O mais doce relacionamento que existe entre um homem e uma mulher é o de esposo e esposa. O mais doce relacionamento que existe entre Deus e o homem é o de esposo e esposa. Israel é a esposa de Deus e a Igreja será a esposa do Senhor Jesus Cristo. Existem muitas esposas no Antigo Testamento que, em seu relacionamento com o marido, tipificam, simbolizam ou ilustram algum aspecto particular do relacionamento entre Cristo e Sua Noiva. Neste artigo, queremos considerar Eva como um tipo da Igreja, a Noiva de Cristo.
Nossa convicção, nascida de oração e estudo da Palavra, é que, embora as expressões noiva e igreja possam ser sinônimas, elas são diferentes; porém, semelhantes a corpo. Eva como a noiva de Adão tipifica a igreja, a Noiva de Cristo em dois aspectos:
1. Como a Noiva em predestinação. Quando Deus criou Adão e Eva, eles eram uma pessoa. Eva estava em Adão. Seu nome, embora sendo duas pessoas numa, era Adam (singular). Para que Adão fosse socialmente completo, Eva precisou ser tirada dele e feita uma personalidade distinta e depois levada a ele para que ele pudesse ter comunhão com ela. Efésios 1.4 fala da igreja como estando em Cristo antes da fundação do mundo. Assim, para que Jesus fosse socialmente completo, a igreja precisava ser tirada Dele e feita uma personalidade distinta e apresentada a Ele para comunhão por toda a eternidade.
Deus fez com que um profundo sono caísse sobre Adão e, durante esse período de tempo, Ele abriu-lhe o lado e tirou uma porção de seu corpo, do qual fez Eva, sua noiva. Ela era o universo e o complemento de Adão – seu outro ego. Da mesma forma, quando Cristo morreu, Seu lado foi aberto e surgiu aquela parte de Seu corpo que trouxe à existência Sua Noiva, a Igreja. Assim como Adão era incompleto sem Eva, assim Cristo era incompleto sem Sua noiva, a Igreja, Seu corpo e plenitude Daquele que a tudo enche. Por meio de Adão, Eva recebeu toda a sua dignidade, posição e bênção. Por meio de Cristo, a igreja na mente de Deus como a noiva de Cristo, foi predestinada e pré-ordenada desde a eternidade. Eva estar em Adão desde o dia da criação tipifica e ilustra maravilhosamente a Igreja na predestinação.
2. O segundo fato tipificado por Adão e Eva é relativo à composição ou constituição da Igreja. Tudo o que Deus faz é segundo um modelo, em número, peso e medida. Quando arquiteta um plano ou modelo, Ele nunca o muda, mas prossegue ao longo das eras, operando segundo Seu próprio modelo, que é perfeito desde o princípio. Tem-se tornado axiomático entre os estudantes de tipologia que, a primeira vez que um tipo ocorre, o modelo é estabelecido. Mas, nos tempos de Adão e Eva, temos muito mais do que simplesmente um tipo de ilustração. Aqui está uma norma divina e perfeita que nunca é mudada. Aqui está uma prova infalível e confirmada por muitas outras Escrituras que a companhia escolhida que há de formar a noiva de Cristo é apenas uma pequena parte do corpo de Cristo. A noiva é tirada do corpo e, no mais elevado sentido, o corpo de Cristo, assim como Eva é o corpo de Adão, mas não todo o seu corpo. Considere o relacionamento proporcional entre uma costela e o resto do corpo. Quando Eva foi tirada do corpo de Adão, ela foi chamada de isha, que significa “tirada do homem”, que era chamado de ish. Temos a mesma expressão em inglês: ela foi chamada de woman (man significa homem), porque foi “tirada do homem”. [Algumas traduções em português trazem varoa e varão para indicar esse fato registrado no hebraico. (N. do E.)]
Em 1Coríntios, Paulo chama nossa atenção para o fato de haver muitas ordens ou companhias de indivíduos na terra. Todos os salvos do Antigo e os do Novo Testamentos não constituem um só grupo. Existem diferentes grupos de salvos no Antigo Testamento e diferentes grupos de salvos no Novo Testamento! Todos os santos do Novo Testamento formam o Corpo de Cristo, mas certo grupo (por sua própria escolha de sofrer com Ele, vencer o mundo, a carne e o diabo, e manter obediência fiel a Seus mandamentos e conquistar coroas concedidas por Deus) constitui aqueles que serão tirados do grande corpo dos santos do Novo Testamento para compor a Noiva de Cristo. Isso segue o modelo de Eva sendo tirada do corpo de Adão e se tornando sua noiva.
Possivelmente, nenhuma outra interpretação incorreta tem resultado num viver relaxado e num total desprezo para com os mandamentos do Senhor do que o ensinamento de que todo cristão, a despeito de como vive, é um membro da Noiva de Cristo e reinará com Ele. Esteja informado e saiba que, embora a vida eterna seja uma dádiva de Deus, os galardões e o governo são baseados na fidelidade a nosso Senhor e Salvador, Jesus Cristo.
A preparação da esposa aqui mencionada refere-se especialmente às vestes dela. Apocalipse 19.8 diz: “E lhe foi dado que se vestisse de linho fino, puro e resplandecente; porque o linho fino são as justiças dos santos”. A Escritura nos revela que há dois tipos de vestimenta para os cristãos. Uma delas é o Senhor Jesus. Jesus é nossa roupa. A outra é a vestimenta de linho fino, puro e resplandecente, que é mencionada aqui. Todas as vezes que nos apresentamos diante de Deus, o Senhor Jesus é nossa vestimenta. Ele é a nossa justiça, e nós O vestimos quando nos aproximamos de Deus. Essa vestimenta é nossa roupa constante, para que cada santo esteja vestido diante de Deus e não seja achado nu. Por outro lado, quando somos apresentados a Cristo, devemos estar ataviados com o linho fino, puro e resplandecente. Esse linho fino são os atos de justiça dos santos. A palavra no original está no plural, e pode ser traduzida como “justiças” ou “atos de justiça”, significando uma sucessão de atos justos, um após o outro. Estes, juntos, são nossa veste de linho fino. Desde o momento em que fomos salvos começamos a obter essa vestimenta de linho fino, nossos atos de justiça, para nosso adorno.
Podemos ver esses dois tipos de vestimenta para o cristão também em Salmos 45. O verso 13 diz: “A filha do rei é toda ilustre lá dentro; o seu vestido é entretecido de ouro”. (A idéia é que o material de sua vestidura é de ouro, ouro batido.) Então, o verso 14 diz: “Levá-la-ão ao rei com vestidos bordados”. As roupas mencionadas no verso 13 são diferentes das mencionada no verso 14. No verso 13, a vestimenta é de ouro, mas, no verso 14, a roupagem é bordada. Em Apocalipse 19, as vestimentas de linho fino são de obra bordada, não de ouro.
O que, então, é o ouro? O Senhor Jesus é o ouro. Ele é o ouro por ser totalmente de Deus. A justiça que o Senhor Jesus nos deu, a vestimenta que Ele colocou sobre nós quando fomos salvos, é feita de ouro. Mas, além dessa roupa, há outra veste que estamos bordando desde o dia em que recebemos a salvação. E esta são os atos de justiça dos santos. Em outras palavras, a roupa de ouro nos é dada por Deus por meio do Senhor Jesus, enquanto a roupa bordada nos é dada pelo Senhor Jesus por meio do Espírito Santo. Quando cremos no Senhor, Deus nos deu, mediante o Senhor Jesus, uma veste de ouro. Ela é o próprio Senhor Jesus [como nossa justiça] e de modo nenhum está relacionada com nossa conduta. Ela nos foi dada por Ele totalmente pronta. As roupagens bordadas, entretanto, estão relacionadas com nossas obras. Elas são feitas, ponto após ponto, pela obra do Espírito Santo em nós, dia após dia.
Qual é o significado do bordado? É o seguinte: originalmente há uma peça lisa de tecido sem nada sobre ela. Mais tarde, algo é bordado nela com agulhas, e, mediante essa obra, o tecido original e o que foi nela bordado com agulhas se tornam um apenas. Isso quer dizer que, quando o Espírito de Deus trabalha em nós, Ele incorpora Cristo em nós – isto é o bordado. Assim não teremos apenas a vestimenta de ouro, mas também uma roupagem bordada pelo Espírito Santo. Por intermédio desse trabalho Cristo, será incorporado em nós e manifestado por nós. Tal roupa bordada são os atos de justiça dos santos, e é um tipo de trabalho que não é feito de uma vez para sempre, e sim dia após dia, até que um dia Deus diz: “Está pronto”.
Talvez alguém possa perguntar: “O que especificamente são os atos de justiça mencionados aqui?” Os Evangelhos citam muitos atos de justiça, tal como o ato de Maria expressando seu amor pelo Senhor ao ungi-Lo com nardo puro. Isso foi sua justiça. Isso pode ser uma das linhas transversais ou longitudinais da sua vestimenta de linho fino. Houve outras, como Joana, a esposa de Cuza, e muitas outras mulheres que, por causa de seu amor pelo Senhor, supriram as necessidades materiais Dele e de Seus discípulos. Esses também são atos de justiça.
Muitas vezes nosso coração é tocado pelo amor do Senhor e nós o manifestamos externamente. Isso é a nossa justiça, nossa veste de linho fino. Esse é o bordado que está sendo feito hoje. Qualquer expressão que resulta de nosso amor pelo Senhor e que é feita pelo Espírito Santo é uma agulhada dentre as milhares de outras no bordado. A Bíblia nos diz que qualquer que der um copo de água fria a um pequenino de maneira nenhuma perderá seu galardão. Esse é um ato de justiça feito por amor ao Senhor. Quando temos alguma expressão ou ato de amor para o Senhor, isso é justiça.
Apocalipse 7 diz que essa roupa é branca. Ela foi lavada e branqueada no sangue do Cordeiro. Devemos nos lembrar que só podemos nos tornar brancos quando somos lavados de nossos pecados mediante o sangue. E não somente nossos pecados, mas nossa conduta também deve ser purificada. Ela também só pode ser branqueada sendo lavada no sangue. Não há um único ato de qualquer cristão que originalmente seja branco. Mesmo que tenhamos alguma justiça, ela tem mistura e não é pura. Muitas vezes somos gentis com as outras pessoas, mas interiormente estávamos contrariados. Muitas vezes somos pacientes com os outros, mas quando voltamos para casa murmuramos. Dessa forma, após termos feito algum ato de justiça, ainda necessitamos da purificação do sangue. Necessitamos do sangue do Senhor Jesus para nos purificar dos pecados que cometemos, e também para nos purificar de nossos atos de justiça.
Nenhum cristão pode fazer uma roupagem que seja totalmente branca. Mesmo que pudéssemos fazer uma que fosse 99% pura e branca, haveria ainda 1% de mistura. Diante de Deus, nenhum homem é inteiramente sem ofensa. Mesmo os bons atos feitos por amor a nosso Senhor carecem da purificação do sangue. Um homem muito espiritual uma vez disse que mesmo as lágrimas que ele derramou pelo pecado precisavam ser lavadas pelo sangue. Ah! Até as lágrimas do arrependimento devem ser lavadas pelo sangue! Portanto, em Apocalipse 7 é dito que suas roupas foram branqueadas no sangue do Cordeiro. Não possuímos nada de que possamos nos gloriar. Nada em nós, exterior ou interiormente, é inteiramente puro. Quanto mais conhecemos a nós mesmos, mais compreendemos o quão imundos somos; nossos melhores atos e intenções estão misturados com imundícia, e sem purificação do sangue é impossível ser branco.
Mas as roupagens aqui não são apenas brancas, mas brilhantes ou resplandecentes. A brancura tem a tendência de se tornar opaca, pálida e comum. Mas essa vestimenta não é apenas branca, mas resplandecente. Antes de pecar, Eva poderia ser branca, mas de maneira nenhuma poderia ser resplandecente. É verdade que antes da queda ela não tinha pecado, mas era apenas inocente, e não santa. Deus não requer que sejamos apenas brancos, mas também resplandecentes. A brancura é um aspecto passivo, inativo. O resplendor, porém, é um aspecto positivo e ativo.
