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O santuário do Deus vivo (Martin Lloyd-Jones)

“Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os discípulos de que está escrito: O zelo da Tua casa Me consumirá.” (João 2.13-17)

Detivemos nosso olhar sobre a purificação do templo, considerando, em termos gerais, a mensagem transmitida por esta passagem à Igreja, como um todo. Mas, como muitos comentaristas ao longo dos séculos concordam, obviamente, também há uma mensagem individual ao cristão. Vimos como as pessoas, imediatamente, obedecem ao Senhor quando O ouvem, e compreendemos que a única explicação para tal obediência é que essas pessoas se conscientizaram do poder eterno e da divindade Dele. Portanto, precisamos ter isso em mente ao aplicar individualmente a mensagem desse acontecimento.

Como tenho afirmado, minha proposição é que o grande tema do Evangelho de João está neste versículo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (10.10). Também estou sugerindo que cada um dos dramáticos acontecimentos relatados no Evangelho de João nos fornece algum aspecto adicional do ensino referente à forma pela qual Ele nos propicia a grande bênção de Sua plenitude.

É muito importante, portanto, que O consideremos como Ele é, ou seja, como o Senhor. É Ele quem age, quem decide quando e como agir. A pergunta que desejo colocar diante de você é esta: Você já recebeu de Sua plenitude e graça sobre graça? Sempre devemos nos fazer esta pergunta porque todas as ações de Jesus podem ser compreendidas e interpretadas à luz disso. Tudo o que Ele realizou e afirmou é uma indicação do que é essencial antes de alcançarmos aquela plenitude, e aqui Jesus nos mostra, de forma clara e definitiva, uma dessas condições.

Você se lembra que Jesus foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa, conforme a lei ordenava que todos os judeus fizessem. Nós O vimos chegando ao templo e soubemos o que Ele encontrou ao entrar lá: no pátio externo, mercadores vendiam bois, ovelhas e pombas para os sacrifícios, e cambistas trocavam moedas estrangeiras pela moeda local. Aquele cenário encheu nosso Senhor com um sentimento de terror e indignação. Ele virou as mesas dos cambistas, expulsou os mercadores e seus animais e ordenou aos que vendiam pombas para que as retirassem daquele local. Ele, como o fez naquela ocasião, purifica o templo.

Qual é, então, o ensino? Qual é a mensagem que recebemos como indivíduos? Permita-me colocar desta forma: nossa alma é como templo no qual nosso Senhor faz moradia. Esta é nossa proposição básica e fundamental. Isso é definitivo neste assunto sobre salvação cristã. Esta salvação não apenas significa que nossos pecados são perdoados, ou que temos a certeza de que não iremos viver eternamente no inferno porque Deus perdoou aos nossos pecados. Tampouco apenas significa que recebemos uma nova natureza. De fato, todas essas coisas são verdadeiras e gloriosas, e devemos agradecer a Deus por elas. Porém, a salvação cristã nos oferece algo além disso que é, nada mais, nada menos, que o próprio Senhor Jesus Cristo habitando em nós. Essa é a ilustração que encontramos em diversos lugares da Bíblia. Realmente, no Antigo Testamento somos informados de que o templo não deveria apenas nos ensinar a respeito da Igreja em geral e sobre como prestar culto na casa de Deus, mas também nos fornece um quadro individual da nossa alma.

Mais adiante, no Evangelho de João, essa verdade é colocada diante de nós de forma clara e explícita. Nosso Senhor está lembrando aos discípulos que Ele irá deixá-los, mas acrescenta que não os deixará sem consolo. Ele disse: “Naquele dia, vós conhecereis que Eu estou em Meu Pai, e vós, em Mim, e Eu, em vós. Aquele que tem os Meus mandamentos e os guarda, esse é o que Me ama; e aquele que Me ama será amado por Meu Pai, e Eu também o amarei e Me manifestarei a ele” (14.20, 21). Logo depois, no versículo 23, lemos: “Respondeu Jesus: Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra; e Meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.” Esta é a plenitude da experiência cristã. O propósito supremo de Deus é habitar em nós, homens e mulheres, ou seja, “a vida de Deus na alma do homem”, como afirmou Henry Scougal.

Veja como Paulo expressa isso, na Segunda Carta aos Coríntios. Ao questionar: “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos”, ele lembra aos seus leitores esta grande promessa: “Porque nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16). Em 1 Coríntios, ele diz: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós” (6.19). Esta é a suprema verdade que deveríamos sempre ter em mente com respeito à nossa fé. Como já vimos, a oração de Paulo pelos efésios era esta: “Para que, segundo a riqueza da Sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o Seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé” (3.16, 17). Paulo estava escrevendo aos cristãos, mas também estava orando para que eles perseverassem nesse conhecimento.

Nunca devemos nos contentar com algo que seja inferior a essa vida cristã. Temos de aprender a considerar nossa alma como santuário no qual Deus faz moradia: Deus, o Pai, Deus, o Filho e Deus, o Espírito Santo. Notamos que este ensino está sempre presente quando cristãos são levados a perceber tudo o que lhes é possível como crentes em Jesus Cristo.

Assim, havendo iniciado este capítulo com a proposição de que cada um de nós é o santuário de Deus, a próxima questão que devemos responder é esta: Em que condição se encontra este santuário? Agora é que percebemos a relevância daquele incidente ocorrido no templo de Jerusalém. Em tempo, quero deixar bem claro que não estou preocupado com aqueles que não são cristãos. Estou falando especificamente para aqueles que são cristãos. Nosso Senhor está no templo, o lugar que Deus concedeu aos filhos de Israel. Aqui Ele não está lidando com os gentios, mas com o povo judeu. Ele está lidando com pessoas religiosas, com o próprio povo de Deus. É importante ter isso bem claro em mente porque, caso contrário, poderemos perder o ponto principal desse incidente. Sempre estamos alertas para enxergar certas coisas que falam aos não-cristãos, porém aqui estamos preocupados com o que deve ser feito e com o que o Senhor fará com os crentes, a fim de que Ele possa vir e fazer moradia no coração deles, pela fé. Assim, é necessário que examinemos o templo, exatamente como o Senhor fez, quando foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa.

Um antigo puritano colocou esse assunto de forma muito clara utilizando uma analogia. Considerando primariamente os irregenerados, ele afirmou que a condição de homens e mulheres no pecado, como resultado da Queda, é similar ao estado de muitos dos antigos castelos, facilmente encontrados nos países europeus. Você encontra o castelo em ruínas, tomado pela vegetação de espinhos e outras, mas, se olhar atentamente, com freqüência, descobrirá uma pequena inscrição, em algum lugar, onde lerá: “Em tal época, fulano e beltrano moraram aqui.” Aquele castelo foi moradia de alguma pessoa de destaque no passado. O antigo puritano disse que este é o tipo de inscrição que encontramos gravada na alma de cada um dos não-cristãos: “Deus já morou aqui.” Deus não mora mais ali, o local está em ruínas, em processo de destruição. As paredes e ameias estão parcialmente desmoronadas e a vegetação invadiu o local de tal maneira que é difícil perceber que aquelas ruínas já foram, algum dia, a morada de alguém. Este é o não-cristão, mas estamos considerando o cristão; por isso, a questão é: O que encontramos neste santuário?

Com certeza, a mensagem é de que a condição da alma de muitos crentes é muito similar àquela encontrada por Jesus, no templo de Jerusalém. Aqui está a casa de Deus, com todos os cerimoniais indicados e ordenados pelo próprio Deus, mas nosso Senhor descobre que há certo abuso de tudo isso. O lugar está sendo usado para servir aos propósitos egoístas dos homens, e atividades que, em si mesmas, são legítimas, como comprar e vender bois, ovelhas e pombas ou trocar dinheiro, têm-se transformado no centro, na atividade principal. Assim, nosso Senhor afirmou que eles haviam tornado “a casa do Pai em casa de negócio”. E aqui cada um de nós é desafiado a examinar o estado de nossa própria alma, este lugar no qual Deus deseja habitar.

Se o Senhor examinasse nossa alma, neste exato instante, como a encontraria? O que há para ser descoberto ali? Seria pecado? Seria maldade? Jesus encontraria coisas que não deveriam estar lá? Haveria certo elemento de descrença, dúvida ou incerteza? Haveria coisas horripilantes, tolas e sem valor? E sobre nossos pensamentos, fantasias e intenções do coração? Estas são as coisas pelas quais Ele esquadrinha nossa alma.

No Antigo Testamento, ao examinar todos os detalhes que Deus ordenou, primeiramente a Moisés, depois a Davi e Salomão sobre a construção do tabernáculo e do templo, podemos ver que tudo foi projetado com o intuito de criar um local adequado para que Deus pudesse ali habitar. Porém, há outra maneira, mais importante, pela qual devemos nos examinar. O grande problema com aquelas pessoas é que elas estavam fazendo um mau uso de muitas coisas que Deus indicou como formas e meios de culto, buscando servir a seus fins indignos. Portanto, o mais importante é nos questionarmos: Que uso estamos fazendo do Evangelho de nosso Senhor e Salvador?

Cremos na doutrina da justificação pela fé, no perdão gratuito dos pecados. Isso é correto, mas que uso estamos fazendo disso? Estamos dizendo que, portanto, não importa mais como agimos ou nos comportamos, que podemos pecar porque sabemos que seremos perdoados? Estamos fazendo algum tipo de “comércio” com a cruz de Cristo? Esta é uma expressão utilizada por Pedro: “Movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias” (2 Pe 2.3). As pessoas transformam o sangue e a cruz de Cristo em benefício pessoal.

Em outras palavras, será que estamos dizendo: “Bem, agora creio no Senhor Jesus Cristo. Eu sei que serei perdoado, não há dúvidas sobre isso. Portanto, posso fazer o que desejar. Tudo o que tenho de fazer é me arrepender, dizer que sinto muito e serei perdoado”? Se pensamos desta maneira, estamos fazendo um mau uso, um comércio com o sangue de Cristo.

Assim, este é o tipo de lição que nosso Senhor está nos ensinando quando, munido de um chicote de cordas, expulsou aquelas pessoas do templo. Estamos usando a graça, as glórias do Evangelho, simplesmente para cauterizar nossa consciência, para permanecer em pecado e evitar a punição? Esta é uma atitude terrível, e creio que, quando examinamos nosso interior, com freqüência, nos descobrimos culpados da acusação de estar, da maneira mais sutil e diabólica, fazendo mau uso das coisas que Deus nos concedeu em nosso próprio benefício.

Existem muitas coisas mais sobre as quais podemos nos examinar – não entrarei em detalhes. “Examine-se, pois, o homem a si mesmo”. Esta foi a instrução que Paulo nos deixou quando da celebração da Ceia do Senhor. Paulo disse isso porque os coríntios estavam abusando desta cerimônia. Alguns deles participavam da Ceia apenas para beber e comer em demasia. Por esta razão, encontramos esta terrível advertência: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo.” Por quê? Porque, diz Paulo, quer você faça isso ou não, acumulará juízo para si. Porque ele não criam como deveriam, havia entre ele muitos fracos e doentes e não poucos que dormiam (1 Co 11.28-30). Se você não deseja ser julgado e condenado com o mundo, examine-se a si mesmo, livre-se dessas coisas. E devemos fazer o mesmo, em todo o tempo. Não há nada mais terrível do que utilizar o dom da graça, a casa de Deus, as glórias e as bênçãos do Evangelho para servir a propósitos pessoais e egoístas.

Eu creio – graças a Deus por isso! – que hoje em dia há menos possibilidade de encontrarmos essa situação do que no passado. Há cem anos ou mais, quando o costume de ir à casa de Deus era mais freqüente, as pessoas eram mais culpadas desse pecado do que nos dias atuais. Como indiquei no capítulo anterior, as pessoas utilizavam a casa de Deus e os meios da graça em benefício de seus negócios pessoais ou sua carreira. Não há muito disso hoje, talvez porque vivemos em um tempo no qual o culto a Deus não seja mais tão popular como era no passado. Porém, ainda em nossos dias há a possibilidade de estarmos utilizando as coisas que Deus nos concede de forma indigna. Portanto, quando nos auto-examinamos, estou certo de que estamos prontos a compartilhar com aquele que disse:

Vem as ruínas da minha alma reparar,
e meu coração uma casa de oração tornar.
Charles Wesley

Mas, tendo expressado o princípio geral, permita-me mostrar-lhe as coisas particulares que precisamos compreender à luz deste ensino. A primeira é o senhorio de Cristo. Aqui está Ele, indo ao templo e assumindo o controle, a despeito de ser apenas um carpinteiro nazareno. Ele faz isso como Alguém que tem o direito de fazê-lo, que tem autoridade. O lugar Lhe pertence. Ele menciona, no versículo 16, “a casa de Meu Pai”. Ele não disse “nosso” Pai, mas “Meu” Pai, indicando, portanto, que Ele não era outro senão o Filho de Deus e que vinha como o Senhor do templo, o Único a ter o direito de fazer o que desejasse ali.

É trágico perceber que no evangelismo, com freqüência, se faz uma distinção de Jesus Cristo como Salvador e como Senhor. Claro que há uma diferença, mas se você força uma divisão está cometendo um dos mais perigosos erros que se pode conceber. Isso acontece, não é verdade? Jesus Cristo é apresentado apenas como o Salvador, transmitindo a idéia de que, em primeiro lugar, você deve aceitá-Lo como Salvador e, somente mais tarde, você será apresentado a Ele como Senhor. E, então, lhe dirão: “Já que você O aceitou como o Salvador, aceite-O agora como o Senhor de sua vida.” Como se fosse possível receber Jesus como Salvador e não como Senhor!

Uma das lições mais importantes desse incidente é que devemos aceitar Jesus como Ele é. Ele sempre surge na plenitude de Sua abençoada pessoa. Nós não acreditamos em “Jesus”, mas no Senhor Jesus Cristo. Não podemos dividi-Lo desta maneira. Ele insiste para que O recebamos integralmente. Não existe a possibilidade de recebermos as bênçãos do perdão e da purificação sem, ao mesmo tempo, crer em Jesus como o Senhor. Ele não veio apenas para que fôssemos perdoados, mas Ele “se deu por nós, a fim de remir-nos de toda a iniqüidade e purificar, para Si mesmo, um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Ele veio para conduzir-nos a Deus (1 Pe 3.18). Ele veio para nos tornar um povo santo, e nenhum aspecto da salvação deve ser visto isolado desta verdade.

Você diz que crê na morte de Cristo na cruz por seus pecados. Muito bem, mas imediatamente isso implica outra dedução, como Paulo escreveu: “Acaso não sabeis (…) que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço” (1Co 6.19, 20). Ao morrer na cruz, Jesus “comprou” você e, portanto, você Lhe pertence, você é Dele. Ele é o Senhor do templo.

Este é o primeiro princípio da vida cristã. No momento em que somos convencidos do pecado, do perigo da punição e do inferno, compreendemos que temos sido escravos do pecado e de Satanás, mas que a partir daquele instante, mediante a fé em Jesus, não somos somente perdoados, mas estamos livres do antigo senhorio e pertencemos a Ele. Tornamo-nos escravos do Senhor Jesus Cristo.

Quantos problemas seriam evitados em nossa vida se apenas tivéssemos em mente esta compreensão! O cristão nunca é livre. Todos somos escravos, pois servimos ao diabo ou servimos ao Filho de Deus. O apóstolo Paulo gloriava-se com este título. Ele escreveu: “Paulo, servo de Jesus Cristo” (Rm 1.1). Portanto, desde o início nosso Senhor insiste em que observemos este senhorio.

Como vimos na festa de casamento em Caná da Galiléia, Ele não recebe ordens – Ele nem mesmo aceita sugestões. Ele é o Senhor que toma as decisões e determina o que fazer. Jesus agiu exatamente da mesma maneira no templo. Portanto, não há o que se discutir a esse respeito. Nós somos Sua legítima propriedade.

O próximo fato que Cristo deixa claro é que, quando Ele visita Sua propriedade, nada fica sem ser inspecionado. Não podemos esconder coisa alguma de Jesus. Novamente, há um grande princípio que aparece ao longo de toda a Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento. O exemplo clássico é o de Davi, filho de Jessé. Ele foi o maravilhoso rei de Israel, o “doce salmista”. Sim, este homem de Deus caiu em pecado. Ele planejou e conspirou, pensando que era muito esperto. Davi pensou que não havia deixado pista alguma, que todos os seus passos estavam encobertos. E, realmente, conseguiu enganar a quase todos. Somente uma ou duas pessoas sabiam o que ele havia feito. Davi pensou que tudo estava indo muito bem, mas logo percebeu que estava enganado. Deus enviou o profeta Natã para desmascará-lo, e seu pecado foi exposto.

No Salmo 51, Davi faz uma confissão completa, escrevendo palavras como estas: “Eis que Te comprazes na verdade no íntimo” (v. 6). Por fim, ele compreendeu que Deus não apenas se interessa por nossas ações externas, mas Ele conhece nosso coração.

Mais adiante, Davi escreveu: “Se eu no coração contemplara a vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (66.18). Agora, esta idéia significa esconder algo no coração. Ao mesmo tempo em que dizemos que somos cristãos, deliberadamente, escondemos algum pecado em nosso íntimo.

Davi escreveu que isso não era bom, pois o Senhor não o ouviria. Deus exige honestidade absoluta nesse assunto. Ele exige completa transparência, pois não pode ser enganado. Ele é onisciente e onipresente.

Encontramos a mesma idéia no Salmo 139: “Para onde me ausentarei do Teu Espírito? Para onde fugirei da Tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também (vv.7, 8). Não importa onde eu esteja – norte, sul, leste ou oeste –, não posso escapar da presença de Deus. Esta verdade é fundamental para a vida cristã. O problema é que muitos de nós imaginam Deus nos olhando em termos de pecados particulares. Mas não devemos pensar assim. Devemos pensar em termos de relacionamento e compreender que Deus conhece tudo a nosso respeito.

