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A intolerância bíblica (Martin Lloyd-Jones)

Gostaria de enfatizar esta verdade, asseverando que existe, na fé cristã, um lado de intolerância. Vou mais além e afirmo que, se não temos visto este lado intolerante da fé, provavelmente nunca vimos verdadeiramente a fé. Existem muitos mandamentos nas Escrituras que substanciam a afirmativa de que colocar mais alguém ao lado de Jesus, ou falar de salvação a parte dEle, ou sem que Ele seja o centro dela, é traição e negação da verdade. O apóstolo Pedro, dirigindo-se ao sinédrio em Jerusalém, disse: “porque abaixo do céu não existe nenhum outro nome dado, entre os homens, pelo qual importa que sejamos salvos” (At 4:12).

Todo falso ensinamento deve ser odiado e combatido. O Novo Testamento nos diz que assim fez nosso Senhor e todos os apóstolos, e que eles se opuseram e advertiram as pessoas contra isso. Mas pergunto novamente: isto é realizado hoje? Qual sua atitude pessoal quanto a isso? Acaso é você uma daquelas pessoas que diz que não há necessidade dessas negativas, e que deveríamos estar contentes com uma apresentação positiva da verdade? Subscrevemos o ensinamento prevalecente que discorda de advertências e críticas ao falso ensinamento? você concorda com aqueles que dizem que um espírito de amor é incompatível com a denúncia crítica e negativa dos erros gritantes, e que temos de ser sempre positivos? A resposta mais simples a tal atitude é que o Senhor Jesus Cristo denunciou o mal e os falsos mestres. Repito que Ele os denunciou como “lobos vorazes” e como “sepulcros caiados” e como “guias cegos”. O apóstolo Paulo disse de alguns deles: “o deus deles é o ventre, e a glória deles está na sua infâmia”. Esta é a linguagem das Escrituras. Pode haver pouca dúvida, mas a Igreja está como é hoje porque não seguimos o ensinamento do Novo Testamento e as suas exortações, e nos restringimos ao positivo e ao assim chamado “Evangelho simples”, e fracassamos em acentuar negativas e críticas. O resultado é que as pessoas não reconhecem o erro, quando se defrontam com ele.

Aceitam aquilo que aparenta ser bom, e se impressionam com aqueles que vem às suas portas falando da Bíblia e oferecendo livros sobre a Bíblia e profecias e coisas deste tipo. E eles, na condição de sua ignorância infantil, freqüentemente ajudam a propagar o falso ensinamento, porque não conseguem ver nada de errado nele. Além disso não compreendem que o erro deve ser odiado e denunciado. Eles imaginam-se a si mesmos cheios de um espírito de amor, são iludidos por satanás, a fera destruidora que estava no encalço delas, e que, num bote súbito, os agarrou com sua esperteza e sutileza.

Não é agradável ser negativo; ter que denunciar e expor o erro não dá alegria. Mas qualquer pastor que sinta, em pequena medida, e com humildade, a responsabilidade que o apóstolo Paulo conhecia num grau infinitamente maior pelas almas e o bem estar espiritual de seu povo, é forçado a fazer estas advertências. Isto não é desejado nem apreciado por esta moderna geração moralmente fraca. Muito amiúde a bancada tem controlado o púlpito e grande dano tem sobrevindo à Igreja. O apóstolo adverte a Timóteo que virá um tempo em que as pessoas “não suportarão a sã doutrina”. Este é freqüentemente o caso no tempo presente, e assim tem sido durante este século. Por isso é importante que cada membro deva ter uma concepção real da Igreja e do oficio do ministro em particular.

Hoje há no mundo igrejas que na superfície parecem ser igrejas florescentes. Multidões se agregam a elas e demonstram demasiado zelo e entusiasmo. Mas num exame mais acurado descobre-se que a maior parte do tempo é tomado por música de vários tipos, e com clubes e sociedades e atividades sociais. O culto começa às 11:00h e tem que terminar exatamente ao meio-dia, e haverá sérios problemas se isso não ocorrer! Há apenas uma breve “reflexão” de quinze minutos, vinte minutos no máximo. O infeliz ministro, se não enxergar estas coisas com clareza, teme ir contra os desejos da maioria.

Sua sobrevivência depende dos membros da igreja, e o resultado é que tudo é feito para se conformar aos desejos e anseios da congregação.

Mas deixe-me acrescentar que o ministro também não pode impor. É o próprio Senhor quem determina, Aquele que está assentado à mão direita de Deus e que deu “alguns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores” (Ef 4:11 ). Ele os deu para a edificação dos membros da Igreja, e é a mensagem dELE que deve ser pregada sem temor nem favor. Precisamos recuperar algo do espírito de John Knox cuja pregação fazia tremer a Maria, Rainha dos Escoceses.

O trabalho do ministro é edificar o corpo de Cristo. A ocupação do ministro é edificar a Igreja, não a si mesmo! Ai! Eles têm muito freqüentemente edificado a si mesmos, e temos lido de príncipes da igreja vivendo em posições de grande pompa e riqueza. Isto é uma gritante deturpação dos ensinamentos de Paulo! Observemos que os ministros são  chamados para edificar, não para agradar nem entreter. O modo pelo qual deveriam fazer isso está resumido perfeitamente naquela passagem, imensamente lírica, de Atos 20 . O apóstolo Paulo está se despedindo dos presbíteros da igreja de Éfeso, à beira mar, e eis o que ele diz: “Agora, pois, encomendo-vos ao Senhor e È Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar e dar herança entre todos os que são santificados” (v.32). “Palavra da Sua graça, que tem poder para vos edificar”! Não é surpresa que a igreja seja o que é hoje, pois lhe têm sido dados filosofia e entretenimento. Por meio delas um ministro pode, por enquanto, atrair e segurar uma multidão; mas não pode edificar; a tarefa dos pregadores é edificar, não atrair multidões. Nada edifica a não ser a inadulterada Palavra de Deus. Não há autoridade fora dela; e ela não pode de modo algum ser modificada ou nivelada para se adaptar à moda da ciência moderna, ou a alguns supostos “resultados confirmados da crítica” que está sempre em modificação.

