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O Verdadeiro Sentido da Páscoa

Lance Lambert

Em algum lugar na eternidade passada, antes da fundação do mundo, antes mesmo que o homem caísse, o clamor de Deus ecoou através dos céus: ‘A quem enviarei e quem irá por nós?’ (Is 6.8). Era o clamor do coração do Pai quando anteviu e deparou com o complexo problema do pecado e vergonha humanos; o problema aparentemente insolúvel de uma humanidade ‘satanizada’.
A resposta ao problema não era a destruição dos homens, embora, se não fosse pelo amor de Deus, aquela teria sido uma solução simples. A resposta seria a reconciliação dos homens, trazê-los de volta ao plano e propósito originais de Deus, em eterna união com ele. Foi o Filho quem respondeu, tanto ao chamado como ao problema – ‘Eis-me aqui, envia-me a mim’.
Estas maravilhosas palavras: ‘Então disse eu: eis aqui venho; no rolo do livro está descrito a meu respeito: deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu’, cumpriram-se quando o Messias Jesus veio a este mundo (Sl 40.8; cf. Hb 10.5-10).
É claro que desde o princípio, Jesus, como homem, sabia exatamente qual era a sua obra. Desde o momento em que Pedro fez sua grande confissão: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’ (Mt 16.16), Jesus começou a revelar aos seus discípulos qual era sua suprema obra. Toda a sua vida, até este momento, havia sido tão somente uma preparação para isto. O dia da sua grande obra, que representa o foco central de todo o tempo e história, e do qual depende o divino propósito da salvação e redenção, chegou com a sua crucificação.

Quanto Custou a Jesus
Contudo, não devemos nunca cair na armadilha de pensar que, pelo fato de a obra da nossa salvação ter-se completado no curso de um breve dia, foi fácil para o Messias. Custou-lhe tudo! Naquelas poucas horas condensou-se um mundo de sofrimento e angústia que supera toda a imaginação humana.
A linguagem é totalmente inadequada, mesmo quando divinamente inspirada, para descrever ou interpretar aquela espécie de sofrimento. Nenhum dos escritores dos evangelhos tentou descrever os REAIS sofrimentos do Messias. Eles registraram pura e simplesmente os fatos. Mesmo os apóstolos declararam apenas suas conseqüências espirituais e sua interpretação – que ele levou nossos pecados, que ele sofreu em nosso lugar, que ele foi feito pecado por nós. Em momento algum, tentaram descrever o custo e o sofrimento. É como se todos estivessem cientes de que isso estava além dos limites da linguagem e da compreensão humana; que era algo tão santo, tão maravilhoso, tão misterioso e inescrutável, tão imenso e eterno em sua significação, que a mais eloqüente oratória do mundo fracassaria em descrevê-lo e a mais refinada mente teológica falharia em defini-lo.
A história real de como aquele que não tinha pecado foi feito pecado por nós, de como o Cordeiro de Deus se tornou, naquelas terríveis horas, a ‘serpente levantada’ (2 Co 5.21; Jo 1.29; Jo 3.14), nunca poderá ser contada. Tudo o que temos são indícios que revelam profundezas impenetráveis de angústia e sofrimento. Vemos os atos; observamos a humilhação, a tortura, o escárnio. Ouvimos suas palavras e seu clamor; vemos suas reações, a dor física e a morte.
Assistimos a tudo e estamos cônscios de que esta é uma parte mínima da história. Porque os sofrimentos físicos do Messias não foram os reais sofrimentos pelos quais passou. Eram apenas indícios exteriores de uma infinita e inexprimível dor. Seu verdadeiro serviço foi oferecido e realizado no domínio do invisível. O servo do Senhor passa, como passou, fora do alcance da nossa visão dentro da escuridão; além desse ponto não podemos penetrar. Chegamos ao limite da nossa finita habilidade de entender e apenas podemos curvar nossas cabeças e nossos corações.
Lá, naquele lugar de escuridão, sua alma tornou-se a oferta pelos nossos pecados; ele foi ferido, traspassado pelas nossas transgressões, moído pelas nossas iniqüidades. Lá, ele sofreu pelo nosso bem-estar, pela nossa paz; foi castigado, para que as nossas infelizes e torturadas consciências pudessem conhecer paz com Deus. Lá, nossas tristezas e pesares foram levados por ele; nossos males e enfermidades acharam nele seu alvo (ver Is 52.13-53.12).
Ele tomou sobre si tanto a raiz como o fruto de todo o pecado, pois toda a nossa iniqüidade foi colocada sobre ele. Foi o pecado de todo o mundo que ele levou sobre si – toda a sua maldade e impiedade, toda a sua incessante odiosidade, a dor de toda a história. Naquelas poucas horas tudo isso foi ajuntado e colocado sobre aquela querida estrutura humana.

O Cordeiro de Deus
Não foi por alguma estranha coincidência que o Messias morreu por ocasião da Páscoa. Aquela festa comemorava a gloriosa libertação por Deus de um povo em escravidão e miséria. Além disso, no centro daquela comemoração estava um cordeiro imolado, um cordeiro sem mancha, macho de um ano, cujo sangue fora colocado sobre a verga e sobre os umbrais das portas de cada família crente.
João Batista disse de Jesus: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!’ (Jo 1.29). Não foi portanto, por acaso que o Messias morreu quando os cordeiros estavam sendo imolados para a comemoração. Ele era a realização daquele antigo simbolismo.
Para os poderes satânicos das trevas, foi a sua hora. Quando, no Getsêmani, eles se acharam impotentes para impedir que a obra do Messias fosse completada, seu ódio e furor não conheceram limites. Foram tão terríveis aquelas horas finais que até mesmo a criação retrocedeu em horror.
Colossenses 1.17 declara que ‘nele subsistem todas as coisas’. Quando o Messias foi feito pecado por nós e tornou-se uma ‘maldição’, foi como se a criação natural, toda contida nele, entrasse em choque. A terra tremeu, as pedras se fenderam (Mt 27.51) e a luz da natureza mergulhou em trevas (Mc 15.33). Foi como se o próprio ser de Deus fosse envolvido por uma insuportável dor e, em conseqüência, o próprio universo fosse afetado.
Mesmo que não compreendamos o mistério desta questão, ela revela algo da realidade e profundidade dos sofrimentos do Messias. Vindo daquelas negras e impenetráveis profundezas de dor e escuridão ouvimos, ecoando pelos séculos, o temível brado do coração partido do Messias: ‘Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?’ (Mc 15.34).
O Messias foi feito pecado por nós e ‘foi da vontade do Senhor esmagá-lo’; era o próprio Deus que submetia o Messias ao sofrimento. Jesus estava sozinho, não apenas no nível humano; foi desamparado pelo próprio Pai por causa do nosso pecado.
Toda a extensão do que ele fez, precisamente como sofreu, como se tornou nosso pecado, o imensurável preço envolvido – tudo está muito além da nossa capacidade de compreensão. O que nós sabemos e conhecemos por experiência, se realmente cremos nele, é que ele nos salvou. De algum modo, além da nossa limitada compreensão, um vasto universo de pecado, de dor e infelicidade, de sofrimento e morte, foi concentrado nessa experiência. O Senhor depositou sobre ele a iniqüidade de todos nós e ele as levou embora para o esquecimento.
Ele pagou o derradeiro preço, à custa da sua própria vida, e sofreu pelos nossos pecados, o justo pelo injusto, de maneira a trazer-nos para Deus. O Messias provou a morte por cada homem, para daí em diante trazer muitos filhos à glória (Hb 2.9-10).

Por Que Ele o Fez?
Por estranho que possa parecer, é na zombaria cruel dos principais sacerdotes e escribas que deparamos com a verdade. Eles, inconscientemente, profetizaram quando disseram: ‘A outros salvou; a si mesmo não pode salvar’ (Mc 15.31).
Eles nunca proferiram palavra mais verdadeira. Toda a sua vida foi gasta para a salvação dos outros da morte, da corrupção, da escravidão e da doença, do pecado e de Satanás. Agora, contudo, no sentido mais profundo, ele não podia salvar a si próprio.
Não que não tivesse poder para fazê-lo. Todo o poder do universo estava ao seu comando, mas ele o usaria tão somente para sacrificar-se, não para salvar-se. Foi o seu amor por nós que aboliu qualquer possibilidade de autopreservação! Não foram os cravos que o prenderam ao madeiro, nem a presença dos rudes soldados que o guardavam lá, mas um amor Divino. Aquele amor o cravou na cruz com mais eficácia que qualquer outra coisa no universo.
Verdadeiramente, o amor de Jesus ultrapassa o conhecimento. É inteiramente inexplicável. Havia muitas coisas que o Servo do Senhor poderia ter feito, mas para que servisse a Deus verdadeiramente, o amor ao Pai e o amor por nós o fez rejeitá-las. Há nisso uma profunda lição para todos os que desejam servir a Deus. Há muitas coisas que poderíamos fazer mas, se verdadeiramente servimos a Deus, descobriremos que não poderemos fazê-las, por amor a Deus e por amor aos outros. O amor Divino sempre nos prenderá à vontade de Deus; sempre nos tornará prisioneiros do Senhor Jesus.
Os principais sacerdotes e escribas estavam totalmente cegos ao que acontecia naquela cruz. O Messias não podia salvar-se a si próprio, porque estava nos salvando e seria impossível fazer os dois ao mesmo tempo. Ele tinha de escolher entre salvar-se e salvar ao homem caído – por infinito amor e graça, escolheu salvar o homem caído. Na verdade, seu amor era tão grande, que através de sua morte, estava abrindo as portas da salvação até mesmo aos principais sacerdotes e escribas. Anás e Caifás, Pilatos e a multidão que zombou e escarneceu dele naquele dia – todos podiam encontrar vida, se tão somente se voltassem para Deus e cressem nele.
Eles pensavam que Jesus estava acabado, que o seu ‘estranho’ poder e influência estavam quebrados e os seus lábios finalmente silenciados. Não poderiam estar mais enganados. Porque exatamente ali, onde aquelas mãos e pés estavam pregados à cruz, onde aparentemente nenhum grande milagre foi realizado, nenhum poder dinâmico demonstrado, nenhuma poderosa mensagem pregada – ali o milagre dos milagres foi efetuado, o mais poderoso e eficaz poder na história das eras foi manifestado e a maior mensagem a ser pregada na terra foi pronunciada. Quando Jesus morreu com aquele grande brado: ‘Está consumado’, o véu do Templo rasgou-se em dois, de alto a baixo (Jo 19.30; Mc 15.37-38). O Messias nunca proferiu uma mensagem mais poderosa e significativa do que aquela que foi contida nesta palavra, ‘consumado’, nem jamais exerceu poder mais eficaz do que quando consumou a obra da nossa salvação e nos reconciliou com Deus.
Quando Jesus morreu, o véu do santuário se rasgou em dois, de alto a baixo, porque a condição para reconciliar a humanidade caída com Deus fora cumprida através do Messias. Aquele véu simbolizava a alienação do homem caído da presença de Deus, estando ele aquém da glória de Deus por causa do pecado. Representava o fechamento dos portões da Cidade Eterna, o lugar da habitação de Deus, para aquela espécie de homem, barrando-o de toda aquela ordem de vida.
Mas agora aquele véu fora rasgado pelo próprio Deus; ele mesmo destrancou e abriu aqueles portões. O que ninguém mais poderia fazer, o Messias fez. Ele não somente ganhou para nós uma eterna salvação, por mais tremenda e maravilhosa que seja, por si só, este fato! Porém, ele também pôs fim à antiga ordem, à velha criação, ao velho homem e à velha natureza! E, como o Servo de Deus, assentou uma sólida e eterna base para uma nova ordem, uma nova criação, um novo céu e uma nova terra, onde há justiça. Um novo homem veio através dele. Toda esta ordem das coisas que foi instituída através de Satanás, por causa da queda do homem, foi julgada e extirpada no Messias; nele foi crucificada, sepultada e lançada fora para sempre.
Além disso, naquele mesmo lugar de julgamento, uma porta de esperança foi aberta. Um novo dia raiou na noite que, humanamente falando, parecia ser a mais negra de todas. Para todos os que temiam ao seu nome, o Sol da Justiça levantou-se com cura nas suas asas. Para estes, um novo e eterno dia, com nova vida, novo poder e novo propósito, estava chegando. Para o Servo do Senhor, Jesus, os portais eternos estavam levantando suas cabeças. Ele adentrou-os triunfantemente e juntamente, somente pela graça de Deus, todos aqueles que criam nele também entraram.
Cada aspecto do Messias Jesus é singular. Seja o mistério da sua pessoa, ao mesmo tempo, Deus e homem; seja o fato das muitas profecias que predisseram sua vinda, seu nascimento, sua obra suprema e a glória que se seguiria; ou seja a beleza do seu caráter – ele é único. E se isso o coloca muito acima de tudo e de todos, sua obra apenas acrescenta mais à sua singularidade. Pois ninguém mais poderia ter feito o que o Senhor Jesus fez.
Como está escrito de maneira simples e profunda na Enciclopédia Judaica: ‘Se, como os cristãos crêem, o mártir Jesus foi ao mesmo tempo o Messias, então sua morte tem uma importância cósmica’.
Em tudo isso, vemos um pouco do que custou ao Messias realizar a obra que Deus lhe confiou. Foi um preço além da imaginação humana, porém ele, voluntariamente, pagou aquele preço e a si mesmo se ofereceu. Desde que somos tão não merecedores, levanta-se a questão sobre o porquê ele entregaria sua vida por nós. Há somente uma resposta adequada. Ele não morreu por amor ao dever, nem por satisfação e glória próprias. Nem mesmo poderíamos dizer, em um nível mais elevado, que morreu somente para a honra e glória de Deus, sem qualquer consideração por nós, como povo. Ele se tornou o Cordeiro de Deus e levou sobre si nossos pecados por causa do seu imensurável e imortal amor. Como colocou o apóstolo Paulo: Ele ‘me amou e a si mesmo se entregou por mim’ (Gl 2.20). Tal amor é tão inescrutável quanto inexplicável.

