Por tudo isso, vemos que o ceder a pecados menores atrai a alma para cometer os maiores. Ah!, quantos nestes dias caíram, primeiro por ter pensamentos vis sobre as Escrituras e as ordenanças; então, por fazer pouco caso das Escrituras e das ordenanças; a seguir, por fazer divagações pessoais sobre as Escrituras e as ordenanças; e logo, por rejeitar as Escrituras e as ordenanças; e, por fim, por avançar e elevar-se, e elevar suas opiniões que desonram Cristo e danificam almas, acima das Escrituras e das ordenanças.
(Thomas Brooks)
De bom grado vou confirmar com meu sangue a verdade sobre a qual tenho escrito e pregado.
(John Huss, quando estava na fogueira para ser morto)
Fiz uma aliança com Deus: que Ele não me mande visões, nem sonhos, nem mesmo anjos. Estou satisfeito com o dom das Escrituras Sagradas, que me dão instrução abundante e tudo o que preciso conhecer tanto para esta vida quanto para a que há de vir.
(Martinho Lutero)
A verdade sem entusiasmo, a moralidade sem emoção e o ritual vazio de realidade são coisas que Cristo condena severamente. Sem fervor espiritual, elas não passam de uma filosofia ímpia, um sistema ético ou de mera superstição.
(Samuel Chadwick)
A libertação [dos pecados] deu-nos liberdade para sermos escravos da justiça.
(Charles Caldwell Ryrie)
Os que professam arrependimento precisam praticá-lo.
(Matthew Henry)
A cruz de Cristo é o mais suave fardo que eu já carreguei; é um peso como as asas para um pássaro, como as velas para um veleiro.
Uma vez, homens se assentaram ao redor da cruz para contemplar os Seus sofrimentos – provavelmente a última ocasião em que pecadores incrédulos puderam assentar-se em Sua presença.
“E havendo-O crucificado […] assentados, O guardavam” (Mt 27.35-36). Que cena! O Rei dos reis usando uma coroa de espinhos colocada sobre Sua cabeça por Seus súditos rebeldes. O Criador pendurado sobre um madeiro que Ele próprio criara, pregado ali por Suas próprias criaturas pecaminosas. Ele foi à cruz em submissão à vontade do Pai, levado como um cordeiro ao matadouro – e Mateus nos revela que aqueles que descarregaram ódio e violência sobre Ele se assentaram, friamente, para observar o espetáculo de Sua morte agonizante.
Talvez o Calvário tenha sido a última ocasião em que pecadores incrédulos puderam assentar-se em Sua presença. Um dia nós, os pecadores redimidos, estaremos assentados em Sua presença; mas os impenitentes, nunca. Lemos dos maus fugindo de diante de Sua presença (Ap 6), e, no juízo do Grande Trono Branco, estarão em pé na presença Dele para serem julgados (Ap 20).
Agora Ele é o Senhor na glória! Virá o tempo quando todos os habitantes da Terra se prostrarão perante Ele. Os vales estarão cheios de cadáveres, daqueles que se rebelaram contra Ele; Satanás e seu primeiro ministro do mal serão lançados no abismo; o joelho de todo sobrevivente terrestre se dobrará em sujeição ao Homem que morreu na cruz. Todo olho estará fito Nele – o tempo de Sua humilhação já terá passado.
Seu governo de graça não estará mais em evidência. Ele agora governará com uma vara de ferro. Aquelas feridas que os observadores infligiram no Calvário ainda estão em Sua pessoa, marcas eternas de Sua humilhação passada e de Sua vitória eterna.
Naquele grande dia do Senhor, todos os sobreviventes na Terra lamentarão e prantearão: “Eis que vem com as nuvens, e todo o olho O verá, até os mesmos que O traspassaram; e todas as tribos da Terra se lamentarão sobre Ele. Sim. Amém” (1.7). Ao olharem para Aquele a quem traspassaram, reconhecerão que Ele é, de fato, o Senhor de tudo. Durante mil anos a Terra terá descanso sob Seu reino benevolente. Os céus refletirão Sua glória. Finalmente, toda criatura no universo se unirá em louvor a este Príncipe onipotente.
“E verão o Seu rosto; e nas suas testas estará o Seu nome” (22.4). Uma vasta multidão de salvos vai contemplá-Lo eternamente. Sobre eles, aquele rosto, uma vez desfigurado, brilhará em graça e amor infindos. Seu rosto excederá em brilho todas as outras maravilhas. Para a Sua Noiva, a verdadeira Igreja, a beleza deste Ser ilustre será o centro incontestado de atração e deleite transformador, o objetivo central da eterna felicidade que ela terá.
Os pecadores nunca mais se assentarão para ver Seu sofrimento. Diante de Sua glória incomparável, todo joelho se dobrará, e os que Lhe pertencem – elevados à vida e à glória – se deleitarão em Seu maravilhoso ser e em Sua posição elevada, e serão para o louvor de Sua glória.
Nunca entendi o significado da Palavra de Deus enquanto não passei pela aflição.
(Martinho Lutero)
A pior maldição que um povo pode sofrer é ter uma religião movida à base de mera emoção e de sensacionalismo. A ausência de realidade espiritual já é trágica, mas o aumento da falsa espiritualidade é pecado mortal.
(Samuel Chadwick)
Como eu poderia passar os melhores anos de minha vida vivendo nas honras deste mundo, enquanto milhares de almas estão perecendo todos os dias?
(C. T. Studd)
Enquanto os homens não tiverem fé em Cristo, suas melhores obras nada mais são do que gloriosos pecados.
(Thomas Brooks)
Quando os homens começam a se queixar mais de seus pecados do que de suas aflições, começa a surgir alguma esperança para eles.
(Matthew Henry)
Quem de fato contemplou a cruz de Cristo não pode jamais falar de casos sem esperança.
(G. Campbell Morgan)
Rejeitar o estudo sob o pretexto da suficiência do Espírito é rejeitar a própria Escritura.
O que expressamos quando estamos com outros cristãos?
O que expressamos quando estamos com outros cristãos?
Recentemente, num domingo à tarde, rodeado de muitos amados irmãos, enquanto eu lavava louça me vieram ao coração dois pensamentos.
1) Nosso ajuntamento cristão não tem aquilo que o mundo tem.
Quando cristãos – e aqui me refiro a cristãos sérios, bíblicos, que levam a santidade a sério, que têm temor do Senhor, que honram Seu nome por meio do viver prático que têm – estão juntos, em ambiente informal (num almoço ou numa convivência, por exemplo), não há aquilo que caracteriza eventos mundanos semelhantes: bebedeira, palavrões, insinuações maldosas, piadas de baixo calão, fofocas, adultérios, crianças largadas a si mesmas, etc. Cristãos que honram a Deus em todos os aspectos da vida, começando com a linguagem, reúnem-se e conversam amenidades, trocam idéias sobre as questões mundiais, dicas sobre educação de filhos, riem de si mesmos, buscam orientação profissional, trocam receitas, dicas de tratamento médico, corujices sobre os filhos… É aquilo que chamam de ambiente saudável.
Isso é, sem dúvida, para quem teme a Deus, mil vezes melhor do que um ambiente mundano típico. (Infelizmente, há muitos cristãos que se sentem completamente à vontade em ambientes mundanos, que os preferem àqueles “crentes”, que estão plenamente conformados a este mundo, pensando, falando, rindo, comendo, bebendo e vivendo como se a ele pertencessem.) Há ali segurança, respeito mútuo, alegria saudável, domínio próprio, ambiente propício para as crianças e tantas outras vantagens. É muito bom, é muito vantajoso estar em um lugar assim. E eu estava alegre com essa percepção e grato a Deus por estar ali.
Mas algo mais me veio ao coração:
2) Mas será que nosso ajuntamento cristão tem aquilo que o mundo não tem?
Isso me foi um choque instantâneo. O que há de distintivo, único, exclusivo dos cristãos? O que há nos cristãos que não há, de modo algum, naqueles que não obedecem à fé? A presença do Senhor Jesus, por meio do Espírito; a vida de Cristo Jesus habitando naqueles que Lhe pertencem. E é isto que faz a verdadeira e prática comunhão cristã: Cristo ser “servido” pelos cristãos uns aos outros. Quando Cristo é nosso centro e a esfera de nossa comunhão, podemos dizer que, de fato, estamos em comunhão. Do contrário, teremos, talvez, apenas um bom ajuntamento cristão (que, repito, em princípio é muito melhor do qualquer similar mundano).
