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Por que todas as coisas cooperam para o bem do homem piedoso?

Todas as coisas, sem exceção…

O supremo motivo pelo qual todas as coisas cooperam para o bem é o íntimo e carinhoso interesse que Deus tem por Seu povo

O Senhor fez uma aliança com os membros de Seu povo. “Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus” (Jr 32.38). Em virtude desse pacto, todas as coisas cooperam, e devem mesmo cooperar, para o bem deles. “Eu sou Deus, o teu Deus” (Sl 50.7). Esta expressão, “o teu Deus”, é a mais doce expressão em toda a Bíblia; ela revela as melhores relações, e é impossível haver tais relações entre Deus e Seu povo e, ainda assim, todas as coisas não cooperarem para o bem deles. Esta expressão, “Eu sou o teu Deus”, implica:

1. A relação com um médico: “Eu sou o teu Médico”.
Deus é um Médico habilidoso. Ele sabe o que é melhor. Deus observa os diferentes temperamentos dos homens, e sabe o que irá funcionar com mais eficácia. Alguns são de uma disposição mais dócil e são conduzidos pela misericórdia. Outros são vasos mais ríspidos e complicados; com esses, Deus trata de uma maneira mais forçosa. Algumas coisas se conservam em açúcar; outras, em salmoura. Deus não trata com todos de maneira indistinta; Ele tem provações para o forte e consolos para o fraco. Deus é um Médico fiel, e portanto usará todas as coisas para o melhor. Se Deus não lhe dá aquilo de que você gostaria, Ele dará aquilo de que você precisa. Um médico não estuda tanto tempo para satisfazer os gostos do paciente, mas para curá-lo de sua enfermidade. Nós nos queixamos de que provações muito dolorosas vêm sobre nós; lembremo-nos de que Deus é nosso Médico; portanto, Seu trabalho é para nos curar, em vez de para nos entreter. A maneira de Deus tratar com Seus filhos, embora seja severa, é uma maneira segura e que visa nos curar; ” para te humilhar, e para te provar, e, afinal, te fazer bem” (Dt 8.16).

Deus é nosso Médico; portanto, Seu trabalho é para nos curar, em vez de para nos entreter

2. Esta expressão, “o teu Deus”, implica a relação com um Pai.
Um pai ama seu filho; portanto, seja um sorriso, seja uma palmada, tudo é para o bem da criança. “Eu sou o teu Deus, o teu Pai; portanto tudo o que Eu faço é para teu bem”. “Sabe, pois, no teu coração, que, como um homem disciplina a seu filho, assim te disciplina o SENHOR, teu Deus” (v. 5). A disciplina de Deus não é para destruir, mas para aperfeiçoar. Deus não pode causar dano a Seus filhos, pois Ele é um Pai de terno coração: “Como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se compadece dos que o temem” (Sl 103.13). Acaso um pai buscará a ruína de seu filho, do filho que veio dele mesmo e que carrega sua imagem? Todo o seu cuidado e disposição são para o filho. A favor de quem ele deixa sua herança, senão para o filho? Deus tem um terno coração e é o “Pai de misericórdias” (2Co 1.3). Ele derrama todas as misericórdias e toda a bondade nas criaturas.

Deus é um Pai eterno (Is 9.6). Ele era nosso Pai desde a eternidade; antes que nós fôssemos crianças, Deus era nosso Pai, e Ele será nosso Pai por toda a eternidade. Um pai provê para o filho enquanto vive; mas o pai morre, e então o filho pode ser exposto a danos. Mas Deus nunca cessa de ser Pai. Você, que é cristão, tem um Pai que nunca morre; e, se Deus é seu Pai, você nunca ficará desamparado. Todas as coisas devem cooperar para o seu bem.

3. Esta expressão, “o teu Deus”, implica a relação com um Marido.
Essa é uma relação íntima e doce. O marido busca o bem da esposa; seria antinatural que ele vagueasse para destruir sua mulher. “Porque ninguém jamais odiou a própria carne” (Ef 5.29). Há uma relação marital entre Deus e Seu povo. “Porque o teu Criador é o teu marido” (Is 54.5). Deus ama plenamente Seu povo. Ele o tem gravado na palma das mãos (49.16). Ele o põe como um selo sobre o coração (Ct 8.6). Ele dará reinos por seu resgate (Is 43.3). Isso mostra quão próximo ele está do coração de Deus. Se Ele é um Marido cujo coração é pleno de amor, então, Ele irá buscar o bem de Sua esposa. Ou Ele a protegerá de um dano ou Ele o converterá para um fim melhor.

4. Esta expressão, “o teu Deus”, implica a relação com um Amigo.
“Tal [é] o meu amigo” (Ct 5.16, ARC). Um amigo é, como diz Agostinho, metade do nosso eu. Ele é atento e desejoso acerca de como pode fazer bem a seu amigo; ele promove o bem-estar dele como se fosse o seu próprio. Jônatas enfrentou o aborrecimento do rei por seu amigo Davi (1Sm 19.4). Deus é nosso Amigo; portanto, Ele converterá todas as coisas para nosso bem. Existem falsos amigos; Cristo foi traído por um amigo; mas Deus é o melhor Amigo.

Ele é um Amigo fiel. “Saberás, pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel” (Dt 7.9). Ele é fiel em Seu amor. Ele deu Seu próprio coração a nós, quando entregou o Filho de Seu amor. Ali estava um padrão de amor sem paralelo. Ele é fiel em Suas promessas. “O Deus que não pode mentir prometeu” (Tt 1.2). Ele pode mudar Sua promessa, mas não pode quebrá-la. Ele é fiel em Seu proceder; mesmo quando está afligindo, Ele é fiel. “Bem sei, ó SENHOR, que os teus juízos são justos e que com fidelidade me afligiste” (Sl 119.75). Ele está nos peneirando e nos refinando como a prata (66.10).

Deus é nosso Amigo; portanto, Ele converterá todas as coisas para nosso bem. Existem falsos amigos; Cristo foi traído por um amigo; mas Deus é o melhor Amigo.

Deus é um Amigo imutável. “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5). Amigos às vezes falham numa emergência. Muitos procedem com os amigos como as mulheres, com as flores: enquanto estas estão frescas, elas as põem junto ao peito, mas, quando começam a murchar, elas as jogam foram. Ou como um viajante faz com o relógio de sol: se o sol brilha sobre o relógio, o viajante sai da estrada para consultar o relógio; mas se o sol não brilha sobre ele, ele segue dirigindo, sem sequer se lembrar do relógio. Assim, se a prosperidade brilha sobre um homem, então, os amigos atentam para ele; mas, se uma nuvem de adversidade paira sobre ele, eles não se aproximarão. Mas Deus é um Amigo para sempre; Ele disse: “De maneira alguma te deixarei”. Embora Davi andasse pelo vale da sombra da morte, ele sabia que tinha um Amigo a seu lado. “Não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo” (Sl 23.4). Deus nunca afasta completamente Seu amor de Seu povo. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Sendo Deus tal Amigo, Ele fará todas as coisas cooperarem para nosso bem. Não há amigo que não busque o bem do amigo.

5. Esta expressão, “o teu Deus”, implica uma relação ainda mais íntima, a relação entre a Cabeça e os membros.
Há uma união mística entre Cristo e os santos: Ele é chamado “o Cabeça da igreja” (Ef 5.23). Não é verdade que a cabeça delibera pelo bem do corpo? Todas as partes da cabeça estão dispostas para o bem do corpo. O olho é posto como se estivesse numa torre de guarda; ele fica a postos para vigiar qualquer perigo que possa advir ao corpo, e preveni-lo. A língua serve tanto para provar como para discursar. Se o corpo fosse um microcosmo, ou um pequeno universo, a cabeça seria o sol desse universo, da qual procederia a luz da razão. A cabeça está posta para o bem do corpo. Cristo e os santos compõem um único corpo místico. Nossa Cabeça está nos céus, e certamente Ele não irá permitir que Seu corpo sofra dano, mas irá deliberar para a segurança dele e fará com que todas as coisas cooperem para o bem do corpo místico.

(Thomas Watson)

(Fonte)

(Pequenos aperfeiçoamentos e correções foram feitos, por Francisco Nunes, no artigo original. Consulte a fonte para outros artigo desta série.)

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Cativeiro no Senhor (T. Austin-Sparks)

Plantado como semente na prisão

“Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (Ef 3.1).

“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (4.1).

“Sofro trabalhos e até prisões, como um malfeitor; mas a palavra de Deus não está presa” (2Tm 2.9).

“Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes participa das aflições do evangelho segundo o poder de Deus” (2Tm 1.8).

Há um sentido muito real em que o apóstolo Paulo, em sua pessoa e experiência, foi uma corporificação da história da Igreja nesta era. Na verdade, parece ser um princípio na economia divina que aqueles a quem uma revelação foi confiada devem tê-la tão trabalhada em seu próprio ser e em sua história que sejam capazes de dizer: “Eu sou um sinal para vocês”. Ao considerar os trechos citados, vemos que o fim da vida de Paulo experimentou um processo de estreitamento e limitação operando por meio de “uma grande apostasia”, por um lado, e um confinamento do geral para o específico, em que ele, Paulo, representou o testemunho do outro. Isso é precisamente o que está predito quanto às condições relativas ao “fim”, e não é sem importância que seja especialmente mencionado nas declarações proféticas a Timóteo, na carta final. Desse modo, a ocorrência da expressão “o prisioneiro do [no] Senhor” nos últimos escritos é profética em seu significado, e maravilhosamente explicativa da forma final da soberania do Senhor.

O que temos aqui, então, é

1. O instrumento do testemunho do Senhor em um lugar de limitação, pela vontade de Deus.

Ao lermos o registro dos incidentes que levaram Paulo a Roma como prisioneiro – especialmente quando lemos as palavras de Agripa: “Bem podia soltar-se este homem, se não houvera apelado para César” (At 26.32) –, não podemos deixar de sentir que houve erros e acidentes, mas para os quais poderia ter havido um resultado muito mais propício, e o ministério geral do apóstolo poderia ter-se estendido. Pode ter havido momentos de estresse, quando o próprio Paulo foi tentado a se perguntar se não tinha sido impulsivo ao apelar ao imperador. Mas, conforme avançava, e quando o Senhor falou com ele, ocasionalmente, dando-lhe luz, ficou claro que, apesar da coisa ter sido humanamente realizada, havia o governo soberano de Deus em tudo e que ele estava na prisão, não como prisioneiro do imperador, mas como o prisioneiro no Senhor.

Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.

Talvez Paulo não tenha aceito isso tudo de uma vez. Possivelmente ele não tenha percebido como isso iria operar. Um julgamento e uma libertação mais ou menos rápidas podiam ter estado em sua mente. Alguma esperança de um ministério posterior entre os amados santos parece não estar ausente de sua correspondência. (Provavelmente, havia decorrido um curto período desde a libertação da primeira prisão.) Por fim, no entanto, ele aceitou totalmente que estava se tornando cada vez mais claro como o caminho do Senhor, e cresceu nele a certeza de que esse caminho estava de acordo com os maiores interesses do Corpo de Cristo. Assim, vemos que, quando vem o momento do povo do Senhor ser colocado face a face com as coisas últimas e supremas da revelação de Jesus Cristo – coisas além da salvação pessoal, coisas que se relacionam com a mente de Deus desde os tempos eternos e bem além de ser salvo –, então, tem de haver um estreitamento, um confinamento, um limitante. Muita atividade que foi feita, e tudo que foi feito a fim de trazer coisas para determinada posição e estado, agora cessam para levá-los mais adiante, e algo mais intensivo é necessário.

O que representa o testemunho em sua aproximação mais completa e mais próxima do propósito final de Deus, então, tem de ser despojado de muito do que tem sido bom, necessário e de Deus numa forma preparatória, e deve ser encarcerado para o que é final . O cativeiro não é uma verdade concebida ou uma aceitação doutrinária imposta. Ele é operado em cada fibra do ser pela experiência que segue à revelação, e a revelação interpreta a experiência. Não é a vitória de alguma interpretação defendida: é a própria vida dos instrumentos, e o instrumento é aquilo em seu próprio ser. Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.

2. A importância e o valor de ver e aceitar as coisas na luz de Deus

Isso se aplicava a Paulo e àqueles que estavam com ele. Para o apóstolo, estar confortável na soberana ordenação de Deus em sua prisão resultava em iluminação crescente que levava à emancipação espiritual.

Ninguém pode deixar de reconhecer o enorme enriquecimento do ministério como o contido nas que são chamadas de “epístolas da prisão”: [ Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom]. Se ele tivesse sido obstinado, ressentido, rebelde ou amargo, não teria havido o céu aberto, e um espírito de controvérsia com o Senhor teria fechado e selado a porta para as mais plenas revelações e aclaramentos divinos.

Quando tudo foi aceito de acordo com a mente do Senhor, logo “os lugares celestiais” se tornaram as extensões eternas de sua caminhada sobre a terra, e servidão terrena deu lugar à liberdade celestial. Assim deve ser com cada instrumento separado para os interesses superiores do testemunho do Senhor.

A leitura de certas passagens em suas cartas e o registro de sua prisão mostra como isso se aplicava aos outros. Considere as seguintes:

“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu” (2Tm 1.8).

“E Paulo ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara, e recebia todos quantos vinham vê-lo […] e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28.30,31).

“O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo, porque muitas vezes me recreou, e não se envergonhou das minhas cadeias. Antes, vindo ele a Roma, com muito cuidado me procurou e me achou” (2Tm 1.6,7).