Talvez a afirmação mais clara sobre o conhecimento que Deus possui de nós encontra-se no capítulo quarto da grande carta aos hebreus. O autor escreveu:

Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia, seguindo o mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração. E não há nenhuma criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as cousas estão descobertas e patentes aos olhos Daquele a quem temos de prestar contas.
(vv. 11-13).

Ao final do Evangelho de Marcos, encontramos outra tremenda afirmação dessa verdade. Somos informados de que, pouco antes do fim, Jesus foi novamente ao templo em Jerusalém e observou tudo (11.11). Gosto de pensar que agora mesmo Ele está observando tudo em nossa alma, onde nada pode ser encoberto de Seus olhos, como o autor deste hino escreveu:

O Teu gentil, mas penetrante olhar,
pode esquadrinhar
as muitas chagas que a vergonha encobre.
Henry Twells

Estamos lidando com uma pessoa que é o Senhor, que não somente detém o direito e a autoridade, mas também possui completo conhecimento, visão e “poder de esquadrinhar” nosso interior.

Bem, o próximo princípio é que, desde cedo, Jesus deixa claro que abomina certas coisas. Ele não as tolerará em Sua casa e jamais caminhará lado a lado com elas. Essa é uma grande mensagem, não é? Não é incrível que possamos nos esquecer desta verdade? Estes são os primeiros princípios da vida cristã. Não há necessidade de apresentar grandes argumentos sobre os pecados particulares e tentar decidir o que é certo ou errado. É uma questão de relacionamento pessoal. Se você, simplesmente, pensar nisso, a maioria de seus problemas estará resolvida. Não haverá mais sentido em tentar fingir ou explicar certas atitudes, pois Ele está observando, vendo tudo o que fazemos.

Imediatamente, Ele revela o que pensa do pecado, e Sua atitude é clara. Há algo poderoso nisso. Possui seu aspecto terrível, mas também glorioso. Lemos no livro de Apocalipse como João O vê: “Os olhos como chama de fogo” (1.14). Seu olhar é de amor, de compaixão, o olhar de quem morreu por nossos pecados, mas também não podemos esquecer que Seus olhos são como chama de fogo. Este é o elemento de julgamento que é colocado no Evangelho de João nestes termos: “O zelo da Tua casa Me consumirá” (2.17).

Por que razão o Senhor desceu dos céus? Porque Ele viu a ruína e os estragos que o pecado no coração de homens e mulheres estava causando no Universo de Deus, especialmente na alma humana. Ele viu o que o diabo havia feito, e Sua alma de justiça foi afligida: “O zelo da Tua casa Me consumirá.”

Ele é consumido pela paixão da retidão, glória e justiça divinas. Este zelo está presente em Seu relacionamento conosco. Ele odeia o pecado: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar” (Hc 1.13). Isso também é verdadeiro com respeito ao nosso amado Senhor. Deus habita nesta “luz inacessível, a quem homem algum jamais viu” (1 Tm 6.16). Pense na visão de Isaías, encontrada em seu livro, no capítulo 6: a santidade de Deus, a fumaça enchendo toda a casa e as bases do limiar se movendo. Esta é uma visão de Deus e Sua glória eterna. Isso sempre revela o pecado e a impureza. Isaías clamou: “Então, disse eu: Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos” (v. 5).

E, claro, em todo este ensinamento, nosso Senhor mostra a condenação ao pecado. Jesus disse: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6.24). Há uma absoluta incompatibilidade.

Ainda, veja o que escreveu o apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 6. Aqui vemos uma afirmação lógica do que Cristo representava no templo de Jerusalém. Ouça as perguntas que Paulo faz. Primariamente, referindo-se à questão do cristão casar-se com um não-cristão, o apóstolo afirma: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos” (v. 14). Ele diz para não fazermos isso. Mas, qual a razão dessa proibição? Paulo apresenta argumentos na esfera de princípios gerais e pergunta: “Que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos?” (vv. 14-16). Essas coisas, Paulo afirma, são completamente opostas. Você não pode misturar a justiça com a injustiça, a fé com a descrença. Tentar fazer isto sempre resultará em tragédia. Nosso Senhor deixa isso bem claro por Sua reação no templo de Jerusalém.

Tiago também tratou desse tema: “Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce” (3.11, 12). João utilizou uma linguagem ainda mais forte quando escreveu: “Aquele que diz: Eu O conheço, e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo 2.4).

Em outras palavras, o Senhor não habitará com bois, ovelhas, pombas e cambistas. Ele não fará moradia em um lugar de descontrole, enganos e impurezas. O último livro da Bíblia, Apocalipse, revela claramente esta verdade. Nos dois capítulos finais, uma visão do céu é apresentada, e lemos: “Nela, nunca jamais penetrará cousa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira” (21.27). Somente o que é puro, limpo e santo terá lugar no céu.

Então, à luz de tudo isso, o que acontece? A resposta é, de certo modo, bem simples. Há duas atividades; a nossa e a Dele. É sempre assim: “Tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo (…) e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio.”

Primeiramente – creio que isso tornará as coisas mais claras para todos nós – a maneira como Jesus agiu naquele acontecimento, surpreendeu a muitos de nós. Não conseguimos entender Suas atitudes e começamos a nos perguntar o que está acontecendo. Com freqüência, quando percebemos que não estamos vivendo a vida cristã que deveríamos, quando enxergamos que podemos ir além, pensamos que tudo o que precisamos fazer é confessar a Ele e pedir-Lhe por Sua bênção, que a receberemos imediatamente. No entanto, isso é puro engano. Você sabe o que conseguirá? Provavelmente, será açoitado. Se você assumir essas coisas com seriedade e desejar que sua alma seja a moradia de Deus, esteja preparado para receber os açoites. Se você pensa que, no mesmo instante, receberá um presente e uma resposta positiva, sendo preenchido com uma grande alegria e maravilhoso êxtase, está incorrendo em um grande erro. Sempre deverá acontecer uma limpeza antes, sempre haverá um processo de exame terrível. Deus revelará o que está escondido nos recantos escuros de sua alma, Ele explorará os calabouços úmidos, e você verá coisas em seu interior que lhe causarão arrepios e horror. Com certeza, você irá se queixar. Por vezes, desejará nunca ter iniciado esse processo. Sentir-se-á miserável e perceberá que as coisas, em vez de melhorarem, ficarão piores.

Mas tudo isso está correto e faz parte do tratamento. Se você não estiver preparado para ser açoitado, com certeza se sentirá desapontado e não conseguirá ir muito longe no processo. Ele sempre age dessa maneira. No instante em que você se achegar a Ele e dizer-Lhe: “Sim, este é Teu templo, Tu tens direito a ele, podes iniciar a limpeza”, Ele começará a agir em você, confeccionando um pequeno chicote de cordas e o utilizando. Ele expulsará o que não prestar. Lançará fora coisas que você tem valorizado ou amado. Jesus o fará sentir que está contra você e que já não há mais esperança. Porém, esta é a maneira de agir Dele. “O Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6).

Que coisa terrível é não conhecer a disciplina do Senhor. Se você não conhece isso, diz o autor de Hebreus, então, é um bastardos e não filho (v. 8). O texto prossegue: “Toda a disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza” (v. 11). No entanto, é Seu trabalho – permita que Ele vá até o fim. Você é santuário do Senhor e Ele sabe o que é melhor. Portanto, afirmo que não devemos apenas esperar por Sua disciplina, mas devemos até mesmo orar por ela. Creio que é um excelente teste para verificar nosso relacionamento com Ele.

Há alguma coisa debaixo do sol
que a Ti meu coração reluta em revelar?
Ah! Extirpe-a, então, e reine absoluto,
o Senhor de todas as ações em mim.
Então, meu coração da terra será livre,
quando repouso encontrar em Ti.
Gerhard Tersteegen (tradução de John Wesley)

Aqui está Tersteegen, sendo tratado com açoites e começando a compreender o propósito de Deus. Ele diz: “Há algo a ser removido que eu ainda não tenha visto? Ah! Extirpe isso, então.” Ele não consegue fazer isso, assim pede ao Senhor que o faça. “Remova o que está errado”, ele solicita. “Extirpe o que é necessário e reine absoluto. Seja o Senhor de todas as ações em mim”. Você já clamou por algo assim? Já solicitou ao Senhor que retire certas coisas de seu coração? Este é um claro sinal de que Ele está trabalhando em você e tem usado Seu abençoado açoite a fim de limpar, purificar Sua casa, Seu santuário.

Então, Ele nos conclama a realizar certas coisas. Jesus se volta para os vendedores de pombas e lhes diz: “Tirai daqui estas coisas.” Isso é um mistério. Não vou fingir que compreendo esta palavra. Por que Ele não tira tudo de errado que temos em nós? Quando os filhos de Israel foram levados do Egito para a terra de Canaã, muitos dos inimigos que encontraram pela frente foram destruídos por Deus. Porém, certos inimigos foram deixados para que os judeus enfrentassem e, se não fossem combatidos pelo povo de Deus, esses inimigos permaneceriam como ameaça constante. Moisés disse: “Os que deixardes ficar, ser-vos-ão como espinhos nos vossos olhos e como aguilhões nas vossas ilhargas” (Nm 33.55). O povo tinha de fazer a parte que lhe cabia. Deus realizou grande parte da tarefa, mas deixou que os judeus a terminassem. Esta lógica parece ser a regra em todos esses assuntos.

Deste modo, há uma grande ligação em 2 Coríntios 7.1: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus.” Ou podemos colocar desta forma: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta” (Ap 3.20). Bem, usar este texto como uma mensagem evangelística é deturpar o contexto. Esta mensagem faz parte de uma carta endereçada às igrejas, aos crentes. Após o Senhor ter realizado certas coisas, Ele diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém (…) abrir a porta” – esta é nossa parte. Ele atua e, então, nos convoca a agir. “Aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2 Co 7.1); purificando-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito. Esta é a maneira mediante a qual nos prepara.

E para o que somos preparados? Bem, Ele está preocupado em nos possuir integralmente. Ele deseja que o santuário seja como deve ser, um lugar para Sua moradia. Ele deseja que a casa do Pai não seja um lugar de comércio, mas um lugar onde o Pai possa habitar. Esta é a grande promessa: “Nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16).

A vida de Deus está em sua alma? Isso é a verdadeira fé cristã, o que foi planejado para ser. Não é somente tomar uma decisão, acreditar que seus pecados estão perdoados e, então, prosseguir em grandiosas atividades. Isso não é o Cristianismo em essência. O real Cristianismo é saber que Deus está em sua alma, que caminha em seus caminhos e habita no santuário. É saber que Cristo come e bebe com você. É conhecê-Lo intimamente, que é a vida eterna (veja Jo 17.3). Ele veio ao mundo para que Sua experiência fosse vivida em cada um de nós. E, quando compreender isso e começar a desejar e a clamar por isso, então, esteja preparado para ser visto pelos olhos que são “como chama de fogo”. Nada poderá ser ocultado. Ele trará todas as coisas que estiverem erradas para a luz e as extirpará. Então, e somente então, você saberá que Ele está habitando no santuário e terá a certeza de que Cristo está morando em seu coração, pela fé.
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(Extraído do livro O Segredo da Bênção Celestial, cap. 7, de Martin Lloyd-Jones, co-edição Editora Textus e Editora dos Clássicos, 2002, com permissão da Editora Textus para publicação no sítio Campos de Boaz.)

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A intolerância bíblica (Martin Lloyd-Jones)

Gostaria de enfatizar esta verdade, asseverando que existe, na fé cristã, um lado de intolerância. Vou mais além e afirmo que, se não temos visto este lado intolerante da fé, provavelmente nunca vimos verdadeiramente a fé. Existem muitos mandamentos nas Escrituras que substanciam a afirmativa de que colocar mais alguém ao lado de Jesus, ou falar de salvação a parte dEle, ou sem que Ele seja o centro dela, é traição e negação da verdade. O apóstolo Pedro, dirigindo-se ao sinédrio em Jerusalém, disse: “porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome dado, entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).

Todo falso ensinamento deve ser odiado e combatido. O Novo Testamento nos diz que assim fez nosso Senhor e todos os apóstolos, e que eles se opuseram e advertiram as pessoas contra isso. Mas pergunto novamente: isto é realizado hoje? Qual sua atitude pessoal quanto a isso? Acaso é você uma daquelas pessoas que diz que não há necessidade dessas negativas, e que deveríamos estar contentes com uma apresentação positiva da verdade? Subscrevemos o ensinamento prevalecente que discorda de advertências e críticas ao falso ensinamento? você concorda com aqueles que dizem que um espírito de amor é incompatível com a denúncia crítica e negativa dos erros gritantes, e que temos de ser sempre positivos? A resposta mais simples a tal atitude é que o Senhor Jesus Cristo denunciou o mal e os falsos mestres. Repito que Ele os denunciou como “lobos vorazes” e como “sepulcros caiados” e como “guias cegos”. O apóstolo Paulo disse de alguns deles: “o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia”. Esta é a linguagem das Escrituras. Pode haver pouca dúvida, mas a Igreja está como é hoje porque não seguimos o ensinamento do Novo Testamento e as suas exortações, e nos restringimos ao positivo e ao assim chamado “Evangelho simples”, e fracassamos em acentuar negativas e críticas. O resultado é que as pessoas não reconhecem o erro, quando se defrontam com ele.

Aceitam aquilo que aparenta ser bom, e se impressionam com aqueles que vem às suas portas falando da Bíblia e oferecendo livros sobre a Bíblia e profecias e coisas deste tipo. E eles, na condição de sua ignorância infantil, freqüentemente ajudam a propagar o falso ensinamento, porque não conseguem ver nada de errado nele. Além disso não compreendem que o erro deve ser odiado e denunciado. Eles imaginam-se a si mesmos cheios de um espírito de amor, são iludidos por satanás, a fera destruidora que estava no encalço delas, e que, num bote súbito, os agarrou com sua esperteza e sutileza.

Não é agradável ser negativo; ter que denunciar e expor o erro não dá alegria. Mas qualquer pastor que sinta, em pequena medida, e com humildade, a responsabilidade que o apóstolo Paulo conhecia num grau infinitamente maior pelas almas e o bem estar espiritual de seu povo, é forçado a fazer estas advertências. Isto não é desejado nem apreciado por esta moderna geração moralmente fraca. Muito amiúde a bancada tem controlado o púlpito e grande dano tem sobrevindo à Igreja. O apóstolo adverte a Timóteo que virá um tempo em que as pessoas “não suportarão a sã doutrina”. Este é freqüentemente o caso no tempo presente, e assim tem sido durante este século. Por isso é importante que cada membro deva ter uma concepção real da Igreja e do oficio do ministro em particular.

Hoje há no mundo igrejas que na superfície parecem ser igrejas florescentes. Multidões se agregam a elas e demonstram demasiado zelo e entusiasmo. Mas num exame mais acurado descobre-se que a maior parte do tempo é tomado por música de vários tipos, e com clubes e sociedades e atividades sociais. O culto começa às 11:00h e tem que terminar exatamente ao meio-dia, e haverá sérios problemas se isso não ocorrer! Há apenas uma breve “reflexão” de quinze minutos, vinte minutos no máximo. O infeliz ministro, se não enxergar estas coisas com clareza, teme ir contra os desejos da maioria.

Sua sobrevivência depende dos membros da igreja, e o resultado é que tudo é feito para se conformar aos desejos e anseios da congregação.

Mas deixe-me acrescentar que o ministro também não pode impor. É o próprio Senhor quem determina, Aquele que está assentado à mão direita de Deus e que deu “alguns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores” (Ef 4:11 ). Ele os deu para a edificação dos membros da Igreja, e é a mensagem dELE que deve ser pregada sem temor nem favor. Precisamos recuperar algo do espírito de John Knox cuja pregação fazia tremer a Maria, Rainha dos Escoceses.

O trabalho do ministro é edificar o corpo de Cristo. A ocupação do ministro é edificar a Igreja, não a si mesmo! Ai! Eles têm muito freqüentemente edificado a si mesmos, e temos lido de príncipes da igreja vivendo em posições de grande pompa e riqueza. Isto é uma gritante deturpação dos ensinamentos de Paulo! Observemos que os ministros são  chamados para edificar, não para agradar nem entreter. O modo pelo qual deveriam fazer isso está resumido perfeitamente naquela passagem, imensamente lírica, de Atos 20 . O apóstolo Paulo está se despedindo dos presbíteros da igreja de Éfeso, à beira mar, e eis o que ele diz: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e È Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (v.32). “Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar”! Não é surpresa que a igreja seja o que é hoje, pois lhe têm sido dados filosofia e entretenimento. Por meio delas um ministro pode, por enquanto, atrair e segurar uma multidão; mas não pode edificar; a tarefa dos pregadores é edificar, não atrair multidões. Nada edifica a não ser a inadulterada Palavra de Deus. Não há autoridade fora dela; e ela não pode de modo algum ser modificada ou nivelada para se adaptar à moda da ciência moderna, ou a alguns supostos “resultados confirmados da crítica” que está sempre em modificação.

É o “eterno Evangelho” e é: a “Eterna Palavra a mesma que Paulo e os demais apóstolos pregaram, a mesma Palavra que os Reformadores protestantes pregaram, os Puritanos, e os grandes pregadores de duzentos anos atrás, como também Spurgeon no último século, sem qualquer modificação que fosse. É pelo fato de isso ter sido tão amplamente esquecido nos últimos cem anos que as coisas hoje estão como estão.

