Como Romanos 1 ilustra o ensino dado por Paulo em 1Tessalonicenses 5
Em Atos dos Apóstolos, Lucas afirma que, em seu Evangelho, ele relatara “tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar” (1.1). Lucas está dizendo que o Senhor era caracterizado por equilíbrio – não havia contradição entre Seus atos e Suas palavras. O Senhor manifestou harmonia entre vida e ensino – ambos eram claramente sujeitos à vontade e ao propósito de Deus.
Olhando para os escritos do apóstolo Paulo desse ponto de vista, podemos ver esse princípio aplicado a suas atividades pessoais em oração. Em 1Tessalonicenses 5 temos um exemplo do ensino de Paulo sobre oração, e, comparando-o com Romanos 1, veremos o equilíbrio do apóstolo, que é o que o Senhor exige de nós. Também podemos aprender um pouco sobre a importância de oração individual e particular.
A prioridade em oração (Rm 1.8)
“Primeiramente, dou graças a meu Deus”. Pare por alguns minutos e examine os capítulos iniciais das epístolas de Paulo, e veja o tamanho de sua lista de oração. Ele menciona o assunto nos versículos iniciais de seus escritos a cada cristão ou grupo de cristãos. Obviamente, colocar os santos perante o trono da graça era de suma importância para o apóstolo.
O louvor em oração (Rm 1.8)
“Dou graças a meu Deus”. Onde é que o louvor aparece em nossas orações? Paulo sempre começava suas orações com louvor, embora houvesse algumas igrejas a que escreveu em que não deve ter sido fácil achar alguma coisa digna de louvor. Lembrando que cada igreja é uma obra de Deus, Paulo oferece louvor a Deus por elas – aqui é “a vossa fé” que é “anunciada em todo o mundo”. Quaisquer que fossem os problemas, Paulo é capaz de mencionar o testemunho que aqueles cristãos tinham em todo o mundo, como um povo que tinha uma fé viva.
Note também que Paulo diz: “Dou graças o meu Deus […] acerca de vós todos”. Mesmo depois das críticas e dos ataques pessoais que sofrera por parte dos coríntios, Paulo podia escrever: “O meu amor seja com todos vós, em Cristo Jesus” (1Co 16.24). Podemos expandir nosso coração por meio da oração, e corremos o risco de estreitá-lo se formos seletivos em oração.
Tendo isso como pano de fundo, podemos ler 1Tessalonicenses 5.18: “ Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus”. É evidente, como podemos ver de Romanos 1, que Paulo não pediu de outros o que ele mesmo não estava pronto a praticar. Ele aprendeu sobre a vontade de Deus ao dar graças, e procurava ensinar aos outros a importância disso.
As pessoas da oração (Rm 1.8)
“Dou graças ao meu Deus por Jesus Cristo”. Vemos aqui que a oração é feita por intermédio de Jesus Cristo e dirigida a Deus. Note a expressão que Paulo usa: “meu Deus”. É bom lembrar que ele usa as mesmas palavras em 1Coríntios 1.4, Filipenses 1.3 e Filemon 4. Há certa intimidade nesse relacionamento. Paulo transmite a idéia de que comunhão com Deus em oração é um acontecimento tão freqüente e regular que justifica o uso de palavras que indicam a natureza pessoal do relacionamento. Deus é seu Deus. Paulo sente a proximidade da comunhão que tem com Deus por meio da oração. Embora as palavras exatas de suas orações não sejam conhecidas, ele pôde confiantemente dizer que Deus era testemunha do espírito e da constância de suas orações. Paulo poderia ter ecoado os sentimentos do escritor do hino: “Que privilégio levar tudo a Deus em oração”.
Em segundo lugar, podemos enfatizar a obra intercessora de Cristo. Ela nos assegura que nossas orações são aceitas, pois são oferecidas em Seu nome e por intermédio de Sua posição intercessora. O escritor de Hebreus, ao nos assegurar que “temos um grande sumo sacerdote”, nos convida: “Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (4.16). Sabemos que Deus compreende nossa estrutura, que Ele se comove com nossas enfermidades.
As perspectivas em oração (Rm 1.9)
“De como incessantemente faço menção de vós […] em minhas orações”. Paulo era um homem de hábitos contínuos e cuidadosos. Repare que ele está descrevendo suas próprias orações: “Eu faço menção” e “em minhas orações”. Suas orações pelos cristãos de Roma eram incessantes. Ao lermos os versículos iniciais das outras epístolas, encontramos o mesmo pensamento. Que testemunho da vida de oração do apóstolo! Como que para autenticar a verdade do que afirma, ele enfatiza: “Deus […] me é testemunha”. Embora Paulo estivesse descrevendo o que acontecia no lugar secreto de oração, não há como duvidar do peso de seu coração. Assim como fora responsável por pregar o evangelho e estabelecer o testemunho [de Deus em vários lugares], ele orava sinceramente pela subsistência e pela proteção desse testemunho.