Não devemos, portanto, ficar amedrontados com as dificuldades ou aspirar por um caminho tranqüilo, pois são os dias de dificuldades que podem nos fazer resplandecer. Você pode não sentir que alguns cristãos tenham pecado ou que estejam errados em qualquer coisa. Pelo contrário, você sente que em quase todos os aspectos eles são bastante bons. Mas, ao estar com eles, você não sente nenhum esplendor. A bondade deles é apenas comum. Eles são brancos, mas não reluzentes. Por outro lado, há outros cristãos que freqüentemente são provados e colocados frente a frente com o sofrimento. Muitas vezes são tão abalados que parece que certamente cairão, mas eles continuam de pé. Depois de certo período de tempo, tais cristãos obtém uma qualidade de esplendor. Eles não são apenas retos, mas brilhantes; não são apenas brancos, mas resplandecentes.
Deus está trabalhando em nós todo o tempo. Continuamente Ele dispende muito esforço conosco para que possamos ser brancos, e Ele está operando em nós para nos fazer resplandecentes. Seu desejo é que sejamos brilhantes. Por essa causa é que precisamos pagar um grande preço e desejar que venha sobre nós todo tipo de dificuldade. De outra forma, nunca poderemos resplandecer. Ser apenas branco não é o bastante. Deus requer que seja visto em nós um esplendor positivo. O medo das dificuldades, o medo dos problemas, o anseio por um caminho fácil e suave: tudo isso terá como conseqüência a perda de nosso esplendor. Quanto mais sofrimentos e dificuldades encontrarmos, mais poderemos resplandecer. As pessoas cuja vida é gasta de forma fácil e comum podem ser brancas, mas nunca serão resplandecentes.
Essa roupa é de linho fino. Segundo a Escritura, a lã tem um significado diferente do que tem o linho. A lã denota a obra do Senhor Jesus, e o linho finíssimo, a obra do Espírito Santo. Isaías 53.7 descreve o Senhor Jesus como uma ovelha que emudece diante de seus tosquiadores. Desse versículo vemos que a lã possui o caráter da redenção. Com o linho, entretanto, não há um caráter de redenção envolvido. Ele é produzido por uma planta; nunca esteve associado com o sangue. O linho finíssimo é produto da obra do Espírito Santo dentro do homem. A roupa de linho finíssimo mostra que Deus não requer apenas que o homem tenha sua justiça, mas também seus próprios atos de justiça. Deus não tem apenas a intenção de obter a Sua justiça em nós, mas tenciona também obter em nós os muitos atos de justiça.
“E lhe foi dado que se vestisse de linho fino, puro e resplandecente”. Isso significa que todos os feitos, todos os atos de justiça exteriores são produzidos pela graça. “E lhe foi dado…” Eles não são manufaturados pelo homem natural, mas são o resultado da obra do Espírito Santo no homem. Portanto, devemos aprender a olhar para o Senhor e com expectativa dizer: “Senhor, dá isso a mim! Senhor, conceda-me a graça!” Quão bom é isto: essa roupa é dada pela graça! Se dissermos que essa veste é feita por nós mesmos, é verdade; realmente ela foi confeccionada por nós. Mas, por outro lado, ela foi dada por Deus, pois, quando dependemos de nós mesmos, não podemos produzir nada. É o Senhor que a produz em nós, mediante o Espírito Santo.
Muitas vezes sentimos que o encargo [de Deus para nós] é, na verdade, grande. Desejamos escapar, e quase suplicamos ao Senhor: “Ó Senhor, livra-me!” Mas devemos mudar nossa oração para: “Senhor, torna-me capaz de suportar a carga. Senhor, leva-me a estar de pé diante dela. Faça-me branco e conceda-me estar vestido de roupa resplandecente”.
Apocalipse 19.9 diz: “E [o anjo] me disse: Escreve…” Deus falou, e pediu a João que o escrevesse. O que ele escreveu? “Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro”. Novamente o anjo disse: “Estas são as verdadeiras palavras de Deus.” Deus fez com que ficasse especialmente claro que essas são Suas verdadeiras palavras. Devemos aceitá-las, atentar para elas e lembrar delas.
Qual a diferença entre aqueles que são convidados à ceia das bodas do Cordeiro e a Noiva do Cordeiro? A diferença é: a Noiva é um grupo escolhido: o novo homem. Mas aqueles que são convidados à ceia das bodas são um grande número de indivíduos: os vencedores. A ceia das bodas do Cordeiro refere-se à era do reino. Aqueles que foram convidados estarão juntos com o Senhor, experimentando uma comunhão única e especial, que ninguém jamais provou anteriormente. O Senhor disse por meio do anjo: “Bem-aventurados aqueles que são chamados à ceia das bodas do Cordeiro. […] Estas são as verdadeiras palavras de Deus.” Oh! Que Deus nos leve, por amor de Si mesmo, a sermos capazes de experimentar essa comunhão especial com Ele; que Ele faça de nós aqueles que humildemente buscam satisfazer o desejo de Seu coração. Por amor da Igreja, que Ele nos leve a buscar aqueles que suprem vida. E, mais ainda, por amor ao Reino, que Ele nos leve e nos capacite a sermos vencedores.
A união de Assuero e Ester realizou-se na privacidade do palácio real; a festa das bodas aconteceu depois (Et 2.16-18). Aqui também (Ap 19.9) há somente um anúncio da honra de ser um dos convidados do rei. Não é dito que as bodas se realizam naquele momento, pois parece que os convidados incluirão pessoas na terra quando o Noivo retornar (Mt 22.1-14; 25.1-13), e parece que “a festa” se realizará na terra, na abertura da era do reino (Lc 22.18,30).
Aqui, portanto, temos três idéias distintas:
Os convidados não são a noiva;
deve haver um intervalo entre o “casamento” e a “festa”;
a festa deve ser na terra.
Conforme tem sido mostrado, estas características fornecem indícios para o significado exato de algumas das parábolas proféticas de Cristo.
A ausência da noiva e de sua união naquelas parábolas é significativa, mas o significado foi grandemente perdido pelo ensino posterior do Novo Testamento quanto à noiva, conforme tem sido lido nas parábolas. A omissão harmoniza-se com a característica atribuída à noiva noutra parte, de que ela deve ser composta, não de todos os salvos, mesmo desta era, mas daqueles entre os salvos que são, pela graça, sempre vigilantes, devotos, separados do mundo, imaculados e andando de roupas brancas tecidas por eles mesmos. Dentro da vasta companhia do restante dos salvos está a esfera em que as parábolas do Senhor, e muitas outras passagens, têm sua aplicação. Bem-aventurados os que são convidados, e infelizes os que perdem tal privilégio, tal como o convidado sem a veste nupcial, as virgens imprudentes e o servo infiel. E além dessa região, jaz uma esfera ainda mais ampla daqueles do tempo do fim, que nem mesmo ouviram da fama do Noivo ou viram Sua glória (Is 66.19), mas que receberão a chamada de Isaías 55.1: “Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas”.
Tais distinções foram sugeridas no Antigo Testamento. Nas bodas de Ester havia somente uma multidão geral de convidados, mas eles foram diferenciados entre “príncipes e servos” (Et 2.18). Todos destas duas classes foram honrados com o convite real; todavia, é óbvio que eles não eram Ester, a rainha, tampouco incluíam todos os súditos do rei. E se alguns dos convidados à ceia das bodas do Cordeiro forem aqueles anjos príncipes, que serviram fielmente nos conflitos espirituais contra o príncipe rebelde destas eras anteriores? E se os servos incluírem aqueles espíritos ministradores, que mesmo agora prestam serviço diaconal aos santos, com vistas a prepará-los para a herança vindoura (Hb 1.14)? De qualquer forma, estes não seriam a noiva. Um deles se denominou “conservo” de João e de seus irmãos (Ap 19.10). O programa do Altíssimo é bem mais amplo e majestoso do que muitos pensam, e inclui todas as Suas criaturas, celestiais e terrenas.
Salmo 45
O salmo 45 é o cântico do Noivo Real. Observe a pessoa apresentada. O Noivo é simultaneamente o Guerreiro Poderoso com uma espada (vv. 3-5), como no contexto de nossa passagem (Ap 19.11-16), e também Deus (v. 6). Todavia, Seu Deus O abençoou e ungiu (vv. 2,7), de modo que Ele é Deus exaltado por Deus, um ministério do Novo Testamento manifestado pela revelação mais clara do Pai de nosso Senhor Jesus Cristo.
Depois, o Noivo tem uma rainha cujo lugar de honra é à Sua mão direita. Em seguida, Ele tem “companheiros” (Hb 3.14 – participantes, deveria ser “companheiros de”; veja Ap 3.4,5; 14.4; 17.14; 1Rs 12.8). Assim também a rainha tem “as virgens, suas companheiras que a seguem” (v. 14), como em Mt 25.1-13, e estas participarão da “alegria e regozijo”, isto é, da festa dentro do palácio (v. 15). Os outros mencionados são certamente princesas (v. 9), o povo e a família da rainha (v. 10), e além destes círculos mais íntimos estão os povos de fora, como os de Tiro, isto é, gentios que são vistos se aproximando e honrando o Rei (v. 12), em cuja nobre ocupação a rainha é chamada a liderar: “Ele é o teu Senhor, presta-Lhe, pois, homenagem” (v. 11).
Tudo isso é altamente sugestivo da realidade e da variedade que caracterizará aqueles dias futuros, quando o céu e a terra serão unidos, um Reino, em relação com Aquele que é o Senhor de todos. Uma vasta variedade é introduzida, que eleva a mente muito além da fundamental, mas apenas inicial, distinção entre salvo e não salvo, que é o máximo que muitos penetraram nos maravilhosos conselhos do Altíssimo.
“Não sabeis vós que os que correm no estádio, todos, na verdade correm, mas um só é que recebe o prêmio? Correi de tal maneira que o alcanceis”, isto é, o prêmio (1Co 9.24; Fp 3.12-16).
Quando esta pergunta é feita, todos respondem: “É a Igreja”, ou:“O Corpo de Cristo”, dando a entender, naturalmente, que ela é todos os salvos. Porém, as provas bíblicas para tal nunca são dadas, nem tampouco é possível fazê-lo, pois a Igreja nunca é chamada na Bíblia de “a Noiva de Cristo”. A Igreja é chamada de “Seu corpo” em Efésios 1.22,23; todavia, o Corpo e a Noiva não são sinônimos, como se tem imaginado.
Se observarmos a “lei da primeira menção”, termo com o qual todos os estudiosos da Bíblia estão familiarizados, e lembrarmos que as coisas escritas no Antigo Testamento são tipos para nosso ensino (Rm 5.4; 1Co 10.11), veremos que a noiva é tirada do corpo. Dois exemplos no Antigo Testamento ilustram esta verdade, como também muitos outros.
A primeira noiva, Eva, não era o corpo de Adão, mas foi tirada de seu corpo. Adão é um tipo de Cristo (Gn 2.21-23). Em Gênesis 24, temos a história de Abraão, que enviou seu servo para buscar uma noiva para seu filho Isaque. Muitos usam isso como um tipo de Deus, o Pai, enviando o Espírito Santo ao mundo para chamar a Igreja. É verdade que Ele faz isso, porém esse não é o ensino de Gênesis 24. O Evangelho deve ser levado ao mundo inteiro, mas nessa história Abraão não enviou seu servo aos cananeus, e, sim, a seu próprio povo, a fim de tomar uma noiva para seu filho. Os que estão familiarizados com os tipos na Bíblia podem logo ver que Gênesis 24 manifesta o seguinte: Abraão, um tipo do Pai, envia o servo, tipo do Espírito Santo, a seu próprio povo, um tipo da Igreja, para tomar uma noiva para Isaque, um tipo de Cristo.
Se a mensagem é de salvação, ela é anunciada a todos; porém, quando Deus chama para serviço, entrega, comunhão, pureza de vida, amor, devoção e muitos outros termos que são aplicáveis à palavra “noiva”, Ele não chama o mundo, mas Seu próprio povo ou família.
Nosso Senhor usou o termo “família” por causa de seu significado para nós na vida física. Nascemos a primeira vez em uma família física. Quando cremos no Senhor Jesus Cristo, confiando que Ele morreu em nosso lugar, nascemos de novo, na família de Deus. Eu creio que a palavra noiva é usada no mesmo sentido da palavra família. Sabemos que bênçãos a vida em família traz. Sabemos também que a noiva e o noivo, enquanto estão na família, compartilham de uma união e intimidade que não é partilhada pelos outros membros da família. Com esses pensamentos em mente, podemos ver como o Senhor chama aqueles que são Seus para chegarem mais perto de Si. Não é a este mundo, mas sim aos Seus que Ele diz: “Rogo-vos, pois, irmãos, pela compaixão de Deus, que apresenteis os vossos corpos em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus, que é o vosso culto racional. E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12.1,2). Não serão muitos os cristãos que darão ouvidos a esse mandamento direto. Muitos que são salvos nunca experimentarão doce comunhão com o Senhor Jesus e, como Esaú, perderão as recompensas espirituais futuras por causa de satisfações carnais do momento.
