de nossas orações, e nosso tempo de oração seria precioso. Nós gastaríamos horas atrás de portas fechadas, expressando a transbordante admiração e o doce amor que flui de nosso coração por Ele. Ler Sua Palavra jamais seria um fardo; nós não precisaríamos de fórmulas de como terminar a Bíblia em um ano.
Sabemos o que é buscá-Lo apenas porque somos gratos por Ele nos amar tão completamente?
Se nós amássemos a Jesus apaixonadamente, seríamos magneticamente atraídos a Sua Palavra a fim de aprender mais sobre Ele. E nós não nos atolaríamos com genealogias intermináveis e especulações sobre o fim dos tempos. Nós quereríamos somente conhecê-Lo melhor, ver mais de Sua beleza e glória para que pudéssemos nos tornar mais parecidos com Ele. Pense sobre isto: nós sabemos o que é semelhante a estar em Sua doce presença e não pedir nada? Buscá-Lo apenas porque somos gratos por Ele nos amar tão completamente? Nós temos nos tornado egoístas e egocêntricos em nossas orações: “Dá-nos, encontra-nos, ajuda-nos, abençoa-nos, usa-nos, protege-nos”. Tudo isso pode ser bíblico, mas o foco permanece em nós. Nós vamos até Sua Palavra buscando respostas para os nossos problemas, buscando orientação e conforto, e isso também é correto e recomendável.
Mas onde está a alma motivada pelo amor de quem busca as Escrituras diligentemente, de quem quer apenas descobrir mais e mais sobre seu amado Senhor?
(Publicado originalmente em 5.1.17; revisado e republicado em 11.4.21)
Deus tem um grande desejo: ter aquilo que poderia ser chamado de “um povo desfrutando do Seu melhor”. Enquanto Ele não tiver esse povo, nunca estará plenamente satisfeito. Pode haver aqueles que aceitarão Seu “segundo melhor” – pois Ele certamente permite um segundo melhor –, mas apenas um povo voltado para o Seu melhor vai verdadeiramente satisfazer Seu coração. Mas, como o processo para obter o Seu melhor é repleto de conflito, custo e disciplina, e tudo isso é absolutamente contrário ao curso da natureza, nem todos – na verdade, apenas uns poucos – continuarão com Ele na busca de Seu melhor. Esse princípio é visto ao longo das Escrituras, e existem algumas ilustrações notáveis dele. Elas são encontradas em todas as dispensações.
Não devemos dizer que a geração que pereceu no deserto, e que fora tirada do Egito pela virtude do precioso sangue e pela fé inicial – pois “pela fé passaram o Mar Vermelho” (Hb 11.29) – representa a perda absoluta e final da salvação. No entanto, fica muito claro que aquela geração perdeu aquilo que Deus intencionava para ela, e foi uma perda grande e dolorosa, sempre apresentada nas Escrituras como um exemplo de tragédia, fracasso e decepção. Não devemos dizer que a maior parte daqueles que foram para o exílio na Babilônia, na Caldéia, e nunca mais retornaram, perderam eternamente a salvação de Deus. Mas sabemos que a minoria voltou e, ao fazer isso, cumpriu o verdadeiro propósito de Deus. Esses são apresentados como aqueles de quem particularmente Deus não se envergonha. Em certo sentido Deus se envergonha dos demais, tanto no deserto como na Babilônia. Isso acontece em todas as dispensações. O chamado continua soando, inclusive aqui, para que o povo de Deus não se satisfaça com uma segunda opção que não seja o melhor de Deus.
Mas, como já dissemos, isso não é apenas um chamado para uma realização. Esse é um chamado para o pioneirismo em favor de outros, pois muitos do povo do Senhor não conhecem o caminho celestial. Eles estranhamente não conhecem o caminho celestial, apesar de serem nascidos do alto. Essa é uma verdade, ainda que não apresentaremos todas as provas dela. Talvez muitos de nós tenham tido essa atitude por um período da vida cristã. Tudo era essencialmente terreno. Nossas atividades eram relacionadas à terra, de uma maneira cristã. Então, chegou um momento de crise, quando entendemos o sentido de um céu aberto e fomos elevados a um nível inteiramente novo de vida espiritual; a partir daí começamos a aprender as coisas celestiais de uma nova maneira. Tudo isso são fatos, e o movimento de todos aqueles que são chamados por Deus para trilhar esse caminho celestial não envolve apenas sua própria medida espiritual, mas essas pessoas são chamadas a abrir caminho para aqueles que não o conhecem, até mesmo entre o povo do Senhor. Isso não significa que devem pregar sobre um caminho celestial ou possuir uma interpretação especial das Escrituras, alguma doutrina ou fraseologia. Significa que eles são chamados a viver pelo benefício desse chamado, viver de acordo com ele, e, por meio daquilo que eles sabem e experimentam, são capazes de ajudar os outros a se elevarem dos níveis mais baixos da vida espiritual.