Que valor isso dá ao ensino de Paulo aos tessalonicenses: “Orai sem cessar” (1Ts 5.7). Ele está ensinando a importância da oração na vida dos cristãos. É a comunhão e a coparticipação que nos sustentam nesse mundo. Como ele diz em Filipenses 4.6: “Não estejais inquietos por coisa alguma; antes, as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus, pela oração e súplica, com ação de graças”. Além disso, Paulo está também ensinando a importância de tais orações por outros cristãos. Quantos, do povo de Deus, têm sido amparados em tempos difíceis e penosos pelas orações contínuas do povo do Senhor! Parece que foi o que ocorreu com Paulo, como ele diz no verso 25: “Irmãos, orai por nós”. Por essa razão, ele diz: “Orando em todo tempo com toda oração e súplica no Espírito e vigiando nisso com toda perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6.18).
Propósito em oração (Rm 1.10)
“Pedindo sempre […]”. Seu desejo era, pela vontade de Deus, visitar os irmãos em Roma. Ele almejava vê-los, e almejava fortalecê-los na fé. Este era o objetivo do ministério de Paulo: edificar e, assim, estabelecer o testemunho do povo do Senhor. Era esse o resultado pelo qual ele orou aqui. Mas vamos notar que a ênfase de sua oração não está em seu desejo, mas na “vontade de Deus”. Para que essa visita acontecesse, ele reconhece que é necessário ser da vontade de Deus.
Não importa quão constantes sejam nossas orações; acima de tudo, elas precisam estar de acordo com o propósito e a vontade de Deus.
“Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (Ef 3.1).
“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (4.1).
“Sofro trabalhos e até prisões, como um malfeitor; mas a palavra de Deus não está presa” (2Tm 2.9).
“Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes participa das aflições do evangelho segundo o poder de Deus” (2Tm 1.8).
Há um sentido muito real em que o apóstolo Paulo, em sua pessoa e experiência, foi uma corporificação da história da Igreja nesta era. Na verdade, parece ser um princípio na economia divina que aqueles a quem uma revelação foi confiada devem tê-la tão trabalhada em seu próprio ser e em sua história que sejam capazes de dizer: “Eu sou um sinal para vocês”. Ao considerar os trechos citados, vemos que o fim da vida de Paulo experimentou um processo de estreitamento e limitação operando por meio de “uma grande apostasia”, por um lado, e um confinamento do geral para o específico, em que ele, Paulo, representou o testemunho do outro. Isso é precisamente o que está predito quanto às condições relativas ao “fim”, e não é sem importância que seja especialmente mencionado nas declarações proféticas a Timóteo, na carta final. Desse modo, a ocorrência da expressão “o prisioneiro do [no] Senhor” nos últimos escritos é profética em seu significado, e maravilhosamente explicativa da forma final da soberania do Senhor.
O que temos aqui, então, é
1. O instrumento do testemunho do Senhor em um lugar de limitação, pela vontade de Deus.
Ao lermos o registro dos incidentes que levaram Paulo a Roma como prisioneiro – especialmente quando lemos as palavras de Agripa: “Bem podia soltar-se este homem, se não houvera apelado para César” (At 26.32) –, não podemos deixar de sentir que houve erros e acidentes, mas para os quais poderia ter havido um resultado muito mais propício, e o ministério geral do apóstolo poderia ter-se estendido. Pode ter havido momentos de estresse, quando o próprio Paulo foi tentado a se perguntar se não tinha sido impulsivo ao apelar ao imperador. Mas, conforme avançava, e quando o Senhor falou com ele, ocasionalmente, dando-lhe luz, ficou claro que, apesar da coisa ter sido humanamente realizada, havia o governo soberano de Deus em tudo e que ele estava na prisão, não como prisioneiro do imperador, mas como o prisioneiro no Senhor.
Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.