O Rei dos Reis
Nisto vemos o coração de Rei e Messias. Ele não é o Rei messiânico meramente pela sua linhagem, ainda que esta fosse tanto autêntica quanto pura; realmente era da descendência direta do rei Davi. Nem é o Rei messiânico só porque foi predestinado para o ser, ainda que este fato estivesse predito desde o princípio e divinamente pré-ordenado. Ele é Rei primordialmente porque é digno de ser Rei e de assumir o trono. Nele vemos a espécie de caráter e natureza que não pode fazer outra coisa senão reinar. Através desse caráter interior, ele transformou uma coroa de espinhos na mais inestimável e radiante coroa jamais usada por alguém.
Nele vemos um conceito de realeza, liderança e autoridade, que não tem par. Este conceito se baseia em caráter, em altruísmo, em uma obra sacrificial e em uma vida inteiramente dedicada aos outros. Seu reinado está fundado em amor divino, em absoluta verdade e em transparente realidade.
Isto, por si só, é razão suficiente para chamá-lo digno. O apóstolo João, em sua visão do céu e da eternidade, viu no centro de tudo o trono de Deus e no trono um ‘Cordeiro, como havendo sido morto’ (Ap 5.5,6). No glorioso coração de uma vasta e triunfante multidão de adoradores num novo céu e nova terra, está o crucificado Messias. O ‘Cordeiro, como havendo sido morto’ é o Messias entronizado, levando para sempre as cicatrizes do seu sofrimento, as marcas dos cravos em suas mãos e pés e a marca da lança no seu lado.
João viu o Messias tomar o livro selado com sete selos, representando a mente e a vontade de Deus, a qual ninguém, judeu ou gentio, fora capaz de compreender, e assistiu-o romper os selos e abri-los. O Messias Jesus cumprira o eterno propósito de Deus, redimindo uma inumerável multidão de cada nação na terra e trazendo muitos filhos à glória. Ninguém mais, em tempo algum, foi achado digno de herdar o trono de Deus, para poder restaurar todas as coisas ao Pai e realizar toda a sua vontade, durante todas as eras por vir.
No ‘Cordeiro, como havendo sido morto’, a chave para a história judaica foi finalmente encontrada, desvendando tudo o que antes era inexplicável e tornando em glória seus infortúnios. Pois o propósito de Deus não foi frustrado, mas cumprido através da queda do povo judeu; nem o seu amor por esse povo desvaneceu com a sua queda, pelo contrário, provou-se, através dos anos, imortal. No fim, todo o Israel, o verdadeiro povo eleito de Deus, judeus e gentios, será salvo para não mais pecar e a terra será cheia com o conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar.
Deus declarou solenemente, desde o princípio: ‘Tão certo, porém, como eu vivo, e como a glória do Senhor encherá toda a terra…’ (Nm 14.21).
Naquele dia, as palavras proféticas de Isaías se cumprirão: ‘Todo vale será levantado, e será abatido todo monte e todo outeiro; e o terreno acidentado será nivelado e o que é escabroso, aplanado. A glória do Senhor se revelará; e toda a carne juntamente a verá; pois a boca do Senhor o disse’ (Is 40.4,5).
Da destra de Deus o Messias Jesus, Cordeiro de Deus e Leão de Judá, reinará para sempre. O Rei dos Judeus tornou-se o Rei dos reis e Senhor dos senhores e ‘do aumento do seu governo e da paz não haverá fim, sobre o trono de Davi e no seu reino, para o estabelecer e o fortificar em retidão e em justiça, desde agora e para sempre; o zelo do Senhor dos Exércitos fará isso’ (Is 9:7).
As palavras proféticas do Rei Davi concernentes ao Messias, proferidas tanto tempo atrás, finalmente se concretizarão (ver Sl 72.17-20): ‘Permaneça o seu nome eternamente; continue a sua fama enquanto o sol durar, e os homens sejam abençoados nele; todas as nações o chamem bem-aventurado. Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, o único que faz maravilhas. Bendito seja para sempre o seu nome glorioso, e encha-se da sua glória toda a terra.Amém e amém.’

(Extraído do livro The Uniqueness of ISRAEL, por Lance Lambert, 1980; páginas 246-254. Publicado originalmente na revista À Maturidade.

É permitido baixar este arquivo, copiar, imprimir e distribuir este material, desde que explicite a autoria do mesmo.

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O cristão

O cristão, o genuíno cristão, percebe que é, de fato, uma alma solitária em meio a um mundo que não lhe oferece comunhão. Penso que se sucumbir de vez em quando e entregar-se às lágrimas, o cristão não deve sentir que é fraco. Trata-se de uma solidão normal em meio a um mundo que o repudia. Ele tem de ser um homem solitário! (…) Esse sentimento de não pertencer ao mundo é uma parte de nossa herança cristã. Esse sentimento de pertencer a outro mundo — e não a este — esconde-se no coração do cristão e o distingue das pessoas à sua volta. Muitos de nossos hinos vieram à tona graças a essa mesma solidão, esse sentimento de pertencer a uma cidadania diferente e superior!

(A. W. Tozer)

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Pelo fogo…

“… que andam passeando dentro do fogo” (Dn 3.25)

As chamas não impediram os movimentos deles; andavam no meio do fogo. Ele foi uma das avenidas pelas quais seguiram em direção ao ponto final. O conforto da revelação de Cristo não é que ela nos ensine a nos emanciparmos do sofrimento, mas a nos emancipar por meio do sofrimento.
Ó Deus, ensina-me a ver que, quando as sombras descem, estou apenas num túnel. Basta-me saber que um dia tudo estará bem.
Eu sei que um dia chegarei à glória da ressurreição. Mas eu quero mais, ó Pai: quero que seja o Calvário que me leve até lá. Quero ver nas sombras deste mundo as sombras de uma estrada – a estrada para a casa de meu Pai. Diga-me que eu tenho somente que subir esta avenida, pois a Tua casa fica lá no alto! Eu não sofrerei dano algum do sofrimento, se andar no meio do fogo.
(George Matheson)

Ó Pai, eu estremeço ao ser provado!
Sei que sairei como ouro refinado,
Mas enquanto no fogo,
Quero ver-Te a meu lado.
Quero ver-Te, Senhor!

(Extraído de Manancias no Deserto, dia 8 de maio, de Lettie Cowman, Editora Betânia)

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Eis o Cordeiro!

F. J. Huegel

Se o estudo da Bíblia é para trazer o enlevo espiritual e tem como seu fruto a benção que Deus pretendia, ele deve ser em acordo com o principal princípio da interpretação bíblica; isto é, que tal estudo procure reconhecer que as Escrituras têm um fim supremo. Esse fim supremo é Jesus Cristo: “Vocês diligentemente estudam as Escrituras… As Escrituras que testificam de mim”. O Senhor Jesus Cristo é o Alfa e o Ômega da Bíblia. No momento em que perdemos de vista este fato podemos encontrar muito daquilo que é edificante, mas perdemos a chave. Precisamos esquadrinhar as Escrituras com o propósito de conhecer e amar o Redentor de uma humanidade maldita e pecadora. Este Redentor as Escrituras proclama fielmente. Se falharmos nisso, nenhum poder no céu ou na terra será capaz de remover o véu dos nossos olhos. O verdadeiro significado das Santas Escrituras nunca será revelado a nós.

Não somente é necessário ter em mente que a Bíblia tem o Senhor Jesus Cristo como seu supremo fim, precisamos também ter diante de nós o fato de que Cristo mesmo tinha em vista um alvo plenamente compreensível o qual Ele nunca perdeu de vista. Ele é o Cordeiro imolado desde a fundação do mundo. Ele foi “entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus”, ainda que mãos fracas O crucificaram. Este era Seu transcendente fim, Ele veio para morrer. Quando no monte da transfiguração falou com Moisés e Elias na presença de Pedro, Tiago e João, as duas mais significantes figuras do Velho Testamento encontraram os três principais apóstolos do Novo Testamento, com o Messias transfigurado como o centro, enquanto a voz de Deus foi ouvida dizendo: “Este é Meu Filho amado, a Ele ouvi”. E qual foi o tema desta sublime entrevista? Poderia haver somente um tema expressando o mais profundo interesse do céu e ao mesmo tempo a maior necessidade da terra, a morte do Salvador que Ele deveria consumar em Jerusalém. Sim, é a cruz. O maior dos apóstolos disse que ele não se gloriaria em nada mais. Desde a fundação do mundo, o Cristo de Deus estava na marcha em direção ao monte chamado Calvário.

Nós não iremos muito longe com Jesus nosso Senhor até que olhemos as coisas com Seus olhos e adotemos Seu ponto de vista. Estaremos maravilhados e seriamente amedrontados como estavam os apóstolos quando Jesus, no caminho para Jerusalém, disse a eles que o Filho do Homem deveria ser entregue aos príncipes dos sacerdotes e aos escribas que O condenariam à morte e O entregariam aos gentios para ser escarnecido e açoitado, cuspido e morto (Mc 10:32-34). Mas, ademais do nosso medo e admiração viria uma nova revelação do Filho de Deus: “Um Cordeiro como se tivesse sido morto”. É o ponto de vista do Calvário que habilita alguém a penetrar o mais profundo dos mistérios das Escrituras e entrar para a vida da mais plena libertação e vitória que elas oferecem ao crente.

“Está consumado!” Nunca houve uma palavra tão grave, nem haverá jamais alguma para superá-la. Este é o maior momento, não somente na história da humanidade, mas em toda a história moral de Deus. Aqui temos a obra-prima de Deus. Seu mais sublime feito histórico, que permanecerá como tal por todas as eras vindouras.

Alguém pode ficar chocado pelo fato de que nem João nem nenhum outro dos escritores, movidos como foram pelo Espírito Santo, buscou entrar nos detalhes do sofrimento físico do Salvador. Estes foram apenas uma escassa reflexão da mais profunda agonia de ordem cósmica. Este não foi um mero martírio. Este não foi mera devoção por uma causa sublime que aceita todas as coisas em resignação por causa do amor. Este não foi um mero exemplo de auto-sacrifício que devemos seguir. Este não foi um esforço para conduzir os homens ao arrependimento por uma persuasão moral impingida pelo sofrimento do Filho de Deus. Todas as teorias do homem concernentes à expiação, e existem muitas, sucumbem quando todos os fatos que têm que ver com a cruz são tomados em conta.

Este é o sofrimento de Deus pelos pecadores do mundo. “Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo… Àquele que não conheceu pecado, Deus o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus… Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós… Temos a redenção pelo seu sangue, a redenção dos nossos delitos”. Somente termos fortes como estes encontrados nas epístolas de Paulo são realmente adequados quando procuramos o significado do Calvário, pois as expressões de Paulo são inspiradas pelo Espírito Santo cuja missão é de tomar das coisas de Cristo e revelá-las ao coração do crente.

Somos muito gratos a João por cada palavra que nos deu concernente à crucificação. É a ele que estamos em débito pela conservação daquela mais significativa das sete últimas palavras do nosso infinitamente adorável Salvador quando falou desde a cruz: “Está consumado”, palavras proferidas, Mateus nos diz, com grande voz. Não é de admirar que a terra tremeu, que as rochas foram rachadas, que o véu do templo foi rasgado em duas partes de cima a baixo. Não é de se admirar que as sepulturas foram abertas e que muitos corpos de santos que dormiam ressuscitaram. Não é de admirar que o capitão da guarda romana, vendo estas coisas, temeria grandemente e clamaria dizendo: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus”. Mas para alcançar o mais profundo significado do grito triunfante do Salvador, que marca a consumação da Sua obra de Redentor do mundo, devemos ir para as cartas de Paulo. Aqui o véu é posto de lado e vemos pela iluminação do Espírito Santo que, escarnecido pela turba, ridicularizado com ódio incomensurável e desprezado pelos fariseus e sacerdotes, ultrajado pelas autoridades judaicas, nosso Senhor, em Sua paixão e agonia sobre o maldito madeiro, morreu para a destruição das obras do príncipe das trevas e para a redenção do mundo. João, quando escreve sua primeira carta às igrejas, diz que o sangue de Jesus Cristo limpa de todo pecado, e podemos estar seguros de que ele disse isso não como uma teoria teológica a respeito do amargo sofrimento do Redentor e morte na cruz do Calvário, mas como alguém que, junto com inumeráveis milhões pelos séculos, experimentaram a paz que vem a todos aqueles que com sua carga de pecado e culpa lançaram-se sobre a misericórdia de Deus como revelada no Crucificado.

Os cristãos encontram na cruz do Redentor a garantia divina da remissão dos seus pecados, o mais elevado incentivo para uma vida santa, para a fé em Deus, amor pelos seus companheiros, para o auto-sacrifício e para a obediência à vontade do Pai, custe o que custar. A cruz é a revelação suprema da própria glória de Deus porque quando o grito “Está consumado” adentrou o céu desde os lábios do Salvador, sim, e baixou ao inferno, em legitimidade e verdade uma nova fundação foi colocada para a vida do mundo. Na luz da ressurreição do Salvador, pela afirmação da Santa Bíblia e a iluminação do Espírito Santo, os pecadores que experimentaram a redenção pelo Seu poder sabem que isso é assim. Esse grito foi o soar da morte da velha ordem, pois o homem velho foi crucificado juntamente com Cristo. Temos isso expresso com poder e beleza divinos nestas palavras de Paulo: “Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravando-a na cruz. E, despojando os principados e potestades, os expôs publicamente e deles triunfou em si mesmo” (Cl 2:14-15).

Ele é o Rei dos Reis e, podemos adicionar, Ele nunca foi mais majestoso do que naquela hora, nunca mais real do que quando na cruz do Calvário gritou, “Está consumado”. Ele reina desde o madeiro. Que trono é a cruz! Que coroa é a cora de espinhos! A terra nunca poderia coroá-Lo mais adequadamente, pois Seu incomensurável amor abraçou toda a humanidade e, identificando a Si mesmo com os pecados de todos, sofreu “o justo pelo injusto”, fazendo a paz em uma plena descarga da culpa de todo o mundo sobre o Seu amargo sofrimento e morte. Os espinhos eram nossos pecados, o escárnio a recompensa por nossa culpa, os pregos cravados em Suas tremulas mãos, os vergões pelos quais somos sarados.

Não é de se admirar que leríamos no Salmos 24 o registro da recepção do Salvador, quando Ele ressuscitou e ascendeu ao céu, em termos tão esmagadores. “Levantai, ó portas, as vossas cabeças; levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória. Quem é este Rei da Glória? O Senhor forte e poderoso, o Senhor poderoso na guerra. Levantai, ó portas, as vossas cabeças, levantai-vos, ó entradas eternas, e entrará o Rei da Glória. Quem é este Rei da Glória? O Senhor dos Exércitos, ele é o Rei da Glória”.

Do livro: João olha para a cruz, de F.J. Huegel
Fonte: Revista O Vencedor, edição nº3 Fevereiro-Maio 2007

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Todavia

Há um belo e conhecido trecho no livro do profeta Habacuque. Ele começa sua declaração com a palavra “Ainda”, indicando uma circunstância à qual contraporá outra.

“Ainda
que a figueira não floresça,
nem haja fruto na vide;
o produto da oliveira minta,
e os campos não produzam mantimento;
as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco,
e nos currais não haja gado”.

Então, ele apresenta sua conclusão, iniciando-a por “Todavia”:

“Todavia,
eu me alegro no Senhor,
exulto no Deus da minha salvação.” (3.17,18)

Não é toda a nossa vida uma constante luta entre o “todavia” que teremos em resposta aos “aindas” que enfrentamos? Não é o desafio constante de nosso dia-a-dia ter fé para dizer que “ainda que”, “todavia” manteremos o coração firme no Senhor? Não é nosso anelo dizer, com verdade e sem temor que, “ainda que…”, “todavia” nos alegraremos no Senhor, exultaremos em Deus? Não é a grande busca de nosso coração, se de fato conhecemos a Deus, ficarmos satisfeitos com Ele em lugar de encontrar sentido, conforto e segurança nas coisas?

Habacuque experimentou isso. Habacuque aprendeu “a estar contente em toda e qualquer situação” (cf. Fp 4.11), não porque as situações fossem sempre boas, mas porque se relacionava com o Senhor de todas as coisas, de todas as circunstâncias, não com elas.

“Ainda” e “Todavia”: eis aí a pedra-de-toque de nossa fé!

(Francisco Nunes, 14.07.07)

“Não floresceu a figueira!”
– A vara de Arão floresceu!
Meu Salvador está vivo.
Para ser meu socorro perfeito,
Deus mesmo o elegeu!

“Já não há fruto na vide!”
– Mas há na videira de Deus!
Dela sou ramo seguro,
E a seiva de vida do tronco
Circula nos seus!

“Não mais produz a oliveira!”
– Mas o óleo de Deus não tem fim.
Da plenitude que há em Cristo
Derrama ainda agora, abundante,
Também sobre mim!

“Já não há mais mantimento!”
– Mas há o pão do céu, para mim!
Dele me vem o sustento;
E a rica fatura que há nele
Jamais terá fim!

“Gado… as ovelhas… se foram!”
– Eu tenho o Cordeiro de Deus!
Seu sacrifício é perfeito.
Lavando no sangue, possuo
O reino dos céus!