É evidente que essas passagens indicam que tinha de haver uma compreensão divina e não apenas uma apreciação humana da posição de Paulo. Níveis humanos de mentalidade teriam produzido uma atmosfera de dúvida, desconfiança, questionamentos, e teriam deixado elementos de falsa imputação. Considerada em linhas meramente naturais, a associação com o prisioneiro teria envolvido tais associados em suspeita e preconceito. A dúvida sobre o servo do Senhor era muito difundida, e até mesmo muitos do povo do Senhor não tinham certeza sobre ele. Mas o Senhor estava fechando uma revelação muito importante para esse canal, e para os que estavam realmente em necessidade espiritual; estes que tinham de permanecer em uma relação viva com a plenitude do testemunho da identificação com Cristo na morte e na ressurreição, na união no trono com Ele, o poder sobre principados e potestades, e para o ministério “nos séculos vindouros”, tinham de ser postos de lado de todas considerações humanas, pessoais e diplomáticas, e permanecer bem ali com o instrumento com que Deus os colocou na prisão honrosa. Para a posse do que estava por vir por meio do vaso, tinha de haver uma ida ao lugar em que o vaso1 estava, sem consideração por reputação, influência ou popularidade.

Dessa forma, o Senhor peneira Seu povo e encontra quem realmente é inteiramente para Ele e para Seus testemunho, e quem age em qualquer medida por outras considerações e interesses. O instrumento nessa posição de rejeição popular é, portanto, a ferramenta de busca do Senhor pelos realmente necessitados e pobres de espírito. Eles serão encontrados e terão suas necessidades satisfeitas.

A outra verdade que permanece aqui, então, é que

3. Vergonha, desprezo e limitação são muitas vezes formas de Deus enriquecer todo o Corpo de Cristo.

Tem sido sempre assim. A medida de aproximação à plenitude da revelação tem sido sempre acompanhado por um custo relativo. Cada instrumento do testemunho tem sido colocada sob suspeita e desprezo em uma medida proporcional ao grau de valor para o Senhor, e isso fez com que, humanamente, eles sejam limitados a esse ponto. Muitos têm apostatado, caído, se afastado, duvidado, temido e questionado. Mas, como Paulo pôde dizer: “Portanto, vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, que são a vossa glória” (Ef 3.13.), ou: “Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (v. 1), então, a medida de limitação no Senhor é a medida de enriquecimento de Seu povo. Quanto mais completa a revelação, menos aqueles que a apreendem ou maior o número daqueles que permanecem ao longe. Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação, e tê-los experimentalmente significa compartilhar o custo de alguma forma. Mas essa é a maneira divina de garantir para Deus um lote2 de semente espiritual.

Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação.

Um lote de sementes é uma coisa intensiva. Ali as coisas são reduzidas a dimensões muito limitadas. Não é algo visível de grande extensão que está imediatamente em vista, mas as coisas são consideradas, em primeiro lugar, à luz da semente. O verdadeiro significado das coisas não é sempre reconhecido , mas você pode viajar por todo o mundo e encontrar um grande número de jardins que são a expressão daquele intensivo e restrito lote de sementes. Se alguma vez houve tal lote de semente, foi a prisão de Paulo em Roma.

Tudo isso pode se aplicar a vidas individuais em relação ao testemunho do Senhor. Muitas vezes pode haver um atrito contra a limitação, o confinamento, e um desejo inquieto por aquilo que chamaríamos de algo mais amplo ou menos restrito. Se o Senhor nos quer no lugar em que estamos, nossa aceitação disso em fé pode provar que isso se torna uma coisa muito maior do que qualquer avaliação humana pode julgar. Gostaria de saber se Paulo tinha alguma idéia de que sua prisão significaria sua contínua expansão de valor para o Senhor Jesus ao longo 1.900 anos? O que se aplica a indivíduos também se aplica aos ajuntamentos, assembléias ou grupos do povo do Senhor espalhados na terra, mas um em sua comunhão com respeito ao testemunho pleno do Senhor.

Que o Senhor esteja graciosamente agradado de fazer com que o aspecto meramente humano dos muros da prisão sejam expulso e nos dê a percepção de que, longe de ser limitada por homens e circunstâncias, é prisão no Senhor, e isso significa que todas as era e todos os reinos entram por essa prisão.

(De Toward a Mark (Em direção à marca), jan-fev 1980, vol. 9-1.)

(Traduzido por Francisco Nunes. Original aqui. A maior parte dos textos de Austin-Sparks é transcrição de suas mensagens orais. Os irmãos que as transcrevem não fazem nenhuma edição ou aprimoramento. Por isso, o texto conserva bastante de sua oralidade, o que, em muitas circunstâncias, não permite uma tradução mais apurada. Se houver qualquer sugestão para aprimoramento deste trabalho, por favor, deixe um comentário. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria, tradução e fonte e seja exclusivamente para uso gratuito.)

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1Instrumento e vaso, como visto neste artigo, são termos normalmente usados por Austin-Sparks para se referir aos servos de Deus. (N.T.)

2No sentido de um canteiro, um terreno pequeno. (N.T.)

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E quanto a este?

“Vendo-o, pois, Pedro perguntou a Jesus: E quanto a este? Respondeu-lhe Jesus: Se Eu quero que ele permaneça até que Eu venha, que te importa? Quanto a ti, segue-Me.” (João 21.21, 22)

Se Deus chamou você para que seja verdadeiramente como Jesus com todas as forças de seu espírito, Ele o estimulará para que leve uma vida de crucificação e de humildade, e exigirá tal obediência que você não poderá imitar aos demais cristãos, pois Ele não permitirá que você faça o mesmo que fazem os outros, em muitos aspectos.

Outros, que aparentemente são muito religiosos e fervorosos, podem ter a si mesmos em alta estima, podem buscar influência e ressaltar a realização de seus planos; você, porém, não deve fazer nada disso, pois se tentar fazê-lo, fracassará de tal modo e merecerá tal reprovação por parte do Senhor, que você se converterá em um penitente lastimável.

Outros poderão fazer alarde de seu trabalho, de seus êxitos, de seus escritos, mas o Espírito Santo não permitirá a você nenhuma dessas coisas. Se você começar a proceder dessa forma, Ele o consumirá em uma mortificação tão profunda que você depreciará a si mesmo tanto quanto a todas as suas boas obras.

A outros será permitido conseguir grandes somas de dinheiro e dar-se a luxos supérfluos, porém Deus só proporcionará a você o sustento diário, porque quer que você tenha algo que é muito mais valioso que o ouro: uma absoluta dependência Dele e de Seu invisível tesouro.

O Senhor permitirá que os demais recebam honras e se destaquem, enquanto mantém você oculto na sombra, porque Ele quer produzir um fruto seleto e fragrante para Sua glória vindoura, e isso só pode ser produzido na sombra.

Deus pode permitir que os demais sejam grandes, mas você deve continuar sendo pequeno; Deus permitirá que outros trabalhem para Ele e ganhem fama, porém fará com que você trabalhe e se desgaste sem que saiba sequer quanto está fazendo. Depois, para que seu trabalho seja ainda mais valioso, permitirá que outros recebam o crédito pelo que você faz, com o fim de lhe ensinar a mensagem da cruz: a humildade e algo do que significa participar de Sua natureza. O Espírito Santo manterá sobre você uma estrita vigilância e, com zeloso amor, lhe reprovará por suas palavras, ou por seus sentimentos indiferentes, ou por malgastar seu tempo, coisas essas que parecem não preocupar aos demais cristãos.

Por isso, habitue-se à idéia de que Deus é um soberano absoluto que tem o direito de fazer o que Lhe apraz com os que Lhe pertencem, e que não pode explicar-lhe a infinidade de coisas que poderiam confundir sua mente pelo modo como Ele procede com você. Deus lhe tomará a palavra; e se você se vende para ser Seu escravo sem reservas, Ele o envolverá em um amor zeloso que permitirá que outros façam muitas coisas que a você não são permitidas. Saiba-o de uma vez por todas: você tem de se entender diretamente com o Espírito Santo acerca dessas coisas, e Ele terá o privilégio de atar sua língua, ou de colocar algemas em suas mãos ou de fechar seus olhos para aquilo que é permitido aos demais. Entretanto, você conhecerá o segredo do reino. Quando estiver possuído pelo Deus vivo de tal maneira que se sinta feliz e contente no íntimo de seu coração com essa peculiar, pessoal, privada e zelosa tutoria e com esse governo do Espírito Santo sobre sua vida, então, haverá encontrado a entrada dos céus, o chamado do alto, de Deus.

(Autor conhecido somente por Deus)

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Liberdade (Craig R. Brown)

Embora, de nossa perspectiva, sejamos livres, precisamos perceber que a liberdade absoluta – liberdade total do controle de Deus – simplesmente não é possível em um mundo providencialmente sustentado e dirigido pelo próprio Deus. A liberdade humana é real, mas é, por todos os lados, limitada pela liberdade de Deus. Deus é soberano, não o homem. Essa soberania nunca é limitada pela liberdade humana. Em lugar disso, a liberdade humana é sempre limitada pela soberania de Deus.

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Providência (Jerry Bridges)

Não é fácil crer na doutrina da providência de Deus, especialmente nesses dias em que parece que ela caiu sob os tempos difíceis…

Todas as pessoas – os cristãos e os não cristãos – experimentam ansiedade, frustração, mágoas e desapontamentos. Algumas sofrem intensa dor física e tragédias catastróficas. Mas o que deve distinguir o sofrimento dos cristãos do daqueles que não crêem é a confiança de que nosso sofrimento está sob o controle de um Deus todo-poderoso e todo-amoroso. Nosso sofrimento tem significado e propósito no plano eterno de Deus, e Ele traz ou permite que venha a nós somente aquilo que é para Sua glória e para nosso bem.

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Soberania (Jerry Bridges)

Ninguém pode agir fora da vontade de Deus ou contra ela. Séculos atrás, Agostinho disse: “Nada, portanto, acontece a menos que o Onipotente deseja que aconteça: Ele ou permite que aquilo aconteça ou Ele mesmo a causa”. Philip Hughes disse: “Sob Deus, portanto, todas as coisas sem exceção são plenamente controladas, a despeito de todas as aparências em contrário”. Nada é tão grande ou tão pequeno que escape à mão governante de Deus. A aranha tecendo sua teia num canto e Napoleão marchando com seu exército pela Europa estão sob o controle de Deus.

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Controle (Jerry Bridges)

Nada é tão pequeno ou trivial que escape à atenção do controle soberano de Deus; nada é tão grande que esteja além de Seu poder para controlá-lo. O insignificante pardal não pode cair no chão sem a vontade de Deus; o poderoso império romano não pode crucificar Jesus Cristo a menos que o poder para isso lhe seja dado por Deus (veja Mt 10.29; Jo 19.10,11). E o que é verdadeiro em relação ao pardal e a Jesus é verdadeiro para você e para mim. Nenhum detalhe de sua vida é insignificante demais para a atenção de seu Pai celestial; nenhuma circunstância é grande demais que Ele não possa controlá-la.

(Traduzido por Francisco Nunes. Original aqui.)

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Charles Spurgeon Deus Soberania Vida cristã

A soberana graça de Deus e a responsabilidade do homem (C. H. Spurgeon)

A Soberana Graça de Deus e a Responsabilidade do Homem
N0 207
Sermão pregado no Domingo, 1º de Agosto de 1858
Por Charles Haddon Spurgeon
No Music Hall, Royal Surrey Garden, Londres.


“E Isaías ousadamente diz: Fui achado pelos que não me buscavam, Fui manifestado aos que por mim não perguntavam. Mas para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente.”
(Romanos 10:20-21, ACF)

Sem dúvida, estas palavras referem-se principalmente à rejeição dos judeus e à escolha dos gentios. Os gentios eram um povo que não buscava a Deus, mas vivia em idolatria. Apesar disso, naqueles últimos tempos aprouve a Jeová enviar o Evangelho da Sua Graça a eles – enquanto aos judeus, os quais por muito tempo haviam desfrutado os privilégios da Palavra de Deus, foram repudiados por causa da sua rebelião e desobediência. Creio, no entanto, que embora este seja o principal objetivo das palavras do nosso texto, ainda, como diz Calvino, a verdade ensinada aqui é um tipo de fato universal. Como Deus escolheu o povo que não O conhecia,  também tem escolhido, na abundância da sua graça, manifestar a Sua salvação aos homens que estão fora do caminho, enquanto, por outro lado, os que continuam perdidos após terem ouvido a Palavra, assim continuam devido ao seu pecado deliberado. Pois Deus o dia todo “estende as suas mãos a um povo rebelde e contradizente.”

A abordagem da Verdade não é uma linha reta, mas são duas. Ninguém nunca obterá uma visão correta do Evangelho até aprender como olhar para as duas linhas de uma vez. Em um livro sou ensinado a acreditar que o que semear, colherei. Em outro  sou ensinado que, “assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece.” Em um lugar vejo a Providência de Deus governando tudo. E ainda assim vejo – e não posso deixar de ver – que o homem age como lhe agrada e que Deus tem, em grande medida, deixado seus atos à mercê da própria vontade dele. Então, se eu fosse declarar que o homem é livre para agir de modo que não existe a Providência de Deus sobre suas ações, seria levado sobremodo para perto do Ateísmo. E se, por outro lado, eu fosse afirmar que Deus domina tanto todas as coisas, como se o homem não fosse livre o suficiente para ser considerado responsável, sou levado imediatamente ao Antinomianismo ou ao fatalismo! A predestinação por Deus e a responsabilidade do homem são dois fatos percebidos por poucos e considerados inconsistentes e contraditórios. Mas não o são! A culpa está na nossa própria débil capacidade de julgamento. Duas verdades de Deus não podem se contradizer.  Se, então, uma parte ensina que tudo é pré-ordenado – é verdade. E se outra ensina que o homem é responsável por todas as suas ações –  é verdade. E é minha insensatez que me leva a imaginar que duas verdades de Deus podem, alguma vez, se contradizer. Acredito que estas duas verdades nunca poderão ser fundidas sobre nenhuma bigorna humana, mas como uma estarão na eternidade! São duas linhas quase tão paralelas que a mente que as buscar muito longe  nunca perceberá que convergem – mas de fato convergem e se encontrarão em algum lugar na eternidade, perto do trono de Deus de onde toda aVerdade emana!