Talvez Paulo não tenha aceito isso tudo de uma vez. Possivelmente ele não tenha percebido como isso iria operar. Um julgamento e uma libertação mais ou menos rápidas podiam ter estado em sua mente. Alguma esperança de um ministério posterior entre os amados santos parece não estar ausente de sua correspondência. (Provavelmente, havia decorrido um curto período desde a libertação da primeira prisão.) Por fim, no entanto, ele aceitou totalmente que estava se tornando cada vez mais claro como o caminho do Senhor, e cresceu nele a certeza de que esse caminho estava de acordo com os maiores interesses do Corpo de Cristo. Assim, vemos que, quando vem o momento do povo do Senhor ser colocado face a face com as coisas últimas e supremas da revelação de Jesus Cristo – coisas além da salvação pessoal, coisas que se relacionam com a mente de Deus desde os tempos eternos e bem além de ser salvo –, então, tem de haver um estreitamento, um confinamento, um limitante. Muita atividade que foi feita, e tudo que foi feito a fim de trazer coisas para determinada posição e estado, agora cessam para levá-los mais adiante, e algo mais intensivo é necessário.
O que representa o testemunho em sua aproximação mais completa e mais próxima do propósito final de Deus, então, tem de ser despojado de muito do que tem sido bom, necessário e de Deus numa forma preparatória, e deve ser encarcerado para o que é final . O cativeiro não é uma verdade concebida ou uma aceitação doutrinária imposta. Ele é operado em cada fibra do ser pela experiência que segue à revelação, e a revelação interpreta a experiência. Não é a vitória de alguma interpretação defendida: é a própria vida dos instrumentos, e o instrumento é aquilo em seu próprio ser. Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.
2. A importância e o valor de ver e aceitar as coisas na luz de Deus
Isso se aplicava a Paulo e àqueles que estavam com ele. Para o apóstolo, estar confortável na soberana ordenação de Deus em sua prisão resultava em iluminação crescente que levava à emancipação espiritual.
Ninguém pode deixar de reconhecer o enorme enriquecimento do ministério como o contido nas que são chamadas de “epístolas da prisão”: [ Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom]. Se ele tivesse sido obstinado, ressentido, rebelde ou amargo, não teria havido o céu aberto, e um espírito de controvérsia com o Senhor teria fechado e selado a porta para as mais plenas revelações e aclaramentos divinos.
Quando tudo foi aceito de acordo com a mente do Senhor, logo “os lugares celestiais” se tornaram as extensões eternas de sua caminhada sobre a terra, e servidão terrena deu lugar à liberdade celestial. Assim deve ser com cada instrumento separado para os interesses superiores do testemunho do Senhor.
A leitura de certas passagens em suas cartas e o registro de sua prisão mostra como isso se aplicava aos outros. Considere as seguintes:
“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu” (2Tm 1.8).
“E Paulo ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara, e recebia todos quantos vinham vê-lo […] e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28.30,31).
“O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo, porque muitas vezes me recreou, e não se envergonhou das minhas cadeias. Antes, vindo ele a Roma, com muito cuidado me procurou e me achou” (2Tm 1.6,7).
É evidente que essas passagens indicam que tinha de haver uma compreensão divina e não apenas uma apreciação humana da posição de Paulo. Níveis humanos de mentalidade teriam produzido uma atmosfera de dúvida, desconfiança, questionamentos, e teriam deixado elementos de falsa imputação. Considerada em linhas meramente naturais, a associação com o prisioneiro teria envolvido tais associados em suspeita e preconceito. A dúvida sobre o servo do Senhor era muito difundida, e até mesmo muitos do povo do Senhor não tinham certeza sobre ele. Mas o Senhor estava fechando uma revelação muito importante para esse canal, e para os que estavam realmente em necessidade espiritual; estes que tinham de permanecer em uma relação viva com a plenitude do testemunho da identificação com Cristo na morte e na ressurreição, na união no trono com Ele, o poder sobre principados e potestades, e para o ministério “nos séculos vindouros”, tinham de ser postos de lado de todas considerações humanas, pessoais e diplomáticas, e permanecer bem ali com o instrumento com que Deus os colocou na prisão honrosa. Para a posse do que estava por vir por meio do vaso, tinha de haver uma ida ao lugar em que o vaso1 estava, sem consideração por reputação, influência ou popularidade.
Dessa forma, o Senhor peneira Seu povo e encontra quem realmente é inteiramente para Ele e para Seus testemunho, e quem age em qualquer medida por outras considerações e interesses. O instrumento nessa posição de rejeição popular é, portanto, a ferramenta de busca do Senhor pelos realmente necessitados e pobres de espírito. Eles serão encontrados e terão suas necessidades satisfeitas.