Portanto, vamos examinar novamente a questão do pioneirismo no caminho celestial, centrando nossos pensamentos em outro grande pioneiro: Moisés. Existem, é claro, muitos outros aspectos de sua vida além do pioneirismo, mas acredito que este aspecto realmente é o que torna Moisés significativo: o fato de que ele foi o pioneiro de um caminho celestial.
Se olharmos para a vida de Moisés a partir de um ponto de vista terreno, vemos muito desapontamento, fracasso e tragédia, pois, apesar de ter palmilhado o caminho celestial e aprendido muito dele por oitenta anos – que foram oitenta longos, difíceis e escrutinadores anos de disciplina e sofrimento –, nem ele nem o povo que ele tirou do Egito entraram na terra. Isso nos soa como decepção, na verdade, como tragédia. Jamais poderei ler aquele registro de Moisés implorando a Deus para deixá-lo entrar em Canaã, e a recusa absoluta, final e conclusiva de Deus, sem ser profundamente tocado. É algo comovente.
Dessas pessoas que foram constituídas numa nação pelas mãos de Moisés, e que instrumentalmente deviam a ele sua existência como nação, vemos que além do fato daquela primeira geração não ter entrado na terra e na herança, toda a história da nação desde então se tornou uma tragédia. Houve momentos e períodos brilhantes nessa história; houve tempos de glória, mas, olhando o todo até nossos dias, lembrando o quanto falam sobre Moisés, o que atribuem a Moisés e o quanto sempre apelam para Moisés, essa tem sido uma história muito decepcionante. Reitero que, sob certos pontos de vista, a vida de Moisés indica muito do que podemos considerar fracasso, decepção e tragédia. Mas, por outro lado, quando observamos o próprio fato da vida de Moisés e a natureza de sua conclusão, o fato da geração que pereceu no deserto, o fato dessa nação ter fracassado e desapontado ao longo das eras, vemos que esse é o argumento mais conclusivo para outro aspecto, qual seja: a verdade Divina do que é celestial. É claramente enfatizado que, se tudo se resumir nas coisas daqui de baixo, então é muito pobre. Deve haver algum outro caminho, alguma outra sequência para isso, aquilo não pode ser tudo. Não; existe outro ponto de vista: o ponto de vista celestial, onde o tudo é interpretado e governado pelo céu.
Bem, vamos olhar para Moisés: em primeiro lugar para ele e seu treinamento e, em segundo lugar, para Israel debaixo de sua liderança.
1. O treinamento de Moisés
(a) Captura soberana
Começaremos com a pessoa e o treinamento de Moisés, não com seu nascimento. Vamos iniciar a partir de onde lemos sobre ele na Epístola aos Hebreus: quando estava no Egito. Nesse ponto, encontramo-nos novamente diante de algo que já mencionamos nessas meditações: aquele senso inato de destino. Não poderemos fugir disso. Quando tratamos do pleno propósito de Deus e tudo que envolve a obra, o serviço, o ministério e o pioneirismo relacionados a ela, este sempre será o ponto inicial, isto sempre estará ali: esse sentimento profundo da soberana captura Divina para algo.