Falhem-me as coisas, que importa?
Eu tenho Jesus, meu Senhor!
Nada me falta, Ele é tudo.
Minha alma se alegra e descansa
No meu Salvador!

(Mananciais no Deserto, Lettie Cowman, Editora Betânia)

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Uma Palavra Aos Pais

Arthur Pink

Uma das mais infelizes e trágicas características de nossa civilização é a excessiva desobediência aos pais por parte dos filhos, quando menores, e a falta de reverência e respeito, quando grandes. Infelizmente, isto se evidencia de muitas maneiras inclusive em famílias cristãs.

Em nossas abundantes viagens nestes últimos trinta anos, fomos recebidos em muitos lares. A piedade e a beleza de alguns deles ainda permanecem em nosso coração como agradáveis e singelas recordações. Outros lares, porém, nos transmitiram as mais dolorosas impressões. Os filhos obstinados ou mimados não apenas trazem para si mesmos perpétua infelicidade, mas também causam desconforto para todos os que se relacionam com eles e prenunciam coisas ruins para os dias vindouros.

Na maioria dos casos, os filhos são menos culpados do que os pais. A falta de honra aos pais, onde quer que a achemos, deve-se, em grande medida, aos pais afastarem-se do padrão das Escrituras. Atualmente, o pai imagina que cumpre suas obrigações ao fornecer alimento e vestuário para os filhos e, ocasionalmente, ao agir como um tipo de policial da moralidade. Com muita freqüência, a mãe se contenta em desempenhar a função de uma criada doméstica, tornando-se escrava dos filhos, realizando várias tarefas que estes poderiam fazer, para deixá-los livres em atividades frívolas, em vez de treiná-los a serem pessoas úteis. A conseqüência tem sido que o lar, o qual deveria ser, por causa de sua ordem, santidade e amor, uma miniatura do céu, degenerou-se em “um ponto de parada para o dia e um estacionamento para a noite”, conforme alguém sucintamente afirmou. Antes de esboçar os deveres dos pais em relação aos filhos, devemos ressaltar que eles não podem disciplinar adequadamente os filhos, a menos que primeiramente tenham aprendido a governar a si mesmos. Como podem eles esperar que a obstinação de suas crianças seja dominada e controladas as manifestações de ira, se eles mesmos dão livre curso a seus próprios sentimentos? O caráter dos pais é amplamente reproduzido em seus descendentes. “Viveu Adão cento e trinta anos, e gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem” (Gn 5.3). Os pais devem eles mesmos viver em submissão a Deus, se desejam obediência da parte de seus filhos. Este princípio é enfatizado muitas e muitas vezes nas Escrituras. “Tu, pois, que ensinas a outrem, não te ensinas a ti mesmo?” (Rm 2.21). A respeito do pastor ou presbítero da igreja, está escrito que ele tem de ser alguém “que governe bem a própria casa, criando os filhos sob disciplina, com todo o respeito (pois, se alguém não sabe governar a própria casa, como cuidará da igreja de Deus?)” (1Tm 3.5). E, se um homem ou uma mulher não sabem como dominar seu próprio espírito (Pv 25.28), como poderão cuidar de seus filhos? Deus confiou aos pais um solene e valoroso privilégio. Não exageramos ao afirmar que em suas mãos estão depositadas a esperança e a bênção, ou a maldição e a ruína da próxima geração.

Sua família é o berçário da Igreja e do Estado, e, de acordo com o que agora cultivam, tais serão os frutos que colherão posteriormente.

Eles deveriam cumprir seu privilégio com bastante diligência e oração. Com certeza, Deus lhes pedirá contas referente à maneira como criaram os filhos, que a Ele pertencem, sendo-lhes confiados para receberem cuidado e preservação.

A tarefa que Deus confiou aos pais não é fácil, em especial nestes dias excessivamente maus. Entretanto, poderão obter a graça de Deus, se a buscarem com sinceridade e confiança. As Escrituras nos fornecem as regras pelas quais devemos viver, promessas nas quais temos de nos apropriar e, precisamos acrescentar, as terríveis advertências, para que não realizemos essa tarefa de maneira leviana.

Instrua seu filho
Queremos mencionar aqui quatro dos principais deveres confiados aos pais. Primeiro, instruir os filhos. “Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te” (Dt 6.6,7). Este dever é sobremodo importante para ser transferido aos outros; Deus exige dos pais, e não dos professores da Escola Dominical, a responsabilidade de educar os filhos. Tampouco essa tarefa deve ser realizada de maneira esporádica ou ocasional, mas precisa receber constante atenção. O glorioso caráter de Deus, as exigências de sua lei, a excessiva malignidade do homem, o maravilhoso dom de Seu Filho e a terrível condenação que será a recompensa de todos aqueles que O desprezam e rejeitam – estas coisas precisam ser apresentadas constantemente aos filhos. “Eles são pequenos demais para entendê-las”, é o argumento de Satanás, visando a impedir os pais de cumprirem seu dever. “E vós, pais, não provoqueis vossos filhos à ira, mas criai-os na disciplina e na admoestação do Senhor” (Ef 6.4). Temos de observar que os “pais” são especificamente mencionados neste versículo, por duas razões: eles são o cabeça da família e o governo desta lhes foi confiado. Os pais são inclinados a transferir sua responsabilidade à esposa. Essa instrução deve ser ministrada pela leitura da Bíblia e de explicar aos filhos as coisas adequadas à sua idade. Isto deveria ser acompanhado de ensinar-lhes um catecismo. Um constante falar aos mais novos não se mostra tão eficiente quanto a diversificação com perguntas e respostas. Se nossos filhos sabem que serão questionados após ou durante a leitura bíblica, ouvirão mais atentamente: fazer perguntas os ensina a pensarem por si mesmos. Este método também leva a memória a reter mais os ensinos, pois o responder perguntas definidas fixa idéias específicas em nossa mente. Observe quantas vezes Jesus fez perguntas aos Seus discípulos.

Seja um bom exemplo
Segundo, boas instruções precisam ser acompanhadas de bons exemplos. O ensino proveniente apenas dos lábios provavelmente será ineficaz. Os filhos são espertíssimos em detectar inconsistências e rejeitar a hipocrisia. Neste aspecto, os pais precisam humilhar-se diante de Deus, buscando todos os dias a graça que desesperadamente necessitam e somente Ele pode dar. Que cuidado eles precisam ter, para que diante de suas crianças não digam e façam coisas que tendem a corromper-lhes a mente ou produzam más conseqüências, se elas as imitarem! Os pais necessitam estar constantemente alertas contra aquilo que pode torná-los desprezíveis aos olhos daqueles que deveriam respeitá-los e honrá-los. Não apenas devem instruir os filhos no caminho da santidade, mas eles mesmos devem andar neste caminho, mostrando por sua prática e conduta quão agradável e proveitoso é ser orientado pela lei de Deus. No lar de pessoas crentes, o supremo alvo deve ser a piedade familiar – honrar a Deus em todas as ocasiões –, e as outras coisas, subordinadas a este alvo.

Quanto à vida familiar, nem o esposo nem a esposa deve transferir para o outro toda a responsabilidade pelo aspecto espiritual da vida da família. A mãe com certeza tem a incumbência de suplementar os esforços do pai, pois os filhos desfrutam mais de sua companhia. Se existe a tendência de os pais serem muito rígidos e severos, as mães são propensas a ser muito brandas e clementes; portanto, têm de vigiar mais contra qualquer coisa que enfraquecerá a autoridade do pai. Quando este proibir alguma coisa, ela não deve consenti-la às crianças. É admirável observar que a exortação dada em Efésios 6.4 é precedida por “enchei-vos do Espírito” (5.18), enquanto a exortação correspondente em Colossenses 3.21 é precedida por “habite, ricamente, em vós a palavra de Cristo” (v. 16), demonstrando que os pais não podem cumprir seus deveres a menos que estejam cheios do Espírito Santo e da Palavra de Deus.

Discipline seu filho
Terceiro, a instrução e o exemplo precisam ser reforçados mediante a correção e a disciplina. Antes de tudo, isto implica no exercício de autoridade – a correta aplicação da lei divina. A respeito de Abraão, o pai dos fiéis, Deus afirmou: “Porque Eu o escolhi para que ordene a seus filhos e a sua casa depois dele, a fim de que guardem o caminho do SENHOR e pratiquem a justiça e o juízo; para que o SENHOR faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito” (Gn 18.19).

Pais crentes, meditem nestas palavras com cuidado. Abraão fez mais do que simplesmente dar conselhos: ele ensinou com vigor a lei de Deus e ordenou sua casa. As regras com que ele administrou seu lar tinham o objetivo de seus filhos guardarem “o caminho do SENHOR” – aquilo que era correto aos olhos de Deus. Este dever foi cumprido pelo patriarca a fim de que a bênção de Deus estivesse sobre sua família. Nenhuma família pode crescer adequadamente sem leis familiares, que incluem recompensas e castigos. Isto é especialmente importante na primeira infância, quando ainda o caráter moral não está formado e as crianças não apreciam ou entendem seus motivos morais. As regras devem ser simples, claras, lógicas e flexíveis, tais como os Dez Mandamentos – poucas, mas relevantes regras morais, em vez de centenas de restrições insignificantes.

Uma das maneiras de provocarmos desnecessariamente nossos filhos à ira é atrapalhá-los com muitas restrições insignificantes e regras detalhadas e arbitrárias, procedentes de pais perfeccionistas. É de vital importância para o bom futuro dos filhos que estes sejam trazidos em submissão desde cedo. Uma criança malcriada representa um adulto ímpio – nossas prisões estão superlotadas com pessoas que tiveram a liberdade de seguir seu próprio caminho durante a infância. A mais leve ofensa de uma criança quebrando as regras do lar não deve ficar sem a devida correção; pois, se ela achar clemência ao transgredir uma regra, esperará a mesma clemência em relação a outras ofensas, e sua desobediência se tornará mais freqüente, até que os pais não tenham mais controle, exceto por meio do exercício de força brutal. O ensino das Escrituras é claro quanto a este assunto: “A estultícia está ligada ao coração da criança, mas a vara da disciplina a afastará dela” (Pv 22.15; ver também 23.13,14). Por isso, Deus afirmou: “O que retém a vara aborrece a seu filho, mas o que o ama, cedo, o disciplina” (13.24). E, ainda: “Castiga a teu filho, enquanto há esperança, mas não te excedas a ponto de matá-lo” (19.18). Não permita que uma afeição insensata o impeça de cumprir seu dever. Com certeza, Deus ama os filhos Dele com um sentimento paternal mais profundo do que você ama seus filhos, mas Ele nos diz: “Eu repreendo e disciplino a quantos amo” (Ap 3.19; cf. Hb 12.6). “A vara e a disciplina dão sabedoria, mas a criança entregue a si mesma vem a envergonhar a sua mãe” (Pv 29.15).

A severidade tem de ser utilizada nos primeiros anos de uma criança, antes que a idade e a obstinação endureçam-na contra o temor e a pungência da correção. Poupe a vara e você arruinará seu filho; não a utilize e terá de sofrer as conseqüências. É quase desnecessário salientar que as Escrituras citadas anteriormente não têm o propósito de incutir-nos a idéia de que nosso lar deve ser caracterizado por um reino de terror. Os filhos podem ser governados e disciplinados de tal maneira que não percam o respeito e a afeição pelos pais. Estejamos atentos para não estragar-lhes o temperamento, por fazer exigências ilógicas e provocá-los à ira, por castigá-los expressando nossa própria ira. O pai tem de punir um filho desobediente, não porque ficou bravo, e sim porque é correto fazer isso – Deus o exige, bem como a rebeldia de seu filho. Nunca faça uma ameaça se não tenciona cumpri-la.

Lembre que estar bem informado é bom para seu filho, mas ser bem controlado é ainda melhor. Esteja atento às inconscientes influências que cercam seu filho. Estude meios para tornar seu lar atraente, não pela utilização de recursos carnais e mundanos, mas por servir-se de ideais nobres, por incutir-lhes um espírito de altruísmo e desenvolver uma comunhão agradável e feliz. Não permita que seus filhos se associem a más companhias. Verifique cautelosamente as revistas e livros que entram em seu lar, observe os amigos que ocasionalmente seus filhos convidam para vir ao lar e as amizades que eles estabelecem. Antes mesmo de o reconhecerem, muitos pais permitem aos filhos relacionarem-se com pessoas que arruínam a autoridade paternal, transtornam seus ideais e semeiam frivolidade e pecado.

Ore por seus filhos
Quarto, o último e mais importante dever, no que se refere ao bem-estar físico e espiritual de seus filhos, é a intensa súplica a Deus em favor deles. Sem isto, todos os outros deveres são ineficazes. Os meios são inúteis, exceto quando o Senhor os abençoa. O trono da graça tem de ser fervorosamente buscado, para que sejam coroados de sucesso os nossos esforços em educar os filhos para a glória de Deus. É verdade que precisa haver uma humilde submissão à soberana vontade de Deus, um prostrar-se ante a verdade da eleição. Por outro lado, o privilégio da fé consiste em apropriar-se das promessas divinas e em recordar que a ardente e eficaz oração de um justo produz muitos resultados. A Bíblia nos diz que o piedoso Jó “chamava… a seus filhos e os santificava; levantava-se de madrugada e oferecia holocaustos segundo o número de todos eles” (1.5). Uma atmosfera de oração deve permear o lar e ser respirada por todos os que dele compartilham.

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Oração

O segredo de uma vida de oração

E. M. Bounds

Os grandes mestres da doutrina cristã tem encontrado sempre na oração a fonte mais elevada de iluminação. Para não passar dos limites da Igreja Anglicana, diz-se do Bispo Andrews que passava cinco horas diárias sobre os joelhos. Tem-se chegado às maiores resoluções práticas que têm enriquecido e aformoseado a vida humana nos tempos cristãos por meio da oração.

(Cannon Liddon).

Ainda que muitas orações privadas, por sua própria natureza, têm de ser curtas; ainda que a oração pública, como regra, deva ser condensada; ainda que tem seu valor e lugar a oração breve, contudo, em nossas comunhões privadas com Deus o tempo tem um valor essencial. Muito tempo passado com Deus é o segredo da oração eficaz. A oração que se converte em força poderosa é o produto imediato de largas horas passadas com Deus. Nossas orações pequenas devem seu alcance e eficiência às orações extensas que as tem precedido. Uma oração curta não pode ser eficaz se o que a faz não tem tido uma luta contínua com Deus. A vitória da fé de Jacó não se haveria efetuado sem essa luta de toda a noite. Não se adquire o conhecimento de Deus com pequenas e inopinadas visitas. Deus não derrama Seus dons sobre os que vem vê-Lo por casualidade ou às pressas.

A comunhão constante com Deus é o segredo para conhecê-Lo e para ter influência com Ele. O Senhor cede ante a persistência de uma fé que O conhece. Confere Suas bênçãos mais ricas aos que manifestam desejo e estima por estes bens, tanto pela constância como pelo fervor de sua importunidade. Cristo, que nisto, como em tudo, é nosso Modelo, passou noites inteiras em oração. Seu costume era orar muito. Tinha um lugar habitual de oração. Largos períodos de tempo em oração formaram Sua história e Seu caráter. Paulo orava dia e noite. Daniel, no meio de importantes ocupações, orava três vezes ao dia. As orações de Davi de manhã, ao meio-dia e à noite eram indubitavelmente mui prolongadas em muitas ocasiões. Ainda que não saibamos exatamente o tempo que estes santos da Bíblia passaram em oração, temos indicações de que lhe dedicaram boa parte dele e, em algumas ocasiões, foi seu costume consagrar-lhe largos períodos da manhã.