A outra verdade que permanece aqui, então, é que
3. Vergonha, desprezo e limitação são muitas vezes formas de Deus enriquecer todo o Corpo de Cristo.
Tem sido sempre assim. A medida de aproximação à plenitude da revelação tem sido sempre acompanhado por um custo relativo. Cada instrumento do testemunho tem sido colocada sob suspeita e desprezo em uma medida proporcional ao grau de valor para o Senhor, e isso fez com que, humanamente, eles sejam limitados a esse ponto. Muitos têm apostatado, caído, se afastado, duvidado, temido e questionado. Mas, como Paulo pôde dizer: “Portanto, vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, que são a vossa glória” (Ef 3.13.), ou: “Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (v. 1), então, a medida de limitação no Senhor é a medida de enriquecimento de Seu povo. Quanto mais completa a revelação, menos aqueles que a apreendem ou maior o número daqueles que permanecem ao longe. Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação, e tê-los experimentalmente significa compartilhar o custo de alguma forma. Mas essa é a maneira divina de garantir para Deus um lote2 de semente espiritual.
Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação.
Um lote de sementes é uma coisa intensiva. Ali as coisas são reduzidas a dimensões muito limitadas. Não é algo visível de grande extensão que está imediatamente em vista, mas as coisas são consideradas, em primeiro lugar, à luz da semente. O verdadeiro significado das coisas não é sempre reconhecido lá, mas você pode viajar por todo o mundo e encontrar um grande número de jardins que são a expressão daquele intensivo e restrito lote de sementes. Se alguma vez houve tal lote de semente, foi a prisão de Paulo em Roma.
Tudo isso pode se aplicar a vidas individuais em relação ao testemunho do Senhor. Muitas vezes pode haver um atrito contra a limitação, o confinamento, e um desejo inquieto por aquilo que chamaríamos de algo mais amplo ou menos restrito. Se o Senhor nos quer no lugar em que estamos, nossa aceitação disso em fé pode provar que isso se torna uma coisa muito maior do que qualquer avaliação humana pode julgar. Gostaria de saber se Paulo tinha alguma idéia de que sua prisão significaria sua contínua expansão de valor para o Senhor Jesus ao longo 1.900 anos? O que se aplica a indivíduos também se aplica aos ajuntamentos, assembléias ou grupos do povo do Senhor espalhados na terra, mas um em sua comunhão com respeito ao testemunho pleno do Senhor.
Que o Senhor esteja graciosamente agradado de fazer com que o aspecto meramente humano dos muros da prisão sejam expulso e nos dê a percepção de que, longe de ser limitada por homens e circunstâncias, é prisão no Senhor, e isso significa que todas as era e todos os reinos entram por essa prisão.
(De Toward a Mark (Em direção à marca), jan-fev 1980, vol. 9-1.)
(Traduzido por Francisco Nunes. Original aqui. A maior parte dos textos de Austin-Sparks é transcrição de suas mensagens orais. Os irmãos que as transcrevem não fazem nenhuma edição ou aprimoramento. Por isso, o texto conserva bastante de sua oralidade, o que, em muitas circunstâncias, não permite uma tradução mais apurada. Se houver qualquer sugestão para aprimoramento deste trabalho, por favor, deixe um comentário. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria, tradução e fonte e seja exclusivamente para uso gratuito.)
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1Instrumento e vaso, como visto neste artigo, são termos normalmente usados por Austin-Sparks para se referir aos servos de Deus. (N.T.)
2No sentido de um canteiro, um terreno pequeno. (N.T.)
John MacArhtur, autor de mais de 150 livros e conferencista internacional, é pastor da Grace Comunity Church, em Sum Valley, Califórnia, desde 1969; é presidente do Master’s College and Seminary e do ministério “Grace to You”; John e sua esposa Patrícia têm quatro filhos e quatorze netos.
“Tudo o que você precisa é de amor”, assim cantavam os Beatles. Se eles tivessem cantado sobre o amor de Deus, a frase revelaria uma certa verdade. Mas aquilo que a cultura popular diz ser amor, não se trata, na verdade, de um amor autêntico, é antes uma verdadeira fraude. Longe de ser “tudo o que precisa”, é algo que deve evitar a todo o custo.
O apóstolo Paulo fala-nos sobre esse tema em Efésios 5:1-3. Ele escreveu: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados. E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave. Mas a prostituição, e toda a impureza ou avareza, nem ainda se nomeie entre vós, como convém a santos”.
A simples ordem do verso 2 (“E andai em amor, como também Cristo vos amou”) resume toda a obrigação moral do cristão. No fundo, o amor de Deus é o único princípio que define completamente o dever do cristão, e este tipo de amor é exatamente “tudo o que você precisa”. Romanos 13:8 diz, “porque quem ama aos outros cumpriu a lei”. Os mandamentos resumem-se a estas palavras: “Amarás o próximo como a ti mesmo, já que o amor é o cumprimento da lei.” Gálatas 5:14 ecoa a mesma verdade: “Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” Da mesma maneira Jesus ensinou que toda a lei e profetas dependem de dois princípios básicos sobre o amor – o primeiro e o segundo mandamentos (Mt. 22:38-40). Em outras palavras: “e, sobre tudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição.” (Cl 3:14).