Agora, esta manhã, eu estou a ponto de considerar as duas doutrinas. No versículo 20, aprendemos as Doutrinas da Graça Soberana:E Isaías ousadamente diz: Fui achado pelos que não me buscavam, Fui manifestado aos que por mim não perguntavam.” No versículo seguinte, temos a Doutrina da culpa do homem por rejeitar a Deus. “Mas para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente.”

I. Primeiro, então, a SOBERANIA DIVINA COMO EXEMPLIFICADA NA SALVAÇÃO. Se algum homem é salvo, assim o é pela Graça Divina e somente por ela. A razão da sua salvação não será encontrada nele, mas em Deus. Não somos salvos como resultado de algo que fazemos ou que desejamos – nossas ações e desejos são resultado da boa vontade de Deus e da obra da Sua graça em nossos corações! Nenhum pecador pode detê-Lo, isto é, não pode ir adiante dEle, não pode se antecipar a Ele. O Senhor vem primeiro na questão da salvação, antecede nossas convicções, desejos, medos e esperanças! Tudo o que é bom ou será bom em nós é precedido pela graça de Deus e é o resultado de uma ação divina em nós.

Agora, nesta manhã, falando de atos graciosos de salvação por Deus, noto primeiro que são totalmente imerecidos. Você constatará que as pessoas aqui mencionadas, sem dúvida,  não mereceram a graça de Deus. Elas o encontraram, mas nunca O buscaram; Foi manifestado a elas, porém nunca perguntaram por Ele. Nunca houve nenhum homem salvo por merecimento! Perguntem para todos os santos de Deus e eles lhes dirão que sua vida pregressa foi desperdiçada em desejos da carne, que nos dias de sua ignorância se rebelaram contra Deus e se desviaram dos Seus caminhos; e então, quando foram convidados a voltar-se para Ele, desprezaram o convite e quando alertados, jogaram fora o alerta! Vão dizer-lhes que o fato de terem sido atraídos por Deus não foi  resultado de qualquer mérito antes da conversão, porque alguns, longe de terem direito a algo, foram os mais terríveis entre os terríveis! Se jogaram no poço absoluto do pecado. Não se envergonharam de todas as coisas das quais sentiríamos vergonha se somente fossem mencionadas. Eram líderes do cartel do crime, príncipes na hierarquia do inimigo. E assim mesmo a Graça Soberana veio sobre eles e foram levados a conhecer o Senhor. Vão afirmar-lhes que não foi o resultado de algo primoroso em sua disposição,  embora agora acreditem na existência de algo excelente implantado neles, ainda que nos dias da sua carne não puderam ver uma qualidade que não fosse  corrompida em favor do serviço de Satanás! Perguntem-os se pensam que foram escolhidos como resultado da sua coragem e lhe dirão que não. Se alguma coragem havia neles, era deformada, pois esta se inclinava para o mal! Perguntem-os se foram escolhidos de Deus por causa das suas aptidões e lhe dirão que não; havia neles aptidões, porém as prostituíam ao serviço de Satanás! Perguntem-os se foram escolhidos devido à franqueza e à generosidade de seu temperamento e lhe revelarão que estes os levou a mergulhar tão mais profundamente no pecado do que do contrário teriam feito,  pois eram “bons camaradas” de cada homem mal, prontos para beber e se juntar a todas as festanças que cruzassem seus caminhos.

Não havia neles nenhuma razão para que Deus usasse de misericórdia em seu favor. E se maravilharam porque Ele não os rejeitou no tempo de seus pecados, não excluiu seus nomes do Livro da Vida e não os arrastou para dentro do abismo onde queima o fogo que irá devorar os ímpios! Mas alguns têm afirmado que Deus escolhe o Seu povo porque prevê que após elegê-los farão isto ou aquilo, e outras tantas ações meritórias e excelentes. Recorra novamente ao povo de Deus e lhes revelarão que desde sua conversão têm tido muitas razões para chorar. Embora possam alegrar-se com a boa obra que Deus começou em suas vidas, muitas vezes tremem com medo de que a obra possa não ser de Deus. Irão dizer-lhe que se às vezes abundam na fé, ainda há tempos em que superabundam na incredulidade! Se às vezes estão cheios de obras de santidade, ainda existem momentos em que choram profusamente por considerar que estes mesmos atos de santidade foram manchados pelo pecado! O cristão irá dizer-lhe que chora profusamente. Sente que há imundície mesmo nos melhores desejos – que precisa pedir perdão a Deus por suas próprias orações – pois existe pecado no meio de suas súplicas e que precisa de aspergir mesmo suas melhores ofertas com o sangue expiatório, porque nunca é capaz de trazê-las sem mancha ou defeito. Você pode recorrer ao mais iluminado dos santos, ao homem cuja presença em meio à sociedade retrata a presença de um anjo e ele assegurará ainda sentir vergonha de si mesmo. “Ah”, ele dirá, “você pode me elogiar, mas eu não posso elogiar a mim mesmo. Pode falar bem de mim, me aplaudir, mas se conhecesse meu coração, enxergaria razões suficientes para me considerar um pobre pecador salvo pela graça, destituído de motivos para se gloriar e constrangido a inclinar sua cabeça e confessar suas iniquidades perante Deus.” A graça é, portanto, totalmente imerecida.

Mais uma vez, a graça de Deus é soberana. Isto significa que Deus tem direito absoluto de dispensá-la como Lhe agrada. Não tem a obrigação de dá-la a ninguém, e se escolher concedê-la a um e não a outro, Sua resposta é: “Porventura, não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom? Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia.” Então, quero que observe como está ilustrada no texto a Soberania da Graça Divina – “Fui achado pelos que não me buscavam, Fui manifestado aos que por mim não perguntavam.” Imagine se Deus fosse esperar que o homem o buscasse seriamente para poder concedê-la? Imagine se Ele, do mais alto dos céus, dissesse: “Tenho misericórdias, mas deixarei o homem só e quando delas necessitar e então se empenhar em me buscar com todo seu coração, dia e noite, com lágrimas, sacrifícios e súplicas, o abençoarei – mas não o farei antes disso.” Mas amados, Deus não diz tais coisas! Sim, é verdade que Ele abençoa aqueles que clamam por Ele, porém os abençoa antes de clamarem, porque Deus mesmo colocou esses clamores em seus lábios! Seus desejos não provêm deles, mas de boas sementes lançadas pelo Senhor no solo de seus corações. Deus salva homens que não O buscam! Oh, quantas maravilhas! É mesmo ato de misericórdia quando Ele salva quem o busca, mas não é esta misericórdia ainda mais gloriosa quando Deus mesmo salva os que não o buscam? Considere a parábola da ovelha perdida. Não diz assim: “Certo homem tinha cem ovelhas e uma delas se perdeu. Permaneceu em casa esperando e veja – a ovelha retornou. Ele a recebeu com alegria e disse aos seus amigos que se regozijassem pois a ovelha perdida havia retornado.” Não. Ele saiu a buscá-la porque nunca teria voltado por conta própria. Teria vagado cada vez mais distante. Ele saiu a buscá-la. Através das montanhas da dificuldade e dos vales do desalento, perseguiu seus passos errantes e a recuperou. Não a conduziu por esse caminho, não a liderou, mas a carregou ao longo dele, e quando a trouxe de volta para casa não disse: “A ovelha retornou”, mas “Encontrei a ovelha que se havia perdido.” Deus busca o homem primeiro, e não ao contrário! E se alguém o busca hoje é porque Ele o buscou primeiro! Se alguém o deseja, saiba que Ele o desejou primeiro; sua busca e desejos sinceros não provêm da sua salvação, mas dos efeitos da graça previamente concedida a você.

“Bem”, alguém argumenta, “eu poderia ter pensado que, embora o Salvador não exija uma busca sincera e constante, suspiros e gemidos por Ele, ainda assim desejaria e demandaria que todo homem deva clamar pela Graça antes de recebê-la”. Amados, de fato esta situação parece natural e Deus a concederá aos que por ela clamarem. No entanto, observem no texto que Ele foi manifestado “aos que por Ele não perguntaram.” Ou seja, o Senhor nos concede Graça antes de pedirmos por ela! A única razão pela qual qualquer homem começa a orar é porque a Graça derramada anteriormente em seu coração o levou a isto. Lembro-me que quando me converti, eu era um Arminiano completo. Pensei que eu mesmo havia começado a boa obra e costumava me sentar e pensar: “Bem, busquei o Senhor por quatro anos antes de encontrá-lo”, e acho que comecei a me elogiar porque havia clamado por Ele insistentemente em meio a muito desânimo! Mas um dia me ocorreu um pensamento: “O que me levou a buscar a Deus?”, e num instante a resposta veio de minha alma: “Por quê? Por que Ele me conduziu a isto! Primeiro deve ter me mostrado minha necessidade Dele, senão eu nunca O teria buscado! Deve ter me mostrado Sua preciosidade, ou eu nunca teria achado que vale a pena buscá-Lo.” Então de uma vez enxerguei com a maior clareza possível as Doutrinas da Graça. DEUS deve começar! A natureza nunca poderá se sobrepujar. Coloca-se água em um reservatório e ela o encherá até um dado limite, mas nunca passará disto sozinha. Então, não está na natureza humana o buscar a Deus. Esta é depravada, logo, deve haver uma pressão excepcional do Espírito Santo sobre o coração para inicialmente nos levar a pedir por misericórdia. Mas veja, não percebemos nada disto durante a operação do Espírito! Clamamos como se fossemos responsáveis por desejarmos o Senhor e O buscamos como se o Espírito Santo não existisse; e embora não saibamos, deve existir um movimento prévio do Espírito em direção ao nosso coração antes de existir um movimento em nosso coração em direção a Ele.

Nenhum pecador pode estar com o Senhor de antemão,
Sua Graça é mais soberana, mais rica e mais livre.”

Deixe-me dar um exemplo. Vê aquele homem montado em um cavalo cercado por seus soldados? Como está orgulhoso! Com quão consciente dignidade dali exerce controle! O que tens aí contigo, senhor? O que são essas expedições que entesouras com tanto apreço? “Oh, senhor, o que tenho em minhas mãos irá afligir a Igreja de Deus em Damasco. Arrastarei os membros, homens e mulheres, para a sinagoga. Açoitá-los-ei e forçá-los-ei a blasfemarem. E tenho esta comissão do sumo sacerdote de levá-los à força à Jerusalém para matá-los.” “Saulo! Saulo! Não tem amor por Cristo?” “Amor por Ele? Não! Quando apedrejaram Estevão, me encarreguei das roupas das testemunhas e tive prazer em fazê-lo. Como gostaria de ter participado da crucificação do seu mestre, pois os odeio profundamente e contra eles expiro ameaças e massacres.” O que você afirma deste homem? Se ele for salvo, não irá admitir que alguma soberania divina o converteu? Olhe para o pobre Pilatos, quanta esperança havia nele. Queria salvar o Mestre, porém temeu e tremeu. Se tivéssemos tido a chance, teríamos dito: “Senhor, salve Pilatos porque ele não quer matar Jesus e se esforça para livrá-lo. Mas mate o sanguinário Saulo – ele é o líder absoluto dos pecadores.” “Não”, exclama Deus, “farei com os meus como me for aprazível.” ”Os céus se abrem e o brilho da glória desce mais luminosa que o sol do meio-dia! Impressionado com a luz, Saulo cai no chão e uma Voz se dirigindo a ele é ouvida: “Saulo, Saulo, por que me persegues?  Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões.” Ele se levanta. Deus aparece para ele:“Veja, porque és para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios.” Não é esta Soberania – Graça Soberana – desprovida de qualquer busca prévia? Deus foi achado por aquele que não o havia buscado! Se manifestou ao que não havia perguntado por Ele. Alguns dirão que aquilo foi um milagre, mas é um que se repete todos os dias da semana!

Uma vez conheci um homem que não ia à casa de Deus por muito tempo. E num domingo de manhã, tendo ido ao mercado comprar dois patos para seu jantar, aconteceu de ver a casa de Deus aberta quando passava. “Bem”, pensou ele, “vou observar o que estes companheiros estão fazendo.” Ele entrou. O hino que cantavam prendeu sua atenção. Ouviu o sermão, esqueceu-se dos patos, descobriu seu próprio caráter – foi para casa e se pôs de joelhos perante o Senhor – e após certo tempo aprouve a Deus dar-lhe alegria e paz em crer! Para começar, aquele homem não tinha nada em si mesmo, nada que levasse alguém a imaginar que um dia ele poderia ser salvo! Mas simplesmente porque Deus quis assim, o homem foi alcançado com o sopro eficaz da Graça e levado a Jesus Cristo! No entanto, nós mesmos somos os melhores exemplos desta situação! Até hoje me assombro pois Deus nunca deveria ter me escolhido. Não consigo entender. E a minha única resposta para a pergunta é: “Sim, ó Pai, porque assim pareceu bem aos teus olhos.”