Mas, tenho de reconhecer, é tão difícil termos genuína comunhão! É tão difícil sairmos da esfera natural, das coisas desta vida, e partilharmos das celestiais, daquilo que é nossa rica herança em Cristo, das riquezas insondáveis Daquele que nos salvou! Parece pouco espontâneo (perdoem-me se generalizo; falo, em primeiro lugar, de mim mesmo) voltar-se de um assunto desta vida para a Bíblia, como se fosse possível mantê-los separados, como se fossem antagônicos.
Como cristãos, temos algo único: um relacionamento vivo e real com Deus por meio de Seu Filho, Jesus Cristo! Isso nenhum ajuntamento secular tem. No entanto, é possível que um ajuntamento de cristãos também não o tenha, caso não falemos entre nós “com salmos, e hinos e cânticos espirituais”, que é o modo de nos enchermos do Espírito (Ef 5.19); se não tivermos um falar que denuncie que estivemos com Jesus (At 4.13). Os primeiros discípulos não podiam deixar de falar do que tinham visto e ouvido (4.20). E nós, cristãos do século 21, por que deixamos tão facilmente? É possível que seja resultado de vermos e ouvirmos pouco nosso Senhor, de termos pouca comunhão com Ele, por Sua Palavra não habitar em nós ricamente (Cl 3.16), e, como a boca fala do que está cheio o coração…
Os primeiros cristãos caíram na graça de todo o povo (At 2.47), pois seu viver diário e prático não tinha aquilo que o mundo tinha ― era distinto, atraente. No entanto, “dos outros [os não-cristãos], porém, ninguém ousava ajuntar-se a eles” (5.13), certamente porque naquele ajuntamento havia algo que no mundo não havia: Deus mesmo, real, manifestado palpavelmente por meio de Seus filhos ― um Deus tão santo que não tolerava mentira entre eles (vv. 1-11). As pessoas de fora viam, naquele novo grupo, características que as atraíam, mas percebiam que havia também uma realidade interior, um padrão dela derivado, que impedia que qualquer um se achegasse e por ali ficasse se não fosse um “deles”, um discípulo, um nascido do alto, um filho de Deus.
No que depender de mim e de você, que tipo de ajuntamento cristão o mundo verá?
Publicado originalmente em 7.2.15; atualizado em 1.8.18.
(Há alguns anos, um servo de Deus muito usado deu uma série de mensagens que foram de grande ajuda para grande número de cristãos. Daquela série, selecionamos a seguinte mensagem, por crer que ela ajudará bastante a muitos neste momento.)
“E bem-aventurado é aquele que não se escandalizar em Mim” (Mt 11.6).
“Tenho-vos dito estas coisas para que vos não escandalizeis” (Jo 16.1).
Um dos maiores perigos da vida cristã espreita no caminho comum do discipulado. É o perigo de se escandalizar em Cristo. A comunhão para a qual o cristianismo nos convoca traz inevitavelmente uma sempre nova e humilhante descoberta do ego; um invariável distúrbio da ordem estabelecida em nossa vida, conforme Sua vontade corrige e se opõe a nossa; um esforço incessante de atingir o ideal, ou seja, fazer nossa vida de seguidores corresponder crescentemente à Dele como Precursor.
E o perigo é que estamos aptos a falhar ao sermos submetidos ao teste e ao treinamento que isso envolve, a retroceder e não mais caminharmos com o Senhor, e, de fato, nos escandalizarmos Nele. É sempre possível, não obstante toda a sincera profissão da alma, de que o que Deus queria que fosse bênção se torne ruína para nós por causa de nossos conceitos errôneos. É sempre periculosamente possível que a luz de hoje se torne profundas e impenetráveis trevas amanhã, devido a nossa falha em obedecer a Cristo e continuar caminhando com Ele, por nosso atraso ou desvio das atrativas direções da companhia de Cristo. Os homens têm, assim, inconsciente e imperceptivelmente se colocado distantes do alcance das influências comuns de Cristo e se tornam, como detritos no oceano, ocasiões de perigo e desastre para incontáveis vidas.
Mas Cristo, com aquela absoluta franqueza que consiste em boa parte de Seus atrativos aos homens, não pode ser culpado por tais miseráveis deserções, pois Ele nunca disfarça, de qualquer modo, a impensável possibilidade. Em Seu evangelho, Ele combina boas-vindas com advertências como nenhum outro o faz. Sua Palavra, ao abrir o próprio coração de Deus a nossa consciência, abre também nosso próprio coração para nós. Por meio Dele viemos a conhecer o Pai, e também por Ele viemos a conhecer a nós mesmos. Ele revela toda a fidelidade de Deus a nós, mas revela também a instabilidade de nossa vontade e a inconfiabilidade de nossas emoções. Ele não nos trata como homens ideais, mas como homens reais; e nos adverte da mortandade que assola ao meio-dia, bem como da peste que anda na escuridão (Sl 91.6). Conseqüentemente, isto é o que Ele diz aos mais sinceros e convictos de nós: “Bem-aventurado aquele que não se escandalizar em Mim” (Mt 11.6). A implicação é óbvia e sinistra, mas a realidade e a riqueza de Sua graça são a resposta suficiente e silenciadora para cada um de nossos medos. A bem-aventurança de não se escandalizar, apesar de todo o perigo exterior e a fraqueza interior, é o possível ganho de cada um. E isso, de fato, é uma bênção.
É sempre periculosamente possível que a luz de hoje se torne profundas e impenetráveis trevas amanhã, devido a nossa falha em obedecer a Cristo e continuar caminhando com Ele.
Contudo, é necessário lembrar o sentido da palavra “escandalizar”. No grego, é a palavra “ofender”, e tem a força de “levar a tropeçar”. Então, traduzamos e expandamos esse dito de Cristo como sendo: “Bem-aventurado aquele que não acha em Mim nenhuma causa de tropeço, aquele que é capaz de manter seus pés em Meus caminhos, que não tropeça em nenhum obstáculo no caminho em que o tenho dirigido”. Ele usa essa palavra bem frequentemente nesse sentido; como, por exemplo, quando fala da mão ou do olho do homem sendo a causa do tropeço (Mc 9.43-47), quando denuncia aqueles que levam os outros a se escandalizarem (Mt 18.6) e quando declara que no dia da Sua glória tudo o que causou escândalo será banido de Seu reino (13.41).
Porém, Ele nunca a usa de maneira tão surpreendente como quando declara a possibilidade de homens acharem ocasião de escândalo Nele. Estamos preparados para encontrar isso no mundo, na oposição do diabo, na comprovada falsidade dos outros – mas Nele?! É, contudo, a mais surpreendente de Suas advertências, pois Nele já encontramos vida e salvação, direção e paz, inspiração e satisfação. Agora, ter a possibilidade de encontrar Nele também causa de ofensa nos desconcerta bastante. Fosse essa palavra aplicada aos homens do mundo, teria causado pouca, ou nenhuma, surpresa. Por exemplo: não somos grandemente tomados de surpresa quando aqueles que O conhecem de perto O tratam tão desdenhosamente e digam: “Não é este o filho do carpinteiro?” (v. 55). Nem estamos nós completamente despreparados para constatar que os fariseus se escandalizaram Nele quando disse a eles que maus pensamentos, adultérios, assassinatos e coisa assim procedem do coração dos homens, pois Suas palavras os convenciam do pecado (15.10-20). Não nos surpreendemos tanto de que Ele seja uma pedra de tropeço para aqueles que são confessamente desobedientes a Seus comandos. Mas pensar que Seus próprios amigos, aqueles que realmente O conheciam e foram admitidos na intimidade da comunhão com Ele, achariam causa de escândalo Nele, é muito estranho. E esse mistério nos adverte a ficarmos atentos a nós mesmos.
O momento em que o primeiro desses alertas foi dado nos dá a chave de seu significado. João, o que batizava, definhava na prisão às costas do Mar Morto como resultado de uma vida de máxima fidelidade. Ele foi tremendamente fiel a Cristo, esplendidamente sincero no concernente a sua missão, maravilhosamente corajoso em transmitir a mensagem confiada a ele, e, mesmo assim, tudo terminou em uma masmorra.