Aqui está este homem no Egito, cercado por tudo o que o Egito oferece. Os estudantes de história sabem que a glória e o encanto do Egito não eram pouca coisa nos dias de Moisés. Ele estava cercado por tudo isso. O escritor de Hebreus aqui fala dos “tesouros do Egito”. Seus prazeres, suas amenidades, sua erudição, sua educação: todos os seus privilégios, inclusive a casa do rei – tudo estava ao comando e à disposição de Moisés. Ele era “instruído em toda a ciência dos egípcios” (At 7.22) e tinha todos os “tesouros” do Egito nas mãos. Isso não era pouca coisa. Você diria que isso era algum sem qualquer valor para ser desprezado? Isso era o poderoso “tudo” deste mundo – mas aquele senso de destino o transformou em nada. Embora Moisés pudesse desfrutar de tudo, tanto quanto podia, havia uma sombra constante sobre esse prazer, algo dentro dele o impedia de ficar plenamente satisfeito com aquilo. Havia uma inquieta sensação de descontentamento e insatisfação em Moisés, o que de fato era uma ação da relutância de Deus de se satisfazer com qualquer coisa aquém de Seu pleno propósito. Moisés talvez não conseguisse explicar ou definir esse estranho anseio, mas aquilo o fez saber que o “tudo” do Egito não era de forma alguma o tudo de Deus, e que o Egito nunca poderia responder a esse chamado e o levar para cima e além.
Isso não é exagero, não são apenas palavras. Isso está nas Escrituras, e isso é bastante comprovável. Pois aqueles que são chamados para o caminho do pleno propósito de Deus, Seu mais elevado e Seu melhor, serão assim também. Não importa se temos popularidade, posição no mundo, sucesso, meios e recursos – tudo ao nosso alcance: se formos verdadeiramente chamados de acordo com Seu propósito, estaremos desassossegados em meio a isso tudo, insatisfeitos, e teremos a sensação: “Afinal, tudo isso vale a pena? Existe algo mais além disso.” Provem seu coração com isso. Isso não é ficção, é um fato.
Pode ser que esse fato esteja oculto hoje enquanto você lê essas palavras. Você poderia obter muita coisa neste mundo se desejasse se empenhar para alcançá-las. Você poderia ter um caminho no mundo, em seus prazeres e outras coisas, se realmente quisesse. Sim, e talvez você pudesse obter aceitação e posição até mesmo no mundo religioso, mas isso se tornou secundário para você. Há algo em você – que talvez não possa definir, nem mesmo descrever o que é –, mas você sabe que existe algo, e, a menos que descubra o que é e consiga obtê-lo, sua vida será uma decepção, tudo não passará de escárnio. Se isso for verdade em seu caso, é uma grande esperança, algo maravilhoso: o sentido do céu desceu e capturou você. É claro que, se você não tiver essa percepção, ficará satisfeito com todo tipo de coisas inferiores a isso, e estará correndo atrás delas. Mas, observe, se você conseguir viver assim, essa é uma acusação terrível, pois significa que de alguma forma, no que diz respeito a você, aquela poderosa captura celestial fracassou.
(b) Uma crise
Assim, algo começou a tocar interiormente Moisés, e essa coisa interior levou-o a uma crise definitiva, a crise entre o terreno e o celestial. O Senhor tem maneiras maravilhosas de produzir essa crise. Ela nem sempre é produzida e precipitada por algum êxtase – se é isso que você busca –, pela glória de uma grande luz e visão, pelo arrebatamento da alma, por alguma experiência celestial tremendamente maravilhosa. Nem sempre essa crise acontece assim. Não foi dessa forma que aconteceu com Moisés, nem com outros. Como ela ocorreu, então? Um dia, ele saiu e viu um egípcio maltratando um hebreu; então, esse senso de destino se apoderou dele e o governou, e, como se deduz, ele era fisicamente forte, ali mesmo atacou o egípcio e o matou. Essa foi a crise que precipitou tudo. Às vezes, apenas acordamos para o celestial ou somos colocados face a face com essa esfera devido a uma contravenção ou uma falha terrível; pois, quase imediatamente depois disso, a permanência de Moisés no reino do Egito se tornou insustentável, e ele precisou partir.