Creio que agora anunciei a Doutrina de maneira bem clara. Deixe-me apenas dizer algumas palavras sobre ela. Algumas pessoas têm bastante medo desta verdade de Deus. Dizem: “É verdade, ouso dizer, mas mesmo assim você não deveria pregá-la para uma assembleia heterogênea. É muito confortável para o povo de Deus, mas deve ser manejada com cuidado e não deve ser pregada publicamente.” Muito bem, senhor, permito que resolva este assunto com meu Mestre. Ele me deu este grande livro para pregar, e não posso fazer uso de nenhuma outra fonte! Se Ele colocou algo na Bíblia que você considera inadequado, vá e reclame com Ele e não comigo. Sou um simples servo e se o que prego é ofensivo, não posso fazer nada. Se eu envio meu servo com uma mensagem e ele a entrega fielmente, não merece ser repreendido. Coloque a culpa em mim, e não em meu servo. Então eu digo: culpe meu Mestre porque eu somente proclamo Sua mensagem. “Não”, diz alguém, “não é para ser pregada.” Sim, é para ser pregada. Toda a Palavra de Deus é inspirada e útil para algum bom propósito. A Bíblia não ensina assim? Deixe-me dizer-lhes a razão pela qual muitas das nossas igrejas estão em declínio: é simplesmente porque esta Doutrina não tem sido pregada. Onde quer que ela tenha sido defendida, sempre foi “Abaixo o Papismo.” Os primeiros reformadores sustentaram esta doutrina e a pregaram. Bem disse um doutor da Igreja da Inglaterra a alguns críticos: “Olhem para o Lutero de vocês. Não o consideram o mestre da Igreja da Inglaterra? O que Calvino e outros reformadores ensinaram pode ser encontrado em seu Livro sobre a liberdade da vontade.”[1] Além disso, podemos indicar-lhes uma série de ministros desde o início até agora. Falemos da sucessão apostólica! O homem que prega as Doutrinas da Graça é de fato um sucessor dos apóstolos! Não podemos traçar nossa genealogia através de toda uma linhagem de homens como Newton, Whitefield, Owen e Bunyan diretamente até chegarmos a Calvino, Lutero e Zwinglio? Deles então podemos voltar a Savonarola, Jerônimo de Praga, a Huss e então de volta a Agostinho, o pregador mais poderoso do cristianismo. E de Santo Agostinho até Paulo é somente um passo! Não precisamos sentir vergonha da nossa linhagem. Embora os Calvinistas agora sejam considerados heterodoxos, somos e sempre deveremos ser ortodoxos. É a antiga doutrina! Vão e comprem qualquer livro puritano e veja se conseguem encontrar nele o Arminianismo! Pesquisem todas as bancas de livros e veja se podem encontrar algum manuscrito antigo que possua algo diferente da Doutrina da Livre Graça de Deus. Permitam que esta seja trazida para nutrir a mente dos homens e desaparecerão as falsas doutrinas da penitência, confissão e do pagamento pelos seus pecados!

Se a graça é livre e soberana nas mãos de Deus, a doutrina do clericalismo não se sustenta! A compra e venda de indulgências e coisas afins também não! São levados pelos quatro ventos dos céus e a eficácia das boas obras é reduzida em pedacinhos como Dagom diante da arca do Senhor! “Bem”, alguém comenta, “Gosto da Doutrina. Todavia, existem muito poucos que pregam-na e os que o fazem são muito elevados.” É bem provável, mas me importo pouco com o que dizem de mim. Tem muito pouca importância o que os homens falam a seu respeito. Suponha que o considerem “excitado, nervoso”- isto não o torna perverso, certo? Imagine que o julguem um antinomiano – isto não o torna um deles! No entanto, devo confessar que há alguns homens que pregam esta doutrina causando dez vezes mais mal do que bem porque não pregam sobre a próxima sobre a qual vou falar, e que é igualmente verdadeira! Possuem a primeira para ser a vela, mas não esta última para ser o lastro. Podem pregar sobre um lado da moeda, mas não sobre o outro. Podem concordar com a alta Doutrina, porém não falarão sobre a Palavra em sua totalidade. Tais homens caricaturam a Bíblia! Deixem-me comentar aqui o costume de certo grupo de hiper-calvinistas de chamar de “Calvinistas Híbridos” aqueles entre nós que ensinam que é dever do homem se arrepender e crer. Se vocês escutarem alguém dentre eles falar desta maneira, deem-nos meus mais respeitosos elogios e perguntem-nos se já leram os trabalhos de Calvino em suas vidas. Não que eu me importe com o que Calvino disse ou não disse, mas perguntem-nos se algum dia leram suas publicações. E se disserem “Não”, como provavelmente o farão porque existem 48 extensos volumes, digam-nos que o homem a quem chamam um “Calvinista Híbrido”, embora não tenha lido a totalidade dos volumes, já leu uma boa parte deles e conhece sua essência. E sabe que prega substancialmente o mesmo que Calvino, que toda doutrina sobre a qual ensina pode ser encontrada nos Comentários de João Calvino a respeito de uma ou outra parte das escrituras. Somos calvinistas verdadeiros! No entanto, este reformador não é ninguém para nós. Jesus Cristo e ele crucificado e a Bíblia tradicional são nossos pilares. Amados, aceitemos a escritura em sua totalidade! Se encontrarmos alta doutrina, que assim permaneça! Se for baixa doutrina, que permaneça também![2] Lancemos mão somente de padrões proporcionados pela Bíblia!

II. Passemos agora ao segundo ponto. “Agora veja,” comenta meu hiper amigo, “ele vai se contradizer.” Não, meu Amigo, não vou! Vou contradizer você! O segundo ponto é a RESPONSABILIDADE DO HOMEM. “Mas para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente.” Então, esse povo que Deus abandonou havia sido cortejado, buscado, suplicado que fosse salvo. Mas se recusaram e uma vez que não foram salvos, o abandono foi o resultado de sua desobediência e oposição. Este fato é claramente encontrado no texto. Quando Deus envia os profetas a Israel e estende Suas mãos, qual Seu propósito? Por que desejava que o povo se voltasse para Ele? Ora, para serem salvos! “Não”, alguém diz, ”era para que recebessem misericórdias temporárias.” Não é assim, meu Amigo! O verso anterior diz respeito às misericórdias espirituais e este também, pois se referem à mesma coisa. Então, foi Deus sincero em sua oferta? Ele perdoa o homem ousado o suficiente para dizer que não! Sem dúvida o Senhor é sincero em todas as suas ações – enviou Seus profetas e rogou ao povo de Israel que se apegassem às coisas espirituais, mas se recusaram. E embora estendesse Suas mãos durante todo o dia, ainda assim permaneceram “um povo rebelde e contradizente”, e não receberam Seu amor. E sujaram as mãos com o próprio sangue!

Deixe-me agora observar o cortejo de Deus e suas características. Em primeiro lugar, era o cortejo mais amoroso do mundo! Pecadores perdidos que se encontram ao som do evangelho não estão perdidos por falta do mais carinhoso dos convites. Deus diz que estendeu Suas mãos. Vocês sabem o que isto significa. Têm visto filhos desobedientes que não se voltam para seus pais. O pai estende suas mãos e diz: “Venham para mim, meus filhos, venhas, estou pronto a perdoar-lhes.” A lágrima está em seus olhos e seu coração se move de compaixão enquanto exclama: “Venham, venham.” Deus diz que Ele mesmo fez isto – “Ele estendeu as Suas mãos.” E assim tem agido com alguns de vocês, os quais se não são salvos hoje, são indesculpáveis, pois Deus lhes estendeu Suas mãos e disse: “Venham, venham.” Vocês têm estado ao som do evangelho por um longo tempo e têm sido fiel, eu creio, e têm chorado! Seu pastor não se esqueceu de orar por suas almas em secreto ou de chorar por vocês quando nenhum olho estava posto sobre ele, o qual tem lutado para convencê-lo como um embaixador de Deus! O Senhor é testemunha das vezes que estive neste púlpito e não poderia ter rogado com mais força por minha própria vida do que roguei pelas suas! Em nome de Jesus tenho clamado: “Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” Tenho chorado por vocês como fez o Salvador e usado Suas palavras em Seu nome: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” E vocês sabem que suas consciências têm sido tocadas com frequência, que vocês têm sido movidos, não puderam resistir. Deus foi tão gentil com vocês, convidou-os com tanto amor através da Palavra, ajudou-os com tanta mansidão através da Sua providência e Suas mãos estavam estendidas e vocês puderam ouvir Sua voz falando em seus ouvidos: “Vinde então, e argui-me, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã.”

Vocês O têm ouvido clamar: “Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas.” Vocês O têm ouvido falar com todo o amor do coração de um pai: ”Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos, e se converta ao Senhor, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar.” Oh, Deus implora para que o homem seja salvo e hoje Ele diz a cada um de vocês: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados. Tornai-vos para mim, diz o Senhor dos Exércitos, considerai os vossos caminhos.” E com amor Divino Ele o corteja como um pai corteja seu filho, estendendo Suas mãos e clamando: “Tornai-vos para mim, tornai-vos para mim.” “Não,” diz um doutrinário, “Deus nunca convida todos os homens a tornarem-se para Ele, mas somente alguns indivíduos.” Pare, senhor! Isto é tudo o que você sabe. Nunca leu sobre a parábola aonde é dito: “Meus bois e cevados já estão mortos, e tudo já está pronto; vinde às bodas.” E os que foram convidados não quiseram ir. E nunca leu que todos começaram a dar desculpas e foram punidos porque não aceitaram o convite? Então se os convites não são feitos para todos, mas somente para quem iria aceitá-lo, como esta parábola pode ser real? A verdade é que os bois e cevados estão mortos, o jantar preparado e o trompete ressoa: “Todos os que têm sede, vinde e comei, vinde e bebei.”Aqui está a distribuição das provisões, a total suficiência – o convite é de graça – é grande e sem limitação! “E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.” E este convite é expresso com palavras mansas: “Vinde a mim, filho meu, vinde a mim.” “Todo o dia estendi as minhas mãos.”

E note de novo, este convite era muito frequente. As palavras “todo o dia” podem ser traduzidas por “diariamente.” “Diariamente estendi as minhas mãos.” Pecador, Deus não o chamou uma vez para ir e então deixá-lo só, mas todos os dias tem estado com você! Todos os dias a consciência fala com você. Todos os dias a providência o adverte e todo dia do Senhor a palavra de Deus o corteja! Oh, quantas contas alguns de vocês terão de prestar no tribunal de Deus! Não posso agora entender o seu caráter, mas sei que alguns julgamentos serão terríveis no final. Deus tem cortejado você durante todo o dia. Desde o seu primeiro amanhecer, ele o corteja através de sua mãe e ela costumava a juntar suas mãozinhas e ensiná-lo a dizer:

 “Gentil Jesus, manso e humilde
Olhe para esta criancinha,
Compadeça-se da minha singeleza
Permita-me correr para o Senhor.”

E durante sua infância Deus ainda estava estendendo as mãos em sua direção! Como sua professora da escola dominical empenhou-se em trazê-lo ao Salvador! Quão frequentemente seu jovem coração foi influenciado. No entanto, você deixou tudo isto de lado a ainda permanece intocado! Quantas vezes sua mãe lhe falou e seu pai o advertiu? E você se esqueceu das orações em seu quarto quando estava doente, quando sua mãe beijava sua testa queimando de febre, ajoelhava-se e pedia a Deus que poupasse sua vida e então orava mais: “Senhor, salve a alma do meu menino!” Lembre-se da Bíblia que ela te deu quando você começou seu aprendizado e a oração que escreveu naquela capa amarela. Quando ela o presenteou, talvez você não o soubesse, mas deve saber agora o quanto ela desejou seu novo nascimento em Cristo Jesus! Como ela o acompanhou com suas orações e como ela suplicou ao Deus dela por você! E com certeza você ainda não se esqueceu de quantos domingos e sermões desperdiçou e quantas vezes foi avisado! Todo ano escutava pelo menos 104 sermões e alguns de vocês mais, e ainda permanecem como sempre foram!

Porém pecadores, escutar pregações é algo terrível a não ser que abençoe suas almas. Se Deus continua estendendo Sua mão todos os dias, durante todo o dia, será difícil quando você for justamente condenado não somente por suas brechas na Lei, mas por sua rejeição voluntária ao Evangelho! É provável que o Senhor continue estendendo Suas mãos até que seus cabelos fiquem grisalhos, ainda convidando-o continuamente – e talvez quando estiver beirando a morte Ele ainda dirá: “Vinde a mim, vinde a mim.” Se porém você ainda insistir em endurecer seu coração, se ainda rejeitar Jesus, eu imploro-lhe que não permita que nada o faça imaginar que continuará sem punição! Oh, eu tremo algumas vezes quando penso naquela classe de ministros os quais dizem aos pecadores que não são culpados por não buscarem o Salvador! Como serão considerados inocentes no Grande Dia do Senhor, eu não sei. Parece-me algo terrível o fato destes pastores estarem embalando pobres almas no sono enganoso por dizer-lhes que não é sua obrigação buscar a Cristo e arrepender-se – mas que podem comportar-se como desejarem a este respeito e quando perecerem não terão culpa a mais por terem ouvido a Palavra. Meu Mestre não disse isto! Lembre-se como Ele disse: “E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje. Eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti.” Jesus não falou assim quando se dirigiu à Corazim e Betsaida – Ele afirmou: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza. E, contudo, vos digo: no Dia do Juízo, haverá menos rigor para Tiro e Sidom do que para vós outras.” Não era como Paulo pregava. Ele não afirmava que não havia culpa em desprezar a cruz. Escute uma vez mais as palavras do apóstolo: “Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram.”

Pecador, no Grande Dia do Senhor você deverá prestar contas por cada advertência que recebeu, por cada vez que leu a Bíblia, sim, e por cada vez que negligenciou sua leitura; por cada domingo quando a casa de Deus estava aberta e você negligenciou tirar proveito da oportunidade de ouvir a palavra de Deus e por cada vez que a ouviu e não a escutou! Vocês que são ouvintes desatentos estão jogando lenha na sua própria fogueira eterna! Vocês que ouvem e se esquecem imediatamente, ou ouvem de maneira frívola, estão cavando sua própria cova! Lembrem-se, só você será culpado por sua própria condenação no Último Grande Dia, ninguém mais. Deus não será responsável. “Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus – e este é um grande juramento – não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva.” Deus tem feito muito por você! Ele enviou-lhe Seu Evangelho! Você não nasceu numa terra pagã. Ele lhe deu o Livro dos Livros e uma consciência iluminada. Se você perecer ao som do ministério, perecerá de maneira mais temerosa e terrível do que se estivesse em qualquer outro lugar!

Esta doutrina é tão bíblica quanto a outra. Você me pede para conciliar as duas. Respondo que elas não precisam de conciliação! Nunca tentei fazê-lo para mim mesmo por que nunca pude ver alguma discrepância. A discussão envolve ninharias, picuinhas, não posso responder nada. Ambas são genuínas! Não existem duas verdades inconsistentes entre si e o que podemos fazer é crer nas duas. Na primeira, o santo faz a maior parte. Deixe-o louvar a livre e soberana graça de Deus e abençoar Seu nome! Na segunda, o pecador faz a maior parte. Oh pecador, humilhe-se sob a poderosa mão do Senhor! Pense o quanto Ele tem demonstrado Seu amor por você convidando-o a voltar-se para Ele. Pense o quanto você tem desprezado Sua palavra e rejeitado Sua misericórdia! Pense como tem ignorado cada convite e seguido seu caminho de rebelião contra o Deus de amor e quantas vezes tem transgredido os mandamentos Daquele que o amou.