Que prova para tal homem!
Parecia que sua fé, sua auto-restrição, sua disposição para diminuir a fim de que Cristo aumentasse, que tudo isso ficara sem reconhecimento e sem valor. Sua experiência contradizia tão inteiramente a segurança em Deus, que é fácil entender a perplexidade mental que o levou a enviar seus discípulos a Cristo com a patética inquirição: “És Tu aquele que haveria de vir?” (11.2,3). Pois eis aqui Aquele que veio declaradamente para libertar os cativos, e ainda não libertou o homem que, mais que todos os outros, aparenta ter reivindicações sobre Ele. Cristo proclamou a própria missão em termos de simpatia e amor pelo quebrantado, e ainda há o contrito e quebrantado de quem Ele aparentemente não tem conhecimento.
Ele foi tremendamente fiel a Cristo, esplendidamente sincero no concernente a sua missão, maravilhosamente corajoso em transmitir a mensagem confiada a ele, e, mesmo assim, tudo terminou em uma masmorra.
É de se maravilhar que, por fim, a dúvida supere a fé, de modo que ele envia os mensageiros a Cristo na esperança de que este se declare claramente e interprete essa experiência completamente inexplicável e contraditória para aquele que pagou um preço imenso ao manter uma devotada lealdade ao Filho de Deus? A única resposta de Cristo a esses mensageiros é uma demonstração de Seu poder soberano sobre todas as forças de destruição e de morte, e uma ordem de que deveriam dizer a João aquilo que tinham visto e passar a ele esta mensagem que chama por uma nova e triunfante confiança de sua parte: “Bem-aventurado é aquele que não se escandalizar em Mim” (v. 6). Pois isso significa que, ao longo do caminho da bênção, a providência do teste sempre será experimentada. Sua implicação é que existe verdadeira paz apenas para o homem que confia em Cristo quando não tem ajudas externas para a fé, que crê Nele quando vê apenas aquilo que parece negar sua confiança e permanece em lealdade sem vacilar quando o tratamento divino testa sua resistência ao máximo.
A segunda parte das palavras de Cristo ajuda a entender como Sua mensagem a João se aplica também a nós: “Tenho-vos dito estas coisas para que vos não escandalizeis” (Jo 16.1). Ditas como foram, na véspera de Sua partida, quando o feroz teste do discipulado estava perto de ser experimentado por Seus seguidores, elas implicavam que eles precisariam fixar a alma nas coisas que Ele lhes havia dito sobre Seu propósito e poder, se quisessem evitar o perigo de tropeçar e se desviarem Dele. Pois eles seriam levados a experiências de provas e de tensão enquanto cumpriam seus votos de consagração. E “naqueles dias”, diz Cristo, “sejam verdadeiros a sua melhor experiência de Mim. Descansem naquilo que ninguém pode tirar de vocês: o conhecimento pessoal que vocês têm de Minha graça. Agarrem-se a essas coisas que lhes tenho falado e mostrado. Sejam leais a Mim. Confiem em Mim inteiramente, apesar de todo mistério inexplicável e da aparentemente desnecessária tribulação. Assim, não tropeçarão, mas serão fortalecidos por essas coisas, que são todas ordenadas por Mim”.
Não é desleal da parte de Cristo dizer isto: que Ele não apenas governa sobre os homens, mas também os mistifica. Embora Ele os abençoe, Ele também os desconcerta, pois incomparavelmente mais altos são Seus caminhos e pensamentos do que os nossos (Is 55.9). Ele nos persuade ao amor e à lealdade; mas também nos confunde, geralmente ao ponto da distração. Ele certamente responde às questões de nosso coração, mas ao mesmo tempo levanta muito mais perguntas do que as que responde. Na vida de todo verdadeiro seguidor Dele, sempre haverá, como houve na Dele mesmo, um grande “Por quê?” sem resposta. Nenhum de nós jamais estará isento da necessidade de adquirir pela fé e pela paciência a bem-aventurança de não se escandalizar.
Pensemos em um simples e típico exemplo de escândalo, de ofensa. Comumente não se trata de uma clara apostasia, de fria renúncia à verdade ou de amarga negação da experiência passada. Em vez disso, começa com o desapontamento de alguma esperança, a frustração de alguma expectativa, o cansaço por uma oração não respondida ou a dor de um coração que parece não evocar qualquer resposta simpática de Deus. Tudo isso gera uma desconfiança muda, quase impronunciável; e enquanto pensamos nisso, uma sensação de injustiça cresce, um sentimento de que não estamos sendo tratados com muita justiça por Cristo, que se torna um evidente ressentimento. Até que, pouco a pouco, Seu jugo se torna irritante; desafiamos Seu direito de controlar nossa vida também, e tudo termina em um secreto repúdio de Seu senhorio e, geralmente, em uma renúncia exterior de todos interesses e objetivos espirituais. Essa é uma causa típica de se escandalizar em Cristo. E quantos existem ao nosso redor cuja vida é uma típica descrição disso! Dos pequenos começos de desconfiança crescem os maiores desastres.
Se duas linhas paralelas são produzidas até o infinito, jamais haverá alguma variação da distância entre elas. Mas, deixe-as divergirem em qualquer ponto por apenas a largura de um fio de cabelo e, quanto mais longe forem, mais ampla a divergência se tornará, até que exista um universo de distância entre elas. Assim acontece com nossa comunhão com Cristo: a mínima desconfiança ou desobediência é cheia da potencialidade do infinito; e, se não for descoberta e verificada, irá, por fim, colocar uma eternidade de distância entre a alma e o Salvador. Se, portanto, pudermos estimar alguma das imutáveis certezas do discipulado, explorar alguma, pelo menos, das perigosas causas das ofensas em Cristo e, ao mesmo tempo também, estabelecer um novo relacionamento de implícita confiança com nosso Senhor, seremos salvos desse poder aterrador. E esse é certamente o objetivo de Sua Palavra de advertência.
Nenhum de nós jamais estará isento da necessidade de adquirir pela fé e pela paciência a bem-aventurança de não se escandalizar.
Existe primeiramente a severidade de Seus requerimentos. Quando viemos a Cristo a primeira vez, o caminho parecia ser cheio de rosas e o ar parecia repleto de doces e calmantes aromas. Pois, embora Cristo fosse absolutamente franco conosco e nada escondesse da dureza dos conflitos que teríamos de enfrentar, nossos próprios poderes de apreensão eram tão limitados que víamos apenas uma coisa por vez, e aquela única coisa era que Cristo atenderia todas as necessidades de que estávamos conscientes. Em decorrência disso, marchamos rumo a uma alegre tensão com a qual nosso coração estava sintonizado. Porém, isso ocorreu muito antes de descobrirmos que as condições do companheirismo são severas. Por exemplo: vemos que uma real separação do mundo em espírito e propósito é completamente necessária para a manutenção da comunhão. Vemos que não podemos andar em duas disposições mentais de uma só vez – e que as pressões do mundo são de fatos sedutoras. Aprendemos que não podemos ao mesmo tempo andar com Ele e com a opinião popular, com Ele e com o mundo, ou mesmo com Ele e com a igreja externamente professa.
Quando essa descoberta é feita, com freqüência significa que os homens se escandalizaram Nele, pois Suas demandas envolvem perturbações de alto custo na regulação do lar, dos negócios e da vida social, de acordo com Suas ordens. Possivelmente signifiquem para alguns a renúncia de um tipo de popularidade que existe somente por causa do vergonhoso silêncio no tocante a Ele. Envolvem outros na severidade dos laços que se tornaram uma grande parte da vida, e o sacrifício de prosperidades materiais que têm parte com a natureza da injustiça. Elas significam para todos o fim da auto-indulgência, uma crucificação visando a uma coroação, uma destronização visando a uma entronização.
Quando tudo isso é claramente compreendido, então, os homens se escandalizam com Cristo. Quando Ele diz: “Corte a mão direita; arranque o olho direito; abandone tudo o que você tem; tome sua cruz e siga-Me”, vem, então, o teste que determina tudo. Aí muito freqüentemente os homens retrocedem para não andar mais com Ele. Não porque eles não O entendem, mas porque vieram a conhecê-Lo muito bem! Quando Ele chega a ser assim reconhecido, não apenas como o Cristo de coração amável, mas também o Cristo de dura face, grande é a bênção daquele que não se escandaliza.