Escrevendo aos coríntios carnais, Paulo diz que eles estão desposados a um marido, isto é, estão prometidos em casamento, ou, como diríamos, noivos. Isso certamente nos mostra a possibilidade de todos os cristãos serem a Noiva de Cristo. Paulo continua dizendo que teme que eles sejam enganados por satanás e tenham a mente corrompida. Esta é a situação de muitos cristãos hoje. Isto mostra a possibilidade de muitos falharem em preencher as qualificações para serem chamados a ser a Noiva de Cristo. A palavra desposados é a mesma palavra que foi usada em Mateus 1.18, onde é dito que Maria estava desposada com José. Antes de se unirem, intentou deixá-la, pois pensava que ela lhe havia sido infiel. Muitos crentes hoje são infiéis e, em certo sentido, o Senhor “os deixará”. Isto não significa a perda da salvação. Em Apocalipse 16.15 lemos: “Eis que venho como ladrão. Bem-aventurado aquele que vigia e guarda as suas vestes, para que não ande nu, e não se veja a sua nudez”. Isso não se refere à justiça com a qual somos vestidos para a salvação (Is 61.10), mas, sim, uma vestimenta de boas obras que pode ser mantida com um resultado proveitoso, ou perdida para nossa vergonha e perda de recompensas no aparecimento de Cristo (1Jo 2.28; Tt 3.8; 2Jo 1.8).
Apocalipse 19.7 mostra que a noiva se atavia para o casamento e para as bodas do casamento, providenciando para si mesma uma vestimenta de boas obras. Nos dias em que isso foi escrito, a noiva fazia literalmente seu vestido de casamento, dedicando muitas horas de trabalho a ele. Nem todos os cristãos trabalham para Cristo, por isso nem todos serão a Noiva. A falta dessa vestimenta levará um cristão infiel a ser “deixado”, por assim dizer, nas trevas do lado de fora da festa de casamento. As trevas exteriores não representam o inferno, pois há servos inúteis lá. São trevas do lado de fora da festa onde o servo infiel estará, enquanto aqueles que foram fiéis desfrutarão da comunhão e do companheirismo não partilhados por todos. Em Mateus 25.14-30, o Senhor está tratando com Seus servos, e vemos os servos inúteis lançados nas trevas exteriores. Temos uma passagem paralela em Mateus 22, na qual alguém sem a veste nupcial é lançado em trevas exteriores. Lembre-se de que ele não poderia estar lá se não pertencesse ao Senhor. Isso tem a ver com a ocasião do arrebatamento da Igreja, quando cristãos darão conta dos feitos por meio do corpo, sejam bons ou maus (2Co 5.10). Sem dúvida, cristãos desinteressados e infiéis chorarão por suas falhas, pois só depois do Milênio de Cristo é que Deus limpará de seus olhos toda a lágrima (Ap 21.4).
Apocalipse 3.18 nos aconselha a comprar roupas brancas para nos vestirmos a fim de que nossa nudez não apareça. Conforme já vimos, as vestes brancas representam os atos de justiça e as ações do povo de Deus (19.8). A palavra comprar é usada para mostrar ao filho de Deus que ele terá de pagar um preço para estar entre os que compõem a Noiva de Cristo. Sim, uma vida separada e submissa custa muito, mas quão grande será a recompensa daqueles que ousarem pagar esse preço. Isaías 55.1 será a recompensa daqueles que ousarem pagá-lo. Isaías 55.1 fala de comprar sem preço. Não falamos de dinheiro, mas o cristão que determinou em seu coração viver completamente para o Senhor Jesus Cristo sabe que custa muito. Pode custar seus amigos, parentes, pois não são muitos os que trafegam o caminho separado. O preço pode estar em muitas horas de estudo bíblico, oração e testemunho. Falando de testemunho, Apocalipse 22.17 diz: “O Espírito e a esposa dizem: Vem!” Nem todos os cristãos trabalham para o Senhor, provendo para si mesmos uma veste de boas obras, e nem todos convidam outros para virem a Cristo. Portanto, os cristãos em sua totalidade não podem ser a Noiva de Cristo.
A palavra corpo é usada para mostrar unidade. Hoje muitos cristãos estão espalhados pelo mundo; entretanto, há um só corpo. Um dia, e eu creio que será muito em breve, o Senhor Jesus Cristo virá nos ares e levará Seus filhos deste mundo, e nós estaremos com Ele para sempre (1Ts 4.15-18). Prestaremos conta de nossa vida e seremos recompensados (2Co 5.10). Os cristãos trabalham e servem ao Senhor em vários níveis e serão recompensados dessa forma. Alguns não O servem em nada e sofrerão a perda dos galardões. Os que não se proveram de uma veste nupcial estarão espiritualmente despidos e envergonhados, mas não perdidos. Em Romanos 8.35-39 aprendemos que até mesmo a nudez, que se refere à perda da veste de boas obras, não nos separará do Seu amor. Entretanto, Tito 3.8 nos diz que o aplicar-se às boas obras é proveitoso. O proveito ou perda, de acordo com o caso, se manifestará no tribunal de Cristo, onde todos os cristãos darão conta de seus feitos no corpo, se bons ou maus.
A salvação (vida eterna) é dom de Deus. É eterna e não pode ser perdida. Os galardões, as coroas e a herança no reino são baseados em nossa fidelidade a Ele. A recompensa mais elevada será estar entre aqueles que compõem a Noiva de Cristo. Esse é um termo figurativo e simplesmente se refere àqueles que têm sido puros, limpos, submissos e que vivem em comunhão e companheirismo com Ele. Em outras apalavras, aqueles que têm sido para Seu Senhor tudo aquilo que está implicado na palavra noiva.
Foi a isso que Paulo se referiu em Filipenses 3.11. Ele certamente não temia perder a ressurreição, mas desejava estar entre os chamados para fora dentre os ressuscitados para receberem o prêmio da suprema vocação de Deus. A salvação não é um prêmio, e sim a dádiva da vida eterna.
Posso dizer que a Igreja é um corpo, composto de todos os crentes em Cristo? As epístolas foram escritas para a Igreja. A igreja em Corinto, como todas as demais, era composta de duas classes de crentes: os carnais e os espirituais (1Co 3.1-3). Muitos, embora pertencendo à Igreja, permanecem carnais até o fim e serão salvos como que pelo fogo. Não pensem tais cristãos que eles serão a Noiva de Cristo.
Quem é, pois, a noiva de Cristo? Aqueles que estão provendo para si mesmos uma veste nupcial de boas obras; aqueles que estão convidando outros para virem a Cristo. Encaremos a questão, cristão amigo: nem todos estarão qualificados. E quanto a você?
Embora grave risco e responsabilidade sejam imputados àqueles cristãos que se tornaram iluminados quanto às coisas da era vindoura, na qual o Filho de Deus se manifestará no caráter de Rei-Sacerdote, o apóstolo não hesita em encorajar os santos a prosseguirem. Ele diz: “Mas de vós, ó amados, esperamos coisas melhores, e coisas que acompanham a salvação, ainda que assim falamos” (Hb 6.9). Embora o autor ponha diante dos leitores clara e impetuosamente as conseqüências de se afastarem do Deus vivo, depois de se terem sido iluminados por Seu eterno propósito, ele está persuadido a esperar coisas melhores deles. Daqueles santos ele espera, não coisas que estejam associadas com o retrocesso para destruição e perda, mas coisas associadas com o prosseguir para a salvação. A recorrência da palavra “salvação” neste ponto se associa à passagem que a precede, a saber, a “tão grande salvação” do capítulo 2 e a “eterna1 salvação”, da qual Cristo se tornou Autor para todos os que Lhe obedecem (2.10; 5.9).
Com essa passagem nós podemos, proveitosamente, comparar o que é dito em 10.26-29: “Porque, se pecarmos voluntariamente, depois de termos recebido conhecimento da verdade [i.e., termos sido iluminados], já não resta mais sacrifício pelos pecados, mas uma certa expectação horrível de juízo, e ardor de fogo, que há de devorar os adversários” [como os espinhos e abrolhos serão consumidos pelas chamas, cf. Hb 6.8]. Mas, embora o apóstolo assim fale, nos mais claros termos, das consequências de retroceder voluntariamente, ele diz: “Nós, porém, não somos daqueles que se retiram para a perdição, mas daqueles que crêem para a conservação da alma” (10.39). A palavra “perdição” devia ser traduzida “destruição”! Não há perdição para o santo; mas pode haver “destruição” (a qual significa grande e irreparável perda), como as Escrituras já citaram abundantemente e claramente testificam.
As palavras “crêem para a conservação da alma”, em 10.39, são de significado semelhante às palavras de 6.9: “Coisas que acompanham a salvação.” Não é a fé justificadora que está sendo mencionada aqui, isto é, a de crer para a justiça, mas a que crê para a salvação da alma, que é algo muito diferente.
A razão pela qual o apóstolo tomou tão esperançosa uma visão da perspectiva daqueles santos, e foi persuadido a esperar coisas melhores deles, foi que Deus não seria injusto de esquecer a obra e o trabalho do amor que eles tinham mostrado para com Seu Nome, tendo servido aos santos, e continuando a fazê-lo. Essa passagem (vv. 9,10) mostra claramente que as advertências desse capítulo são direcionadas aos crentes [regenerados]. É simplesmente inconcebível que seria dito de pecadores não-convertidos que eles mostraram um trabalho de amor ao nome do Senhor em ministrar a Seus santos. Além disso, a passagem fala de uma justa retribuição de Deus para o trabalho deles. As obras de pecadores são obras mortas para as quais não há recompensa. O primeiro dos princípios de fundamento mencionados no início do capítulo é “arrependimento de obras mortas”. É necessário o sangue de Cristo para purificar a consciência de obras mortas para servir ao Deus vivo (9.14).
Portanto, servir aos santos é um ministério aceitável, uma vez que testifique o amor ao nome do Senhor. Mas o apóstolo deseja algo mais, a saber, que cada um deles mostrasse a mesma diligência para a completa certeza de esperança até o fim. A “mesma diligência” parece se referir à mesma que eles já tinham mostrado ao ministrar aos santos para garantir totalmente a esperança; a mesma diligência deve ser mantida até o fim.
Outro desejo do Espírito Santo, falando pelo apóstolo, é que os santos não sejam negligentes ou preguiçosos, mas sejam “imitadores” daqueles que, pela fé e paciência, herdam as promessas. A palavra traduzida como “paciência” neste versículo e no versículo 15 não é aquela que ocorre em outras partes na epístola, como em 12.1, “corramos com paciência”, e na qual essa última significa realmente “perseverança”. A palavra que ocorre nos versículos 12 e 15 de Hebreus 6 significa “longa espera por uma promessa adiada”, como Jacó esperou pela salvação de Deus e como Abraão esperou pelo herdeiro prometido. No versículo 15, a interpretação da mesma palavra é “depois de ele ter perseverado pacientemente”. Literalmente, lê-se: “E assim, tendo tido longa paciência, alcançou a promessa”.
O incidente recordado é o forte encorajamento que Deus deu a Abraão, confirmando Sua palavra de promessa dada anteriormente por meio de um juramento. Esse juramento do Senhor foi dado a Abraão depois de provar sua fé com respeito a oferecer Isaque, de quem Deus disse: “[…] porque em Isaque será chamada a tua descendência” (cf. Gn 21.12). Então, o Senhor jurou, dizendo “E disse, por Mim mesmo jurei, diz o Senhor: Porquanto fizeste esta ação e não Me negaste o teu filho, o teu único filho, que deveras te abençoarei, e grandissimamente multiplicarei a tua descendência como as estrelas dos céus, e como a areia que está na praia do mar; e a tua descendência possuirá a porta dos seus inimigos; e em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; porquanto obedeceste à minha voz” (Gn 22.16-18).