Como concluirei então? Minha primeira exortação será para os cristãos. Queridos amigos, rogo-lhes que não se rendam a nenhum sistema de fé à parte da Palavra de Deus. A Bíblia, e somente a Bíblia, é a religião dos protestantes. Sou o sucessor do grande e venerado Dr. Gill, cuja teologia é quase universalmente recebida entre as igrejas calvinistas mais maduras. Mas embora eu venere sua memória e creia nos seus ensinamentos, ele ainda não é meu Mestre. O que você encontra nas escrituras é para acreditar e receber! Nunca tema uma doutrina e, acima de tudo, nunca tema um nome. Alguém comentou comigo outro dia que achava que a verdade de Deus encontra-se em algum lugar entre estes dois extremos. Foi correta sua intenção, mas creio que ele estava errado. Não acredito que a verdade de Deus esteja entre dois extremos, mas nos dois! Quando se trata de pregar a salvação, creio que quanto mais profundo o homem possa ir, melhor. A razão pela qual alguém é salvo é Graça, Graça, Graça! E neste ponto, quanto mais minúcias, melhor. Mas quando a questão é porque o homem está condenado, então o Arminianismo está muito mais certo que o Antinomianismo. Não me importo com denominações ou partidos – e sou tão profundo quanto Willian Huntingdon[3] quando se trata da salvação – mas me pergunte sobre condenação e lhe darei uma resposta bem diferente. Não peço aplauso pela graça de Deus. Prego a Bíblia como ela é. Erramos quando o Calvinista começa a interferir na questão da condenação e interfere na justiça de Deus – ou quando o Arminiano nega a Doutrina da Graça.

Minha segunda exortação é: Pecadores, peço a cada pessoa não convertida e ímpia nesta manhã que repudie qualquer forma e estilo de desculpa que o diabo possa incutir em vocês a respeito de sua inconversibilidade. Lembrem-se que nenhum ensino no mundo pode desculpá-los de serem inimigos de Deus por praticarem o que é mau. Quando clamamos por sua reconciliação com o Senhor é porque sabemos que nunca estarão em seu próprio lugar até que isto aconteça. O Senhor Deus os fez. É certo que vocês o desobedeçam? Ele os alimenta todos os dias. Como pode sua insistente insubordinação estar correta? Lembrem-se: quando os céus estiverem em chamas, quando Cristo voltar para julgar o mundo com justiça e seu povo com equidade, não poderão lançar mão de nenhuma justificativa válida neste Último Grande Dia. Se você tentar argumentar: “Senhor, nunca ouvi a Palavra”, a resposta Dele seria: “Sim, a escutou claramente.” “Mas Senhor, minha vontade era má.” “Por sua boca o condenarei. Você conhecia sua vontade detestável e o condeno por ela. “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz porque as suas obras eram más.” “Mas Senhor”, alguns dirão, “eu não era predestinado.” “O que você tinha com isto? Agiu de acordo com sua vontade quando se rebelou. Não se voltou para Mim e agora o destruirei para sempre. Descumpriu a Minha Lei – sua culpa está sobre sua cabeça.” Se um pecador pudesse dizer no Último Grande Dia; “Senhor, não poderia ter sido salvo de qualquer modo”, seu tormento no inferno seria atenuado por este pensamento. Isto se encaixaria, porém, no mais extremo limite – “Sabia do seu dever e não o cumpriu, pisou em tudo o que era santo, se descuidou do Salvador e como escapará se negligenciar tão grande salvação?”

Então, quanto a mim – alguns de vocês podem ir embora e afirmar que fui antinomiano na primeira parte do sermão e Arminiano no final. Não me importo! Imploro que pesquisem a Bíblia por si mesmos, quanto à Lei e ao Testemunho. Se não falo de acordo com Sua Palavra, é porque não há luz em mim. Prontifico-me a passar pelo teste. Não tenham nada a ver comigo onde não tenho nada a ver com Cristo! Onde me desassocio da palavra de Deus, lancem fora minhas palavras – mas se o que digo é ensinamento de Deus, incumbo-lhes, por Aquele que me enviou, de considerar estas coisas e de voltar-se para o Senhor com todo seu coração.


[1] seu Livro sobre a liberdade da vontade: provável referência ao artigo X dos 39 Artigos da Religião da Igreja da Inglaterra, sobre o livre arbítrio (Confira https://www.dropbox.com/s/nwakukcizywv6ac/artigos.pdf)

[2] Doutrina Alta, Doutrina Baixa: referência a consideração dos mistérios de Deus “altos” e daquilo que é comum “baixo” (nota do revisor)

[3] William Huntington (2 de fevereiro de 1745 – 1 de Julho de 1813) foi um pregador inglês conhecido por pregar que a ”lei moral” era desnecessária. Huntington foi um calvinista crente na dupla predestinação. (Wikipédia)

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ORE PARA QUE O ESPIRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA TRAZER UM CONHECIMENTO SALFÍVICO DE JESUS CRISTO E PARA EDIFICAÇÃO DA IGREJA

FONTE: Traduzido de http://www.spurgeongems.org/vols4-6/chs207.pdf
Todo direito de tradução protegido por lei internacional

Sermão nº 207 — Volume 2 do The New Park Street Pulpit,

Tradução: Adriana Braga Misiara Silva Rodrigues
Revisão: Armando Marcos
Capa: Victor Silva

Projeto Spurgeon – Proclamando a Cristo crucificado.

Projeto de tradução de sermões, devocionais e livros do pregador batista reformado Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) para glória de Deus em Cristo Jesus, pelo poder do Espírito Santo, para edificação da Igreja e salvação e conversão de incrédulos de seus pecados.

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Acidentes, não castigos (Charles Spurgeon)


No. 408

Um sermão pregado no Domingo, 8 de setembro de 1861

Por Charles Haddon Spurgeon

No Tabernáculo Metropolitano, Newington, Londres.

 

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“E, naquele mesmo tempo, estavam presentes ali alguns que lhe falavam dos galileus, cujo sangue Pilatos misturara com os seus sacrifícios. E, respondendo Jesus, disse-lhes: Cuidais vós que esses galileus foram mais pecadores do que todos os galileus, por terem padecido tais coisas? Não, vos digo; antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis. E aqueles dezoito, sobre os quais caiu a torre de Siloé e os matou, cuidais que foram mais culpados do que todos quantos homens habitam em Jerusalém? Não, vos digo; antes, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.” Lucas 13:1-5

O ano de 1861 será notório entre seus companheiros por ser um ano marcado por calamidades. Justo na época quando o homem sai para receber o fruto de seus labores, quando a colheita da terra está madura e os celeiros começam a se encher, cheios de trigo novo, a Morte também, essa poderosa segadora, saiu para cortar sua própria colheita – feixes completos foram recolhidos em seu celeiro: a tumba. Terríveis foram os lamentos que formam o hino da colheita da morte.

Ao ler os jornais nessas ultimas semanas, até mesmo as pessoas mais impassíveis experimentaram sentimentos muito dolorosos. Não só ocorreram calamidades tão alarmantes que só de lembrar gelam o sangue, mas também as colunas dos periódicos foram dedicadas a certas calamidades de menor nível de horror, mas que, somadas todas, são suficientes para encher a mente de terror pela tremenda quantidade de mortes inesperadas que recentemente corresponderam aos filhos dos homens.

Não somente temos tido acidentes a cada dia da semana, mas sim até dois ou três – não fomos simplesmente aturdidos pelo alarmante ruído de um terrível estrondo, mas com outro, outro, outro e outro, que seguiram suas pisadas, como os amigos de Jó, até que tenhamos tido necessidade da paciência e da resignação de Jó para escutar a terrível narrativa dessas calamidades. Agora, homens e irmãos, coisas como essas ocorreram sempre em todas as épocas do mundo. Não pensem que isso é algo novo – não considerem, como alguns o fazem, que isso é o produto de uma civilização excessiva, ou resultado dessa descoberta moderna tão maravilhosa como é o vapor. Se jamais se tivesse conhecido a máquina a vapor, e se jamais tivesse sido construído uma ferroviária, de todas as formas teriam ocorrido mortes inesperadas e acidentes terríveis.

Ao revisar os velhos arquivos nos que nossos antepassados registraram os acidentes e as calamidades de seus dias, encontramos que a antiga diligência ofereceu à morte uma presa tão custosa como o trem que roda ferozmente o fez; existiam então tantas portas para o Hades como as que existem hoje – caminhos tão empinados e íngremes que conduziam para a morte que eram transitados por uma multidão tão vasta como em nossa época; por acaso vocês duvidam disso?

Peço a todos que nos dirijamos ao capítulo treze de Lucas. Lembrem-se desses dezoito sobre os quais a torre de Siloé caiu. E dai se nenhuma colisão os tivesse esmagado?[1] Ou que se não tivessem sido destruídos pelo ingovernável cavalo de ferro que os arrastou para água desde um aterro?[2] No entanto, alguma torre mal construída, ou alguma parede golpeada pela tempestade poderia ter caído sobre dezoito de uma vez, e eles teriam perecido igualmente.

Ou, pior que isso, um governante déspota, levando as vidas dos homens penduradas em seu cinto como se fossem as chaves de seu palácio, poderia ter caído subitamente sobre os que estavam adorando no próprio templo, e poderia ter misturado o sangue deles com o sangue dos bezerros que nesse momento estavam sendo sacrificados ao Deus do céu. Não pensem, então, que essa é uma época na que Deus está tratando mais duramente com nós do que antes. Não pensem que a providência de Deus se tem voltado mais dura do que antes: sempre ocorreram mortes inesperadas, e sempre haverá delas – sempre tem ocorrido estações onde os lobos da morte tem caçado em manadas famintas, e provavelmente, até o fim dessa dispensação, o último inimigo terá seu festival periódico e satisfará os vermes com carne humana.

Portanto, não estejam abatidos pelas mortes inesperadas, nem tampouco estejam perturbados com essas calamidades. Continuem com suas atividades normais, e se seus chamados os levam a cruzar o campo da própria morte, o façam, e façam corajosamente. Deus não soltou as rédeas do mundo, não tirou Sua mão do timão do grande barco, ainda:

“Ele em todas as partes possui império,

e todas as coisas servem a Seu propósito;

Cada ato Seu é pura benção,

Seu caminho é luz sem mancha.”

Só aprendam a confiar Nele, e vocês não terão nenhum temor à morte inesperada; “A sua alma pousará no bem, e a sua semente herdará a terra.” (Salmo 25:13)

O tema particular dessa manhã, no entanto, é esse: o uso que devemos encontrar para esses terríveis textos que Deus está escrevendo com letras maiúsculas na história do mundo. Deus falou uma vez, sim, duas vezes; que não se diga que o homem não prestou atenção. Temos visto um vislumbre do poder de Deus, contemplamos alguma coisa da rapidez com que Ele pode destruir nossos concidadãos. “Presta atenção ao castigo e a quem o estabelece;” e ao prestar atenção, façamos duas coisas.

Primeiro, não sejamos tão insensatos para tirar a conclusão a que chegam as pessoas supersticiosas e ignorantes; essa conclusão que está sugerida no texto, quer dizer, que os que são destruídos por meio de acidentes, são pecadores que estão acima de todos os pecadores que habitam o lugar. E, em segundo lugar, cheguemos à conclusão apropriada e correta; façamos um uso prático de todos esses eventos para nossa própria melhoria pessoal: escutemos a voz do Salvador que diz: “se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.”

I. Primeiro, então, TENHAMOS MUITO CUIDADO DE NÃO CONCLUIR APRESSADAMENTE E IRREFLETIDAMENTE SOBRE ESSES TERRIVEIS ACIDENTES: QUE OS QUE OS SOFREM, OS SOFREM POR CULPA DE SEUS PECADOS.

É dito de maneira mais absurda que os que viajam no primeiro Dia de Descanso, e sofrem um acidente, devem considerar esse acidente como um juízo de Deus sobre eles, devido a estarem violando o dia de adoração cristão. É dito, ainda por parte de ministros piedosos, que essa ultima colisão deplorável dos trens deve ser considerada uma notável visitação e sumariamente maravilhosa da ira de Deus contra esses infelizes que por casualidade encontravam-se no túnel Clayton.

Porem, eu apresento meu protesto mais enérgico contra uma conclusão assim, não só em meu nome, mas também em nome Daquele que é o Senhor do cristão e Mestre do cristão. Eu pergunto sobre essas pessoas que foram esmagadas nesse túnel, vocês pensam que elas era maiores pecadoras do que todos os pecadores? “Não, se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.”, ou os que morreram na segunda feira passada, vocês imaginam que eles eram maiores pecadores que todos os pecadores que estavam em Londres?[3] “Se não vos arrependerdes, todos de igual modo perecereis.”

Agora, fixem bem, eu não negaria que existem ocasiões em que houve juízos de Deus sobre pessoas particulares devido a seus pecados; algumas vezes, e eu penso que muito raramente, tais coisas ocorreram. Alguns de nós ouvimos, em nossa própria experiência, que certos homens blasfemaram a Deus e o desafiaram a que os destruísse, e depois morreram repentinamente – e em tais casos, o castigo seguiu tão rapidamente à blasfêmia que era impossível não ver a mão de Deus nele. O homem havia perdido perversamente o juízo de Deus, e sua oração foi atendida, e logo veio o juízo.

E alem de toda dúvida, existe o que se pode descobrir como juízos naturais. Vocês veem a um homem vestindo farrapos, pobre, sem casa; foi um libertino, um bêbado, perdeu seu caráter, e isso não é senão o justo juízo de Deus sobre esse homem, que esteja morrendo de fome e que seja um proscrito dos homens. Vocês podem ver nos hospitais repugnantes exemplos de homens e mulheres que estão terrivelmente enfermos. Que Deus não queira que, em tais casos, nós neguemos que existe um juízo de Deus sobre essas concupiscências ímpias e licenciosas.