Eis aí o mistério de Sua contradição. Geralmente parece que Cristo foi antipático aos nossos melhores desejos, aqueles desejos que se originaram em nossa comunhão com Ele. Queremos, por exemplo, fazer uma grande obra e alcançar uma grande esfera; mas a resposta Dele a nossos anseios é nos obrigar a enfrentar as dificuldades de uma pequena obra em um local onde há pouco, se algum, reconhecimento de nossa labuta. Pedimos por serviço espiritual, e tudo o que nos é dado é uma monótona rotina de deveres seculares. E estamos, por isso, em perigo de nos escandalizarmos Nele, porque parece haver muito pouca justificativa para Seu tratamento a respeito de nosso alto propósito.
Ou, estamos pedindo o dom do descanso e clamando por Suas grandes promessas a esse respeito; contudo, a resposta vem na necessidade de conflito severo e contínuo. As chamas da tentação incendeiam ao nosso redor, não menos, mas muito mais ferozmente do que nunca; e ficamos confusos e provocados com esse cumprimento da Palavra que jamais esperamos. Ou desejamos ter uma vida com menos cargas e tensões, mas a única resposta do Senhor é impôr outras e mais pesadas cargas sobre nós. E nos ofendemos muito com Ele. O mistério disso tudo confunde cada sério propósito, e a tentação de não crer é, às vezes, quase demais.
Contudo, vai nos ajudar lembrar o fato simples de que o Senhor sabe e faz apenas aquilo que é melhor tanto para o desenvolvimento quanto para a repreensão de nossa vida. Na verdade, Ele é antipático apenas com nossos egoísmos. Ele busca destruir dentro de nós somente tudo o que cheira a amor-próprio, orgulho e auto-suficiência, reproduzindo em nós algo da beleza de Seu próprio caráter. Em Suas contradições corretamente apreendidas, devemos sempre ver a expressão de Sua perfeita sabedoria no que concerne a nossos próprios e mais altos interesses, e também aos interesses do reino que Ele nos deu a compartilhar. Então “bem-aventurados os que não se escandalizam”, os que aceitam a direção de Cristo como Seu amor, e confiam Nele, “quando simplesmente confiar Nele parece a coisa mais difícil de todas”.
Eis aí o mistério de Sua contradição.
Além dessas causas, existem ainda outras na lentidão de Seus métodos. Viemos a Ele e colocamos nossa vida sob Seu controle, esperando uma imediata libertação que nos levasse para além de toda preocupação relacionada à tentação e às forças que se opõem a nós. Mas quão desapontadoramente lenta é essa libertação e com que dificuldade são ganhas nossas vitórias, mesmo quando somos fortalecidos por Seu Espírito!
Quase sempre percebemos que a vida não é uma canção, mas, em vez disso, uma contenda; que a graça de Cristo não é um mero êxtase, mas, sim, uma energia que trabalha dolorosamente por retidão em nós; e que isso toma toda a vigilância de que somos capazes a tomar o lugar já conquistado, assim como a conquistar novos territórios. E a demora de Cristo nessa questão de nossos próprios conflitos espirituais com frequência é a causa de nos escandalizarmos, pois isso desaponta nossas esperanças e contradiz nossos conceitos errôneos relacionados a tudo, como se fosse uma vitória fácil e passiva sobre nossos fortes inimigos. Mas, na realidade, esse método, embora nos pareça lento, é o único que Ele certamente poderia ter, tendo em vista a grandeza de Seu propósito e a contrariedade de nossa natureza. Cada experiência de vitória, mesmo que pequena e insignificante, profetiza de um completo e definitivo triunfo.
Se formos ao Observatório em Greenwich, veremos que existe um instrumento delicado, através do qual os astrônomos medem as distâncias entre as estrelas, assim como sua magnitude. Sobre um espelho sensível é refletida a luz dos pontos celestes, e uma medida dos ângulos em que dois raios se encontram fornecem dados suficientes para todos os cálculos espantosos de milhões de quilômetros. Assim ocorre em nossa vida. Ao estimar o que Cristo já fez, nós nos asseguramos de Seu invariável propósito. Cada migalha de experiência de Seu poder de santificar, purificar, redimir, libertar, é profético do todo – de “que Aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará [completará]”. Se nos agarrarmos a esse fato, encontraremos nele inspiração para a contínua firmeza da fé, e não nos escandalizaremos por Ele trabalhar tão lentamente – e acertadamente.
O mesmo é verdade também quanto ao progresso do Reino a cujos interesses fomos chamados a servir. Quão freqüentemente vemos que a lentidão com a qual resultados espirituais são alcançados se torna uma causa de ofensa em Cristo. Começamos por esperar que, quando exaltássemos Cristo, imediatamente veríamos multidões seguindo-O. Imaginamos que tínhamos apenas de trabalhar fielmente no serviço a Deus e ao homem, e os resultados certamente seriam visíveis. Mas como isso é diferente na prática. Quão dificilmente as almas são persuadidas e ganhas! Quão verdadeiro é que o joio cresce junto com o trigo! Quão verdadeiro é que aquele que avança levando a preciosa semente precisa chorar ao longo do caminho (Sl 126.6)!
E a dificuldade de crer que Deus está presente quando Ele está invisível é demais para muitos que começam a trabalhar para Ele com altas expectativas e bravas crenças, que ao fim parecem injustificadas. Como os discípulos, eles pensam que “o reino de Deus deveria aparecer imediatamente”; e, na disciplina de seu entusiasmo e na conversão de sua consagração em continuidade, pode ser que eles se “escandalizem”. Porém, não seria difícil termos exemplo após exemplo para provar que, na obra espiritual, quando os resultados são menos visíveis, eles, com freqüência, são mais reais. O obreiro que avança sem o estímulo do sucesso exterior, que continua testemunhando mesmo quando se depara com gélida indiferença, que desempenha a obra de Cristo na inspiração infalível de saber que essa é a obra de Cristo, é aquele que alcança a bênção de não se escandalizar. E parte disso está na certa colheita de sua semeadura e na segura recompensa de todo o seu serviço.
Porém, talvez acima de todas essas causas citadas de ofensa em Cristo, está a irrazoabilidade de Seus silêncios. Tenho muita simpatia com esta perplexidade de João, o que batizava: “Se esse é realmente o Cristo, porque Ele não age como Cristo? Por que Ele não faz nada para libertar Seu arauto preso ou para trazer paz a seu atribulado coração?” Uma visitação de Cristo teria mudado aquela prisão em um palácio. Um estalo de dedos da parte Dele teria transformado a escuridão de João em glória. Mas Cristo não fez isso. Assim como não o fez em Betânia, quando deixou Marta e Maria entregues à tristeza por dois longos e pesados dias. Eu simpatizo com elas em sua completa inabilidade de compreender a demora Dele à luz de Seu amor, e no protesto implícito das palavras com as quais O saudaram no caminho: “Senhor, se Tu estivesses aqui, meu irmão não teria morrido” (Jo 11.21,32).
O silêncio Dele pareceu tão irrazoável, e ainda parece quando aparentemente não liga para nossas orações, e nós clamamos como que a um céu silente. Quem não conhece essa amarga experiência e a sutil tentação que a segue? Oramos pela conversão de nossos entes queridos, mas eles seguem aparentemente tão sem rendição e impenitentes como nunca antes. Oramos por coisas temporais que parecem completamente necessárias, sem nenhuma resposta. Buscamos alívio de alguma carga pesada, mas nenhum nos é dado – e hoje ela pesa mais do que nunca. E o pensamento de que o silêncio de Cristo é irrazoável nunca está longe demais. A lealdade a Ele está sendo dolorosamente provada, quase que ao ponto de partir-se. É quase justificável o fato de “nos ofendermos” Nele.
E a dificuldade de crer que Deus está presente quando Ele está invisível é demais para muitos que começam a trabalhar para Ele com altas expectativas e bravas crenças, que ao fim parecem injustificadas.
