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Apostolado ou apostolice? (Márcio Redondo)

Uma leitura atenta do Novo Testamento nos leva a questionar não apenas certas práticas do movimento apostólico moderno, mas o próprio movimento.

Já faz algum tempo eu andava curioso por conhecer melhor o chamado movimento apostólico. Não estou falando da Igreja Primitiva, não. Refiro-me aos apóstolos de nossos dias, esses que começaram a pipocar depois de 1980. Então, há pouco mais de um mês, reencontrei meu amigo Freddy Guerrero, que mora em Quito, no Equador. Tive a grata surpresa de saber que ele está investigando o assunto, como parte de seus estudos de pós-graduação. Eu, um leigo no assunto, diante de um “expert”… É claro que bombardeei-o de perguntas.

Descobri várias coisas. Existem pelo menos três grandes redes apóstolicas. É isso mesmo. São três redes. Quer dizer, estão divididos. Desde logo, vê-se que os apóstolos do século XXI não são um exemplo de unidade em Cristo. Em todas as três redes há uma fortíssima ênfase na batalha espiritual. A maior das redes é de linha carismática. Outra é messiânica, e a terceira é judaizante. Aliás, fiquei de queixo caído ao saber que os apóstolos da linha judaizante negam que Jesus seja Deus.

O movimento apostólico ensina que cada apóstolo possui autoridade espiritual sobre territórios específicos. Um é apóstolo de Buenos Aires, outro é da Cidade do México, e assim por diante. É claro que o Brasil também já está “loteado”. Segundo cálculos feitos por Freddy, existem hoje no mundo todo uns 10 mil “apóstolos”. Estes alegam possuir a mais alta autoridade espiritual em suas respectivas regiões. Todas as igrejas, de qualquer denominação, e mesmo aquelas sem filiação denominacional estão sob a autoridade deles. Bem, pelo menos é assim que pensam.

Aproveito para mencionar que Freddy chegou a ser convidado por um “apóstolo” argentino para se tornar “apóstolo” de Quito. Se tivesse aceito, o argentino teria imposto as mãos sobre Freddy e hoje eu seria amigo de um “apóstolo”. Felizmente, Freddy teve o bom senso de rejeitar o convite. Fica um pouco a idéia de clube do Bolinha, com um apóstolo convidando alguém para se tornar um deles.

Pessoalmente, creio que alguns desses “apóstolos” são sinceros em seu desejo de servir a Deus, embora estejam equivocados. Mas não posso dizer isso de todos. Sem citar nomes, Freddy me contou casos de “apóstolos” envolvidos em escândalos sexuais, disputas por poder, enriquecimento à custa das igrejas, etc. Um outro amigo me contou de um “apóstolo” aqui no Brasil que, na sua estratégia de batalha espiritual, resolveu delimitar as fronteiras de sua jurisdição. Como Jesus Cristo é apresentado na Bíblia como o leão de Judá (Apocalipse 5.5) e como os leões demarcam seu território com urina, esse “apóstolo” começou a sair pelas ruas de sua cidade e circunscrever sua área com… sua própria urina! Quanta ingenuidade!

Uma leitura atenta do Novo Testamento nos leva a questionar não apenas certas práticas do movimento apostólico, mas o próprio movimento. Se não, vejamos:

Biblicamente a palavra “apóstolo” tem a idéia de procurador ou representante de alguém. A ênfase do vocábulo não está na tarefa em si, mas em quem deu a tarefa ao apóstolo. Por esse motivo, em várias de suas cartas, Paulo se apresenta como “apóstolo de Cristo Jesus” (Galátas 1.1; Efésios 1.1; Colossenses 1.1; 1 Timóteo 1.1; 2 Timóteo 1.1), pois é Jesus quem o havia comissionado. E essa procuração era intransferível. Nem Paulo nem os demais apóstolos da Igreja Primitiva tinham o direito de chamar alguém para ser apóstolo junto com eles. A escolha de alguém para o apostolado era prerrogativa do próprio Jesus (Atos 1.2).

Além disso, apóstolo era alguém que viu pessoalmente a Jesus ressuscitado (Atos 1.21-26). Aliás, ao defender seu apostolado, Paulo faz uma clara associação entre ser apóstolo e ter visto Jesus (1 Coríntios 9.1). Ele também afirma que Jesus ressuscitado apareceu a todos os apóstolos. No seu caso pessoal, Jesus apareceu-lhe “como a um que nasceu fora de tempo” (1 Coríntios 15.7), pois foi em circunstâncias excepcionais, após Jesus ter subido ao céu, que Paulo viu Jesus (Atos 9.3-6).

Os apóstolos do Novo Testamento caracterizavam-se, entre outras coisas, por “sinais, prodígios e poderes miraculosos” (2Co 12.12; ver tb At 5.12). Isso funcionava como confirmação de que o apóstolo recebera autoridade da parte do Senhor Jesus. Os acontecimentos não eram coisas do tipo cair no culto, mas verdadeiros milagres, como cura de aleijados de nascença (At 3.2-8; 14.8-10) e ressurreição de um jovem (At 20.9-12).

Para concluir, o ministério apostólico neo-testamentário não era delimitado geograficamente. Paulo, por exemplo, foi apóstolo dos gentios (Galátas 2.8; Romanos 11.13). Não estava preocupado com territórios, mas com pessoas. Para ele não havia fronteiras. Seu interesse era levar não-judeus ao conhecimento de Jesus, não importa onde estivessem.

Minha dificuldade em aceitar o movimento apostólico dos nossos dias reside em que os “apóstolos” modernos não viram Jesus ressucitado, não foram designados pessoalmente pelo próprio Jesus, não realizam prodígios e sinais como na época do Novo Testamento e, ao contrário dos apóstolos do século I, se preocupam com a distribuição territorial. Minha conclusão é que tais pessoas declaram-se apóstolos, mas na verdade nunca o foram (2 Coríntios 11.13; Apocalípse 2.2).

Se, apesar das objeções acima, você ainda está pensando em seguir a profissão de apóstolo, é melhor se apressar. Infelizmente as áreas nobres já estão ocupadas. Mas ainda existem cidades menores sem dono. A propósito, parece que a Antártida ainda não tem apóstolo. Um continente inteiro à disposição! Alguém se candidata?

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Márcio Redondo, membro da Igreja Batista Bairro Aeroporto (Londrina, PR), é professor de tempo integral da Faculdade Teológica Sul-Americana, onde também exerce as funções de Vice-Diretor e Coordenador de Pós-Graduação e Pesquisa e edita a revista eletrônica Teologia Hoje. Pastor e professor de teologia desde 1976, é também conhecido por seu trabalho de tradução de livros acadêmicos, inclusive Bíblias. É casado com Marilza e pai de Ester e Rute.

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O santuário do Deus vivo (Martin Lloyd-Jones)

“Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os discípulos de que está escrito: O zelo da Tua casa Me consumirá.” (João 2.13-17)

Detivemos nosso olhar sobre a purificação do templo, considerando, em termos gerais, a mensagem transmitida por esta passagem à Igreja, como um todo. Mas, como muitos comentaristas ao longo dos séculos concordam, obviamente, também há uma mensagem individual ao cristão. Vimos como as pessoas, imediatamente, obedecem ao Senhor quando O ouvem, e compreendemos que a única explicação para tal obediência é que essas pessoas se conscientizaram do poder eterno e da divindade Dele. Portanto, precisamos ter isso em mente ao aplicar individualmente a mensagem desse acontecimento.

Como tenho afirmado, minha proposição é que o grande tema do Evangelho de João está neste versículo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (10.10). Também estou sugerindo que cada um dos dramáticos acontecimentos relatados no Evangelho de João nos fornece algum aspecto adicional do ensino referente à forma pela qual Ele nos propicia a grande bênção de Sua plenitude.

É muito importante, portanto, que O consideremos como Ele é, ou seja, como o Senhor. É Ele quem age, quem decide quando e como agir. A pergunta que desejo colocar diante de você é esta: Você já recebeu de Sua plenitude e graça sobre graça? Sempre devemos nos fazer esta pergunta porque todas as ações de Jesus podem ser compreendidas e interpretadas à luz disso. Tudo o que Ele realizou e afirmou é uma indicação do que é essencial antes de alcançarmos aquela plenitude, e aqui Jesus nos mostra, de forma clara e definitiva, uma dessas condições.

Você se lembra que Jesus foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa, conforme a lei ordenava que todos os judeus fizessem. Nós O vimos chegando ao templo e soubemos o que Ele encontrou ao entrar lá: no pátio externo, mercadores vendiam bois, ovelhas e pombas para os sacrifícios, e cambistas trocavam moedas estrangeiras pela moeda local. Aquele cenário encheu nosso Senhor com um sentimento de terror e indignação. Ele virou as mesas dos cambistas, expulsou os mercadores e seus animais e ordenou aos que vendiam pombas para que as retirassem daquele local. Ele, como o fez naquela ocasião, purifica o templo.

Qual é, então, o ensino? Qual é a mensagem que recebemos como indivíduos? Permita-me colocar desta forma: nossa alma é como templo no qual nosso Senhor faz moradia. Esta é nossa proposição básica e fundamental. Isso é definitivo neste assunto sobre salvação cristã. Esta salvação não apenas significa que nossos pecados são perdoados, ou que temos a certeza de que não iremos viver eternamente no inferno porque Deus perdoou aos nossos pecados. Tampouco apenas significa que recebemos uma nova natureza. De fato, todas essas coisas são verdadeiras e gloriosas, e devemos agradecer a Deus por elas. Porém, a salvação cristã nos oferece algo além disso que é, nada mais, nada menos, que o próprio Senhor Jesus Cristo habitando em nós. Essa é a ilustração que encontramos em diversos lugares da Bíblia. Realmente, no Antigo Testamento somos informados de que o templo não deveria apenas nos ensinar a respeito da Igreja em geral e sobre como prestar culto na casa de Deus, mas também nos fornece um quadro individual da nossa alma.

Mais adiante, no Evangelho de João, essa verdade é colocada diante de nós de forma clara e explícita. Nosso Senhor está lembrando aos discípulos que Ele irá deixá-los, mas acrescenta que não os deixará sem consolo. Ele disse: “Naquele dia, vós conhecereis que Eu estou em Meu Pai, e vós, em Mim, e Eu, em vós. Aquele que tem os Meus mandamentos e os guarda, esse é o que Me ama; e aquele que Me ama será amado por Meu Pai, e Eu também o amarei e Me manifestarei a ele” (14.20, 21). Logo depois, no versículo 23, lemos: “Respondeu Jesus: Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra; e Meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.” Esta é a plenitude da experiência cristã. O propósito supremo de Deus é habitar em nós, homens e mulheres, ou seja, “a vida de Deus na alma do homem”, como afirmou Henry Scougal.

Veja como Paulo expressa isso, na Segunda Carta aos Coríntios. Ao questionar: “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos”, ele lembra aos seus leitores esta grande promessa: “Porque nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16). Em 1 Coríntios, ele diz: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós” (6.19). Esta é a suprema verdade que deveríamos sempre ter em mente com respeito à nossa fé. Como já vimos, a oração de Paulo pelos efésios era esta: “Para que, segundo a riqueza da Sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o Seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé” (3.16, 17). Paulo estava escrevendo aos cristãos, mas também estava orando para que eles perseverassem nesse conhecimento.

Nunca devemos nos contentar com algo que seja inferior a essa vida cristã. Temos de aprender a considerar nossa alma como santuário no qual Deus faz moradia: Deus, o Pai, Deus, o Filho e Deus, o Espírito Santo. Notamos que este ensino está sempre presente quando cristãos são levados a perceber tudo o que lhes é possível como crentes em Jesus Cristo.

Assim, havendo iniciado este capítulo com a proposição de que cada um de nós é o santuário de Deus, a próxima questão que devemos responder é esta: Em que condição se encontra este santuário? Agora é que percebemos a relevância daquele incidente ocorrido no templo de Jerusalém. Em tempo, quero deixar bem claro que não estou preocupado com aqueles que não são cristãos. Estou falando especificamente para aqueles que são cristãos. Nosso Senhor está no templo, o lugar que Deus concedeu aos filhos de Israel. Aqui Ele não está lidando com os gentios, mas com o povo judeu. Ele está lidando com pessoas religiosas, com o próprio povo de Deus. É importante ter isso bem claro em mente porque, caso contrário, poderemos perder o ponto principal desse incidente. Sempre estamos alertas para enxergar certas coisas que falam aos não-cristãos, porém aqui estamos preocupados com o que deve ser feito e com o que o Senhor fará com os crentes, a fim de que Ele possa vir e fazer moradia no coração deles, pela fé. Assim, é necessário que examinemos o templo, exatamente como o Senhor fez, quando foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa.

Um antigo puritano colocou esse assunto de forma muito clara utilizando uma analogia. Considerando primariamente os irregenerados, ele afirmou que a condição de homens e mulheres no pecado, como resultado da Queda, é similar ao estado de muitos dos antigos castelos, facilmente encontrados nos países europeus. Você encontra o castelo em ruínas, tomado pela vegetação de espinhos e outras, mas, se olhar atentamente, com freqüência, descobrirá uma pequena inscrição, em algum lugar, onde lerá: “Em tal época, fulano e beltrano moraram aqui.” Aquele castelo foi moradia de alguma pessoa de destaque no passado. O antigo puritano disse que este é o tipo de inscrição que encontramos gravada na alma de cada um dos não-cristãos: “Deus já morou aqui.” Deus não mora mais ali, o local está em ruínas, em processo de destruição. As paredes e ameias estão parcialmente desmoronadas e a vegetação invadiu o local de tal maneira que é difícil perceber que aquelas ruínas já foram, algum dia, a morada de alguém. Este é o não-cristão, mas estamos considerando o cristão; por isso, a questão é: O que encontramos neste santuário?

Com certeza, a mensagem é de que a condição da alma de muitos crentes é muito similar àquela encontrada por Jesus, no templo de Jerusalém. Aqui está a casa de Deus, com todos os cerimoniais indicados e ordenados pelo próprio Deus, mas nosso Senhor descobre que há certo abuso de tudo isso. O lugar está sendo usado para servir aos propósitos egoístas dos homens, e atividades que, em si mesmas, são legítimas, como comprar e vender bois, ovelhas e pombas ou trocar dinheiro, têm-se transformado no centro, na atividade principal. Assim, nosso Senhor afirmou que eles haviam tornado “a casa do Pai em casa de negócio”. E aqui cada um de nós é desafiado a examinar o estado de nossa própria alma, este lugar no qual Deus deseja habitar.

Se o Senhor examinasse nossa alma, neste exato instante, como a encontraria? O que há para ser descoberto ali? Seria pecado? Seria maldade? Jesus encontraria coisas que não deveriam estar lá? Haveria certo elemento de descrença, dúvida ou incerteza? Haveria coisas horripilantes, tolas e sem valor? E sobre nossos pensamentos, fantasias e intenções do coração? Estas são as coisas pelas quais Ele esquadrinha nossa alma.

No Antigo Testamento, ao examinar todos os detalhes que Deus ordenou, primeiramente a Moisés, depois a Davi e Salomão sobre a construção do tabernáculo e do templo, podemos ver que tudo foi projetado com o intuito de criar um local adequado para que Deus pudesse ali habitar. Porém, há outra maneira, mais importante, pela qual devemos nos examinar. O grande problema com aquelas pessoas é que elas estavam fazendo um mau uso de muitas coisas que Deus indicou como formas e meios de culto, buscando servir a seus fins indignos. Portanto, o mais importante é nos questionarmos: Que uso estamos fazendo do Evangelho de nosso Senhor e Salvador?

Cremos na doutrina da justificação pela fé, no perdão gratuito dos pecados. Isso é correto, mas que uso estamos fazendo disso? Estamos dizendo que, portanto, não importa mais como agimos ou nos comportamos, que podemos pecar porque sabemos que seremos perdoados? Estamos fazendo algum tipo de “comércio” com a cruz de Cristo? Esta é uma expressão utilizada por Pedro: “Movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias” (2 Pe 2.3). As pessoas transformam o sangue e a cruz de Cristo em benefício pessoal.

Em outras palavras, será que estamos dizendo: “Bem, agora creio no Senhor Jesus Cristo. Eu sei que serei perdoado, não há dúvidas sobre isso. Portanto, posso fazer o que desejar. Tudo o que tenho de fazer é me arrepender, dizer que sinto muito e serei perdoado”? Se pensamos desta maneira, estamos fazendo um mau uso, um comércio com o sangue de Cristo.

Assim, este é o tipo de lição que nosso Senhor está nos ensinando quando, munido de um chicote de cordas, expulsou aquelas pessoas do templo. Estamos usando a graça, as glórias do Evangelho, simplesmente para cauterizar nossa consciência, para permanecer em pecado e evitar a punição? Esta é uma atitude terrível, e creio que, quando examinamos nosso interior, com freqüência, nos descobrimos culpados da acusação de estar, da maneira mais sutil e diabólica, fazendo mau uso das coisas que Deus nos concedeu em nosso próprio benefício.

Existem muitas coisas mais sobre as quais podemos nos examinar – não entrarei em detalhes. “Examine-se, pois, o homem a si mesmo”. Esta foi a instrução que Paulo nos deixou quando da celebração da Ceia do Senhor. Paulo disse isso porque os coríntios estavam abusando desta cerimônia. Alguns deles participavam da Ceia apenas para beber e comer em demasia. Por esta razão, encontramos esta terrível advertência: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo.” Por quê? Porque, diz Paulo, quer você faça isso ou não, acumulará juízo para si. Porque ele não criam como deveriam, havia entre ele muitos fracos e doentes e não poucos que dormiam (1 Co 11.28-30). Se você não deseja ser julgado e condenado com o mundo, examine-se a si mesmo, livre-se dessas coisas. E devemos fazer o mesmo, em todo o tempo. Não há nada mais terrível do que utilizar o dom da graça, a casa de Deus, as glórias e as bênçãos do Evangelho para servir a propósitos pessoais e egoístas.

Eu creio – graças a Deus por isso! – que hoje em dia há menos possibilidade de encontrarmos essa situação do que no passado. Há cem anos ou mais, quando o costume de ir à casa de Deus era mais freqüente, as pessoas eram mais culpadas desse pecado do que nos dias atuais. Como indiquei no capítulo anterior, as pessoas utilizavam a casa de Deus e os meios da graça em benefício de seus negócios pessoais ou sua carreira. Não há muito disso hoje, talvez porque vivemos em um tempo no qual o culto a Deus não seja mais tão popular como era no passado. Porém, ainda em nossos dias há a possibilidade de estarmos utilizando as coisas que Deus nos concede de forma indigna. Portanto, quando nos auto-examinamos, estou certo de que estamos prontos a compartilhar com aquele que disse:

Vem as ruínas da minha alma reparar,
e meu coração uma casa de oração tornar.
Charles Wesley

Mas, tendo expressado o princípio geral, permita-me mostrar-lhe as coisas particulares que precisamos compreender à luz deste ensino. A primeira é o senhorio de Cristo. Aqui está Ele, indo ao templo e assumindo o controle, a despeito de ser apenas um carpinteiro nazareno. Ele faz isso como Alguém que tem o direito de fazê-lo, que tem autoridade. O lugar Lhe pertence. Ele menciona, no versículo 16, “a casa de Meu Pai”. Ele não disse “nosso” Pai, mas “Meu” Pai, indicando, portanto, que Ele não era outro senão o Filho de Deus e que vinha como o Senhor do templo, o Único a ter o direito de fazer o que desejasse ali.

É trágico perceber que no evangelismo, com freqüência, se faz uma distinção de Jesus Cristo como Salvador e como Senhor. Claro que há uma diferença, mas se você força uma divisão está cometendo um dos mais perigosos erros que se pode conceber. Isso acontece, não é verdade? Jesus Cristo é apresentado apenas como o Salvador, transmitindo a idéia de que, em primeiro lugar, você deve aceitá-Lo como Salvador e, somente mais tarde, você será apresentado a Ele como Senhor. E, então, lhe dirão: “Já que você O aceitou como o Salvador, aceite-O agora como o Senhor de sua vida.” Como se fosse possível receber Jesus como Salvador e não como Senhor!

Uma das lições mais importantes desse incidente é que devemos aceitar Jesus como Ele é. Ele sempre surge na plenitude de Sua abençoada pessoa. Nós não acreditamos em “Jesus”, mas no Senhor Jesus Cristo. Não podemos dividi-Lo desta maneira. Ele insiste para que O recebamos integralmente. Não existe a possibilidade de recebermos as bênçãos do perdão e da purificação sem, ao mesmo tempo, crer em Jesus como o Senhor. Ele não veio apenas para que fôssemos perdoados, mas Ele “se deu por nós, a fim de remir-nos de toda a iniqüidade e purificar, para Si mesmo, um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Ele veio para conduzir-nos a Deus (1 Pe 3.18). Ele veio para nos tornar um povo santo, e nenhum aspecto da salvação deve ser visto isolado desta verdade.

Você diz que crê na morte de Cristo na cruz por seus pecados. Muito bem, mas imediatamente isso implica outra dedução, como Paulo escreveu: “Acaso não sabeis (…) que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço” (1Co 6.19, 20). Ao morrer na cruz, Jesus “comprou” você e, portanto, você Lhe pertence, você é Dele. Ele é o Senhor do templo.

Este é o primeiro princípio da vida cristã. No momento em que somos convencidos do pecado, do perigo da punição e do inferno, compreendemos que temos sido escravos do pecado e de Satanás, mas que a partir daquele instante, mediante a fé em Jesus, não somos somente perdoados, mas estamos livres do antigo senhorio e pertencemos a Ele. Tornamo-nos escravos do Senhor Jesus Cristo.

Quantos problemas seriam evitados em nossa vida se apenas tivéssemos em mente esta compreensão! O cristão nunca é livre. Todos somos escravos, pois servimos ao diabo ou servimos ao Filho de Deus. O apóstolo Paulo gloriava-se com este título. Ele escreveu: “Paulo, servo de Jesus Cristo” (Rm 1.1). Portanto, desde o início nosso Senhor insiste em que observemos este senhorio.

Como vimos na festa de casamento em Caná da Galiléia, Ele não recebe ordens – Ele nem mesmo aceita sugestões. Ele é o Senhor que toma as decisões e determina o que fazer. Jesus agiu exatamente da mesma maneira no templo. Portanto, não há o que se discutir a esse respeito. Nós somos Sua legítima propriedade.

O próximo fato que Cristo deixa claro é que, quando Ele visita Sua propriedade, nada fica sem ser inspecionado. Não podemos esconder coisa alguma de Jesus. Novamente, há um grande princípio que aparece ao longo de toda a Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento. O exemplo clássico é o de Davi, filho de Jessé. Ele foi o maravilhoso rei de Israel, o “doce salmista”. Sim, este homem de Deus caiu em pecado. Ele planejou e conspirou, pensando que era muito esperto. Davi pensou que não havia deixado pista alguma, que todos os seus passos estavam encobertos. E, realmente, conseguiu enganar a quase todos. Somente uma ou duas pessoas sabiam o que ele havia feito. Davi pensou que tudo estava indo muito bem, mas logo percebeu que estava enganado. Deus enviou o profeta Natã para desmascará-lo, e seu pecado foi exposto.

No Salmo 51, Davi faz uma confissão completa, escrevendo palavras como estas: “Eis que Te comprazes na verdade no íntimo” (v. 6). Por fim, ele compreendeu que Deus não apenas se interessa por nossas ações externas, mas Ele conhece nosso coração.