Extraído do jornal Os Puritanos, ano III, n. 3

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O inexplicável sofrimento dos justos (Norbert Lieth)


O sofrimento de um justo não pode ser explicado, mas muitas e muitas vezes sua razão de ser foi interpretada de maneira incorreta. Muitos cristãos que estão sofrendo se preocupam demais em achar a “causa” de sua angústia e se esgotam de tanto questionar. Minha doença é castigo pelo meu pecado? Ou será que Deus quer me disciplinar, educar, purificar, transformar através do sofrimento, me preparar para Seu Reino e Sua glória? – É claro que existem castigos mandados por Deus, mas nem de longe todo o sofrimento físico ou emocional, toda derrota, fome ou tormento podem ser explicados dessa maneira. Quem recebeu a Jesus Cristo em sua vida por meio da fé não sofre por causa da ira de Deus ou por castigo, mas o sofrimento é uma provação e é igualmente um meio pedagógico que o Senhor usa na vida dos crentes (Hb 12.1-11; Rm 8.31-39). Mas não são raras as vezes em que o agir de Deus e a Sua direção em nossas vidas continuará sendo um mistério para nós, principalmente quando Ele manda sofrimento e tristeza.

Não queremos deixar passar despercebido o fato de que nem todo o sofrimento tem a amável correção do Senhor como alvo final. Existem sofrimentos que nascem do ódio satânico, e se os mesmos nos alcançam foi porque o Senhor o permitiu. Os sofrimentos de Jó, por exemplo, não vieram de Deus. Também não havia motivo para correção na vida desse homem, pois Jó vivia completamente dentro do que agradava ao Senhor e era irrepreensível, o que foi confirmado pelo próprio Senhor. Seus sofrimentos eram provocados pelo maligno (comp. Jó 1.1,6-19).

Os Salmos e Provérbios também falam do sofrimento do justo: “Muitas são as aflições do justo!” (Sl 34.19a; comp. também Pv 11.31). A Bíblia nos exorta a não considerarmos todo e qualquer sofrimento dos justos como conseqüência automática de culpa e pecado em suas vidas, pois com isso estaríamos condenando a maneira justa de viver dos retos de coração. Asafe orou: “Com efeito, inutilmente conservei puro o coração e lavei as mãos na inocência. Pois de contínuo sou afligido, e cada manhã castigado. Se eu pensara em falar tais palavras, já aí teria traído a geração de teus filhos” (Sl 73.13-15). Também no Salmo 44 encontramos uma das muitas indicações da Palavra de Deus de que sofrimento nem sempre tem sua origem em pecado ou culpa diante de Deus e nem sempre é castigo por erros cometidos: “Tudo isso nos sobreveio, entretanto não nos esquecemos de ti, nem fomos infiéis à tua aliança. Não tornou atrás o nosso coração, nem se desviaram os nossos passos dos teus caminhos… Se tivéssemos esquecido o nome do nosso Deus ou tivéssemos estendido as mãos a deus estranho, porventura não o teria atinado Deus, ele que conhece os segredos dos corações? Mas, por amor a ti, somos entregues à morte continuamente, somos considerados como ovelhas para o matadouro” (vv. 17-18, 20-22). Mas todo esse sofrimento estava sob a permissão de Deus: “…para nos esmagares onde vivem os chacais, e nos envolveres com as sombras da morte… Pois a nossa alma está abatida até ao pó, e o nosso corpo como que pegado no chão. Levanta-te para socorrer-nos, e resgata-nos por amor da tua benignidade (vv. 19,25-26).”

Antes que eu mencione o testemunho do irmão Lee, da Coréia do Sul, perguntemo-nos: todos esses sofrimentos foram resultado de pecado na vida desse irmão? Ele conta:

Eu tinha 18 anos de idade quando os norte-coreanos invadiram a Coréia do Sul. Presenciei quando 7.000 cristãos foram mortos, inclusive meu pai e minha irmã. Durante três dias minha irmã ficou pendurada de cabeça para baixo em uma corda. No terceiro dia, ela estava quase desacordada. Todos os dias os comunistas nos levavam para fora para que pudéssemos ver como eram tratados os cristãos presos. Todos tínhamos sido presos e interrogados: “Você é cristão?” Naquela época minha irmã tinha 22 anos de idade. E naquele dia em que fui obrigado a ficar na sua frente, ela me reconheceu. Sangue já escorria de sua cabeça. Me senti impotente diante dela, pois estava amarrado. Mas ela cantava num sussurro: “Em Jesus amigo temos…” e “Mais perto quero estar, meu Deus de Ti…” E foi dessa maneira que ela morreu, mas sua morte vitoriosa deixou uma profunda impressão em minha vida. – Uma semana depois meu velho pai de 72 anos foi executado. Ele foi queimado vivo, depois de ter passado fome por um mês. Jogaram-no em uma cova, cobriram-no com querosene e tocaram fogo. Antes de perder os sentidos, gritou com suas últimas forças: “Você tem de acabar o que eu não consegui levar até o fim!” Então levantou suas mãos e orou: “Pai, perdoa-lhes, pois não sabem o que fazem!”

Esses dois acontecimentos deixaram marcas em toda a minha vida futura, marcas que nunca mais puderam ser apagadas. Não posso descrever os sofrimentos que tive que passar. Durante um mês inteiro meus carrascos me espancaram, queimaram e quebraram meus ossos. Quando eles finalmente acharam que eu estava morto, jogaram-me em um pântano. Fiquei oito dias inconsciente no meio de cadáveres. Os ratos passavam por cima de nós e o sofrimento era infernal. Mas nessa hora eu entreguei minha vida ao Senhor Jesus. Reconheci o que significa na vida de uma pessoa um relacionamento pessoal com Jesus: no mais profundo sofrimento pode nascer a alegria da fé!

Os terríveis sofrimentos e a angústia de sua irmã e de seu pai e seus próprios sofrimentos contribuíram para que o Dr. Lee chegasse a crer no Senhor Jesus Cristo – que maravilhoso fruto de sofrimento por amor ao Senhor!

Será que você anda encurvado sob o fardo de sofrimentos e pressões do dia-a-dia que pesa sobre os seus ombros? Você se angustia com problemas e infortúnio? Você sofre por fracassos, decepções, esperanças frustradas? Ou você sofre por amor a Cristo? Existe uma cruz pesada sobre sua vida, cruz que você tem de carregar?

Qual é a causa do sofrimento, se não é o pecado?

Sofrimento por amor a Jesus. Foi dito ao apóstolo Paulo que ele iria sofrer muito por amor a Jesus (At 9.16). O Senhor o usou de modo extraordinário como instrumento muito útil, mas os sofrimentos de Paulo foram igualmente extraordinários. Os profundos sofrimentos por amor a Jesus faziam parte de sua elevada vocação.

Sofrimentos por amor a Jesus não são motivo de tristeza, mas de alegria: “… alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando” (1 Pe 4.13). E sofrer pelo Evangelho é um tipo de sofrimento por amor a Jesus (2 Tm 1.8), assim como sofrimentos por praticar o bem (1 Pe 2.20), sofrimentos por causa da justiça (Mt 5.10) e os sofrimentos como servos de Deus (2 Co 6.4 ss.).

Sofrimentos por amor aos outros (à Igreja). É isso o que nos relata Colossenses 1.24: “Agora me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do seu corpo, que é a igreja.” Sofrimentos suportados com paciência por um cristão servem de exemplo e testemunho para toda a Igreja, pois é nisso que o caráter de Jesus mais se reflete. E é por isso que as pessoas mais santificadas têm de sofrer mais, por estarem muito próximas do Senhor e por terem condições de suportar o sofrimento. Epafrodito, cooperador de Paulo, ficou gravemente enfermo por causa da obra do Senhor e por servir ao apóstolo por parte dos filipenses (comp. Fl 2.25-30).

Sofrimentos por testemunhar da fé para a glória do Senhor. Para provar isso quero citar novamente 1 Pedro 4.13: “…alegrai-vos na medida em que sois co-participantes dos sofrimentos de Cristo, para que também na revelação de sua glória vos alegreis exultando.” O salmista Asafe testemunha em meio ao seu sofrimento: “Todavia, estou sempre contigo, tu me seguras pela minha mão direita. Tu me guias com o teu conselho, e depois me recebes na glória. Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu me compraza na terra. Ainda que a minha carne e o meu coração desfalecem, Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança para sempre… Quanto a mim, bom é estar junto a Deus; no Senhor Deus ponho o meu refúgio, para proclamar todos os seus feitos”(Sl 73.23-26, 28).

Será que conseguimos imaginar o testemunho glorioso e elogiado que um servo de Deus que sofre por amor ao Senhor tem diante do mundo invisível dos anjos, quando se firma no Senhor e espera nEle em meio aos sofrimentos, e quando consegue dizer “Senhor, apesar de tudo eu quero ficar perto de Ti”? Como é grandioso e maravilhoso o reflexo desses sofrimentos na eternidade! Isso é mostrado em Romanos 8.18: “Porque para mim tenho por certo que os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós.”

O que devemos fazer no sofrimento?

Como é que a nossa alma consegue ficar consolada e quieta em tempos de angústia? Em tempos de sofrimento ninguém mais consegue ajudar aquele que sofre a não ser o Senhor. Isso o salmista também sabia, pois orava: “Faze-me justiça, ó Deus, e pleiteia a minha causa… Pois tu és o Deus da minha fortaleza” (Sl 43.1a,2a). Jesus Cristo sofreu fora da porta – e, nesse sentido, cada um que sofre está sozinho com seus sofrimentos, sofre “fora da porta” como Jesus. O salmista também tinha reconhecido isso, e encomendou sua alma juntamente com toda a sua angústia ao fiel cuidado de Deus. Ele sabia que a ajuda real, a ajuda que traz resultados não pode vir de pessoas, mas única e exclusivamente do Deus vivo. E era a Deus que ele queria entregar seu sofrimento. Ele não foi obrigado a se deixar enlouquecer e inquietar pelos outros e por seus bons conselhos, mas foi capaz de se entregar plenamente à vontade divina, e de se sentir abrigado e seguro no Senhor.

Ficamos consolados e tranqüilos quando entregamos nossa angústia ao Senhor, quando nos aquietamos e esperamos nEle.

Dificilmente o sofrimento pode ser explicado humanamente, ele só pode ser compreendido de dentro do santuário. Por isso o salmista orou: “Por que me rejeitas? Por que hei de andar eu lamentando sob a opressão dos meus inimigos? Envia a tua luz e a tua verdade, para que me guiem e me levem ao teu santo monte, e aos teus tabernáculos. Então irei ao altar de Deus, de Deus que é a minha grande alegria; ao som da harpa eu te louvarei, ó Deus, Deus meu. Por que estás abatida, ó minha alma? por que te perturbas dentro em mim? Espera em Deus, pois ainda o louvarei, a ele, meu auxílio e Deus meu” (Sl 43.2b-5). O coração do salmista estava repleto de porquês. Ele não conseguia entender o porquê de seus sofrimentos; mas parece que, de repente, ele passou a entender, passou a não mais precisar de uma resposta para suas muitas perguntas – mas precisava somente de uma profunda comunhão com seu Deus no santuário (vv. 3b-4a). Essa foi a solução. Foi dessa maneira que sua alma conseguiu ficar quieta e consolada e cheia de gratidão para com o Senhor apesar do sofrimento pelo qual estava passando (vv. 4b-5). Nem sempre existe uma resposta, mas sempre existe consolo e luz na escuridão de nossa alma quando nos achegamos ao Senhor, quando entramos no santuário. E é por isso que filhos de Deus santificados conseguem dizer: “O Senhor está tão perto de mim!” Para o salmista passou a ser secundário conhecer ou não a causa de seus sofrimentos. Para ele passou a ser prioridade saber que era Deus que conduzia sua vida, passou a ser prioridade andar na luz do Senhor, andar na verdade do Senhor e ser dirigido pelo Senhor para alcançar seu alvo de vida.

Asafe estava cheio de dúvidas e questionamentos. Parecia-lhe que o sofrimento ela algo sem lógica, algo incompreensível e absurdo. Ele não era capaz de entendê-lo nem explicá-lo: “Em só refletir para compreender isso, achei mui pesada tarefa para mim; até que entrei no santuário de Deus…” (Sl 73.16-17). No santuário nem sempre recebemos a explicação para o porquê de nossos sofrimentos, mas em compensação recebemos consolo, recebemos fortalecimento e uma profunda paz. Até um homem como Elias chegou ao ponto de se sentir desesperado e questionava o motivo de tanto sofrimento. Ele não recebeu uma resposta para suas perguntas, mas recebeu comida e bebida para sua longa jornada em busca de um novo encontro com o Senhor. João Batista foi tomado de dúvidas quando estava no cárcere. E ele também não recebeu resposta ao porquê de seus sofrimentos, dúvida que certamente ocupava sua mente. Mas ele recebeu a palavra do Senhor: “…bem-aventurado é aquele que não achar em mim motivo de tropeço” (Mt 11.6).

Agora me dirijo a você, especialmente a você que tem sofrimento e dor em sua vida, que passa por angústias e enfermidades – você não quer simplesmente entrar no santuário para receber ali o consolo que vem de Deus? Em pouco tempo se cumprirá em sua vida o que o Senhor glorificado diz no último livro da Bíblia: “E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras cousas passaram. E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as cousas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras… O vencedor herdará estas cousas, e eu lhe serei Deus e ele me será filho” (Ap 21.4-5,7).

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A. B. Simpson Cristo Vida cristã

O próprio Cristo (A. B. Simpson)

Gostaria de levar o pensamento de cada um a focalizar-se em Jesus, e somente nEle.

É comum ouvirmos os crentes dizerem: “Ah, como eu gostaria de obter a bênção da cura divina. Mas ainda não a obtive.”

E outros afirmam: “Eu já.”

Mas quando lhes pergunto: “O que obteve?”, não sabem responder.

Alguns dizem: “Recebi a bênção.” “Recebi a cura.” “Recebi a santificação.”

Mas, graças a Deus, o que devemos desejar não é a bênção, nem a cura, nem a santificação, nem outra coisa qualquer, mas Alguém muito superior. Devemos desejar Cristo, o próprio Cristo.

PRECISAMOS DE UMA PESSOA

Encontramos na Palavra a afirmação “Ele mesmo tomou as nossas enfermidades e carregou com as nossas doenças” (Mt. 8:17); “Carregando Ele mesmo em seu corpo, sobre o madeiro, os nossos pecados” (I Pe. 2:24). É a Pessoa de Jesus Cristo que devemos desejar. Muitos indivíduos têm uma idéia sobre Cristo, mas não passam disso. Têm um conceito na mente, na consciência e na vontade, mas Ele mesmo ainda não faz parte da vida deles. Assim só possuem um símbolo e uma expressão material de uma realidade espiritual.

Certa vez vi uma reprodução da Constituição dos EUA feita sobre uma chapa de cobre. Quando se olhava de perto, via-se apena um texto impresso. Mas quando se afastava um pouco, divisava-se na chapa a efígie de George Washington. Vistas de certa distância, as letras formavam os traços de Washington, e quem olhasse para elas enxergava apenas a pessoa e não as palavras, nem as idéias. Então ocorreu-me um pensamento: “É assim que devemos olhar para a Bíblia, para entender os pensamentos de Deus. Neles vemos o amoroso rosto de Jesus delineando-se em meio às palavras. Ali está o próprio Jesus, que se apresenta como a Vida, a Fonte de Vida, e a presença constante que a sustenta.”

Durante muito tempo orei a Deus pedindo a santificação, e muitas vezes achei que a havia recebido. Houve até uma ocasião em que senti algo diferente, e me agarrei àquela experiência, receoso de a perder. Fiquei acordado a noite toda, temendo que ela me escapasse, e é claro que, assim que a emoção e a sensação momentânea se esvaíram, ela desvaneceu também. Perdi-a, porque não me firmara em Jesus. É que estivera bebendo pequenos goles de um imenso reservatório, quando poderia estar imerso na plenitude de Cristo.

Às vezes, nos cultos, via pessoas dando testemunho sobre o gozo espiritual, e até achava que eu também o experimentara, mas não conseguia conservá-lo. É que minha fonte de alegria não era Jesus. Afinal, um dia, ele me disse com muita mansidão:

“Meu filho, receba-me, e eu próprio serei a fonte constante de tudo isso.”

Então resolvi despreocupar-me da santificação e da bênção em si, e passei a contemplar o próprio Cristo. Assim, em vez de ter uma experiência, entendi que tendo Cristo tinha quem era maior do que uma necessidade do momento, tinha o Cristo que era tudo de que necessitava. E ali O recebi, de uma vez para sempre.

Assim que O vi por esse prisma, experimentei um revigorante descanso. Tudo ficou acertado de uma vez por todas. Nele tinha tudo de que precisava, não apenas para aquele momento, mas para o outro, e o outro, e o outro, e assim por diante. Vez por outra, Deus me deixa entrever como será minha vida daqui a um milhão de anos, quando resplandeceremos “como o sol, no reino de (nosso) Pai (Mt. 13:43) e teremos “toda a plenitude de Deus” (Ef. 3:19).

MEU GRANDE SEGREDO

Se eu afirmasse agora que possuo uma fórmula secreta para se obter riqueza e sucesso, que recebi diretamente do céu, e que, por meu intermédio, Deus daria grandes quantidades dela a quem quisesse, todo mundo ficaria muito interessado. Pois quero mostrar-lhes na Palavra de Deus uma oferta muito mais valiosa que essa suposta fórmula. Inspirado pelo Espírito, o apóstolo Paulo diz que existe um “mistério que estivera oculto dos séculos e das gerações” (Cl. 1:26). Trata-se de um segredo que o mundo tem procurado, mas não encontra; um segredo que os sábios estão sempre desejando. E o Senhor nos garante que “agora, todavia, se manifestou aos seus santos”. E Paulo viajou pelo Império Romano entregando essa mensagem a quem estivesse apto para recebê-la. Eis o segredo: “Cristo em vós, esperança da glória” (vs. 27).