Mas, assim como com respeito a João na prisão, e as irmãs em Betânia, e a multidões de outros em todas as eras, Ele não está desatento, muito embora Seu silêncio pareça apontar para isso. Ele os está treinando, e a nós, para uma fé destemida, a viver no reino do invisível e eterno, a trilhar Seus próprios passos. Às vezes, o que chamamos de orações não-respondidas provam-se, sem sombra de dúvida, ser uma bênção maior do que a desejada resposta talvez pudesse ter sido. Quando Cristo responde com negação a nossos pedidos, podemos estar certos de que a resposta positiva teria sido para nosso prejuízo. Ele retém misericórdias secundárias a fim de nos ensinar a importância e o valor das primárias. Suas negativas são para nosso enriquecimento, e não para nosso empobrecimento, pois Seus propósitos são vastamente maiores do que nossas orações, e, embora Seu discurso se pareça com a prata, Seu silêncio é como o ouro. “Bem-aventurado aquele que não se ofender em Mim”.
“Essas coisas vos tenho dito para que, apesar da severidade de Minhas exigências, do mistério de Minhas contradições, da lentidão de Meus métodos e da irrazoabilidade de Meus silêncios, não vos escandalizeis.” Que coisas são essas? O que manterá Seu povo a salvo dos perigos da deserção? Quais são as seguranças permanentes de nossa fé? Em uma palavra: a certeza de Seus caminhos diante de nós: “Saí do Pai […] e vou para o Pai. […] Eu sou o caminho” (16.28; 14.6). E, a seguir, a certeza de Seu amor por nós: “O próprio Pai vos ama” (16.27). Também a constância de Sua união conosco: “Estai em Mim, e Eu em vós” (15.4). Essas são as verdades básicas de todas as Suas advertências, e a expansão delas está na vida dos membros de Seu povo. Bem-aventurado aquele que, repousando nesses fatos de Deus, tornam-nos fatores de sua própria vida, e avança sem se ofender e sem se escandalizar, sempre radiante com a “paz que excede todo o entendimento” (Fp 4.17), tornando-se crescentemente parte da iluminação do mundo ao refletir seu Senhor.
Assim, tenhamos cuidado em colocar um valor indevido em nossa mera percepção dessa verdade. Atentemos para não superestimar a força de nossas próprias resoluções e de nossos recursos, de dizermos qualquer coisa como: “Ainda que todos os homens se escandalizem em Ti, eu jamais me escandalizarei”. Em lugar disso, em uma humilde e sensível dependência de Cristo, a qual sempre se expressa em devoção ferrenha e lealdade à Palavra Dele, busquemos viver como homens de fé manifesta. Pois essa é a condição que governa a bem-aventurança de não se escandalizar.
A meu amado Senhor, que não se poupou em Seu amor a um verme como eu.
Não creio no falso evangelho,
aquele que não me serve de espelho:
que não dá nome a meus pecados,
pelo qual os tolos são enganados;
que promete vida fácil, sem dores,
que promete felicidade sem cruz,
que vende tantos favores,
que entrega trevas, e não luz;
que promete bênçãos de Deus em troca de oferta,
oferecidas aos incautos por gente esperta;
que promete para esta vida o que só terei na eternidade,
que faz o homem maior do que Deus. Falsidade!
Eu rejeito o falso evangelho e seu falso Deus!
Eu creio no evangelho da velha Bíblia, que não esconde que há sofrimento para os que são Seus, para aqueles que são da divina família.
Creio no que a antiga Bíblia ensina, e isso é mais do que uma bela doutrina: que sou um vil pecador; que nada merecia senão a morte; que Deus me amou – e que amor! – e, por amor, mudou minha sorte!
Que Cristo morreu por mim, pagando a dívida que era minha, pois eu não podia pagar pelos pecados que eu tinha! E que Ele estará comigo até o fim!
Ela ensina que a salvação foi dada a mim por graça, por abundante graça, por graça e nada mais. E até o final da vida estarei em Cristo assim, por graça, por abundante graça, por graça e nada mais.
Ela também mui claramente me diz
que ainda não serei totalmente feliz,
mas que até o fim de minha jornada,
carregarei minha cruz, que pode ser bem pesada:
não serei poupado de sofrimento, enfrentarei dias de muitas lágrimas e tormento; por vezes andarei sem saber para onde ir, quase pensando em desistir;
serei atacado por dúvida inclemente, passarei pelo fogo ardente, me sentirei sozinho, mesmo cercado pelos meus, pensarei ter sido esquecido até por Deus!
Serei severamente tentado e, infelizmente, muitas vezes derrotado. Mas poderei me erguer e continuar, se o pecado reconhecer e o abandonar.
Poderei cair muitas vezes,
mas tenho Aquele que por mim sangrou;
Ele é o Deus dos deuses,
Ele é o que desde sempre me amou!
Mas sei – oh, indescritível alegria!
– que naquele assombroso dia,
na glória com meu Senhor,
Ele enxugará de meus olhos toda lágrima, e esquecerei toda a dor.
Então, olharei para o eterno Cordeiro de Deus que morreu em meu lugar,
no sublime trono nos céus,
de onde me chama para com Ele estar,
olharei para Suas mãos feridas,
mãos para mim tão queridas,
feridas cruelmente por amor a mim,
e serei eternamente por elas lembrado
– não poderei esquecer jamais: só estou ali, bem-aventurado, por graça, por abundante graça, por graça e nada mais.
(scs, 19316)
(Publicado originalmente em 9.4.16. Republicado em 6.8.18.)
“Mas entre todos os filhos de Israel nem mesmo um cão moverá a sua língua, desde os homens até aos animais, para que saibais que o Senhor fez diferença entre os egípcios e os israelitas” (Êx 11.7).
O quê? Deus tem poder sobre a língua dos cães! Ele pode impedi-los de latir? Sim, é isso mesmo! Ele pode impedir um cão egípcio de perturbar um cordeiro do rebanho de Israel. Deus cala cães, e cães entre os homens, e o grande cão no portão do inferno? Então, vamos seguir em frente sem medo.
Se Deus impede cães de moverem a língua, pode também parar os dentes deles. Eles podem fazer um barulho terrível, e ainda não nos farão nenhum dano. Ainda assim, quão doce é o silêncio! Quão delicioso é passar entre os inimigos e perceber que Deus faz com que fiquem em paz conosco! Como Daniel na cova dos leões, nós estamos ilesos em meio a destruidores.
Oh, que hoje essa palavra do Deus de Israel seja verdadeira para mim! O cão me preocupa? Eu falarei a meu Senhor sobre ele. “Senhor, ele não se importa com meus argumentos; fala Tu a palavra de poder, e ele se deitará. Dá-me paz, ó meu Deus, e permita-me ver Tua mão tão distintamente nisso que eu perceba claramente a diferença que Tua graça fez entre mim e os ímpios!”
“Quem há entre vós que tema ao Senhor e ouça a voz do Seu servo? Quando andar em trevas, e não tiver luz nenhuma, confie no nome do Senhor, e firme-se sobre o seu Deus” (Is 50.10).
Ouvir o Senhor, obedecer a Sua voz, e ainda andar nas trevas! Ou, colocado de outra maneira, andar nas trevas, e ainda temer a Deus e obedecer a Sua voz! Podem essas coisas coexistirem? O Espírito Divino escreveu por intermédio do profeta Isaías as palavras desse texto, de maneira que, assim como Isaías 50.10 permanece escrito, assim a resposta divina deve ser: “Sim!”.
Antes de tudo, precisamos dizer que o Senhor permite que Seus filhos às vezes passem por tempos de profundas trevas devidos aos assaltos de Satanás, com o intuito de trazê-los a uma fé pura em Sua Palavra, ainda que a própria experiência deles pareça ser contrária a ela.
Uma palavra para o oprimido
Estamos escrevendo para esses filhos de Deus, e não para aqueles que estão se regozijando na consciente presença de seu Senhor e em sua aceitação mediante o sangue. Muitos desses jamais pisaram as profundezas a que nos referimos aqui. Aos tais, nossa mensagem talvez não faça sentido.
Mas é para as pobres, torturadas, angustiadas almas, que sabem o que é lutar com espíritos perversos nos lugares celestiais, que nossa mensagem se destina. As trevas estão perto, trevas essas que podem ser sentidas; o escudo da fé quase lhes caiu da mão, e o brilho dos inflamados e grossos dardos lançados agilmente em sua direção pelo mal é tudo o que elas vêem. Elas não podem ter descanso à parte de Deus, porém parecem tê-Lo perdido. Nada é real para elas além das trevas.