Mais adiante, Davi escreveu: “Se eu no coração contemplara a vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (66.18). Agora, esta idéia significa esconder algo no coração. Ao mesmo tempo em que dizemos que somos cristãos, deliberadamente, escondemos algum pecado em nosso íntimo.

Davi escreveu que isso não era bom, pois o Senhor não o ouviria. Deus exige honestidade absoluta nesse assunto. Ele exige completa transparência, pois não pode ser enganado. Ele é onisciente e onipresente.

Encontramos a mesma idéia no Salmo 139: “Para onde me ausentarei do Teu Espírito? Para onde fugirei da Tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também (vv.7, 8). Não importa onde eu esteja – norte, sul, leste ou oeste –, não posso escapar da presença de Deus. Esta verdade é fundamental para a vida cristã. O problema é que muitos de nós imaginam Deus nos olhando em termos de pecados particulares. Mas não devemos pensar assim. Devemos pensar em termos de relacionamento e compreender que Deus conhece tudo a nosso respeito.

Talvez a afirmação mais clara sobre o conhecimento que Deus possui de nós encontra-se no capítulo quarto da grande carta aos hebreus. O autor escreveu:

Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia, seguindo o mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração. E não há nenhuma criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as cousas estão descobertas e patentes aos olhos Daquele a quem temos de prestar contas.
(vv. 11-13).

Ao final do Evangelho de Marcos, encontramos outra tremenda afirmação dessa verdade. Somos informados de que, pouco antes do fim, Jesus foi novamente ao templo em Jerusalém e observou tudo (11.11). Gosto de pensar que agora mesmo Ele está observando tudo em nossa alma, onde nada pode ser encoberto de Seus olhos, como o autor deste hino escreveu:

O Teu gentil, mas penetrante olhar,
pode esquadrinhar
as muitas chagas que a vergonha encobre.
Henry Twells

Estamos lidando com uma pessoa que é o Senhor, que não somente detém o direito e a autoridade, mas também possui completo conhecimento, visão e “poder de esquadrinhar” nosso interior.

Bem, o próximo princípio é que, desde cedo, Jesus deixa claro que abomina certas coisas. Ele não as tolerará em Sua casa e jamais caminhará lado a lado com elas. Essa é uma grande mensagem, não é? Não é incrível que possamos nos esquecer desta verdade? Estes são os primeiros princípios da vida cristã. Não há necessidade de apresentar grandes argumentos sobre os pecados particulares e tentar decidir o que é certo ou errado. É uma questão de relacionamento pessoal. Se você, simplesmente, pensar nisso, a maioria de seus problemas estará resolvida. Não haverá mais sentido em tentar fingir ou explicar certas atitudes, pois Ele está observando, vendo tudo o que fazemos.

Imediatamente, Ele revela o que pensa do pecado, e Sua atitude é clara. Há algo poderoso nisso. Possui seu aspecto terrível, mas também glorioso. Lemos no livro de Apocalipse como João O vê: “Os olhos como chama de fogo” (1.14). Seu olhar é de amor, de compaixão, o olhar de quem morreu por nossos pecados, mas também não podemos esquecer que Seus olhos são como chama de fogo. Este é o elemento de julgamento que é colocado no Evangelho de João nestes termos: “O zelo da Tua casa Me consumirá” (2.17).

Por que razão o Senhor desceu dos céus? Porque Ele viu a ruína e os estragos que o pecado no coração de homens e mulheres estava causando no Universo de Deus, especialmente na alma humana. Ele viu o que o diabo havia feito, e Sua alma de justiça foi afligida: “O zelo da Tua casa Me consumirá.”

Ele é consumido pela paixão da retidão, glória e justiça divinas. Este zelo está presente em Seu relacionamento conosco. Ele odeia o pecado: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar” (Hc 1.13). Isso também é verdadeiro com respeito ao nosso amado Senhor. Deus habita nesta “luz inacessível, a quem homem algum jamais viu” (1 Tm 6.16). Pense na visão de Isaías, encontrada em seu livro, no capítulo 6: a santidade de Deus, a fumaça enchendo toda a casa e as bases do limiar se movendo. Esta é uma visão de Deus e Sua glória eterna. Isso sempre revela o pecado e a impureza. Isaías clamou: “Então, disse eu: Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos” (v. 5).

E, claro, em todo este ensinamento, nosso Senhor mostra a condenação ao pecado. Jesus disse: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6.24). Há uma absoluta incompatibilidade.

Ainda, veja o que escreveu o apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 6. Aqui vemos uma afirmação lógica do que Cristo representava no templo de Jerusalém. Ouça as perguntas que Paulo faz. Primariamente, referindo-se à questão do cristão casar-se com um não-cristão, o apóstolo afirma: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos” (v. 14). Ele diz para não fazermos isso. Mas, qual a razão dessa proibição? Paulo apresenta argumentos na esfera de princípios gerais e pergunta: “Que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos?” (vv. 14-16). Essas coisas, Paulo afirma, são completamente opostas. Você não pode misturar a justiça com a injustiça, a fé com a descrença. Tentar fazer isto sempre resultará em tragédia. Nosso Senhor deixa isso bem claro por Sua reação no templo de Jerusalém.

Tiago também tratou desse tema: “Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce” (3.11, 12). João utilizou uma linguagem ainda mais forte quando escreveu: “Aquele que diz: Eu O conheço, e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo 2.4).

Em outras palavras, o Senhor não habitará com bois, ovelhas, pombas e cambistas. Ele não fará moradia em um lugar de descontrole, enganos e impurezas. O último livro da Bíblia, Apocalipse, revela claramente esta verdade. Nos dois capítulos finais, uma visão do céu é apresentada, e lemos: “Nela, nunca jamais penetrará cousa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira” (21.27). Somente o que é puro, limpo e santo terá lugar no céu.

Então, à luz de tudo isso, o que acontece? A resposta é, de certo modo, bem simples. Há duas atividades; a nossa e a Dele. É sempre assim: “Tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo (…) e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio.”

Primeiramente – creio que isso tornará as coisas mais claras para todos nós – a maneira como Jesus agiu naquele acontecimento, surpreendeu a muitos de nós. Não conseguimos entender Suas atitudes e começamos a nos perguntar o que está acontecendo. Com freqüência, quando percebemos que não estamos vivendo a vida cristã que deveríamos, quando enxergamos que podemos ir além, pensamos que tudo o que precisamos fazer é confessar a Ele e pedir-Lhe por Sua bênção, que a receberemos imediatamente. No entanto, isso é puro engano. Você sabe o que conseguirá? Provavelmente, será açoitado. Se você assumir essas coisas com seriedade e desejar que sua alma seja a moradia de Deus, esteja preparado para receber os açoites. Se você pensa que, no mesmo instante, receberá um presente e uma resposta positiva, sendo preenchido com uma grande alegria e maravilhoso êxtase, está incorrendo em um grande erro. Sempre deverá acontecer uma limpeza antes, sempre haverá um processo de exame terrível. Deus revelará o que está escondido nos recantos escuros de sua alma, Ele explorará os calabouços úmidos, e você verá coisas em seu interior que lhe causarão arrepios e horror. Com certeza, você irá se queixar. Por vezes, desejará nunca ter iniciado esse processo. Sentir-se-á miserável e perceberá que as coisas, em vez de melhorarem, ficarão piores.

Mas tudo isso está correto e faz parte do tratamento. Se você não estiver preparado para ser açoitado, com certeza se sentirá desapontado e não conseguirá ir muito longe no processo. Ele sempre age dessa maneira. No instante em que você se achegar a Ele e dizer-Lhe: “Sim, este é Teu templo, Tu tens direito a ele, podes iniciar a limpeza”, Ele começará a agir em você, confeccionando um pequeno chicote de cordas e o utilizando. Ele expulsará o que não prestar. Lançará fora coisas que você tem valorizado ou amado. Jesus o fará sentir que está contra você e que já não há mais esperança. Porém, esta é a maneira de agir Dele. “O Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6).

Que coisa terrível é não conhecer a disciplina do Senhor. Se você não conhece isso, diz o autor de Hebreus, então, é um bastardos e não filho (v. 8). O texto prossegue: “Toda a disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza” (v. 11). No entanto, é Seu trabalho – permita que Ele vá até o fim. Você é santuário do Senhor e Ele sabe o que é melhor. Portanto, afirmo que não devemos apenas esperar por Sua disciplina, mas devemos até mesmo orar por ela. Creio que é um excelente teste para verificar nosso relacionamento com Ele.

Há alguma coisa debaixo do sol
que a Ti meu coração reluta em revelar?
Ah! Extirpe-a, então, e reine absoluto,
o Senhor de todas as ações em mim.
Então, meu coração da terra será livre,
quando repouso encontrar em Ti.
Gerhard Tersteegen (tradução de John Wesley)

Aqui está Tersteegen, sendo tratado com açoites e começando a compreender o propósito de Deus. Ele diz: “Há algo a ser removido que eu ainda não tenha visto? Ah! Extirpe isso, então.” Ele não consegue fazer isso, assim pede ao Senhor que o faça. “Remova o que está errado”, ele solicita. “Extirpe o que é necessário e reine absoluto. Seja o Senhor de todas as ações em mim”. Você já clamou por algo assim? Já solicitou ao Senhor que retire certas coisas de seu coração? Este é um claro sinal de que Ele está trabalhando em você e tem usado Seu abençoado açoite a fim de limpar, purificar Sua casa, Seu santuário.

Então, Ele nos conclama a realizar certas coisas. Jesus se volta para os vendedores de pombas e lhes diz: “Tirai daqui estas coisas.” Isso é um mistério. Não vou fingir que compreendo esta palavra. Por que Ele não tira tudo de errado que temos em nós? Quando os filhos de Israel foram levados do Egito para a terra de Canaã, muitos dos inimigos que encontraram pela frente foram destruídos por Deus. Porém, certos inimigos foram deixados para que os judeus enfrentassem e, se não fossem combatidos pelo povo de Deus, esses inimigos permaneceriam como ameaça constante. Moisés disse: “Os que deixardes ficar, ser-vos-ão como espinhos nos vossos olhos e como aguilhões nas vossas ilhargas” (Nm 33.55). O povo tinha de fazer a parte que lhe cabia. Deus realizou grande parte da tarefa, mas deixou que os judeus a terminassem. Esta lógica parece ser a regra em todos esses assuntos.

Deste modo, há uma grande ligação em 2 Coríntios 7.1: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus.” Ou podemos colocar desta forma: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta” (Ap 3.20). Bem, usar este texto como uma mensagem evangelística é deturpar o contexto. Esta mensagem faz parte de uma carta endereçada às igrejas, aos crentes. Após o Senhor ter realizado certas coisas, Ele diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém (…) abrir a porta” – esta é nossa parte. Ele atua e, então, nos convoca a agir. “Aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2 Co 7.1); purificando-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito. Esta é a maneira mediante a qual nos prepara.

E para o que somos preparados? Bem, Ele está preocupado em nos possuir integralmente. Ele deseja que o santuário seja como deve ser, um lugar para Sua moradia. Ele deseja que a casa do Pai não seja um lugar de comércio, mas um lugar onde o Pai possa habitar. Esta é a grande promessa: “Nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16).

A vida de Deus está em sua alma? Isso é a verdadeira fé cristã, o que foi planejado para ser. Não é somente tomar uma decisão, acreditar que seus pecados estão perdoados e, então, prosseguir em grandiosas atividades. Isso não é o Cristianismo em essência. O real Cristianismo é saber que Deus está em sua alma, que caminha em seus caminhos e habita no santuário. É saber que Cristo come e bebe com você. É conhecê-Lo intimamente, que é a vida eterna (veja Jo 17.3). Ele veio ao mundo para que Sua experiência fosse vivida em cada um de nós. E, quando compreender isso e começar a desejar e a clamar por isso, então, esteja preparado para ser visto pelos olhos que são “como chama de fogo”. Nada poderá ser ocultado. Ele trará todas as coisas que estiverem erradas para a luz e as extirpará. Então, e somente então, você saberá que Ele está habitando no santuário e terá a certeza de que Cristo está morando em seu coração, pela fé.
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(Extraído do livro O Segredo da Bênção Celestial, cap. 7, de Martin Lloyd-Jones, co-edição Editora Textus e Editora dos Clássicos, 2002, com permissão da Editora Textus para publicação no sítio Campos de Boaz.)

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Chamado para apóstolo (Dr. David Martyn Lloyd-Jones)

“Servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho…” (Romanos 1:1)

Neste texto vemos três declarações:

1) SERVO DE CRISTO – Paulo enfatiza a pessoa de Cristo. Jesus é o centro da vida do apóstolo e por isso ele O serve. Antes ele o perseguia quando perseguia os cristãos (“Saulo, Saulo, por que me persegues?” Atos 9:4).

Mas Paulo não apenas fala de ser servo de Jesus, mas que Jesus é o Messias, O Cristo, O Ungido de Deus para realizar a obra salvífica do seu povo. Paulo sempre fala de Jesus como aquele que padeceu na cruz; era sua pregação: Cristo crucificado! Este era o propósito de Jesus ao vir ao mundo. Mas o apóstolo sempre dizia que este Jesus Salvador era o Messias prometido, o Cristo.

Por isso Paulo afirma que Jesus Cristo é o tema da sua pregação – Cristo e este crucificado. Este é um grande ensino para nós pois o que deve caracterizar um servo do Senhor é que ele proclame Cristo crucificado. Deve ser esta a nossa prova de fé. Ele é o centro da nossa vida? O centro da nossa mensagem ao mundo? Paulo era assim. Só nos primeiros 14 versículos da Epístola aos Efésios Paulo menciona a palavra Jesus 15 vezes. Acontece isso conosco? Ou preferimos contar nossas experiências achando que com isso pregamos o evangelho? Isto não é evangelho! Evangelho é Cristo. Quanto mais crescemos na graça, menos falamos de nós e mais falamos de Jesus Cristo.

Por isso Paulo se vangloriava em ser servo de Jesus . A palavra correta no original é “escravo” (servo). O que ele está afirmando é que é “escravo de Cristo”. Quando Paulo diz em I Co 6:19-20, que somos templo do Espírito Santo conclui dizendo que não somos mais de nós mesmos porque fomos “comprados por preço”. É como se ele estivesse dizendo: “Vocês não percebem que seus corpos são templo do Espírito Santo e não são de vocês mesmos? Que não têm o direito de fazer o que bem desejarem com seus corpos pois foram comprados pelo preço do sangue de Cristo? Não percebem que foram libertos da escravidão pelo precioso sangue de Cristo? Foram livres da escravidão de satanás para servirem ao Deus vivo e verdadeiro?”. Isto é o que significa ser redimido.

Nós nascemos escravos do diabo (Ef. 2:1-3) e fomos libertos por aquele que é o único que pode nos libertar por aquele que é o caminho que pode nos libertar – Cristo e seu precioso sangue. É o que Pedro diz em I Pedro 1:18-19. Somos agora livres de Satanás e pertencemos a Cristo. Ele nos comprou, agora somos cativos dEle. Ele é nosso Senhor. Concluímos que jamais somos livres. Livres, sim, de Satanás e do pecado, mas escravos de Cristo, a Ele servimos.

Possivelmente quando Paulo disse: “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Cl 2:20), estava se referindo a esta escravidão à pessoa a quem se ama e se honra. Em II Co 2:14, Paulo usa a figura dos súditos de um grande general que depois de ter feito uma grande conquista, entra triunfante na cidade em um desfile militar com as pessoas capturadas na guerra por este general que estão em volta dele.

Paulo diz que ser escravo de Cristo o constrange a pregar e o que seria dele se não pregasse o evangelho. Tudo por devoção a Cristo, porque Ele o livrou do mercado de escravos, o conquistou para Si. Agora é um escravo voluntário. Um escravo que ama seu Senhor. Este é um grande exemplo para nós. Aliás esto aconteceu conosco. Aconteceu mesmo? Você sente-se assim? Você não mais se pertence, mas pertence ao seu Senhor?

2) “CHAMADO PARA SER APÓSTOLO”.

Temos de entender bem estas duas palavras. Isso por causa do contexto em que vivemos hoje. Há muita confusão na Igreja de hoje.

O que um apóstolo? Paulo, no sentido geral era um servo de Cristo, mas num sentido especial era um apóstolo.

Por que diz que foi “chamado” para ser apóstolo? Porque Paulo se preocupa logo no início desta Epístola em dizer que foi chamado para ser apóstolo? Bem, muitas pessoas naquela época estavam questionando Paulo como apóstolo, eram seus opositores e assim Paulo era difamado. Era considerado um falso apóstolo. Estava apenas representando. Diziam que ele nunca havia estado com Jesus. Mas Paulo diz claramente e com vigor que era tão apóstolo como os doze.

O que é um apóstolo? É um ofício muito especial e peculiar. Uma prova disto é que Jesus chamou os 12 discípulos (Mt 10) e “…deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para expulsarem, e para curarem toda enfermidade e todo mal”. No v.1, Mateus os chama de discípulos e no versículo 2 muda para apóstolos. Por que isso? Porque nem todo discípulo era apóstolo. Só alguns discípulos tornaram-se apóstolos.

Provamos isso ao ler Lucas 6:12-13. “…chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze dentre eles, aos quias deu também o nome de apóstolos”. Somente doze dos discípulos foram nomeados e escolhidos.

A palavra “apóstolo” vista nos dicionários é alguém “enviado”. Às vezes este termo é usado com este significado no Novo Testamento, porém é mais que isto. O termo diz que é um enviado com uma missão a quem são dados poderes para cumpri-la. Na Bíblia, “apóstolo” é alguém escolhido e enviado a uma missão especial como representante autorizado de quem o envia.

Quais as marcas e sinais de um apóstolo?

1. Teria que ser testemunha do Senhor ressurreto.

Em Atos vemos os apóstolos reunidos no cenáculo conversando sobre quem substituiria a Judas Escariotes. No cap. 1:21-22 lemos: “É necessário pois, que, dos homens que nos acompanham todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós , começando no batismo de João, até ao dia em que dentre vós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição”.

Paulo diz que viu Jesus ressurreto: “Não sou, porventura livre? Não sou apóstolo? Não vi a Jesus, Nosso Senhor?” (I Co 9:1). Era ele dizendo que vira Jesus ressurreto no caminho de Damasco e era testemunha disto.

2. O apóstolo tinha de ter um chamado especial para exercer este ofício. Ele foi chamado pelo próprio Senhor.

3. Era alguém a quem foi dada autoridade e comissão de operar milagres. Isso fica bem claro em II Co 12:12 – “Pois as credenciais do meu apostolado foram manifestados no meio de vós com toda a persistência, por sinais prodígios e poderes miraculosos”. Era como se ele dissesse: “Como vocês podem questionar meu ofício de apóstolo se as minhas credenciais foram apresentadas claramente entre vós”. Sinais, milagres e atos maravilhosos.

4. Os apóstolos tinham poder para dar e comunicar dons espirituais a outros; podiam transmitir o Espírito Santo pela imposição das mãos (Atos 8:17). Isso significava sinal de autoridade da sua comissão.

5. O apóstolo tinha autoridade para ensinar e definir a doutrina firmando as pessoas na verdade.

6. Tiveram autoridade para estabelecer a ordem nas igrejas. Nomeavam os presbíteros, decidiam questões disciplinares e questões doutrinárias ( ensino e doutrina. Falavam com autoridade do próprio Jesus: “…mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”(Jo 14:26).

Tudo isso tem conseqüências importantes:

a) Falavam com autoridade vinda de Deus.

b) Eram representantes de Cristo e as pessoas os ouviam como quem falava da parte de Deus. Por isso Paulo diz aos crentes da igreja de Tessalônica: “…é que tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens e, sim, como em verdade é a palavra de Deus…”(I Ts 2:13). Paulo está lembrando que eles não estavam ouvindo (lendo) palavras de homens. Deus dera autoridade para edificar não só aos crentes de Tessalônica, mas de Corinto: “…a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação…” (II Co 10:8). Ou ainda: “Portanto, escrevo estas cousas, estando ausente, para que, estando presente, não venha a usar de rigor segundo a autoridade que o Senhor me conferiu para edificação…” (II Co 13:10). Era uma autoridade excepcional que somente Deus podia dar; uma palavra inspirada, infalível.

Uma prova disso se vê quando Pedro diz: “…como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada…nas quais há certas cousas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras”… (outras Escrituras) – II Pedro 3:16. Aqui Pedro está igualando o que Paulo escreveu às demais Escrituras do VT. Pedro está dizendo que Paulo escreveu Bíblia.

As palavras escritas pelos apóstolos têm autoridade divina – Os apóstolos foram comissionados pelo Senhor Jesus Cristo e foram guiados e dirigidos pelo Espírito Santo. São palavras divinamente inspiradas. Lembremo-nos que foi Jesus que deu autoridade aos seus servos, os apóstolos, como Paulo. Se alguém disser que só crê no que Jesus disse, responda dizendo que esta afirmação é contraditória pois o próprio Jesus que deu autoridade ao Seu servo, aos apóstolos que reconheceram, como Pedro, que Paulo escrevera de forma tão inspirada como o VT.

Quando a igreja primitiva chegou a definir e determinar o Cânon do Novo Testamento, pois havia muitos escritos cristãos, o Espírito Santo levou a Igreja a decidir desta maneira: ela dizia que, se um documento que pretendesse ser um Evangelho ou Epístola, e não pudesse ser rastreado direta ou indiretamente, até as suas raízes num apóstolo, alguém com autoridade apostólica, ele não devia ser incluído. A prova era a apostolicidade, o caráter apostólico na determinação do Cânon do Novo Testamento. Por que? Porque um apóstolo é um homem dotado de autoridade única, autoridade de fazer doutrina, de fazer Bíblia. O Senhor guiou a Paulo pelo Seu Espírito Santo, o Senhor o chamou para ser apóstolo.

Por que Paulo se diz “chamado para apóstolo” e logo no início da Epístola? Sem dúvida Paulo queria deixar bem claro para os crentes de Roma que ele era verdadeiramente um apóstolo. Como seria bom que hoje, os que se dizem apóstolos mostrassem as credenciais que Paulo mostrou. Sem dúvida não teriam estas credenciais e por isso não são Apóstolos. Na carta que ele escreve à igreja da Galácia, Paulo é mais enfâtico ainda quando diz: “Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos…” (Gl. 1:1).

Paulo aqui está dizendo àqueles crentes que não pensem de forma errada que ele mesmo havia se declarado apóstolo como hoje se faz. Não! Os falsos mestres é que fazem isso. Ele diz claramente que é apóstolo, “não da parte de homens, nem por intermédio de homens, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai”. Paulo foi “chamado”, escolhido pelo ato soberano de Jesus Cristo. Havia sido chamado da mesma forma que os doze e tinha a mesma autoridade. Paulo diz isso de si mesmo.

Há algo admirável aqui. O Senhor escolhe um homem para apóstolo, quando antes este mesmo homem tinha sido um dos seus maiores inimigos. Um homem com quem Jesus não estivera durante Seu período aqui no mundo, quando encarnado; alguém que não ouvira Seu ensino, não vira Seus milagres, que não O vira na cruz, que não estivera com os doze no cenáculo quando lhes apareceu após a ressurreição; era um blasfemador, um perseguidor do cristianismo. Como pode ser isto? Mas o Senhor se revela a Paulo e o chama, exatamente como chamou aos outros. Lemos em 1Co 15:7 – “Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo”. Ele está dizendo como Jesus lhe aparecera e o comissionara para ser apóstolo, mesmo depois do Pentecoste, mesmo depois do Senhor fazer várias revelações a pessoas especialmente escolhidas. Paulo vai a Damasco “respirando ameaças e mortes” e o Senhor aparece e o comissiona dizendo: “Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés, porque por isto te apareci, para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda, livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio para lhes abrir os olhos e convertê-los das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim” (Atos 26:16-18). Ele mesmo diz que não foi “desobediente à visão celestial” que teve. Um comissão de proclamar a verdade de forma autoritativa.