O grande segredo é: “Cristo em vós”. E eu o passo a você agora, se quiser crer no que Deus diz. Para mim, ele tem sido maravilhoso. Faz alguns anos busquei a Deus, cheio de temores e de sentimentos de culpa. Apliquei esse segredo à minha vida e foi a solução para todas as minhas preocupações e meu fardo de pecados. Mas depois, após algum tempo, vi-me outra vez dominado pelo pecado, e a tentação me parecia forte demais. Busquei a Deus, e de novo Ele me disse: “Cristo em vós”.

Foi assim que obtive a vitória, o descanso, as bênçãos.

Antes era a bênção, agora é o Senhor.
Antes era o que eu sentia; agora é a Palavra.
Antes eu queria os dons; agora o Doador.
Antes queria a cura; agora basta-me o próprio Jesus.

Antes era o esforço penoso; agora, a confiança perfeita.
Antes era uma salvação incompleta; agora é a perfeição.
Antes me segurava nEle; agora Ele me segura firmemente.
Antes estava sempre à deriva; agora minha âncora está firme.

Antes era um plenejamento incessante; agora a oração da fé.
Antes era uma preocupação constante; agora Ele cuida de tudo.
Antes era o que eu queria; agora é o que Jesus disser.
Antes era uma petição constante; agora, adoração incessante.

Antes era eu quem trabalhava; agora Ele age por mim.
Antes eu tentava usá-Lo; agora é Ele que me usa.
Antes queria o poder; agora tenho o Todo-Poderoso.
Antes trabalhava por vaidade; agora, tão somente para Ele.

Antes tinha esperança de conhecer Jesus; agora sei que Ele é meu.
Antes minha luz era intermitente; agora brilha intensamente.
Antes esperava a morte; agora anseio por Sua volta.
E minhas esperanças estão firmadas no céu.

(Extraído do livro Jesus Cristo, Ele Mesmo, Editora Betânia)

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A. W. Tozer Cristo Evangelho

Por que o mundo não O pode receber? (A.W. Tozer)

“O Espírito da verdade, que o mundo não pode receber” (João 14:17).

A fé cristã, baseada no Novo Testamento, ensina o completo contraste entre a igreja e o mundo. Não é mais do que um lugar comum religioso dizer que o problema conosco hoje é que procuramos construir uma ponte sobre o abismo que há entre duas coisas opostas, o mundo e a igreja, e realizamos um casamento ilícito para o qual não há autorização bíblica. Na verdade, nenhuma união real entre o mundo e a igreja é possível. Quando a igreja se junta com o mundo, já não é mais a igreja verdadeira, mas apenas um detestável produto misturado, um objeto de gozação e desprezo para o mundo, e uma abominação para o Senhor.

A obscuridade em que muitos (ou deveríamos dizer a maioria dos?) crentes andam hoje não é causada por falta de clareza da parte da Bíblia. Nada poderia ser mais claro do que os pronunciamentos das Escrituras sobre a relação do cristão com o mundo. A confusão que campeia nessa matéria resulta da falta de disposição de cristãos professos para levar a sério a Palavra do Senhor. O cristianismo está tão emaranhado no mundo que milhões nunca percebem quão radicalmente abandonaram o padrão do Novo Testamento. A transigência está por toda parte. O mundo está suficientemente caiado, encobrindo as suas faltas, para passar no exame feito por cegos que posam como crentes; e esses mesmos crentes estão eternamente procurando obter aceitação da parte do mundo. Mediante mútuas concessões, homens que a si mesmos se denominam cristãos manobram para ficar bem como homens que para as coisas de Deus nada têm, senão mudo desprezo.

Toda esta questão é espiritual, em sua essência. O cristão é o que não é por manipulação eclesiástica, mas pelo novo nascimento. É cristão por causa de um Espírito que nele habita. Só o que é nascido do Espírito é espírito. A carne nunca pode converter-se em espírito, não importa quantos homens considerados dignos da igreja nela trabalhem. A confirmação, o batismo, a santa comunhão, a profissão de fé – nenhum destes, nem todos estes juntos, podem transformar a carne em espírito, e tampouco podem fazer de um filho de Adão um filho de Deus. “E, porque vós sois filhos”, escreveu Paulo aos gálatas, “enviou Deus aos nossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai.”. E aos Coríntios, ele escreveu: “Examinai-vos a vós mesmos, se realmente estais na fé; provai-vos a vós mesmos. Ou não reconheceis que Jesus Cristo está em vós? Se não é que já estais reprovados”. E aos romanos: “Vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se de fato o Espírito de Deus habita em vós. E se alguém não tem o Espírito de Cristo, esse tal não é dele”.

A terrível zona de confusão tão evidente em toda a vida da comunidade cristã, poderia ficar esclarecida num só dia, se os seguidores de Cristo começassem a seguir a Cristo em vez de uns aos outros. Pois o nosso Senhor foi muito claro em Seu ensino sobre o cristão e o mundo.

Numa ocasião, depois de receber não solicitado e carnal conselho de irmãos sinceros, mas não esclarecidos, o nosso Senhor respondeu: “O meu tempo ainda não chegou, mas o vosso sempre está presente. Não pode o mundo odiar-vos, mas a mim me odeia, porque eu dou testemunho a seu respeito de que as suas obras são más”. Ele identificou os Seus irmãos na carne com o mundo e disse que Ele e eles eram de dois espíritos diferentes. O mundo O odiava, mas não podia odiá-los porque não podia odiar-se a si próprio. Uma casa dividida contra si mesma não subsiste. A casa de Adão tem que permanecer leal a si própria, ou se romperá. Conquanto os filhos da carne possam brigar entre si, no fundo estão unidos uns aos outros. É quando o Espírito de Deus entra, que entra um elemento estrangeiro. “Se o mundo vos odeia”, disse o Senhor aos Seus discípulos, “sabei que, primeiro do que a vós outros, me odiou a mim. Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia.”. Paulo explicou aos gálatas a diferença entre o filho escravo e o livre: “Como, porém outrora, o que nascera segundo a carne perseguia ao que nasceu segundo o Espírito, assim também agora” (Gálatas 4:29).
Assim, através do Novo Testamento inteiro, é traçada uma aguda linha entre a igreja e o mundo. Não há meio termo. O Senhor não reconhece nenhum bonzinho “concordar para discordar” para que os seguidores do Cordeiro adotem os procedimentos do mundo e andem pelo caminho do mundo. O abismo que há entre o cristão e o mundo é tão grande como o que separou o rico de Lázaro. E, além disso, é o mesmo abismo, isto é, é o abismo que separa o mundo, dos resgatados do mundo; do mundo, dos que continuam caídos.

Bem sei, e o sinto profundamente quão ofensivo esse ensino deve ser para aquele bando de mundanos que mói e remói o rebanho tradicional. Não posso alimentar a esperança de escapar da acusação de fanatismo e intolerância que, sem dúvida, lançarão contra mim os confusos religionistas que procuram fazer-se ovelhas por associação. Mas bem podemos encarar a dura verdade de que os homens não se tornam cristãos associando-se com gente de igreja, nem por contato religioso, nem por educação religiosa; tornam-se cristãos somente por uma invasão da sua natureza, invasão feita pelo Espírito de Deus por ocasião do novo nascimento. E quanto se tornam cristãos assim, imediatamente passam a ser membros de uma nova geração, uma “raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo de propriedade exclusiva de Deus … que não tínheis alcançado misericórdia, mas agora alcançastes misericórdia” (I Pedro 2:9,10).

Com os versículos citados, não houve desejo de os citar fora do contexto, nem de focalizar a atenção num lado da verdade para desviá-lo de outro. O ensino desta passagem forma completa unidade com toda a verdade do Novo Testamento. É como se tirássemos um copo de água do mar. O que tiraríamos não seria toda a água do oceano, mas seria uma amostra real e em perfeito acordo como o restante.

A dificuldade que nós cristãos contemporâneos enfrentamos não é a de entender mal a Bíblia, mas a de persuadir os nossos indóceis corações a aceitarem as suas claras instruções. O nosso problema é conseguir o consentimento das nossas mentes amantes do mundo para termos Jesus como Senhor de fato, bem como de palavra. Pois uma coisa é dizer, “Senhor, Senhor”, e outra completamente diferente é obedecer aos mandamentos do Senhor. Podemos cantar, “Coroai-O Senhor de todos”, e regozijar-nos com os agudos e sonoros tons do órgão e com a profunda melodia de vozes harmoniosas, mas ainda não teremos feito nada enquanto não abandonarmos o mundo e não fizermos os nosso rostos na direção da cidade de Deus na dura realidade prática. Quando a fé se torna obediência, aí é de fato fé verdadeira.

O espírito do mundo é forte, e gruda em nós tão entranhadamente como cheiro de fumaça em nossa roupa. Ele pode mudar de rosto para adaptar-se a qualquer circunstância e assim enganar muito cristão simples, cujos sentidos não são exercitados para discernir o bem e o mal. Ele pode brincar de religião com todas as aparências de sinceridade. Ele pode ter acessos de sensibilidade de consciência , e até pode confessar os seus maus caminhos pela imprensa pública. Ele louvará a religião e bajulará a igreja por seus fins. ele contribuirá para as causas de caridade e promoverá campanha para distribuir roupas aos pobres. Basta que Cristo guarde distância e que nunca afirme o Seu senhorio sobre ele. Positivamente isso não durará. E para com o verdadeiro Espírito de Cristo, só mostrará antagonismo. A imprensa do mundo (que é seu real porta-voz) raramente dará tratamento justo a um filho de Deus. Se os fatos a compelem a uma reportagem favorável, o tom tende a ser condescendente e irônico. Ressoa nela a nota de desdém.

Tanto os filhos deste mundo como os filhos de Deus foram batizados num espírito, mas o espírito do mundo e o Espírito que habita nos corações dos homens nascidos duas vezes, acham-se tão distanciados um do outro com o céu do inferno. Não somente são o completo oposto um do outro, mas também estão em extremo combate um contra o outro, mas também estão em agudo antagonismo um contra o outro. Para um filho da terra as coisas do Espírito são, ou ridículas, caso em que ele se diverte, ou sem sentido, caso em que ele se aborrece. “Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espírito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente.”

Na Primeira Epístola de João duas palavras são empregadas uma e outra vez,, as palavras eles e vós, e elas designam dois mUndos totalmente diversos; vós refere-se aos escolhidos, que deixaram tudo para seguir a Cristo. O apóstolo não se põe genuflexo, de joelhos, ante o deus de Tolerência (cujo culto se tornou na América uma espécie de religião de segunda capa); João é grosseiramente intolerante. Ele sabe que a tolerância pode ser simplesmente outro nome para a indiferença. Exige-se vigorosa fé para aceitar o ensino do experimentado João. É muito mais fácil apagar as linhas de separação e, assim, não ofender ninguém. Generalidades piedosas e o emprego de nós para significar tanto cristãos como descrentes, é muito mais seguro. A paternidade de Deus pode ser ampliada para incluir toda gente, desde Jack, o Estripador, até Daniel, o Profeta. Assim, ninguém fica ofendido e todos se sentem banhados e prontos para o céu. Mas o homem que se reclinara sobre o peito de Jesus não foi enganado assim tão facilmente. Ele traçou uma linha para dividir em dois campos a raça humana, para separar dos salvos os perdidos, dos que se afundarão no desespero final os que subirão para a recompensa eterna. De um lado estão eles — aqueles que não conhecem a Deus; de outro, vós (ou, com uma mudança de pessoa, nós), e entre ambos está um abismo moral largo demais para qualquer homem atravessar.

Eis aqui o modo como João o declara: “Filhinhos, vós sois de Deus, e tendes vencido os falsos profetas, porque maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo. Eles procedem do mundo; por essa razão falam da parte do mundo, e o mundo os ouve. Nós somos de Deus; aquele que conhece a Deus nos ouve; aquele que não é da parte de Deus não nos ouve. Nisto reconhecemos o espírito da verdade e o espírito do erro”. Uma linguagem como esta é clara demais para confundir qualquer pessoa que honestamente queira conhecer a verdade. Nosso problema não é de entendimento, repito, mas de fé e obediência. A questão não é teológica: Que é que isto ensina?

É moral: Estou disposto a aceitar isto e arcar com as coseqüências? Posso agüentar o olhar frio? Tenho coragem de enfrentar os acerbos ataques movidos pelos modernistas? Ouso provocar o ódio dos homens que se sentirão apontados por minha atitude? Tenho suficiente independência mental para desafiar as opiniões da religião popular e de acompanhar um apóstolo? Ou, em resumo, posso persuadir-me a tomar a cruz com o seu sangue e com o seu opróbrio?

O cristão é chamado para ficar separado do mundo, mas precisamos ter certeza de que sabemos o que queremos dizer (ou, mais importante, o que Deus quer dizer) com o mundo. É provável que o façamos significar alguma coisa externa apenas, perdendo, assim, o seu significado real. Teatro, cartas, bebidas, jogos — estas coisas não são o mundo; são simples manifestações externas do mundo. A nossa luta não é apenas contra os procedimentos do mundo, mas contra o espírito do mundo. Porquanto o homem, salvo ou perdido, essencialmente é espírito. O mundo, no sentido neotestamentário do termo, é simplesmente a natureza humana não regenerada onde quer que esta se encontre, quer no bar, quer na igreja. O que quer que brote da natureza decaída, ou seja edificado sobre ela ou dela receba apoio, é o mundo, seja moralmente vil ou moralmente respeitável. Os antigos fariseus, a despeito da sua zelosa dedicação à religião, eram da própria essência do mundo. Os princípios espirituais sobre os quais eles contruíram o seu sistema foram retirados, não do alto, mas de baixo. Eles empregaram contra Jesus as táticas dos homens. Subornavam os homens para dizerem mentiras em defesa da verdade. Para defender Deus, agiam como demônios. Para proteger a Bíblia, desafiavam os ensinamentos da bíblia. Eles sabotavam a religião para salvá-la. Davam rédeas soltas ao ódio cego em nome da religião do amor. Vemos aí o mundo com todo o seu cruel desafio a Deus. Tão feroz foi esse espírito, que não descansou enquanto não levou à morte o próprio Filho de Deus. O espírito dos fariseus era ativa e maliciosamente hostil ao Espírito de Jesus, pois cada qual era uma espécie de destilação de ambos os respectivos mundos dos quais provinham.

Os mestres atuais que situam o Sermão do Monte nalguma outra dispensação que não esta e, assim, liberam a igreja do seu ensino, mal percebem o mal que fazem. Pois o Sermão do Monte dá em resumo as características do Reino dos homens regenerados. Os bem-aventurados pobres que choram seus pecados e têm sede de justiça são verdadeiros filhos do Reino. Com mansidão mostram misericórdia para com os seus inimigos; com sincera simplicidade contemplam a Deus; rodeados de perseguidores, abençoam, e não amaldiçoam. Com modéstia escondem as suas boas obras e com paciência aguardam a visível recompensa de Deus. Livremente renunciam aos seus bens terrenos, em vez de usar a violência para protegê-los. Eles acumulam os seus tesouros no céu. Evitam os elogios e esperam o dia da prestação final de contas para saber quem é maior no Reino do céu.

Se esta é uma visão bem precisa das coisas, que podemos dizer quando cristãos disputam entre si lugar e posição? Que podemos responder quando os vemos famintamente procurando homenagens e louvor? Como podemos desculpar a paixão por publicidade, tão claramente evidente entre os líderes cristãos? Que dizer da ambição política nos círculos cristãos? E das febris mãos estendidas para mais e maiores “oferendas de amor”? Que dizer do desavergonhado egoísmo entre os cristãos? Como explicar o grosseiro culto do homem que habitualmente infla um ou outro líder popular dando-lhe somas endinheiradas, beijo dado por aqueles que se propõe como fiéis pregadores do Evangelho?

Há só uma resposta a essas perguntas, é simplesmente que nessas manifestações vemos o mundo, e nada senão o mundo. Nehuma apaixonada declaração de “amor” às “almas” pode transformar o mal em bem. Estes são os mesmos pecados que crucificaram Jesus.

Também é verdade que as mais grosseiras manifestações da natureza humana decaída fazem parte do reino deste mundo. Diversões organizadas com ênfase em prazeres frívolos, os grandes impérios edificados em hábitos viciosos e inaturais, o irrestrito abuso dos apetites normais, o mundo artificial denominado “alta sociedade” – todas estas coisas são do mundo. Todas fazem parte daquilo de que a carne consiste, daquilo que se edifica sobre a carne e que há de perecer com a carne. E dessas coisas o cristão deve fugir. Todas essas coisas ele tem que pôr para trás e nelas não deve tomar parte. Contra eleas deve pôr-se serena, mas firmemente, sem transigência e sem temor.

Portanto, que o mundo se apresente em seus aspectos mais feios, quer em suas formas mais sutis e refinadas, devemos reconhecê-lo pelo que ele é, e repudiá-lo categoricamente. Precisamos fazer isso, se é que desejamos andar com Deus em nossa geração como Enoque o fez na sua. Um rompimento puro e simples com o mundo é imperativo. “Infiéis, não compreendeis que a amizade do mundo é inimiga de Deus? Aquele, pois, que quiser ser amigo do mundo, constitui-se inimigo de Deus” (Tiago 4:4). “Não ameis o mundo nem as cousas que há no mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo que há no mundo, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida, não procede do Pai, mas procede do mundo” (I João 2:15,16). Estas palavras de Deus não estão diante de nós para nossa consideração; estão aí para nossa obediência, e não temos direito de nos entitular-mos cristãos se não as seguimos.

Quanto a mim, temo qualquer tipo de movimento religioso entre s cristãos que não leve ao arrependimento, resultando numa aguda separação do crente e o mundo. Suspeito de todo e qualquer esforço de avivamento organizado, que seja forçado a reduzir os duros termos do Reino. Não importa quão atraente pareça o movimento, se não se baseia na retidão e não é cuidado com humildade, não é de Deus. Se explora a carne, é uma fraude religiosa e não deve receber apoio de nenhum cristão temente a Deus. Só é de Deus aquele que horna o Espírito e prospera às expensas do ego humano. “Como está escrito: Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”.