O diabo não triunfará!
Esse é um quadro belo? Para os outros pode até parecer, mas não para quem se encontra nessa situação. Nós, que o pintamos, sabemos por nossa própria experiência que não é. O diabo, que triunfaria em nossa agonia, também sabe que não é. Porém, ele não triunfará. “Ó inimiga minha, não te alegres a meu respeito; ainda que eu tenha caído, levantar-me-ei; se morar nas trevas, o Senhor será a minha luz” (Mq 7.8). Talvez até mesmo agora ele encontre você com os aleluias da fé, mas não de sentimentos, em seus lábios, enquanto você aponta para o sangue do Cordeiro.
“Eis que tudo quanto ele tem está na tua mão” (Jó 1.12), Deus disse a Satanás em relação a Jó. Mas apenas até certo ponto Satanás poderia cumprir seu desejo. Pobreza, desfalecimento, doença, acusações injustas dos amigos, e, aquilo de que tratamos aqui, trevas espirituais, tudo isso sobreveio a Jó. “Eis que se me adianto, ali [Deus] não está”, ele clama em sua angústia; “e torno para trás, não O percebo. Se opera à esquerda, não O vejo; se se encobre à direita, não O diviso” (23.8,9). No entanto, Deus ainda estava ali todo o tempo.
Três laços sutis
Parece haver três laços sutis do diabo, pelos quais as almas são levadas às trevas, que geralmente estão entrelaçados uns com os outros.
O diabo usa as próprias palavras de Deus para levar as almas para as trevas. Se ele as citou ao Mestre na tentação no deserto (Mt 4.1-11), quão pronto estará para empregar o mesmo método com os servos. Ele conhece bem o ponto fraco e a história de cada um que deseja derrubar. Para uma mente legalista, ele citará textos que a levarão à agonia da introspecção e de atos infrutíferos que são seu resultado. Vamos dar apenas um exemplo.
O diabo confunde Tiago 5.16 e outras passagens para fazerem significar que os pecados do passado, que estão debaixo do sangue, devem ser confessados a outras pessoas. Mas quem o faz procura em vão ter paz dessa maneira. A memória sempre trará novos fantasmas à consciência. Apenas o sangue de Jesus Cristo os removerá. Nenhum ato de humilhação diante dos outros, como essas confissões, terá proveito, pois o pecado foi contra Deus.
A raiz do mal reside aqui: a alma não vê completamente o valor do sangue de Cristo.
O rei Davi, convencido de ter quebrado o quinto e o sétimo mandamentos, foi constrangido a clamar: “Contra Ti, contra Ti somente pequei” (Sl 51.4). Dessas “obras mortas” de auto-humilhação, dessas penitências protestantes[1], seja limpo pelo sangue, assim como dos pecados que pensam ter sido expiados por ele. Usamos a palavra “expiação” com conhecimento de causa. A raiz do mal reside aqui: a alma não vê completamente o valor do sangue de Cristo. Ela não enxerga que cada pecado, cada parcela da velha e corrupta vida, foi sepultada em Sua cova, e que não temos o direito de desenterrar o que Ele ali colocou.
Isso nos leva a pensar no segundo laço.
O diabo usa o assunto da consagração para levar almas às trevas. É dito aos cristãos que “rendam tudo”, que “consagrem plenamente” a si mesmos a uma “entrega absoluta”. Novamente, o diabo dirige os pensamentos interiores dos que ouvem isso. Consciências escrupulosas são torturadas com questões quanto ao que deve ser “entregue”, e os resultados são com freqüência um estado de pesadelo espiritual.
Mas a graça de Deus vai muito mais longe que isso! É Deus que opera em nós o querer e o efetuar (Fp 2.13). “Consagrem-se ao Senhor.” Sim, mas consagrem-se no sentido espiritual. “Encham suas mãos”, encham-nas com Cristo, levem Cristo a Deus. Digam a Ele que não podem entregar tudo, nada mais do que podem fazer para serem abençoados. Digam a Ele que tudo tem de ser por graça, que sofrerão uma bancarrota espiritual à parte da graça, mas que se lançam à graça para fazerem o que não podem por si mesmos. Digam também que confiam Nele daqui por diante, para escrever Suas leis na mente para as conhecerem, e no coração para as cumprir. Digam que morreram Nele, que foram sepultados com Ele, que ressuscitaram com Ele, e agora, como vivos dentre os mortos, confiam Nele para que viva Sua vida de ressurreição por meio de vocês.
É graça ao longo de todo o tempo. Aprendamos a magnificar a graça de Deus. A cada novo vislumbre de nossa própria impotência para desejar ou fazer, tanto em relação à consagração como em tudo o mais, glórias à graça que se responsabiliza em fazer tudo, e tenhamos um Cristo novo para todas as nossas necessidades.
Agora, passemos para o terceiro laço.
O diabo usa as palavras de outros cristãos para levar as almas às trevas. Paulo disse que agora conhecemos em parte (1Co 13.12). O maior santo, ainda que tenha sido aperfeiçoado no amor, ainda é imperfeito no conhecimento. Ele conhece apenas em parte. Não é essa a razão pela qual às vezes um cristão atribulado na alma se torna em dor para um companheiro crente? Os outros não entendem o que fazer com uma cana trilhada que não deve ser quebrada (Is 42.3); e novamente a cena descrita no Cântico dos Cânticos é promulgada: “Acharam-me os guardas que rondavam pela cidade; espancaram-me, feriram-me” (5.7). Desse modo, o cristão é levado cada vez mais para as trevas.
Existe purificação!
Sim! Existe purificação! Ouse crer que, não importando o que seja, aquilo que desvie sua visão do amor de Deus não é Dele. Ouse crer que tudo o que minimiza Sua graça não é Dele. Ouse crer que o amor de Deus é para você. Ouse crer que a graça de Deus é para você. Agora mesmo, nas densas trevas, creia nesse amor e nessa graça. Abandone as idéias distorcidas sobre Ele que estiveram em curso pela malícia de Satanás. Erga o escudo da fé uma vez mais, e diga como Jó: “Ainda que Ele me mate, Nele esperarei” (13.15), e louve a Deus. Sim, louve-O agora. Não espere até que as trevas passem para louvá-Lo. O caminho para sair delas, e o caminho para os muros da salvação, é pelos portões do louvor. “Aquele que oferece o sacrifício de louvor Me glorificará; e àquele que bem ordena o seu caminho eu mostrarei a salvação de Deus” (Sl 50.23).
[1] A autora se refere a fórmulas litúrgicas de confissão pública de pecados usadas em certos cultos protestantes. Segundo ela, essas práticas são, elas mesmas, as “obras mortas” das quais o penitente precisa ser limpo pelo sangue de Cristo. (N. do R.)
Prezados leitores, o editor do Campos de Boaz, Francisco Nunes, estará em Salvador, nos dias 20 a 22, conforme a imagem acima. Se você for da “terrinha”, ou conhecer alguém de lá, venha participar e/ou divulgue. Será um prazer conhecer mais leitores pessoalmente.
A UniCristã está muito alinhada aos princípios que pautam nosso blogue. É bíblica, cristocêntrica, respeita a preciosa herança deixada por tantos respigadores fiéis do passado, reconhece a importante contribuição dos irmãos e deseja não meramente produzir pessoas com diploma, mas servos que amem mais o Senhor Jesus, respeitem mais Sua Palavra e sejam mais úteis para o Senhor e Sua Igreja. Se você está procurando uma boa faculdade cristã, recomendamos a UniCristã.
“Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.14,15).
O Senhor não ficou satisfeito com este impressionante chamamento para a graça prática na oração prescrita a Seus discípulos: “E perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores” (v. 12), pois imediatamente depois completou com ênfase: “Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas” (v. 14).