Quando o apóstolo Paulo nos diz para caminhar no amor, o contexto revela-se em aspectos positivos, pois ele fala-nos sobre sermos bons uns para os outros, misericordiosos e que nos perdoemos uns aos outros (Ef. 4:32). O modelo de tal amor, mais centrado nos outros que em si próprio, é Cristo, que se entregou para nos salvar dos nossos pecados. “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.” (João 15:13). E “amados, se Deus assim nos amou, também nós devemos amar uns aos outros.” (1 João 4:11).
Em outras palavras, o amor verdadeiro é sempre um sacrifício, uma entrega de nós mesmos, é misericordioso, compassivo, compreensivo, amável, generoso e paciente. Estas e muitas outras qualidades positivas e benignas (ver 1 Co. 13:4-8) são as que as Sagradas Escrituras associam ao amor divino.
Mas reparemos no lado negativo, também visto no contexto de Efésios 5. Aquele que ama os outros verdadeiramente, como Cristo nos ama, deve recusar todo o tipo de amor falso. O apóstolo Paulo nomeia algumas destas falsidades satânicas. Elas incluem a imoralidade, a impureza e a ganância. A passagem continua: “Nem torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não convêm; mas antes, ações de graças. Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Portanto, não sejais seus companheiros.” (Ef 5:4–7).
A imoralidade é, talvez, o substituto favorito do amor na nossa atual geração. O apóstolo Paulo usa o termo grego porneia, o qual significa todo o tipo de pecado sexual. A cultura popular tenta desesperadamente desvanecer a linha que separa o amor verdadeiro da paixão imoral. Mas tal imoralidade é uma perversão total do amor verdadeiro, porque procura a autogratificação em vez do bem aos outros. A impureza é outra perversão diabólica do amor. O apóstolo Paulo emprega aqui o termo akatharsia, o qual se refere a todo o tipo de imoralidade sexual e impureza. Especificamente, ele refere-se à sujidade, à impureza e à ganância, que são as características particulares do companheirismo com mal. Este tipo de companheirismo não tem nada a ver com o amor verdadeiro, e o apóstolo afirma claramente que não tem lugar para ele no caminho do cristão.
A ganância é outra corrupção do amor que tem origem no desejo narcisista de autogratificação. É exatamente o oposto do exemplo que Cristo deu quando “se entregou por nós” (v. 2). No verso 5, o apóstolo Paulo compara a ganância à idolatria. Também isto não tem lugar no caminho do cristão e, de acordo com o verso 5, a pessoa culpada de tal pecado “não tem herança no Reino de Cristo e de Deus.”
E tais pecados, diz o apóstolo Paulo, “nem ainda se nomeie entre vós, como convém a santos.” (v. 3). “Portanto, não sejais seus companheiros”, ou seja, daqueles que praticam tais coisas, diz-nos o verso 7.
Em outras palavras, não demonstraremos amor verdadeiro a não ser que sejamos intolerantes com todas as perversões populares do amor.
Hoje em dia, a maioria das conversas sobre o amor ignora este princípio. “O amor” foi redefinido como uma ampla tolerância que ignora o pecado e que abraça o bem e o mal de igual forma. Mas isso não é amor, é apatia.
O amor de Deus não tem nada a ver com isso. Lembra-te que a mais suprema manifestação do amor de Deus é a Cruz, sinal que Cristo “vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave.” (V. 2). A Sagrada Escritura explica o amor de Deus em termos de sacrifício, de arrependimento pelos pecados cometidos e de reconciliação: “Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados.” (1 João 4:10). Em outras palavras, Cristo converteu-se em sacrifício para desviar a ira de um Deus ofendido. Longe de perdoar os nossos pecados com uma tolerância benigna, Deus deu o seu Filho como uma oferta pelo pecado para satisfazer a sua própria ira e justiça na salvação dos pecadores. Este é o coração do Evangelho. Deus manifesta o seu amor de uma forma que confirma a sua santidade, justiça e misericórdia sem compromisso. O amor verdadeiro “não folga com a injustiça, mas folga com a verdade.” (1 Co. 13:6). Este é o tipo de amor, no qual fomos chamados para caminhar. É um amor que primeiro é puro e depois, harmonioso.
Fonte: The Gospel Coalition
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