7. Não podemos esquecer desta outra marca do apostolado: A verdade lhe foi ensinada pessoalmente pelo Senhor. Em Gálatas 1:11-12 Paulo diz: “Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo”. Este evangelho não foi ensinado por outra pessoa,; se fosse ele não seria apóstolo. Ele ainda diz nesta epístola aos Gálatas que foi separado desde o ventre materno pela graça de Deus, quando revelou Jesus para que O pregasse entre os gentios e para isso não consultou a “carne e sangue”, nem subiu à Jerusalém para os que já eram apóstolos antes dele mas partiu para a Arábia e depois voltou para Damasco. Três anos depois vai à Jerusalém para avistar-se com Pedro (Gl.1:15-18). Ele vaia a Pedro, mas não para aprender com Pedro pois era igual aos demais apóstolos pois a verdade lhe fora dada pessoalmente por Cristo.

Por que isto é importante? Porque esta é uma credencial apostólica: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei…” (Co.11:23). Recebe diretamente de Jesus. Ele se iguala aos demais apóstolos nisso: “Porque eu sou o menor dos apóstolos….mas pela graça de Deus sou o que sou…portanto, seja eu, ou sejam eles, assim pregamos e assim crestes” (I Co 15:9-11). Ele foi tão apóstolo como Pedro. Ao comissioná-lo o Senhor o chamou para ir aos gentios: “Dirijo-me a vós outros, que sois gentios! Visto, pois, que eu sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério” (Rm 11:13).

O que Paulo deseja, é que os crentes de Roma compreendam que ele é realmente apóstolo de fato e de direito. Por que esta ênfase? Porque muitos naquela época estavam se dizendo apóstolos. Em Apocalipse 2:2: “…puseste à prova os que a si mesmo se declaram apóstolos e não são, e os achastes mentirosos”. Isto ér muito prático pois estamos vivendo uma época em que muitos estão se dizendo apóstolos ou que são da sucessão apostólica. Isso não existe. A Igreja Católica não só afirma que o Papa é o vigário de Cristo, como também faz outra reivindicação: da sucessão apostólica. Mas não só a Igreja Católica, outros ramos ditos cristãos reivindicam esta sucessão apóstólica e isso é um grande argumento para terem bispos, terem um episcopado. É verdade que muitos que acreditam em bispos não aceitam a sucessão apostólica. Mas os Bispos da Alta Igreja Anglicana e Católicos costumam dizer que não existe igreja sem bispos, que isto é a essência da igreja.

Esta foi uma grande questão no século XVII e trouxe até divisão. Os bispos se diziam e ainda se dizem sucessores diretos dos apóstolos, mas “apóstolo’ é só aquele que viu e deu testemunho de Cristo ressurreto. A base para este pensamento não é bíblica e sim fruto da tradição. Isso é impossível. Além do mais Paulo diz que a Igreja Cristã é edificada “…sobre o fundamento dos apóstolos é profetas…” (Ef 2:20). Com certeza não continuamos a construir qualquer fundamento ou alicerce, pois é algo do começo da igreja. Esse alicerce que foi fincado sobre os apóstolos e profetas não continua sendo edificado. Desde que o Cânon se completou, não há mais necessidade de apóstolos. Não esqueçamos de que o ensino apostólico era autoritativo. Os apóstolos falavam como homens enviados por Deus de maneira tão inspirada como os profetas do Velho Testamento.

Por isso, ao termos as Escrituras do Novo testamento — O Cânon do NT — já temos todo ensino autorizado e não precisamos mais de apóstolos. Quando o Cânon não estava completo, os apóstolos e aqueles que estavam ligados a eles tinham uma função importantíssima: instruir a igreja que não tinha Bíblia completa. Uma vez completo o Cânon os apóstolos não mais existem.

Outra coisa interessante é que Paulo em I Co 1:1 diz: “Paulo, chamado pela vontade de Deus para ser apóstolo de Jesus Cristo, e o irmão Sóstenes”. Sóstenes aqui é apenas citado como irmão. Não estaria Paulo sendo muito egoísta? Por que ele não chamou “eu e Sóstenes?”. Paulo sabia que ele era apóstolo e que Sóstenes, apezar de excelente e santo homem, não era apóstolo. Por isso, a expressão; “e o irmão Sóstenes”. A mesma coisa acontece com Timóteo, quando Paulo o trata como irmão mas diz antes: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, e o irmão Timóteo” (Cl 1:1). Paulo não diz: “Timóteo é o homem que vem após mim, ele vai ser apóstolo por sucessão apostólica e assim pelos séculos afora”. Timóteo era apenas irmão e Paulo apóstolo, mas quando vemos em Fl.1:1 – “Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos …”. Quando Paulo se descreve como servo, ele e Timóteo são iguais, pois os dois são servos no mesmo nível. Mas quanto ser apóstolo, há uma diferença: Paulo o é e Timóteo não.

Toda pretensão de ser apóstolo hoje vai de encontro com o ensino do Novo Testamento acerca do sentido do termo. Quando pulamos frases como esta que mostra que Paulo foi chamado para ser apóstolo como um ofício especial que não se repete, percebemos o quanto é grave negligenciar a doutrina e caímos nos argumentos falsos dos falsos mestres.

“Separado para o evangelho”

Não significa apenas que foi colocado à parte para pregar o evangelho, mas Paulo está colocando seu chamado a um nível mais alto. Ele já havia dito que Deus o chamara para ser servo, para ser apóstolo e agora para ser “separado para o evangelho”.

O que significa ser “separado”? Significa “posta à parte”. Paulo tinha sido “posto à parte” para o evangelho. O que significa isto? Bem, Paulo está lembrando que antes ele era um perseguidor de Cristo, um fariseu de fariseu. Ora a palavra “fariseu” significa “separado” e os fariseus se colocavam à parte, não queriam nem ter contato físico com ninguém para não se contaminarem, não queriam nada com publicanos e pecadores. Era como se Paulo estivesse: “antes eu me separei a mim mesmo como fariseu, mas a grande verdade sobre mim é que fui separado pelo próprio Deus para esta grande obra que tenho o privilégio de realizar, parte da qual estou realizando agora quando escrevo esta Epístola”. Paulo está dizendo que ele teve uma falsa separação e uma verdadeira separação. Uma foi feita pelo homem e a outra foi feita por Deus.

Paulo havia sido chamado, “separado” desde o ventre materno (“Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou (“separou” – corrigida) pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios…” (Gl 1:15-16). É isso que ele quer dizer. Que Deus o separou “para o evangelho de Deus”. Paulo foi separado desde o ventre materno para esta obra. O mesmo aconteceu com Jeremias (“Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” – Jm 1:5). O mesmo nós vemos acontecer com João Batista.

Percebemos que esta separação é um grau muito maior do que um simples chamado para ser “servo” como acontece com todos os cristãos. É verdade que ele foi chamado para ser apóstolo, mas ele diz que não parou aí, Deus o “separou para para o evangelho”. Deus pré ordenou Paulo para ser um pregador do evangelho. Aqui chegamos à grandiosa doutrina da soberania de Deus. Deus na Sua soberania o escolhe como Lhe apraz para executar um plano que Ele mesmo elaborara. Não foi nada acidental que Paulo tivesse tido uma educação grega e hebraica, que tivesse adquirido a condição de cidadão do Império Romano. Tudo foi elaborado e decretado por Deus. E Deus fez isso no tempo determinado por Ele.

Podemos concluir dizendo que a mesma coisa acontece com nossa salvação. É algo maravilhoso e ao mesmo tempo humilhante. Segundo Paulo, nossa salvação foi determinada antes da fundação do mundo (Ef.1). Antes da fundação do mundo nossos nomes estavam escrito no livro da vida do Cordeiro (Ap 13:8). Isso é algo assombroso! Assim como Deus separou Paulo para ser pregador do evangelho antes dele mesmo nascer, o mesmo é verdadeiro em relação a nós Especialmente aos pregadores ainda hoje. Será que os pregadores de hoje estão advertidos quanto a isto? Será que estão exercendo esta função para a qual foram “separados”?. Será que estão cumprindo os propósitos de Deus? Será que estão se dando conta de que Deus está com Seus olhos sobre nós? Será que estamos pregando o evangelho de Cristo? “Arrependei-vos e crede no evangelho”!

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“A tua palavra é a verdade”: A saga dos Irmãos Morávios (Alderi Souza de Matos)

Os irmãos morávios e a igreja valdense são os únicos grupos protestantes atuais cujas raízes mais remotas são anteriores à Reforma do século 16. Os valdenses tiveram suas origens em um movimento reformista iniciado por volta de 1175 por Valdès, um comerciante de Lião, no sul da França. Expulsos da Igreja Católica em 1184, seus simpatizantes enfrentaram heroicamente séculos de perseguição, abraçando eventualmente a Reforma Protestante. Refugiaram-se principalmente nos vales alpinos do norte da Itália, na região conhecida como Piemonte, a sudoeste de Turim. Os irmãos morávios, por sua vez, têm uma história ainda mais complexa, mas não menos inspiradora, cujos primórdios remontam à Inglaterra do final do século 14.

De João Wyclif a João Hus
John Wyclif (c.1325-1384) nasceu em Yorkshire, estudou na Universidade de Oxford e abraçou o sacerdócio. Na década de 1360, adquiriu grande reputação em Oxford e outros centros intelectuais como brilhante professor e escritor de filosofia. Posteriormente, tornou-se conselheiro teológico do rei e prestou serviços à coroa inglesa. Defendeu a teoria de que o poder civil tinha o direito de se apoderar das propriedades do clero corrupto. Suas opiniões foram condenadas pelo papa em 1377, mas ele teve o apoio de pessoas influentes e do povo. Após o Grande Cisma (1378), com a existência simultânea de dois papas rivais, suas idéias tornaram-se mais radicais e ele acabou por rejeitar toda a estrutura tradicional da igreja medieval. Em uma série de tratados teológicos, afirmou a autoridade suprema das Escrituras, definiu a igreja verdadeira como o conjunto dos eleitos, e questionou o papado e a transubstanciação. Além disso, incentivou a primeira tradução da Bíblia completa para a língua inglesa (1384).

Eventualmente, Wyclif perdeu o apoio da nobreza e de muitos simpatizantes, mas viveu em paz os seus últimos anos, vindo a falecer em sua paróquia, Lutterworth, no dia 28 de dezembro de 1384. Seus seguidores, conhecidos como lolardos, foram duramente reprimidos nas décadas seguintes. Ensinavam que a missão principal de um sacerdote era pregar as Escrituras e que a Bíblia dever ser acessível a todos nas várias línguas vulgares. Essas idéias contribuiriam para a ampla aceitação da Reforma Protestante pelos ingleses no século 16.

No século 14, a Boêmia (Tchecoslováquia) fazia parte do Sacro Império Germânico. Politicamente, o país estava dividido por conflitos entre os tchecos e a comunidade imigrante alemã, mais poderosa. Em 1382, a Boêmia, até então pouco ligada à Inglaterra, aproximou-se deste país por meio do casamento de uma princesa tcheca com o rei Ricardo II. Jovens tchecos passaram a estudar em Oxford e conheceram as doutrinas de Wyclif, que logo levaram para a sua terra, especialmente para a Universidade de Praga (fundada em 1348). Entre os professores que abraçaram muitas idéias de Wyclif estava o ardoroso Jan Hus (c. 1373-1415).

Hus nasceu na vila de Husinec, estudou na Universidade de Praga e foi ordenado sacerdote em 1400. Pouco antes da ordenação teve uma experiência de conversão pelo estudo da Bíblia e se tornou um zeloso defensor de reformas eclesiásticas. Além de lecionar na universidade, em 1402 foi nomeado pregador da Capela de Belém, o centro do movimento reformista tcheco, alcançando enorme popularidade por suas pregações. Como João Wyclif, ele ensinava que a igreja verdadeira consiste somente dos eleitos, dos quais o cabeça é Cristo, e não o papa. Embora defendesse a autoridade tradicional do clero, Hus afirmava que somente Deus pode perdoar pecados. Acreditava que nem o papa nem os cardeais podiam estabelecer como autêntica uma doutrina que fosse contrária à Escritura, e que nenhum cristão devia obedecer às suas ordens quando estas se revelassem abertamente erradas. Dizia que a igreja devia ter uma vida de simplicidade e pobreza, à semelhança de Cristo. A única lei da igreja era a Bíblia, especialmente o Novo Testamento, daí a grande importância da pregação. Condenou a corrupção do clero, a adoração de imagens, os falsos milagres, as peregrinações supersticiosas e a venda das indulgências, mas manteve a transubstanciação.

A partir de 1410, as autoridades eclesiásticas e seculares começaram a tomar medidas drásticas contra os wyclifitas. Apesar de ser altamente estimado pelo povo, Hus foi excomungado e seguiu para o exílio no sul da Boêmia, onde escreveu sua principal obra, De Ecclesia (Sobre a Igreja). Munido de um salvo-conduto fornecido pelo imperador alemão Sigismundo, compareceu ao célebre Concílio de Constança (1414-1418), no sul da Alemanha, a fim de justificar as suas posições. Em 4 de maio de 1415, o concílio condenou formalmente João Wyclif como herege e ordenou que o seu corpo fosse retirado da terra consagrada (essa ordem só seria cumprida em 1428). Hus, considerado por todos um wyclifita, recusou-se firmemente a abjurar as suas idéias. No dia 6 de julho de 1415 foi sentenciado e queimado na fogueira, enfrentando a morte com grande coragem e dignidade.

A Unitas Fratrum e os Irmãos Morávios
A notícia da morte de Hus produziu grande revolta na Boêmia, que seria agravada pela condenação do seu amigo e colega Jerônimo de Praga, também levado à fogueira pelo Concílio de Constança, em 30 de maio de 1416. Outra fonte de protestos foi a proibição, pelo mesmo concílio, da ministração do cálice da Ceia aos leigos, prática que se tornara o símbolo do movimento hussita. Surgiram duas facções no movimento: um partido moderado e aristocrático, sediado em Praga, conhecido como utraquistas (referência à comunhão sub utraque, isto é, “em ambas” as espécies) ou calixtinos (do latim calix = cálice), e um partido radical, popular, os taboritas (de Tábor, a sua fortaleza). Os primeiros rejeitaram somente as práticas que consideravam proibidas pela “lei de Deus”, a Bíblia, ao passo que os taboritas repudiavam todas as práticas não sancionadas expressamente pelas Escrituras.

Após um período de conflitos, as duas facções se uniram em 1420, adotando uma agenda religiosa comum, “Os Quatro Artigos de Praga”, que exigiam a livre pregação da Palavra de Deus, o cálice para os leigos, a pobreza apostólica e uma vida de austeridade para clérigos e leigos. Durante alguns anos, eles se envolveram em várias guerras vitoriosas contra os seus adversários. Uma tentativa de acordo com a igreja católica produziu novas lutas internas, sendo os taboritas derrotados pelos utraquistas em 1434, na batalha de Lipany. Fracassado o acordo com o catolicismo, os utraquistas tornaram-se um grupo religioso autônomo, cuja plena paridade com os católicos foi declarada pelo Parlamento da Boêmia em 1485. Alguns anos antes, em 1457, havia surgido a Unitas Fratrum (Unidade dos Irmãos Boêmios), reunindo elementos taboritas, utraquistas e valdenses. Essa igreja absorveu o que havia de mais vital no movimento hussita e tornou-se a precursora dos irmãos morávios.

Com o advento da Reforma, os “irmãos unidos” abraçaram o protestantismo. Nessa época, eles contavam com cerca de 400 igrejas locais e 150 a 200 mil membros na Boêmia e na vizinha Morávia. Expulsos de sua pátria durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), espalharam-se por diversas regiões da Europa e perderam muitos adeptos. Um ano especialmente amargo foi 1621, quando quinze irmãos foram decapitados no “dia de sangue”, muitos crentes foram mandados para as minas ou masmorras, igrejas foram fechadas, escolas destruídas, Bíblias, hinários e catecismos foram queimados. Os poucos remanescentes continuaram a realizar as suas funções religiosas em segredo e a orar pelo renascimento da sua igreja. Um importante líder desse período aflitivo foi o notável educador Jan Amos Comenius (1592-1672), eleito bispo dos irmãos morávios em 1632.

O conde Zinzendorf e Herrnhut
Em 1722, sobreviventes dos irmãos unidos que falavam alemão, residentes no norte da Morávia, começaram a buscar refúgio na vizinha Saxônia, sob a liderança de um carpinteiro, Christian David. O jovem conde Nikolaus Ludwig von Zinzendorf (1700-1760) permitiu que eles fundassem uma vila em sua propriedade de Berthelsdorf, cerca de 110 quilômetros a leste de Dresden. Zinzendorf era fruto do pietismo, um influente movimento que havia surgido recentemente no luteranismo alemão. Esse movimento teve como líderes iniciais Phillip Jacob Spener (1635-1705) e August Hermann Francke (1663-1727), sendo seu principal centro de atividade a cidade de Halle, também na Saxônia, a terra de Martinho Lutero. Os pietistas davam grande ênfase à devoção, à experiência e aos sentimentos, em contraste com a ortodoxia, credos e rituais. Também valorizavam a conversão pessoal, o sacerdócio universal dos crentes, o estudo das Escrituras, os pequenos grupos para comunhão e auxílio mútuo, e um cristianismo prático voltado para educação, missões e beneficência.

Nascido em uma família aristocrática, Zinzendorf recebeu uma educação pietista em Halle dos 10 aos 17 anos. Desde a infância revelou uma intensa devoção pessoal a Cristo e mesmo depois de ingressar no serviço público, em 1721, continuou a ter como interesse predominante o cultivo da “religião do coração”. Foi então que entrou em contato com os morávios. A vila que estes fundaram em sua propriedade recebeu o nome de Herrnhut (“a vigília do Senhor”). A comunidade cresceu e logo se uniram a ela muitos pietistas alemães e outros entusiastas religiosos. Inicialmente Zinzendorf lhes deu pouca atenção, mas em 1727 começou a assumir a liderança espiritual do grupo. Superadas algumas divisões iniciais, no dia 13 de agosto de 1727 foi realizado um marcante culto de comunhão que veio a ser considerado o renascimento da antiga Unitas Fratrum, a Igreja Morávia renovada. A partir de então, Herrnhut tornou-se uma disciplinada e fervorosa comunidade cristã, um corpo de soldados de Cristo ansioso em promover a sua causa no país e no exterior.

Embora Zinzendorf desejasse que os morávios permanecessem como membros da igreja estatal da Saxônia (luterana), gradualmente eles formaram uma igreja separada. Em 1745 a Igreja Morávia já estava plenamente organizada com seus bispos, presbíteros e diáconos, embora seu governo fosse, e ainda seja, mais presbiteriano que episcopal. A essa altura o moravianismo estava criando uma liturgia de grande beleza e uma rica tradição hinológica. A Igreja Morávia restaurada permaneceu pequena, mas sua influência se fez sentir em toda a Europa. Seus primeiros bispos foram David Nitschmann (1735) e o próprio Zinzendorf (1737), que, após uma vida de intensa atividade missionária e pastoral na Europa e na América do Norte, faleceu em Herrnhut em 1760. Certa vez havia declarado, referindo-se a Cristo: “Eu tenho uma paixão; é ele e ele somente”.

Até aos confins da terra
Com o seu zelo por Cristo, os morávios escreveram uma das páginas mais nobres das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior consciência do dever missionário e nenhum demonstrou tamanha consagração a esse serviço em proporção ao número de seus membros. Numa viagem a Copenhague para assistir à coroação do rei dinamarquês Cristiano VI, Zinzendorf conheceu alguns nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia. Regressou a Herrnhut cheio de fervor missionário e, em conseqüência disso, Leonhard Dober e David Nitschmann iniciaram uma missão aos escravos africanos em St. Thomas, nas Ilhas Virgens, em 1732, e Christian David e outros seguiram para a Groenlândia no ano seguinte.

Em 1734, um grupo liderado por August Gottlieb Spangenberg (1704-1792) começou a trabalhar na Geórgia. No Natal de 1741, o próprio Zinzendorf visitou a América e deu o nome de Bethlehem (Belém) à colônia que os morávios da Geórgia estavam criando na Pensilvânia. Essa cidade se tornaria a sede americana do movimento. O mais famoso missionário morávio aos índios norte-americanos foi David Zeisberger (1721-1808), que trabalhou entre os creeks da Geórgia a partir de 1740 e entre os iroqueses desde 1743 até a sua morte.

Herrnhut tornou-se um centro de atividade missionária, iniciando missões no Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antigua e outros locais. Em 1748, foi iniciada uma missão aos judeus em Amsterdã. Até 1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários a dez países e cerca de 3 mil conversos haviam sido batizados. Outros locais alcançados posteriormente foram Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e Constantinopla. Em 1832, havia 42 estações missionárias morávias ao redor do mundo. Os nomes dos primeiros campos missionários mostram uma característica do trabalho morávio: eram em geral locais difíceis e inóspitos, exigindo uma paciência e dedicação toda especial, traço que até hoje caracteriza o trabalho missionário desse grupo.

Conclusão
Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios, embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros grupos e movimentos protestantes, especialmente na Inglaterra. A convivência com alguns morávios causou profundo impacto em João Wesley e contribuiu para a sua conversão e o surgimento do metodismo. William Carey, o pioneiro das missões batistas, os admirava grandemente e apelou para o seu exemplo de obediência. Eles também inspiraram a criação de duas das primeiras agências protestantes de missões — a Sociedade Missionária de Londres (1795) e a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804). Assim completou-se um ciclo extraordinário: a obra do pré-reformador inglês João Wyclif contribuiu para o surgimento dos morávios e, séculos depois, estes foram uma bênção para a Inglaterra e, por meio dela, para muitos outros povos.


Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. Texto distribuído na lista cristãos reformados.

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Igreja T. Austin-Sparks

A Igreja: sua natureza, seus princípios e sua vocação (com especial referência a sua expressão local) (T. Austin-Sparks)

Existem Igrejas do Novo Testamento?

Ao lado da pessoa de Jesus Cristo, a Igreja foi, e continua a ser, o grande campo de batalha da História. Tanto é verdade que um número sempre crescente de livros, jornais, periódicos, “Concílios”, “Convocações”, discursos, etc. se ocupa dessa questão como uma preocupação primária. No entanto, a maior parte de todos eles é sujeito à controvérsia, assim justificando a frase “o campo de batalha”. Tudo isso é muito significativo, indicando que é uma questão primária e algo que ocupa uma posição de destaque em termos de nossa responsabilidade. Isso é certo e, talvez, muito mais do que tudo o que se escreve e se fala a respeito encerra. Trata-se de uma preocupação primária no campo cósmico como um todo, a esfera sobremundana, se formos levar a sério tanto a evidência prática como as afirmações definidas do Novo Testamento, como, por exemplo, toda a carta escrita aos efésios e, em particular, Efésios 3.10 e 6.12.

Pode parecer arrogante e ambicioso para nós, que somos de tão pequeno valor em nós mesmos e tão insignificantes como um pequeno pedaço de papel, pensar que podemos tratar dessa imensa questão a fim de obter alguma vantagem pessoal. Tendo essa como uma preocupação primária por tantos anos e tendo visto a Igreja e as igrejas em tantos lugares, do Extremo Oriente ao Extremo Ocidente, exercitando a oração sobre a questão, talvez nos possa ser dado algo para dizer que lance um pouco de luz nas sombras ou na escuridão da imensa confusão existente com relação à Igreja. Nossa principal preocupação é a questão das expressões da assembléia local da Igreja, pois somente nela o verdadeiro significado da Igreja pode ser levado ao imediatismo.