Há tal confusão na cristandade quanto ao perdão dos pecados que a verdadeira força das solenes palavras do Senhor é grandemente perdida. A vasta maioria dos cristãos têm uma visão tão nebulosa da eterna redenção que temem crer na completa e permanente eficácia da obra de Cristo. As boas-novas, ou evangelho, de Deus são portanto despojadas de seu poder. Eles não são melhores do que um judeu que trouxe sua oferta, confessou seus pecados e foi embora com o conforto de que foi perdoado. Assim como este tinha de trazer sacrifícios com freqüência, assim os mal ensinados cristãos falam de sua necessidade de serem aspergidos de novo e de novo com aquele sangue, apesar de ter sido dito que ele foi derramado de uma vez por todas.
A vasta maioria dos cristãos têm uma visão tão nebulosa da eterna redenção que temem crer na completa e permanente eficácia da obra de Cristo.
Quanta cegueira, se não alegarmos nada mais, ao testemunho de Hebreus 10! O perfeito sacrifício fez cessar o imperfeito. Os adoradores uma vez limpos não têm mais consciência dos pecados; em evidente contraste com os sacrifícios levíticos, dos quais eram feitos lembrança ano após ano, os cristãos têm direito à remissão dos pecados. Cristo veio para remover o temporário e estabelecer o perpétuo. Assim sendo, quando Ele ofereceu um sacrifício pelos pecados, Ele eternamente [continuamente] sentou-se à mão direita de Deus. Ele tinha feito tudo perfeitamente a fim de apagar a culpa de Seus amigos (que haviam sido Seus inimigos), e assentou-se como prova de Seu triunfo, e está aguardando até que Seus inimigos, que O rejeitaram, e as obras deles sejam postos por escabelo de Seus pés. Então, Ele virá publicamente e pisará na rebelião aberta deles na consumação da era. Mas, para o cristão, o Espírito Santo testifica que de seus pecados e de sua anarquia Deus não se lembra mais. Agora, onde a remissão desses está, não há mais oferta pelo pecado: todas as coisas desse tipo são suplantadas e mais do que cumpridas em Cristo.
Mas, aqui, a fé falha, porque a Palavra de Deus não é recebida em sua divina e conclusiva autoridade; e, por causa disso, almas são defraudadas de paz e alegria ao crer; e toda a devoção a Deus é reduzida, apesar de termos sido comprados, como fomos, por um preço incalculável. Essa incredulidade ainda é aumentada por confundir coisas que se diferem, como nosso texto indica, com aquela completa redenção que repousa unicamente na cruz de Cristo. Ainda mais quando as benditas instituições da cristandade, como o batismo e a ceia do Senhor, foram tornadas ordenanças salvíficas, não figurativamente, mas intrinsecamente; e uma classe clerical se fez necessária e com direito divino de aplicá-las com o devido efeito aos leigos: uma invenção que sobrepujou as mais altas reivindicações do sacerdócio judeu, e em princípio nega o evangelho.
Mas, embora o Senhor, nem aqui ou em qualquer parte de Seu ensinamento no Monte, se refira à redenção que estava para realizar, Ele tinha uma importante lição para inculcar a Seus discípulos sobre cultivar um espírito de graça. Se o judeu em geral não podia elevar-se acima da lei na distância de Deus que ela produzia, acima do medo que encheu o grande mediador de tremores, e acima da prontidão em denunciar e amaldiçoar que ela gerou, a graça é a atmosfera na qual cristãos vivem e florescem. Sem dúvida, é mediante a justiça, mas, ao mesmo tempo, é a graça reinando.
O que era isso que atraía ao Senhor Jesus mesmo João, o batizador? O que era isso que, apesar de um ambiente de legalismo, por fim floresceu e deu frutos tão doces em Pedro e João e Tiago e um nobre exército de mártires e confessores? O que era isso que derreteu o coração de aço de Paulo e fez dele a mais ardente e sofredora testemunha de Jesus Cristo, e Ele crucificado, para o mundo? O que mais poderia começar com a mais orgulhosa, mais auto-satisfeita, obstinada e rebelde raça e transformá-la em pobres em espírito, em quem chora, em mansos, em quem tem fome e sede por justiça, em misericordiosos, em puros de coração, em pacificadores, em perseguidos por causa da justiça, e mesmo por amor a Ele, para quem a nação e seus sumos sacerdotes julgaram a crucificação ser justa, e assim cumpriram a Lei, os Salmos e os Profetas?
Assim como foram a graça e a verdade que deram vida aos discípulos, e a deram com abundância no poder da ressurreição de Cristo, assim se segue aquela plena e permanente remissão que Seu sangue assegura, e isso ininterruptamente. Mas o pecado tolerado interrompe a comunhão com nosso Deus e Pai, e necessita a advocacia de Cristo para limpar os pés que foram contaminados, mediante o lavar de água pela palavra. Seu sangue retém intacta sua virtude expiatória; mas a palavra é aplicada pelo Espírito em resposta ao Cristo elevado, e aquele que pecou se arrepende no pó e em cinzas. Pois “este [Cristo] é Aquele que veio por água e sangue” (1Jo 5.6). Nós precisamos de ambos, e temos ambos, e nada podemos fazer sem a água, assim como temos o sangue de uma vez por todas. Quem quer que ignore, ou (pior ainda) negue, a dupla provisão da graça, mina a redenção e confunde a verdade de Deus.
Você, que mantém ressentimentos e fica afagando as ofensas (freqüentemente exageradas, se não imaginadas) que outros lhe fizeram, tenha cuidado!
Agora o Senhor especifica que um espírito não-perdoador é intolerável para nosso Pai em Seu governo diário de Seus filhos. E não é de se admirar. Isso é como retornar da graça para a lei, de Cristo para o miserável ego. Conseqüentemente, como na oração, Ele recomenda com insistência graça com relação àqueles que podem nos ofender mesmo de modo muito doloroso, e amor, a respeito do qual Ele diz, alertando de modo leal e terno, que sua falta é, na prática, detestável a Seus olhos. “Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celestial vos perdoará a vós; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai vos não perdoará as vossas ofensas”.
Você, que mantém ressentimentos e fica afagando as ofensas (freqüentemente exageradas, se não imaginadas) que outros lhe fizeram, tenha cuidado. Se você é cristão, está em total falta no tocante a esse dever característico, está muitíssimo diferente de Cristo. É preciso que alguém lhe diga que você está tão infeliz quanto está endurecido? Não é nada para seu espírito elevado, degradante quanto isso o é para um cristão, que seu Pai não lhe perdoe as ofensas? Não perca tempo com um estado tão ruim e orgulhoso e não entristeça mais o Espírito Santo de Deus que selou você. Não deixe o sol se pôr sobre sua ira, nem dê lugar para o diabo (Ef 4.26,27).
“E o povo sairá e colherá diariamente a porção para cada dia” (Êx 16.4).
“Diariamente a porção para cada dia”: essa era a regra que governava o conceder do maná, por parte de Deus, e o colhê-lo, por parte do homem. Essa ainda é a lei no trato da graça de Deus com Seus filhos. Uma visão clara sobre a beleza e a aplicação dessa regra é um maravilhoso auxílio para compreender como alguém, que se sente completamente fraco, pode ter a confiança e a perseverança de prosseguir vigorosamente por todos os anos de sua carreira na terra. Em certa ocasião, um paciente, que havia sofrido um sério acidente, perguntou ao médico: “Doutor, por quanto tempo precisarei ficar deitado?”. O médico respondeu: “Apenas um dia por vez”. Tal resposta ensinou ao paciente uma preciosa lição. Foi a mesma lição que Deus registrou para Seu povo muitos anos antes: “diariamente a porção de cada dia”.
Sem dúvida, foi por causa disso, e da fraqueza do homem, que Deus graciosamente determinou a alternância entre dia e noite. Se o tempo tivesse sido concedido ao homem na forma de um único e longo dia, certamente isso o teria exaurido e oprimido. A alternância entre dia e noite continuamente revigora e restaura a força do homem. Se o tempo não tivesse sido dividido, não haveria esperança para o homem, à semelhança de uma criança que recebesse um livro para que fosse lido de uma vez. Mas, se ao contrário, apenas uma lição por dia fosse dada a essa criança, ela conseguiria ler o livro com certa facilidade. Assim, o homem consegue gerenciar seus desafios quando eles são quebrados em pequenos pedaços e divididos em fragmentos. O homem somente precisa atender aos cuidados e ao trabalho daquele dia – “diariamente a porção para cada dia”. O resto da noite cai-lhe muito bem para poder começar de forma nova a cada manhã. Os erros do passado podem ser, assim, evitados e as lições podem ser aperfeiçoadas. Além disso, ele tem diante de si somente um curto dia para ser fiel. Os longos anos e a vida longa cuidarão de si; sua duração e seu peso nunca se tornarão fardos.