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Testemunho Vida cristã Watchman Nee

Minha jornada espiritual (Watchman Nee)

Não tendo ainda passado dois anos após sua conversão, Watchman Nee escreveu esse testemunho, o qual foi publicado na revista Spiritual Light, em dezembro de 1921.

Uma vez habitei “nas tendas da perversidade” (Sl 84:10), andei “segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, e do espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2:2), eu vivi “segundo as inclinações da [minha] carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e [era] por natureza [filho] da ira, como também os demais” (Ef 2:3).

Então ouvi “a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus” (Hb 4:14) que está construindo uma morada para mim, pois “na casa de meu Pai”, Ele disse, “há muitas moradas” (Jo 14:2).

Uma vez eu estive completamente desesperado, exatamente “como escrito: Não há justo, nem sequer um, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, e à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos há destruição e miséria, desconhecem o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos. Ora, sabemos que tudo o que a lei diz para os que vivem na lei o diz, para que se cale toda a boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus” (Rm 3:10-19). Fiz, então, uma investigação: “Jesus lhes perguntou: Credes que eu posso fazer isso? Responderam-lhe: sim, Senhor” (Mt 9:28).

Agora eu ando como tendo sido depurado do “velho fermento, para que [fosse] nova massa, como [sou] de fato sem fermento. Pois também Cristo, [meu] Cordeiro pascal, foi imolado” (I Co 5:7). Eu “[recebi] o dom do Espírito Santo” (At 2:38) que habita dentro de mim.

Hoje eu percorro “o caminho, e a verdade, e a vida” (Jo 14:6). Agora vejo a Deus, pois “Quem me vê a mim”, disse Jesus, “vê o Pai” (Jo 14:19).

Finalmente encontrei a casa que havia a tanto procurado – “da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (I Co 5:1). Esta casa tem somente uma porta, pois vejo que “se alguém entrar por mim”, declarou Jesus, “será salvo” (Jo 10:9). Agora eu compreendo a verdade da declaração de Jesus: “batei e abrir-se-vos-á” (Mt 7:7).

A casa em que hoje eu vivo, possui um quarto de música – “Gloriai-vos no seu santo nome; alegre-se o coração dos que buscam o Senhor. Buscai o Senhor e o seu poder; buscai perpetuamente a sua presença” (Sl 105:3-4). Possui um aposento para conversação – onde eu devo orar “sem cessar” (I Ts 5:17). Tem, da mesma forma, um quarto de leitura – para examinar “as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim” (At 17:11). Tem um salão para preleções – “Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (I Co 9:22). Meu quarto, para finalizar, é “o peito de Jesus” (Jo 13:25). Minha atual residência é onde “estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vivem em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2:20-21). Meu endereço é os “lugares celestiais” (Ef 2:6). Sempre que você me visitar no espírito de “feliz o homem que me dá ouvidos [isto é, ouve a Sabedoria, que é Cristo], velando dia a dia às minhas portas, esperando às ombreiras da minha entrada” (Pv 8:34), você encontrará não apenas a mim, mas também os santos meus companheiro. Dê ouvidos ao que o servo diz: Vinde, porque tudo já está preparado” (Lc 14:17).

Então “nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e assim, estaremos para sempre com o Senhor” (I Ts 4:17). Depois de serem cumpridas estas palavras, eu terei meu lar onde “vi também tronos, e nestes sentaram-se… Vi ainda a alma dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tão pouco a sua imagem, e nem receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade: pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos” (Ap 20:4-6). E o cântico que entoarei será “…um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhes os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5:9).

Não muito depois, juntamente com meus amados mudarei para “um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe” (Ap 21:1). Pois “segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (II Pe 3:13).

“E assim,” nessa ocasião, a palavra – “se alguém está em Cristo, é nova criatura: as cousas velhas já passaram; eis que se fizeram novas” – será plenamente realizada, e de forma gloriosa experimentarei a verdade desta palavra: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo alegrai-vos” (Fl 4:4).

Da mesma forma os santos do passado fizeram sua jornada espiritual. No entanto, estas linhas também representam o que eu mesmo tenho experimentado e ardentemente espero. Na verdade, ao escrever esta última parte, eu me encontrava com lágrimas de regozijo. Suponho, porém, que você, que é salvo, possui o mesmo sentimento em relação à volta do Senhor Jesus. Aqueles que são lavados pelo sangue de Jesus são, naturalmente, otimistas para com a vida. Mas, onde você, que não possui a segurança de estar salvo, passará a morte eterna? Por favor, considere este assunto.

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Dave Hunt Deus

Deus é amor (Dave Hunt)

Hoje em dia, exatamente como a Bíblia profetizou, o homem se torna cada vez mais atrevido em relação a Deus. Um elemento básico comum para a rejeição a Cristo neste mundo e para o desprezo pela sã doutrina na igreja é a falta de reflexão, isto é, de pensar e raciocinar cuidadosamente, de um modo especial sobre Deus, Sua Palavra e Sua vontade. Em vez disso, a preocupação maior do mundo e, infelizmente, de muitos cristãos, é o divertimento. Ficamos ocupados demais em nos entretermos para que possamos refletir sobre Deus. Do mesmo modo como o ateu rejeita o teísmo, assim o divertimento rejeita a reflexão.

Vamos nadar contra a maré e refletir juntos. Deus convocou Israel: “Vinde então, e argüi-me, diz o SENHOR: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã. Se quiserdes, e obedecerdes, comereis o bem desta terra. Mas se recusardes, e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; porque a boca do SENHOR o disse.” (Isaías 1:18-20).

Um grito que parte constantemente do coração de Deus é “Ouvi, ó céus, e dá ouvidos, tu, ó terra; porque o SENHOR tem falado: Criei filhos, e engrandeci-os; mas eles se rebelaram contra mim. O boi conhece o seu possuidor, e o jumento a manjedoura do seu dono; mas Israel não tem conhecimento, o meu povo não entende” (Isaías 1:2,3).

Os constantes apelos divinos a Israel para que se arrependesse indicam claramente que Deus não era responsável pelo seu pecado. Ele não havia preordenado a sua rebelião nem o seu castigo. Israel não estava obedecendo à vontade de Deus. O Deus de Israel arrazoa em vão com o Seu povo escolhido: “E eu vos enviei todos os meus servos, os profetas, madrugando e enviando a dizer: Ora, não façais esta coisa abominável que odeio” (Jeremias 44:4). Obviamente Deus não havia predestinado o mau comportamento do seu povo nem a sua condenação, pois nesse caso não teria chamado a idolatria de “essa coisa abominável que odeio”.

Nem são também o egoísmo, o ciúme e o ódio; a fornicação, o adultério e o divórcio; o homossexualismo, o lesbianismo e a rejeição ao casamento uma ordenança divina; nem os abortos e assassinatos, as guerras étnicas e religiosas e todo tipo de violência rompante que tem grassado hoje em dia no mundo inteiro, assim como não existia, pela vontade divina, a iniqüidade do tempo de Noé. Aquele mundo foi destruído pelo dilúvio. Hoje o mundo está maduro para um derramamento mais sério da ira divina contra o pecado.

O homem foi criado à imagem de Deus (Gênesis 1:26-27), não física, mas espiritualmente. “Deus é Espírito” (João 4:24) sem forma física. O homem foi criado para refletir o caráter moral e espiritual de Deus em tudo que pensasse, falasse e fizesse. O Jardim do Éden não foi somente um paraíso de beleza física e de abundância além de toda imaginação, mas também um paraíso como um pedaço do céu na terra.  Que gloriosa relação Adão e Eva gozavam! O Jardim era uma sinfonia da glória de Deus expressa na exuberante singularidade de um homem e uma mulher reunidos pelo próprio Deus no primeiro matrimônio. A felicidade extática e indescritível do amor sem egoísmo demonstrado em palavras e atos de contínua gentileza, reflexão, graça, misericórdia, bondade e compaixão, cada um buscando apenas a alegria do outro, na maravilha do íntimo companheirismo.

Quando foi completada a criação divina do universo, dos animais e do homem, Deus viu que “tudo era muito bom” (Gênesis 1:31). Então, o que aconteceu para que tudo desse errado? Como pôde o homem criado à imagem de Deus ter um ódio tão profundo contra o seu Criador e tal determinação para trilhar o seu próprio caminho, expondo sua rebelião diante de um Deus compassivo e Santo, a Quem ele devia sua própria existência?

A Bíblia chama esse enigma de “o mistério da iniqüidade”  (2 Tessalonicenses 2:7) e declara que a sua fonte secreta se encontra nas profundezas do coração humano: “Porque do interior do coração dos homens saem os maus pensamentos, os adultérios, as prostituições, os homicídios, os furtos, a avareza, as maldades, o engano, a dissolução, a inveja, a blasfêmia, a soberba, a loucura. Todos estes males procedem de dentro e contaminam o homem” (Marcos 7:21-23).

O coração não é apenas o centro das emoções. Ele se assemelha a um castelo forte, do qual cada pessoa guarda a única chave: “Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Provérbios 4:23).

Jamais esquecerei a entrevista na TV  de um canadense que havia sido preso na Arábia Saudita, falsamente acusado de terrorismo. Sob contínua tortura ele “confessou a sua culpa”, antes de ser posto em liberdade. Aquela experiência aterradora havia lhe ensinado duas coisas: 1. A tortura pode ser tão crucial que a pessoa mais forte pode ser levada a “confessar” qualquer coisa, até mesmo que assassinou a própria mãe. 2. Nenhuma tortura, sem importar quão insuportável seja, pode levar a vítima a crer no que ela é forçada a confessar.

Existe um recanto profundamente oculto, onde a pessoa real guarda os seus recônditos pensamentos e suas verdadeiras intenções. Salomão admoestou o seu filho dizendo que aquilo que o homem diz é sempre um engano para esconder o que ele realmente é no seu íntimo (Provérbios 23:6-8). A Bíblia sempre chama essa fortaleza interior de “o coração” ou “a vontade”. Sem ela é impossível ter a individualidade,  amar e ser amado. Deus nos criou de tal maneira que nem mesmo Ele pode nos forçar a crer em alguma coisa. Ele arrazoa conosco no evangelho, a fim de persuadir-nos da verdade. Mas, infelizmente, a maioria das pessoas não dá ouvidos à razão e insiste em palmilhar a estrada larga da destruição, embora sabendo aonde esta o conduzirá.

O mundo está repleto de jovens obstinados e desobedientes, criados na rebelião, não apenas contra os pais, mas contra toda autoridade, especialmente a autoridade divina. A variedade de divertimentos oferecida, até mesmo na igreja, somente os tem afastado de pensar profundamente, isto é, de raciocinar. O resultado, segundo 2 Tessalonicenses 3:2, é o aumento de “…homens dissolutos e maus; porque a fé não é de todos.”

O oculto bastião interior pode ser o trono de um tirano egocêntrico governando os outros, ou o trono do desprendimento se derramando sobre os outros em forma de genuíno amor e compaixão.

“Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á (Mateus 16:25). “Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto (João 12:24).

Deus não criou robôs. Ele deu ao homem a vontade de escolher livremente entre o amor e o ódio, para receber a Cristo como Salvador ou então rejeitá-Lo. Deus quer que o homem Nele confie  totalmente e que O ame profundamente, a ponto de Lhe entregar a chave da fortaleza interior do seu coração, sem esconder coisa alguma: “Dá-me, filho meu, o teu coração, e os teus olhos observem os meus caminhos” (Provérbios 23:26). Deus não quer iludir-nos nem persuadir-nos superficialmente através de emoções. Ele deseja ganhar os nossos corações com a Sua Verdade e o Seu Amor: “Por isso hoje saberás, e refletirás no teu coração, que só o SENHOR é Deus, em cima no céu e em baixo na terra; nenhum outro há… Amarás, pois, o SENHOR teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças …   Não ouvirás as palavras daquele profeta ou sonhador de sonhos; porquanto o SENHOR vosso Deus vos prova, para saber se amais o SENHOR vosso Deus com todo o vosso coração, e com toda a vossa alma. ” (Deuteronômio 4:39; 6:5 e 13:3).

Quando Deus nos comanda a amá-Lo de todo o coração, Ele prova o Seu Amor e desejo de que toda criatura humana seja salva. Seria absurdo que Ele ordenasse a todos que O amassem se Ele não os amasse o suficiente para os salvar, predestinando-os, em vez disso, para o inferno. Leiamos: “E estavam os homens de Israel já exaustos naquele dia, porquanto Saul conjurou o povo, dizendo: Maldito o homem que comer pão até à tarde, antes que me vingue de meus inimigos. Por isso todo o povo se absteve de provar pão. E todo o povo chegou a um bosque; e havia mel na superfície do campo” (1 Samuel 14:24,25). “Ainda assim, agora mesmo diz o SENHOR: Convertei-vos a mim de todo o vosso coração; e isso com jejuns, e com choro, e com pranto. E rasgai o vosso coração, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao SENHOR vosso Deus; porque ele é misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade, e se arrepende do mal(Joel 2:12,13). “… É lícito, se crês de todo o coração. E, respondendo ele, disse: Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”(Atos 8:37). “… Se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo” (Romanos 10:9).

O mais poderoso testemunho da criação se encontra no DNA. Instruções digitalmente organizadas para construir e operar trilhões de células, como um só corpo, estão inscritas no DNA em linguagem codificada, as quais somente certas moléculas de proteína podem decodificar. Tudo que é escrito tem um autor! E o Autor desse extraordinário conjunto de intricadas informações só poderia ser uma Inteligência Infinita, Aquela que criou e “sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder” (Hebreus 1:3).

A rebelião de Satanás e do homem trouxe destruição a toda a ordem universal. O resultado em marcha tem sido os desastres naturais e um crescente aumento de moléstias e deformações entre homens e animais: “Na esperança de que também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e está juntamente com dores de parto até agora” (Romanos 8:21.22). Até mesmo algumas células já não obedecem às instruções codificadas no DNA, resultando no câncer.

Apesar da extraordinária e indisputável evidência que tem bombardeado o homem na atualidade, ele continua recusando-se a obedecer ao Criador, transformando-se, portanto, num câncer espiritual na terra “… cada um fazendo o que parece bem aos seus olhos” (Juízes 17:6).

Deus teria razão de sobra para destruir a humanidade. Ele quase fez isso com o dilúvio. Nós não existiríamos hoje se Noé não tivesse achado “graça aos olhos de Deus” (Gênesis 6:8). E porque Deus tem sido tão gracioso e misericordioso com os rebeldes? Somente por causa do Seu Amor revelado em Jesus Cristo! O sacrifício de Cristo pelo pecado dos homens é a grande  prova do Amor de Deus por toda a humanidade, pois “… Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores” (Romanos 5:8).

O indescritível horror do pecado é revelado na zombaria, nos açoites e na crucificação do Salvador na cruz. E, assim, à medida em que o homem pecador e rebelde faz o pior, o Amor de Deus brilha mais intensamente: “E dizia Jesus: Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). Em resposta a esta oração o Pai castiga Cristo, totalmente, pelos pecados passados, presentes e futuros de toda a humanidade.

Em amorosa resposta ao homem rebelde, o qual deseja destroná-Lo, Deus enviou o Seu Filho ao mundo, através do nascimento virginal, a fim de pagar a penalidade devida pelo pecado à Sua própria justiça infinita. De fato, Ele não poderia ter agido de outro modo, pois Deus é Amor! (João 4:8,16).

Existe uma enorme diferença entre dizer que  Deus é amoroso e que Deus é Amor. A expressão “Deus é” está acoplada  às muitas gloriosas promessas e advertências: “Deus é eterno” (Dt 33:27); Ele é “A minha fortaleza e a minha força” (2 Samuel 22:33); “Misericordioso e compassivo” (2 Crônicas 30:9); “Socorro bem presente na angústia” (Salmos 46:1); “Minha defesa” (Salmos 59:17); “Verdadeiramente bom para Israel” (Salmos 73:1);”Fiel é Deus” (1 Coríntios 1:9; 10:13); “Deus é verdadeiro” (João 3:33); “Deus é um fogo consumidor” (Hebreus 12:29), etc.

Contudo, estas expressões falam de como Deus age e não de como Ele é. O Amor é a Sua exata essência. Ele simplesmente AMA! Embora o Amor totalmente livre de interesse seja raramente visto na terra, todo mundo sabe que esse tipo de Amor provém de Deus. Esse reconhecimento está guardado no mais recôndito da memória do coração do homem, como uma recordação do paraíso perdido.

Quando Adão e Eva se rebelaram contra Deus, logo descobriram que “estavam nus” (Gênesis 3:7). Não que estivessem sem roupas (Ver a TBC de fevereiro e outubro 2002), pois esse era um fato desde a criação. Feitos à imagem de Deus, eles deviam estar vestidos da verdadeira luz divina (1 João 1:5). Tem-se dito com razão que “somos como espelhos, cujo brilho depende completamente do sol (o Filho), que brilha através de nós”. O pecado desnudou o primeiro homem e a primeira mulher de tudo que Deus pretendia para eles como criaturas feitas à Sua gloriosa imagem. O reflexo de Sua glória deixou de brilhar através deles, deixando-os espiritual e moralmente despidos. Que tragédia! Hoje o homem continua nu diante do seu Criador, sem a glória da qual foram revestidos os primeiros pais, pois “Porque todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus” (Romanos 3:23). O Amor, que é a perfeita essência de Deus, nos falta porque fomos de Deus separados por causa do pecado. Existe no coração do homem um profundo anseio que somente Deus pode preencher. Ele nos convoca a uma reconciliação com Ele: “E buscar-me-eis, e me achareis, quando me buscardes com todo o vosso coração”. (Jeremias 29:13). A maior parte dos membros de nossa trágica raça humana se volta para tudo, menos para Deus, na ânsia de satisfazer o vazio que somente Ele pode preencher: “Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai verdadeiramente desolados, diz o SENHOR. Porque o meu povo fez duas maldades: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas rotas, que não retêm águas” (Jeremias 2:12,13).