E o mesmo pode se disser de muitos casos onde existe um vínculo tão claro entre o pecado e o castigo que até os homens mais cegos podem discernir que Deus converteu a Miséria na filha do Pecado. Porem, em casos de acidente, tal como esses a que me refiro, e em casos de morte repentina e instantânea, repito, eu apresento meu mais sincero protesto contra essa insensata e ridícula ideia que os que perecem dessa forma são mais pecadores que todos os pecadores que sobrevivem sem sofrer dano algum.

Simplesmente permitam-me raciocinar esse assunto com o povo cristão – pois há alguns cristãos sem maior iluminação que se sentirão horrorizados pelo que eu disse. E, os que tendem a ser perversos podem sonhar inclusive que eu estou fazendo uma apologia para o quebrantamento do dia de adoração. Porem, eu não faço tal coisa. Eu não diminuo a gravidade do pecado; eu só testifico e declaro que os acidentes não devem ser vistos como castigos, pois o castigo não pertence a esse mundo, mas sim ao futuro. A todos aqueles que se apressam em considerar cada calamidade como um juízo, eu quero lhes falar na esperança sincera de corrigir-lhes.

Então, permitam-me começar perguntando, meus amados irmãos, por acaso não enxergam que o que vocês dizem não é certo? E essa é a melhor das razões do porque não devem dizê-lo. Suas próprias experiências e observações não lhes ensinam que um evento ocorre tanto ao justo como ao malvado? É certo que o homem malvado às vezes cai morto na rua – mas o ministro também não caiu morto no púlpito, por acaso? É certo que um iate de prazer, no qual os homens buscavam sua própria felicidade em um dia de domingo, afundou precipitadamente – mas não é igualmente certo que um barco que levava somente homens piedosos, cujo destino era um giro para pregar o Evangelho, não afundou também?

A providência de Deus não tem respeito para com as pessoas: e uma tormenta pode abater-se sobre o barco missionário “John Williams[4] , da mesma forma que pode abater-se sobre outro barco repleto de pecadores desenfreados. Ó, acaso não percebem que a providência de Deus foi de fato, e seus tratos externos, mais dura com os bons do que com os maus? Paulo não disse ao contemplar as misérias dos justos em seus dias: “Se esperamos em Cristo só nesta vida, somos os mais miseráveis de todos os homens.” (1 Coríntios 15:19)

O caminho da justiça frequentemente conduziu os homens ao cavalo selvagem do tormento, da prisão, do patíbulo e para fogueira – enquanto que o caminho do pecado, muitas vezes os levou ao império, ao dominio e à alta estima de seus companheiros. Não é certo que nesse mundo Deus castigue os homens por seu pecado, e os premie por suas boas obras. Não disse Davi: “Vi o ímpio com grande poder espalhar-se como a árvore verde na terra natal? (Salmos 37:35)” E isso deixava o Salmista perplexo durante um tempo, até que foi ao santuário de Deus, e enfim entendeu o fim deles?

Ainda que sua fé lhe assegure que o resultado final da providência trabalhará unicamente para o bem do povo de Deus, no entanto, sua vida, ainda que seja somente uma breve parte do drama divino da história, deve ter-lhe ensinado que a providência não discrimina externamente entre o justo e o ímpio – que o justo perece inesperadamente igual que o ímpio – que a peste não conhece diferenças entre o pecador e o santo – e que a mesma espada da guerra é impiedosa com os filhos de Deus como é com os filhos de Belial.

Quando Deus envia o flagelo, ele mata inesperadamente o inocente da mesma forma que ao perverso e ao insolente. Agora, meus irmãos, se a ideia de vocês de uma providência que castiga e que premia não é certa, por que falam como se ela fosse? E, por que, se não é correta como regra geral, vocês supõem que seja verdadeira nessa instância particular? Demovam essa ideia de suas cabeças, pois o Evangelho de Deus jamais requer que vocês creiam em algo que não é certo.

Porem, em segundo lugar, existe outra razão. A ideia de que sempre que ocorre um acidente devemos considerá-lo como um juízo de Deus, faria que a providência fosse, em vez de um grande abismo, uma poça d’água bem rasa. Pois, qualquer criança pode entender a providência de Deus, se é certo que quando há um acidente ferroviário, é porque as pessoas viajavam em um domingo. Eu posso escolher qualquer menininho da classe mais elementar da escola dominical, e ele me dirá: “sim, eu vejo isso.” Mas então, se a providência é uma coisa assim, se é uma providência que pode ser compreendida, evidentemente não é a ideia de providência da Escritura, pois na Escritura nos é sempre ensinado que a providência de Deus é “um grande abismo”, e mesmo Ezequiel, que possuía a asa do querubim e podia voar muito alto, quando viu as rodas que eram o grande quadro da providência de Deus, só podia dizer que os aros das rodas eram tão altos, tão espantosos e cheios de olhos, de tal forma que lhes era gritado, “roda!

Repito isso para que fique muito claro: se em todos os casos uma calamidade fosse o resultado de algum pecado, então a providência seria algo tão simples como dois mais dois são quatro – seria uma das primeiras lições que uma criancinha poderia aprender. Porem, as Escrituras nos ensinam que a providência é um grande abismo no qual o intelecto humano pode nadar e mergulhar, mas não pode encontrar nem o fundo nem a orla; e se você e eu pretendemos encontrar as razões da providência, e torcer as dispensações de Deus com nossos dedos, só demonstramos nossa insensatez, e não estamos evidenciando que temos começado a entender os caminhos de Deus.

Pois, olhem senhores – suponham por um momento que está acontecendo uma grandiosa representação de uma obra teatral, e que vocês se intrometem na obra e ven a um ator no cenário por um instante, e dizem: “Sim, eu entendo a obra”, que tontos vocês seriam! Acaso não sabem que as grandes transações da providência começaram aproximadamente uns seis mil anos? E vocês vieram a esse mundo faz uns trinta, quarenta anos, e tem visto um ator em cena, e vocês dizem que já entendem a obra. Oras! Vocês não a entendem – apenas começaram a conhecer. Somente Ele conhece o fim desde o principio, somente Ele entende quais são os grandes resultados, e qual é a grandiosa razão pela que o mundo foi feito, e pela qual Ele permite que ocorra tanto o bem como o mal. Não pensem que vocês conhecem os caminhos de Deus; isso equivale a degradar a providência e baixar Deus ao nível dos homens, quando pretendem entender essas calamidades e descobrir os desígnios secretos da sabedoria.

Porem, continuando, vocês não percebem que uma ideia assim animaria o farisaísmo? Essas pessoas que morreram esmagadas, ou queimadas até as cinzas, ou destruídas debaixo das rodas dos vagões do trem, eram piores pecadoras do que nós. Muito bem, então nós devemos ser excelentes pessoas – que excelentes exemplos de virtude! Não fazemos as coisas que elas fazem, e, portanto Deus nos facilita todas as coisas. Na medida em que viajamos, alguns de nós a cada dia da semana, e jamais fomos despedaçados, sobre essa suposição, podemos nos catalogar como os favoritos da Deidade.

Então, não enxergam irmãos, que nossa própria segurança seria um argumento para nos fazer cristãos? Que ós tenhamos viajado em um trem com segurança seria um argumento de que somos regenerados, porem eu jamais li nas Escrituras, “Nós sabemos que passamos da morte para a vida, por que viajamos de Londres a Brigton sem nenhum problema duas vezes ao dia.” Jamais encontrei nenhum versículo que se pareça com isso – e, no entanto, se fosse certo que os piores pecadores sofrem os acidentes, se derivaria supoer como um contraponto natural a essa proposição que os que não sofrem acidentes devem ser pessoas muito boas, e assim que noções farisaicas geramos e nutrimos dessa maneira.

Porem, eu não posso tolerar essa insensatez nem por um instante. Quando contemplo por um momento os pobres corpos mutilados dos que foram sacrificados tão inesperadamente, meus olhos se enchem de lágrimas, mas meu coração não se vangloria, nem meus lábios acusam – longe de mim tal expressão cheia de orgulho: “Deus, lhe dou graças porque não sou como os outros homens.” Não, não, não, esse não é o espírito de Cristo, nem o espírito do cristianismo. Ainda que possamos agradecer a Deus porque somos preservados, no entanto, podemos dizer: “As misericórdias do SENHOR são a causa de não sermos consumidos” (Lamentações 3:22), e devemos atribuir tal fato a Sua graça e unicamente a Sua graça. Porem, não podemos crer que existia algo melhor em nós porque fomos preservados vivos estando a morte tão perto. É somente porque Ele teve misericórdia, sendo muito paciente para conosco, não querendo que pereçamos, mas sim que nos arrependamos, que nos preservou dessa maneira para que não desçamos à tumba, e nos manteve a vida preservando-nos da morte.

Logo, permitam-me comentar que a suposição contra a qual estou contendendo é muito cruel e dura. Pois se esse fosse o caso, que todas as pessoas que assim se encontram com a morte de uma maneira extraordinária e terrível são maiores pecadoras que as demais, isso não seria um duro golpe para os afligidos sobreviventes? E não é pouco generoso da nossa parte consentir nessa ideia, a menos que sejamos forçados a aceitá-la como uma terrível verdade, por razões que não podem ser respondidas?

Agora, eu os desafio a sussurrar ao ouvido da viúva. Vão a sua casa e digam-lhe: “seu esposo era pior pecador que o resto dos homens, por isso morreu.” Vocês não possuem a suficiente brutalidade para isso. Um pequeno bebê inconsciente, que jamais havia pecado, ainda que, sem dúvida, um herdeiro da queda de Adão, é encontrado esmagado em meio dos escombros do acidente. Agora, pensem por um momento, qual seria a infame consequência da suposição que os que pereceram era piores que os outros. Teriam que supor que essa inconsciente criança era pior pecadora que muitos que habitam as guaritas da infâmia e cujas vidas são ainda respeitadas. Não percebem que a coisa é radicalmente falsa?

E talvez eu pudesse mostra-lhes melhor a injustiça disso, lembrando-lhes que um dia isso poderia suceder com vocês. Suponham que lhes caiba encontrarem-se com uma inesperada morte desse tipo; vocês estão anuentes a que se lhes corresponda a condenação sobre essa base? Um incidente assim pode ocorrer na casa de Deus. Permitam-me recordar o que ocorreu uma vez em que estávamos congregados – posso afirmar de coração puro que não nos reunimos com nenhum outro objetivo de não ser o de servir a Deus, e esse ministro não tinha nenhuma meta em ir a esse lugar, exceto o de congregar a muitos que de outra maneira não teriam tido a oportunidade de escutar sua voz. E, no entanto houve funerais como resultado desse esforço santo – pois ainda declaramos que foi um esforço santo, e a benção de Deus o demonstrou. Houve mortes e mortos entre o povo de Deus – quase estou a ponto de dizer que estou contente que foi entre o povo de Deus mais que em outros povos. Um tremendo terror apoderou-se da congregação, e o povo fugiu, e não enxergam que se os acidentes devem ser considerados como juízos, então é uma sã conclusão que nós estávamos pecando ao estar lá. Essa é uma insinuação que nossas consciências categoricamente repudiam.[5]

No entanto, se essa lógica fosse verdadeira, é tão certa contra nós como o é contra outros, e na medida em que vocês repeliriam com indignação a acusação que alguns foram feridos ou golpeados devido ao pecado, estando ali no Music Hall para adorar a Deus, o que rejeitam para vocês o rejeitem para outros, e não querem ser parte da acusação que é apresentada em contra os que foram destruídos durante as ultimas duas semanas, que pereceram por causa de qualquer grande pecado.

Aqui eu antecipo o clamor de pessoas prudentes e zelosas que temem pela arca de Deus, e a querem tocar com a mão e Uzá. “Bem,” dirá algum, “mas nós não devemos falar assim, pois é uma superstição muito útil, pois haveria muitas pessoas que já não viajariam nos domingos devido ao acidente, e, portanto, devemos dizer-lhes, que os que pereceram, pereceram devido que viajaram no domingo.”

Irmãos, eu não diria uma mentira para salvar uma alma, e isso seria dizer mentiras, pois não é verdade. Eu faria qualquer coisa para interromper o trabalho aos domingos e o pecado, mas não forjaria uma falsidade, ainda mesmo para conseguir isso. Essas pessoas poderiam ter falecido na segunda-feira igual como no domingo. Deus não dá uma imunidade especial a algum dia da semana, e os acidentes podem ocorrer em qualquer momento, e é somente uma fraude piedosa quando buscamos jogar assim com a superstição dos homens por causa de Cristo.

O sacerdote da Igreja Católica Romana pode consistentemente usar um argumento assim, porem, um cristão honesto que crê que a religião de Cristo pode cuidar-se a si mesma sem necessidade de falar falsidades, desdenha fazer isso. Esses homens não pereceram porque viajaram num domingo. Que sirva de testemunha o fato de que outros pereceram em uma segunda-feira quando andavam em missão de misericórdia.

Eu não sei por que razão ou por que motivo Deus enviou o acidente. Deus não queira que ofereçamos nossas próprias razões quando Ele não deu Sua razão, mas não nos é permitido converter a superstição dos homens em um instrumento para avançar a glória de Deus. Vocês sabem que entre os protestantes existem muitos fanatismos papais. Conheço pessoas que aprovam o batismo infantil argumentando: “Bem, ele não faz dano nenhum, e existem muitas boas intenções nele, e pode fazer muito bem, e ainda a confirmação pode resultar de benção para algumas pessoas, portanto não falemos contra isso.

A mim não corresponde se esse tema faz dano ou não, tudo o que me importa é se é correto, se é Escriturístico, se é verdadeiro, e se a verdade é prejudicada, que é uma suposição que não podemos aceitar de nenhuma maneira, esse prejuízo não estará em nossa porta. Não temos outro dever que dizer a verdade, ainda que os céus caiam sobre nós. Repito, qualquer avanço do Evangelho que se deva à superstição dos homens, é um avanço falso, e logo se voltará contra as pessoas que usam dessa arma não consagrada.