Não queremos que se pense por isto que o valor das orações tem de ser medido com o relógio, senão que desejamos recalcar a necessidade de estar longo tempo a sós com Deus; se nossa fé não tem produzido este distintivo, se deve ao fato de que é uma fé débil e superficial. Os homens que, em seu caráter se têm assemelhado a Cristo e que têm impressionado o mundo com ele, são os que têm passado tanto tempo com Deus, que este hábito se tornou uma característica notável de sua vida. Charles Simeon dedicava das quatro às oito horas da manhã a Deus. O senhor Wesley passava duas horas diárias em oração. Começava às quatro horas da manhã. Uma pessoa que o conheceu bem escreveu: “Tomava a oração como sua ocupação mais importante, e se lhe via sair depois de suas devoções com uma serenidade no rosto que quase resplandecia”. John Fletcher molhava as paredes de seu quarto com o alento de suas orações. Algumas vezes orava toda a noite; sempre, freqüentemente, com grande fervor. Toda sua vida foi uma vida de oração. “Não me levantarei de meu assento” – dizia – “sem elevar meu coração a Deus.” A experiência de Lutero era esta: “Se deixo de passar duas horas em oração cada manhã, o inimigo obtém a vitória durante o dia; tenho muitos assuntos que não posso despachar sem ocupar três horas diárias de oração”. Seu lema era: “O que tem orado bem tem estudado bem”.

O arcebispo Leighton acostumava estar tanto tempo a sós com Deus que sempre parecia encontrar-se em uma meditação perpétua. “A oração e adoração constituíam sua ocupação e prazer”, disse seu biógrafo. O bispo Ken passava tanto tempo com Deus que se dizia que sua alma estava enamorada do Senhor. Estava na presença do Altíssimo antes que o relógio desse as três da manhã. O bispo Asbury se expressava assim: “Procuro tão freqüentemente como me é possível levantar-me às quatro da manhã e passar duas horas em oração e meditação”. Samuel Rutherford, cuja piedade ainda deixa sentir sua fragrância, se levantava de madrugada para comunicar-se com Deus em oração. Joseph Alleine deixava o leito às quatro da manhã para ocupar-se na oração até às oito. Caso ouvisse que alguns artesãos haviam começado a trabalhar antes de que ele houvesse levantado, exclamava: “Quão envergonhado estou! Não merece meu Mestre mais do que o deles?’. O que conhece bem esta classe de ações tem a sua disposição o banco inextinguível dos céus. Um pregador escocês, dos mais piedosos e ilustres, dizia: “Meu dever é passar as melhores horas em comunhão com Deus. Não posso abandonar em um canto o assunto mais nobre e proveitoso. Emprego as primeiras horas da manhã, das seis às oito, porque durante elas não há nenhuma interrupção. O melhor tempo, a hora depois da merenda, o dedico somente a Deus. Não descuido o bom hábito de orar antes de deitar, porém ponho cuidado para que o sonho não me venha. Quando desperto na noite devo levantar-me e orar. Depois do café da manhã, dedico alguns momentos à intercessão”. Este era o plano de oração que seguia Robert M’Cheyne. A famosa sociedade de oração metodista nos envergonha: “Das cinco às seis da manhã e das cinco às seis da tarde, oração privada”. John Wech, o santo e maravilhoso pregador escocês, considerava mau empregado o dia se não havia dedicado oito ou dez horas dele a orar. Tinha uma beca para envolver-se na noite quando se levantava a orar. Lamentando-se sua esposa por encontrá-lo no solo chorando, a contestava: “Oh, mulher, tenho de responder por três mil almas e não sei o que passa com muitas delas!”
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Vida cristã

Um Novo Coração

Charles Haddon Spurgeon

“Dar-vos-ei coração novo e porei dentro de vós espírito novo; tirarei de vós o coração de pedra e vos darei coração de carne” (Ezequiel 36.26).

Você notará… Deus não tem prometeu aperfeiçoar nossa natureza ou remendar nosso coração partido. Não, Sua promessa consiste em nos dar um novo coração e um espírito de retidão. A natureza humana está muito longe de ser apenas melhorada. Não é como uma casa que precisa de pequenos reparos, tais como substituir uma telha ou fazer um reboco no teto. Não! Ela está completamente corrompida. Até seu alicerce está arruinado. Do teto ao alicerce, não há uma viga sequer que não tenha sido comida pelos cupins. Não existe mais solidez, está toda apodrecida e pronta para desabar. Deus não faz tentativas ou experimentos com o homem; Ele não escora as paredes com estacas ou pinta novamente as portas; não ornamenta e embeleza, mas determina que a velha casa seja completamente derrubada e uma nova seja construída em seu lugar. Como já mencionei, isto é mais do que ser restaurada ou melhorada. Se apenas algumas peças estivessem em mau estado, poderiam ser consertadas. Se tão somente uma ou duas engrenagens desta grande máquina chamada “humanidade” estivessem quebradas, o Criador colocaria tudo em ordem. Trocaria as peças quebradas, substituiria a roda danificada, e a máquina voltaria a trabalhar. Pelo contrário, os reparos são necessários por toda parte; não há sequer uma alavanca que não esteja quebrada ou eixo sem estragos; nenhuma das engrenagens funciona corretamente. A cabeça toda está doente e o coração completamente debilitado. Da sola dos pés à cabeça, a raça humana está toda infestada de chagas e feridas pútridas. Por isso, o Senhor, não pensa em apenas um simples reparo. Ele faz tudo completamente novo!

(Extraído de Textos da Reforma)

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Vida cristã

O Vento em Nosso Rosto

A. W. Tozer
“Deus vos chamou para o lado de Cristo”, escreveu o piedoso Rutherford, “e agora o vento está dando no rosto de Cristo nesta terra; e, vendo que estais com Ele, não podeis esperar abrigo a sotavento ou do lado ensolarado da escarpa.”

Com a bela sensibilidade para as palavras que caracterizava a mais casual declaração de Samuel Rutherford, ele aqui cristaliza para nós um dos grandiosos fatos radicais da vida cristã: o vento está soprando no rosto de Cristo e, porque O acompanhamos, também temos o vento em nosso rosto. Não devemos esperar menos.

O anseio pelo abrigo ensolarado é deveras natural, e, para as criaturas sensíveis que somos, é inteiramente desculpável, suponho eu. Ninguém gosta de andar no vento frio. Contudo, a Igreja vem tendo de marchar com o vento dando em seu rosto ao longo dos séculos.

Em nossa avidez por conseguir conversos, temo que ultimamente pese sobre nós a culpa de usar a técnica do vendedor moderno, que geralmente apresenta só as qualidades desejáveis de um produto e ignora o restante. Vamos às pessoas e lhes oferecemos um lar confortável no lado ensolarado da escarpa. Se tão-somente aceitarem a Cristo, Ele lhes dará paz mental, solucionará seus problemas e negócios, protegerá suas famílias e as manterá felizes o tempo todo. Elas acreditam em nós e vêm, e o primeiro vento frio as envia arrepiadas a algum conselheiro para ver o que está errado; e essa é a última notícia que temos de muitas delas.

Os ensinamentos de Cristo revelam que Ele é realista no melhor sentido da palavra. Em parte nenhuma dos evangelhos encontramos algo que seja visionário ou exageradamente otimista. Ele dizia toda a verdade aos Seus ouvintes e deixava que eles formassem sua opinião. Ele podia entristecer-se com a retirada de um interessado que não podia enfrentar a verdade; nunca porém corria atrás dele para tentar ganhá-lo mediante róseas promessas. Ele queria que O seguissem sabendo o preço, ou, se não, deixava que seguissem seus próprios caminhos.

Isto é simplesmente dizer que Cristo é honesto. Podemos confiar Nele. Ele sabe que nunca será popular entre os filhos de Adão, e sabe que Seus seguidores não precisam esperar popularidade. O vento que sopra em Seu rosto será sentido por todos quantos viajam com Ele, e nós não somos intelectualmente honestos quando procuramos ocultar-lhes esse fato.

Oferecendo aos nossos ouvintes um evangelho doce e leve, e prometendo a todo aquele que o recebe um lugar na encosta ensolarada da colina, não apenas os enganamos cruelmente, mas também garantimos alto índice de acidentes entre os conversos obtidos mediante essas condições. Em certos campos estrangeiros foi cunhada a expressão “cristãos com arroz” para descrever os que adotam o cristianismo por algum lucro. O missionário experimentado sabe que o converso que tem de pagar alto preço por sua fé em Cristo é que perseverará até o fim. Ele começa já com o vento a soprar-lhe no rosto, e se a tempestade ficar mais forte, ele não retrocederá, porquanto foi preparado para suportá-la.

Abaixando o preço do discipulado, estamos produzindo cristãos com arroz às dezenas de milhares, precisamente aqui, no continente americano. Os que lembram dos tempos passados, lembrar-se-ão da explosão do comércio de terras na Flórida há poucos anos, quando alguns inescrupulosos corretores de imóveis ficaram ricos vendendo grandes extensões de pântanos cheios de jacarés a preços fantásticos a nortistas ingênuos. Agora mesmo há uma explosão no setor dos bens religiosos, na encosta ensolarada da colina. Milhares estão investindo e uns poucos empresários estão ficando ricos; mas quando o público descobrir o que comprou, alguns desses empresários terão de abandonar o negócio. E isso pode não acontecer tão cedo.

O que terá Cristo para oferecer-nos, que seja seguro, genuíno e desejável? Ele oferece perdão dos pecados, purificação interior, paz com Deus, a vida eterna, o dom do Espírito Santo, vitória sobre a tentação, a ressurreição dos mortos, um corpo glorificado, a imortalidade e um lugar de moradia na casa do Senhor para sempre. Estes são alguns dos benefícios que nos vêm como resultado da fé em Cristo e da entrega total a Ele. Acrescentamos a estes as maravilhas ascensionais e as crescentes glórias que virão a ser nossas por meio das imensas extensões da eternidade, e teremos uma imperfeita idéia do que Paulo denominou “insondáveis riquezas de Cristo” (Ef 3.8).

Aceitar o chamamento de Cristo muda de fato o pecador que a Ele se entrega, mas não muda o mundo. O vento continua soprando em direção ao inferno, e o homem que caminhar na direção oposta terá o vento batendo no rosto. E é melhor levar isto em conta quando ponderarmos as realidades espirituais. Se as insondáveis riquezas não merecem que por elas soframos, é bom saber disso agora e parar de brincar de religião.

Quando o rico e jovem governante soube do preço do discipulado, retirou-se triste. Não pôde renunciar à encosta ensolarada da colina. Mas, graças sejam dadas a Deus, em cada época existem alguns que se negam a retroceder. O livro de Atos dos Apóstolos é a história de homens e mulheres que expunham o rosto ao rijo vento da perseguição e do prejuízo, e seguiam o Cordeiro aonde quer que Ele fosse. Sabiam que o mundo odiou a Cristo sem motivo, e os odiava por causa Dele; mas pela glória que lhes foi proposta, continuaram resolutos pelo caminho.

Talvez se possa reduzir a coisa toda a uma simples questão de fé e incredulidade. A fé vê de longe a vitória de Cristo e se dispõe a suportar toda e qualquer dificuldade para participar dela. A incredulidade não está segura de coisa alguma, exceto que odeia o vento e aprecia a encosta ensolarada da colina. Cada pessoa terá de decidir-se sozinha, se poderá arcar ou não com o terrível fausto da incredulidade.

(Extraído de Textos da Reforma)

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Igreja

O Cristianismo Liberal Está Pagando os Seus Pecados

Convicções não-ortodoxas sobre o casamento gay e supostas doutrinas sexistas estão esvaziando as igrejas.

Por Charlotte Allen, editora de catolicismo do site www.beliefnet.com, autora do livro The human Christ: the search for the historical Jesus (“O Cristo humano: a busca pelo Jesus histórico”). Julho/2006.

Quando olhamos para as discussões e para a acelerada fragmentação da Igreja Episcopal nos EUA, da qual diversas paróquias, e até mesmo algumas dioceses, estão se desligando, não estamos falando apenas de bispos gays, da bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo ou da eleição de uma mulher como bispa presidente. Estamos falando também do desmantelamento da igreja cristã.

Abraçado pela liderança de todas as principais denominações protestantes, assim como por uma boa parte do Catolicismo nos EUA, o cristianismo liberal tem sido proclamado pelos seus entusiastas nos últimos 40 anos como o futuro da igreja cristã.

Ao contrário, como já admitem todos menos alguns poucos teimosos, todas as principais igrejas e movimentos interdenominacionais que relativizaram a doutrina e suavizaram princípios morais estão diminuindo em número e, no caso da Igreja Episcopal, desintegrando-se.

Não é apenas uma coincidência: Mais ou menos na mesma época em que os episcopais, na convenção geral de Columbus, Ohio, desdenhavam uma diretiva da Comunhão Anglicana Mundial que afirmava que a igreja estava “arrependida” de ter confirmado três anos antes a ordenação do bispo declaradamente gay V. Gene Robinson de New Hampshire, a Igreja Presbiteriana nos EUA, na sua assembléia geral em Birmingham, Alabama, tornou-se motivo de piada da blogosfera ao aprovar tacitamente designações alternativas para a supostamente sexista trindade cristã: Pai, Filho e Espírito Santo. Entre os nomes sugeridos constavam “Mãe, Filho/a e Ventre”, e “Pedra, Redentor/a e Amigo/a”[1]. Pegando o embalo dos revisionistas presbiterianos, o blogger Rod Dreher, do site www.beliefnet.com promoveu o concurso “Batize a Trindade”. Entre as respostas constavam “Pedra, Tesoura e Papel” e “Larry, Curly e Moe” (os Três Patetas).

Seguindo o exemplo dos episcopais, os presbiterianos também votaram a favor de deixar a critério das congregações locais a decisão de ordenar pastores gays e lésbicas que morassem com seu/sua parceiro/a, e endossaram a legalização da maconha para fins médicos. (Esta última decisão pode até ser uma boa idéia, mas é difícil entender por que uma denominação cristã deveria deliberar sobre isto).

A Igreja Presbiteriana dos EUA é famosa pela sua conferência de 1993, co-patrocinada pela Igreja Metodista Unida, a Igreja Evangélica Luterana na América e outras igrejas tradicionais, na qual os participantes “reimaginavam” Deus como “A Nossa Criadora Sofia” e praticavam um ritual feminista do “leite e mel”, com o objetivo de substituir a ceia tradicional do pão e do vinho.

Como se para disputar com os presbiterianos quem conseguia jogar fora mais elementos milenares da fé cristã, os Episcopais em Columbus surpreendentemente se recusaram até mesmo a considerar uma resolução que afirmava que Jesus Cristo é Senhor. Quando uma igreja cristã não consegue endossar uma declaração teológica básica encontrada diversas vezes no Novo Testamento, ela não é uma igreja cristã séria. Ela é uma Igreja da Moda, que dá uma licença de bem estar a qualquer coisa que os elementos liberais da sociedade secular considerem permissível ou politicamente correto.

Você quer fazer sexo gay? Mudar o nome de Deus para Sofia? Vá adiante. A recém-eleita bispa presidente episcopal, Katharine Jefferts Schori, é uma combinação única de todas essas coisas: Ela votou a favor de Robinson, abençoou uniões do mesmo sexo na diocese de Nevada, orou para um Jesus fêmea na convenção de Columbus, e convidou o antigo bispo de Newark, New Jersey, John Shelby Spong, famoso por negar a divindade de Cristo, para falar aos seus sacerdotes.