Mas o que havia dentro dessa crise, qual era seu sentido, por que Deus permitiu que ela acontecesse? Moisés poderia ter dito: “Por que o Senhor me permitiu fazer isso? Por que o Senhor, que me conhecia de antemão e, em Sua própria presciência, me chamou para Seu grande serviço me deixou fazer essa bagunça? Por que Ele permitiu que eu me envolvesse em algo como um assassinato, para ter minhas mãos manchadas por um crime? Eu, que fui chamado para ser o emancipador do povo de Deus! Por que o Senhor permitiu isso?” A resposta teria sido: “Não é assim que o céu faz as coisas, Moisés. Essa é a maneira do mundo, é o modo da carne fazer as coisas. Não é a maneira como o céu faz as coisas. Você, Moisés, nunca pode trazer um povo celestial a um lugar celestial por meio de métodos e meios terrenos. Aprenda isso de uma vez por todas. Essa pode parecer uma maneira terrível de lidar com a situação, mas ela aí está, de forma clara e simples. Esse povo, que você foi escolhido para liderar pela presciência, por um ato soberano de Deus e por meio desse senso de destino em você, esse povo foi escolhido para ser um povo celestial. Como você pode conduzi-lo para um nível de vida celestial se esse não for seu nível de vida?” Voltaremos a isso em um minuto. O céu irrompe e afirma enfaticamente: “Não, Moisés. Armas carnais para fins carnais, mas não armas carnais para fins espirituais; meios terrenais para fins terrenais, mas não meios terrenais para fins celestiais. O céu governa aqui, e que isso fique registrado assim.” Que lição de vida! Que fundamento!
Bem, você pode nunca ter cometido um assassino, mas não tenho dúvidas de que pelo menos alguns dos que lêem essas linhas aprenderam lições muito profundas dessa natureza: que você simplesmente não pode prosseguir com Deus neste nível, você não pode seguir em frente com Deus nesta linha, não pode servir a Deus em Seu propósito celestial desta forma: na força da carne. Isso é muito fiel ao princípio divino. O céu não aceitará nada desse tipo, mas demandará por sua própria vida e natureza. Essa foi a crise entre o celestial e o terrenal no treinamento de Moisés.
(c) Quarenta anos no deserto
Então, temos a próxima fase: a ida para o deserto, para um “deserto remoto” pelos próximos quarenta anos. Oh, certamente isso não tem lugar na economia de Deus! Sim, os desertos sempre representam e significam uma coisa, onde quer que você os encontre. Eles significam o esvaziamento pessoal. Pense sobre isso. Você não poderá ser uma pessoa muito importante, autossuficiente e autoconfiante em um deserto. Um deserto nos esvazia de tudo isso. Não é somente você que está no deserto: o deserto entra em você, tornando-o estéril, desolado, incapaz, inútil. Você não acha que em quarenta anos no deserto isso não foi injetado em Moisés? O que estava acontecendo?
Esse é o lado negativo do treinamento, representando o cancelamento do Egito e do mundo. O Egito apontava para autossuficiência, sempre foi o sinônimo de independência – e o Egito precisava ser tirado de Moisés. Ele precisou ser esvaziado do espírito e dos princípios do mundo. O Egito havia entrado em Moisés e agora estava sendo posto para fora, enquanto exatamente o contrário do Egito estava entrando. Esse lado que chamamos de negativo é uma parte integrante da escola do caminho celestial. Isso nos leva interior e espiritualmente ao lugar onde vemos de modo claro que em nós não habita bem algum, e que não seremos capazes de produzir e realizar nada. Esse é o deserto. Não entenda mal nem falhe em reconhecer isso. Isso é verdadeiro com relação à vida, à experiência e é alinhado aos princípios celestiais. É necessário que haja uma abertura de espaço em nós para o céu, pois não há lugar para o céu em nós por natureza.
(d) A difícil prova de emancipação
Então, temos o próximo passo depois disso: Moisés é trazido de volta ao Egito para a difícil prova da emancipação. Agora é o Senhor, não mais Moisés. Ou tudo vai ser o Senhor agora, ou nada acontecerá. Mas será o Senhor. “Agora verás o que hei de fazer” (Êx 6.1). Certo dia, Moisés disse: “Agora você verá o que eu farei”, e o egípcio sentiu o peso disso, e, no dia seguinte, o hebreu. Mas isso acabou, e o Senhor agora diz: “Agora verás o que hei de fazer”. “Eu vou agir, agora que você parou.” A posição é alterada, tudo agora se torna possível. Houve uma transição do negativo para o positivo. A grande e difícil prova da emancipação desse povo tem início.
O primeiro estágio relaciona-se com a vara e a mão. Vemos em Êxodo 4: “Que é isso na tua mão?” “Uma vara.” “Muito bem; por meio daquela vara as coisas serão realizadas.” “Põe agora a tua mão no teu seio” [vv. 2,6] “Retire-a” – branca e leprosa. “Torna a pôr a tua mão no teu seio”. “Retire” – limpa e íntegra.