Temos de começar fazendo a pergunta que inclui tudo o mais e realmente expressa o problema segundo a opinião de muitos:

Podemos agora aceitar a possibilidade de haver verdadeiras expressões locais da Igreja do Novo Testamento?

Essa pergunta — e não são poucos, mas muitos, os motivos pelos quais ela tem sido feita — tem recebido, em razão de sua agudez, muitas respostas ou tem sido criticada de muitas maneiras. Algumas delas são as seguintes:

1. Uma grande facção de cristãos tem respondido com um definitivo “NÃO”, e eles tomam como base o que chamam de “a posição de total ruína”. Eles dizem que a Igreja está em ruínas irremediáveis e, conseqüentemente, uma expressão corporativa não é mais possível. Sem dúvida, eles relacionam isso principalmente à Igreja em seu aspecto universal; no entanto, eles colocam o assunto da expressão local bem próximo disso, argumentando que no fim dos tempos tudo será individual. Eles baseiam sua argumentação em Apocalipse 2–3, onde o Senhor se dirige “ao vencedor”.

2. Depois, há aqueles cuja resposta é que a única possibilidade agora é uma expressão aproximada da Igreja. Ou seja, pode não existir uma expressão plena e completa, mas algo que se compare a ela, provisório e parcial. Pode haver algumas características e devemos nos basear em algumas coisas que percebemos estar no Novo Testamento. Dentre os maiores exemplos, as principais denominações representam essa posição. Os presbiterianos, por exemplo, baseiam sua posição em uma interpretação da ordem da igreja do Novo Testamento, segundo a concepção deles. O mesmo acontece com os luteranos, congregacionalistas, batistas, metodistas, irmãos unidos, etc. Para cada um deles, emprega-se o termo “igreja”. No entanto, trata-se de um conceito que é uma solução conveniente para o problema da expressão local, a saber, uma aproximação parcial do que ela é.

3. Em seguida, há a resposta expressa pelo que se pode chamar de “sublimidade”. Ou seja, a Igreja é uma concepção e idéia sublime. Ela é idealista e devemos viver no campo abstrato de uma concepção sublime e não tentar trazê-la “para a terra” nem sermos práticos e exigentes em demasia na realidade. Essa resposta e interpretação são expressas no termo “a Igreja mística”, mas não prática.

4. Existem aqueles que acabaram com toda a idéia de Igreja, dando-a tanto por impossível como por desnecessária. Elas são definitivamente instituições e organizações cristãs, mas não uma Igreja ou igrejas. A esta categoria pertencem os quacres, o Exército da Salvação e um vasto número de grupos de missões e “Missões”.

5. Finalmente, para nosso objetivo, existem aqueles cuja resposta é bastante positiva! Sim, devemos voltar ao padrão do Novo Testamento e “ter igrejas do Novo Testamento”! Eles acreditam que o Novo Testamento contém um projeto definido para igrejas locais e estão comprometidos com a “formação” dessas igrejas onde for possível. Infelizmente, eles variam muito quanto a ensinamentos, ênfases e práticas, e alguns deles são caracterizados por excessos, anormalidades e exclusivismo.

O que diremos diante de todas estas coisas? Como observamos, todos estão mais ou menos errados ou certos (destacamos o termo “mais ou menos”, mas diríamos que alguns estão completamente errados) porque a verdadeira natureza da Igreja se perdeu ou não pode mais ser vista.

A História de Israel

A história de Israel possui muitos fatos para iluminar essa questão da Igreja. O Israel histórico foi constituído sobre os mesmos princípios eternos que a Igreja cristã. Na verdade, eles eram chamados de “a igreja1 no deserto” (At 7.38) e foram denominados eleitos de Deus. Pretendia-se que eles representassem no tempo, na terra, um conceito eterno e celestial, que, em tipos e símbolos, figurativa e temporalmente, engloba princípios espirituais e pensamentos divinos. Para o objetivo de nosso estudo, temos de limitar toda a questão aos principais princípios envolvidos na história de Israel. Dividimos essa história em duas fases. A primeira se deu antes do cativeiro na Babilônia, os setenta anos, e para lá os levou. A razão desse cativeiro foi pura e definitivamente idolatria. O cativeiro tratou com a idolatria e, depois disso, não houve mais idolatria do mesmo gênero em Israel. Mas, então, veio — e ainda existe — a segunda, ainda pior e mais longa, fase de juízo. Essa é revelada no segundo aspecto do ministério dos profetas. É óbvio que os profetas profetizaram com relação ao futuro imediato do cativeiro na Babilônia e na Assíria, e também com relação ao futuro. Esse segundo aspecto é freqüentemente discutido no Novo Testamento e aplicado, ou apresentado para que seja aplicado, àqueles tempos e eventos, com uma característica adicional de que os tempos pós-Novo Testamento (até os nossos dias) foram vistos. Mas, por que essa segunda mais longa e mais terrível relegação ao juízo? Por que a confusão, fraqueza e perda da presença e poder imediatos de Deus por parte de Israel e apenas a soberania de Deus por trás de sua história? A resposta está em uma frase: cegueira espiritual. “O endurecimento veio em parte sobre Israel” (Rm 11.25). Há uma grande quantidade de referências a esse fato nos Evangelhos, e tanto os ensinamentos como os milagres de Jesus estavam voltados para essa cegueira e contra ela. A visão dada aos cegos foi um testemunho para Israel, bem como para o mundo. Essa cegueira, no entanto, estava relacionada principalmente à Pessoa, ao significado e ao propósito de Cristo. Aquela intervenção na história foi uma missão para a remissão, restauração e restabelecimento daquele conceito eterno no coração de Deus, que era como “o mistério” em Israel. Ou seja, os princípios e propósitos espirituais ocultos em sua eleição e constituição temporal, e para expressar tudo isso em uma Pessoa que devia ser reproduzida pela igreja, como o Grão de Trigo, por meio da morte, sendo reproduzido na ressurreição em um corpo de muitos membros.

Nesse ponto atingimos a essência da verdadeira natureza da Igreja. A pedra de toque da Igreja é uma percepção, por meio da revelação e iluminação divina, sobrenatural, do Espírito Santo, da verdadeira importância e significado de Jesus Cristo e Sua missão. É óbvio que o notável apóstolo do “mistério”, a Igreja, veio a conhecer e compreender a verdadeira Igreja mediante a revelação de Cristo para ele e nele (Gl 1.16).

Ter uma visão real de Cristo é ver a Igreja, e somente desse modo uma verdadeira igreja pode vir a existir. Foi somente logo após o Senhor poder dizer a respeito de Pedro que carne e sangue não revelaram a verdade de Sua Pessoa (de Cristo) que, Ele, Cristo, fez a primeira declaração pública definida sobre a Igreja: “Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja” (Mt 16.18). Tudo isso significa que, fundamentalmente, uma verdadeira expressão da Igreja, em termos locais, não é mais, nem menos, nem outra senão a compreensão espiritual de Cristo por parte dos cristãos. A igreja, local ou universal, não é tradicional. Isso a faria perder seu caráter original e, conseqüentemente, tornar-se artificial. A Igreja não pode ser vista pelos olhos de outras pessoas2, quer seja pelos daqueles do passado (apóstolos, etc.) ou do presente (mestres).

Temos conhecimento de pessoas que vivem na presença de ensinamento por anos e se alegram nele, repetem-no e pensam que estão no melhor nível e, então, por fim, prova-se que elas não viram, na verdade, com seus próprios olhos espirituais ao contradizerem e descartarem tudo isso de modo tão fácil. Elas o viram mentalmente pela perspectiva de outra pessoa, o mestre ou o pregador. Quando Paulo viu, sua visão provocou um efeito nele que se tornou ele mesmo, e nenhuma parcela ou forma de sofrimento e frustração visível poderia fazê-lo desistir da “visão celestial” (At 26.19). Repetimos que todo o seu entendimento valioso e pleno da Igreja não veio, em primeiro lugar, de uma revelação de algo chamado “a Igreja”, mas de uma visão de Cristo no conselho eterno de Deus. Como o próprio fundamento, essa colocação responde, e de modo compreensivo, os cinco pontos que mencionamos anteriormente. É possível haver expressões locais da Igreja? A resposta é afirmativa, dadas a existência dessa visão e a compreensão de Cristo, e teremos de rejeitar o Espírito Santo e Sua obra caso digamos que essa visão não é possível agora (Ef 1.17,18).

No entanto, feita essa declaração, é necessário dizer algo mais quanto aos princípios essenciais de uma igreja local como um microcosmo da Igreja universal.

O primeiro fato (incluído no que dissemos acima) e o mais difícil de explicar, apesar de não o ser de experimentar, está naquela palavra mal-compreendida, detestada e não vista com bons olhos: espiritualidade. Não deve ser difícil entender porque qualquer cristão verdadeiramente nascido de novo sabe que há algo a seu respeito que não é apenas natural. Uma mudança na mentalidade, disposição, conceito e direção aconteceu nele. Ele apenas ficou diferente desde que aconteceu o novo nascimento. (O que estamos falando sobre a Igreja não tem sentido se não houve esta mudança fundamental.) No entanto, ainda temos de definir espiritualidade.

Como uma palavra e uma idéia, espiritualidade não é peculiar à Bíblia e aos cristãos. O mundo a utiliza. Na ida à uma galeria de arte, por exemplo, o visitante observa alguns quadros e continua andando. No entanto, outro quadro prende-lhe a atenção, pois há algo que transcende a tela, a pintura e um objeto retratado. Aquele quadro possui uma “atmosfera” que fala a seu respeito, que lhe toca as emoções, que instiga uma sensação de admiração — não se trata apenas de um quadro. Há algo mais a seu respeito do que o próprio quadro. A observação deste fator complementar é que há algo “espiritual” sobre ele. O mesmo pode ser dito de uma canção, da execução de uma peça musical, de uma construção adornada e formosa, de uma forma de culto, e assim por diante. Isso é o que o mundo chama de espiritual, mas o que eles realmente deveriam dizer é misticismo. Isso pode ser particularmente encontrado na literatura, e há uma categoria de escritores conhecida como místicos. A religião é um campo especial do misticismo.

Digamos de uma vez por todas, e com ênfase, que misticismo e verdadeira espiritualidade, de acordo com a Bíblia, são duas coisas completamente diferentes. Elas pertencem a dois campos diferentes. A primeira é temperamental ou uma questão de temperamento. Possui seus graus. A simples reação à beleza ou emoção, ou, em formas mais intensas, pode ser psíquica, fanática. Pode ser induzida por apelos patéticos e trágicos. Pode ser instigada pelo estímulo e paroxismos por meio de repetições, como as de refrões e encantamentos. Dessa forma, quer seja de modo suave ou extravagante, outro elemento pode aparecer ou dar caráter. A religião se presta particularmente para o místico nessas várias formas e graus.

No entanto, a espiritualidade da Bíblia da qual estamos falando é diferente. É o resultado de um novo nascimento por intermédio do Espírito Santo. Representa uma mudança de natureza e constituição, não a libertação e intensificação do que já existe. Na verdade, é um “totalmente outro”, assim como Cristo era, na realidade mais profunda de Sua pessoa, um totalmente outro. Nesse “outro”, Ele não era conhecido, entendido e explicável. Ele era inescrutável, não apenas misterioso, mas de outra ordem. Havia outra inteligência e consciência, outra capacidade e habilidade. Havia outra relação. Tudo isso é verdade no que se refere a cada cristão por ser “nascido do alto”3 (Jo 1.13; 3.6,7). A Igreja é o agregado desses cristãos em que o que é verdade a respeito de Cristo é verdade a seu respeito, com exceção da divindade.

Cristo e a Igreja são o significado espiritual de todos os símbolos, e Ele disse definidamente que, com Sua vinda, a antiga ordem de representações materiais e simbólicas havia cedido todo o lugar para aquilo que eles representavam. Não havia mais coisas para representar, senão aquilo que eles representavam sem essas coisas (Jo 4.20-24), e observe que o Evangelho de João e a Epístola aos Hebreus são dois notáveis documentos da principal transição do histórico, temporal e tangível para o espiritual. Os apóstolos foram movidos pelo Espírito Santo para aquela transição. Foi necessário que padecessem para que nascessem de novo4; contudo, eles venceram por meio da energia divina.

Portanto, espiritualidade, que é uma natureza e um atributo de caráter diferente e celestial, é o primeiro princípio básico da Igreja. Repetimos que a Igreja é o vaso e a incorporação “do mistério” tantas vezes mencionados no Novo Testamento, principalmente por Paulo. O mistério era e é o significado oculto das coisas e de Israel, mas agora é revelado para e na nova ordem, o novo Israel, a Igreja. O “mistério de Cristo” é o significado de Cristo, inescrutável para todos, exceto para aqueles que têm o espírito de sabedoria e de revelação no conhecimento Dele.

Local e Sobrenatural

Quando fez a notável declaração sobre Sua Igreja: “Edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18), nosso Senhor anunciou três coisas. Primeiro, que Ele estabeleceria uma entidade definida chamada de Sua Igreja. Segundo, que essa Igreja encontraria uma força de oposição com sua hostilidade total e final. Terceiro, que esse poder seria levado ao nível máximo e seria destruído, ou seja, se tornaria incapaz de prevalecer contra a Igreja. Nessa afirmação plena, há uma indicação muito definida da natureza fundamental de Sua verdadeira Igreja. Dissemos anteriormente que a Igreja é algo essencialmente espiritual e que a espiritualidade é seu princípio básico. Mas podemos ser ainda mais claros quanto ao que pretendemos dizer com espiritualidade? Podemos, utilizando uma palavra alternativa: sobrenatural.

A Igreja é Essencialmente Sobrenatural

A Igreja é a personificação do verdadeiro cristianismo, e o verdadeiro cristianismo é sobrenatural ou não é coisa alguma! É apenas no momento e no local em que a Igreja é completamente percebida e aceita que ela realmente existe e pode ser o poder que se pretende que ela seja.

Sobrenatural na Origem

Em primeiro lugar, o cristianismo5 e a Igreja (na verdade, termos idênticos) vieram do céu e ainda têm de ser continuamente recebidos e revelados a partir de lá. Essa é a própria verdade fundamental do próprio Cristo e da Igreja em todo indivíduo incorporado a ela. Esse é o ensinamento do Novo Testamento em todas as partes. A origem e a moradia de Cristo estavam no céu. O Evangelho de João e a carta de Paulo aos efésios constituem um argumento específico e enfático para essa afirmação e compreendem todo o Novo Testamento nessa verdade. No primeiro, a afirmação repetitiva de Cristo quanto à Sua origem celestial é a base de todas as coisas no Evangelho como um todo. São expressões do tipo “na verdade, na verdade”, “mais verdadeiramente”, e tudo o que está no Evangelho tem a finalidade de sustentar e evidenciar essa verdade.

Contudo, quando isso é reconhecido, o Evangelho e o restante do Novo Testamento voltam para afirmar do mesmo modo que a Igreja incorpora essa verdade e fato de Cristo. O capítulo 3 do Evangelho de João empregará a mesma linguagem — “na verdade, na verdade” — em conexão com qualquer indivíduo que entra na Igreja. Esse indivíduo, não importando se ele é o melhor exemplo e representante de Israel do Antigo Testamento (como Nicodemos) simplesmente não pode percorrer a linha do horizonte dessa nova criação; ele não pode atravessar a porta da natureza humana, da tradição, da “religião”; ele “deve nascer do alto”. Por meio desse nascimento, ele é constituído um ser sobrenatural na mais íntima realidade de seu ser — a isso Paulo chama de “nova criação”.

Então, de modo equivalente, a Igreja nasce do alto, no dia de Pentecostes. A diferença entre as mesmas pessoas antes e depois desse evento e a natureza corporativa da nova entidade são evidentes para todos os que têm olhos para ver. É sobrenatural.

Sobrenatural na Base

O que era, e é, verdade sobre a origem e moradia de Cristo e de Sua Igreja mostra-se ser, com fascinante evidência, a verdade sobre Sua sustentação e sobrevivência. “Pão do céu” (Jo 6.32, 51) apenas significa o poder que os recursos celestiais têm de sustentar e apoiar. Isso é visto em relação a dois fatos. Primeiro, na lei de total dependência de Deus e do céu, que é o próprio princípio da encarnação: “Aniquilou-se a Si mesmo” (Fp 2.7). Novamente, o Evangelho de João é uma constante declaração enfática disso. A repetição “na verdade, na verdade” é empregada para afirmar isso: “Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por Si mesmo não pode fazer coisa alguma” (5.19), e assim por diante. Pois em toda obra, toda palavra e todo tempo, Ele declarou que dependia de Seu Pai que está no céu. O Evangelho explica Seu humilde nascimento, Sua humilde criação, Seu último desamparo. Explica o fato de Ele ser “desprezado e rejeitado pelos homens”. No entanto, existiu uma vida e uma obra tão poderosa como a Dele?

O outro fato é em relação à Igreja. Quando consideramos o material humano do primeiro núcleo e, principalmente, seu crescimento; quando levamos em conta sua falta de bens e apoio deste mundo e quando pensamos em tudo o que estava contra ela de todo modo concebível, empenhando-se para aniquilá-la; e, em seguida, observa-se sua sobrevivência como uma entidade, há uma única palavra para descrevê-lo: sobrenatural! Reconheço que me admirei com a fé provada e triunfante de um homem como o apóstolo Paulo quando o vejo sofrendo como sofreu e quando leio seus próprios relatos de sofrimentos. A mente natural diria: “Este não é o apoio do céu”, mas temos o veredito de muitos séculos, e é a evidência e o veredito do sobrenatural.

Tudo isso inclui-se naquela repetição da expressão “na verdade” de João 6, onde, com uma alusão à vida de Israel no deserto, Jesus declara ser Ele mesmo o pão de Deus que veio do céu. Na verdade, Sua mente é tão forte, significativa e imperativa sobre essa questão que naquele capítulo Ele utiliza a repetição da expressão “na verdade” quatro vezes. O deserto sempre foi o símbolo ou imagem de um lugar fora do mundo, e o socorro e sustento em condições tão adversas à vida exigem recursos de outra esfera. A história da vida espiritual é a história do sustento sobrenatural secreto. Em silêncio e sem alarde, garantida e sem falta, suficiente e sem pobreza o maná descia, e o Senhor celestial da vida tem sustentado Sua igreja da mesma forma. Sim, embora fosse silenciosa e muitas vezes quase imperceptível aos sentidos naturais, ainda, na verdade, constitui-se uma obra de imenso poder. O Novo Testamento nos ensinará que o nascimento e sustentação da Igreja são réplicas da emancipação de Israel do Egito. Agora e naquela ocasião, o poder de Deus se estendeu e consumiu todo o poder do Egito e de seus deuses e, depois, anulou a própria morte.

A passagem do Novo Testamento que evidencia a Igreja de modo mais específico utiliza palavras como: “A suprema grandeza do Seu poder para com os que cremos” (Ef 1.19). Estamos longe de entender a terrível coisa que estava envolvida na morte e ressurreição de Cristo para guardar a Igreja em Deus!

Sem dúvida, já dissemos o suficiente para destacar a extrema importância de uma ou duas coisas: primeiro, mostrar no que a verdadeira Igreja está de acordo com a revelação do Novo Testamento. Se esse não é um equívoco dessa revelação, deve ser algo muito distinto. Ou seja, deve revelar uma diferença muito grande entre a verdadeira Igreja, por um lado, e aquela imensa coleção de coisas que leva o nome de Igreja, por outro; uma coleção sob a qual concentraram-se tantas instituições e concepções conflitantes.

A afirmação de que a verdadeira Igreja tem de estar de acordo com a revelação do Novo Testamento deve ser um corretivo para dois extremos. Um extremo é o de uma abrangência tão grande que negligencia a natureza fundamental e essencial do sobrenatural, da qual temos falado: o sobrenatural no novo nascimento de todos os indivíduos na Igreja. Também um corretivo para o extremo oposto de um exclusivismo não-bíblico que torna Cristo menor do que Ele realmente é por excluir da comunhão cristãos verdadeiramente nascidos de novo usando como base para isso alguma técnica particular de “proteção” ou alguma interpretação específica da verdade.

Além disso, se o que temos dito é uma verdadeira definição da Igreja e de sua natureza, então, sem dúvida, isso explica a perda de poder, impacto e influência sobrenatural. Isso também explica a confusão, a escassez de alimento espiritual para ovelhas famintas e a dispersão que é a estratégia especial de Satanás para roubar da Igreja sua vocação para receber o reino e reinar!

A explicação é que o grande poder da dependência total de Deus, que é a exigência categórica de Deus para a revelação de Sua própria glória, tem sido abandonado para buscar-se recursos no mundo por meios, métodos, modas, etc. a fim de fazer com que a obra de Deus tenha “sucesso”. Satanás não está nem um pouco preocupado com qualquer coisa que use seu próprio reino para a glória desses métodos! Ele até protegerá qualquer coisa que lhe dará um lugar. A maldição que está sobre ele e sobre este mundo sempre significará frustração, confusão e eventual vaidade para tudo que faz parte do seu reino; conseqüentemente, muitas destas coisas estão em uma igreja que é, com todo o respeito, deste mundo. A Igreja tem falhado grandemente em perceber o motivo pelo qual, em relação essencial com a missão e ministério de Cristo, a tentação de Jesus no deserto ocupou lugar em três dos Evangelhos; e nessa relação específica com o Evangelho de João que temos apresentado, o assunto ali revelado concentrou-se no capítulo 17, onde a ênfase de Jesus está no fato de Ele não ser deste mundo, e o mesmo com relação à Sua Igreja!

A igreja, tanto em seu aspecto universal como no local, que está constituída sobre princípios espirituais e celestiais terá alimento suficiente para suas próprias necessidades e para distribuir para o mundo todo6. Os famintos correrão em sua direção. Ela será um ímã espiritual que reunirá o povo de Deus em uma comunhão espiritual. Será, por essa razão, um objeto de atenção especial por parte de Satanás para desfazê-la. Mas, mesmo que ele tenha sucesso em destruir seus aspectos temporais, por meio do martírio, fogo, dissensões, dispersões, posições, etc., essa Igreja terá conquistado valores espirituais indestrutíveis e eternos, “porque as (coisas) que se vêem são temporais (transitórias, passageiras) e as que se não vêem são eternas” (2Co 4.18). O teste definitivo é o eterno!

Dissemos no início que, embora estejamos preocupados com a natureza da verdadeira Igreja universal, temos uma preocupação especial com a expressão local. Portanto, agora concentraremos nossa atenção nessa expressão.

Se levarmos a sério os três primeiros capítulos do livro de Apocalipse (e, sem dúvida, devemos fazer isso) ficaremos impressionados com a seriedade da preocupação do Senhor com as expressões locais. Uma incomparável apresentação do próprio Senhor é dada por meio de Ele julgar as igrejas de acordo Consigo mesmo. Cada aspecto dessa apresentação é um fator de julgamento. Então, é dado às igrejas uma definição simbólica de duas partes: a das estrelas e a dos castiçais. Deixando muitos detalhes para depois, observaremos agora que a característica comum a esses dois símbolos é a do poder do testemunho. É o elemento positivo de um desafio para as trevas do mundo. Tudo o que se segue com relação às igrejas, o aspecto e fator positivos da vida e influência espiritual é dominante e primordial. Toda controvérsia do Senhor com as igrejas, em qualquer aspecto específico, se concentra nesta última questão definitiva: o efeito positivo da igreja onde ela está. Existe um impacto no aspecto interior (candeeiro) e no exterior (estrelas)? Elas, as igrejas, estão dizendo algo explicável, eficaz e inconfundível? Elas causam um impacto que exerce influência sobre o que as cerca? Existe um poder espiritual dotado de efeitos? Enfim, a continuação de sua posição na economia divina — ser mantida ou “movida” — se encontra nessa questão. Muitas coisas são detalhadas como a causa da perda de poder, mas é essa perda que resulta no julgamento.