Quando uma igreja não se leva a sério, os seus membros também não a levam. É difícil acreditar que há tão pouco tempo, em 1960, membros das igrejas tradicionais – Episcopais, Presbiterianos, Metodistas, Luteranos e assim por diante – representavam 40% de todos os protestantes estadunidenses. Hoje, está mais para 12% (17 milhões entre 135 milhões). Uma parte do declínio acelerado se deve à queda das taxas de natalidade entre os tradicionais, geralmente democratas, mas também é óbvio que milhões de cristãos tradicionais (e especialmente os seus filhos) simplesmente abandonaram os bancos da igreja para nunca mais voltar. De acordo com o Instituto Hartford para a Pesquisa da Religião, em 1965 haviam 3,4 milhões de episcopais; hoje, são 2,3 milhões. O número de presbiterianos caiu de 4,3 milhões em 1965 para 2,5 milhões hoje. Compare isso com os 16 milhões de membros que os Batistas do Sul oficialmente têm.

Quando uma religião diz “tanto faz” para as questões doutrinárias, considera Jesus como apenas mais um mestre sábio, recusa-se por princípio a evangelizar e deixa os seus membros fazerem praticamente o que quiserem, é apenas um pequeno passo até eles decidirem que uma das coisas que eles não querem fazer é levantar domingo de manhã e ir para a igreja.

O sociólogo Rodney Stark (The Rise of Christianity) e o historiador Philip Jenkins (The Next Christendom) defendem que quanto maiores as demandas éticas e doutrinárias mais profundo é o compromisso dos fiéis a uma fé. As igrejas evangélicas e pentecostais, que pregam a moralidade bíblica, não têm nenhum problema em afirmar que Jesus é o Senhor, e geralmente evitam ordenar mulheres. Essas igrejas estão crescendo firmemente, tanto nos Estados Unidos quanto no resto do mundo.

Apesar da freqüência dominical média a uma igreja episcopal ser de 80 pessoas, a Igreja Episcopal, como um todo, tem condições financeiras para continuar por algum tempo, graças ao seu inventário de terras, fruto dos seus anos dourados, e à renda proveniente dos dias (passados!) em que ela era o Partido Republicano em oração. Alem do mais, ela tem compensado algumas de suas perdas atraindo católicos liberais desafetos e gays e lésbicas. A situação da menos endinheirada Igreja Presbiteriana dos EUA é mais complicada. Logo antes da sua assembléia geral em Birmingham, ela anunciou que cortaria 75 empregos para conseguir uma redução orçamentária de US$9,15 milhões no seu escritório central, o terceiro corte de empregos nos últimos quatro anos.

Os episcopais têm perfumes, sinos, almofadas rendadas e bispos coloridos e ornamentados, do tipo católico, como atrativos. Mas quem, nas atuais circunstâncias, quer virar presbiteriano?

Ainda assim, deve ser humilhante para os liberais episcopais o fato de muitas das paróquias e dioceses que querem se desligar da Igreja Episcopal nos EUA (incluindo a de San Joaquin, na Califórnia) estão crescendo, e não diminuindo, têm membros ativos nos seus bancos, que pagam pela manutenção das suas igrejas e não ficam na dependência de ricos defuntos. A Igreja Episcopal de Cristo, em Plano, Texas, de 21 anos, por exemplo, é uma das maiores igrejas episcopais no país. As 2.200 pessoas que freqüentam os seus cultos todos os domingos equivalem mais ou menos ao número de episcopais ativos em toda a diocese de Nevada, sob o comando de Jefferts Schori.

Não é nenhuma surpresa a Igreja de Cristo, assim como outras paróquias dissidentes, pregar uma teologia bastante conservadora. A sua ruptura da igreja nacional veio depois de Rowan Williams, arcebispo de Cantuária e chefe da Comunhão Anglicana, propor uma estrutura em dois níveis de membresia, na qual a Igreja Episcopal nos EUA e outras igrejas que se negam a aderir a padrões bíblicos tradicionais teriam um status de “associados” na Comunhão. Os dissidentes esperam manter a comunicação plena com Cantuária ao se submeterem à supervisão de bispos anglicanos não estadunidenses.

Quanto ao resto dos Episcopais, eles nos lembram a expressão “rearranjar as cadeiras no convés do Titanic”. Vários sites episcopais liberais hoje são dedicados a ofender Peter Akinola, eloqüente primaz da diocese anglicana da Nigéria que, assim como a vasta maioria dos 77 milhões de anglicanos no mundo – de acordo com dados da Comunhão Anglicana – acredita que “as práticas homossexuais” são “incompatíveis com as Escrituras” (essas palavras são da resolução de 1998 da Comunhão, na conferência dos bispos em Lambeth). Akinola pode ter a maioria ao seu lado, mas ele é agora o Voldemort – não, melhor, o Karl Rove[2] – do mundo episcopal estadunidense. Outros liberais estão irados com uma simples resolução de última hora de Columbus, pedindo que a igreja “se restrinja” de consagrar bispos cujo estilo de vida possa ofender “a igreja maior” – uma resolução imediatamente ignorada quando um segundo homem gay, que mora publicamente com outro homem, foi nominado bispo de Newark.

Então esse é o cristianismo liberal que era para ser o cristianismo do futuro: confusão, cismas, queda vertiginosa do número de membros, um colapso da cristologia e encontros nacionais que competem com os da Modern Language Association (“Associação da Língua Moderna”) para ver quem tem maior potencial de piadas. E eles continuam dizendo para a Igreja Católica que é melhor ela adotar o programa liberal – ordenar mulheres, abençoar casamentos gays, e assim por diante – ou morrer. Tá bom, então…

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[1] Nota do Tradutor: No original em inglês, não há designação de gêneros nos termos usados.
[2] Nota do Tradutor: Voldemort é o arquiinimigo do Harry Potter. Karl Rove é “Deputy Chief of Staff” do governo George W. Bush.

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Vida cristã Watchman Nee

A justiça de Deus

Nos primeiros capítulos, vimos que o homem pecou e que a salvação de Deus é baseada no fato de o homem ter pecado. Se o homem não tivesse pecado, não haveria necessidade de salvação. Uma vez que o homem pecou, Deus deu a lei para mostrar-lhe que ele pecou. A lei de Deus veio ao mundo a fim de que as transgressões humanas abundassem. No princípio, o homem tinha apenas pecado; ele não tinha transgressões. Mas quando a lei veio, o homem não só possuía pecado, mas também transgressões. Após transgredir, o homem percebe que é um pecador. Graças ao Senhor, porque apesar de termos pecado e transgredido, Deus, que é amor, propôs-se a dar-nos graça e misericórdia. Ele propôs fazer algo para nós a fim de resolver os problemas que não podemos resolver por nós mesmos.

Neste capítulo, contudo, devemos ver algo mais. Apesar de Deus nos amar e mostrar-se misericordioso para conosco e apesar de pretender plenamente nos dar graça, há algo que torna muito difícil para Deus fazê-lo. Deus não pode conceder-nos graça instantaneamente; Ele não pode dar-nos vida eterna diretamente. Há um dilema que Deus deve resolver antes de poder conceder-nos graça. O problema, o qual a Bíblia menciona freqüentemente, é a própria justiça de Deus.

A expressão justiça de Deus tem confundido muitos teólogos há séculos. Se lermos a Bíblia sem conceitos nocivos ou noções preconcebidas, Deus nos mostrará o que é a Sua justiça. Podemos ver essa questão claramente sem muita dificuldade. Neste capítulo, desejamos ver, pela graça de Deus, o que é a justiça de Deus. Em outras palavras, esperamos ver a dificuldade que Deus encontra quando Ele nos salva.

Sua Salvação Combinada com Sua Justiça

Se Deus vai salvar-nos, Ele deve fazê-lo de modo que combine ou se ajuste a Ele mesmo. Se Deus vai dar-nos salvação, Ele não pode dar-nos de maneira que contrarie Sua natureza, Seu método e Sua maneira. Somos pecadores cheios de transgressões e, por isso, não temos nenhuma noção de justiça. Se quiséssemos ser salvos, provavelmente usaríamos todos os meios possíveis, quer retos ou tortuosos, bons ou maus. Tentaríamos mil e uma maneiras para sermos salvos. Desde que sejamos salvos de alguma maneira, isso já nos basta. Não nos preocupamos se o procedimento é adequado ou se o método está certo. Desde que sejamos salvos, estamos satisfeitos. Nem mesmo atentamos de onde vem a salvação e se está ou não certa. Nesse sentido somos como ladrões. O que preocupa um ladrão é conseguir dinheiro. Ele não se preocupa de onde o dinheiro vem. Desde que ganhe dinheiro, fica satisfeito. Ele não tem o conceito do certo e do errado; ele não tem o conceito de justiça e de injustiça. Mas devemos perceber que a salvação não é somente uma questão de sermos salvos, mas de Deus salvar-nos. Embora desejemos ser satisfeitos não importando como somos salvos, Deus não pode dizer que tudo o que implica na salvação se resume em salvar-nos, sem se importar se a maneira pela qual somos salvos está correta ou não. Deus, sem dúvida, deseja dar-nos graça e salvar-nos. Indubitavelmente, Ele quer dar-nos Sua vida. Deus é cheio de amor, e Ele está mais do que desejoso de que sejamos salvos. Mas se Deus vem salvar-nos, Ele tem de fazê-lo de modo excelente. Por isso, o fato de Deus nos salvar é um grande problema. Deus realmente deseja salvar os homens. Mas qual o método a ser usado por Ele para que o homem possa ser salvo da maneira justa? Que método há que seja o mais racional? Que método há que se compare com Sua própria dignidade? É fácil ser salvo, mas é difícil ser salvo justamente. Eis por que a Bíblia fala muito sobre a justiça de Deus. Ela nos diz repetidamente que Deus salva o homem de maneira compatível com Sua justiça.

Que é a justiça de Deus? A justiça de Deus é o modo de Deus agir. Amor é a natureza de Deus, santidade é a disposição de Deus e glória é o próprio ser de Deus. Justiça, no entanto, é o proceder de Deus, Sua maneira e Seu método. Uma vez que Deus é justo, Ele não pode amar o homem meramente conforme o Seu amor. Ele não pode conceder graça ao homem meramente conforme Ele quer. Ele não pode salvar o homem meramente conforme o desejo do Seu coração. É verdade que Deus salva o homem porque o ama. Mas Ele deve fazê-lo de um modo que esteja de acordo com Sua justiça, Seu proceder, Seu padrão moral, Sua maneira, Seu método, Sua dignidade e Sua majestade.

Sabemos que para Deus é fácil salvar o homem. Mas não é fácil para Deus salvá-lo de maneira justa. Apenas imagine quão fácil seria para Deus salvar-nos se a questão da justiça não fosse um problema. Não haveria dificuldade alguma. Se Deus não nos amasse, nada poderia ser feito por nós e tudo seria sem esperança. Mas Deus nos amou e teve misericórdia de nós. Além disso, Ele pretende dar-nos graça. Se a justiça não contasse, Deus poderia dizer: “Você pecou? tudo bem, apenas não cometa o erro novamente”. Deus, assim, poderia ignorar nossos pecados. Ele poderia dispensar-nos e mandar-nos embora. Se Deus não julgasse o pecado do pecador e tratasse seus pecados conforme a lei, mas perdoasse descuidadamente, onde então estaria Sua justiça? Aqui reside a dificuldade.

Algum tempo atrás, um irmão se envolveu numa questão complicada e foi posto na prisão pelo governo. Eu sabia que, embora ele não estivesse completamente sem culpa, o erro era realmente de outra pessoa. Por causa disso, quis ajudá-lo. Fui até Nanquim e conversei com algumas pessoas que estavam envolvidas no caso. Eu lhes falei sobre a situação e pedi-lhes que ajudassem em alguma coisa. Éramos nove ali e todos éramos muito ocupados. Tivemos nove reuniões num período de onze dias, tentando descobrir um modo de ajudar aquele homem. Finalmente, todas essas pessoas admitiram que tinham a maneira e a autoridade para livrá-lo, mas não poderiam fazê-lo sem incriminar a si mesmos. Então, tivemos de achar um modo de libertar o homem que fosse, ao mesmo tempo, legal.

Sem dúvida alguma, Deus é cheio de amor para conosco. Deus quer salvar-nos. Mas Ele também deseja fazê-lo legalmente. Se não nos salvar legalmente, Ele não pode salvar-nos de maneira nenhuma. O amor de Deus é limitado por Sua justiça. Deus não pode agir contrariamente a Si próprio e declarar irresponsavelmente que nossos pecados estão apagados, que tudo está bem e que podemos considerar-nos livres. Se Deus nos perdoasse de modo irresponsável, que lei, que justiça e que verdade seriam deixadas no universo? Tudo isso estaria acabado.

É verdade que Deus nos quer salvar, e é verdade que precisamos ser salvos. A questão é se há ou não injustiça em sermos salvos. Há muitos hoje que aceitam subornos e são parciais por causa dos relacionamentos particulares. Eles sempre ajudam os outros, e os outros sempre recebem benefícios deles; mas todos concordamos que essas pessoas não são adequadas. Elas não são justas, mas corruptas. Elas podem ter muito amor, mas o que fazem não é correto. Deus não pode salvar-nos à custa de se envolver em injustiça. Deus deve salvar-nos preservando Sua justiça. Para Deus é importante salvar-nos, mas deve fazê-lo de acordo com Sua justiça. Deus poderia salvar-nos imediatamente com Seu amor. Mas também deve salvar-nos de maneira muito justa.

Como isso pode ser feito? Para Deus não é uma questão fácil salvar-nos sem violar Sua justiça. Como pode Deus justificar pecadores sem cometer injustiça? Como pode Deus salvar pecadores sem envolver-se em injustiça? Como Deus pode perdoar nossos pecados de maneira justa? Deus quer salvar-nos, mas Ele quer que sejamos capazes de dizer ao mesmo tempo que recebemos Sua vida e fomos salvos porque Ele nos justificou da maneira mais justa.

A Salvação de Deus para a Demonstração da Sua Justiça

Há um livro na Bíblia, o livro de Romanos, que nos diz como Deus trata especificamente com esse problema. Vejamos Romanos 3:25-26, começando com a segunda parte do versículo 25: “Para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos; tendo em vista a manifestação da sua justiça no tempo presente, para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus”. Aqui tenho de acrescentar uma palavra. Algumas versões cometem um erro ao traduzir o versículo 25. Elas traduzem: “Para declarar Sua justiça para a remissão de pecados passados, pela tolerância de Deus”. Mas a palavra para não deveria ser usada nesse versículo. Em vez disso, deveria dizer: “Para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixado impunes os pecados anteriormente cometidos”. Além disso, no versículo 26, a palavra e deveria ser entendida como união de duas coisas que ocorrem ao mesmo tempo. Assim, esta sentença deveria ser entendida desta maneira: “Para ele mesmo ser justo e o justificador daquele que tem fé em Jesus”. Enquanto Deus justifica os que crêem em Jesus, Ele demonstra ser justo, e o homem deve reconhecê-Lo como justo.

O versículo 25 trata de problemas passados; o versículo 26 trata de problemas presentes. Os problemas passados referem-se ao povo da época do Antigo Testamento. Os problemas presentes relacionam-se ao povo da época do Novo Testamento. O versículo 25 trata de questões do Antigo Testamento. O versículo 26 trata de questões do Novo Testamento. As pessoas da época do Antigo Testamento transgrediram a lei por quatro mil anos. Elas eram cheias de pecados e transgressões. Mas Deus não as destinou à perdição ou destruição imediata. Naqueles quatro mil anos, dia após dia, Deus tolerou e deixou impunes os pecados previamente cometidos. Não vemos o lago de fogo imediatamente após o jardim do Éden. Embora Deus dissesse ao homem que no dia em que ele comesse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal certamente morreria (Gn 2:17), quando Adão comeu o fruto, ele não foi imediatamente para o lago de fogo. Por quê? Porque Deus deixou impunes os pecados da época do Antigo Testamento; Ele exerceu Sua tolerância sobre eles. Deus tolerou e deixou impunes os pecados cometidos pelo homem no passado. Mas uma questão se levanta imediatamente: Deus foi justo ao tolerar e deixar impunes os pecados humanos no Antigo Testamento? Qual foi o propósito de Deus em fazer isso? Na verdade, ao deixar impunes os pecados do homem e tolerá-los, Deus estava manifestando Sua justiça.