A vara
O que a vara representa? Sabemos que a vara usada por Moisés se tornou a vara usada por Arão, aquela que brotou quando o sacerdócio foi posto à prova (Nm 17). Doze varas foram colocadas na tenda do testemunho durante a noite, representando as tribos. De manhã, havia onze varas mortas e uma viva – o emblema de um sacerdócio vivo. E não se esqueça: o sacerdócio se relaciona com o espiritual. Eles teriam de lidar com todos os deuses dos egípcios. Eles são impuros, corruptos, maus, comitiva do diabo. Se faz necessário o grande poder de um sacerdócio santo para lidar com essa situação impura. É a vara da palavra da Cruz. A palavra da Cruz é uma vara poderosa.
Qual é a questão relacionada a toda essa provação? É a afirmação do Senhor: “Os egípcios saberão que eu sou o Senhor” (Êx 7.5). Essa é a questão. Vamos então começar a aplicá-la de maneira prática por meio da palavra da Cruz, a palavra do sacerdócio vivo.
Aplique-o primeiro a toda a esfera da natureza, da criação. “Eu, o Senhor, as criei” (Is 45.8). O Senhor do Calvário é o Senhor da criação, e a primeira aplicação da palavra da Cruz ocorreu no Egito. Com um toque do Senhor da criação, o mundo dos seres vivos é trazido a julgamento. Eis a questão: “Eu sou o Senhor” [Êx 7.5].
A segunda aplicação é em relação aos céus – pois o Senhor fez os céus assim como fez a terra –, e os elementos são tocados por meio de Sua palavra. Se olhar para o Calvário, você verá ali todas essas características. Quando Ele, o grande Pioneiro do caminho celestial, foi à Cruz, toda a criação foi afetada. O céu e a terra estavam envolvidos. Houve um grande terremoto, e houve “trevas sobre toda a terra, até a hora nona” [Mt 27:45]. A criação e os próprios elementos sofreram o impacto Daquele que é a Palavra na Cruz. Isso aconteceu tipologicamente no Egito.
Então, em terceiro lugar, temos a aplicação para o inferno. Qual é a maior arma do inferno? A morte, “o último inimigo” (1Co 15.26). A morte não é nossa amiga, é o último inimigo, e a morte foi o último juízo do Egito. A fortaleza do inferno foi invadida, o poder da morte foi conquistado para a emancipação de um povo. Foi isso que Cristo fez na Cruz. Esta é a palavra da Cruz: o inferno foi invadido e a morte foi capturada para servir aos fins determinados por Deus, em vez de frustrá-los. No Egito, a palavra, por meio da vara, tocou o primogênito com a morte, e o inferno foi picado em seu âmago com seu próprio ferrão. Mas isso não é tudo. Aquela mesma vara guiou o povo para fora, executando a redenção do Egito através do Mar Vermelho. “E tu, levanta a tua vara, e estende a tua mão sobre o mar” (Êx 14.16). A palavra da Cruz é a palavra da vida triunfante sobre a morte. A morte é vencida, a vida e a incorrupção são trazidos à luz [2Tm 1.10]. Por meio da vara da palavra da Cruz, por meio dessa provação maravilhosa de emancipação, Moisés aprendeu uma coisa: que o céu governa.
O céu governa esta criação, o céu, o inferno. O céu também governa os reinos dos homens para a emancipação dos eleitos. Essa é a história da intervenção do céu.
Você se pergunta porque tudo foi gradual, não acontecendo de uma só vez. O efeito da vara foi apenas parcial no início, mas ganhou força e poder à medida que avançava.
Temos dois lados. Por um lado, existe o caráter progressivo dessa educação: ela é gradual. Não vamos ver e conhecer todo o poder do céu instantaneamente. Aprendemos um pouco de cada vez. É uma coisa gradual. Esse poder se manifesta até um ponto uma vez, vai um pouco além na próxima. Não é isso que estamos aprendendo? Aprendemos esta lição de maneiras simples: como o céu é maior do que a terra, do que o homem, a natureza, o inimigo. Estamos aprendendo cada vez mais, passo a passo, o significado dessa tremenda e infinita ascendência do céu.