Na vida da graça, o encorajamento que essa verdade traz é tão doce! Muitas almas se inquietam ao considerar como serão capazes de colher e guardar o maná necessário para todos seus anos de peregrinação em um deserto tão árido. Essas almas nunca experimentaram o conforto indizível que há nas palavras “diariamente a porção para cada dia”. Essas palavras eliminam completamente todo o cuidado com o amanhã. Apenas o hoje é seu. O amanhã é do Pai. “Que garantia tenho de que conseguirei permanecer em Cristo por todos os anos durante os quais tiver de contender com a frieza, as tentações e as tribulações desse mundo?” Essa é uma pergunta que você não precisa fazer. O maná, como alimento e força para você, é concedido apenas diariamente. Sua única garantia do futuro é ser fiel no presente. Aceite e desfrute – e cumpra com todo seu coração – a parte que lhe cabe desempenhar hoje. Se você se alegrar na presença e na graça de Deus hoje, você se verá livre de toda dúvida e será capaz de confiar a Ele seu amanhã também.
Permaneça em Cristo, e que isso seja dia a dia.
Essa verdade nos ensina a atribuir grande valor a cada dia. Muito facilmente somos levados a pensar na vida como um grande todo e passamos a negligenciar o pequeno hoje, bem como esquecemos que são os dias que compõem o todo, e que o valor de cada dia depende de sua influência sobre o todo. Um dia perdido é como um elo quebrado no meio de uma cadeia e, freqüentemente, é necessário mais do que outro dia para efetuar o conserto. Um dia perdido influencia o seguinte, que fica mais difícil de ser guardado. Sim, um dia perdido pode pôr a perder aquilo que foi garantido por meio do cuidadoso trabalho realizado ao longo de meses ou até mesmo de anos. A experiência de muitos cristãos pode confirmar isso.
Cristão, permaneça em Cristo, e que isso seja dia a dia! Você já ouviu a mensagem: “A cada momento” – a lição de permanecer em Cristo dia a dia tem algo a mais para nos ensinar. No que se refere a momentos, em muitos deles não há nenhum exercício direto da mente sendo feito por você, e o permanecer acontece no recôndito mais profundo do coração, guardado pelo Pai, a quem você se encomendou. Mas é precisamente esse trabalho que precisa a cada dia ser renovado para o dia que se inicia – trata-se de um renovar específico da rendição e da confiança necessários para viver a vida a cada momento. Deus ajuntou os momentos e os atou em feixes, para que pudéssemos valorizá-los adequadamente.
Pela manhã, ao olharmos para o dia adiante de nós, ou à noite, ao olharmos para trás, ponderando os momentos vividos, aprendemos a valorizá-los e a usá-los adequadamente. A cada manhã, à medida que o Pai cumprir Sua promessa de lhe conceder o maná necessário para aquele dia – não somente para você, mas também para todos os que participam com você –, apresente-se a Ele com amor, reafirmando aceitar a posição que lhe foi dada em Seu amado Filho. Acostume-se a considerar essa atitude como sendo uma das razões pelas quais Deus estabeleceu a alternância entre o dia e a noite. Deus lembrou-se de nossa fraqueza e fez provisão para ela. Permita que cada dia tenha seu próprio valor do ponto de vista de seu chamamento para permanecer em Cristo.
Ao acordar de manhã, quando seus olhos começarem a contemplar o novo dia, aceite-o nos seguintes termos: “Este é um dia, apenas um dia, mas é um dia concedido para que eu possa permanecer e crescer em Cristo Jesus”. Seja um dia de saúde ou de doença, de lutas ou vitórias, receba-o com gratidão e seja este o principal pensamento: “Mais um dia que o Pai me concedeu; neste dia posso e devo ser mais intimamente unido ao Senhor Jesus”. E ao perguntar-lhe ao Pai: “Será que você pode confiar em Mim, apenas por este dia, que Eu o guardarei e o farei permanecer em Meu Filho e mantê-lo-ei produzindo fruto?”, você não poderá dar qualquer outra resposta a não ser: “Confiarei e não temerei”.
Seja um dia de saúde ou de doença, de lutas ou vitórias, receba-o com gratidão e seja este o principal pensamento: “Mais um dia que o Pai me concedeu”.
A porção diária era dada a Israel cedo de manhã, a cada manhã. Aquela porção diária era para ser usada e deveria servir de alimento ao longo de todo o dia, mas tanto o conceder como o colher eram o trabalho da manhã. Isso sugere que o poder para viver bem um dia e para permanecer o dia todo em Cristo depende fortemente daquele período matinal. “Se as primícias são santas, também a massa o é” (Rm 11.16a). Durante o dia, há momentos de intensa ocupação no corre-corre das tarefas ou nos atropelos dos homens em que somente o cuidado do Pai pode manter intacta nossa conexão com o Senhor Jesus. O maná, colhido de manhã, era o alimento consumido ao longo de todo o dia. Somente quando o cristão consegue garantir, de manhã, um momento a sós com Deus, para renovar de forma distinta e eficaz a comunhão de amor com seu Salvador, é que o permanecer pode ser guardado ao longo de todo o dia. O simples fato de poder proceder assim já é motivo de grande gratidão. No sossego e no frescor de cada manhã, o cristão pode contemplar o dia que se descortina diante de si. Ele pode considerar as responsabilidades e as tentações e, por assim dizer, vivenciá-las de antemão diante de seu Salvador, lançando sobre Ele todas as coisas. Cristo é tudo de que o cristão precisa: seu maná, seu alimento, sua força, sua vida. De manhã, o cristão pode colher a porção daquele dia. Ele deve ver que Cristo é a provisão para todas as necessidades que esse dia possa trazer, e pode prosseguir na certeza de que o dia será de bênção e de crescimento.
À medida que a lição sobre o valor e a obra de um único dia é acolhida no coração, o aprendiz, inconscientemente, é guiado até o ponto de ganhar o segredo do “cada dia, continuamente” (Êx 29.38b). O bendito permanecer, que é aprendido por fé para cada dia, é um crescimento contínuo e cada vez mais pleno. Cada dia de fidelidade traz bênçãos para o dia seguinte, e torna a confiança e a rendição mais fáceis e abençoadas. É assim que cresce a vida cristã: à medida que entregamos nosso coração por inteiro à tarefa de cada dia, esse mover passa a ocorrer durante todo o dia e, a partir daí, opera todos os dias. Assim, permaneceremos em Cristo a cada dia separadamente, todo o dia continuamente e dia após dia sucessivamente.
São os dias que compõem a vida: aquilo que antes parecia alto demais, grandioso demais e inatingível, agora foi concedido à alma que se contentou em tomar e usar “a porção para cada dia” (Êx 16.4), “cada coisa em seu dia” (Ed 3.4). Mesmo sobre a terra ouve-se a voz: “Bem está, servo bom e fiel. Sobre o pouco foste fiel, sobre muito te colocarei; entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25.21). Nosso dia a dia torna-se uma maravilhosa experiência de comunhão da graça diária de Deus e nosso louvor diário: “Bendito seja o Senhor, que de dia em dia nos carrega de benefícios”, “para pagar os meus votos de dia em dia” (Sl 68.19; 61.8b). Passamos a compreender as razões de Deus de nos suprir diariamente como certamente Ele o faz: apenas, mas plenamente, o necessário para cada dia. Assim nos apresentamos em Seu caminho, o caminho de pedir diariamente e de esperar apenas o que é necessário – mas que é plenamente suficiente – para aquele dia. Desse modo, passamos a contar nossos dias, não baseados no raiar do sol, ou no trabalho que realizamos ou na comida que comemos, mas em função da renovação do milagre do maná: a bênção da comunhão diária com Ele que é a vida e a luz do mundo. A vida celestial, à semelhança da terrena, não se interrompe e é contínua. O permanecer em Cristo a cada dia traz para esse dia sua respectiva bênção. Permanecemos Nele a cada dia e durante todo o dia. “Senhor, faz com que seja essa a porção de cada um de nós”.