Deus não quer que pensemos que após sermos salvos, nossa salvação é ilegal. Deus não gostaria que o homem acolhesse tais críticas. Deus quer mostrar-nos que nada há de ilegal ou injusto em Seus caminhos. Quanto aos pecados da época do Antigo Testamento, Ele diz que Sua tolerância e Sua indulgência foram para demonstrar a Sua justiça. Quanto aos pecados da presente era, Ele diz que o que é feito é também para demonstrar Sua justiça. Deus deseja que ao justificar os que crêem em Jesus, Ele seja reconhecido como O justo.

A salvação de Deus não é “mercadoria contrabandeada”. Deus quer que a nossa salvação venha pela “porta da frente”. Nossa salvação tem de ser correta e adequada. Ele não permitirá que ninguém diga que a nossa salvação é inadequada. Ele não oferece uma salvação fraudulenta. Uma salvação fraudulenta é rejeitada por Deus. A intenção de Deus é salvar-nos, mas Ele quer fazê-lo de maneira a estar relacionada com Sua natureza, Seu padrão moral, Sua dignidade, Sua lei e Sua justiça. Deus não pode salvar-nos ilegalmente.

Aqui temos um problema. Se Deus estivesse disposto a usar todos os meios possíveis para nos salvar e se ignorasse totalmente a questão da justiça, Ele poderia dizer a qualquer pessoa: “Vai, você está livre”. Há homens que são tolamente bons. Se Deus dissesse isso, Ele seria um Deus tolamente bom. Deus jamais poderia ser assim. Se Deus não amasse você, seria fácil — Ele simplesmente o deixaria morrer e perecer quando pecasse. Mas Ele não pode permitir que isso aconteça, porque o ama. O problema é que o pecado do homem e o amor de Deus aqui estão juntos. Agora, quando a justiça é adicionada a esses dois, a salvação se torna a coisa mais difícil sobre a terra. Se o homem não tivesse pecado, tudo estaria bem; e se Deus não nos amasse, também não haveria problema. Se alguém comete um crime e deve morrer, isso nada tem a ver comigo se eu não o amo. Hoje muitos estão presos para ser executados. A questão significa pouco para mim se eu não os amo. Ser-me-ia difícil somente se os amasse e quisesse salvá-los. Se eles não tivessem pecado, a questão seria fácil de tratar. E se não os amasse, a questão também seria fácil de controlar. Além disso, se eles pecaram e os amo, mas não tenho justiça, a questão ainda pode ser tratada facilmente; posso controlá-la irresponsavelmente por meio de suborno. Mas, se sou uma pessoa justa, não posso recorrer a tais métodos fraudulentos e impróprios. Não os libertaria ilegalmente. Se vou salvá-los, tenho de fazê-lo corretamente. Levar a cabo tal salvação se torna a mais difícil tarefa em toda a terra. Estas três questões — amor, pecado e justiça — não podem coexistir facilmente. O amor é um fato; o pecado também é um fato e a justiça é uma necessidade. Por esses três estarem juntos, Deus deve vir com uma maneira de nos salvar e de satisfazer Seu coração de amor, enquanto, ao mesmo tempo, de preservar a Sua justiça. Cumprir tal obra seria deveras uma obra-prima. Aleluia! A salvação que Deus nos preparou em Seu Filho Jesus é tal obra-prima. Ele é capaz de nos salvar de nossos pecados e demonstrar Seu amor, e é capaz de fazê-lo da maneira mais justa. Isso Ele faz pela obra redentora do Senhor Jesus.

A Vinda de Cristo Como a Exigência de Deus em Justiça

A vinda do Senhor Jesus Cristo à terra foi a exigência de Deus em justiça; não foi a exigência de Deus em graça. Essa é uma palavra muito séria. Se houvesse amor sem justiça, o Senhor Jesus não teria necessidade de vir à terra e a cruz teria sido desnecessária. Por causa do problema da justiça, o Senhor Jesus teve de vir. Sem justiça, Deus poderia salvar-nos do modo que quisesse. Ele poderia ignorar nossos pecados ou perdoá-los levianamente. Ele poderia adotar uma atitude permissiva em relação aos nossos pecados ou ficar completamente alheio a eles. Se Deus dissesse: “Já que todos pecaram, desta vez Eu deixo passar; apenas não pequem novamente”, não haveria necessidade nenhuma para um Jesus de Nazaré no primeiro plano. Além da exigência da justiça, não era necessária a vinda de Jesus de Nazaré. A vinda de Jesus de Nazaré foi uma exigência da justiça.

Quando o pecado entrou no mundo, o governo de Deus foi danificado. Sua ordem determinada no universo foi quebrada; Sua glória foi esmagada; Sua santidade foi profanada; Sua autoridade foi rejeitada e Sua verdade foi distorcida. Quando o pecado entrou no mundo, Satanás riu e os anjos testificaram que o homem tinha falhado e caído. Se Deus tivesse de julgar o pecado sem misericórdia, Ele agiria sem amor. Mas, se Ele ignorasse os pecados do homem sem julgá-los, Ele agiria sem justiça. Porque Deus ama ao mundo e ao mesmo tempo é justo, Ele teve de enviar o Senhor Jesus até nós. Por ser justo, Ele teve de julgar o pecado. Porque Ele é amor, Ele teve de suportar o pecado do homem em seu lugar. Devo enfatizar essas duas declarações: Deus deve julgar porque é justo. E Deus sofre o julgamento e a punição devidos ao homem, porque Ele é amor. Sem julgamento, não vemos justiça; com julgamento, não vemos amor. Contudo, o que Ele fez foi suportar o julgamento em nosso lugar. Dessa forma, Ele manifesta tanto Seu amor como Sua justiça em Jesus Cristo.

A Cruz Manifesta a Justiça e o Amor de Deus

Assim, a cruz está onde a justiça de Deus é manifestada. A cruz nos mostra o quanto Deus odeia o pecado. Ele está determinado a julgar o pecado. Ele estava disposto a pagar preço tão alto como o de ter Seu Filho pregado na cruz. Deus não estava disposto a desistir de Sua justiça. Se Deus estivesse disposto a esquecer Sua justiça, a cruz teria sido desnecessária. Por não estar disposto a abandonar Sua justiça, Deus preferiu que Seu Filho morresse.

A cruz também é o lugar onde o amor de Deus é manifestado. O peso dos nossos pecados deveria estar sobre nós. Se não o suportamos, é injusto. Mas suportar tal carga é demais para nós. Por isso Ele veio e a carregou por nós. O fato de Deus dispor-se a suportar a carga mostra-nos Seu amor. O fato de Deus ter, na verdade, suportado tal fardo, demonstra a Sua justiça. Deus fazer-nos levar a punição é justiça sem amor. Deus não nos fazer levar a punição é amor sem justiça. Por Ele tomar a punição e levá-la por nós, há tanto justiça como amor. Aleluia! A cruz cumpre tanto a exigência da justiça, como a exigência do amor. Nossa salvação hoje não é “mercadoria contrabandeada”; não a recebemos de modo fraudulento ou impróprio. Nós não fomos salvos ilegalmente. Fomos salvos de modo claro e definitivo por meio do julgamento.

Para nós, o perdão é gratuito, mas para Deus não há tal coisa como perdão gratuito. Para Ele, o perdão vem somente após a redenção dos pecados. Por exemplo, se você infringir a lei, e o tribunal exigir que pague uma multa de mil dólares, você deve pagar a multa para que seu caso seja encerrado. Da mesma maneira, fomos salvos somente após sermos julgados na cruz. Nossa salvação vem após sofrermos o julgamento pelo pecado em Cristo. É uma salvação que vem apenas mediante o julgamento. Aleluia! Nós fomos julgados; então, depois disso, fomos salvos. O amor de Deus está aqui e a justiça de Deus também está aqui.

Deixe-me dar uma ilustração. Suponha que haja um irmão que seja milionário e que eu seja um de seus devedores. Digamos que eu lhe deva grande soma em dinheiro, quantia tão grande quanto os dez mil talentos mencionados no livro de Mateus (18:24). Quando tomei emprestado o dinheiro dele, assinei uma nota promissória. Na nota, a quantidade e o vencimento estão claramente estabelecidos, bem como os termos e as condições da penalidade. Suponha que agora eu vá até ele e diga: “Gastei todo o dinheiro que tomei emprestado de você, e é-me impossível ganhá-lo e pagá-lo a você num momento de crise econômica como este. Estou com dificuldade até para conseguir comida e sobreviver. Por favor, tenha misericórdia e me libere. Devolva-me a promissória”. Se eu implorar dessa maneira, ele pode devolver-me a nota? A promissória contém exatamente a quantidade que lhe devo e a época em que devo pagar. Esse é um contrato que não somente eu devo cumprir, mas ele tem de honrar da mesma forma. Como devedor, tenho a responsabilidade de pagá-lo dentro do prazo estipulado. Como credor, ele também tem uma responsabilidade a cumprir, isto é, de devolver-me a promissória somente após receber o dinheiro. Se ele me devolver a nota antes de receber o dinheiro, mesmo que o faça por amor e em consideração a mim, ele não está sendo justo. Porque nós, seres humanos, somos simplesmente injustos e estamos acostumados a atitudes injustas, raramente nos ocorre que o perdão gratuito seja uma forma de injustiça. Mas Deus não pode fazer algo injusto. Se Deus nos perdoasse gratuitamente, Ele seria injusto. Além do mais, voltando à ilustração, suponhamos que esse irmão me devolva a nota promissória sem receber o dinheiro. Isso vai afetar-me de modo negativo. Quando tiver dinheiro, irei usá-lo indiscriminadamente. Terei descoberto que posso usar o dinheiro dos outros fácil e levianamente. Assim, esse perdão gratuito do irmão é injustiça para com ele e uma má influência para mim.

Agora, suponha que esse irmão seja justo, mas não queira que eu lhe pague. Que ele pode fazer? Deixe-me contar-lhe o que fiz numa situação semelhante. Certa vez alguém foi até minha casa pedir-me dinheiro emprestado. Ele era um cristão nominal. Então lhe disse que, de acordo com a Bíblia, os cristãos não devem tomar dinheiro emprestado. Mas assim mesmo ele suplicou-me que lhe emprestasse dinheiro. A princípio, resolvi simplesmente dar-lhe o dinheiro; mas sabia que ele era irresponsável com o dinheiro dos outros, porque alguns irmãos me haviam alertado e dito que essa pessoa freqüentemente pedia dinheiro emprestado aos irmãos, e advertiram-me a não lhe emprestar coisa alguma. Então, numa segunda consideração, decidi a não simplesmente dar-lhe o dinheiro, mas em vez disso, emprestar-lhe. Quando lhe entreguei a quantia que me pediu, perguntei-lhe quando iria devolvê-la. Eu o pressionei por uma data de pagamento, embora soubesse que a quantia nunca seria restituída. Pedir emprestado era um hábito dele; era sua vida. Mas não podia dizer-lhe que não esperava que ele pagasse, pois isso seria um convite para mais empréstimos. Assim, estabeleci uma data de pagamento. Quando chegou o dia, propositadamente escrevi-lhe uma carta, lembrando-o de que a data havia chegado. Após receber minha carta, ele veio ver-me. Mas antes que pudesse falar muito, eu o interrompi e lhe disse que fosse para casa e encontrasse com sua esposa, pois ela tinha algo a dizer-lhe. Assim, ele foi para casa. Na verdade, antes que viesse ver-me, eu levei à sua casa a quantia exata que ele me devia e a dei à sua esposa. Disse-lhe que quando seu marido voltasse para casa, ela deveria dizer-lhe que eu lhe havia mandado a soma do dinheiro do pagamento de sua dívida. Quando o marido chegou em casa, a esposa lhe disse o que eu havia falado. Então ele abriu o pacote e encontrou a quantia exata de seu débito. Ele então entendeu o que fazer. Voltou à minha casa e me devolveu o dinheiro. Nesta atitude, você pode ver o amor e a justiça. Se este homem tivesse sido forçado a me pagar, não teria havido amor. Mas se não o autorizasse a pagar, eu teria sido injusto, pois eu havia dito claramente que o dinheiro lhe havia sido dado como empréstimo. Não apenas teria sido injusto em mim mesmo, como também teria exercido má influência sobre ele. Numa próxima vez, ele teria sido mais irresponsável. Assim, eu fiz o que fiz.

Devemos a Deus “dez mil talentos”, mas não temos como restituí-lo. Agora, Deus está fazendo a mesma coisa conosco. Porque nos ama, Ele não pode pedir-nos que o paguemos. Mas porque é justo, Ele não nos dirá que não precisamos pagar. Para nós, é impossível restituí-Lo. No entanto, para Deus é injusto liberar-nos de nossa obrigação. Louvamos ao Senhor porque Ele veio para nos dar o “dinheiro” a fim de que possamos pagar-Lhe o que devemos. O cobrador é Deus e o pagador também é Deus. Sem cobrar, não há justiça; mas se tivermos de pagar, não há amor. Agora, o próprio Deus é o cobrador; assim, a justiça é mantida. E o próprio Deus também é o pagador; assim, o amor é mantido. Aleluia! O cobrador é o pagador. Esse é o significado bíblico da redenção dos pecados.

Dessa forma, Jesus, o Nazareno, veio e levou nossos pecados em Seu corpo na cruz. O próprio Deus veio carregar os nossos pecados. Nossos pecados foram julgados por Deus na pessoa de Jesus Cristo. O sangue do Senhor Jesus derramado na cruz é a prova desse julgamento. Nós nos achegamos a Deus por esse sangue. Por intermédio do Senhor Jesus, dizemos a Deus que fomos julgados. Agora, devolvemos-Lhe o que o Senhor Jesus pagou por nós. É verdade que pecamos. Mas não somos irresponsáveis; houve o julgamento. É verdade que tínhamos um débito. Mas não estamos fugindo dele; o débito já foi pago. Temos o sangue, que significa a salvação realizada pelo Senhor Jesus, como prova de quitação de que Deus pagou nosso débito a Si Mesmo. Eis por que o sangue no Antigo Testamento era aspergido sete vezes no interior do véu. É por isso que ele tinha de ser levado até o propiciatório sobre a arca. Deus tem de perdoar todos os pecadores que vêm a Ele pelo sangue do Senhor Jesus. Não há outra maneira de sermos perdoados por Ele.

Voltemos à ilustração anterior. Suponha que eu tenha tomado emprestado de um irmão dez mil talentos de prata e não tenha dinheiro para pagá-lo. Um dia, ele vai à minha casa e diz: “Você me deve dez mil talentos de prata. Agora, precisa devolver-me. Não sou uma pessoa irresponsável ou negligente. Tudo o que faço, faço seriamente. Você tem de pagar-me. Agora, aqui estão dez mil talentos de prata. Leve isso à minha casa amanhã e pague seu débito. Assim, você pode pegar sua nota promissória de volta”. Eu deveria esperar que indo à sua casa com o dinheiro no dia seguinte, poderia resgatar a promissória. Mas suponha que após devolver-lhe o dinheiro, ele diga que, porque o dinheiro me fora dado no dia anterior, ele não me devolverá a nota. Ele pode fazer tal coisa? Quando eu lhe der o dinheiro, será que ele tem o direito de não me devolver a nota promissória? Não. Ele tinha o direito de não me dar o dinheiro no dia anterior. Se ele não me tivesse dado o dinheiro, no máximo, eu poderia dizer que ele não me ama. Não posso dizer nem uma palavra a mais. Mas se ele me deu o dinheiro, e eu o paguei, ele seria injusto se ainda mantivesse a nota; não é simplesmente uma questão de não me amar. Se ele for justo, ele tem de me dar a nota quando lhe devolvo o dinheiro.