Assim, ninguém ficará satisfeito a não ser com o  próprio Deus. Como o salmista, eles vão clamar: “Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?” (Salmos 42:1-2). Esse tipo de sede não pode ser saciado humanamente, nem com milagres que excitam a carne. É uma sede profunda de conhecer o próprio Deus, numa relação tão íntima que se transforma em tudo que Ele deseja que sejamos. Será essa a paixão do seu e do meu coração? Na oração de Cristo ao Pai, Ele expressa o desejo ardente de que o perfeito Amor de Deus habite e se manifeste através dos que O conhecem: “E eu lhes fiz conhecer o teu nome, e lho farei conhecer mais, para que o amor com que me tens amado esteja neles, e eu neles esteja” (João 17:26). Que oração do coração de Alguém que deseja “trazer muitos filhos à glória” (Hebreus 2:10), à Sua semelhança “Amados, agora somos filhos de Deus, e ainda não é manifestado o que havemos de ser. Mas sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele; porque assim como é o veremos” (1 João 3:2). Ouçamos a ansiosa expectação de Davi: “Quanto a mim, contemplarei a tua face na justiça; eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar” (Salmos 17:15). Isso é mais do que uma restauração do amor que Adão e Eva experimentaram no Jardim. A relação íntima que eles tinham conhecido com o seu Criador poderia, como aconteceu, ser perdida.

Cristo falou a uma preocupada Marta: “E Maria escolheu a boa parte, a qual não lhe será tirada” (Lucas 10:42). Paulo orou pelos crentes de Éfeso “Tendo iluminados os olhos do vosso entendimento, para que saibais qual seja a esperança da sua vocação, e quais as riquezas da glória da sua herança nos santos”  (Efésios 1:18). Maravilha das maravilhas! Deus vai restaurar eternamente os pecadores desnudos através de Sua glória em Cristo Jesus: “E o Deus de toda a graça, que em Cristo Jesus vos chamou à sua eterna glória, depois de haverdes padecido um pouco, ele mesmo vos aperfeiçoará, confirmará, fortificará e fortalecerá” (1 Pedro 5:10).

O novo nascimento através da fé em Cristo dá início a uma nova  vida em nós. Cristo vive em nós, mas devemos compartilhar diligentemente com Ele: “De sorte que, meus amados, assim como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a vossa salvação com temor e tremor; porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade” (Filipenses 2:12,13). E “E para isto também trabalho, combatendo segundo a sua eficácia, que opera em mim poderosamente” (Colossenses 1:29).

Possa cada um de nós ter o mesmo firme propósito em nossos corações, enquanto aguardamos ansiosamente a Sua Vinda!

“The Berean Call Letter”, Abril 2004

Tradução de Mary Schultze

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Evangelho

O Sucesso Certo do Evangelismo (W. G. T. Shedd)

Na medida em que todos e cada um dos discípulos de Cristo estão comprometidos a contribuir com sua parte para a evangelização do globo, levanta-se uma pergunta interessante e importante: “A obra é possível?” Não poderia acontecer de a igreja estar tentando muito? A grande parte do mundo ainda é pagã e totalmente ignorante de Deus em Cristo. E uma parte considerável da Cristandade nominal consiste de homens não renovados, que estão tão distantes do céu como os pagãos, no que diz respeito ao novo nascimento.

Como pode a igreja em geral, e o cristão individual, estar segura de que não está assumindo uma obra que é intrinsecamente impossível de ser realizada? Nenhum trabalhador deseja gastar suas forças por nada. Um dos tormentos do inferno pagão era girar perpetuamente uma enorme rocha montanha acima, e uma vez alcançado o pico, vê-la perpetuamente escapar de suas mãos e rolar montanha abaixo até o fundo.

Propusemos-nos mencionar algumas das razões que asseguram que o labor evangelístico terá sucesso. O esforço da igreja para pregar a Cristo crucificado não fracassará mais em seus resultados, do que a chuva fracassa em regar a terra, e fazer com que as sementes que são nelas semeadas germinem (Isaías 55:10).

Argumentamos e derivamos a certeza do sucesso no labor evangelístico, em primeiro lugar, da natureza da verdade de Deus. Há algo na qualidade e nas características da doutrina, que temos sido ordenados a pregar a toda criatura, que promete e profetiza um triunfo.

Precisamos ter este fato em vista, se quisermos ver algum fundamento de certeza para o sucesso do evangelista cristão. A menos que ele seja comissionado a ensinar algo que seja sobre-humano; algo que não teve origem na esfera da terra e do homem; algo que não seja encontrado nas literaturas do mundo; ele gastará suas forças por nada. Os apóstolos da razão humana, os inventores dos sistemas humanos, e seus discípulos, têm trabalhado por seis mil anos sem mudar radicalmente um só homem individual, ou converter algum dos pecados e misérias da terra na santidade e felicidade do céu. E se o arauto cristão não for inteiramente além de sua esfera e proclamar verdades de outro mundo superior, ele apenas repetirá os esforços fúteis deles. Ele deve ensinar a Palavra e os mandamentos de Deus — uma doutrina mais alta do que os mandamentos do homem, uma sabedoria superior a de qualquer povo, hebreu ou hindu, grego ou romano.

O Interesse Especial de Deus em Sua Palavra

Argumentamos a certeza do sucesso do labor evangelístico, em segundo lugar, do fato que Deus sente um interesse especial em Sua própria Palavra.

Este fato é claramente ensinado em Isaías 55. “Minha palavra”, diz Deus pelo Seu profeta, “não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo que a designei”. Aqui se encontra o interesse pessoal e a supervisão pessoal. Estas doutrinas relacionadas com a salvação e o destino do homem não são enviadas do céu como mensageiras solitárias, para abrir o caminho da melhor forma que puderem. A Terceira Pessoa da Trindade vai com elas, e exerce uma influência através delas que é indefinível, mas poderosa e irresistível dentro de sua própria esfera e de seu próprio modo. Pois não há coração humano sobre o globo, cuja dureza não possa ser penetrada pela operação combinada da Palavra e do Espírito de Deus.

Neste fato, então, encontramos um segundo fundamento de certeza de sucesso para o esforço evangelístico. Você pode proclamar todos os seus dias, suas próprias idéias, mas dirá juntamente com Grotius, no final de uma longa e industriosa carreira: “Gastei minha vida fazendo laboriosamente nada”. Mas se você tem passado os seus dias ensinando aos não-evangelizados e comunicando-lhes seus obscuros e cegos entendimentos da lei e do evangelho, você pode dizer, no final da vida, enquanto recapitula sua obra: “Erigi um monumento mais durável do que o bronze. Ensinei a Palavra de Deus que vive e permanece para sempre, à muitas almas”.

A mesma lei que governa a experiência individual, prevalece na esfera maior da missão. Deve haver um cessar de olhar para a criatura e um absorvente e fortalecedor olhar para o Criador e Redentor. Nenhum pecador obtém paz até que veja que a graça de Deus é muito maior do que os seus pecados. Enquanto seus pecados parecerem maiores do que a misericórdia de Deus, ele se achará em desespero. Precisamente assim acontece com os esforços para salvar as almas dos homens. A igreja não será um instrumento na evangelização do globo, a menos que ela creia que Deus o Espírito Santo é mais poderoso do que a corrupção do homem. Enquanto a obra parecer muito grande para ser realizada; enquanto a ignorância, o vício, a brutalidade e a apatia da multidão pecaminosa parecerem insuperáveis por qualquer poder humano ou divino; nessa mesma medida não haverá um labor corajoso e confidente para o bem-estar humano. Nenhum missionário jamais teria saído com sua mensagem de amor, se os seus olhos estivessem apartados de Deus e fixados somente no homem e na condição sem esperança do mesmo.

Você pensa que os apóstolos teriam começado, a partir de um pequeno canto da Palestina, a converter o mundo Greco-Romano numa nova religião, se sua visão estivesse confinada à terra? Aparte do poder e da promessa de Deus, a pregação de uma religião como o Cristianismo, a uma população como a do paganismo, seria o mais puro quixotismo. Ela atravessa todas as inclinações e condena todos os prazeres do homem culpado.

A pregação do evangelho encontra sua justificação, sua sabedoria, e seu triunfo, somente na atitude e relação com o infinito e Todo-Poderoso Deus que a sustenta.


Nota sobre o autor:
W.G.T. Shedd, D.D. (1820 – 1894) serviu como pastor congregacional e mais tarde como pastor presbiteriano. Ele teve uma distinta carreira como Professor de Literatura Inglesa, antes de sua obra nos seminários teológicos de Auburn, Andover, e finalmente no Union Seminary, em New York.

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Espírito Santo Igreja Ministério

Chamado para apóstolo (Dr. David Martyn Lloyd-Jones)

“Servo de Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho…” (Romanos 1:1)

Neste texto vemos três declarações:

1) SERVO DE CRISTO – Paulo enfatiza a pessoa de Cristo. Jesus é o centro da vida do apóstolo e por isso ele O serve. Antes ele o perseguia quando perseguia os cristãos (“Saulo, Saulo, por que me persegues?” Atos 9:4).

Mas Paulo não apenas fala de ser servo de Jesus, mas que Jesus é o Messias, O Cristo, O Ungido de Deus para realizar a obra salvífica do seu povo. Paulo sempre fala de Jesus como aquele que padeceu na cruz; era sua pregação: Cristo crucificado! Este era o propósito de Jesus ao vir ao mundo. Mas o apóstolo sempre dizia que este Jesus Salvador era o Messias prometido, o Cristo.

Por isso Paulo afirma que Jesus Cristo é o tema da sua pregação – Cristo e este crucificado. Este é um grande ensino para nós pois o que deve caracterizar um servo do Senhor é que ele proclame Cristo crucificado. Deve ser esta a nossa prova de fé. Ele é o centro da nossa vida? O centro da nossa mensagem ao mundo? Paulo era assim. Só nos primeiros 14 versículos da Epístola aos Efésios Paulo menciona a palavra Jesus 15 vezes. Acontece isso conosco? Ou preferimos contar nossas experiências achando que com isso pregamos o evangelho? Isto não é evangelho! Evangelho é Cristo. Quanto mais crescemos na graça, menos falamos de nós e mais falamos de Jesus Cristo.

Por isso Paulo se vangloriava em ser servo de Jesus . A palavra correta no original é “escravo” (servo). O que ele está afirmando é que é “escravo de Cristo”. Quando Paulo diz em I Co 6:19-20, que somos templo do Espírito Santo conclui dizendo que não somos mais de nós mesmos porque fomos “comprados por preço”. É como se ele estivesse dizendo: “Vocês não percebem que seus corpos são templo do Espírito Santo e não são de vocês mesmos? Que não têm o direito de fazer o que bem desejarem com seus corpos pois foram comprados pelo preço do sangue de Cristo? Não percebem que foram libertos da escravidão pelo precioso sangue de Cristo? Foram livres da escravidão de satanás para servirem ao Deus vivo e verdadeiro?”. Isto é o que significa ser redimido.

Nós nascemos escravos do diabo (Ef. 2:1-3) e fomos libertos por aquele que é o único que pode nos libertar por aquele que é o caminho que pode nos libertar – Cristo e seu precioso sangue. É o que Pedro diz em I Pedro 1:18-19. Somos agora livres de Satanás e pertencemos a Cristo. Ele nos comprou, agora somos cativos dEle. Ele é nosso Senhor. Concluímos que jamais somos livres. Livres, sim, de Satanás e do pecado, mas escravos de Cristo, a Ele servimos.

Possivelmente quando Paulo disse: “Vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim” (Cl 2:20), estava se referindo a esta escravidão à pessoa a quem se ama e se honra. Em II Co 2:14, Paulo usa a figura dos súditos de um grande general que depois de ter feito uma grande conquista, entra triunfante na cidade em um desfile militar com as pessoas capturadas na guerra por este general que estão em volta dele.

Paulo diz que ser escravo de Cristo o constrange a pregar e o que seria dele se não pregasse o evangelho. Tudo por devoção a Cristo, porque Ele o livrou do mercado de escravos, o conquistou para Si. Agora é um escravo voluntário. Um escravo que ama seu Senhor. Este é um grande exemplo para nós. Aliás esto aconteceu conosco. Aconteceu mesmo? Você sente-se assim? Você não mais se pertence, mas pertence ao seu Senhor?

2) “CHAMADO PARA SER APÓSTOLO”.

Temos de entender bem estas duas palavras. Isso por causa do contexto em que vivemos hoje. Há muita confusão na Igreja de hoje.

O que um apóstolo? Paulo, no sentido geral era um servo de Cristo, mas num sentido especial era um apóstolo.

Por que diz que foi “chamado” para ser apóstolo? Porque Paulo se preocupa logo no início desta Epístola em dizer que foi chamado para ser apóstolo? Bem, muitas pessoas naquela época estavam questionando Paulo como apóstolo, eram seus opositores e assim Paulo era difamado. Era considerado um falso apóstolo. Estava apenas representando. Diziam que ele nunca havia estado com Jesus. Mas Paulo diz claramente e com vigor que era tão apóstolo como os doze.

O que é um apóstolo? É um ofício muito especial e peculiar. Uma prova disto é que Jesus chamou os 12 discípulos (Mt 10) e “…deu-lhes poder sobre os espíritos imundos, para expulsarem, e para curarem toda enfermidade e todo mal”. No v.1, Mateus os chama de discípulos e no versículo 2 muda para apóstolos. Por que isso? Porque nem todo discípulo era apóstolo. Só alguns discípulos tornaram-se apóstolos.

Provamos isso ao ler Lucas 6:12-13. “…chamou a si os seus discípulos, e escolheu doze dentre eles, aos quias deu também o nome de apóstolos”. Somente doze dos discípulos foram nomeados e escolhidos.

A palavra “apóstolo” vista nos dicionários é alguém “enviado”. Às vezes este termo é usado com este significado no Novo Testamento, porém é mais que isto. O termo diz que é um enviado com uma missão a quem são dados poderes para cumpri-la. Na Bíblia, “apóstolo” é alguém escolhido e enviado a uma missão especial como representante autorizado de quem o envia.

Quais as marcas e sinais de um apóstolo?

1. Teria que ser testemunha do Senhor ressurreto.

Em Atos vemos os apóstolos reunidos no cenáculo conversando sobre quem substituiria a Judas Escariotes. No cap. 1:21-22 lemos: “É necessário pois, que, dos homens que nos acompanham todo o tempo que o Senhor Jesus andou entre nós , começando no batismo de João, até ao dia em que dentre vós foi levado às alturas, um destes se torne testemunha conosco da sua ressurreição”.

Paulo diz que viu Jesus ressurreto: “Não sou, porventura livre? Não sou apóstolo? Não vi a Jesus, Nosso Senhor?” (I Co 9:1). Era ele dizendo que vira Jesus ressurreto no caminho de Damasco e era testemunha disto.

2. O apóstolo tinha de ter um chamado especial para exercer este ofício. Ele foi chamado pelo próprio Senhor.

3. Era alguém a quem foi dada autoridade e comissão de operar milagres. Isso fica bem claro em II Co 12:12 – “Pois as credenciais do meu apostolado foram manifestados no meio de vós com toda a persistência, por sinais prodígios e poderes miraculosos”. Era como se ele dissesse: “Como vocês podem questionar meu ofício de apóstolo se as minhas credenciais foram apresentadas claramente entre vós”. Sinais, milagres e atos maravilhosos.

4. Os apóstolos tinham poder para dar e comunicar dons espirituais a outros; podiam transmitir o Espírito Santo pela imposição das mãos (Atos 8:17). Isso significava sinal de autoridade da sua comissão.

5. O apóstolo tinha autoridade para ensinar e definir a doutrina firmando as pessoas na verdade.

6. Tiveram autoridade para estabelecer a ordem nas igrejas. Nomeavam os presbíteros, decidiam questões disciplinares e questões doutrinárias ( ensino e doutrina. Falavam com autoridade do próprio Jesus: “…mas o Consolador, o Espírito Santo, a quem o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo o que vos tenho dito”(Jo 14:26).

Tudo isso tem conseqüências importantes:

a) Falavam com autoridade vinda de Deus.

b) Eram representantes de Cristo e as pessoas os ouviam como quem falava da parte de Deus. Por isso Paulo diz aos crentes da igreja de Tessalônica: “…é que tendo vós recebido a palavra que de nós ouvistes, que é de Deus, acolhestes não como palavra de homens e, sim, como em verdade é a palavra de Deus…”(I Ts 2:13). Paulo está lembrando que eles não estavam ouvindo (lendo) palavras de homens. Deus dera autoridade para edificar não só aos crentes de Tessalônica, mas de Corinto: “…a respeito da nossa autoridade, a qual o Senhor nos conferiu para edificação…” (II Co 10:8). Ou ainda: “Portanto, escrevo estas cousas, estando ausente, para que, estando presente, não venha a usar de rigor segundo a autoridade que o Senhor me conferiu para edificação…” (II Co 13:10). Era uma autoridade excepcional que somente Deus podia dar; uma palavra inspirada, infalível.

Uma prova disso se vê quando Pedro diz: “…como igualmente o nosso amado irmão Paulo vos escreveu, segundo a sabedoria que lhe foi dada…nas quais há certas cousas difíceis de entender, que os ignorantes e instáveis deturpam, como também deturpam as demais Escrituras”… (outras Escrituras) – II Pedro 3:16. Aqui Pedro está igualando o que Paulo escreveu às demais Escrituras do VT. Pedro está dizendo que Paulo escreveu Bíblia.