Nos possuímos uma religião que apela ao juízo do homem e ao sentido comum, e quando não podemos avançar com isso, eu não aceito que devamos prosseguir utilizando outros métodos – e, irmãos, se existe alguma pessoa que queira endurecer seu coração e dizer: “pois bem, eu estou tão certo em um dia como em qualquer outro dia,” o que é muito certo, eu devo responder-lhe: “o pecado de que faça tal uso como o que faz de uma verdade deve jazer a sua porta, não na minha – porem, se eu pudesse evitar que você viole o dia do descanso cristão, colocando diante de você uma supersticiosa hipótese, não o faria, pois parece-me que ainda que consiga lhe manter afastado desse pecado por um pouco de tempo, logo você se converteria demasiadamente inteligente para ser enganado por mim, e logo chegaria a considerar-me como um sacerdote que brincou com seus temores em vez de apelar a seu juízo.”

Oh, já é tempo que saibamos que nosso cristianismo não é uma coisa débil e temerosa, que apela aos pequenos temores supersticiosos de mentes ignorantes. É a algo valente, que ama a luz, e que não precisa de fraudes ‘santas’ para sua defesa. Sim, crítico! Foca sua lanterna em nós, e que brilhe em nossos próprios olhos; nós não temos medo, a verdade é poderosa e pode prevalecer, e se não pode prevalecer à luz do dia, não temos nenhum desejo de que o sol se ponha para dar a verdade uma oportunidade.

Eu creio que brotou muita infidelidade do desejo muito natural de alguns cristãos de se aproveitarem de erros comuns. “Oh”, disseram, “esse erro popular é muito bom, mantém o povo na posição correta – vamos perpetuar esse erro, pois evidentemente faz muito bem.” E logo, quando o erro foi descoberto, os infiéis disseram: “Oh, agora vejam que esses cristãos foram descobertos em seus estratagemas.” Não tenhamos nenhum truque, irmãos – não falemos aos homens como se fossem crianças que podem ser amendrotados por histórias de fantasmas e de bruxas. O fato é que esse não é o tempo de retribuição, e é pior que inútil que nós ensinemos que o é.

E agora, por último – e já irei passar a outro ponto – por acaso vocês não percebem que essa suposição, que não é cristã nem Escriturística, que quando os homens se encontram inesperadamente com a morte é resultado do pecado, rouba do cristão um de seus argumentos mais nobres para a imortalidade da alma? Irmãos, nós afirmamos diariamente, com a Escritura como nossa garantia, que Deus é justo, e na medida em que Ele é justo, deve castigar o pecado e premiar o justo. Manifestadamente Ele não o faz nesse mundo, e um mesmo evento ocorre a ambos: o homem justo é pobre igual que o mal, e morre repentinamente igual que o maior répobro. Muito bem, então, a conclusão é natural e clara, que deve existir um mundo contínuo em que essas coisas serão endireitadas.

Se há um Deus, Ele deve ser justo; e se Ele é justo, Ele deve castigar o pecado; e já que não o faz nesse mundo, deve existir outro estado em que os homens receberão a recompensa de suas obras – e os que semearem para a carne, da carne colherão corrupção, enquanto os que semearem para o Espírito, do Espírito colherão vida eterna. Se fizerem desse mundo o lugar de colheita, vocês terão tirado o aguilhão do pecado.

“Oh,” diz o pecador, “se as aflições que o homem suporta aqui é todo o castigo que terão, vamos pecar com voracidade.” Você responda-lhe: “não – esse não é o mundo do castigo, mas sim o mundo de prova – não é a corte da justiça, mas sim a terra de misericórdia; não é a prisão de terror, mas a casa de paciência;” e lhe terá aberto diante de seus olhos as portas do futuro; terá posto o trono do juízo diante de seus olhos; lhe recordou: “Vinde, benditos,” e “Apartai-vos de mim, malditos;” e assim possui um fundamento mais a razoável e consequentemente mais Bíblico para apelar às suas consciências e corações.

Falei com a intenção de sufocar, na medida do possível, a ideia que está muito propagada entre os ímpios, que nós como cristãos sustentamos que cada calamidade é um juízo divino. Não é assim; nós não pensamos que aqueles dezoito sobre os quais caiu a torre de Siloé eram mais culpados que todos os homens que habitavam em Jerusalém.

II. Agora passamos a nosso segundo ponto. QUE USO, ENTÃO, DEVEMOS FAZER DESSA VOZ DE DEUS QUE É OUVIDA EM MEIO DOS AGUDOS GRITOS E GEMIDOS DOS MORIBUNDOS? Dois usos; primeiro, perguntas, e segundo, uma advertência.

A primeira pergunta que devemos fazer é a seguinte: “Por que não pode acontecer comigo que muito prontamente e inesperadamente eu seja cortado? Tenho eu um contrato de aluguel da minha vida? Tenho algum amparo especial que me garanta que não atravessarei inesperadamente os portais da sepultura? Recebi um título de privilégio de longevidade? Fui coberto com uma armadura tal que sou invulnerável às flechas da morte? Por que não irei eu mesmo morrer?”

A segunda pergunta que deve sugerir é essa: “Não sou um grande pecador como esses que morreram? Não há em mim, sim, em mim mesmo, pecados contra o Senhor meu Deus? Se em pecados visíveis outros me superaram, acaso os pensamentos de meu coração não são malvados? Porventura a mesma lei que os amaldiçoa não amaldiçoa a mim também? Não perseverei em todas as coisas escritas no livro da Lei para que as cumprissem. É tão impossível que eu seja salvo por minhas obras como que eles o sejam. Não estou debaixo da lei, por natureza como eles estão, e pela mesma não estou eu também debaixo de maldição, como eles o estão? Essa pergunta deve ser feita. Em vez de pensar em seus pecados, o que me converteria um orgulhoso, devo pensar em meus próprios pecados, o que me converterá humilde. Em lugar de especular sua culpa, que é assunto que não é de minha responsabilidade, devo voltar meus olhos até meu interior, e considerar minha própria transgressãopela qual devo responder pessoalmente diante do Deus Altíssimo.”

Logo, a seguinte pergunta é: “eu me arrependi de meu pecado? Eu não preciso ficar investigando se eles se arrependeram ou não: eu me arrependi? Posto que eu esteja exposto à mesma calamidade, estou preparado para enfrentá-la? Senti, por meio do poder do convencimento do Espírito Santo, a negridão e a depravação de meu coração? Tenho sido guiado a confessar diante de Deus que eu mereço a Sua ira, e que Seu desagrado, se ele pousar sobre mim, será um justo pago? Odeio o pecado: Aprendi a aborrecê-lo? Apartei-me do pecado, por meio do Espírito Santo, como de um veneno mortal, e busco agora honrar a Cristo meu Senhor: Fui lavado em seu sangue: Reflito sua semelhança? Mostro Seu caráter? Busco viver para Seu louvor? Pois, se não é assim, estou em grave perigo como eles estavam, e posso ser cortado tão depressa e repentinamente, e logo, onde estou? Eu não irei perguntar onde eles estão? E logo, de novo, em vez de estar espiando no futuro destino desses infelizes homens e mulheres, quanto melhor seria nos perguntar sobre nosso destino e de nossa própria situação! –

O que eu sou? minha alma, desperta

E faz uma analise imparcial.”

Estou preparado para morrer? Se as portas do inferno abrem-se agora, eu entraria ali? Se debaixo de mim se abrirem as bocas da morte, estou preparado com confiança para atravessá-las, não temendo o mal, porque Deus está comigo?” Esse é o uso correto que podemos fazer desses acidentes; essa é a maneira mais sábia de aplicar os juízos de Deus a nós mesmos e a nossa própria condição.

Ó senhores, Deus tem falado a cada homem em Londres durante as últimas duas semanas; Ele falou para mim, Ele falou para vocês, homens, mulheres e crianças. A voz de Deus há soado desde o escuro túnel Clayton: falou desde o poente do sol e da deslumbrante fogueira em redor da qual jazem os cadáveres de homens e mulheres, e Ele lhes disse, “Portanto, estai vós também apercebidos; porque virá o Filho do homem à hora que não imaginais. (Lucas 12:40)” Isso está tão dirigido a vocês, que eu espero que os levem a perguntarem-se: “Estou preparado, estou pronto? Estou disposto a enfrentar a meu Juiz e escutar a sentença pronunciada sobre minha alma?”

Quando tenhamos usado a voz de Deus para nos inquirirmos dessa maneira, permitam-me lembrar-lhes que devemos usá-la também como uma advertência. “Todos de igualmente perecereis.” “Não,” dirá alguém, “não igualmente. Não todos seremos esmagados; muitos de nós morreremos em nossas camas. Não todos morreremos queimados; muito de nós fecharemos tranquilamente nossos olhos.” Ai! Porem, o texto diz “todos de igual modo perecereis.” E deixem-me lembrar-lhes que alguns de vocês podem perecer de uma maneira idêntica. Não possuem nenhuma razão para crer que vocês não podem ser cortados inesperadamente, enquanto caminhem pelas ruas. Podem cair mortos enquanto comem; quantos não têm perecido com o cajado da vida em suas mãos! Estarão em sua cama, e sua cama subitamente se converterá em sua tumba. Vocês poderão ser fortes, sãos, robustos e, quer seja por acidente, ou porque a circulação do sangue se detém, serão rapidamente levados diante de seu Deus. Ó, que a morte inesperada seja para vocês glória súbita!

Porem, pode ocorrer a algum de nós que, da mesma maneira surpreendente em que outros morrerem, morreremos assim também. Faz só um pouco de tempo, nos Estados Unidos, um irmão, enquanto pregava a Palavra, entregou seu corpo e seu cargo simultâneamente. Vocês lembram da morte do Dr. Beaumont, quem, enquanto proclamava o Evangelho de Cristo, fechou seus olhos ao mundo. E eu recordo a morte de um ministro nesse pais, que acabava de pronunciar esse verso –

“Pai, eu anelo, eu anseio ver

O lugar de Tua habitação;

Eu quero deixar teus átrios terrenos e fugir

Até Tua casa, meu Deus”

E então agradou a Deus conceder-lhe o desejo de seu coração, e apareceu diante do Rei em Sua beleza. Não poderia uma morte imprevista como essa suceder a vocês e a mim mesmo?

Porem, é muito certo que, quer venha a morte de maneira que venha, existem alguns quantos aspectos na que virá aos justos da mesma maneira como veio aos que sofreram esses acidentes. Em primeiro lugar, virá, com toda certeza. Eles não teriam tido possibilidade de escapar do perseguidor, não importa qual rápido viajassem. Eles não teriam tido a chance de escapar da seta, não importando a que lugar houvessem ido, escondendo-se de casa em casa, quando seu tempo lhes chegou. E nós pereceremos assim.

Com a mesma certeza, tão certo como a morte colocou seu selo sobre os cadáveres que agora estão cobertos de terra, com a mesma certeza porá seu selo sobre nós (a menos que o Senhor venha antes), pois “aos homens está ordenado morrerem uma vez, vindo depois disso o juízo (Hebreus 9:27)” Não existe exoneração nesse caminho; não existe escape por nenhum atalho para nenhum indivíduo; não existe nenhuma ponte sobre o rio; não há nenhum barco em que possamos passar esse Jordão sem molharmos nossos pés.

Para suas geladas profundidades, ó rio, cada um de nós deve descer – em sua fria corrente nosso sangue deve congelar-se – e debaixo de suas espumosas ondas nossa cabeça deve submergir! Nós também devemos morrer com certeza. “Trilhado” você diz, “e cheio de lugares comuns;” e a morte é um lugar comum, mas que só nos ocorre uma vez. Que Deus nos conceda que essa única vez que morreremos possa estar perpétuamente em nossas mentes, até que morramos diariamente, e assim não nos resulte ser um trabalho difícil morrer ao final.

Bem, então, como a morte chega a eles e a nós com certeza, assim virá tanto a eles como a nós poderosa e irresistivelmente. Quando a morte os surpreendeu, que ajuda tiveram então? Um casebre de papelão de uma criança não poderia ser tão facilmente esmagado que esses pesados vagões? O que podiam fazer para ajudarem uns aos outros? Eles iam sentados uns juntos a outros, conversando. Escutou-se um grito, e antes que houvessem gritado segunda vez, foram esmagados e destroçados. O esposo trata de resgatar dos escombros sua esposa, porem as pesadas tábuas de madeira cobriram seu corpo; ao fim só pode encontrar sua pobre cabeça, e ela está morta, e ele senta-se junto a ela embargado pela tristeza, e coloca sua mão em seu rosto, até que se torna frio como uma pedra; e ainda que tenha visto a um e outro que tenha sido resgatado com os ossos quebrados ao meio da massa de escombros, ele têm que deixar o corpo de sua esposa ali.

Ai! Seus filhos ficaram sem mãe, e ele perdeu a companheira de seu coração. Eles não puderam resistir; eles poderiam fazer o que quisessem, porem, tão logo chegou o momento, seguiram adiante, e o resultado foi a morte e ossos quebrados. O mesmo sucederá com vocês e comigo – vocês podem subornar o médico com os honorários mais altos, porem, ele não poderia colocar sangue fresco em suas veias[6] – vocês podem pagar-lhe grandes quantidades de ouro, mas ele não poderia conseguir que o pulso desse outro bramido. Oh, Morte, irresistível conquistadora dos homens, não há ninguém que possa prevalecer contra ti; sua palavra é lei, sua vontade é destino! Assim virá a nós como chegou a eles; virá com poder, e nenhum de nós poderá resistir a ela.