Tendo observado a questão inclusiva que determina todas as coisas em um testemunho local, continuamos a perguntar e a responder à questão: Quais são

As Características Essenciais de Uma Verdadeira Igreja Local?

Estamos tentando permanecer próximos e fiéis ao princípio geral de que a Igreja, tanto universal como local, é chamada para ser uma expressão de Cristo. É impossível ler o Novo Testamento sem observar que a presença de Cristo em qualquer lugar era a presença de:

Luz e Poder Celestiais

Temos mostrado que esse fato é a base do julgamento de Cristo sobre as igrejas. Em relação a Ele, não se tratava apenas da luz do ensinamento ou da doutrina: tratava-se do ensinamento personificado. Havia o ensinamento encarnado na raça humana. O ensinamento e as obras de Cristo formavam uma coisa única. Era uma luz muito prática! Era a luz de outro mundo. Se a lua governa a noite, ela o faz por meio da luz refletida do sol. Se as igrejas devem ter o poder da verdade, elas devem tê-lo porque propiciam um reflexo de Cristo nas trevas humanas. Uma expressão local de Cristo deve significar que há luz efetiva, tanto para o povo de Deus (os candelabros) como para o mundo (as estrelas)7. O povo que tem contato com essa igreja local deve sentir o poder do ensinamento, ser afetado por ele e dar frutos nele. Não se trata apenas de um teste, mas de um testemunho daquilo que o Senhor tem suprido. Por meio daquele vaso, recebe-se um povo que vive na luz celestial? O pecado é repreendido ou exposto? Os pecadores são convencidos? Os perplexos conseguem entender aquela apresentação de Cristo?

Vida Celestial

O Senhor disse que Sua vinda a este mundo era para “que eles tivessem vida” (Jo 10.10). Portanto, Sua presença em um lugar por meio da Igreja deve significar que todos os que vêm e vão registram haver ali uma existência celestial. Não apenas estímulo, barulho, atividades, etc., mas uma vida que não é deste mundo. [Onde Cristo está,] não existem formas e costumes sem vida. Não há coisa alguma monótona. A vida é mediada por tudo que tem um lugar e uma parte. Há uma elevação espiritual como a da vida de ressurreição, não depressão!

Alimento Celestial

Como vimos anteriormente, a presença de Cristo significava pão para os famintos. A compaixão de Cristo significava que Ele não suportava ver as pessoas vindo com fome e partindo na mesma situação. Uma verdadeira expressão local de Cristo significará que aquela reunião do Seu povo terá, não apenas para si mesma, mas terá superabundância para todos os espiritualmente famintos. Aquela será uma casa que oferecerá pão onde ninguém jamais deixará de ser suprido. Não apenas se encontrará alimento, mas este será ministrado para muitos que estão distantes.

Comunhão Celestial

Uma característica impressionante de Cristo, quando Ele estava presente fisicamente entre os homens, foi o modo como Ele transcendia as coisas que dividem os homens neste mundo. Ele não tentou fazer com que todas as pessoas e coisas fossem iguais por organização, instituição, denominação, classe, categoria, formas, sistemas, etc. Todo tipo e temperamento, se despojado de preconceito e hipocrisia, de coração aberto e consciente da necessidade espiritual, encontrou um terreno comum de comunhão e unidade em Cristo. Ele apenas se colocou acima do que servia de divisão e, em resposta a Ele, as pessoas perceberam que as coisas que as separavam simplesmente desapareceram. Cristo tornou-se o terreno comum a todas elas.

Assim deve acontecer em qualquer expressão local corporativa de Cristo. Questões de associação, denominação, seita, tradição, etc., não devem se levantar, mas simplesmente desaparecer na presença do ardor da comunhão e da inteira ocupação com Cristo. O único caminho efetivo para a verdadeira unidade e comunhão celestial é aquele que é mais elevado do que o campo do mundo: o amor do céu.

Ordem Celestial

Todas as quatro coisas que mencionamos como características de uma verdadeira expressão local da Igreja e de Cristo serão ajudadas pela presença ou ocultadas pela ausência de uma ordem celestial e espiritual. Todas as ordenações, posições, departamentos, devem acontecer pelo testemunho definido do Espírito Santo, não pela escolha de um homem, seja pela ambição de outros ou dele mesmo. Como resultado de muita oração por parte da igreja, isso deve ser manifesto onde a unção e os dons estão para que a função daqueles em qualquer posição de liderança definitivamente signifique que a igreja é inspirada, fortalecida e edificada. Não cumprir esta ordem celestial possibilitará a existência de um elemento de artificialidade, uma força para criar algo e fazer com que esse algo continue em andamento. O nível mais alto de genialidade sempre ficará muito longe da menor medida de inspiração divina. É essa inspiração divina que determina toda a obra e funções divinas. Não há esforço ou força onde a unção repousa, mas espontaneidade, liberdade e unção. O óleo sempre foi um símbolo do Espírito Santo, e onde Ele está as coisas devem-se mover como no óleo.

Este não é um modelo de todo impossível, mas é a expressão normal do senhorio e governo de Cristo. O que Deus requer Ele torna possível.

A Igreja: O Vaso Ungido

Nas Escrituras, há muitas maneiras pelas quais se fala da obra do Espírito Santo. Há o “recebimento”, o “enchimento”, o “batismo”, o “cumprimento” e o “dom”. Não é nosso objetivo considerar o significado dessa variedade de expressões, mas dar ênfase em uma: a unção. A unção, tanto no Antigo como Novo Testamento, é apresentada como geral e particular, compreensiva e específica.

O primeiro fato sobre o aspecto geral da unção é que, em virtude de o Espírito de Deus ser o Espírito que unge, a unção é Deus juntando e unindo e comprometendo a Si mesmo com qualquer coisa ou pessoa que seja ungida. Significa que sempre e onde quer que esteja a unção, ali Deus deve ser considerado. Tocar no que é ungido é tocar em Deus. Para obtermos um conhecimento verdadeiro dessa verdade e desse fato, temos apenas de ler aquelas passagens do livro de Números que tratam dos levitas, do tabernáculo e dos vasos nele usados. Vida e morte estavam ligadas a todos esses ungidos porque, por meio da unção, Deus estava ligado a eles. No Novo Testamento, este aspecto compreensivo relaciona-se em primeiro lugar a Cristo e, em seguida, à Igreja.

A própria palavra ou nome “Cristo” significa ungido: “Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré” (At 10.38). Deus estava comprometido com Ele. Tocar Nele era tocar em Deus, como a história tem provado. No final, todos serão julgados e seu destino determinado de acordo com sua atitude e decisão com relação a Jesus Cristo. Quantos detalhes tremendos essa verdade inclusiva compreende!

Quando passamos para a Igreja, descobrimos que, de acordo com o Novo Testamento,

A Igreja é o Vaso Ungido

No dia de Pentecostes, um grupo de mais de quinhentos homens e mulheres foi constituído como a Igreja de Deus pela unção do Espírito Santo (At 2.1-4). Aquele grupo era controlado pela liderança ungida do Senhor Jesus exaltado, pois a unção inclusiva sempre estava sobre a cabeça Dele. Daquele tempo em diante, a Igreja levou para o mundo a implicação de Deus: e soberanos, impérios e pessoas tiveram de se acertar com Deus na Igreja. Tudo o que era verdade sobre Cristo como o Ungido passou Dele, como Cabeça, para a Igreja, o Seu Corpo, não por causa do que as pessoas eram, ou são, nelas mesmas, mas pela unção, pois as pessoas ungidas são assim porque não permanecem em seu próprio terreno, mas no terreno de Cristo.

É certo no Novo Testamento que os cristãos verdadeiramente nascidos do alto e batizados têm a unção, e surpresa é manifestada se a evidência não se faz presente (At 19.2,3). Coloque ao lado dessa referência 2 Coríntios 1.21, entre outras. O lugar dos cristãos ser “em Cristo” os coloca sob Sua unção, ou Nele, como o Ungido.

No entanto, embora o Espírito Santo seja compreensivo e multi-facetado em significado, a unção é, em toda parte na Bíblia, o termo que apresenta o significado específico de posição e função, ofício e propósito. Diz-se que Satanás (Lúcifer) em sua posição caída foi o “querubim ungido para proteger” (Ez 28.14). É óbvio que se tratava de uma posição e função específicas. Assim, os profetas, sacerdotes e reis eram ungidos para sua posição e vocação. Do mesmo modo, o tabernáculo e todos os seus vasos e instrumentos eram ungidos para cumprimento de um propósito específico, e nada poderia ocupar um lugar ou cumprir um propósito divino sem a unção. Todas as coisas e pessoas tinham de ser ungidas para um uso e propósito específico e nenhum instrumento podia escolher sua função e posição ou realizar a obra de outro. Tudo isso fazia parte da lei de Deus de eficiência, eficácia, harmonia e bênção. A vida e a morte estavam ligadas a esse princípio.

A unção sempre esteve na soberania divina e nunca na escolha, poder ou nas mãos de homens. É muito sério receber ou ser colocado em uma posição que não tenha sido designada por Deus pela unção.

Quando vamos ao Novo Testamento, essa lei da unção é claramente reconhecível no que diz respeito tanto a Cristo como à Igreja. Primeiro, o ato de soberania, depois as muitas e diversas funções. O Novo Testamento é muito claro tanto nas principais ordenações, tais como apóstolos e profetas — que se relacionam principalmente à Igreja universal —, como nas funções específicas na expressão local da Igreja. O Espírito Santo é considerado aquele que retém os dons, funções, ordenações e realizações nas igrejas. É ordem de Deus; negligenciar, ignorar, violar e ultrapassar essa lei significa uma afronta ao Espírito Santo. Isso resultará em confusão, restrição e divisões. Onde os homens colocam as mãos em uma obra de Deus, a história subseqüente tem invariavelmente se dividido em duas partes: divisões e a relegação desses homens para um lugar onde impera o descrédito sobre eles e onde perderam a posição de utilidade plena. Por outro lado, não há outra verdade mais animadora e inspiradora revelada nas Escrituras do que que, por meio da unção, todos os membros de Cristo têm uma função e valor específicos. A unção é diferente da capacidade e qualificação naturais. O que tem menos dons naturais não está, por isso, desqualificado para o uso de Deus, e o que tem mais dons ou qualificações naturais não tem vantagem nesse caso. A unção é única. Vemos isso ao juntar 2 Coríntios 1.21, 1 Coríntios 1.26-30 e todo o capítulo 2 de 1 Coríntios.

No tabernáculo de Israel, houve grandes vasos sob a unção e havia instrumentos simples como os apagadores, mas até os últimos eram ungidos. Agora, tenha cuidado! Eram apagadores ungidos. Há muitas pessoas que tomam para si a função de apagadores. Elas apagarão qualquer coisa e acabarão com qualquer coisa. Os apagadores do tabernáculo não serviam para reduzir ou extinguir a luz do testemunho, mas para mantê-la viva e impedi-la de criar uma atmosfera desagradável. É necessário unção para esse ministério.

Há outra coisa de que devemos sempre nos lembrar: é que todo vaso, função e posição deriva-se do valor de sua relação com todos os outros. Na verdade, nenhum vaso, por mais que seja importante, tem significado ou valor separado dos outros. A unção é única, embora em uma diversidade de operações. As lâmpadas pedem os apagadores que, por sua vez, não têm sentido sem as lâmpadas.

Tudo o que dissemos aqui é apenas uma alusão e indicação de uma esfera muito ampla e importante da verdade divina; muitos volumes seriam necessários para esgotá-la e explicá-la. No entanto, sem dúvida, se esta é a verdade de Deus, basta – pelo menos – indicar

1. a verdadeira natureza da Igreja, das igrejas e sua função;
2. o motivo pelo qual há tanta fraqueza, confusão e perda do impacto divino;
3. o motivo pelo qual o inimigo está tão preocupado em imitar o Espírito Santo e, desse modo, acabar com a unção da qual uma vez foi privado.

Essa última questão será uma característica específica dos últimos tempos. Esse é o motivo pelo qual, nas Escrituras, a unção ocupava uma posição sempre próxima e decisiva junto com a guerra. Pense nisso!

A Expressão Local da Igreja

Antes de concluir nossa consideração sobre a Igreja, sinto fortemente que devo dizer algumas coisas de vital importância quanto à verdadeira expressão local da Igreja. Sei muito bem como é difícil encontrar uma expressão verdadeira e assegurar que ela o é, mas não há motivo para abandonarmos todo esse assunto. Antes de ser um indicador de seu valor, a história e experiência têm mostrado que essa é a única coisa de grande importância com a qual o adversário de Cristo se preocupa. Impedir ou destruir essas expressões sempre foi uma preocupação maior dos poderes do mal. A verdadeira Igreja, universal e local, é uma ameaça muito grande para o reino de Satanás. Enfatizamos isso nos primeiros capítulos. Contudo, resumamos:

1. A importância da Igreja em expressões locais

Em primeiro lugar devemos lembrar que uma seção sólida do Novo Testamento foi escrita especificamente para igrejas locais, as quais constituíram o primeiro resultado do ministério apostólico. Esse ministério, e todo o sofrimento envolvido, foi vindicado em grupos de reunião locais de cristãos. Foi por essas igrejas que os apóstolos padeceram, trabalharam, oraram e lutaram. A essência do Novo Testamento tem sua preocupação suprema com essas assembléias que conheceram grandes sofrimentos em sua origem e estavam em “uma grande batalha de aflição” por sua continuação e sobrevivência.

Por isso, devemos lembrar que a própria preocupação e avaliação pessoal do Senhor com relação às igrejas locais se fizeram muito evidentes por meio de Suas mensagens diretas para as sete igrejas na Ásia com as quais o livro do fim (Apocalipse) se inicia. Não há como interpretar mal a importância das igrejas locais para o Senhor exaltado quando lemos essas mensagens, cujo enfoque é uma oração que se encontra em uma delas: “Isto diz o Filho de Deus”. O salmista diria “Selá”, “Pense nisso”.

2. Essa importância deve ser vista nos valores específicos de uma reunião local, quando estiver em correto funcionamento

a) Aqui, o princípio de que “nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si” (Rm 14.7) é enunciado com relação à igreja local e deve ser aplicado às mensagens para as igrejas na Ásia. Diz-se da igreja em Éfeso que, por meio dela, “todos os que habitavam na Ásia ouviram a palavra do Senhor Jesus” (At 19.10; veja 1Ts 1.8). Deve ser impossível a existência de uma assembléia local do povo de Deus sem que seja conhecida por uma região muito maior do que sua própria localidade. Um grupo vivo, mais cedo ou mais tarde, será conhecido no exterior pelo que ele tem da parte do Senhor.

b) Para ampliar a questão, uma igreja local deve ter não apenas pão espiritual suficiente para si, mas cestos cheios para distribuir, e muitos além de suas fronteiras devem estar sendo enriquecidos por sua saúde espiritual. A história não mostra quão evidente isso é? O povo de Deus não tem sido alimentado por anos até o dia de hoje com o pão ministrado para – e por meio de – aquelas igrejas do Novo Testamento? Não é verdade que multidões foram e ainda estão sendo alimentadas com o alimento ministrado em igrejas locais em muitos lugares no último século? Do mesmo modo teria feito o Senhor. A igreja que apenas ministra para si e não o faz para a Igreja como um todo está cometendo um pecado contra o direito da vida; ela se tornou uma via de mão única, não uma rodovia. Sem dúvida, é particularmente importante que o ministério em uma igreja local seja um ministério verdadeiramente ungido, não por qualquer ordenação, seleção ou decisão do homem, não pelos discursos instruídos e arranjados, mas pela iluminação e inspiração vinda de um céu aberto, não apenas fazendo com que algo continue em andamento como um dever, mas pela revelação de Jesus Cristo. Deve ser óbvio para todos que aqueles que lideram e ministram estão sob um encargo genuíno do Senhor, e a evidência disso é a vida!

c) A igreja local deve, e pode, ser um refúgio, um abrigo, uma proteção para seus próprios membros. Uma das principais táticas de Satanás é isolar os cristãos e depois derrotá-los. Isso pode ser feito por ações imprudentes e independentes e por escolhas, passos e decisões frutos da falta de conselho. A igreja por meio de suas orações, conselho e comunhão é uma provisão divina contra as tragédias que se encontram no caminho da independência e isolamento. Assim como a cooperação e a coordenação no corpo físico são uma provisão e uma lei contra muitas doenças, o mesmo acontece com os membros do corpo espiritual.

d) A igreja local deve fornecer ministérios pessoais para o povo de Deus e para os não-salvos, próximos e distantes, e oferecer uma proteção e apoio abrangente para a realização desses ministérios. Aqueles que se apresentam para o ministério da igreja devem saber que estão sendo defendidos e sustentados por aqueles com os quais andaram. Na verdade, eles devem prosseguir como enviados pela igreja!

A falta e ausência dessas características em organizações locais são a causa de tanta fraqueza na Igreja universal.

e) Por fim, uma igreja local que funciona corretamente é uma provisão maravilhosa para o treinamento de seus membros para a obra. O treinamento é principalmente uma questão de ser capaz de trabalhar corporativamente. O modo de viver e trabalhar com outras pessoas e afundar o individualismo na comunhão é uma parte verdadeira da disciplina que torna frutífero um ministério!

Há um perigo real no departamentalismo: a separação em grupos isolados de modo que esses grupos não alcancem uma vida e função corporativa da Igreja. É possível termos grupos associados à uma igreja local que realmente não possuem uma verdadeira vida da igreja. Isso significa fraqueza e perda. Além disso, a igreja local deve ser sua própria escola bíblica, para instrução sistemática na Palavra de Deus.

A leitura cuidadosa da Bíblia, principalmente do Novo Testamento, mostrará que tudo o que dissemos acima está contido nela como exortação, admoestação, advertência, instrução e exemplo.

Se eu tivesse de acrescentar outra coisa vital e todo-inclusiva, eu diria que o essencial absoluto para essas igrejas é uma verdadeira obra da cruz em todos os a ela relacionados.
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1 Em grego, a palavra usada nesse versículo é eclésia (que significa “chamados para fora”) traduzida, na maior parte dos versículos em que aparece, como igreja.
2 Ou seja, a visão, a percepção da realidade espiritual acerca da Igreja, é individual e deve ser buscada individualmente.
3 A palavra grega traduzida como “do alto” pode também ser corretamente traduzida para “de cima”. Ela é traduzida com esse sentido nos seguintes versículos: Mt 27.51; Mc 15.38; Jo 3.31; 19.11,23; Tg 1.17; 3.15,17.
4 O autor não está se referindo à regeneração; entendemos que o “nascer de novo” aqui refira-se ao processo pelo qual os apóstolos passaram na transição da velha aliança, com suas figuras e símbolos, para a nova aliança, na qual Cristo é a realidade de todas as coisas.
5 No sentido de fé cristã, não de organizações e movimentos cristãos ou da religião cristã.
6 O autor trata especificamente deste assunto no livro O Testemunho do Senhor e a Necessidade do Mundo, publicado por esta editora.
7 No sentido de que os candelabros representam a igreja em uma cidade, portanto, um testemunho coletivo do povo de Deus, enquanto as estrelas representam membros da igreja, indicando um testemunho individual diante do mundo.

(Extraído da extinta revista O Chamamento Celestial ano 2, n. 6, publicada por CCC Edições, janeiro de 2001. Traduzido por Valéria Lamim Delgado Fernandes. Os artigos que compõem esta edição foram originalmente publicados na revista A Witness and a Testimony, vol. 47, números 1-5, em 1969. Em sua forma original, o texto é uma transcrição das mensagens faladas. Por isso, quando necessário, fez-se adaptações no texto, procurando conservar, quanto possível, o estilo original. Nesses artigos, os termos “Igreja universal” e “igreja local” não são nomes próprios, ou seja, eles não identificam grupos cristãos, denominações, movimentos ou qualquer outra instituição que se utilize de algum destes termos. “Igreja universal” significa o Corpo de Cristo que inclui todos os membros, em todos os tempos e lugares, enquanto “igreja local” é a expressão desse Corpo em uma cidade.)

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A. W. Tozer Igreja

Precisamos novamente de homens de Deus (A. W. Tozer)

A igreja, neste momento, precisa de homens, o tipo certo de homens, homens ousados. Afirma-se que necessitamos de avivamento e de um novo movimento do Espírito; Deus sabe que precisamos de ambas as coisas. Entretanto, Ele não haverá de avivar ratinhos. Não encherá coelhos com seu Espírito Santo.

A igreja suspira por homens que se consideram sacrificáveis na batalha da alma, homens que não podem ser amedrontados pelas ameaças de morte, porque já morreram para as seduções deste mundo. Tais homens estarão livres das compulsões que controlam os homens mais fracos. Não serão forçados a fazer as coisas pelo constrangimento das circunstâncias; sua única compulsão virá do íntimo e do alto.

Esse tipo de liberdade é necessária, se queremos ter novamente, em nossos púlpitos, pregadores cheios de poder, ao invés de mascotes. Esses homens livres servirão a Deus e à humanidade através de motivações elevadas demais, para serem compreendidas pelo grande número de religiosos que hoje entram e saem do santuário. Esses homens jamais tomarão decisões motivados pelo medo, não seguirão nenhum caminho impulsionados pelo desejo de agradar, não ministrarão por causa de condições financeiras, jamais realizarão qualquer ato religioso por simples costume; nem permitirão a si mesmos serem influenciados pelo amor à publicidade ou pelo desejo por boa reputação.

A igreja suspira por homens que se consideram sacrificáveis na batalha da alma, homens que não podem ser amedrontados pelas ameaças de morte, porque já morreram para as seduções deste mundo.

Muito do que a igreja faz em nossos dias, ela o faz porque tem medo de não fazê-lo. Associações de pastores atiram-se em projetos motivados apenas pelo temor de não se envolverem em tais projetos.

PRECISAMOS NOVAMENTE DE HOMENS DE DEUS

Sempre que o seu reconhecimento motivado pelo medo (do tipo que observa o que os outros dizem e fazem) os conduz a crer no que o mundo espera que eles façam, eles o farão na próxima segunda-feira pela manhã, com toda a espécie de zelo ostentoso e demonstração de piedade. A influência constrangedora da opinião pública é quem chama esses profetas, não a voz de Jeová.

A verdadeira igreja jamais sondou as expectativas públicas, antes de se atirar em suas iniciativas. Seus líderes ouviram da parte de Deus e avançaram totalmente independentes do apoio popular ou da falta deste apoio. Eles sabiam que era vontade de Deus e o fizeram, e o povo os seguiu (às vezes em triunfo, porém mais freqüentemente com insultos e perseguição pública); e a recompensa de tais líderes foi a satisfação de estarem certos em um mundo errado.

Outra característica do verdadeiro homem de Deus tem sido o amor. O homem livre, que aprendeu a ouvir a voz de Deus e ousou obedecê-la, sentiu o mesmo fardo moral que partiu os corações dos profetas do Antigo Testamento, esmagou a alma de nosso Senhor Jesus Cristo e arrancou abundantes lágrimas dos apóstolos.