Essa palavra, confirmada por um juramento, não tinha a ver com a herança da terra de Canaã, mas com a multiplicação da descendência de Abraão como as estrelas do céu, a possessão da porta de seus inimigos e a bênção de todas as nações por meio dela [sua descendência]. É afirmado em Hebreus 6.15 que Abraão, depois de ter esperado com paciência, alcançou a promessa. Abraão não viu a multiplicação da descendência de Isaque até que Isaque completasse sessenta anos. Isaque tinha quarenta anos quando casou com Rebeca (Gn 19.20), e sessenta quando Esaú e Jacó nasceram (25.26). Conseqüentemente, os netos de Abraão tinham quinze anos quando ele morreu (v. 7). Ele não viu a multiplicação de sua descendência além disso, de modo que, no fim da vida, ele exercitou a paciência de acordo com essa promessa. A promessa ainda não tinha sido cumprida em sua plenitude; mas a palavra e o juramento permanecem, e serão cumpridos na era vindoura. Pois, quando Deus pôs a Si mesmo para realizar Seu propósito eterno de conduzir muitos filhos a glória, “Ele não tomou os anjos” para aquele propósito, mas “tomou a descendência de Abraão” (Hb 2.16); quer dizer, aqueles que são “da fé”, como está escrito: “Sabeis, pois, que os que são da fé são filhos de Abraão” (Gl 3.7). E novamente: “Portanto, [a promessa] é pela fé, para que seja segundo a graça, a fim de que a promessa seja firme de toda posteridade, não somente à que é da lei, mas também à que é da fé que teve Abraão, o qual é pai de todos nós” (Rm 4.16).
Note-se, então, que a fé de Abraão, exibida no incidente registrado em Gênesis 22, foi a obediência da fé, como disse o Senhor: “Porquanto obedeceste a minha voz”! Isso é o que dá pertinência à lição aplicada em Hebreus 6. Essa palavra e o juramento do Senhor são duas coisas imutáveis nas quais Ele tem se agradado em mostrar aos herdeiros da promessa a imutabilidade de Seu desígnio, a fim de que nós, que fugimos para buscar refúgio Nele, de acordo com o que está escrito: “O Deus de Jacó é o nosso refúgio” (Sl 46.7), tenhamos uma firme consolação (encorajamento) para lançar mão da esperança que nos foi proposta.
Nós não devemos desfalecer na tribulação, mas em vez disso “nos gloriarmos” nela
Lançar mão da esperança que nos foi proposta está em contraste com o retroceder para as coisas desse século. O tempo do cumprimento de todas as promessas que têm sido feitas aos herdeiros da promessa é o século futuro. Cristo não fez nenhuma promessa incondicional a Seus discípulos para o presente século [maligno] exceto aquela sobre a tribulação: “No mundo tereis aflições” (Jo 16.33). Sem dúvida, os santos têm muitas bênçãos e promessas disponíveis no tempo presente, mas nenhuma se relaciona ao mundo ou procede dele. Desse mundo eles não podem ter certeza de nada, senão de tribulação. Nós não devemos, no entanto, desfalecer na tribulação, mas em vez disso “nos gloriarmos” nela, porque “a tribulação produz a paciência, e a paciência a experiência, e a experiência a esperança”(Rm 5.3,4). Portanto, a fim de sermos estimulados a lançar mão da esperança que nos foi proposta, temos a Palavra de Deus confirmada por um juramento.
Ao buscar uma idéia mais definida acerca da natureza dessa esperança, alguma ajuda pode ser obtida da associação em que o termo “proposto” é usado em Hebreus 12. Lemos ali sobre “Jesus, autor e consumador da fé, o qual, pelo gozo que Lhe estava proposto, suportou a cruz”. O gozo proposto a Ele, o qual Ele terá naqueles a quem não se envergonha de chamar “irmãos”, está intimamente associado com a esperança que está proposta a estes.
Essa esperança é semelhante a uma âncora, uma pedra maciça encaixada firmemente no chão, perto da beira da água de um porto, na qual a corda de uma embarcação é fixada, de modo que a embarcação seja, assim, trazida para a costa quando não puder seguir seu caminho contra o vento ou a maré. Nossa esperança penetra até o interior do véu, onde entrou Jesus como nosso precursor, feito eternamente sumo sacerdote, segundo a ordem de Melquisedeque (cf. 6.20). A esperança que nós temos está, portanto, associada diretamente com o Filho de Deus no caráter de sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. Isso nos traz mais uma lição de que o conhecimento do Filho de Deus nesse caráter é o que distingue filhos maduros de Deus dos filhos recém-nascidos, mostrando a grande importância de lançar mão deste conhecimento.
Existe um paralelo instrutivo entre a palavra e o juramento de Deus a Abraão e a palavra e o juramento de Deus ao Filho no salmo 110. A “palavra” é encontrada no versículo 1: “Disse o Senhor ao meu Senhor”; e o juramento, no versículo 4: “Jurou o Senhor, e não se arrependerá: Tu és um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque”. Que o paralelo é intencional é evidente, a partir do fato de o juramento a Abraão ser mencionado em direta associação com aquele ao Filho (comp. Hb 6.13 e 7.21); e na mesma associação o encontro de Melquisedeque com Abraão é descrito. Certamente, aquele incidente prefigurou a próxima vinda do grande antítipo de Melquisedeque com a descendência de Abraão, que são os vencedores pela fé, ensinando que a palavra de promessa a Abraão, a qual Deus confirmou por um juramento, terá seu cumprimento Naquele a quem Deus, pela “palavra do juramento” (v. 28), fez sacerdote eternamente.
Deve ser lembrado que, enquanto Abraão não teve, em sua existência, o cumprimento da promessa registrada em Gênesis 22, a qual é a mais extensa de todas as promessas, ele obteve o filho prometido, Isaque, por meio de quem essa e todas as suas outras promessas tiveram seu cumprimento. As promessas estão todas ligadas a Isaque. Assim com a descendência espiritual de Abraão, os herdeiros de uma salvação [futura]. Eles ainda não alcançaram o cumprimento da promessa, mas Deus lhes concedeu o conhecimento Daquele em quem todos os propósitos de Deus serão cumpridos. Cada promessa está relacionada com Cristo, que agora penetra até o interior do véu como nosso precursor. Portanto, nossa esperança, a qual se atribui a Ele, penetra até o interior do véu, o que a faz “segura e firme”. Essa ligação não falhará nem se tornará instável. Por isso, nós simplesmente temos de nos apegar até o fim.
Além disso, em outro aspecto do assunto, por ser Cristo mesmo a descendência de Abraão – como está escrito: “Não diz: E às descendências, como falando de muitas, mas como de uma só: E à tua descendência, que é Cristo” (Gl 3.16) –, nós, que somos nascidos de novo em Cristo, somos estabelecidos Nele como a descendência espiritual de Abraão, e, portanto, somos herdeiros das promessas.
A doutrina do sacerdócio do Filho de Deus segundo Melquisedeque, a qual ocupa o sétimo capítulo de Hebreus, tem sido tão freqüentemente e tão completamente comentada que não nos deteremos muito nela aqui. O ponto principal que temos de notar é que o estabelecimento de outro sacerdote de acordo com uma ordem diferente daquela de Arão – o Sacerdote da nova ordem sendo estabelecido com um juramento, e sendo antítipo do sacerdote-rei de Salém, que foi muito maior do que Abraão – marca uma profunda mudança nas relações de Deus com Seu povo. Somos especialmente admoestados neste ponto a “considerar quão grande era este homem a quem até o patriarca Abraão deu os dízimos dos despojos”; e é também apontado que Levi, o pai dos sacerdotes arônicos, com efeito, pagou dízimos a Melquisedeque.
A excelência deste Sumo Sacerdote é tão incomparavelmente maior do que aquele da ordem levítica, que o sistema, do qual Ele é o centro, não deixa espaço para qualquer outra parte da antiga ordem.
Resulta destas considerações que todo o sistema conectado com o sacerdócio levítico – a aliança, a lei, os sacrifícios, as ordenanças e os serviços – foi, necessariamente, posto de lado e abolido quando o exaltado Filho de Deus foi saudado por Deus como Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque, quando foi feito Sumo Sacerdote, não segundo a lei do mandamento carnal, mas pelo poder de uma vida eterna. A excelência deste Sumo Sacerdote é tão incomparavelmente maior do que aquele da ordem levítica, que o sistema, do qual Ele é o centro, não deixa espaço para qualquer outra parte da antiga ordem. “Porque, mudando-se o sacerdócio, necessariamente se faz também mudança da lei. […] Porque o precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade (pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou)” (Hb 7.12,18,19).
A aliança também foi substituída porque Jesus se tornou o Fiador de uma melhor aliança; a nova aliança é tão melhor que a antiga quanto o Sacerdote feito com juramento é melhor do que aqueles feitos sem juramento (vv. 20-22).
Os sacrifícios também cessaram, porque nos convinha tal Sumo Sacerdote, que foi feito mais sublime do que os céus, que não necessitasse, como os sumos sacerdotes da antiga ordem, de oferecer cada dia sacrifício; porque isto fez Ele de uma vez por todas quando ofereceu-se a Si mesmo (vv. 26,27).
Nossa esperança, portanto, por estar associada firmemente ao Sumo Sacerdote da nova e eterna ordem, nos habilita a todos os benefícios do novo sistema. Por outro lado, os benefícios relativamente menores do antigo sistema não mais existem, uma vez que todo o sistema foi abolido por Aquele que o estabeleceu. Sua finalidade era temporária, e foi atingida. Era composto de “sombras”, das quais a Substância, Cristo, agora se revelou. Os judeus podem continuar a observar os remanescentes da velha ordenança, e as denominações cristãs podem inventar formas de (assim chamada) “adoração” em imitação; mas o sistema em si mesmo foi, e “necessariamente”, absolutamente trazido ao fim pela morte e ressurreição de Cristo.
Agora, o grande ponto envolvido nesta parte da epístola, e o ponto que é de principal importância para nossos propósitos, é o efeito que o novo sistema tem no aperfeiçoamento ou amadurecimento dos filhos de Deus. Esse é o fim prático, tendo em vista, como é evidente do fato de toda a seção começar com a exortação, “Prossigamos até a perfeição” (6.1); e o ensinamento da seção prova que, a fim de prosseguir para a perfeição (pleno crescimento), é necessário chegar ao conhecimento do Filho de Deus como Sumo Sacerdote da nova ordem. Em vista desse ponto prático, o apóstolo diz: “De sorte que, se a perfeição fosse [alcançável] pelo sacerdócio levítico (porque sob ele o povo recebeu a lei), que necessidade havia logo de que outro [lit., um diferente] sacerdote se levantasse, segundo a ordem de Melquisedeque?” (7.11). Por essa pergunta parece que o aperfeiçoamento dos filhos de Deus foi o objetivo prático em vista na consagração do Filho de Deus como Sumo Sacerdote de uma nova e imutável ordem. Isso liga o assunto do sacerdócio de Cristo segundo Melquisedeque com o propósito do Pai, mencionado no capítulo 2, a saber, conduzir “muitos filhos à glória”.
Deus deve ter, para o cumprimento de Seu grande propósito, um Sacerdote capaz de salvar perfeitamente.
Mais uma vez, é distintamente declarado que “o precedente mandamento é ab-rogado”, que é um mandamento carnal, de acordo com o qual o sacerdócio levítico foi estabelecido, cuja ab-rogação foi decretada por conta da “fraqueza e inutilidade”, e a fraqueza e inutilidade daquela lei consistiam em que “nenhuma coisa [a lei] aperfeiçoou”. Por conta disso, e por nenhum outro motivo, tanto quanto foi mencionado no texto, o antigo sistema de sacerdócio levítico foi abolido. Deus deve ter, para o cumprimento de Seu grande propósito, um Sacerdote capaz de salvar perfeitamente. Portanto, o antigo sacerdócio, e tudo associado a ele, foi removido e substituído por uma diferente ordem, capaz de conduzir os filhos de Deus ao pleno crescimento.
A conclusão, então, de todo assunto é que a inauguração do novo sistema, isto é, o novo sacerdócio, a nova aliança e o novo modo de adorar no verdadeiro santuário, teve como grande objetivo o aperfeiçoamento de muitos filhos que Deus está conduzindo à glória. Certamente, o conhecimento dessa verdade nos animará com uma firme determinação a “prosseguir até a perfeição”.
Como, então, este propósito é favorecido pela grande mudança aqui descrita? Duas coisas contribuíram para o fim mencionado: primeiro, o encaminhamento para uma melhor esperança (7.19), e, segundo, a intercessão de um Sumo Sacerdote (v. 25).
Quanto à “melhor esperança”, não temos nada a acrescentar neste ponto, tendo estabelecido completamente nosso entendimento sobre o assunto. Queremos, no entanto, por um questão de clareza, dar ao leitor uma tradução literal dos versículos 18 e 19: “Porque o precedente mandamento é ab-rogado por causa da sua fraqueza e inutilidade (pois a lei nenhuma coisa aperfeiçoou) [nenhuma coisa trouxe à maturidade]; e desta sorte é introduzida [há também] uma melhor esperança, pela qual chegamos a Deus.” Em outras palavras, duas coisas são ditas ter sido realizadas: primeiro, a ab-rogação do precedente mandamento, e, segundo, a introdução de uma melhor esperança.