As palavras escritas pelos apóstolos têm autoridade divina – Os apóstolos foram comissionados pelo Senhor Jesus Cristo e foram guiados e dirigidos pelo Espírito Santo. São palavras divinamente inspiradas. Lembremo-nos que foi Jesus que deu autoridade aos seus servos, os apóstolos, como Paulo. Se alguém disser que só crê no que Jesus disse, responda dizendo que esta afirmação é contraditória pois o próprio Jesus que deu autoridade ao Seu servo, aos apóstolos que reconheceram, como Pedro, que Paulo escrevera de forma tão inspirada como o VT.

Quando a igreja primitiva chegou a definir e determinar o Cânon do Novo Testamento, pois havia muitos escritos cristãos, o Espírito Santo levou a Igreja a decidir desta maneira: ela dizia que, se um documento que pretendesse ser um Evangelho ou Epístola, e não pudesse ser rastreado direta ou indiretamente, até as suas raízes num apóstolo, alguém com autoridade apostólica, ele não devia ser incluído. A prova era a apostolicidade, o caráter apostólico na determinação do Cânon do Novo Testamento. Por que? Porque um apóstolo é um homem dotado de autoridade única, autoridade de fazer doutrina, de fazer Bíblia. O Senhor guiou a Paulo pelo Seu Espírito Santo, o Senhor o chamou para ser apóstolo.

Por que Paulo se diz “chamado para apóstolo” e logo no início da Epístola? Sem dúvida Paulo queria deixar bem claro para os crentes de Roma que ele era verdadeiramente um apóstolo. Como seria bom que hoje, os que se dizem apóstolos mostrassem as credenciais que Paulo mostrou. Sem dúvida não teriam estas credenciais e por isso não são Apóstolos. Na carta que ele escreve à igreja da Galácia, Paulo é mais enfâtico ainda quando diz: “Paulo, apóstolo, não da parte de homens, nem por intermédio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos…” (Gl. 1:1).

Paulo aqui está dizendo àqueles crentes que não pensem de forma errada que ele mesmo havia se declarado apóstolo como hoje se faz. Não! Os falsos mestres é que fazem isso. Ele diz claramente que é apóstolo, “não da parte de homens, nem por intermédio de homens, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai”. Paulo foi “chamado”, escolhido pelo ato soberano de Jesus Cristo. Havia sido chamado da mesma forma que os doze e tinha a mesma autoridade. Paulo diz isso de si mesmo.

Há algo admirável aqui. O Senhor escolhe um homem para apóstolo, quando antes este mesmo homem tinha sido um dos seus maiores inimigos. Um homem com quem Jesus não estivera durante Seu período aqui no mundo, quando encarnado; alguém que não ouvira Seu ensino, não vira Seus milagres, que não O vira na cruz, que não estivera com os doze no cenáculo quando lhes apareceu após a ressurreição; era um blasfemador, um perseguidor do cristianismo. Como pode ser isto? Mas o Senhor se revela a Paulo e o chama, exatamente como chamou aos outros. Lemos em 1Co 15:7 – “Depois, foi visto por Tiago, mais tarde, por todos os apóstolos e, afinal, depois de todos, foi visto também por mim, como por um nascido fora de tempo”. Ele está dizendo como Jesus lhe aparecera e o comissionara para ser apóstolo, mesmo depois do Pentecoste, mesmo depois do Senhor fazer várias revelações a pessoas especialmente escolhidas. Paulo vai a Damasco “respirando ameaças e mortes” e o Senhor aparece e o comissiona dizendo: “Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés, porque por isto te apareci, para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda, livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio para lhes abrir os olhos e convertê-los das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim” (Atos 26:16-18). Ele mesmo diz que não foi “desobediente à visão celestial” que teve. Um comissão de proclamar a verdade de forma autoritativa.

7. Não podemos esquecer desta outra marca do apostolado: A verdade lhe foi ensinada pessoalmente pelo Senhor. Em Gálatas 1:11-12 Paulo diz: “Faço-vos, porém, saber, irmãos, que o evangelho por mim anunciado não é segundo o homem; porque eu não o recebi, nem aprendi de homem algum, mas mediante revelação de Jesus Cristo”. Este evangelho não foi ensinado por outra pessoa,; se fosse ele não seria apóstolo. Ele ainda diz nesta epístola aos Gálatas que foi separado desde o ventre materno pela graça de Deus, quando revelou Jesus para que O pregasse entre os gentios e para isso não consultou a “carne e sangue”, nem subiu à Jerusalém para os que já eram apóstolos antes dele mas partiu para a Arábia e depois voltou para Damasco. Três anos depois vai à Jerusalém para avistar-se com Pedro (Gl.1:15-18). Ele vaia a Pedro, mas não para aprender com Pedro pois era igual aos demais apóstolos pois a verdade lhe fora dada pessoalmente por Cristo.

Por que isto é importante? Porque esta é uma credencial apostólica: “Porque eu recebi do Senhor o que também vos entreguei…” (Co.11:23). Recebe diretamente de Jesus. Ele se iguala aos demais apóstolos nisso: “Porque eu sou o menor dos apóstolos….mas pela graça de Deus sou o que sou…portanto, seja eu, ou sejam eles, assim pregamos e assim crestes” (I Co 15:9-11). Ele foi tão apóstolo como Pedro. Ao comissioná-lo o Senhor o chamou para ir aos gentios: “Dirijo-me a vós outros, que sois gentios! Visto, pois, que eu sou apóstolo dos gentios, glorifico o meu ministério” (Rm 11:13).

O que Paulo deseja, é que os crentes de Roma compreendam que ele é realmente apóstolo de fato e de direito. Por que esta ênfase? Porque muitos naquela época estavam se dizendo apóstolos. Em Apocalipse 2:2: “…puseste à prova os que a si mesmo se declaram apóstolos e não são, e os achastes mentirosos”. Isto ér muito prático pois estamos vivendo uma época em que muitos estão se dizendo apóstolos ou que são da sucessão apostólica. Isso não existe. A Igreja Católica não só afirma que o Papa é o vigário de Cristo, como também faz outra reivindicação: da sucessão apostólica. Mas não só a Igreja Católica, outros ramos ditos cristãos reivindicam esta sucessão apóstólica e isso é um grande argumento para terem bispos, terem um episcopado. É verdade que muitos que acreditam em bispos não aceitam a sucessão apostólica. Mas os Bispos da Alta Igreja Anglicana e Católicos costumam dizer que não existe igreja sem bispos, que isto é a essência da igreja.

Esta foi uma grande questão no século XVII e trouxe até divisão. Os bispos se diziam e ainda se dizem sucessores diretos dos apóstolos, mas “apóstolo’ é só aquele que viu e deu testemunho de Cristo ressurreto. A base para este pensamento não é bíblica e sim fruto da tradição. Isso é impossível. Além do mais Paulo diz que a Igreja Cristã é edificada “…sobre o fundamento dos apóstolos é profetas…” (Ef 2:20). Com certeza não continuamos a construir qualquer fundamento ou alicerce, pois é algo do começo da igreja. Esse alicerce que foi fincado sobre os apóstolos e profetas não continua sendo edificado. Desde que o Cânon se completou, não há mais necessidade de apóstolos. Não esqueçamos de que o ensino apostólico era autoritativo. Os apóstolos falavam como homens enviados por Deus de maneira tão inspirada como os profetas do Velho Testamento.

Por isso, ao termos as Escrituras do Novo testamento — O Cânon do NT — já temos todo ensino autorizado e não precisamos mais de apóstolos. Quando o Cânon não estava completo, os apóstolos e aqueles que estavam ligados a eles tinham uma função importantíssima: instruir a igreja que não tinha Bíblia completa. Uma vez completo o Cânon os apóstolos não mais existem.

Outra coisa interessante é que Paulo em I Co 1:1 diz: “Paulo, chamado pela vontade de Deus para ser apóstolo de Jesus Cristo, e o irmão Sóstenes”. Sóstenes aqui é apenas citado como irmão. Não estaria Paulo sendo muito egoísta? Por que ele não chamou “eu e Sóstenes?”. Paulo sabia que ele era apóstolo e que Sóstenes, apezar de excelente e santo homem, não era apóstolo. Por isso, a expressão; “e o irmão Sóstenes”. A mesma coisa acontece com Timóteo, quando Paulo o trata como irmão mas diz antes: “Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por vontade de Deus, e o irmão Timóteo” (Cl 1:1). Paulo não diz: “Timóteo é o homem que vem após mim, ele vai ser apóstolo por sucessão apostólica e assim pelos séculos afora”. Timóteo era apenas irmão e Paulo apóstolo, mas quando vemos em Fl.1:1 – “Paulo e Timóteo, servos de Cristo Jesus, a todos os santos …”. Quando Paulo se descreve como servo, ele e Timóteo são iguais, pois os dois são servos no mesmo nível. Mas quanto ser apóstolo, há uma diferença: Paulo o é e Timóteo não.

Toda pretensão de ser apóstolo hoje vai de encontro com o ensino do Novo Testamento acerca do sentido do termo. Quando pulamos frases como esta que mostra que Paulo foi chamado para ser apóstolo como um ofício especial que não se repete, percebemos o quanto é grave negligenciar a doutrina e caímos nos argumentos falsos dos falsos mestres.

“Separado para o evangelho”

Não significa apenas que foi colocado à parte para pregar o evangelho, mas Paulo está colocando seu chamado a um nível mais alto. Ele já havia dito que Deus o chamara para ser servo, para ser apóstolo e agora para ser “separado para o evangelho”.

O que significa ser “separado”? Significa “posta à parte”. Paulo tinha sido “posto à parte” para o evangelho. O que significa isto? Bem, Paulo está lembrando que antes ele era um perseguidor de Cristo, um fariseu de fariseu. Ora a palavra “fariseu” significa “separado” e os fariseus se colocavam à parte, não queriam nem ter contato físico com ninguém para não se contaminarem, não queriam nada com publicanos e pecadores. Era como se Paulo estivesse: “antes eu me separei a mim mesmo como fariseu, mas a grande verdade sobre mim é que fui separado pelo próprio Deus para esta grande obra que tenho o privilégio de realizar, parte da qual estou realizando agora quando escrevo esta Epístola”. Paulo está dizendo que ele teve uma falsa separação e uma verdadeira separação. Uma foi feita pelo homem e a outra foi feita por Deus.

Paulo havia sido chamado, “separado” desde o ventre materno (“Quando, porém, ao que me separou antes de eu nascer e me chamou (“separou” – corrigida) pela sua graça, aprouve revelar seu Filho em mim, para que eu o pregasse entre os gentios…” (Gl 1:15-16). É isso que ele quer dizer. Que Deus o separou “para o evangelho de Deus”. Paulo foi separado desde o ventre materno para esta obra. O mesmo aconteceu com Jeremias (“Antes que eu te formasse no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” – Jm 1:5). O mesmo nós vemos acontecer com João Batista.

Percebemos que esta separação é um grau muito maior do que um simples chamado para ser “servo” como acontece com todos os cristãos. É verdade que ele foi chamado para ser apóstolo, mas ele diz que não parou aí, Deus o “separou para para o evangelho”. Deus pré ordenou Paulo para ser um pregador do evangelho. Aqui chegamos à grandiosa doutrina da soberania de Deus. Deus na Sua soberania o escolhe como Lhe apraz para executar um plano que Ele mesmo elaborara. Não foi nada acidental que Paulo tivesse tido uma educação grega e hebraica, que tivesse adquirido a condição de cidadão do Império Romano. Tudo foi elaborado e decretado por Deus. E Deus fez isso no tempo determinado por Ele.

Podemos concluir dizendo que a mesma coisa acontece com nossa salvação. É algo maravilhoso e ao mesmo tempo humilhante. Segundo Paulo, nossa salvação foi determinada antes da fundação do mundo (Ef.1). Antes da fundação do mundo nossos nomes estavam escrito no livro da vida do Cordeiro (Ap 13:8). Isso é algo assombroso! Assim como Deus separou Paulo para ser pregador do evangelho antes dele mesmo nascer, o mesmo é verdadeiro em relação a nós Especialmente aos pregadores ainda hoje. Será que os pregadores de hoje estão advertidos quanto a isto? Será que estão exercendo esta função para a qual foram “separados”?. Será que estão cumprindo os propósitos de Deus? Será que estão se dando conta de que Deus está com Seus olhos sobre nós? Será que estamos pregando o evangelho de Cristo? “Arrependei-vos e crede no evangelho”!

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Vida cristã

Último dia do ano!

Escrevi este texto há três anos. Muita coisa do que escrevi então é válida, uma vez mais, à virada de ano.

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Há um hino antigo que diz:

Finda-se este dia
Que meu Pai me deu,
Sombras vespertinas
Cobrem já o céu!
Ó Jesus bendito,
Se comigo estás,
Eu não temo a noite,
Vou dormir em paz.

São quatro estrofes que revelam fragilidade diante da vida, reconhecimento de pecados e fé no cuidado do Senhor. Cantadas em ritmo lento, quase choroso, confessional, são uma bela oração para o final de cada dia, bem como um declaração de confiança no Senhor que prepara o dia de amanhã.

Gosto desse hino, e o conheço desde a infância. Mas no último dia do ano ele me parece especialmente necessário. Mudo a palavra “dia” para “ano” e tenho: “Finda-se este ano que meu Pai meu deu”.

Sim, 2005 foi-me dado por meu Pai, meu amoroso, santo, justo e bondoso Pai. Ele não me deu tudo de uma vez só, mas ao longo de 365 dias, no amanhecer dos quais Suas misericórdias se renovaram e foram a causa de eu não ser consumido. Nesses 365 dias, fui guiado por meu Pai, tanto para as águas de descanso, para os pastos verdejantes, quanto pelo vale da sombra da morte, pelos caminhos que feriram meus pés, machucaram meu coração, arrancaram-me lágrimas dos olhos. Em todos os caminhos Ele esteve comigo.

Este não foi um ano fácil. Mas foi dado por Deus. Quantas lições preciosas aprendi — e quantas desperdicei. Quantas vezes preferi o sono a Seu doce chamado à comunhão. Quantas vezes deixei-O de lado para preocupar-me comigo mesmo. Quantas vezes Ele me envergonhou, presenteando-me em Sua bondade quando eu estava indiferente a Ele. Mas também quantas vezes me alegrei em vê-Lo operar, em vê-Lo ser bondoso, em vê-Lo em meus irmãos, em ouvi-Lo em um versículo do Livro Santo. E quantas vezes eu não O vi, mas Ele lá estava, guardando a mim e a minha família, produzindo “coincidências”, livrando-me do mal.

Este é meu Deus. Este é meu Pai.

Houve muitas alegrias e tristezas: reencontrei antigos amigos e colegas, fiz novos amigos, amizades se esfriaram, amigos não eram amigos… Coisas do nosso coração corrupto, inconstante. Provavelmente eu tenha falhado com muitos, ferido outros tantos, sem perceber, sem notar. Desculpem-me. Projetos maravilhosos foram frustrados, frustrações se revelaram grandes projetos. Dores foram alternadas com alegrias, sofrimentos com consolações, lágrimas com as costas de uma mão amiga a enxugá-la, muitas perguntas, algumas respostas, anseios com orações respondidas, orações não-respondidas com respostas à oração não-feita. “Quão variadas são Tuas obras!” Deus esteve lá, em cada um dos 365 ciclos de luz e trevas, sono e atividades, silêncio e multidão.

Eu preferia não ter feito muita coisa que fiz em 2005. Mas agora já as fiz. A segunda estrofe é minha confissão:

Com pecados hoje [este ano]
Eu Te entristeci,
Mas perdão Te peço
Por amor de Ti.

Hoje gostaria de não os ter praticado, mas no momento pareceram-me tão necessários! Como dizia o irmão Lawrence, há quase 400 anos, “esta é minha natureza; é o que sei fazer melhor”. E sei que, sem a graça do Senhor, continuarei caindo todos os dias. Pecados por “pensamentos, palavras, obras e omissões” como diz antiga liturgia. O principal deles, o que mais me fere a mim, e sei que a Ele especialmente: o pecado de não confiar Nele. Quantas vezes a meu coração subiram pensamentos de desconfiança, de incredulidade…

Por essa razão, oro o restante da estrofe:

Sou Teu pequenino,
Livra-me do mal;
Em Ti mesmo eu tenha
Proteção real.

Sim, somente se Ele me guardar verei o raiar de outro dia e depois de outro, outro e outro.

Há quem imagine que, pelo simples fato de um novo ano ter-se iniciado, tudo será diferente, assim, de modo automático, instantâneo. Grande tolice. As resoluções de ano novo não sobrevivem a duas quinzenas de férias ou às primeiras dificuldades da rotina. As misericórdias do Senhor não se renovam anualmente, mas a cada manhã. Portanto, precisamos de um recomeço a cada manhã, a cada despertar. A cada meia-noite, temos um novo “atá aqui nos ajudou o Senhor”. E, renovadas Suas misericórdias, recomeçamos: uma nova oportunidade de andarmos com Ele, de sermos mais Dele, de O conhecermos mais, de sermos mais conformados à imagem de Seu Filho, de vivermos na expectativa da volta de nosso amado Senhor!

Estamos mais próximos, cada dia mais próximos da realização de nossa bendita esperança: nosso Senhor voltará! Não importando a que escola escatológica pertençamos, não importando o que digam os homens descrentes, o fato é que Ele está às portas. E ao alvorecer de cada manhã, é-nos dada mais uma oportunidade de estarmos prontos para o grande dia. Pode ser em 2006!