O homem livre jamais foi um tirano religioso, nem procurou exercer senhorio sobre a herança pertencente a Deus. O medo e a falta de segurança pessoal têm levado os homens a esmagarem os seus semelhantes debaixo de seus pés. Esse tipo de homem tinha algum interesse a proteger, alguma posição a assegurar; portanto, exigiu submissão de seus seguidores como garantia de sua própria segurança. Mas o homem livre, jamais; ele nada tem a proteger, nenhuma ambição a perseguir, nenhum inimigo a temer. Por esse motivo, ele é alguém completamente descuidado a respeito de seu prestígio entre os homens. Se o seguirem, muito bem; caso não o sigam, ele nada perde que seja querido ao seu coração; mas, quer ele seja aceito, quer seja rejeitado, continuará amando seu povo com sincera devoção. E somente a morte pode silenciar sua terna intercessão por eles.

Sim, se o cristianismo evangélico tem de permanecer vivo, precisa novamente de homens, o tipo certo de homens. Deverá repudiar os fracotes que não ousam falar o que precisa ser externado; precisa buscar, em oração e muita humildade, o surgimento de homens feitos da mesma qualidade dos profetas e dos antigos mártires. Deus ouvirá os clamores de seu povo, assim como Ele ouviu os clamores de Israel no Egito. Haverá de enviar libertação, ao enviar libertadores. É assim que Ele age entre os homens.

E, quando vierem os libertadores… Serão homens de Deus, homens de coragem. Terão Deus ao seu lado, porque serão cuidadosos em permanecer ao lado dEle; serão cooperadores com Cristo e instrumentos nas mãos do Espírito Santo…

(Revista Fé para Hoje, Número 1, Ano 1999)

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Igreja Martinho Lutero

As 95 Teses de Martinho Lutero

Em 31 de Outubro de 1517, Martinho Lutero afixou na porta da capela de Wittemberg 95 teses que gostaria de discutir com os teólogos católicos, as quais versavam principalmente sobre penitência, indulgências e a salvação pela fé. O evento marca o início da Reforma Protestante, de onde posteriormente veio a Igreja Presbiteriana, e representa um marco e um ponto de partida para a recuperação das sãs doutrinas.

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Movido pelo amor e pelo empenho em prol do esclarecimento da verdade discutir-se-á em Wittemberg, sob a presidência do Rev. padre Martinho Lutero, o que segue. Aqueles que não puderem estar presentes para tratarem o assunto verbalmente conosco, o poderão fazer por escrito.

Em nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.

1ª Tese
Dizendo nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo: Arrependei-vos…., certamente quer que toda a vida dos seus crentes na terra seja contínuo arrependimento.

2ª Tese
E esta expressão não pode e não deve ser interpretada como referindo-se ao sacramento da penitência, isto é, à confissão e satisfação, a cargo do ofício dos sacerdotes.

3ª Tese
Todavia não quer que apenas se entenda o arrependimento interno; o arrependimento interno nem mesmo é arrependimento quando não produz toda sorte de modificações da carne.

4ª Tese
Assim sendo, o arrependimento e o pesar, isto é, a verdadeira penitência, perdura enquanto o homem se desagradar de si mesmo, a saber, até a entrada desta para a vida eterna.

5ª Tese
O papa não quer e não pode dispensar outras penas, além das que impôs ao seu alvitre ou em acordo com os cânones, que são estatutos papais.

6ª Tese
O papa não pode perdoar divida senão declarar e confirmar aquilo que Já foi perdoado por Deus; ou então faz nos casos que lhe foram reservados. Nestes casos, se desprezados, a dívida deixaria de ser em absoluto anulada ou perdoada.

7ª Tese
Deus a ninguém perdoa a dívida sem que ao mesmo tempo o subordine, em sincera humildade, ao sacerdote, seu vigário.

8ª Tese
Canones poenitendiales, que não as ordenanças de prescrição da maneira em que se deve confessar e expiar, apenas aio Impostas aos vivos, e, de acordo com as mesmas ordenanças, não dizem respeito aos moribundos.

9ª Tese
Eis porque o Espírito Santo nos faz bem mediante o papa, excluído este de todos os seus decretos ou direitos o artigo da morte e da necessidade suprema

10ª Tese
Procedem desajuizadamente e mal os sacerdotes que reservam e impõem aos moribundos poenitentias canonicas ou penitências para o purgatório a fim de ali serem cumpridas.

11ª Tese
Este joio, que é o de se transformar a penitência e satisfação, Previstas pelos cânones ou estatutos, em penitência ou penas do purgatório, foi semeado quando os bispos se achavam dormindo.

12ª Tese
Outrora canonicae poenae, ou sejam penitência e satisfação por pecadores cometidos eram impostos, não depois, mas antes da absolvição, com a finalidade de provar a sinceridade do arrependimento e do pesar.

13ª Tese
Os moribundos tudo satisfazem com a sua morte e estão mortos para o direito canônico, sendo, portanto, dispensados, com justiça, de sua imposição.

14ª Tese
Piedade ou amor Imperfeitos da parte daquele que se acha às portas da morte necessariamente resultam em grande temor; logo, quanto menor o amor, tanto maior o temor.

15ª Tese
Este temor e espanto em si tão só, sem falar de outras cousas, bastam para causar o tormento e o horror do purgatório, pois que se avizinham da angústia do desespero.

16ª Tese
Inferno, purgatório e céu parecem ser tão diferentes quanto o são um do outro o desespero completo, incompleto ou quase desespero e certeza.

17ª Tese
Parece que assim como no purgatório diminuem a angústia e o espanto das almas, nelas também deve crescer e aumentar o amor.

18ª Tese
Bem assim parece não ter sido provado, nem por boas ações e nem pela Escritura, que as almas no purgatório se encontram fora da possibilidade do mérito ou do crescimento no amor.

19ª Tese
Ainda parece não ter sido provado que todas as almas do purgatório tenham certeza de sua salvação e não receiem por ela, não obstante nós termos absoluta certeza disto.

20ª Tese
Por isso o papa não quer dizer e nem compreende com as palavras “perdão plenário de todas as penas” que todo o tormento é perdoado, mas as penas por ele impostas.

21ª Tese
Eis porque erram os apregoadores de indulgências ao afirmarem ser o homem perdoado de todas as penas e salvo mediante a indulgência do papa.

22ª Tese
Pensa com efeito, o papa nenhuma pena dispensa às almas no purgatório das que segundo os cânones da Igreja deviam ter expiado e pago na presente vida.

23ª Tese
Verdade é que se houver qualquer perdão plenário das penas, este apenas será dado aos mais perfeitos, que são muito poucos.

24ª Tese
Assim sendo, a maioria do povo é ludibriada com as pomposas promessas do indistinto perdão, impressionando-se o homem singelo com as penas pagas.

25ª Tese
Exatamente o mesmo poder geral, que o papa tem sobre o purgatório, qualquer bispo e cura d’almas o tem no seu bispado e na sua paróquia, quer de modo especial e quer para com os seus em particular.

26ª Tese
O papa faz muito bem em não conceder às almas o perdão em virtude do poder das chaves (ao qual não possui), mas pela ajuda ou em forma de intercessão.

27ª Tese
Pregam futilidades humanas quantos alegam que no momento em que a moeda soa ao cair na caixa a alma se vai do purgatório.

28ª Tese
Certo é que no momento em que a moeda soa na caixa vêm o lucro e o amor ao dinheiro cresce e aumenta; a ajuda, porém, ou a intercessão da Igreja tão só correspondem à vontade e ao agrado de Deus.

29ª Tese
E quem sabe, se todas as almas do purgatório querem ser libertadas, quando há quem diga o que sucedeu com Santo Severino e Pascoal.

30ª Tese
Ninguém tem certeza da suficiência do seu arrependimento e pesar verdadeiros; muito menos certeza pode ter de haver alcançado pleno perdão dos seus pecados.

31ª Tese
Tão raro como existe alguém que possui arrependimento e, pesar verdadeiros, tão raro também é aquele que verdadeiramente alcança indulgência, sendo bem poucos os que se encontram.

32ª Tese
Irão para o diabo juntamente com os seus mestres aqueles que julgam obter certeza de sua salvação mediante breves de indulgência.

33ª Tese
Há que acautelasse muito e ter cuidado daqueles que dizem: A indulgência do papa é a mais sublime e mais preciosa graça ou dadiva de Deus, pela qual o homem é reconciliado com Deus.

34ª Tese
Tanto assim que a graça da indulgência apenas se refere à pena satisfatória estipulada por homens.

35ª Tese
Ensinam de maneira ímpia quantos alegam que aqueles que querem livrar almas do purgatório ou adquirir breves de confissão não necessitam de arrependimento e pesar.

36ª Tese
Todo e qualquer cristão que se arrepende verdadeiramente dos seus pecados, sente pesar por ter pecado, tem pleno perdão da pena e da dívida, perdão esse que lhe pertence mesmo sem breve de indulgência.

37ª Tese
Todo e qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, é participante de todos os bens de Cristo e da Igreja, dádiva de Deus, mesmo sem breve de indulgência.

38ª Tese
Entretanto se não deve desprezar o perdão e a distribuição por parte do papa. Pois, conforme declarei, o seu perdão constitui uma declaração do perdão divino.

39ª Tese
É extremamente difícil, mesmo para os mais doutos teólogos, exaltar diante do povo ao mesmo tempo a grande riqueza da indulgência e ao contrário o verdadeiro arrependimento e pesar.

40ª Tese
O verdadeiro arrependimento e pesar buscam e amam o castigo: mas a profusão da indulgência livra das penas e faz com que se as aborreça, pelo menos quando há oportunidade para isso.

41ª Tese
É necessário pregar cautelosamente sobre a indulgência papal para que o homem singelo não julgue erroneamente ser a indulgência preferível às demais obras de caridade ou melhor do que elas.

42ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos, não ser pensamento e opinião do papa que a aquisição de indulgência de alguma maneira possa ser comparada com qualquer obra de caridade.

43ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos proceder melhor quem dá aos pobres ou empresta aos necessitados do que os que compram indulgências.

44ª Tese
Ê que pela obra de caridade cresce o amor ao próximo e o homem torna-se mais piedoso; pelas indulgências, porém, não se torna melhor senão mais seguro e livre da pena.

45ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que aquele que vê seu próximo padecer necessidade e a despeito disto gasta dinheiro com indulgências, não adquire indulgências do papa. mas provoca a ira de Deus.

46ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem fartura , fiquem com o necessário para a casa e de maneira nenhuma o esbanjem com indulgências.

47ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos, ser a compra de indulgências livre e não ordenada

48ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa precisa conceder mais indulgências, mais necessita de uma oração fervorosa do que de dinheiro.

49ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos, serem muito boas as indulgências do papa enquanto o homem não confiar nelas; mas muito prejudiciais quando, em conseqüência delas, se perde o temor de Deus.

50ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa tivesse conhecimento da traficância dos apregoadores de indulgências, preferiria ver a catedral de São Pedro ser reduzida a cinzas a ser edificada com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.

51ª Tese
Deve-se ensinar aos cristãos que o papa, por dever seu, preferiria distribuir o seu dinheiro aos que em geral são despojados do dinheiro pelos apregoadores de indulgências, vendendo, se necessário fosse, a própria catedral de São Pedro.

52º Tese
Comete-se injustiça contra a Palavra de Deus quando, no mesmo sermão, se consagra tanto ou mais tempo à indulgência do que à pregação da Palavra do Senhor.

53ª Tese
São inimigos de Cristo e do papa quantos por causa da prédica de indulgências proíbem a Palavra de Deus nas demais igrejas.

54ª Tese
Esperar ser salvo mediante breves de indulgência é vaidade e mentira, mesmo se o comissário de indulgências, mesmo se o próprio papa oferecesse sua alma como garantia.

55ª Tese
A intenção do papa não pode ser outra do que celebrar a indulgência, que é a causa menor, com um sino, uma pompa e uma cerimônia, enquanto o Evangelho, que é o essencial, importa ser anunciado mediante cem sinos, centenas de pompas e solenidades.

56ª Tese
Os tesouros da Igreja, dos quais o papa tira e distribui as indulgências, não são bastante mencionados e nem suficientemente conhecido na Igreja de Cristo.

57ª Tese
Que não são bens temporais, é evidente, porquanto muitos pregadores a estes não distribuem com facilidade, antes os ajuntam.

58ª Tese
Tão pouco são os merecimentos de Cristo e dos santos, porquanto estes sempre são eficientes e, independentemente do papa, operam salvação do homem interior e a cruz, a morte e o inferno para o homem exterior.

59ª Tese
São Lourenço aos pobres chamava tesouros da Igreja, mas no sentido em que a palavra era usada na sua época.

60ª Tese
Afirmamos com boa razão, sem temeridade ou leviandade, que estes tesouros são as chaves da Igreja, a ela dado pelo merecimento de Cristo.

61ª Tese
Evidente é que para o perdão de penas e para a absolvição em determinados casos o poder do papa por si só basta.

62ª Tese
O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.

63ª Tese
Este tesouro, porém, é muito desprezado e odiado, porquanto faz com que os primeiros sejam os últimos.

64ª Tese
Enquanto isso o tesouro das indulgências é sabiamente o mais apreciado, porquanto faz com que os últimos sejam os primeiros.

65ª Tese
Por essa razão os tesouros evangélicos outrora foram as redes com que se apanhavam os ricos e abastados.

66ª Tese
Os tesouros das indulgências, porém, são as redes com que hoje se apanham as riquezas dos homens.

67ª Tese
As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como a mais sublime graça decerto assim são consideradas porque lhes trazem grandes proventos.

68ª Tese
Nem por isso semelhante indigência não deixa de ser a mais Intima graça comparada com a graça de Deus e a piedade da cruz.

69ª Tese
Os bispos e os sacerdotes são obrigados a receber os comissários das indulgências apostólicas com toda a reverência-

70ª Tese
Entretanto têm muito maior dever de conservar abertos olhos e ouvidos, para que estes comissários, em vez de cumprirem as ordens recebidas do papa, não preguem os seus próprios sonhos.

71ª Tese
Aquele, porém, que se insurgir contra as palavras insolentes e arrogantes dos apregoadores de indulgências, seja abençoado.

72ª Tese
Quem levanta a sua voz contra a verdade das indulgências papais é excomungado e maldito.

73ª Tese
Da mesma maneira em que o papa usa de justiça ao fulminar com a excomunhão aos que em prejuízo do comércio de indulgências procedem astuciosamente.

74ª Tese
Muito mais deseja atingir com o desfavor e a excomunhão àqueles que, sob o pretexto de indulgência, prejudiquem a santa caridade e a verdade pela sua maneira de agir.

75ª Tese
Considerar as indulgências do papa tão poderosas, a ponto de poderem absolver alguém dos pecados, mesmo que (cousa impossível) tivesse desonrado a mãe de Deus, significa ser demente.

78ª Tese
Bem ao contrario, afirmamos que a indulgência do papa nem mesmo o menor pecado venial pode anular o que diz respeito à culpa que constitui.

77ª Tese
Dizer que mesmo São Pedro, se agora fosse papa, não poderia dispensar maior indulgência, significa blasfemar S. Pedro e o papa.

78ª Tese
Em contrario dizemos que o atual papa, e todos os que o sucederam, é detentor de muito maior indulgência, isto é, o Evangelho, as virtudes o dom de curar, etc., de acordo com o que diz 1Coríntios 12.

79ª Tese
Afirmar ter a cruz de indulgências adornada com as armas do papa e colocada na igreja tanto valor como a própria cruz de Cristo, é blasfêmia.

80ª Tese
Os bispos, padres e teólogos que consentem em semelhante linguagem diante do povo, terão de prestar contas deste procedimento.

81ª Tese
Semelhante pregação, a enaltecer atrevida e insolentemente a Indulgência, faz com que mesmo a homens doutos é difícil proteger a devida reverência ao papa contra a maledicência e as fortes objeções dos leigos.

82 ª Tese
Eis um exemplo: Por que o papa não tira duma só vez todas as almas do purgatório, movido por santíssima’ caridade e em face da mais premente necessidade das almas, que seria justíssimo motivo para tanto, quando em troca de vil dinheiro para a construção da catedral de S. Pedro, livra um sem número de almas, logo por motivo bastante Insignificante?

83ª Tese
Outrossim: Por que continuam as exéquias e missas de ano em sufrágio das almas dos defuntos e não se devolve o dinheiro recebido para o mesmo fim ou não se permite os doadores busquem de novo os benefícios ou pretendas oferecidos em favor dos mortos, visto’ ser Injusto continuar a rezar pelos já resgatados?

84ª Tese
Ainda: Que nova piedade de Deus e dó papa é esta, que permite a um ímpio e inimigo resgatar uma alma piedosa e agradável a Deus por amor ao dinheiro e não resgatar esta mesma alma piedosa e querida de sua grande necessidade por livre amor e sem paga?

85ª Tese
Ainda: Por que os cânones de penitencia, que, de fato, faz muito caducaram e morreram pelo desuso, tornam a ser resgatados mediante dinheiro em forma de indulgência como se continuassem bem vivos e em vigor?

86ª Tese
Ainda: Por que o papa, cuja fortuna hoje é mais principesca do que a de qualquer Credo, não prefere edificar a catedral de S. Pedro de seu próprio bolso em vez de o fazer com o dinheiro de fiéis pobres?

87ª Tese
Ainda: Quê ou que parte concede o papa do dinheiro proveniente de indulgências aos que pela penitência completa assiste o direito à indulgência plenária?

88ª Tese
Afinal: Que maior bem poderia receber a Igreja, se o papa, como Já O faz, cem vezes ao dia, concedesse a cada fiel semelhante dispensa e participação da indulgência a título gratuito.

89ª Tese
Visto o papa visar mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que revoga os breves de indulgência outrora por ele concedidos, aos quais atribuía as mesmas virtudes?

90ª Tese
Refutar estes argumentos sagazes dos leigos pelo uso da força e não mediante argumentos da lógica, significa entregar a Igreja e o papa a zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos.

91ª Tese
Se a Indulgência fosse apregoada segundo o espírito e sentido do papa, aqueles receios seriam facilmente desfeitos, nem mesmo teriam surgido.

92ª Tese
Fora, pois, com todos estes profetas que dizem ao povo de Cristo: Paz! Paz! e não há Paz.

93ª Tese
Abençoados sejam, porém, todos os profetas que dizem à grei de Cristo: Cruz! Cruz! e não há cruz.

94ª Tese
Admoestem-se os cristãos a que se empenhem em seguir sua Cabeça Cristo através do padecimento, morte e inferno.

95ª Tese
E assim esperem mais entrar no Reino dos céus através de muitas tribulações do que facilitados diante de consolações infundadas.

Fonte

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Igreja Martin Lloyd-Jones

O Crescimento da Igreja (M. Lloyd-Jones)

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito. ” (Efésios 2:2O-22)

Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do povo cristão e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma espécie de edifício, um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai habitar de maneira mais ampla e mais completa. Temos examinado esta figura de modo geral. Mas o apóstolo não nos oferece meramente uma descrição geral deste edifício, ele nos fala em detalhe sobre a planta e as especificações que foram obedecidas, e que sempre deverão ser obedecidas, na construção deste edifício.

Portanto, começamos necessariamente com o alicerce, com o fundamento. Somos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina”. Em seguida a isso, passamos mais diretamente a uma consideração de nós mesmos e daquilo que nos caracteriza que, como pedras neste edifício, estamos relacionados com o fundamento, estamos relacionados com o Senhor Jesus Cristo, estamos relacionados com a verdade; porém, e este é o aspecto que o apóstolo parece salientar mais que tudo aqui, também estamos relacionados uns com os outros. Noutras palavras, a frase importante aqui é esta palavra que foi traduzida por estas três, “adequada e conjuntamente ajustado” (a palavra e só entrando como elemento de ligação). Essa é a palavra a que devemos dar atenção outra vez. Aí estão todas estas pedras individuais nesta parede, nestas paredes que estão sendo levantadas, e elas todas são “adequadas e conjuntamente ajustadas”.

Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma delas pode transmitir a verdade completa. É por isso que o apóstolo usa aqui três figuras diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta maneira, ao tratar anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu mostrei que certa dose de preparação era necessária de antemão, e também que, em certo sentido, a preparação continua a vida inteira. Essa é a espécie de paradoxo que se vê no Novo Testamento concernente à Igreja. De um lado nos é dada a impressão de que Deus já habita na Igreja – e é um fato. E, contudo, há esta outra idéia de que a Igreja ainda está sendo construída “para morada” na qual Ele virá habitar quando ela estiver completa. Da mesma maneira nós, num sentido, já estamos preparados, mas também ainda necessitamos deste processo. Todavia outras ilustrações são utilizadas para aclarar isso.

Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas pedras são colocadas no edifício. “No qual também vós juntamente sois edificados”, diz Paulo, “para morada de Deus”. Vocês efésios, diz ele, foram colocados neste edifício, são partes agora desta construção, são partes deste grande templo que está sendo erigido no Senhor para morada de Deus em Espírito (ou “mediante o Espírito”, VA).

Uma questão muito importante para nossa onsideração é a seguinte: quando ocorre a preparação? Primordial e essencialmente, esta preparação acontece antes de estarmos na Igreja. Jamais poderemos fazer parte deste edifício, jamais seremos pedras nessas paredes, sem já estarmos preparados para isso. Portanto, vamos lá para trás, a um versículo do Velho Testamento – 1 Reis 6:7: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. Isso é uma parte da narrativa da construção do templo de Salomão. É uma parte muito importante da história. De fato, visto que estamos estudando esta passagem, é de grande importância que voltemos ao Velho Testamento para lermos acerca da construção do templo de Salomão em Jerusalém. Não há nenhuma dúvida de que o apóstolo Paulo tinha essas figuras em sua mente, e é igualmente claro que o que nos é ensinado quanto à construção do tabernáculo e do templo tem relevância para aquilo que estamos estudando neste momento.

Quando Deus instruiu Moisés sobre a construção do tabernáculo, Ele o levou a um monte e lhe deu instruções minuciosas. Deus não disse simplesmente a Moisés: agora Eu quero que você construa um tabernáculo para Mim, no qual a Minha presença possa habitar, no qual a glória da Minha Shekinah possa manifestar-se. Ele lhe deu instruções pormenorizadas, entrando nas questões de medidas, cores etc. Tudo foi dado em detalhe. E tendo lhe dado a planta e as especificações, Deus disse à Moisés: “Atenta, pois, que o faças conforme ao seu modelo, que te foi mostrado no monte” (Êxodo 25:4O). Parece que foram dadas instruções de maneira semelhante a Salomão (2 Crônicas 13). É importante, pois, que tenhamos isso em mente; é de profunda significação. Ouçam-no de novo: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. Essa declaração contém importante doutrina que lança luz sobre a exposição feita pelo apóstolo na passagem que estamos estudando, com relação à natureza da Igreja Cristã.

Em meu parecer, o primeiro principio que se deve observar é o seguinte: a preparação é feita em segredo. Sem dúvida havia pessoas em Jerusalém que ficavam observando a construção do templo. Mas elas não viam a preparação das pedras. Este trabalho era feito antes de serem trazidas para o local do templo e de serem colocadas nos seus lugares nas paredes. Eis aí um grande princípio do Novo Testamento. Antes de sermos verdadeiros membros da Igreja Cristã, qualquer de nós – (vocês vêem como é importante distinguir entre simplesmente termos os nossos nomes nos róis de uma igreja e realmente sermos membros de Cristo e da Sua Igreja) – antes de podermos estar verdadeiramente na Igreja, uma enorme obra de preparação é indispensável. É uma obra realizada pelo Espírito Santo, e é realizada nas profundezas da alma. É uma obra misteriosa e secreta. O mundo a ignora. Assim como o povo de Jerusalém nada sabia da preparação daquelas pedras, o mundo também nada sabe a respeito. E possível estarmos trabalhando num escritório com outras pessoas, ou até vivendo na mesma casa com outros, certa poderosa obra de preparação estar sendo realizada em nós, sem que eles saibam. Não é uma obra realizada externamente, por fora, superficialmente; é realizada no âmago da alma.

Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: “Vós sois a carta de Cristo… escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” (2 Coríntios 13). É uma obra interna, uma obra misteriosa, que se realiza naquela parte do homem chamada alma. Certamente vocês se lembram de um famoso anatomista que zombou da alma há alguns anos. Disse ele que tinha dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e nunca tinha encontrado um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é uma das coisas secretas que um anatomista materialista não pode entender. Menos ainda tal homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra é tão secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo realizada não sabe o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age em nós durante algum tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo o que sabemos é que estamos sendo levados a fazer certas perguntas que nunca tínhamos feito antes. Tudo o que sabemos é que, de repente, ficamos insatisfeitos com nós mesmos e com as nossas vidas, e não sabemos por quê. Alguém talvez diga que não estamos bem e que deveríamos consultar um médico; e pode ser que concordemos. Talvez pensemos que estamos cansados, ou procuremos alguma outra explicação. É uma obra misteriosa. Novos interesses surgem, novos anseios, desejos e aspirações, e dizemos: “Que será isso? Não entendo o que se passa comigo. Parece que alguma coisa está acontecendo comigo. Não sou mais o mesmo. Que será isso?” E não entendemos. Ignoramos esta obra secreta que o Espírito está realizando. Mas aí está ela, e faz parte da preparação. Esse trabalho era feito antes de as pedras serem levadas para Jerusalém.

Não devo demorar-me neste particular, porém vocês se lembram da maneira como o nosso Senhor expressou esta verdade, dizendo a Nicodemos, que nesse ponto mostrou-se completamente incapaz de entender a Sua doutrina: “Como pode um homem nascer, sendo velho?”, pergunta Nicodemos. “Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” -Não entendo! Certo, disse efetivamente o nosso Senhor. “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Você vê o resultado, você não vê o que acontece, não entende. “Não sabes de onde vem, nem para onde vai.” Não se vê, é invisível, mas você vê os efeitos, o resultado, o produto acabado. “Assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Noutras palavras, estabeleço como proposição fundamental – e é sumamente importante dar ênfase a isso hoje, porque há uma grave
incompreensão dessa questão – que, ser cristão é estar sujeito a uma energia e um poder que está acima do nosso entendimento. Não me entendam mal. Isso não significa que o cristianismo é irracional; o que
significa é que o cristianismo é super-racional, supra-racional, poderíamos dizer. Não há – e isso me causa prazer, pelo que o repito muitas vezes – não há nada que, uma vez que você esteja dentro, seja tão racional, tão lógico como a fé cristã (como o revela a ilustração que temos nesta Epístola aos Efésios). Mas se você está fora, não a entende; parece haver algo de misterioso e estranho nela. Por quê? Porque é obra de Deus, porque é ação direta do Eterno. Já não é ação realizada por meio das leis da natureza; Ele está agindo diretamente, Ele está agindo imediatamente, isto é, sem utilizar-Se de meios.

Deixem-me pedir ao grande apóstolo que exponha isso. Vejam como ele o faz na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele que quando o Senhor Jesus Cristo estava neste mundo, os príncipes deste
mundo não O reconheceram, pois, se O tivessem reconhecido, “nunca crucificariam o Senhor da glória”. Eles viam simplesmente um homem, o carpinteiro de Nazaré. Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam admirados com o Seu conhecimento e com a Sua cultura; todavia não entendiam, não sabiam que Ele era o Filho de Deus. Mas o apóstolo declara: “Deus no-las revelou pelo Seu Espírito”; sim, pelo Espírito que “penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”. Ele prossegue, dizendo: “Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”. E ainda: “O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. E então ele acrescenta isto: “Aquele que é espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne (ou, “julga” VA) bem tudo, e ele de ninguém é discernido (ou, “por ninguém é julgado”). Noutras palavras, o cristão, por definição, deveria ser um problema e um enigma para todos os não cristãos. Como isso é importante como uma prova para cada um de nós! Se um incrédulo pode entender você e tudo o que você lhe diz, então, pelo menos dentro deste contexto, você não está dando prova de que você é cristão.

Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande problema para as pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um homem comum, nunca foi instruído como fariseu, não é escriba, não é sacerdote, nunca teve erudição e cultura; no entanto, olhem para Ele, ouçam o que Ele está dizendo. Ele parece ter conhecimento; vejam os Seus milagres – quem é este? Ele era um problema e um quebra-cabeça para eles. Porventura vocês se lembram de que, nos capítulos iniciais do livro de Atos somos informados de que acontecia a mesma coisa com os Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta Formosa do templo, e as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos a julgamento, e tudo o que puderam dizer foi que “eles haviam estado com Jesus” (4:13). Isso era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes, indoutos, mas cheios de poder! Que será isso?

É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por ter sido formado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém pode entender, exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não é irracional, mas transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de Pascal: “A suprema percepção da razão é levar-nos a ver que há um limite para a razão”. Aqui nos encontramos numa esfera em que Deus age imediata e diretamente. Assim, o cristão não é meramente alguém que decide adotar certo número de proposições e um ponto de vista, ou esposar uma filosofia. O cristão é, por definição, alguém que foi formado, modelado, posto em forma, adaptado e ajustado para ser uma pedra nesta parede, neste edifício, que vai ser um “templo santo no Senhor, uma habitação de Deus. O cristão é alguém que nasceu de novo, foi transformado, renovado, regenerado. Estes são termos do Novo Testamento. Ele é uma “nova criatura”, uma “nova criação”.

No entanto, isso nos leva a um segundo princípio: tudo isso tem que acontecer conosco antes de podermos fazer parte da Igreja. Nosso texto fundamental, 1 Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. “Edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava”, (ou, ” …com pedras preparadas antes de serem trazidas…”, VA). Não estamos numa igreja para nos tornarmos cristãos. Estamos numa igreja porque somos cristãos. A razão para ser membro dessa igreja não é que finalmente você venha a ser cristão; é porque você já o é. Nunca foi propósito da igreja ter em seus róis uma multidão mista – composta de cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder tomar-se cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o suficiente em parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este também, lembro a vocês, é um ponto tremendamente importante, sobretudo na hora presente, quando a questão da natureza da Igreja é levantada agudamente por todos quantos falam em união, reunião e
unidade.

É nosso dever familiarizar-nos com o que se ensinava no passado sobre essa matéria. Ora, no tempo da Reforma Protestante, essa era uma questão urgente e crucial. Martinho Lutero ensinava que a Igreja é a comunidade dos crentes. João Calvino acentuava que a Igreja consiste do número total dos eleitos. Vocês notam a ênfase? – comunidade dos crentes, número total dos eleitos, dos escolhidos, dos chamados. E vocês recordam que os puritanos, que em certo sentido foram os originadores e os fundadores daquilo que hoje toma o nome de “igrejas livres” (os primeiros “independentes”, os primeiros batistas, e outros), colocavam sua ênfase no que eles chamavam, “a igreja reunida”. Queriam dizer que a Igreja realmente consiste da reunião, ou do encontro dos santos, dos crentes. Eles foram ficando cada vez mais tristes com a idéia de uma “Igreja do Estado”, porque, de acordo com a idéia de uma “Igreja do Estado”, todos os que vivem numa paróquia são membros da Igreja e são cristãos. Pois bem, os não conformistas rejeitavam isso completamente. Eles diziam: porque sucede que um homem vive numa paróquia, não é necessariamente um cristão. Simplesmente porque certas pessoas vivem neste país, não significa que são cristãs. Eles asseveravam que a Igreja consiste unicamente dos que foram preparados, dos que nasceram de novo, dos regenerados, dos renovados, dos santos, dos crentes, do povo de Deus; e a Igreja é a reunião destes. Isso é a Igreja, os “santos reunidos”.

Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais, quando há uma tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas e cada vez mais vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os que se dizem cristãos devem ser considerados cristãos, e que todos somos um, e assim por diante. De fato às vezes chegam a sugerir que não deveríamos dar demasiada ênfase até mesmo ao termo “cristão”. Temos um “Congresso Mundial de Crenças” que incluem todos os que crêem em Deus, de uma forma ou de outra. Todos esses são um, dizem, contrariamente aos que não crêem em Deus.

É vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história, mas ainda mais à luz das Escrituras – esta Escritura de Efésios e aquela declaração registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certamente o ensino das Escrituras é simples e claro. E é que a Igreja consiste somente daqueles que crêem na doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. “O fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: o Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2 Timóteo 2:19). Há alguns que negam a fé, diz Paulo a Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é coisa do passado. Não se aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube onde eles estão. Ele conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece seguro. Ele não pode negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz. Em última análise, o Arquiteto da Igreja é Ele.

Podemos ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja completamente tolo e calamitoso, quando pensamos na Igreja, como pensar nela em termos de tamanho e de número. Mas esse é o pensamento determinante hoje. Igreja mundial! – dizem: o único modo de combater o comunismo e as outras coisas que se opõem ao cristianismo é tornar-nos um; devemos reunir os nossos grandes batalhões, e então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é anti-escriturístico! Nós cantamos em nossos hinos, “poucos fiéis”, e a Bíblia está repleta de ensinamentos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera por meio de grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está interessado na pureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para ouso do Senhor. Não devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim na doutrina, na regeneração, na santidade, na compreensão de que este edifício é um templo santo no Senhor, uma habitação de Deus.

Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes, quando lemos os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus Cristo passava grande parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje forçamos as pessoas a tomarem decisão, fazemos tudo o que podemos para fazê-las vir, quer queiram quer não. Mas não era esse o método do nosso Senhor. Certo homem correu para Ele e disse: “Senhor, seguir-te-ei para onde quer que fores”. Que maravilhoso acréscimo à Igreja! – dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele homem e disse: “As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Vá pensar no que você está fazendo, diz o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você compreenda o que isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele prosseguiu, falando com um homem que lhe pediu permissão para primeiro ir para casa e sepultar o seu pai, e Ele diz: “Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos”. Disse ainda: “Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus” (Lucas 9:57-62). Ele põe à prova, parece estar rejeitando – Ele examina. Avalie o preço, diz Ele. Que tolo, diz Ele, é o homem que começa construir um castelo, porém não fez uma avaliação para saber quanto lhe custaria e se ele teria condições e recursos para dar prosseguimento à obra! Ele fala de maneira semelhante sobre o homem que se apresta para fazer guerra contra outro país, e não sabe qual é o número dos componentes das suas tropas e das suas reservas. Ah, que loucura é isso! Pare! Considere! Ele parece estar rejeitando os homens. A Sua preocupação era com a pureza da Igreja, não com o tamanho, nem com os números. E quando Ele partiu deste mundo, deixou apenas um pequeno grupo de homens comuns, indoutos, sem instrução, iletrados para continuarem a Sua obra. É esse o Seu método.

E tem sido sempre assim nos períodos de avivamento e despertamento. Era extremamente difícil alguém tornar-se membro de uma igreja dos puritanos. Leiam os relatos fidedignos dos feitos das primeiras igrejas independentes e batistas e verão que era excessivamente difícil obter admissão à sua comunhão. Vocês alguma vez leram as regras que João Wesley estabeleceu para a admissão às suas sociedades? Os homens e as mulheres eram submetidos a exame e prova na doutrina e na vida! É quando esse tipo de procedimento é adotado que se tem avivamento.

Deus só pode habitar numa Igreja pura – não necessariamente numa Igreja grande, mas numa Igreja pura, pura na doutrina e pura na vida. Pode parecer surpreendente, mas não hesito em asseverar, mesmo hoje, que o maior problema da Igreja atualmente é que ela é grande demais. É muito parecida com uma multidão mista. Somente quando os homens são aptos e próprios para o uso do Senhor é que Ele os utiliza. Somente num templo santo é que o Residente eterno entra. O ensino geral das Escrituras tem esse propósito. E é evidenciado, apoiado e comprovado pela subseqüente história da Igreja Cristã. Também é verdade que ninguém sabe, o mundo não sabe o que Deus pode fazer quando um homem se entrega completamente a Ele. Todos os grandes avivamentos e reformas vieram dos mais insignificantes começos. Um só homem -Martinho Lutero! Estranhos indivíduos do século dezessete! O pequeno Clube Santo de Oxford, no século dezoito! Sempre foi assim. Vamos parar de pensar em termos de grande atividade, quando estivermos falando da Igreja. Regressemos ao Novo Testamento. Um santo templo no Senhor. Quando Ele entra, com um só frágil homem Ele pode convencer milhares. Pela pregação do apóstolo Pedro no dia de Pentecoste, três mil foram acrescentados à Igreja.

Antes de concluirmos, vejamos mais um princípio. Não deve haver nenhum ruído durante este processo de edificação. Voltemos a 1 Reis 6:7, e eis o que vocês verão escrito ali: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava”. E então – “De maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. Que princípio vital é este! Interpretando-o e dando-lhe vestimenta moderna, é isto: não deve haver discussão nem debate nem desacordo na Igreja acerca das verdades vitais. Não se deve fazer ouvir nada desse ruído de cinzel, martelo, a moldagem e preparação na Igreja. Isso terá que acontecer antes de você entrar na Igreja. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja Cristã sobre a Pessoa do Senhor Jesus Cristo. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja acerca da situação e das condições do homem em pecado. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja acerca da expiação vicária, da regeneração, da Pessoa do Espírito e de todas as doutrinas da graça. Não deve haver ruído de discussão acerca destas coisas. Tudo isso deve acontecer antecipadamente.

Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também pode ser entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver discussão nem ruído de debate na Igreja, não estou querendo dizer que a Igreja não deve interessar-se por doutrina; o que estou querendo dizer é que deve haver acordo sobre a doutrina logo de início, de modo que não haja mais necessidade de discussão. Contudo, isso está sendo mal entendido hoje, e está sendo colocado desta forma: ah, dizem muitos, não devemos ter discussões sobre doutrinas porque elas sempre causam divisão; portanto, não as tenhamos, mas vamos todos concordar em chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que for que creiamos. Uns poderão dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem, outros dirão que Ele é também o Filho de Deus. Que importa isso realmente? Afinal de contas, todos nós concordamos em Seu ensino, em que este é nobre e enaltecedor e em que, se tão-somente o praticássemos, não haveria todo este problema que o mundo enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos parar de discutir sobre a Sua Pessoa. E depois, que dizer da Sua morte na cruz? Uns dizem que foi o maior crime da história, e nada mais, a suprema tragédia de todos os tempos. Outros dizem: não, é mais que isso. Deus O enviou para que morresse; Ele morreu “pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23); morreu para levar a culpa dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós estaríamos ainda em nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não importa em que você crê. Muitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi maravilhosa e comovente e, portanto, todos nós podemos vê-la, podemos interpretá-la de diferentes maneiras. Isso não tem importância, todos nós cremos nEle, e todos nós estamos procurando ser semelhantes a Ele e segui-lO. Somos todos cristãos; avante, pois!

No entanto isso é ausência de doutrina, e o que a passagem em foco ensina é exatamente o oposto. Não deve haver nenhum ruído desse debate e dessa discussão na Igreja – não por não haver doutrina, mas porque todos nós estamos de acordo quanto à doutrina, porque todos nós a subscrevemos. Foi assim que aconteceu na Igreja Primitiva. Quando foi que o Espírito desceu sobre aqueles cristãos? Foi quando estavam no cenáculo, unânimes. Unânimes! Outra vez lemos sobre a Sua vinda sobre eles, e que era um o coração e a alma deles. É-nos dito que a Igreja Primitiva perseverava na doutrina (no ensino), na comunhão, no partir do pão e nas orações. Não havia ruído de discussão e debate. Por quê? Porque aqueles cristãos estavam todos concordes! Sabiam que Cristo era o Filho de Deus; a ressurreição o provara para eles. Ele tinha exposto as Escrituras, tinha explicado a Sua morte, eles tinham sentado aos Seus pés e eles tinham crido na doutrina. Estavam todos unanimemente concordes. Nenhum ruído! Por quê? Porque estavam de acordo na doutrina, não porque não tinham doutrina.

Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que foi acontecendo na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos a resposta. A Igreja tem discutido doutrinas fundamentais. Porque será que um alarmante número de “igrejas” estão quase vazias atualmente? Por que os números vão baixando ano após ano? É a própria Igreja a responsável. Há cinqüenta anos, em Londres, a Igreja toda esteve debatendo o que chamavam “nova teologia”. O debate era principalmente sobre a Pessoa de Cristo! – seria Ele realmente o Filho eterno de Deus? ‘ Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam sobre fundamentos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas! Muitos não criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam discutindo sobre pontos fundamentais. Será surpreendente que a Igreja se tenha tornado ineficiente, que não lhe dêem valor, que os homens não estejam sendo salvos e que o Espírito não esteja operando?

É preciso que não haja nenhum ruído de martelo, de machado e de nenhum instrumento de ferro na Igreja. É preciso que os homens e as mulheres entendam claramente estas coisas, antes de pertencerem à Igreja. Na verdade, você não pode estar verdadeiramente na Igreja, a não ser que já esteja certo sobre estas questões. Jamais houve a intenção de que a Igreja seja um rinhadeiro no qual os homens argumentam, pelejam, debatem e brigam sobre questões vitais relacionadas com Cristo e Sua obra. A Igreja é a reunião daqueles para os quais estas questões foram resolvidas uma vez por todas, os quais sabem no que crêem, os quais estão firmados no fundamento de Deus, e os quais se juntam – não para argumentos e debates sobre estas questões, mas para esperar em Deus, adorá-lO, para que Ele venha a estar entre eles, para que Ele os encha da Sua presença e de gozo indescritível e cheio de glória, para que Ele os encha de poder para falar a outros e propagar as boas novas, e cativá-los, libertando-os dos grilhões e da escravidão do pecado.

Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm que concordar em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos fundamentais. Há certas questões nas quais nem todos os cristãos concordam, certos detalhes acerca da profecia, certas questões como o modo do batismo, e muitas outras. Não são princípios fundamentais. O povo cristão jamais deve contender, brigar e pelejar sobre esses pontos. Devem discuti-los como irmãos. Mas não devem ocorrer discussões sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos fundamentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para a Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus e Salvador. A maior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes princípios. Agora se realizam grandes conferências mundiais, uma após outra. Todavia, como usam o tempo? Não em oração a Deus, não esperando pelo Espírito, não se deixando encher do Espírito. Usam o tempo para tentar achar uma base de acordo. Tentam achar um mínimo irredutível acerca do qual não discordem.

Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal a pior. Eles têm a fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a verdade é que não há nada que una, exceto a doutrina – pois a única unidade digna de menção é a unidade do Espírito, que produz a mesma crença no mesmo Senhor, na mesma fé e no mesmo batismo. É a unidade dos que têm a mesma mentalidade e estão em harmonia, que não põem a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho de Deus e na perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra para a Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a Moisés na antigüidade, é simplesmente esta: “Atenta pois que o faças conforme ao seu modelo, que te foi mostrado no monte”. O monte do Sermão do Monte! O monte da transfiguração! O monte Calvário! O monte das Oliveiras, o monte da ascensão! Aí estão os grandes picos. Em nossos dias e em nossa geração, edifiquemos, aconteça conosco o que acontecer, diga de nós a Igreja, a Igreja visível, o que disser, seja o que for que o mundo fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo que nos foi mostrado no monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem discussão nem ruído nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios, pois o fundamento é – o homem morto em ofensas e pecados, desamparado e sem esperança; ressuscitado pela graça de Deus; salvo pelo sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a Cristo pelo Espírito Santo e transformado numa pedra do templo santo no Senhor.
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Extraído do livro Reconciliação: Método de Deus – Ed. PES (Publicações Evangélicas Selecionadas)

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Dinheiro Igreja Vida cristã Watchman Nee

A questão das finanças (Watchman Nee)

A distinção entre a igreja e a obra deve ser claramente definida na mente do obreiro, especialmente com relação às questões financeiras. Se um obreiro fizer uma visita rápida a certo lugar a convite da igreja, então, é bem correto que ele receba hospitalidade dela. Mas se ficar por tempo indeterminado, deve assumir o encargo sozinho diante de Deus; doutro modo, sua fé em Deus minguará. Mesmo que um irmão voluntariamente lhe ofereça hospitalidade gratuita, esta deve ser declinada, pois a vida de fé deve ser cuidadosamente mantida.

É correto que os irmãos dêem ofertas ocasionais aos obreiros, como fizeram os filipenses para com Paulo, mas eles não devem assumir a responsabilidade por nenhum obreiro. As igrejas não tem obrigações oficiais por nenhum obreiro, e estes devem atentar para que elas não assumam tais obrigações. Deus nos permite aceitar ofertas, mas não é a Sua vontade que outros se tornem responsáveis por nós.

Ofertas de amor podem ser enviadas aos obreiros dos seus irmãos no Senhor, mas nenhum cristão devem considerar-se sob obrigação legal para com eles. Não são responsáveis nem por sua alimentação, hospedagem e despesas de viagens. A total responsabilidade financeira da obra repousa sobre os ombros daqueles a quem a obra foi comissionada por Deus

Não é digno de ser chamado servo de Deus quem não pode ser responsável pelas próprias necessidades e pela necessidades da obra a que Deus o chamou. Não é a igreja local, e sim, aquele a quem a obra foi comissionada, que deve arcar com todos os encargos financeiros ligados a ela.

(A Vida Cristã Normal da Igreja, Watchman Nee, Editora Árvore da Vida)

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Igreja Modernismos

Um templo ou um teatro? (Charles H. Spurgeon)

Os homens parecem nos dizer: “Não há qualquer utilidade em seguirmos o velho método, arrebatando um aqui e outro ali da grande multidão. Queremos um método mais eficaz. Esperar até que as pessoas sejam nascidas de novo e se tornem seguidores de Cristo é um processo demorado. Vamos abolir a separação que existe entre os regenerados e os não-regenerados. Venham à igreja, todos vocês, convertidos ou não-convertidos. Vocês têm bons desejos e boas resoluções: isto é suficiente; não se preocupem com mais nada. É verdade que vocês não crêem no evangelho, mas nós também não cremos nele. Se vocês crêem em alguma coisa, venham. Se vocês não crêem em nada, não se preocupem; a ‘dúvida sincera’ de vocês é muito melhor do que a fé”.

Talvez o leitor diga: “Mas ninguém fala desta maneira”.

É provável que eles não usem esta linguagem, porem este é o verdadeiro significado do cristianismo de nossos dias. Esta é a tendência de nossa época. Posso justificar a afirmação abrangente que acabei de fazer, utilizando a atitude de certos pastores que estão traindo astuciosamente nosso sagrado evangelho sob o pretexto de adaptá-lo a esta época progressista.

O novo método consiste em incorporar o mundo à igreja e, deste modo, incluir grandes áreas em seus limites. Por meio de apresentações dramatizadas, os pastores fazem com que as casas de oração se assemelhem a teatros; transformam o culto em shows musicais e os sermões, em arengas políticas ou ensaios filosóficos. Na verdade, eles transformam o templo em teatro e os servos de Deus, em atores cujo objetivo é entreter os homens. Não é verdade que o Dia do Senhor está se tornando, cada vez mais, um dia de recreação e de ociosidade; e a Casa do Senhor, um templo pagão cheio de ídolos ou um clube social onde existe mais entusiasmo por divertimento do que o zelo de Deus?