A intercessão do grande Sumo Sacerdote, que vive para sempre, é um poderoso fator no aperfeiçoamento de muitos filhos. Ele é “capaz”. Todo poder necessário está abrigado Nele, e Ele nunca cessa de aplicá-lo para o cumprimento do propósito do Pai. Ele é “misericordioso”, Ele é “fiel”, Ele é “capaz”. O que mais precisamos para confirmar nossa confiança Nele e encorajar-nos a mantê-la “até o fim”? “Ele é capaz de salvar perfeitamente” (cf. 7.25) – ou seja, conduzir ao correto estado para participarem da salvação de que esta epístola trata – “os que por Ele se chegam a Deus”. O precedente sacerdócio nada aproveitou para esse fim. Por meio dele o propósito do Pai não poderia ser realizado. Portanto, o Filho de Deus veio ao mundo para fazer a vontade de Seu Pai. Na terra, Ele cumpriu essa vontade pelo sofrimento e morte, no corpo preparado para Ele, como um sacrifício pelo pecado; e agora Ele vive eternamente para completar o propósito do Pai intercedendo por aqueles que são chamados segundo Seu propósito. “Porque nos convinha tal sumo sacerdote, santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores, e feito mais sublime do que os céus” (v. 26).
Nota
1A palavra grega aionios, traduzida como “eterna”, neste contexto deveria ser traduzida como “permanente”. (N. do E.)
“Ao que vencer, Eu lhe concederei que se assente Comigo no Meu trono” (Ap 3.21).
Como tudo depende do significado das palavras “Ao que vencer”, pode ajudar os que não têm conhecimento dessa verdade ou até agora duvidaram dela, ouvir alguns estudiosos competentes no assunto dos vencedores1.
“Assim como a glória eterna de Cristo, a glória que Ele tinha com o Pai antes que o mundo existisse, Ele a herda como o Filho de Deus, Sua glória milenar descansa em Sua perfeita obediência como homem; por isso, nossa glória eterna repousa unicamente em sermos filhos de Deus, enquanto nossa glória milenar só pode ser alcançada por nossa obediência como servos.”
“A vitória de nosso Senhor, sendo perfeita, alcança uma recompensa que é única; ninguém, homem ou anjo, compartilha com Ele do trono de Deus. ‘Ao que vencer, Eu lhe concederei que se assente Comigo no Meu trono; assim como Eu venci e Me assentei com Meu Pai no Seu trono’ (v. 21). Nosso Senhor venceu para ter o reino milenar, Ele não o herdou. Assim, o prêmio do reino milenar também foi um dos incentivos que inspiraram a vitória de nosso Senhor: “Pelo gozo que Lhe estava proposto, suportou a cruz, desprezando a afronta, e assentou-se à destra do trono de Deus” (Hb 12.2). Os laodicenses, os apóstatas, que se despertarem do sono, que deixarem o ouro terrestre pelo celestial, que se erguerem para o santo, feliz e inabalável serviço – até mesmo os laodicenses podem alcançar a incomparável dignidade, a impressionante maravilha da glória vindoura: na verdade, partilhar do trono de Cristo.”
“A exortação ao final de todas as sete epístolas [de Apocalipse] para vencer denota a vitória de uma vida de fé inabalável sobre as tentações e provações e sobre todas as coisas adversas em geral.”
“Esta entronização será concedida a todos os que provarem ser vencedores na luta contra o mundo, a carne e o diabo.”
Steir
“Seguramente é para o reino milenar que, em certo sentido, todas essas promessas apontam: que o poder sobre as nações está aqui estendido, como galardão, àqueles que venceram está muito claro.”
“A colheita é composta por aqueles por quem Cristo venceu, as primícias são aqueles em quem e por meio de quem Ele venceu, bem como venceu por eles.”
A. Champion
“O apóstolo Paulo não tinha nenhuma dúvida sobre seu lugar no corpo principal, pois seu testemunho é claro: ‘Eu sei em quem tenho crido e estou certo de que [Ele] é poderoso para guardar o meu depósito até aquele dia” (2Tm 1.12). Quando, porém, escreveu aos filipenses, disse-lhes que havia uma coisa que ele estava buscando acima de tudo, “o prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (3.13), para que ele pudesse, de alguma maneira alcançar a ressurreição extraordinária2 dentre os mortos (v. 11). Ele tinha certeza de ter um lugar na colheita geral, mas não tinha certeza, ainda, de ser uma das primícias como vencedor.”
“Se Pedro, Tiago, João e André precisavam das advertências dadas por nosso Senhor para acautelarem-se, para vigiar e orar (Mc 13.3,5,9,23,33) e para estarem apercebidos (Mt 24.44), é claro que algo mais se requer de nós, além da fé em Cristo para a [eterna] salvação, se quisermos estar maduros o suficiente para as primícias. O ensinamento de que todo aquele que crê está pronto para a vinda do Senhor é um narcótico mortal. Não é de admirar que a Igreja esteja dormindo!”
“Se, por outro lado, vemos que, sendo salvos, há ainda um prêmio a ser ganho pelo qual vale a pena considerar tudo como lixo, então encontramos nele um poderoso estimulante para uma vida santa e vitoriosa em união com nosso Senhor que virá.”
Governantes no milênio, vencedores e tronos
Governantes no milênio
James Black, em suas críticas drásticas à verdade sobre o milênio (Edingburgh Record, jan. de 1925), aponta o dedo – como outros críticos hostis fizeram antes dele – em um ponto fraco do ensino atual sobre o reino de Deus. “Esses mártires (são somente os mártires, lembre-se!)”, diz ele, comentando sobre Apocalipse 20.4, “ressuscitam e juntam-se a Ele [Cristo], reinando com Ele mil anos. As únicas pessoas mencionadas como ‘reinando com Cristo’ são os mártires. Se você interpretar isso literalmente, não há base alguma nessa passagem para toda a elaborada doutrina dos pré-milenaristas, que dizem que eles representam Cristo e todo Seu povo cristão governando este mundo por mil anos.”
Vencedores
É fato que muitos da Igreja sub-apostólica assim entendiam o apóstolo João. Além disso, é verdade que a ênfase extraordinária colocada sobre os mártires deveria ter alertado a Igreja de que a co-realeza com Cristo na era vindoura – distinta do reino eterno após ela – não abrangia, de forma alguma, todos os redimidos como tem sido suposto. Mas também é verdade que esses críticos têm negligenciado a primeira divisão dos tronos quádruplos: (1) vencedores: “E vi tronos; e assentaram-se sobre eles” (Ap 20.4); (2) mártires cristãos; (3) mártires do Antigo Testamento e (4) mártires sob o anticristo. O primeiro grupo, vencedores não necessariamente martirizados, é assim definido por nosso Senhor: “Ao que vencer e guardar até o fim as Minhas obras, Eu lhe darei poder sobre as nações e com vara de ferra as regerá” (2.26,27).
Tronos
“Que objetivo refulgente! ‘E vi tronos.’ Tronos! Não um, mas muitos; não o grande trono branco, erguido em solidão, sem nenhum outro trono perto dele, mas uma grande multidão de tronos, tronos co-iguais. Não um cetro, mas milhões de cetros. Não o exercício independente de autoridade, mas, sim, em dominação associada: há união entre essa confederação de reis celestiais.” (Arthur Augustus Rees).
Notas
1 “Nós fazemos bem em lembrar que a consciência do que está em jogo, uma condicional participação no trono, fornece um incentivo de poder extraordinário, enquanto o ensino comum – de que o pior apóstata irá partilhar o trono de Cristo – rouba cada crente deste tremendo impulso.” (D. M. Panton) (N. do E.)
2 No v. 10, Paulo usa a palavra grega anastasis, que significa “ressurreição”, mas no v. 11 a palavra usada é exanastasis, indicando uma ressurreição superior, extraordinária, adicional. (N. do T.)
(Traduzido por Francisco Nunes de “Overcomers”, sem indicação de autor. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria e de tradução e seja exclusivamente para uso gratuito. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
“Ao que vencer, Eu lhe concederei que se assente Comigo no Meu trono, assim como Eu venci e Me assentei com Meu Pai no Seu trono” (Ap 3.21).
Essas palavras foram ditas diretamente pelo Cristo ascenso e descrevem o galardão clímax para todos os que preenchem as condições para obtê-lo. Muitos podem se perguntar por que devemos seguir no conflito e na guerra incensantes com as forças do mal. É para o prêmio do trono. Em suas mensagens para as igrejas, o Senhor considera claramente expõe todo o incentivo do galardão. Os escritos de Paulo estão cheios de referência ao galardão a todos que preencherem as condições.
Cristo ainda não está sentado em Seu trono. Em Sua ascensão, Deus Lhe disse: “Assenta-Te à Minha destra até que…” (Hb 1.13). Ele está sentado “à destra da Majestade nas alturas” (v. 3; 8.1; At 2.34,35; Hb 10.12; 12.2), à espera do momento em que terá Seu trono, com aqueles que estão para compartilhá-lo com Ele.
O trono é para os vencedores! Isso é possível? Eles irão compartilhar o trono do Filho de Deus? Podemos ver agora por que, conforme atravessamos os dias finais dessa era, deve haver um conflito tão terrível e por que o príncipe das trevas vai desafiar cada filho de Deus que quer vencer. É o teste final e o treinamento de todos os que irão partilhar do trono, e governar e reinar com Cristo.
Agora, qual é o trono que aguarda nosso Senhor ascenso? É o trono milenar de reinar e governar os reinos do mundo. Depois que esse trono Lhe é dado, a voz do céu diz: “Os reinos do mundo vieram a ser de nosso Senhor e do Seu Cristo” (Ap 11.15). Esse trono Deus prometeu a Ele quando, voltando nas eras da eternidade, Ele foi constituído “herdeiro de tudo” (Hb 1.2). Isso foi prenunciado em Daniel 7:13,14.
O trono é para os vencedores!
Após isso, o trono milenar de Cristo deve ser compartilhado com outros em certas condições, por oferta do próprio Cristo. “ Eu lhe concederei que se assente Comigo”. Paulo se refere a esses herdeiros em seu desvendar da obra do Espírito Santo em Romanos 8. “Co-herdeiros com Cristo […] se é certo que com Ele padecemos” (v. 17). Isso é prenunciado em Daniel 7.22-27, onde lemos: “Chegou o tempo em que os santos possuíram o reino”. O fato de que o trono vindouro de Cristo será compartilhado por vencedores, que são constituídos pelo Pai para serem co-herdeiros com Ele, que foi constituído “herdeiro de todas as coisas”, é, portanto, bastante clara.
Vislumbres encontram-se, também, no tempo futuro, quando Cristo e aqueles que partilharão o trono com Ele reinarão. Paulo disse: “Não sabeis vós que os santos hão de julgar o mundo? […] Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos?” (1Co 6.2,3). Quais anjos? Certamente, não os que não caíram. A explicação é encontrada em 2Pedro 2.4: “Anjos que pecaram […] reservados para o juízo”. Esses anjos caídos – Satanás e sua hierarquia de poderes do mal – serão julgados por aqueles que reinarão com Cristo em Seu trono. Em breve, os que são vencedores – aqueles que venceram o mundo e Satanás – serão os juízes das hostes caídas do mal, quando esses vencedores forem glorificados com Cristo em Seu trono.
A obtenção do prêmio dessa “soberana vocação”, partilhar do trono com Cristo, foi o incentivo que instou Paulo para considerar todas as coisas como perda para obtê-lo e estar desejoso de ser feito conforme à morte de Cristo como o principal meio para atingir esse fim (Fp 3.10-14), pois cada crente que atinge o prêmio do trono segue pelo caminho nos passos do Senhor ascenso. “Para conhecê-Lo e o poder da Sua ressurreição […] sendo feito conforme à Sua morte, para ver se, de alguma maneira, posso chegar à ressurreição dentre os mortos”, escreveu Paulo. Em grego, isso significa a ressurreição “para fora de entre os mortos”. Um pouco depois, neste mesmo capítulo, Paulo diz: “Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (v. 14).
O que está em jogo para cada crente na presente guerra com Satanás é a coroa e o trono milenares.