Deus é Obrigado a Perdoar-nos por Causa da Justiça

Portanto, antes de o Senhor Jesus vir à terra e ser morto na cruz, seria correto Deus recusar-se a nos salvar. Deus podia não nos salvar. Se Deus não nos tivesse dado Seu Filho, tudo o que podíamos dizer era que Deus não nos amava. Nada poderíamos dizer além disso. Mas porque Deus verdadeiramente nos deu Seu Filho e pôs nossos pecados sobre Ele a fim de que pudéssemos ser redimidos de nossos pecados, Deus nada pode fazer senão perdoar nossos pecados quando nos achegamos a Ele por meio do sangue do Senhor Jesus e mediante Sua obra. Aleluia! Deus tem de perdoar nossos pecados! Você percebe que Deus é obrigado a nos perdoar? Se vai a Deus por intermédio de Jesus Cristo, Deus é obrigado a perdoar seus pecados. Foi amor que levou Seu Filho à cruz, mas foi justiça o que levou Deus a nos perdoar.

João 3:16 diz: “Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito”. Por amor, Deus nos deu Seu Filho Unigênito. Mas em 1 João 1:9 é dito: “Se confessarmos os nossos pecados, ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça”. A obra da cruz foi cumprida para nós mediante o amor de Deus. Mas hoje quando vamos a Deus por meio da obra consumada de Jesus Cristo, Deus tem de nos perdoar baseado em Sua fidelidade e justiça.

Assim, se o Senhor Jesus não tivesse vindo, Deus estaria desobrigado de nos salvar. Mas agora que o Senhor Jesus foi morto, mesmo que Deus não tivesse prazer em salvar-nos, rigorosamente falando, Ele ainda teria de fazê-lo. Se Ele recebesse o dinheiro poderia recusar-se a devolver a nota promissória? Deus não pode ser injusto, porque se for injusto, Ele próprio se torna um pecador. Por isso, Deus é obrigado a perdoar a todos os que vêm a Ele por meio do sangue do Senhor Jesus. Aleluia! Deus não pode recusar-se a perdoá-los. Quero gritar que isso é o evangelho! Uma vez que Deus nos deu Seu Filho, Ele se comprometeu. Você pensa que podemos restituir a Deus agora? Hoje, por meio do Senhor Jesus, não apenas podemos pagar a Deus, mas temos mais do que precisamos para pagá-Lo. Temos um excedente; pois onde o pecado é abundante, a graça é superabundante. O pecado é abundante. Mas a graça no Filho de Deus é mais abundante, até mesmo superabundante. Por essa razão é que unicamente por meio do Senhor Jesus podemos ser salvos.

Cada um deve admitir que não há nada injusto com Deus quando vamos a Ele por meio do Senhor Jesus e quando Ele nos dá vida e perdoa nossos pecados. O nosso coração nunca pode dizer que Deus, ao perdoar nossos pecados, salvou-nos ilicitamente quando deixou impunes nossos pecados, tolerando e justificando aos que crêem em Jesus. Nunca podemos dizer que Deus lidou irresponsavelmente com nossos pecados. Pelo contrário, devemos dizer que Deus nos salvou do modo mais justo. Nossa salvação é uma salvação adequada e íntegra. Os nossos pecados foram julgados; portanto, fomos salvos. Ninguém pode dizer que Deus nos salvou adotando procedimentos injustos. Antes, devemos dizer que Deus nos salvou pelos mais justos procedimentos.

A Justiça de Deus Manifestada à Parte da Lei

Agora vamos voltar a Romanos 3. Os versículos 19 a 26 são uma passagem bastante difícil na Bíblia. Mas após termos visto sobre a justiça de Deus e a justiça que o Senhor Jesus cumpriu, Romanos 3:19-26 é maravilhoso. O versículo 19 diz: “Ora, sabemos que tudo o que a lei diz, aos que vivem na lei o diz, para que se cale toda boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus”. Por que Deus deu a lei ao homem? Ela foi dada para que o homem nada tivesse a dizer diante de Deus, para que toda boca pudesse ser fechada. Deus quer mostrar ao homem que todos são pecadores e que todos pecaram. Não há um que seja bom. O versículo 20 diz: “Visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado”. O propósito final e máximo da lei de Deus foi mostrar ao homem que ele é um pecador. O propósito da lei não foi para que o homem fosse salvo por meio dela. A lei tem um tom totalmente condenatório. A lei diz que o homem deveria ser condenado, deveria morrer e deveria perecer.

Se a questão parasse aqui, não haveria evangelho e tudo estaria terminado. Mas a questão não pára aqui. O homem não pode viver pela lei, mas Deus tem outros meios. Se você não puder devolver o dinheiro, Deus tem outras maneiras para devolvê-lo por você. As duas primeiras palavras no versículo 21 são maravilhosas; elas demonstram uma grande virada nessa questão: “Mas agora”. Graças ao Senhor porque há essa virada! “Mas agora, sem lei, se manifestou a justiça de Deus”. A justiça de Deus foi originalmente manifestada na lei. Mas se esse fosse o caso agora, estaríamos condenados. Que significa dizer que a justiça de Deus foi manifestada na lei? Significa que tudo o que você devia a Deus, você tinha de pagar. Se pecasse, você tinha de perecer. Se transgredisse, você deveria ir para a perdição. Assim, a lei deveria manifestar a justiça de Deus. Punir os pecadores seria a atitude mais justa que Deus deveria ter. Mas, graças ao Senhor, a justiça de Deus não é mais manifestada na lei. Se Sua justiça fosse manifestada na lei, Deus teria de julgar os pecadores. Mas a justiça de Deus se manifesta sem lei, e sendo assim, o julgamento recai sobre o próprio Deus. O final do versículo 21 diz: “Testemunhada pela lei e pelos profetas”. Mesmo os profetas no Antigo Testamento, incluindo Davi e todos os outros profetas, testificaram a mesma coisa.

Como a justiça de Deus é manifestada? O versículo 22 diz: “Justiça de Deus mediante a fé em Jesus Cristo, para todos [e sobre todos] os que crêem; porque não há distinção”. Mas já que todos pecaram e carecem da glória de Deus (v. 23), como podemos obter a graça de Deus? Os versículos 24 e 25 dizem que somos “justificados gratuitamente (…) mediante a redenção que há em Cristo Jesus; a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação”. Deus enviou Jesus para redimir-nos de nossos pecados e O propôs como propiciação. Creio que todos nós sabemos o que é o propiciatório. O propiciatório é a tampa da arca no tabernáculo do Antigo Testamento; foi o lugar onde Deus concedeu graça ao homem. Todo lugar na terra é manchado pelo pecado. Mas esse lugar, e somente esse lugar, é sem pecado. Agora Jesus tornou-se o propiciatório. Como Ele se tornou tal lugar? Por meio de Seu sangue como garantia. Deus propôs Jesus como o propiciatório e, agora, pelo sangue de Jesus, posso achegar-me a Deus por fé. Deus não pode fazer outra coisa senão derramar graça sobre mim. Somente após Deus ter feito isso, posso dizer que Sua tolerância e Seu deixar os pecados impunes no Antigo Testamento foram justos; e somente após Deus ter feito isso, posso dizer que o fato de justificar os que crêem em Jesus no Novo Testamento também é justo. Somos salvos hoje não porque Deus encobriu nossos pecados, mas porque Deus tratou com nossos pecados. Diante de Deus, não somos devedores perdoados, mas devedores quitados que estão perdoados.

Isso é algo muito precioso na Bíblia. Essa é a única maneira de nós, cristãos, podermos ter ousadia diante de Deus. Você já percebeu que por mais precioso que o amor seja ele nunca é confiável? Você não pode levar uma pessoa ao tribunal só porque ela não o amou por alguns dias. Num tribunal não há tal coisa como o amor. Mas se a injustiça ocorrer ou se o pecado surgir, a lei falará. Deus gosta de nos dar uma ajuda, algo para nos agarrarmos. Por meio de tal ajuda, nossa fé pode ser fortalecida e as promessas de Deus podem ser cumpridas em nós. Essa ajuda é o Senhor Jesus Cristo. Deus sabe que podemos duvidar; assim, Ele trabalha a fé em nós por intermédio de Seu Filho. Podemos dizer-Lhe: “Deus, uma vez que me deste Teu Filho e permitiste que Ele morresse, deves perdoar os meus pecados”.

Algumas vezes, ouvimos as pessoas orando: “Ó Deus, quero ser salvo. Por favor, salve-me! Pequei, mas estou determinado a ser salvo. Por favor, seja misericordioso para comigo e faça o Senhor Jesus morrer por mim”. Quando tais pessoas oram, elas podem chorar amargamente. Elas agem como se o coração de Deus fosse muito duro e crêem que antes que Deus possa perdoá-las ou voltar-lhes Seu coração, elas têm de chorar muito. Os que oram desse modo, não sabem o que é o evangelho. Se o Filho de Deus não tivesse vindo à terra, seu choro e súplica diante de Deus poderiam funcionar. Mas o Filho de Deus veio e o problema do pecado foi resolvido. A obra redentora na cruz foi cumprida. Quando as pessoas vão a Deus, não há mais necessidade de pobres lamúrias. Uma vez que Deus nos deu Seu Filho, Ele pode perdoar os pecados por meio do Filho. Ele é fiel para fazê-lo; Ele não está sendo mentiroso ao fazer isso. E Ele é justo ao fazê-lo; nada há de injusto aqui. Quando a justiça está envolvida, a fidelidade também está.

A maioria das pessoas hoje é ignorante; primeiro quanto à justiça de Deus e depois quanto ao fato de que o Senhor Jesus cumpriu a justiça de Deus. As pessoas não sabem que a justiça de Deus é manifestada sem lei. Elas ainda tentam exercer justiça diante de Deus. Elas são como o homem que deve dez mil talentos. Não há absolutamente como pagar o débito. O homem ainda tenta economizar alguns centavos descendo do bonde uma parada antes, esperando assim economizar para pagar sua dívida. Ele ainda está calculando, esperando economizar um pouco aqui ou ali, fazer isto ou aquilo, a fim de conseguir um pouco de dinheiro para pagar a dívida. Ele ainda quer dizer ao seu credor que embora deva dez mil talentos, tem alguns centavos consigo. Ele não percebe que a soma total já foi enviada à sua casa.

O homem não tem idéia do que Deus realizou por intermédio de Seu Filho. Por isso, o apóstolo Paulo nos diz qual atitude o homem deve tomar. Com respeito à justiça de Deus, precisamos atentar para duas passagens na Bíblia. A primeira passagem está em Romanos 10. Os versículos 3 e 4 dizem: “Porquanto, desconhecendo a justiça de Deus e procurando estabelecer a sua própria, não se sujeitaram à que vem de Deus. Porque o fim da lei é Cristo, para justiça de todo aquele que crê”. Eu amo estes dois versículos. Quando lemos tais versículos relacionados com o evangelho, nosso coração deve animar-se. Esses versículos dizem que os judeus não sabiam que a justiça de Deus tinha sido firmada; eles ainda estavam procurando estabelecer sua própria justiça. Eles faziam o máximo que podiam para ser bons, para trocar suas obras pela salvação e para trocar sua justiça pela vida e tudo o que Deus lhes tem dado. Mas Paulo disse que todos os que procuram estabelecer a sua própria justiça não se sujeitam à justiça de Deus. Não se sujeitar à justiça de Deus é não se sujeitar à obra que Deus cumpriu em Seu Filho Jesus. A justiça de Deus é consumada em Seu Filho Jesus. A cruz de Jesus é tanto uma manifestação do amor de Deus como o cumprimento da justiça de Deus. Na cruz de Jesus, a justiça de Deus foi cumprida. Se algum homem quiser estabelecer sua justiça hoje, ele estará negando a suficiência da obra do Senhor na cruz. Nunca pense que podemos acrescentar algo à obra que o Senhor Jesus cumpriu. Nunca pense que podemos ajudá-la ou remendá-la um pouco. Todos os que buscam estabelecer sua própria justiça não se sujeitam à justiça de Deus. Se alguém envia uma soma de dinheiro à minha casa para pagar um empréstimo que me fez e ainda tento economizar alguns trocados para saldá-lo, eu realmente estou desprezando o que ele me deu. Todos os que buscam estabelecer sua própria justiça estão blasfemando contra Deus.

Por que “o fim da lei é Cristo”? O fato de Cristo ser o fim da lei significa que Cristo inclui tudo o que a lei tem. Em outras palavras, Deus não lhe deu somente dez mil talentos; todo o dinheiro do mundo foi dado a você. Como pode você economizar uns poucos trocados? O fim da lei é Cristo. Como achará outra justiça maior? Se um homem é muito grande e ocupa toda a cadeira, será que você pode apertar-se com ele na mesma cadeira? O fim da lei é Cristo. Como você vai estabelecer sua justiça? Louvamos ao Senhor porque Ele nos deu o melhor! Gostaria de dizer uma palavra forte numa maneira mais reverente: Deus “esgotou” Sua onipotência em Seu Filho Jesus. O fim da lei é Cristo. Todo o que crer Nele deve receber justiça. Os que crêem em Jesus são obrigados a receber. Não há possibilidade de não receberem. Eu gosto dessa idéia. É impossível não sermos salvos. Deus nos deu Seu Filho, o qual não apenas possui o pouco que você necessita, mas possui todas as coisas. Deus nunca pode desamparar-nos, os que cremos em Seu Filho. Deus não tem como nos rejeitar. Todos os que vão a Deus por meio do Filho devem receber justiça. Não há o que discutir; a garantia é certa.

A outra passagem da Escritura é 2 Coríntios 5:21. Nós fomos salvos, mas ainda vivemos como humanos. É verdade que agora estamos salvos e que nossos pecados estão perdoados, mas que fazer enquanto vivemos na terra? Hoje somos todos cristãos e somos todos filhos do Senhor. Observando Seus filhos, Deus declara algo mais espantoso aqui: “Àquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós”. Deus fez o Senhor Jesus pecado. Originalmente, o Senhor Jesus era completamente sem pecado; Ele nada tinha a ver com o pecado. Agora, Deus O julgou enquanto julgava o próprio pecado. Deus O julgou dessa forma “para que nele fôssemos feitos justiça de Deus”. Hoje, no Senhor Jesus Cristo, você e eu somos o exemplo da justiça de Deus. Quando as pessoas nos vêem, elas vêem a justiça de Deus. Porque o Senhor Jesus se tornou pecado por nós e carregou os nossos pecados para nos perdoar, nós, os pecadores, tornamo-nos agora a justiça de Deus no Senhor Jesus Cristo. Somos a justiça viva de Deus andando na terra. Em Cristo, somos os representantes da justiça de Deus.