Ai de mim! Os limites estão destruídos, e as paredes, arrasadas; e para muitas pessoas não existe igreja nenhuma, exceto aquela que é uma parte do mundo; e nenhum Deus, exceto aquela força desconhecida por meio da qual operam as forças da natureza. Não me demorarei mais falando a respeito desta proposta tão deplorável.

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Igreja Vida cristã

O sacerdócio de todos os crentes (William McDonald)

William McDonald, in Cristo Amou a Igreja

Traduzido por Viriato Sobral, 1961

Todos os crentes são sacerdotes de Deus

Cada Igreja local devia, praticamente, testemunhar desta verdade recusando o reconhecimento de qualquer outro sacerdócio, e animando todos os crentes a exercerem os privilégios e responsabilidades deste cargo sagrado.

1º – No Velho Testamento lemos que a Lei de Moisés separou a tribo de Levi e a família de Aarão para serem os sacerdotes da Nação. Estes homens usavam vestes diferentes, tinham privilégios especiais e constituíam uma casta a parte, entre Deus e a congregação de Israel. Só eles podiam entrar no lugar santo e oferecer os sacrifícios prescritos pela Lei.

2º – No Cristianismo é tudo diferente. Todos os crentes são sacerdotes, segundo o ensino do Novo Testamento.

    a) “Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo para oferecer sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus por Jesus Cristo” (1 Pedro 2:5).

    b) “Mas vós sois a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a Sua maravilhosa luz” (1 Pedro 2:9).

    c) “Àquele que nos ama, e em Seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus e Seu Pai; a Ele glória e poder para todo o sempre. Amém” (Apoc. 1: 5,6).

Um grande servo de Deus, pugnando pela verdade de que o sacerdócio é privilégio de todos os crentes, escreveu: “Todos os crentes são, indistintamente, sacerdotes, e quem disser que ha sacerdotes além dos crentes nascidos de novo, seja anátema, porque uma afirmação destas não teria base alguma na Palavra de Deus; seria baseada exclusivamente em afirmações meramente humanas ou nas tradições dos homens.”

3º – Um dos importantes deveres do sacerdote é oferecer sacrifícios. No Velho Testamento os sacrifícios consistiam em animais imolados. Nesta Dispensação da Graça, contudo, os sacrifícios dos crentes são:

    a) O sacrifício do seu corpo (Rom. 12:1); não um sacrifício morto, mas “vivo, santo e agradável”, oferecido exclusivamente a Deus.

    b) O sacrifício de bens materiais. “Não vos esqueçais da beneficência e comunicação, porque, com tais sacrifícios, Deus se agrada”. (Heb. 13:16).

    c) O sacrifício de louvor. “Portanto, ofereçamos sempre por Ele, a Deus, sacrifícios de louvor, isto é, o fruto dos lábios que confessam o Seu Nome”. (Heb. 13:15).

    Este sacrifício deve ser tanto individual como colectivo. Este último – o sacrifício de louvor – no qual os crentes gozam de liberdade para tomar parte na adoração pública, foi praticamente eliminado e substituído pelos monótonos serviços regulamentados e orientados dos nossos dias. Disto resulta uma multidão de sacerdotes mudos – um estado de coisas ignorado nas Escrituras.

4º – Os deveres dos sacerdotes incluem também oração, testemunho para glória de Deus, e o cuidado do Seu Povo. Portanto, os crentes deviam ter cuidado em exercer todas estas sagradas missões. O ensino das Escrituras sobre este assunto (Rom. 8:14; Gál. 5:18; João 16:13), revela que todos esses deveres devem ser postos em prática desde manhã até à noite, todos os dias da semana, e não só aos Domingos. Não se limitam as reuniões da Igreja, sejam reuniões de adoração, de estudo bíblico ou de oração, mas abrangem toda a vida do crente, tanto dentro como fora dos lugares das reuniões, sejam eles salões, capelas ou igrejas, no sentido pleno da palavra. Segundo o Novo Testamento, todo o povo de Deus é: “um reino sacerdotal e uma nação santa”, (Êxodo 19:6; 1 Pedro 2:5-9).

5º – Apesar de todos os crentes serem sacerdotes, o facto é que cada crente precisa dum Sacerdote diante de Deus. Esta necessidade é-lhe suprida plenamente no Senhor Jesus Cristo. A Epístola aos Hebreus apresenta-no-Lo como o nosso grande Sumo-Sacerdote, que se compadece das nossas fraquezas, porque em tudo foi tentado como nós, mas sem pecado. (Heb. 4:15).

6º – Portanto, cada igreja local devia reconhecer o Senhor Jesus como seu Grande Sumo-Sacerdote e, em cada crente, um sacerdote santo e real. Será isto que encontramos na cristandade hoje em dia? Ao contrário, a igreja, na sua maioria, voltou ao sistema judaico de sacerdotes. Apesar dos crentes professos dizerem que crêem no sacerdócio de todos os crentes, muitas religiões estabeleceram um sacerdócio todo seu, baseado em parte no sistema mosaico. Assim vemos:

    a) Um grupo de homens escolhidos para o Serviço Divino;

    b) Uma hierarquia eclesiástica com títulos honoríficos que os distingue dos leigos;

    c) Vestes especiais para indicar que eles pertencem a uma ordem diferente.

Além disso, muitas seitas e denominações vão buscar ao Judaísmo conceitos como estes:

    a) A consagração de templos com os seus altares, adornos eclesiásticos, e outras coisas materiais para o seu culto;

    b) Um ritualismo impressivo que apela para os sentidos do homem;

    c) Um calendário religioso com os seus dias santos e festas.

Acerca desta estranha mistura de Judaísmo e Cristianismo, o Dr. C. I. Scofield escreve: “Podemos afirmar seguramente que os judaizantes da Igreja. só por si, têm impedido o seu progresso, pervertido a sua missão e destruído a sua espiritualidade em maior escala do que todos os outros males juntos. Em vez de andar no caminho indicado da separação do mundo, e seguir o Senhor segundo a sua vocação celestial, a Igreja tem usado passagens das Escrituras, que só dizem respeito aos Judeus, para justificar a sua adaptação à presente civilização, a aquisição de fortunas fabulosas, a construção de igrejas (templos) magníficas, a divisão em clérigos e leigos dos que são iguais na fraternidade Cristã”. Deus ainda hoje chama o Seu povo a separar-se desta religião de símbolos e tipos para se unirem simplesmente no Nome do Senhor Jesus em quem encontramos toda a suficiência.

7º – Se todos os membros duma igreja actuarem segundo o ensino do Novo Testamento, em relação ao sacerdócio de todos os crentes, essa igreja será:

Uma igreja cheia do Espírito, onde os seus membros assistem regularmente ás reuniões de oração; uma igreja em que todos os membros são auxiliares práticos e colaboradores dos servos do Senhor na Sua Seara através do mundo; haverá actividade enérgica e perseverante na disseminação do Evangelho, por meio da distribuição de folhetos, testemunho pessoal e, sempre que é possível, trabalho ao ar livre.

Pelo amor de Cristo os membros de tal igreja serão constrangidos a viver num ambiente afável, no qual cada crente procura ajudar os outros em amor e num espírito de devotada consagração, estimulando-se uns aos outros ao amor e ás boas obras.

Em tais igrejas, as reuniões e serviços são dirigidos pelo Espírito Santo; e os dons do Espírito, distribuídos pelo próprio Senhor, serão desenvolvidos conforme a variedade da mesma, em comunhão fraternal e na dependência e liberdade de Cristo (1 Cor. 12:4-l1; 14:26). E quando a igreja se reúne em volta da mesa do Senhor para O louvar e adorar pelo Seu sacrifício no Gólgota, a adoração sacerdotal subirá até ao Santuário celestial, que é o mais alto privilégio do sacerdócio da Igreja.

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Nota do tradutor para o português

Desde que esta advertência foi escrita em 1896, e a introdução seguinte foi escrita em 1963, muitas coisas aconteceram, e hoje temos como dizer que o Conselho Mundial de Igrejas (www.oikoumene.org/index.php?id=645&L=5; www.wcc-coe.org/wcc/espanol.html), presidido na época pelo pentecostal David Du Plessis, tornou-se algo ainda mais sério e seus frutos ainda mais suspeitos do que se supunha em 1963… David Du Plessis, amigo de três papas, várias vezes condecorado pelo Vaticano e a quem foi dedicado um memorial no seminário Teológico Fuller, nos Estados Unidos, descendia da mesma família do cardeal Richelieu Du Plessis. Ou seja, um Du Plessis, o cardeal, foi agente de Roma na missão de reunificar a França, influenciou na definição das potências européias e consolidou o que viria a ser o poderio tremendo do reinado de Luis XIV, o Rei Sol, francês; outro Du Plessi pode bem ter sido um agente de Roma infiltrado no meio dos protestantes para brilhantemente articular alianças, aproximações, diálogos que, num futuro não muito distante, serão colhidos numa real e nunca imaginada reunificação de toda a cristandade sob a bênção do Pontifice Máximus.

Realmente vivemos tempos enganadores
Alexandre Rodrigues, tradutor, 08/04/2005

Nota do editor em espanhol


Desde que esta advertência foi escrita em 1896, o clamor pela reunificação da cristandade tem aumentado dentro de círculos cada vez mais amplos, e também tem crescido em volume e intensidade, pela inciativa de líderes religiosos e políticos. A Escritura prediz, efetivamente, que a coalizão será formada e florescerá exteriormente por um tempo, porém está condenada a uma espetacular destruição pelo juízo do Senhor. As solenes advertências de William Kelly de novo brilham com o fervente desejo de que seus leitores evitem todo contato com este esquema ímpio.

A repentina ascensão do chamado “movimento ecumênico”, fomentado pelo modernista e liberal Conselho Mundial de Igrejas, junto com o chamado do papa João XXIII a uma maior tolerância e orações para a reunião conjunta dos corpos católicos e protestantes, fazem com que este artigo seja ainda mais relevante para nossos dias.
Primavera de 1963

O ECUMENISMO: Reunificação ou Juízo contra a Cristandade?

Não há de surpreender a ninguém o fato de que, em uma carta dirigida ao arcebispo de York (em 1896), um experimentado e hábil político da atualidade tenha expressado a esperança daqueles que buscam uma reunificação de toda a cristandade. Alguns não estavam preparados para isso, e estão emocionados e com uma disposição muito respeitosa em relação ao papa, para dizer o mínimo. Sem dúvida, o sr. Gladstone [provavelmente William Ewart Gladstone, três vezes primeiro-ministro da Inglaterra – NR], na realidade, é mais consistente consigo mesmo que com a maioria das questões pendentes das quais ele jamais tratou. A cristandade tem sido sempre um ídolo mimado. Nisto ela ainda não mudou.

Mas se cremos nas Escrituras, a cristandade, se a julgarmos espiritualmente, é uma ruína[1]; e isto é confessado por todos quantos falam segundo a sua consciência. Para início de conversa, o papa reconhece essa ruína em seus multiplos anátemas; e assim também o faz o sr. Gladstone e todos os que aspiram pela “reunificação” ou pretendida restauração da cristandade. Se as coisas fossem segundo Deus, não haveria necessidade de nada disso. Aqueles que sentem a ruína muito mais profundamente confessam os pecados que a causaram e, geralmente, se vestem de pano de saco e cinzas. Por mandamento divino, todos os santos desde o Pentecostes tiveram originalmente uma só comunhão. Podiam ser centenas ou milhares os que creram (Atos 21:20); porém todos eles eram “a igreja de Deus em Jerusalém”, em Antioquia, em Corinto, em Éfeso. Assim era em todas as partes nos tempos apostólicos. Havia, naturalmente, igrejas em distintas províncias ou países (Gálatas 1:2). Porém o Evangelho era então pregado em todas as partes, e o Senhor operava juntamente com aqueles que pregavam (Marcos 16:20; Colossenses 1:6,23). E os crentes por toda a terra eram edificados juntos como “a casa de Deus, a Igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade” (1 Timóteo 2:15).

Segundo um cálculo aproximado da fé cristã, se estima que haja uns 216 milhões de católicos romanos; porém há 137 milhões de anglicanos, luteranos, reformados e outros protestantes, e 97 milhões de gregos ortodoxos ou outros, junto com nestorianos, cóptas, abissínios, etc. [dados da época em que o texto foi escrito – NR]. Há portanto pelo menos um igual número entre os que levam o nome de cristãos tanto dentro quanto fora do catolicismo, ainda que este sozinho contenha um maior número se comparado a qualquer outra denominação sozinha. Porém quanto à unidade, ela não existe. Pode alguém ainda vacilar diante desses fatos? É igualmente certo que a santa unidade na verdade deveria sempre ter sido uma realidade, mas há séculos cessou de existir. A pretensão de unidade, portanto, se demonstra agora que é falsa, e a ausência desta unidade uma prova certa da ruína[1].

A universalidade da Igreja visível é um sonho orgulhoso. E se a sucessão apostólica, no sentido histórico, tivesse de ser levada em conta, é claro que Roma não pode rivalizar com as igrejas orientais, as quais, plantadas por um ou outro apóstolo, foram dirigidas por João [o apóstolo], o último. Roma nunca teve apóstolos, salvo como prisioneiros ou para morrer; a assembléia em Roma não foi plantada nem governada por nenhum deles. A respeito disto a Escritura é decisiva.

Muito se argumenta, de maneira humana, a favor da sucessão apostólica. Porém o que confronta o crente, de um extremo ao outro da Escritura, é a vaidade e a queda do ser humano, sem importar quanto, onde ou como Deus o tenha provado, sem importar quais tenham sido os privilégios conferidos ao homem. Assim ocorreu com Adão, com Noé, com Abraão, com Moisés, com Arão e com Israel; com Saul, com Davi e com Salomão; com Nabucodonosor ou com qualquer outro dos gentios. Em nada Deus fracassou; pelo contrário, Deus sustentou a fé, apesar do fracasso dos Seus. Sem dúvida, o homem, sob cada uma das provas, fracassou. Entretanto, Deus tinha por alvo o Segundo Homem, o qual não só permaneceu em perfeição, como, por fim, manifestará em forma gloriosa os títulos que o primeiro homem e sua descendência puseram a perder: O Último Adão, o Primogênito de toda a Criação, o Governador da terra, a Semente da mulher e da Promessa, Sacerdote em Seu trono, Rei em Sião, Filho do Homem a quem todos os povos, nações e línguas servirão no século e terra habitáveis vindouros.

Porém, não é a igreja uma exceção à lei do fracasso e da miséria do homem? De modo algum! Por isso, está a solene advertência (que o grande apóstolo da incircuncisão faz de forma notável precisamente aos santos de Roma, no capítulo 11) de que não sejam sábios em sua própria opinião: “Sede unânimes entre vós; não ambicioneis coisas altas, mas acomodai-vos às humildes; não sejais sábios em vós mesmos” (Rm 12:16).

Se o gentio que professa a fé cristã não continuou na bondade de Deus, “tu também serás cortado” – Considera, pois, a bondade e a severidade de Deus: para com os que caíram, severidade; mas para contigo, benignidade, se permaneceres na sua benignidade; de outra maneira também tu serás cortado (11:22) – da mesma maneira como havia sido cortado o judeu. Haverá alguém tão cego, tão duro e tão soberbo para dizer que a cristandade “tem permanecido na bondade” de Deus? Poderia afirmar isto o papa da metade dos batizados? Isso diriam os protestantes da maioria católica? Dirão isto os piedosos anglicanos de sua própria comunidade? Acaso um dissidente que teme a Deus insistirá que sua sociedade, ou qualquer outra, não é culpável? Mas, se for assim, [os homens não têm permanecido na bondade de Deus], então, a Escritura (sem uma só palavra amenizadora em nenhuma outra passagem, e com muitas e ainda mais solenes advertências em outras passagens) sentencia inexoravelmente: “Tu também serás cortado” (Rm 11:22).

A cristandade, mãe e filhas (Apocalipse 17:5) caem debaixo da sentença universal. Os caminhos de Deus com os fiéis nunca mais fracassarão; o propósito de Deus será estabelecido em Cristo e na Igreja nos céus além de todo poder do inimigo. Porém o gentio não tem nenhuma diferença com respeito ao judeu no que diz respeito a responsabilidade de confessar sua fé na terra. A única exceção é o Senhor Jesus, o qual porá isto em execução, assim como todos os demais desígnios de Deus no dia vindouro. Ele – não o papa – é a Cabeça do Corpo, a Igreja; Ele, que é o Princípio, o Primogênito de entre os mortos (porque nesta condição, e não meramente como encarnado, é que teve início Seu relacionamento [redentor] com a Igreja) para que em tudo tenha a preeminência – E ele é a cabeça do corpo, da igreja; é o princípio e o primogênito dentre os mortos, para que em tudo tenha a preeminência (Cl 1:18).

“Que ninguém vos engane de nenhuma maneira.” Como assegura o apóstolo, o dia do Senhor não virá sem antes vir a apostasia (não a “reunificação”, mas sim a apostasia, a menos que ambas as coisas se unam simultaneamente), e tenha sido revelado o homem do pecado, o filho da perdição (2 Tessalonicenses 2). Aqueles que, com Martinho Lutero, João Calvino, John Knox, com Cranmer, Jewel e Parker, com Richard Baxter, Howe e John Owen, crêem que o catolicismo romano é a apostasia, e que o papado é o homem do pecado, deveriam lamentar profundamente que o velho estadista se incline ante o papa Leão XIII, e desaprovar aquelas coisas que o poder por detrás do Vaticano exigirá em seu infalível orgulho e a sempre vigilante sede de domínio universal por intermédio de seu chefe. Porém, se bem que é pura incredulidade duvidar que Roma seja a prostituta do Apocalipse, podemos fazer um ainda mais ousado prognóstico com respeito ao disputado tema dos batizados – que incluirá o papado, o protestantismo bem como os judeus – que resultará em uma mais completa apostasia, e na exaltação do Iníquo, a quem o Senhor destruirá pelo resplendor de Sua vinda, e que assim introduzirá os dias do céu na terra, já que somente Ele é capaz e digno de fazê-lo e foi designado de antemão para isto.

Com isso concordam todas as profecias do Novo Testamento bem como as do Antigo. O joio (Mateus 13) arruinou a plantação. Porém não se assegura nenhuma solução até que o Filho do homem julgue na consumação do século (13:27-43). Como nos dias de Noé e de Ló, assim será quando o Filho do homem for revelado (Lucas 17): não haverá a reunificação, mas sim o juízo dos vivos. A Primeira Epístola a Timóteo 4 e, ainda com mais força, 2 Timóteo 3, provam que a cristandade não continuou na bondade de Deus, e, por isso, se faz necessário cortar fora (Romanos 11). E que querem dizer 2 Pedro 2, 1 João e o Apocalipse? Também 1 Pedro 4:17 declarou que vem o tempo em que o juízo começará pela casa de Deus.

Os indivíduos podem ser livrados pela graça. Porém o mal em seu conjunto, outrora insinuado, seguirá piorando até que chegue o juízo divino, que, seguramente está perto, assim como o Senhor está preparado para julgar os vivos e os mortos. A esperança de uma reunião da cristandade não só carece de total apoio escriturístico, como também é contrária ao testemunho unânime do Senhor e de Seus apóstolos. Esta esperança surge da vontade do homem caído, que primeiro se aparta da vontade de Deus e em seguida passa por alto ou diretamente se opõe a Sua Palavra, não abandonado jamais a vã confiança no homem. Os profetas declaram que Deus em Sua soberana graça restaurará a Israel. O Novo Testamento é igualmente explícito em afirmar que Ele não restaurará, mas destruirá a Babilônia dos gentios.

Como pode um homem sóbrio esperar que aquela que “diz em seu coração: Eu estou sentada como rainha, e não sou viúva, e não verei pranto” (Apocalipse 18:7) abandone seu espúrio trono e se ajoelhe no pó em arrependimento? E mais especialmente nesse tempo quando erigiu uma mulher impecável e um homem infalível como seus novos bezerros de ouro?

Acaso ela “em sua fronte” se ruboriza por adorar, de uma ou outra forma, a virgem e aos anjos, aos ossos e as roupas de defuntos, o crucifixo e a hóstia? Acaso está ela envergonhada de um sacerdócio celibatário com sua confissão auricular e outros horrores diretos e indiretos? Acaso repudia ela sua pretendida transubstanciação e sua real inimizade em relação à leitura das Escrituras? Acaso Roma tem-se livrado desta mentira em sua mão direita: a missa? Por sua própria declaração, a missa “é um sacrifício propiciatório pelos vivos e pelos mortos”. Isso, segundo a Escritura, seria um sacramento, não da remissão de pecados (como a ceia do Senhor anuncia), mas sim de sua “não-remissão”. Não é a missa um sacrifício que admitidamente continua dia a dia, com exatamente a mesma prova de ineficácia que caracterizava os sacrifícios judeus, aos quais a Epístola aos Hebreus põe em contraste com “a oferta do corpo de Jesus Cristo feita de uma vez por todas” (Hebreus 9; 10) e com seus resultados atuais para o crente? “Pois onde há remissão dos pecados não há mais oferta pelo pecado” (10:18). É isso que o evangelho proclama, e o que a missa contradiz. Esta última é “um evangelho diferente”, que também é outro (Gálatas 1:6,7).

Que, pois, pode alguém pensar do fato de que os anglicanos estejam ouvindo Roma, quando seus próprios “Artigos de fé da Religião” declaram que “os sacrifícios das missas (…) são fábulas blasfemas e enganos perigosos” (artigo 31), e que “a igreja de Roma tem errado, não somente quanto à vida e às cerimônias mas também em matérias de fé” (artigo 19)? As alterações profundas e progressivas que se foram levando a cabo no último meio século dentro do corpo anglicano não têm sido um retorno, não “ao que era no princípio”, mas sim aos ritos e doutrinas da cristandade “não reformada” no Oriente e no Ocidente? Não foi isso que levou o sr. Gladstone a redigir essa retrógrada carta?

Se você valoriza as Escrituras, se se ajusta ao Evangelho, se possui a redenção que é em Cristo Jesus, se honra ao Filho assim como honra ao Pai, se sabe que, corporativamente, você é templo de Deus e seu corpo, templo do Espírito Santo, guarde-se de toda reunificação com a “cidade da confusão”, condenada à destruição, tão certamente como “Deus é verdadeiro”. Guarde-se inclusive de olhar para trás, para que não aconteça de se converter em uma estátua de sal. Porque Deus não se deixa escarnecer (Gálatas 6:7) e o Senhor poder se “irritar” (1 Coríntios 10:22).

Traduzido, por Alexandre Rodrigues da versão espanhola do original THE JUDGMENT, NOT REUNION, OF CHRISTENDOM

NOTAS

[1] N. do T.: Para um detalhado estudo sobre “a ruína da cristiandade”, veja o artigo de J. N. Darby, em espanhol A RUÍNA DA IGREJA em relação à sua responsabilidade na terra.

Quem sabe inglês pode baixar os extensos comentários críticos de William Kelly à Carta encíclica do papa Leão XIII sobre a unidade da igreja: ENCYCLICAL LETTER OF POPE LEO XIII. ON THE UNITY OF THE CHURCH, por W. Kelly, Junho 29 de 1896

Como comprovação dos fatos apresentados por Kelly, especialmente sobre a aproximação entre o anglicanismo e o catolicismo, o tradutor recomenda a leitura deste artigo contemporâneo entitulado A Estranha Morte da Inglaterra Protestante.

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