Note a palavra “se” que Paulo usa: “Para ver se, de alguma maneira, posso chegar […]”. “Se”. Paulo estava perfeitamente seguro de sua salvação eterna como um dom gratuito de Deus por meio da obra consumada de Cristo. Romanos 4.4; 6.23 e muitas outras passagens deixam isso claro, mas ele seguidamente se refere a um galardão [prêmio, recompensa] do qual ainda não podia ter certeza, a menos que se esforçasse a preencher as condições para obtê-lo. Em Romanos 8.17, o mesmo se entra novamente em conexão com o mesmo assunto: “Co-herdeiros de Cristo, se é certo que com Ele padecemos, para que também com Ele sejamos glorificados.” Seremos “co-herdeiros de Cristo” e seremos “glorificado” com Ele, quando Lhe for dado o trono milenar de visivelmente governar sobre os reinos do mundo, se estivermos dispostos para o caminho que Ele trilhou. Ele obteve a vida eterna como um dom gratuito para todos os que crêem Nele; mas, para Seu novo governo sobre o mundo, quando este for retomado da mão do inimigo, Ele deve ter aqueles que já passaram pelo mesmo caminho de serem aperfeiçoados pelas aflições (Hb 2.10) que Lhe deu o trono.
O que está em jogo, portanto, para cada crente na presente guerra com Satanás, a qual deve se intensificar conforme a era se conclui, é a coroa e o trono milenares. A pergunta para cada um é: como manter toda a vitória espiritual já obtida, para que não percamos a coroa? Pois devemos esperar que Satanás vá desafiar cada um que ele vê se mover em direção ao trono, onde, com Cristo, esse vencedor vai julgar anjos. Em breve, Satanás tentará ganhar os futuros juízes das hostes malignas das trevas quando tentar ganhar e impedir aqueles que, como Paulo, avançam para o alvo.
Agora, considere a qualificação para a obtenção do prêmio do trono. O Senhor ascenso a apresenta nas palavras: “Ao que vencer lhe concederei” – um presente pessoal – “que se assente Comigo” – uma partilha pessoal com Ele – “no Meu trono” – o próprio trono de Cristo aberta ao vencedor – “assim como Eu venci.” Aqui, a qualificação e o caminho são apresentados de modo claro.
Observe mais uma vez que, na fase de qualificação para o prêmio, cada crente deve permanecer sozinho. Ele será dado “ao que vencer”. Cada futuro governante com Cristo deve ser preparado e formado individualmente, e seu meio ambiente e os ataques de Satanás sobre ele serão especialmente permitida e pesados por Cristo (1Co 10.13) a fim de trazer os resultados desejados. Cada herdeiro de uma vasta propriedade deve ser cuidadosamente treinado de acordo com suas capacidades e esfera [em que irá atuar] (Gl 4.1,2). Pode haver somente um colocado pelo Cabeça da Igreja “onde está o trono de Satanás” (Ap 2.13), mas ele deve vencer, ou perderá sua coroa. Ele não deve olhar para outro a fim de vencer com ele, pois “um só leva o prêmio” (1Co 9.24). Ele, sozinho, deve sozinho se qualificar para o trono, graças a uma fé desenvolvida por meio da provação (1Pe 1.7) e triunfar sobre Satanás por causa do Espírito de Deus nele como o poder capacitador.
Vamos olhar por um momento para Apocalipse 12.1-12 e ver a última hora dos crentes sendo preparados para compartilhar o trono milenar. O versículo 5 descreve os vencedores preparados para o trono destinado, com Cristo vencendo e sentando-se com Seu Pai em Seu trono. Aqui vemos a atitude do dragão em relação às almas que venceram, que vão compartilhar o trono com Cristo e participar com Ele em Sua obra de julgar o mundo e os anjos caídos. (Ver também 2.26,27.) Encontramos, na hora da crise, o “grande dragão vermelho” erguido e pronto para devorar os vencedores, à medida que surgem na esfera entre a terra e o céu, na estrada ascensional ao trono, unindo-se ao Senhor conquistador, para compartilhar com Ele o exercício final do julgamento do Calvário sobre o inimigo.
Os que serão vencedores estão em direto conflito pessoal com Satanás agora.
Note, também, que o conflito no céu, entre o arcanjo Miguel e seus exércitos de luz contra Satanás e seus anjos caídos, aparentemente ocorre durante a transladação dos que vão participar do trono. E isso resulta na expulsão do acusador. “Ele [Satanás] foi precipitado na terra, e os seus anjos foram lançados com ele”; e, em seguida, o que tem a visão ouviu “uma grande voz no céu, que dizia: Agora é chegad[o] […] o reino do nosso Deus e o poder do Seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado” (12.9,10). A parte dos vencedores no conflito é mostrada no versículo 11. Eles estão em direto conflito pessoal com Satanás agora, não só com suas obras, pois “eles o venceram pelo sangue do Cordeiro e pela palavra do seu testemunho; e não amaram a sua vida até à morte”.
A partir deste ponto, vamos dar uma olhada do futuro e, em Apocalipse 17.14, ver Cristo e os vencedores com Ele, o Herdeiro e os co-herdeiros, realizando o julgamento. Em Apocalipse 17, Cristo está realizando coisas terríveis sobre Seus inimigos; “estes combaterão contra o Cordeiro, e o Cordeiro os vencerá, porque é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis; vencerão os que estão com Ele, chamados, e eleitos e fiéis”. Os santos hão de julgar o mundo, os santos hão de participar na execução do juízo. Eles vão comparecer perante o tribunal, primeiro para eles mesmos serem julgados (2Co 5.10), e, em seguida, eles, a quem é dado compartilhar o trono de Cristo, os “chamados, e eleitos e fiéis”, vão estar com Ele no Seu trato com o mundo.
Você pode dizer: “Desde que comecei a testemunhar da derrota de Satanás no Calvário e a orar contra ele, ele tem-me atacado.” Isso é porque ele vê o prêmio diante de você. Ele está atacando aqueles que julgarão os anjos caídos, caso obtenham o prêmio do trono. Será que você não guardar firmemente sua coroa (Ap 3.11)? Como você faz isso? Apenas com um objetivo inabalável e constante de, a qualquer preço, ser fiel a Cristo e à luz que Ele lhe deu. Diga a si mesmo: “O Senhor está me treinando para o trono.” Diga de novo e de novo: “Maior é Aquele que está em mim do que aquele que está no mundo.” “Guarda o que tens, para que ninguém tome a tua coroa.” Em cada pequena área de conflito haverá ganho. Por isso, Paulo disse: “Tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8.18).
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“O vencedor é manifestamente aquele que persevera até o fim; ele não o faz só por um tempo […] eles vão tomar parte na primeira ressurreição. Eles vão comer do maná escondido; isto é, eles vão ser secretamente sustentados […] A eles será concedida capacidade de governar; assim, serão semelhantes a Cristo, pois só quando alguém conquista ou governa a si próprio está qualificado para governar os outros. […] O vencedor será uma coluna no templo de Deus. Se você tem sido alguém que se dispersa, que se abateu e não edificou, não pode ser estabelecido no templo de Deus Você vai reinar com Cristo! Se sofre, você terá o privilégio de estar na Soberania com Ele, e uma herança gloriosa aguarda aqueles que desistiram da herança terrena […] porque eles herdarão todas as coisas. Que o Senhor nos faça vencedores!”
(Jesse Sayer, D.D.)
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(Traduzido por Francisco Nunes de “The Prize of the Throne”, de Jessie Penn-Lewis. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria e de tradução e seja exclusivamente para uso gratuito. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
Onde há aparente contradição em qualquer doutrina em particular das Escrituras, é possível tomar a preponderância de passagens em favor de um ponto de vista ou de outro. Mas a contradição deve ser apenas aparente (certamente em referência às escrituras originais, que nós não temos agora1), aparente, provavelmente devido à interpretação falha ou possivelmente a erros na transcrição ou na tradução; mais provavelmente, à interpretação defeituosa. Esse é o caso da doutrina da eterna segurança do crente (a grande linha divisória e a divergência de opinião entre calvinistas e arminianos), em que a preponderância das Escrituras parece esmagadoramente a favor. O Evangelho de João, sem qualquer outra Escritura, é por si só suficiente para prová-la; e temos a repetida garantia de nosso Senhor, desprovida de qualquer declaração Sua do contrário, de que Suas ovelhas estão eternamente seguras.
Comecemos com o bem conhecido texto de João 3.16, “o evangelho em poucas palavras”, como tem sido chamado: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, repetido por João, o Batista, no versículo 36. Se é eterna não pode, eventualmente, ter um fim.
A seguir, 5.24: “Quem […] crê […] tem” – uma posse imediata e presente, enfatizada, no verso seguinte, pelas palavras “Em verdade, em verdade” – “a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida” – e certamente não passará de volta para a morte2. Não há nem mesmo uma sugestão disso!
Em João 4.14, Jesus diz à mulher samaritana: “Aquele que beber da água que Eu lhe der nunca” – nunca! – “terá sede”, mas se tornará “nele uma fonte de água que salte para a vida eterna”.
Em 6.39: “E a vontade do Pai, que Me enviou, é esta: que nenhum de todos aqueles que Me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia”. Isso é repetido nos versos 44 e 54: é uma promessa que Ele deve e seguramente vai cumprir.
Mais uma vez, em 10.28,29: “E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém” – nem homem nem diabo – “as arrebatará da Minha mão […] e ninguém pode arrebatá-las da mão de Meu Pai” – a todo-poderosa mão daquele que é “maior do que tudo”: segurança absoluta!
A seguir, para Marta, Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim […] nunca morrerá. Crês tu isto?” (11.25,26). Uma pergunta que Ele faz a todo crente que duvida de Suas garantias. E, por último, em Sua oração sacerdotal, Ele pede para que o Pai dê a vida eterna a todos quantos deu ao Filho (17.2).
Algo pode ser mais claro ou mais explícito do que essas passagens das Escrituras? Certamente podemos descansar na reiterada garantia de nosso precioso Salvador, apesar de quaisquer expressões aparentemente contrárias nas Escrituras? Isso é o que vimos apenas no Evangelho de João, mas queremos referir-nos a uma ou duas outras passagens à guisa de confirmação.
Em Efésios 1:4, aprendemos que os cristãos foram escolhidos “antes da fundação do mundo” e pré-ordenados como filhos por meio de Jesus Cristo para Ele mesmo. É possível que eles, ao final, se percam? Em 1Coríntios 3.14, vemos que, se a obra de alguém, que ele construiu sobre as bases estabelecidas por Deus em Cristo Jesus, é queimada, essa pessoa sofrerá perda, mas ela mesma será salva, todavia como pelo fogo, escapando, por assim dizer, de um edifício em chamas apenas com a vida. Mas por que multiplicar textos para provar ainda mais o que já é tão abundantemente comprovado? “Um filho de Deus é eterno como Deus, pois compartilha a vida de Deus, e quando o mundo for totalmente dissolvido em labareda de fogo, ele estará entre as estrelas da manhã ao redor do Trono” (D. M. Panton).
Podemos agora olhar para algumas Escrituras que parecem contradizer essa afirmação, reconhecidamente de difícil interpretação; mas, apesar de difíceis, podemos estar certos de que não contradizem a declaração explícita de nosso Senhor. Os dois principais obstáculos para o crente calvinista estão na Epístola dos Hebreus, 6.4-8 e 10.26-31, as quais tem levado alguns expositores a acreditar que eles se referem especialmente à economia judaica e não se referem à salvação em Cristo, mas isso não parece defensável. Outros estão certos de que – e esta é a explicação mais comum – as pessoas ali referidas nunca foram salvas, mas são apenas professantes. Outros fiam-se, em 6.6, em uma variante que indica uma ação contínua em lugar do texto que diz que aqueles homens crucificaram de novo o Filho de Deus. Outros explicam que o arrependimento nunca mais pode ser repetido, e note-se que julgamento e punição – não morte eterna – são os resultados de tais transgressões. Alguns expositores, não muitos, afirmam que ambas as passagens se referem a apóstatas3 – mais do que desertores, aqueles que esconjuraram e definitivamente rejeitaram Cristo. Se essa hipótese está correta e isso significa castigo eterno, então, o caso de um apóstata é a única exceção à regra de que todo crente está eternamente salvo; mas é uma questão de ação de graças que haja, tanto quanto se sabe, tão poucos apóstatas4. O próprio fato de haver nessas passagens tantas e diversas explicações e tantas diferenças de interpretação torna impossível que elas sejam usadas para contradizer as declarações explícitas de nosso Senhor.