Se você não sabe o que é a justiça de Deus, tudo o que precisa fazer é encontrar uma pessoa salva e dar uma boa olhada nela. Você então saberá o que é a justiça de Deus. Se quiser conhecer a justiça de Deus, basta encontrar um cristão e saberá que Deus não lida com os nossos pecados irresponsavelmente. Ele fez pecado Àquele que não conheceu pecado. Porque o Senhor Jesus morreu, a obra da redenção foi cumprida. Estarmos hoje no Senhor Jesus é uma expressão da justiça de Deus. Quando uma pessoa vê alguém que crê no Senhor Jesus, ela vê a justiça de Deus. Se alguém quiser conhecer a justiça de Deus, posso levantar-me e dizer: “Simplesmente olhe para mim. Deus me ama muito. Ele me ama ao máximo. Ele não é negligente com o pecado. Eis por que Ele levou o Senhor Jesus a morrer na cruz. Olhe para mim, um pecador salvo hoje. Eu sou uma amostra da justiça de Deus em Cristo”.

Hoje, nós proclamamos duas grandes verdades ao mundo. Todas as duas são o que o mundo desesperadamente necessita. A primeira é que Deus ama ao homem. Esse é um fato maravilhoso. Mas não é tudo. A outra grande verdade é que Deus em Sua justiça perdoou os pecados do homem. Agora o homem pode vir a Deus com toda intrepidez e cheio de fé, lembrando-O de que Ele perdoou seus pecados.

Finalmente, gostaria de fazer uma pergunta. Por que há a parábola do filho pródigo em Lucas 15? Parece que falta algo nessa parábola. Após o rapaz desperdiçar seus bens e voltar para casa, o pai realmente deveria amá-lo, mas deveria ter dito pelo menos algumas palavras de repreensão ao filho, talvez algo assim: “Você tomou todos os seus bens e os gastou; agora até seu estômago está vazio”. Mas o pai não disse nenhuma palavra como essa. Não é de se admirar que o filho mais velho dissesse algo. Até nós temos algo a dizer. Não é injustiça quando há pecado e ele não é tratado? Se Lucas 15 tivesse apenas a parábola do filho pródigo, concluiríamos que Deus não é justo, que Deus não julgou o pecado, mas que o encobriu. Na parábola do filho pródigo, não há algo como uma palavra de repreensão. Mas graças ao Senhor que há três parábolas em Lucas 15. A primeira é a parábola do pastor salvando a ovelha. A segunda é a da mulher procurando a dracma perdida. A terceira é a do pai recebendo o filho pródigo. Já na primeira parábola, temos o bom pastor dando sua vida pela ovelha. O Senhor Jesus já veio e morreu. O pecado do pródigo já foi julgado na primeira parábola. Em razão do que aconteceu na primeira parábola, há a segunda, na qual uma mulher acende uma candeia para procurar a dracma perdida. Uma vez que o Senhor Jesus cumpriu a salvação, o Espírito Santo pode vir iluminar-nos com Sua luz. Depois disso, o Pai não vê mais o problema do pecado. O problema do pecado foi esclarecido na parábola do pastor dando sua vida pela ovelha. E mais, a percepção interior foi iluminada na parábola da mulher acendendo a candeia. Os erros já foram percebidos. Quando o Pai vem, tudo o que Ele precisa fazer é dar as boas vindas ao pródigo. O Senhor Jesus perdoou nossos pecados. O Espírito Santo nos iluminou e nos convenceu do pecado, da justiça e do juízo. Assim, quando o Pai vem, a questão do pecado não precisa mais ser mencionada; Ele somente tem o trabalho de nos dar as boas-vindas. Nas duas parábolas anteriores, a justiça de Deus assim como Seu amor já se manifestaram.

Suponha que uma pessoa ainda não tenha se achegado a Deus, mas vê que é um pecador e reconhece que o Senhor Jesus julgou seus pecados. O bom Pastor levou seus pecados embora e o Espírito Santo o iluminou a respeito deles. Quando tal pessoa volta para casa, ela tem de perceber que a questão do pecado acabou para sempre; foi tratada na cruz. Lembre-se de que a casa do Pai não é lugar para se falar sobre pecado. Não é lugar para se falar sobre nosso desperdício. A cruz é o lugar para se falar sobre pecado; é o lugar para se falar sobre a nossa queda. Se você estiver em casa, Deus pode mui justamente não preferir falar sobre seus pecados. Podemos comer e beber para deleite de nosso coração. Podemos viver, usar as vestes mais caras, descansar e festejar para o deleite do nosso coração. Deus disse que uma vez estivemos perdidos, mas agora fomos achados; que uma vez estivemos mortos, mas agora voltamos para a vida. Não há mais problemas aqui. Aleluia! A graça de Deus é-nos suficiente. Desse modo, percebemos que a graça de Deus é fiel e justa.

A Justiça da Salvação

Uma coisa que devemos saber é que antes de o Senhor Jesus morrer, seria injusto Deus perdoar nossos pecados, mas depois da Sua morte seria igualmente injusto Deus não perdoar nossos pecados. Sem a morte do Senhor Jesus, o perdão de Deus seria injustiça de Sua parte; Ele nunca poderia fazê-lo. Com a morte do Senhor Jesus, Ele continuaria igualmente injusto se não quisesse perdoar. Por favor, lembre-se, uma redenção sem sangue é injusta. Por outro lado, quando alguém tem o sangue e lhe é negada a salvação, isso também é injusto.

Uma vez, fui com um irmão a Quiuquiam. Enquanto estávamos viajando no barco e partilhando a Palavra com outros, comecei a falar com uma pessoa sobre nossa fé. Ao mesmo tempo, nosso irmão falava com outra pessoa, que era muçulmana. Durante a conversa, nosso irmão perguntou ao homem se ele tinha algum pecado. O homem tentou dizer-lhe quão bom é o islamismo e quão grande foi Maomé. Mas nosso irmão disse: “Não estou lhe perguntando sobre essas coisas. Minha pergunta é esta: ‘Você tem algum pecado?’ Ele confessou que sim. Nosso irmão então lhe perguntou: “Então, que vai fazer sobre isso? Há algum modo de você ser perdoado?” O homem respondeu que se ele quisesse ser perdoado, tinha de sentir remorso no coração e fazer o bem, e fazer isto e aquilo e muitas outras coisas. Depois que o homem relacionou todas as coisas que deveria fazer, nosso irmão disse: “Este é exatamente o ponto da controvérsia. Você disse que quando alguém peca, o remorso pode trazer-lhe o perdão. Mas eu digo que quando alguém peca deve haver punição. Sem punição, não pode haver perdão. Você acha que um sentimento de remorso trará perdão a alguém. Mas digo que o perdão somente vem pelo julgamento. Se eu pecar nesta cidade e fugir para um país distante, posso ter remorso lá e praticar muita caridade. Posso ser um bom homem lá. Mas nada disso removerá meu pecado. Seu Deus é um Deus que perdoa sem julgamento. Mas meu Deus é um Deus que perdoa somente após julgar”. O muçulmano então perguntou: “Então, como você pode ser perdoado?” “É por isso que”, disse nosso irmão, “você precisa crer em Jesus. Somente crendo em Jesus você será perdoado. Seus pecados foram julgados no Senhor Jesus e quando crer Nele, você será perdoado”. Aqui está a justiça de Deus. Hoje os homens consideram se Deus é amor ou não. Eles não percebem que Deus não é apenas amor, mas Ele também é justo. Não é que Deus queira somente perdoar os pecados do homem. Ele tem de perdoá-los de maneira que não conflitem com Sua natureza e Sua justiça. É isso que os homens não vêem.

As Aplicações da Justiça de Deus

Devemos agora perguntar: como a justiça de Deus é aplicada a nós? A justiça de Deus é aplicada a nós de duas formas. A justiça de Deus pode primeiro ser aplicada dando paz ao nosso coração. Os sentimentos são indignos de confiança; por isso, podemos não confiar nos sentimentos de Deus. O amor é igualmente indigno de confiança. Se o amor de alguém mudar, ninguém pode culpá-lo ou culpá-la por isso. Mas podemos valer-nos da justiça e fazer reclamações baseados na justiça. Se Deus somente nos ama, Ele pode poupar-nos do julgamento dos pecados ou pode deixar-nos facilmente, se for algo que Ele consiga fazer. Mas como será se um dia Deus não estiver mais satisfeito conosco e não quiser continuar conosco? Se Deus não nos amasse mais e se tornasse bravo e insatisfeito conosco, nós sofreríamos. Sob tais circunstâncias, não poderíamos ter qualquer segurança a respeito de Deus e nosso coração nunca estaria em paz. Mas agora que Deus nos deu Sua justiça, estamos em paz, pois sabemos que nossos pecados foram julgados na pessoa de Cristo. Assim, podemos ter uma consciência ousada e uma segurança definitiva quando nos achegamos a Deus, e nosso coração pode ter paz. A paz não pode ser obtida pelo amor; a paz somente pode ser obtida por meio da justiça. Embora, em realidade, o amor de Deus seja confiável, do ponto de vista humano, ele não é tão confiável quanto a justiça de Deus. Logo que uma pessoa começa a crer em Deus, ela deve aprender a confiar mais em Sua justiça do que em Seu amor. Mais tarde, enquanto progride, ela deve aprender a confiar mais no amor de Deus do que em Sua justiça. Tal confiança pertence a um estágio avançado da vida cristã. Essa é a vida de pessoas como Madame Guyon. Mas, no começo, devemos tomar a justiça como a base de nossa fé. Sem justiça, a fé não tem base. Graças a Deus que nossos pecados foram perdoados. Agradecemos-Lhe porque Ele nunca mais nos julgará. Como o hino diz:

Não cobra duas vezes Deus:
Primeiro de Seu Filho e
Depois então de mim.
Nosso coração está tranqüilo, pois nossos pecados foram julgados.

A justiça de Deus tem outra aplicação: Ela nos leva a perceber a repugnante natureza do pecado. A fim de preservar Sua justiça, Deus se dispôs até mesmo a sacrificar Seu Filho na cruz. Deus preferiu antes sacrificar Seu Filho à Sua justiça, Sua verdade e Sua lei. Deus não faria algo que fosse contrário à Sua natureza. Assim, podemos ver quão repugnante é o pecado. Se Deus não pode ser indiferente ao pecado e prefere antes julgar Seu Filho para tratar com o pecado, também não podemos ser indiferentes em relação ao pecado. Aos olhos de Deus, Seu Filho pode ser sacrificado, mas o pecado não pode deixar de ser tratado. Todo o que crê no Senhor Jesus deve ver então que nenhum pecado pode ser ignorado. A atitude de Deus em relação ao pecado é muito rígida. Agora todos os nossos pecados estão perdoados. O Senhor Jesus morreu, fomos perdoados, e todas as coisas estão resolvidas. Neste ponto, gostaria de fazer mais uma ilustração. Um dia, eu estava no Parque Hsiao-feng lendo minha Bíblia. De repente, o céu escureceu e houve um trovão. Parecia que ia chover imediatamente. Fechei a Bíblia rapidamente e corri até uma pequena casa atrás do parque. Mas pouco depois a chuva ainda não havia chegado e, então, fui para casa apressadamente. A caminho de casa, o céu ainda estava bem escuro; trovejava e as nuvens estavam muito carregadas. Ainda assim a chuva não caiu. Nenhuma gota caiu sobre mim em todo o caminho para casa. Em outra ocasião, algum tempo mais tarde, fui de novo ao mesmo parque para ler. Dessa vez, também o céu escureceu como da vez anterior. Começou a trovejar novamente e as nuvens estavam pesadas e densas. Então, considerei minha experiência anterior, fiquei calmo e caminhei lentamente. Mas infelizmente, dessa vez, a chuva veio e me molhei. Não tive escolha a não ser correr para a pequena casa outra vez. Quando cheguei na casa, a chuva desabou. Não sabia quão forte a chuva seria. Mas, finalmente, o céu clareou, as nuvens se dispersaram, cessaram os trovões e voltei para casa. Dessa vez, assim como na anterior, não caiu uma gota de chuva enquanto voltava para casa. Mas deixe-me fazer-lhe uma pergunta: Em qual ocasião meu coração teve mais paz? Em ambas as ocasiões a chuva não caiu sobre mim quando eu voltava para casa. Mas em qual das vezes tive mais paz? Foi da primeira ou da segunda vez? Embora na primeira vez não tenha chovido a caminho de casa, não sabia quando a chuva viria; em decorrência disso, meu coração ficou de sobreaviso. Na segunda ocasião, também não houve chuva a caminho de casa, mas meu coração estava em paz, porque a chuva já tinha passado e o céu estava claro. Muitas pessoas esperam que a graça de Deus encubra seus pecados. Elas são como eu em minha primeira volta ao lar. Embora não haja chuva, a escuridão ainda se mantém, troveja e as nuvens são densas. Seu coração ainda fica ansioso. Elas não sabem o que lhes acontecerá. Mas graças ao Senhor, pois a salvação que recebemos é algo que já “passou pela chuva”. É uma salvação que “passou pelo trovão”. Nossa “chuva” já foi derramada no Calvário, e nosso “trovão” já aconteceu no Calvário. Agora, tudo passou. Regozijamo-nos não somente porque nossos pecados foram perdoados, mas porque eles foram perdoados após terem sido tratados. Eles não foram encobertos. Deus tratou com o problema dos nossos pecados. A ressurreição de Seu Filho tornou-se a evidência dessa obra. Hoje é dia de graça. Mas devemos lembrar-nos de que a graça reina pela justiça (Rm 5:21). A graça não pode vir diretamente; ela deve vir pela justiça. A graça de Deus não vem a nós diretamente. Ela vem a nós pelo Calvário. Hoje, alguns dizem que se Deus nos ama, Ele pode perdoar-nos sem julgamento. Isso seria a graça reinando sem justiça. Mas a graça está reinando pela justiça. A graça precisa da justiça do Calvário antes de poder reinar. Hoje, nosso receber da graça está unicamente baseado na justiça de Deus. Nossos pecados são perdoados após terem sido tratados. Quando vemos a cruz, é correto dizer que ela é a justiça de Deus. É também certo dizer que ela é a graça de Deus. A cruz significa a justiça de Deus e ela também significa a graça de Deus. Para Deus, a cruz é justiça; para nós, ela é graça. Hoje quando vemos a cruz, nosso coração descansa, pois sabemos que a graça que recebemos foi recebida mediante a maneira justa de Deus. Sabemos que a nossa salvação é clara, completa, adequada e justa. Nossa salvação não vem mediante contrabando ou fraude. Pelo contrário, ela vem pelo julgamento sobre o pecado. Louvado seja o Senhor! A cruz resolveu o problema do pecado e a ressurreição confirmou que a solução é de fato verdadeira.

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Vida cristã

A maior necessidade do cristão

Há algo que o cristão precisa mais do que qualquer outra coisa, algo em que todas as outras descansam e para a qual todas as outras se tornam. Pela Palavra de Deus somos informados que, com certeza, “não sabemos como devemos orar, mas o Espírito intercede por nós” (Rm. 8:26). Ele sabe o que precisamos e intercede por nós e em nós. Ele nos ensina a orar, e em Efésios 1:17 lemos a oração para que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o glorioso Pai, nos conceda o Espírito de sabedoria e revelação, para que O conheçamos melhor. Esta é nossa maior necessidade: um verdadeiro conhecimento de Deus. Se o Espírito Santo coloca isso antes de todas as outras coisas, deve ser porque é mais importante do que qualquer outra. Isso está colocado no fundamento da fé cristã, na entrada da vida cristã. É a essência de toda a confiança. Por que não confiamos em Deus? Porque não O conhecemos! Esse conhecimento de Deus é nossa maior necessidade, o primeiro passo de nossa trajetória cristã. Nossa confiança será sempre apenas proporcional ao nosso conhecimento.

(E. W. Bullinger)

Antes do fim deste dia ainda há tempo de conhecer um pouco mais nosso Senhor e, como resultado, confiar um pouco mais Nele. Suas mãos são as mais recomendadas para conduzir nossa vida.
Tenha uma boa noite!

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