Mas existe outro lado. Deus, progressivamente, está ampliando as forças contrárias, estendendo-as gradualmente. “Eu lhe endurecerei o coração”; “Eu, porém, endurecerei o coração de Faraó”; “Eu endurecerei o coração de Faraó”; “o Senhor endureceu o coração de Faraó” [Êx 4.21; 7.3; 14.4;8]. Deus poderia tê-lo eliminado com um só golpe, mas Ele estendeu isso ao limite máximo. O poder deste mundo será ampliado em toda a sua extensão para encontrar o poder infinito do céu, e então, ao final de tudo, a superioridade do céu será muito clara.
Já dissemos isso tantas vezes, e é verdade. Embora não possamos compreender, ver ou calcular, a verdade é que “o poder que em nós opera” é “a sobre-excelente grandeza do Seu poder” (Ef 3.20; 1.19). Não sabemos, somos incapazes de mensurar a imensidão das forças que operam contra a salvação de uma alma, que se opõem ao propósito de Deus para Seu povo. Sabemos um pouco a respeito, e saberemos mais e mais à medida que avançarmos, mas quando a Palavra menciona “a sobre-excelente grandeza do Seu poder”, isso não é apenas um figura de linguagem, mas é uma tentativa, apenas uma tentativa, por meio da linguagem, dos superlativos, de tudo o que a linguagem humana pode fazer, de transmitir a realidade. “E qual a sobre-excelente grandeza do Seu poder sobre nós, os que cremos, segundo a operação da força do Seu poder, que manifestou em Cristo, ressuscitando-O dentre os mortos” (Ef 1.19,20). E essa palavra é direcionada a nós.
Temos algo extraordinário aqui. Temos a superioridade do céu sobre toda essa situação de trazer um povo para fora e conduzi-lo através. Estamos nessa escola. Moisés esteve nessa escola. Ele foi submetido a essa provação para que pudesse progressivamente, mas de forma bastante firme e definitiva, reconhecer que tudo o que está aqui no Egito, representado por faraó, será drenado até a última gota de sua vitalidade e morrerá. Moisés às vezes ficava apreensivo, voltava do desafio desapontado. Ele sentia: “Ainda não chegamos lá, ainda falta alguma coisa”. “Tudo bem”, dizia o Senhor; “nós teremos algo mais.” O Senhor estava educando Moisés, e este estava vendo mais e mais progressivamente. Você não acha que, se Deus fizesse tudo de uma vez, em um ato, perderíamos alguma coisa, tomaríamos as coisas como garantidas, não teriam tanto valor para nós, seriam apenas um milagre do passado? No entanto, ao longo de nossa vida, Deus está estendendo as forças opositoras que operam contra nós para provar que Suas forças são superiores. É uma longa escola, mas esse é o caminho do propósito celestial.
A mão
Agora vamos falar da mão. “Põe agora a tua mão no teu seio” [Êx 4.6]. Que mão? Aquela mão que havia assassinado o egípcio, manchada de sangue, a mão da força natural, da autossuficiência. Aquela mão representava o velho Moisés e seu fracasso, fracasso debaixo da energia e do impulso da própria vontade. “Ponha essa mão no teu seio. O que está ali, Moisés? Isso é aquilo que provém de você. Você acha que pode manejar a vara de Deus? Acha que com isso pode trazer a autoridade celestial? Oh não! Essa mão precisa ser limpa antes que você possa empunhar aquela vara. Esse seio precisa ser limpo, aquela mancha deve ser removida, toda aquela energia do ego e da autossuficiência deve ser eliminada. Moisés, aquela mão leprosa é aquilo que você é em si mesmo.”
Não é isso que estamos descobrindo? Como é nosso coração? Como nós somos? Exatamente assim. Quanto mais nos conhecemos e vemos a nós mesmos, mais clara é a semelhança com a lepra. Mas, bendito seja Deus, existe uma purificação.
Um ato Divino de purificação ocorreu em Moisés. Naquele instante, todo o significado da Cruz, da palavra da Cruz, entrou em vigor na vida de Moisés, em tipo, em figura. A partir daí é possível receber a palavra da Cruz, a palavra de autoridade, quando temos uma mão purificada, ou seja, um coração circuncidado, uma vida interior separada da força e da suficiência carnais. As coisas devem acontecer assim. Não teremos poder no reino dos deuses dos egípcios, aquelas forças espirituais que atuam neste mundo, não teremos nenhuma autoridade nessa esfera, nem mesmo temos esperança de dominar essa força a menos que algo tenha acontecido para nos libertar de nossa própria força, de nossa suficiência, de nosso próprio coração.