Se, então, a eterna segurança dos crentes é a verdadeira interpretação da Escritura, a pergunta surge naturalmente quanto à posição dos crentes frios, mornos e infiéis, que se provaram indignos de entrar no Reino, e de todos os apóstatas – alguns dos quais têm grosseiramente apostatado – mortos em seu estado apóstata, embora Deus, em Sua infinita misericórdia, tenha tornado possível para eles confessarem e arrependerem-se. Deve haver algum tempo e lugar onde eles serão tratados, pois “nosso Deus é fogo consumidor” (12.29) e “justiça e juízo são a base do Seu trono” (Sl 97.2); e o apóstolo Pedro, pelo Espírito Santo, nos adverte de que o julgamento deve começar pela casa de Deus (1Pe 4.17). Nosso próprio senso de justiça exige nesta vida que aos que infringem a lei sejam impostas as penas da lei, e “não faria justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). Não pode ser que os cristãos indignos e apóstatas, morrendo sem terem se arrependido e não-perdoados, entrem imediatamente na na bem-aventurança e reinem com Cristo! O coríntio incestuoso de 1Coríntios 5 é um caso em vista.
Não! É o “pequeno rebanho”, a quem foi do agrado do Pai dar o Reino (Lc 12.32). Os vencedores são os únicos a quem é dada a promessa de partilha do trono de Cristo (Ap 3.21). “Seguramente, o Reino Milenar, esse poder sobre as nações, ser dado como um galardão àqueles que vencerem é muito claro” (Sten). “Embora os dons não sejam salário, ainda dependem de vencer uma batalha. Há algo além da mera salvação” (Dr. Horatius Bonar). Não há nenhum indício na Escritura de os crentes ressuscitados serem súditos no Reino Milenar; os súditos do Reino são as nações da terra vivendo na época do começo do Reino. Para os crentes, é uma questão de reinarem ou serem excluído do Reino. Ser um reinante é uma honra tão alta que nosso Senhor declara: “Entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João, o Batista; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7.28).
Quanto ao tempo e lugar, rejeitamos a idéia do purgatório (uma invenção puramente romanista), se não por outra razão, pelo fato de que nenhum julgamento o precede5. “Aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27) – não o purgatório –, e ninguém é condenado por Deus sem ser julgado. Do grande trono branco está escrito: “Foram julgados cada um segundo as suas obras” (Ap 20.13). A dispensação da graça termina com a vinda de Cristo para Seus santos e com o arrebatamento deles nos ares. Durante a presença de Cristo nos ares – a parusia –, o bema, ou trono do julgamento [ou tribunal] de Cristo (Rm 14.10; 2Co 5.10) tem lugar. Embora não seja explicitamente declarado nas Escrituras, não há outra ocasião em que ele possa ser realizado, e é ali que a posição de cada crente será determinada em relação ao reino de Deus. Se considerado indigno de entrar e reinar com Cristo, então, como estabelecido na parábola dos talentos, o servo inútil será lançado nas trevas exteriores (Mt 25.30) – um lugar não-especificado na Escritura – ou será cortado em pedaços (lit.) e terá sua parte com os hipócritas (24.51). Mas, graças a Deus, por fim, ao final da era do Reino, será admitido na bem-aventurança eterna.
Outrora parecia abominável na mente do escritor que qualquer filho de Deus deveria receber alguma punição; agora, é um pensamento reconfortante, que leva à esperança: um grande número de cristãos que vivem agora para o mundo serão, por fim, salvos, apesar de sofrerem perda e serem privados de galardão, e, em alguns casos, receberem punição, mas, graças a Deus, apenas temporária, não eterna. Para os incrédulos, nós “pregamos o inferno para fazê-los pessoas do céu”; para o crente pregamos, não só o amor de Deus, mas Sua justiça e possível punição.
Podemos concluir com esta maravilhosa explosão de louvor e de certeza do apóstolo Paulo: “Estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38,39).
Notas
1 Ao contrário do autor do texto, este tradutor, ao lado de muitos outros cristãos, crê que, sim, temos hoje a Escritura inspirada por Deus, por meio do Texto Recebido (Textus Receptus). Não é coerente pensar que o Deus que inspirou, moveu homens para escreverem Sua Palavra – pela qual devemos pautar nossa vida, na qual o menor jota ou til é importante e imutável, da qual é proibido tirar-se qualquer coisa ou à qual é proibido adicionar qualquer coisa, a qual é capaz de discernir os propósitos do coração e tantas outras características – não tenha sido capaz de preservá-la ao longo dos séculos e por meio das cópias. Os possíveis erros de tradução ou de transcrição, se existem, não contradizem, não destroem nem enfraquecem as verdades fundamentais da Bíblia. Podemos, portanto, confiar que temos em nossas mãos a inspirada Palavra de Deus se usamos uma tradução baseada no Texto Recebido (em português, a Almeida Corrigida e Fiel, publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana). Esse comentário do autor, com o qual o tradutor não concorda, no entanto, não depõe contra o conteúdo de seu texto. (N. do T.)
2 Isto é, a “segunda morte”, a separação eterna de Deus no “lago de fogo” (Ap 20.15). (N. do E.)
3 Em minha mente, não há dúvida de que Hebreus 6.4-8 lida com apóstatas; e se alguém quiser saber quais ações qualificam um crente nessa categoria, deve ler Números 14. (N. do E.)
4 É um fato que existem mais apóstatas do que o autor e a maioria dos cristãos imagina: o apóstata sabe o que ele tem rejeitado e depois sai para provocar a queda de outros cristãos, usando doutrinas antimilenaristas.
5 Há um julgamento de Deus e Seu governo sobre os assuntos humanos que está em andamento em todos os momentos. Exemplos proeminentes disso são mostrados em Jó 1; 2; em Acabe (1Rs 22) e em Nabucodonosor (Dn 4). “O primeiro caso mostra os procedimentos judiciais que efetuam aperfeiçoamento; o segundo, morte; o terceiro, reforma. Jó era um homem piedoso sob disciplina para seu bem: um homem íntegro foi feito um homem santo. Ainda assim Deus castiga Seus filhos a fim de que eles se tornem participantes de sua santidade (Hb 12.10,11)” (G. H. Lang). Essa administração judicial contínua pode ter lugar antes e depois da morte. “Cristãos em pecado foram disciplinados até com morte prematura, e é explicado que isso foi feito a fim de salvá-los da responsabilidade de condenação no momento em que Deus irá lidar com o mundo em geral.” O Senhor fez muitas declarações temíveis e mui graves com respeito a Seus tratos com Seu povo redimido à época de Seu retorno. Algumas delas são as seguintes: Lc 12.22-53; 17.11-27; Mt 24.42–25.30). “Se parecia inconcebível que o Senhor pudesse descrever algum dos Seus comprados por sangue e amados como um “servo mau” (Mt 25.26), deve ser ponderado que Ele tinha aplicado o termo antes a um servo cuja dívida havia sido totalmente perdoada: “Servo malvado [ou mau; mesma palavra grega de 25.26], perdoei-te toda aquela dívida” (18.32) Assim, alguém que, como resultado de um ato de compaixão do Senhor, tenha sido totalmente perdoado de todas as suas falhas como servo, pode revelar-se um “servo mau”, cuja maldade [ou malignidade] consiste no fato de que, embora perdoado, ele não perdoa. Negar que um filho de Deus pode ser não-perdoador é cegar os olhos por negar esse fato triste e severo. O Senhor não deixou espaço para dúvida de que os membros da família divina estavam em Sua mente pela aplicação da parábola que Ele fez na ocasião: “Assim vos [Pedro, cuja pergunta sobre perdoar tinha provocado a parábola e os outros discípulos (v. 21)] fará, também, Meu Pai celestial se do coração não perdoardes, cada um (hekastos) a seu irmão” (v. 35). São o Pai e os irmãos que estão em vista, não aqueles que estão fora do círculo familiar” (G. H. Lang). O julgamento pode ocorrer na morte ou imediatamente após ela (Hb 9.27). Ele pode ter lugar antes da morte, ou Paulo não poderia ter certeza de que ganharia sua “coroa da justiça” (2Tm 4.6-8). A expressão “acabei a carreira” é tomada do mundo do atletismo, que ocupava um lugar muito grande na vida e no interesse dos gregos e é muito freqüentemente usada por Paulo como imagem de esforço espiritual Em 1Co 9.24-27, é usada como um aviso claro de que o cobiçado prêmio pode ser perdido. Em Fp 3.12-14, ela a emprega para exortar ao intenso e incessante esforço a fim de ganhar esse prêmio O Senhor é o justo Juiz, sentado para julgar cada concorrente [isto é, cada crente regenerado] na corrida ou competição. Agora, é de necessidade inevitável que o juiz dos jogos tome automaticamente sua decisão conforme cada corredor ou lutador individualmente termina o percurso ou a disputa. A entrega dos prêmios era efetivamente adiada para o final de toda a série de eventos – a coroa de Paulo seria realmente dada “naquele dia” –, mas o juiz não adiava sua decisão sobre cada item ou concorrente. Para os mais célebres dos jogos gregos, os Olímpicos, isso durava cinco dias. A figura, tomada de Paulo, e à luz do rico e de Lázaro (Lc 16), sugere uma decisão do Senhor, como a cada crente, antes ou no momento da sua morte. Essa decisão resulta na determinação do local e da experiência do homem no estado intermediário [no Hades] e pode se estender à garantia de que ele ganhou a coroa, “o prêmio da soberana vocação” (Fp 3.14). Em Ap 6.9,11 lemos sobre o quinto selo. Esses mártires “debaixo do altar” ainda não foram ressuscitados dentre os mortos, pois outros ainda têm de ser mortos por causa de Cristo, e só então estes vão ser vindicados e vingados. Mas para cada um deles separadamente uma túnica branca é dada. A túnica branca é o sinal visível, conferido pelo Senhor, da dignidade deles em serem companheiros do Senhor em Sua glória e reino. Isso, mais uma vez, torna evidente que para esses o julgamento do Senhor foi formado e anunciado. Nenhum julgamento posterior é necessário ou concebível; apenas o que dá a coroa “naquele dia”. Ao reunir esses fatos e considerações, parece bastante claro que o julgamento do Senhor sobre os mortos de Seu povo não é adiado para uma sessão, mas é atingido e declarado (a) imediatamente antes da morte (como com Paulo), quando não há mais risco de ser desclassificado na corrida, ou (b) imediatamente após a morte (como Lázaro), ou (c) pelo menos no estado intermediário da morte: “as almas [no Hades] debaixo do altar”. Portanto, Deus exerce julgamento sobre Seu próprio povo agora; este é o período adequado para isso, mas o juízo geral do mundo é protelado: “Já é tempo que comece o julgamento pela na casa de Deus” (1Pe 4.17), e outra vez: “Se nós nos julgássemos [estabelecêssemos julgamento rigoroso sobre] a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando [falhando nesse santo auto-julgamento] somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1Co 11.31,32). E essa correção pode se estender à fraqueza física, à doença positivo ou até mesmo à morte. Foi o que ocorreu com Ananias e Safira (At 5.1-11; ver Tg 5.19,20; 1Jo 5.16,17; Mt 5.21-26; 18.28-35).” (G. H. Lang). (N. do A.)
(Traduzido por Francisco Nunes de “The Eternal Security of the Believer“, de W. P. Clarke. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
A carta aos filipenses começa com uma declaração de Paulo: “Porque para mim o viver é Cristo” (2:21) e, depois, continua a expressar seu desejo de conhecer ao Senhor mais e mais, com sua determinação de perseguir tal conhecimento como um prêmio muito desejado.
Se quisermos saber o que significa ganhar a Cristo, temos de voltar para Romanos 8:29, onde descobriremos que a intenção de Deus é que sejamos conformados à imagem do Seu Filho. Ser conformado é ganhar a Cristo – este é o prêmio, e ele envolve alcançar a plenitude de Cristo em perfeição moral. Tal plenitude deve expressar a glória a ser manifestada pelos filhos de Deus. É simplesmente isto: tornar-se moral e espiritualmente um com Cristo em Seu lugar de exaltação é o alvo e o prêmio da vida cristã. Faremos bem se mantivermos diante dos olhos este final glorioso: “a manifestação dos filhos de Deus”.