Com certeza, em 2006 também haverá dias difíceis, dias sem sol, dias em que nos sentiremos em trevas, desamparados, sozinhos, desanimados até para abrir os olhos e sair da cama. Mas nosso Senhor estará lá. “Nada chega a nós sem ter antes passado por Ti, ó Deus.” Essa verdade pode guardar nosso coração nos dias de escuridão e fraqueza. “Meu Pai, eu não Te entendo, mas confio em Teu amor” é uma doce e simples oração, mas muito necessária. Muitas vezes teremos oportunidade de dizê-la no ano que começa amanhã. Aquele que, como este que se encerra em 11 horas, nos foi dado por nosso Pai, nosso querido, amoroso, justo, santo e bondoso Pai, que nos presenteou com Seu único Filho para poder se tornar nosso Pai.

É isto. Receba essas idéias soltas, um tanto desconexas, como meu desejo de que, em 2006, você experimente a mais doce, ampla, rica, profunda realidade de ser filho de Deus, o Pai misericordioso que prepara cada dia.

Seu conservo,

francisco nunes

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Charles Spurgeon Vida cristã

“Venha a Mim e beba!” (Charles Spurgeon)

“No último dia, o grande dia da festa, levantou-se Jesus e exclamou: Se alguém tem sede, venha a mim e beba” (João 7:37).

A paciência tem o seu perfeito trabalho no Senhor Jesus, e até o último dia da festa Ele proclamou aos judeus, assim como neste último dia do ano Ele nos proclama e espera ser gracioso para conosco. É verdadeiramente admirável a longanimidade do Salvador em suportar alguns de nós ano após ano, apesar de nossas provocações, rebeliões e resistência ao Seu Espírito Sano,. Maravilha das maravilhas é estarmos na terra da misericórdia!

A piedade expressa-se mais claramente, pois Jesus exclamou, o que implica não somente a altura da sua voz, mas a ternura de seus tons. Ele suplicou para que fôssemos reconciliados. “Oramos por vocês”, disse o apóstolo, “como se o próprio Deus suplicasse a vocês por nosso intermédio”. Que termos fervorosos, emocionantes, são estes! Quão profundo deve ser o amor que faz com que o Senhor chore pelos pecadores, e como uma mãe embale seus filhos em seu regaço! Certamente a cada apelo do Senhor nosso coração desejoso atenderá.

A provisão é feita mais abundantemente; tudo é providenciado para que o homem possa mitigar a sede da sua alma. Para sua consciência, a expiação traz paz; para sua compreensão, o exemplo traz a mais rica instrução; para seu coração, a pessoa de Jesus é o mais nobre objeto de afeição; para todo homem, a verdade como é encontrada em Jesus provê a nutrição mais pura. A sede é terrível, mas Jesus pode removê-la. Embora a alma esteja totalmente faminta, Jesus pode restaurá-la.

A proclamação é feita mais livremente para que cada sedento seja bem-vindo. Nenhuma outra distinção é feita senão a da sede. Quer seja a sede da avareza, da ambição, do prazer, do conhecimento ou de descanso, aquele que sofre disso é convidado. A sede pode ser má em si mesma, e não ser um sinal de graça, mas antes um sinal de pecado imoderado ansiando para ser gratificado com goles mais profundos de lascívia; mas não é a bondade na criatura que leva ao sedento o convite; o Senhor Jesus envia-o, gratuitamente, sem acepção de pessoas.

A personalidade é declarada mais plenamente. O pecador deve vir a Jesus, não a trabalhos, ordenanças ou doutrinas, mas para um Redentor pessoal, que carrega nossos pecados em seu próprio corpo sobre a cruz. O Salvador sangrando, morrendo e ressurgindo é a única estrela da esperança para um pecador. Oh! como anelo por graça, a vir agora e beber, antes que o Sol se ponha no último dia deste ano!

Beber representa uma recepção para a qual nenhuma aptidão é requerida. Um louco, um ladrão, uma prostituta podem beber; e tal pecaminosidade de caráter não é empecilho para o convite ao crente em Jesus. Não precisamos de taça de ouro, nem de cálice adornado, no qual transportar a água para o sedento; a boca da pobreza é convidada a inclinar-se e tomar goles da corrente que flui. Lábios cheios de bolhas, leprosos, sujos podem tocar a corrente do amor divino; eles não podem poluí-la, mas eles serão purificados. Jesus é a fonte da esperança. Caro leitor, ouça a voz amorosa do amado Redentor quando proclama a cada um de nós:

“SE ALGUÉM TEM SEDE, VENHA A MIM E BEBA”.

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História Igreja

“A tua palavra é a verdade”: A saga dos Irmãos Morávios (Alderi Souza de Matos)

Os irmãos morávios e a igreja valdense são os únicos grupos protestantes atuais cujas raízes mais remotas são anteriores à Reforma do século 16. Os valdenses tiveram suas origens em um movimento reformista iniciado por volta de 1175 por Valdès, um comerciante de Lião, no sul da França. Expulsos da Igreja Católica em 1184, seus simpatizantes enfrentaram heroicamente séculos de perseguição, abraçando eventualmente a Reforma Protestante. Refugiaram-se principalmente nos vales alpinos do norte da Itália, na região conhecida como Piemonte, a sudoeste de Turim. Os irmãos morávios, por sua vez, têm uma história ainda mais complexa, mas não menos inspiradora, cujos primórdios remontam à Inglaterra do final do século 14.

De João Wyclif a João Hus
John Wyclif (c.1325-1384) nasceu em Yorkshire, estudou na Universidade de Oxford e abraçou o sacerdócio. Na década de 1360, adquiriu grande reputação em Oxford e outros centros intelectuais como brilhante professor e escritor de filosofia. Posteriormente, tornou-se conselheiro teológico do rei e prestou serviços à coroa inglesa. Defendeu a teoria de que o poder civil tinha o direito de se apoderar das propriedades do clero corrupto. Suas opiniões foram condenadas pelo papa em 1377, mas ele teve o apoio de pessoas influentes e do povo. Após o Grande Cisma (1378), com a existência simultânea de dois papas rivais, suas idéias tornaram-se mais radicais e ele acabou por rejeitar toda a estrutura tradicional da igreja medieval. Em uma série de tratados teológicos, afirmou a autoridade suprema das Escrituras, definiu a igreja verdadeira como o conjunto dos eleitos, e questionou o papado e a transubstanciação. Além disso, incentivou a primeira tradução da Bíblia completa para a língua inglesa (1384).

Eventualmente, Wyclif perdeu o apoio da nobreza e de muitos simpatizantes, mas viveu em paz os seus últimos anos, vindo a falecer em sua paróquia, Lutterworth, no dia 28 de dezembro de 1384. Seus seguidores, conhecidos como lolardos, foram duramente reprimidos nas décadas seguintes. Ensinavam que a missão principal de um sacerdote era pregar as Escrituras e que a Bíblia dever ser acessível a todos nas várias línguas vulgares. Essas idéias contribuiriam para a ampla aceitação da Reforma Protestante pelos ingleses no século 16.

No século 14, a Boêmia (Tchecoslováquia) fazia parte do Sacro Império Germânico. Politicamente, o país estava dividido por conflitos entre os tchecos e a comunidade imigrante alemã, mais poderosa. Em 1382, a Boêmia, até então pouco ligada à Inglaterra, aproximou-se deste país por meio do casamento de uma princesa tcheca com o rei Ricardo II. Jovens tchecos passaram a estudar em Oxford e conheceram as doutrinas de Wyclif, que logo levaram para a sua terra, especialmente para a Universidade de Praga (fundada em 1348). Entre os professores que abraçaram muitas idéias de Wyclif estava o ardoroso Jan Hus (c. 1373-1415).

Hus nasceu na vila de Husinec, estudou na Universidade de Praga e foi ordenado sacerdote em 1400. Pouco antes da ordenação teve uma experiência de conversão pelo estudo da Bíblia e se tornou um zeloso defensor de reformas eclesiásticas. Além de lecionar na universidade, em 1402 foi nomeado pregador da Capela de Belém, o centro do movimento reformista tcheco, alcançando enorme popularidade por suas pregações. Como João Wyclif, ele ensinava que a igreja verdadeira consiste somente dos eleitos, dos quais o cabeça é Cristo, e não o papa. Embora defendesse a autoridade tradicional do clero, Hus afirmava que somente Deus pode perdoar pecados. Acreditava que nem o papa nem os cardeais podiam estabelecer como autêntica uma doutrina que fosse contrária à Escritura, e que nenhum cristão devia obedecer às suas ordens quando estas se revelassem abertamente erradas. Dizia que a igreja devia ter uma vida de simplicidade e pobreza, à semelhança de Cristo. A única lei da igreja era a Bíblia, especialmente o Novo Testamento, daí a grande importância da pregação. Condenou a corrupção do clero, a adoração de imagens, os falsos milagres, as peregrinações supersticiosas e a venda das indulgências, mas manteve a transubstanciação.

A partir de 1410, as autoridades eclesiásticas e seculares começaram a tomar medidas drásticas contra os wyclifitas. Apesar de ser altamente estimado pelo povo, Hus foi excomungado e seguiu para o exílio no sul da Boêmia, onde escreveu sua principal obra, De Ecclesia (Sobre a Igreja). Munido de um salvo-conduto fornecido pelo imperador alemão Sigismundo, compareceu ao célebre Concílio de Constança (1414-1418), no sul da Alemanha, a fim de justificar as suas posições. Em 4 de maio de 1415, o concílio condenou formalmente João Wyclif como herege e ordenou que o seu corpo fosse retirado da terra consagrada (essa ordem só seria cumprida em 1428). Hus, considerado por todos um wyclifita, recusou-se firmemente a abjurar as suas idéias. No dia 6 de julho de 1415 foi sentenciado e queimado na fogueira, enfrentando a morte com grande coragem e dignidade.

A Unitas Fratrum e os Irmãos Morávios
A notícia da morte de Hus produziu grande revolta na Boêmia, que seria agravada pela condenação do seu amigo e colega Jerônimo de Praga, também levado à fogueira pelo Concílio de Constança, em 30 de maio de 1416. Outra fonte de protestos foi a proibição, pelo mesmo concílio, da ministração do cálice da Ceia aos leigos, prática que se tornara o símbolo do movimento hussita. Surgiram duas facções no movimento: um partido moderado e aristocrático, sediado em Praga, conhecido como utraquistas (referência à comunhão sub utraque, isto é, “em ambas” as espécies) ou calixtinos (do latim calix = cálice), e um partido radical, popular, os taboritas (de Tábor, a sua fortaleza). Os primeiros rejeitaram somente as práticas que consideravam proibidas pela “lei de Deus”, a Bíblia, ao passo que os taboritas repudiavam todas as práticas não sancionadas expressamente pelas Escrituras.

Após um período de conflitos, as duas facções se uniram em 1420, adotando uma agenda religiosa comum, “Os Quatro Artigos de Praga”, que exigiam a livre pregação da Palavra de Deus, o cálice para os leigos, a pobreza apostólica e uma vida de austeridade para clérigos e leigos. Durante alguns anos, eles se envolveram em várias guerras vitoriosas contra os seus adversários. Uma tentativa de acordo com a igreja católica produziu novas lutas internas, sendo os taboritas derrotados pelos utraquistas em 1434, na batalha de Lipany. Fracassado o acordo com o catolicismo, os utraquistas tornaram-se um grupo religioso autônomo, cuja plena paridade com os católicos foi declarada pelo Parlamento da Boêmia em 1485. Alguns anos antes, em 1457, havia surgido a Unitas Fratrum (Unidade dos Irmãos Boêmios), reunindo elementos taboritas, utraquistas e valdenses. Essa igreja absorveu o que havia de mais vital no movimento hussita e tornou-se a precursora dos irmãos morávios.

Com o advento da Reforma, os “irmãos unidos” abraçaram o protestantismo. Nessa época, eles contavam com cerca de 400 igrejas locais e 150 a 200 mil membros na Boêmia e na vizinha Morávia. Expulsos de sua pátria durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), espalharam-se por diversas regiões da Europa e perderam muitos adeptos. Um ano especialmente amargo foi 1621, quando quinze irmãos foram decapitados no “dia de sangue”, muitos crentes foram mandados para as minas ou masmorras, igrejas foram fechadas, escolas destruídas, Bíblias, hinários e catecismos foram queimados. Os poucos remanescentes continuaram a realizar as suas funções religiosas em segredo e a orar pelo renascimento da sua igreja. Um importante líder desse período aflitivo foi o notável educador Jan Amos Comenius (1592-1672), eleito bispo dos irmãos morávios em 1632.

O conde Zinzendorf e Herrnhut
Em 1722, sobreviventes dos irmãos unidos que falavam alemão, residentes no norte da Morávia, começaram a buscar refúgio na vizinha Saxônia, sob a liderança de um carpinteiro, Christian David. O jovem conde Nikolaus Ludwig von Zinzendorf (1700-1760) permitiu que eles fundassem uma vila em sua propriedade de Berthelsdorf, cerca de 110 quilômetros a leste de Dresden. Zinzendorf era fruto do pietismo, um influente movimento que havia surgido recentemente no luteranismo alemão. Esse movimento teve como líderes iniciais Phillip Jacob Spener (1635-1705) e August Hermann Francke (1663-1727), sendo seu principal centro de atividade a cidade de Halle, também na Saxônia, a terra de Martinho Lutero. Os pietistas davam grande ênfase à devoção, à experiência e aos sentimentos, em contraste com a ortodoxia, credos e rituais. Também valorizavam a conversão pessoal, o sacerdócio universal dos crentes, o estudo das Escrituras, os pequenos grupos para comunhão e auxílio mútuo, e um cristianismo prático voltado para educação, missões e beneficência.

Nascido em uma família aristocrática, Zinzendorf recebeu uma educação pietista em Halle dos 10 aos 17 anos. Desde a infância revelou uma intensa devoção pessoal a Cristo e mesmo depois de ingressar no serviço público, em 1721, continuou a ter como interesse predominante o cultivo da “religião do coração”. Foi então que entrou em contato com os morávios. A vila que estes fundaram em sua propriedade recebeu o nome de Herrnhut (“a vigília do Senhor”). A comunidade cresceu e logo se uniram a ela muitos pietistas alemães e outros entusiastas religiosos. Inicialmente Zinzendorf lhes deu pouca atenção, mas em 1727 começou a assumir a liderança espiritual do grupo. Superadas algumas divisões iniciais, no dia 13 de agosto de 1727 foi realizado um marcante culto de comunhão que veio a ser considerado o renascimento da antiga Unitas Fratrum, a Igreja Morávia renovada. A partir de então, Herrnhut tornou-se uma disciplinada e fervorosa comunidade cristã, um corpo de soldados de Cristo ansioso em promover a sua causa no país e no exterior.

Embora Zinzendorf desejasse que os morávios permanecessem como membros da igreja estatal da Saxônia (luterana), gradualmente eles formaram uma igreja separada. Em 1745 a Igreja Morávia já estava plenamente organizada com seus bispos, presbíteros e diáconos, embora seu governo fosse, e ainda seja, mais presbiteriano que episcopal. A essa altura o moravianismo estava criando uma liturgia de grande beleza e uma rica tradição hinológica. A Igreja Morávia restaurada permaneceu pequena, mas sua influência se fez sentir em toda a Europa. Seus primeiros bispos foram David Nitschmann (1735) e o próprio Zinzendorf (1737), que, após uma vida de intensa atividade missionária e pastoral na Europa e na América do Norte, faleceu em Herrnhut em 1760. Certa vez havia declarado, referindo-se a Cristo: “Eu tenho uma paixão; é ele e ele somente”.

Até aos confins da terra
Com o seu zelo por Cristo, os morávios escreveram uma das páginas mais nobres das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior consciência do dever missionário e nenhum demonstrou tamanha consagração a esse serviço em proporção ao número de seus membros. Numa viagem a Copenhague para assistir à coroação do rei dinamarquês Cristiano VI, Zinzendorf conheceu alguns nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia. Regressou a Herrnhut cheio de fervor missionário e, em conseqüência disso, Leonhard Dober e David Nitschmann iniciaram uma missão aos escravos africanos em St. Thomas, nas Ilhas Virgens, em 1732, e Christian David e outros seguiram para a Groenlândia no ano seguinte.

Em 1734, um grupo liderado por August Gottlieb Spangenberg (1704-1792) começou a trabalhar na Geórgia. No Natal de 1741, o próprio Zinzendorf visitou a América e deu o nome de Bethlehem (Belém) à colônia que os morávios da Geórgia estavam criando na Pensilvânia. Essa cidade se tornaria a sede americana do movimento. O mais famoso missionário morávio aos índios norte-americanos foi David Zeisberger (1721-1808), que trabalhou entre os creeks da Geórgia a partir de 1740 e entre os iroqueses desde 1743 até a sua morte.

Herrnhut tornou-se um centro de atividade missionária, iniciando missões no Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antigua e outros locais. Em 1748, foi iniciada uma missão aos judeus em Amsterdã. Até 1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários a dez países e cerca de 3 mil conversos haviam sido batizados. Outros locais alcançados posteriormente foram Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e Constantinopla. Em 1832, havia 42 estações missionárias morávias ao redor do mundo. Os nomes dos primeiros campos missionários mostram uma característica do trabalho morávio: eram em geral locais difíceis e inóspitos, exigindo uma paciência e dedicação toda especial, traço que até hoje caracteriza o trabalho missionário desse grupo.

Conclusão
Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios, embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros grupos e movimentos protestantes, especialmente na Inglaterra. A convivência com alguns morávios causou profundo impacto em João Wesley e contribuiu para a sua conversão e o surgimento do metodismo. William Carey, o pioneiro das missões batistas, os admirava grandemente e apelou para o seu exemplo de obediência. Eles também inspiraram a criação de duas das primeiras agências protestantes de missões — a Sociedade Missionária de Londres (1795) e a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804). Assim completou-se um ciclo extraordinário: a obra do pré-reformador inglês João Wyclif contribuiu para o surgimento dos morávios e, séculos depois, estes foram uma bênção para a Inglaterra e, por meio dela, para muitos outros povos.


Alderi Souza de Matos é doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil. Texto distribuído na lista cristãos reformados.

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