(2) Israel sob a liderança de Moisés
Depois entramos naquela fase, que é tão longa que mal ouso tratar dela agora, que foi Israel debaixo da liderança de Moisés. Foi uma prolongada controvérsia entre o celestial e o que é terrenal. Todos aqueles quarenta anos da nação no deserto se resumiram nisto: a controvérsia entre o celestial e o terrenal. Eles foram tornados um povo celestial para ter todos os seus recursos, apoio e socorro vindos do céu. Deveriam estar neste mundo, mas não pertencer a ele. Essa verdade é muito clara em um deserto: estar no mundo, sem pertencer a ele.
O propósito Divino era criar um lugar mais amplo para o céu. Ali naquele deserto havia muito espaço para o céu. Tudo que viesse do lado Divino precisaria ser celestial. O povo foi constituído segundo princípios celestiais. Moisés no monte estava assegurando aqueles princípios celestiais para a constituição da nação. Tudo estava sendo recebido do céu. De acordo com o padrão mostrado no monte, todo o relacionamento do povo de Israel com Deus no deserto, que era centralizado no tabernáculo, veio do céu. Tudo era celestial, nada havia sido deixado para o homem e seu próprio julgamento. Sua caminhada dia a dia dependia de meios celestiais: da coluna de nuvem e de fogo [cf. Êx 13.21]. Tudo era celestial. Que combate celestial: Moisés no cimo do outeiro, com as mãos levantadas, a batalha acontecendo no vale. O céu estava dirigindo essa guerra: um combate celestial [cf. Êx 17]. Tudo se resumia em aprender o significado do caminho celestial, em cada um de seus aspectos.
Mas eles falharam em aprender essas lições, desceram à terra, rejeitaram o celestial. Aquele caminho era muito árduo, era muito difícil para a carne, era muito incerto. Demandava tanta dependência, tornando o ego absolutamente incapaz. Eles não poderiam fazer nada por si mesmos – e nós desejamos muito ajudar a nós mesmos nessas condições. Tudo era tão celestial, apesar de ter sido muito real. Aqueles que conhecem alguma coisa a esse respeito bem sabem que as coisas celestiais são extremamente reais, muito mais reais do que as outras coisas. Mas eles não adotaram e repudiaram o caminho celestial, optando pelo terrenal, e todos pereceram, na terra, no deserto.
Josué e Calebe aprenderam todas aquelas lições da escola de Moisés e de Israel por si mesmos. Eles aprenderam as lições, compreenderam a verdade celestial e tomaram a próxima geração: uma geração celestial.
Bem, tudo isso pode ser considerado história, assim como tudo que está na Bíblia. No entanto, tenho certeza de que muitos de vocês estão lendo sua própria história. Consideramos esse princípio muito fiel à nossa experiência, àquilo que Deus está fazendo conosco: derrotando-nos, confundindo-nos, levando-nos a um fim, a um vazio e ao absoluto desamparo? Ainda assim, por meio de um grande poder que não sentimos, do qual não temos consciência, continuamos “sendo arrastados para a frente e para cima”. Essa é a história da sobrevivência de tantos, quando tudo parecia ter se perdido, quando falhamos, fomos quebrados, desapontamos o Senhor; e acreditamos não haver mais futuro diante de nós.
Mas existe um futuro. Nós continuamos em frente. Existe algo do além que nos sustenta o tempo todo, e talvez hoje nosso coração esteja mais voltado para o que é de Deus do que ocorria antes. E por que isso acontece? Não porque tivemos mais sucesso, nem porque somos menos cheios de fraquezas e falhas. Não; aprendemos a lição de nossa própria fraqueza. Sabemos hoje, melhor do que nunca, que “em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7.18) – e hoje o Senhor tem uma influência ainda mais forte sobre nós. Como isso é possível? Esse é um mistério. Oh, graças a Deus isso é verdade! Agradeça a Deus por Sua graça soberana! Essas são as evidências de que Ele nos chamou com um grande chamado e que não ficará satisfeito até que nos conduza a Seu propósito final. Que sigamos em frente, custe o que custar.
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