Quando Paulo falou sobre ganhar a Cristo e sobre alcançar o prêmio, ele estava expressando seu desejo ardente de ser conformado à imagem do Filho de Deus. Essa conformação é o objetivo da salvação e é o propósito de Deus na salvação, não deixando, porém, de ser algo pelo que precisamos batalhar. É claro que não fazemos nada para ganhar a salvação, e que também não precisamos sofrer a perda de todas as coisas para sermos salvos. Somos salvos pela fé, não por obras; salvação não é um prêmio a ser alcançado, não é algo pelo qual tenhamos de nos esforçar, mas é um presente, um dom gratuito. Além desse presente, contudo, Paulo ainda aspirava alcançar alturas não conquistadas e, por isso, escreveu que considerava todas as coisas como perda por causa da excelência do conhecimento de Jesus Cristo seu Senhor. Se o poder do mesmo Espírito está operando em nós, certamente produzirá o mesmo efeito de nos fazer entender quão pequeno é o valor de tudo o mais quando comparado com o grande prêmio de Cristo.
A Suprema Questão
É interessante comparar Marcos 10 com Filipenses 3, já que cada passagem nos fala de um jovem e de sua decisão em certo momento. Os dois homens eram parecidos em vários aspectos: eram ambos ricos legisladores, homens com alta posição social, intelectual, moral e religiosa entre os seus. Eram provavelmente ambos fariseus e foram ambos amados pelo Senhor. De um precisou ser dito: “Uma coisa te falta”, enquanto o outro afirmou: “Uma coisa eu faço”. O jovem sem nome retirou-se de Jesus com muita tristeza, mas não retrocedeu, e a razão foi porque ele não estava preparado para repartir suas grandes posses. Paulo também tinha muitas posses, mas elas perderam todo seu atrativo na luz da visão que ele teve de Cristo. Para ele, era uma escolha entre as recompensas terrenas ou o único e grandioso prêmio celestial – e ele alegremente optou por este último.
Podemos dizer, de certo modo, que ele tinha uma grande vantagem e uma visão diferenciada de Cristo, porque ele viu o Senhor no pleno poder da ressurreição. Ele não viu somente Jesus de Nazaré como o outro jovem havia visto, mas ele pôde apreciar algo da sobrexcelente grandeza do poder de Deus ao levantar da morte este Único que, humilhado e rejeitado pelos homens, na cruz foi reduzido ao desamparo e aparente desespero somente para ser erguido da morte e da tumba e ser exaltado estando à direita da majestade nas alturas. Foi o poder da ressurreição que fez Paulo decidir conquistar o prêmio.
O Poder da Ressurreição
O que torna tudo possível na vida espiritual é o fato de que o mesmo poder de ressurreição que levantou Cristo levando-o ao Seu destino espiritual é o poder que opera em nós (Ef 3:20). É verdade que nossa justificação repousa na ressurreição do Senhor Jesus, mas ainda assim a total abrangência daquela ressurreição vai muito além da esfera da salvação pessoal, porque seu poder é o meio pelo qual toda realização do pensamento eterno de Deus pode ser cumprida. Provavelmente uma das maiores necessidades do nosso tempo – o qual eu creio ser o tempo do fim – é a de um conhecimento experimental mais pleno da vida de ressurreição, pois o triunfo final da Igreja com sua definitiva chegada ao trono, e conseqüente desalojamento do reino satânico, só pode ser alcançado por esse meio. Essa vida é algo que confrontou todo o poder diabólico do universo e provou que não pode ser tocada ou corrompida; portanto, tanto moral quanto fisicamente é a vida que triunfou sobre a morte.
Vida de ressurreição não é uma idéia abstrata ou uma sensação mística, mas é uma expressão muito prática da vitória sobre o pecado e sobre Satanás. Se essa vida pudesse ser maculada ou corrompida, então Satanás teria alcançado a vitória final. Mas não há temor desta tragédia, pois a vida de Cristo é aquela que plena e definitivamente venceu a morte. E, ainda que Sua vida de ressurreição O colocou numa posição inacessível, “acima de tudo”, ela visa trazer Sua Igreja para compartilhar da Sua vitória e de Seu trono. Portanto, em sua busca pelo prêmio, Paulo primeiramente menciona sua necessidade de conhecer “o poder da Sua ressurreição”.
Eu creio que essa atitude de Paulo testa nosso próprio conhecimento de Cristo. Não consigo entender como um cristão que realmente conhece o habitar interior da vida de ressurreição de Cristo pode se apegar a coisas, mantendo controvérsia com o Senhor sobre abrir mão disto ou daquilo, quando a única alternativa é o total despojamento para Cristo. O que deveria determinar todas as disputas e questões é a percepção da natureza real de nosso supremo chamamento em Cristo e a determinação de não permitir que algo fique entre nós e a operação plena da Sua vida de ressurreição.
A Comunhão dos Seus Sofrimentos
A busca de Paulo pelo prêmio fez com que ele desejasse não somente conhecer Cristo no poder da Sua ressurreição, mas também estar pronto a penetrar nas aflições por causa dEle e com Ele. Isto coloca o sofrimento no seu devido lugar, relacionado a um caminho para a glória. Freqüentemente o sofrimento está fora de lugar em nós, nos causando problemas ao ser aquilo que nos preocupa e que prejudica tudo o mais. O Senhor pode nos fazer ver o sofrimento conforme deve ser visto, ou seja, em relação a algo que nos faz vê-lo bem menor do que poderia ser. “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada”, e esta glória é a glória dos filhos de Deus. Essa foi a glória que Paulo descreveu como o grande prêmio de ganhar a Cristo.
Se perguntarmos o que significa ganhar a Cristo, temos que considerar Romanos 8, onde encontraremos que a intenção de Deus é que sejamos conformados à imagem de Seu Filho. Esse processo de ser conformado a Cristo é de fato ganhar a Cristo: este é o prêmio. Isso implica alcançar a plenitude de Cristo em perfeição moral, pois esta perfeição moral e espiritual é a Sua glória. Assim, para nós, a questão básica é esta: estar moral e espiritualmente onde Cristo está em Seu lugar de exaltação é a meta, o prêmio. Fazemos bem em não perder de vista este final glorioso: “a manifestação dos filhos de Deus”, quando seremos revelados com Cristo e feitos como Ele. Enquanto isso, no tempo presente nós gememos. Se francamente analisarmos tais gemidos, descobriremos que eles representam nosso desejo ardente por sermos libertos da vida da velha criação, com seu laço de corrupção, pecado e morte, de modo que possamos conhecer a perfeição moral em Cristo. Um dia os gemidos cessarão, esse será o momento de nossa chegada à perfeita conformidade a Cristo.
Isso foi o que Deus pré-ordenou, porque notamos que o trabalho de Deus numa criação que geme está relacionado com o conhecimento prévio que Ele tem e, portanto, relacionado com Sua pré-determinação das coisas. Tal predestinação não estava vinculada ao assunto básico da salvação, mas muito mais com o objetivo da salvação. Isso faz toda a diferença. O objetivo da salvação é a conformidade à imagem do Filho de Deus, pois àqueles que Ele conheceu de antemão Ele os pré-ordenou, não para serem salvos ou se perderem, mas para serem “conformados à imagem do Seu Filho”. O trabalho do Espírito do Seu Filho em nós, constituindo-nos filhos e capacitando-nos a clamar “Abba, Pai”, é o início do trabalho de Deus na criação que geme – o trabalho de manter em segredo aqueles filhos que proverão a chave para sua libertação do completo estado de vaidade e decepção que ela possui atualmente. Toda criação será levada a desfrutar da liberdade da glória dos filhos de Deus, pois esse é o objetivo do poder da ressurreição operando em nós. Estamos vinculados, em nossa própria filiação, com o emancipar toda a criação da vaidade que foi imposta sobre ela. Todavia veja: não basta a criação ser liberta no momento da manifestação, é necessário reaver seu caráter a partir de Cristo revelado nos filhos de Deus. Ela somente encontrará sua verdadeira glória quando o poder da ressurreição de Cristo tiver expressão plena na glorificação dos filhos de Deus à medida que eles recebem seus corpos redimidos, feitos como o de Jesus.
Você pode pensar que esta vasta concepção não o ajuda muito quando se depara com suas próprias dificuldades. Mas é por isso mesmo que Romanos 8:28 vincula tais experiências práticas com o total alcance do propósito de Deus em Cristo. Esse chamado e propósito governam cada detalhe de nossa jornada espiritual. Se, porém, consideramos os fatos da vida meros incidentes pessoais, não conseguiremos ver neles benefício algum. Mas, se por outro lado, consideramos a relação desses fatos com a determinação de Deus de nos fazer como Cristo, então encontramos a chave do significado deles. Isso é mais do que algo pessoal, pois a provação, dificuldade, perplexidade ou provocação carregam o segredo de desenvolver em nós a vida do Senhor Jesus, a vida de ressurreição que traz consigo o objetivo final de Deus – a glorificação de todo o universo. O Novo Testamento é muito prático: as grandes coisas das eternidades são trazidas ao nível dos mais íntimos detalhes da nossa vida espiritual, fazendo com que todas as coisas operem conjuntamente. Essas “todas as coisas” contribuirão para o bem final, se consideradas à luz do propósito divino. A intenção de Deus não deve ser esquecida. Pode parecer que estamos sofrendo uma contradição: pedimos algo e recebemos o contrário; isso ocorre porque Deus não está nos isentando da responsabilidade, mas usa experiências contrárias para forjar em nós aquela força moral que somente o Espírito Santo pode conceder.
Conformidade com Sua Morte
Foi o Espírito Santo que fez Paulo escrever as coisas nessa ordem: primeiro o poder da Sua ressurreição, depois a comunhão em Seus sofrimentos e, finalmente, ser conformado à Sua morte. Na verdade, só conseguiremos conhecer o poder da Sua ressurreição se participarmos com Ele de Sua experiência de morte, o que implica em deixarmos de lado tudo o que é pessoal para fazermos das coisas de Cristo nosso único objetivo. Não é verdade que a base do pecado é o orgulho? E o que é orgulho, essa raiz do pecado? Ele consiste em interesses pessoais, egoístas e individualistas. Foi desse modo que o pecado entrou no universo de Deus no princípio, porque Satanás caiu quando disse: “ Eu exaltarei meu trono… eu serei como o Altíssimo”. Em seguida ele persuadiu Adão a agarrar a oportunidade de ser “como Deus” (Gn 3:5), fazendo o interesse pessoal entrar para a raça humana. Tal orgulho é nativo em todos nós, somente uma experiência prática de conformidade a Cristo em Sua morte pode nos libertar dele.
As tentativas contínuas de Satanás em trabalhar no nosso interesse pessoal são tão sutis, que ele pode até parecer estar propagando Cristo se puder fazê-lo de modo a subjugar servos de Deus. Foi em Filipos, cidade para qual essa carta foi dirigida, que um dos seus demônios proclamou publicamente que Paulo era um servo do Deus Altíssimo que apresentava aos homens o caminho da salvação. O que mais Paulo poderia desejar? Ele tinha propaganda gratuita! Bem, o fato é que podemos ter certeza de que um plano sutil do diabo está a caminho quando ele começa a patrocinar o Evangelho e a tornar seus pregadores populares. O apóstolo percebeu isso e, tendo esperado em Deus, repreendeu o demônio, com resultados calamitosos para ele e Silas, pois isto os levou à prisão, com todo o inferno enfurecido contra eles. Paulo, porém, havia sido liberto de uma armadilha satânica, embora estivesse na cadeia. Embora estivesse naquele momento sendo conformado a Cristo numa nova experiência de Sua morte, isto inevitavelmente o levou a ter uma nova experiência do poder da ressurreição de Deus. Ele sobreviveu para escrever aos filipenses de uma prisão em outra cidade, e lhes assegurou mais uma vez que as coisas que lhe aconteceram possibilitaram a expansão do Evangelho. Quando idéias, preferências e desejos humanos são colocados à parte, isto pode significar privação no primeiro instante; mas quando os interesses pessoais são mortificados, um novo lugar é dado a Cristo em nossas vidas e estaremos mais e mais próximos de nosso grande prêmio.
Cristo Magnificado
Parece claro que à medida que o apóstolo seguia em direção ao fim da sua vida, mais ardentemente ele buscava o prêmio de ser conformado a Cristo. Creio que é um avanço verdadeiro quando chegamos ao lugar onde podemos viver sem a sedução de sinais visíveis de sucesso ou milagres óbvios, onde podemos ser completamente felizes com o próprio Senhor. O que eu tenho em meu coração é que você e eu venhamos mais e mais para o lugar onde o próprio Senhor Jesus é tudo para nós. Não buscamos conformidade a Ele em si mesma ou para nossa satisfação, mas somente para que Ele possa encontrar alegria ao nos aproximarmos mais dEle. Esta é a marca de crescimento espiritual e maturidade: desejar tão-somente que Cristo seja magnificado e prosseguir resolutamente neste objetivo. “Cristo é o caminho e Cristo é o prêmio.”