Quando a morte chegou-lhes, veio instantaneamente, sem aceitar demoras. Assim virá a nós. Poderíamos ter um aviso mais antecipado do que eles, porem quando chegue a hora, não haverá forma de adiá-la. Encolha seus pés na cama, ó, patriarca, pois deve morrer e não vai viver! Dá o último beijo em sua esposa, veterano soldado da cruz; coloca suas mãos sobre a cabeça de seus filhos, e dá-lhes a benção do moribundo, pois todas suas orações não podem alargar sua vida, e todas as lágrimas não podem agregar nem uma só gota ao poço seco de seu ser.

Você deve ir, o Senhor demanda por você, e Ele não suporta atrasos. Não, ainda que sua família esteja disposta a sacrificar suas vidas para lhe comprar uma hora de trégua, isso não pode ser. Ainda que uma nação seja entregue em holocausto, um sacrifício voluntário, para dar a seu soberano outra semana adicional a seu reino, não se pode conseguir tal coisa. Ainda que a congregação inteira consinta voluntariamente em recorrer as escuras abóbadas da tumba para salvar a vida de seu pastor, por mais outro ano, não se pode alcançar esse intento. A morte não aceita atraso – e o tempo chegou, e o relógio soou, a areia da ampulheta consumiu-se, e tão certamente como eles morreram quando chegou-lhes seu tempo, no campo, inesperadamente, assim certamente nós devemos morrer.

Logo, novamente, recordemos que a morte chegará a nós como chegou a eles, com terrores. Não com o estrondo de madeiras quebradas, talvez, nem com a escuridão de um túnel, não com o vapor e a fumaça, não com os gritos das mulheres e os gemidos dos moribundos, mas, no entanto, com terrores. Pois se encontrar com a morte, onde quer que seja, se não estamos em Cristo, e se a vara e o cajado do pastor não nos infundem alento, deve ser uma coisa terrível e tremenda.

Sim pecador, com suaves almofadas debaixo de sua cabeça, e o terno braço de sua esposa para o sustentar e uma doce mão para limpar seu frio suor, em seu corpo encontrará que é um terrível trabalho enfrentar o monstro e sentir seu aguilhão, e entrar em seus espantosos domínios. É um terrível trabalho em qualquer instante, mesmo sob as melhores e mais propícias circunstâncias, que um homem morra sem estar preparado.

E agora, eu desejaria enviar-lhes de volta para casa com um pensamento que fique gravado em sua memória: nós somos criaturas moribundas, não criaturas viventes, e logo teremos ido embora. Talvez, estando eu de pé aqui, e falando rudemente dessas coisas misteriosas, logo essa mão se estendera e cerrará minha boca que balbucia com tão gaguejante esforço; o poder supremo, o Rei eterno, venha quando queiras, oh! Porem, nunca venha em uma hora desperdiçada – que me encontre em elevada meditação, cantando hinos a meu grandioso Criador: fazendo obras de misericórdia aos pobres e aos necessitados, ou carregando em meus braços aos pobres e necessitados do rebanho; ou consolando o desconsolado, ou tocando o sonido da trombeta do Evangelho aos ouvidos das almas surdas que estão perecendo.

Então, vem quando Tu queiras; se Tu estás comigo em vida, não temeria encontrar a Ti na morte: mas, ó, que minha alma esteja preparada com seu vestido de bodas, com sua lâmpada preparada e sua luz acesa, pronta para ver a seu Senhor e entrar no gozo de seu Deus!

Almas, vocês conhecem o caminho de salvação; o escutaram frequentemente, porem, ouçam de novo: “O que crê no Senhor Jesus, têm a vida eterna.” “O que crer e for batizado, será salvo; mas o que não crer, será condenado.” “Crê em teu coração e confessa com sua boca.” Que o Espírito Santo lhes dê graça para fazer ambas as coisas, e tendo feito, possam dizer –

“Vêm, morte, com uma congregação celeste,

Para levar a minha alma.”

 

NOTA: Davi Livingstone, o famoso explorador e missionário, levou em seu bolso uma cópia desse sermão, em suas viagens por toda a África. Ele tinha escrito na margem superior da impressão desse sermão o comentário: “Muito bom. D.L” Quando da morte do missionário, essa mesma cópia foi entregue ao próprio Spurgeon, que a guardou durante toda sua vida como um tesouro. Hoje em dia, essa cópia pode ser vista exposta no Spurgeon’s College, em Londres.

ORE PARA QUE O ESPIRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA TRAZER UM CONHECIMENTO SALVÍFICO DE JESUS CRISTO E PARA EDIFICAÇÃO DA IGREJA

FONTE:

Traduzido de http://www.spurgeon.com.mx/sermon408.html

Todo direito de tradução protegido por lei internacional de domínio público e com autorização de Allan Roman.

Sermão nº 408—Volume 7 do Metropolitan Tabernacle Pulpit

ORIGINAL: Accidents, Not Punishments

Tradução: Armando Marcos Pinto

(Fonte)

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A tragédia de Santa Maria (Solano Portela)

A tragédia de Santa Maria está na mente de todos os brasileiros. Mais de 230 mortes – a maioria de jovens, deixando centenas de famílias enlutadas, como consequência do terrível incêndio. O que era uma noite de diversão transformou-se em um rio de lágrimas que transborda por todo o país. Mais uma vez, as últimas viradas de anos têm sido marcada por tragédias. Em janeiro de 2011, avalanches de terra e enchentes ceifaram centenas de vidas, na região serrana do Rio. Em 2008/2009 foram inundações e deslizamentos assoladores em Santa Catarina. Na transição 2009/2010 tivemos também mortes e prejuízos causados pelas águas, no sudeste do Brasil. Naquela ocasião escrevíamos, também, sobre o terremoto no Haiti e choramos com o conseqüente sofrimento chocante e intenso daquele evento que dizimou cerca de 200 mil pessoas. Três anos depois, aquele povo ainda geme com a orfandade, dissolução social, promessas não cumpridas pela “comunidade internacional” e com a extrema e endêmica corrução arraigada naquela terra. Isso porque ainda não nos saiu da memória o Tsunami de 26.12.2004, no Oceano Índico, quando pereceram cerca de 220 mil pessoas, situação recentemente lembrada no filme “O Impossível”.
Enquanto vemos as cenas de dor e tristeza, e avaliamos tudo isso, somos levados às Escrituras para procurar alguma compreensão trazida pelo próprio Deus, para esses desastres. É no meio dessas circunstâncias que decidimos recolocar aqui alguns pensamentos que já foram expressos neste Blog em posts anteriores.
Na ocorrência de tragédias devemos resistir à tentação de procurar respostas que diminuem a bíblica soberania e majestade de Deus, e conseqüentemente não fazem justiça à sua pessoa, ou aquelas que nos colocam com Deus – pontificando um julgamento divino sobre a situação imediata da ocorrência. Tais “explicações”, “conclusões” e “construções” aparentam ser plausíveis, mas revelam-se meramente humanas, pois contrariam a revelação das Escrituras. Esses tipos de respostas sempre aparecem, quando ocorrem desastres; quando diversas vidas são ceifadas e pessoas que estavam entre nós desaparecem, de uma hora para outra. Interpretações estranhas dessas circunstâncias não são novidade e nem têm surgido apenas em nossos dias.
Por exemplo, em novembro de 1755 a cidade de Lisboa foi praticamente arrasada por um grande terremoto. A conclusão emitida por padres jesuítas foi a de que: “Deus julgou e condenou Lisboa, como outrora fizera com Sodoma”. Voltaire (François Marie Arouet), que era um deísta, escreveu em 1756 “Poemas sobre o desastre em Lisboa”. Ali, ele culpa a natureza e a chama de malévola, deixando no ar questionamentos sobre a benevolência de Deus. Jean Jacques Rousseau, respondeu com “Carta sobre a providência”. Nela ele culpa “o homem” como responsável pela tragédia. Ele aponta que, em Lisboa, existiam “20 mil casas de seis ou sete andares” e que o homem “deveria ter construído elas menores e mais dispersas”. Ou seja, procurando “inocentar a Deus e a natureza” ele coloca a agência da tragédia no desatino dos homens, de maneira bem semelhante à que os especialistas contemporâneos e comentaristas da mídia adoram fazer.[1]
Quando do terremoto no Haiti, à semelhança do que ocorreu no Tsunami, alguns depoimentos de pastores, que li, falavam sobre a “mão pesada de Deus, em julgamento”; opinião semelhante à emitida quando do acidente com o avião que transportava o grupo “Mamonas Assassinas”, em 1996. No entanto, nenhuma pessoa tem essa capacidade de julgamento, que reflete apenas orgulho e prepotência.
 Mas outros procuram uma teologia estranha às Escrituras, para “isolar” Deus da regência da história. São os mesmos que, quando da ocorrência do Tsunami e do acidente ocorrido com o Vôo 447 da Air France em junho de 2009, emitiram a seguinte conclusão: “Diante de uma tragédia dessa magnitude, precisamos repensar alguns conceitos teológicos” (veja as excelentes reflexões sobre esse último desastre, no post do Augustus Nicodemus, neste mesmo blog). No entanto, em vez de formularmos nossa teologia pelas experiências, voltemo-nos ao ensinamento do próprio Jesus.
Graças a Deus que temos, em Lucas 13.1-9, instrução pertinente sobre como refletir sobre desastres e tragédias. A primeira tragédia tratada é aquela gerada por homens (Vs 1-3). Certos galileus haviam sido mortos por soldados de Pilatos. A Bíblia diz que “alguns” colocaram-se como críticos e juízes (a resposta de Jesus infere isso); deduziram que aqueles que haviam sofrido violência humana, sangue derramado por armas (um paralelo às situações que vivemos nos nossos dias) seriam mais pecadores do que os demais. No entanto, o ensino ministrado pelas Escrituras é o seguinte: Não vamos nos colocar no lugar de Deus. Não vamos nos concentrar em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas. Jesus, em essência diz: cuidem de si mesmos! Constatem os seus pecados! Arrependam-se!
Mas ele nos traz, também, um segundo tipo de tragédias. Esta que é referida é semelhante, guardadas as proporções, a essas enchentes e deslizamentos, ou ao terremoto do Haiti. São tragédias classificadas como “fatalidades”. Jesus fala da Torre de Siloé. O texto (Vs 4-5) diz que ela desabou, deixando 18 mortos. Jesus sabia que mesmo quando, aos nossos olhos, mortes ocorrem como conseqüência de acidentes, isso não impede que rapidamente exerçamos julgamento; não impede que tentemos nos colocar no lugar de Deus. E Jesus pergunta, sobre os que pereceram: “Acham que eram mais culpados do que todos os demais habitantes da cidade”? O ensino é idêntico: Não se coloquem no lugar de Deus; não se concentrem em um possível juízo ou julgamento sobre as vítimas; cuidem de si mesmos! Constatem a sua culpa! Arrependam-se!
O surpreendente é que Jesus passa a ilustrar o seu ensino com uma parábola (Vs.6-9). Ele fala de uma figueira sem fruto. Aparentemente, a parábola não teria relação com as observações prévias, mas, na realidade, tem. Ela nos ensina que vivemos todos em “tempo emprestado” pela misericórdia divina. O texto nos ensina que:
• Figueiras existem para dar frutos – o homem vinha procurar frutos – essa era sua expectativa natural. Todos nós fomos criados para reconhecer a Deus e dar frutos. Esse é o nosso propósito original.
• Figueiras sem frutos “ocupam inutilmente a terra”. O corte é iminente, e justificado a qualquer momento.
• O escape: É feito um apelo para que se espere um pouco mais, na esperança de que, bem cuidada e adubada, a figueira venha a dar fruto e escape do corte.
• Lições para o vizinho? Jesus não apresenta a figueira como um paralelo para fazermos uma comparação com outras pessoas – cujas existências foram ceifadas como vítimas de violência ou fatalidades. Ele quer que nos concentremos em nós mesmos, em nossas próprias vidas, pecados e na necessidade de arrependimento.
• Tempo emprestado: O que ele está ensinando e ilustrando, aqui, é que nós, você e eu, como os habitantes de Santa Maria, as vítimas do Tsunami, na Ásia, ou os habitantes do Haiti, vivemos em tempo emprestado; vivemos pela misericórdia de Deus; vivemos com o propósito de frutificar, de agradar o nosso proprietário e criador.

Creio que a conclusão desse ensino, é que, conscientes da soberania de Deus e de que ele sabe o que deve ser feito, não devemos insistir em procurar grandes explicações para as tragédias e fatalidades. Jesus nos ensina que teremos aflições neste mundo (João 1.33) – essa é a norma de uma criação que geme na expectativa da redenção. 1 Pe 4.19 fala dos que sofrem segundo a vontade de Deus. Lemos que não devemos ousar penetrar nos propósitos insondáveis de Deus; não devemos “estranhar” até o “fogo ardente” (1 Pe 4.12).

Assim, as tragédias, desde as locais pessoais até as gigantescas, de características nacionais e internacionais, são lembretes da nossa fragilidade; de que a nossa vida é como vapor; de que devemos nos arrepender dos nossos pecados; de que devemos viver para dar frutos.
Também, não cometamos o erro de diminuir a pessoa de Deus, indicando que ele está ausente, isolado, impotente. Como tantas vezes já dissemos, “Deus continua no controle”. Lembremos-nos de Tiago 4.12: “um só é legislador e juiz – aquele que pode salvar e fazer perecer”. Não sigamos, portanto, nossas “intuições”, no nosso exame dos acontecimentos, mas a Palavra de Deus. Como nos instrui 1 Pe 4.11: “ se alguém falar, fale segundo os oráculos de Deus”.
Em adição a tudo isso, não podemos cometer o erro de ser insensíveis às tragédias – Pv 17.5 diz: “o que se alegra na calamidade, não ficará impune”; mesmo perplexos, sabendo que não somos juízes nem videntes. Devemos nos solidarizar com as vítimas, na medida do possível e atravessar portas de contato e transmissão das boas novas divinas àqueles que Deus venha, porventura, colocar em nosso caminho.
 [1] Folha de S. Paulo 28/12/2004; Jornal do Commércio – Recife – 2/1/2005, de onde foram extraídas as citações desse trecho.
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Adaptado de estudos e sermões proferidos em 2005, e de POST de janeiro de 2010
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