É o “eterno Evangelho” e é: a “Eterna Palavra a mesma que Paulo e os demais apóstolos pregaram, a mesma Palavra que os Reformadores protestantes pregaram, os Puritanos, e os grandes pregadores de duzentos anos atrás, como também Spurgeon no último século, sem qualquer modificação que fosse. É pelo fato de isso ter sido tão amplamente esquecido nos últimos cem anos que as coisas hoje estão como estão.

Extraído do jornal Os Puritanos, ano III, n. 3

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A parábola do filho pródigo

Dr. David Martin Lloyd-Jones

”E disse: Um certo homem tinha dois filhos. E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se. E o seu filho mais velho estava no campo; e, quando veio e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou e não queria entrar. E, saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado” (Lucas 15:11-32)

Não há parábola ou discurso de nosso Senhor que seja tão conhecido e tão popular como a parábola do filho pródigo. Nenhuma outra parábola é citada com mais freqüência em discussões religiosas, ou mais usada para apoiar várias teorias ou controvérsias em relação a este assunto. E é verdadeiramente espantoso e admirável quando observamos as inumeráveis formas em que ela é usada, e a infinita variedade de conclusões a que afirmam que ela leva. Todas as escolas de pensamentos parecem ter uma reivindicação sobre a mesma: ela é usada para provar toda espécie de teorias e idéias opostas, que combatem umas às outras e que se excluem mutuamente. É bastante claro, portanto, que a parábola pode facilmente ser manipulada ou mal interpretada. Como podemos evitar esse perigo? Quais os princípios que devem nos orientar quando a interpretamos? Pessoalmente creio que há dois principais fundamentais que devem ser observados, e que se observados, garantirão uma interpretação correta.

O primeiro principio é que sempre devemos nos precaver do perigo de interpretar qualquer passagem das Escrituras de uma forma que entre em conflito com o ensino geral da Bíblia. O Novo Testamento deve ser examinado como um todo. É uma revelação completa e integral, dada por Deus através dos Seus servos – uma revelação que foi dada em partes que, unidas, formam uma unidade completa. Portanto, não há contradições entre essas várias partes, não há conflito nem passagens ou declarações irreconciliáveis. Isso não significa que podemos entender cada uma de suas declarações. O que estou dizendo é que não há contradição nas Escrituras e sugerir que os ensinos de Jesus Cristo e de Paulo, ou os ensinos de Paulo e dos demais apóstolos não concordam entre si é contrário a todas as reivindicações do Novo testamento em si, e as reivindicações da Igreja através dos séculos, até o levantamento da chamada escola da alta crítica, há cerca de cem anos atrás. Não preciso abordar a questão aqui. Basta dizer que são apenas os críticos mais superficiais, os que agora estão ultrapassando em muitos anos, que ainda tentam defender uma antítese entre o que chamam de “a religião de Jesus” e a “fé do apóstolo Paulo”. Escrituras devem ser comparadas com Escrituras. Cada teoria que desenvolvemos deve ser testada pelo conjunto geral de doutrinas e dogmas da Bíblia toda, e que foi definido pela Igreja. Se esta regra fosse lembrada e observada, a maioria das heresias jamais teria surgido.

O segundo principio é um pouco mais específico: sempre devemos evitar o perigo de chegar a conclusão negativas a respeito dos ensinos de uma parábola. Isso não se aplica somente a esta parábola em particular, mas a toda as parábolas. Uma parábola nunca tem o propósito de ser um esboço completo da verdade. Seu objetivo é comunicar uma grande lição, ou apresentar um grande aspecto de uma verdade positiva. Sendo esse o seu objetivo e propósito, nada é mais tolo do que chegar a conclusões negativas a respeito de uma parábola. A omissão de certas coisas numa parábola não tem qualquer significado particular. Uma parábola é importante e significativa por causa daquilo que ela diz, e não devido às coisas que não diz. O seu valor é exclusivamente positivo, e de forma alguma negativo. Ora, digo a vocês que a desconsideração desta simples regra tem sido responsável pela maioria das estranhas e fantásticas teorias e idéias supostamente desenvolvidas a partir desta parábola do filho pródigo. É impressionante que tal coisa tenha sido possível, pois se aquele que fizeram isso tão-somente tivessem examinado as outras duas parábolas que encontramos neste mesmo capítulo, teriam compreendido imediatamente até que ponto seus métodos foram injustificáveis. Porque então, não tiraram delas também conclusões negativas? E igualmente com todas as outras parábolas?

Mas, à parte disso, como é ridículo e ilógico, basear e estabelecer nosso sistema de doutrina sobre algo que não é dito! É por demais desonesto! Desonesto, porque ignora toda a autoridade, deixando-nos sem quaisquer padrões exceto nossos próprios preconceitos, desejos e imaginações. E isso, repito, é o que tem sido feito com esta parábola com tanta freqüência. Quero ilustrar isso, lembrando-lhes de algumas das falsas conclusões tiradas desta parábola. Não seria esta parábola a qual se referem constantemente quando tentam provar que idéias de justiça, juízo e ira são completamente estranhas à natureza de Deus e aos ensinos de Jesus a respeito dEle? “Não vemos nada aqui”, dizem, “acerca da ira do pai, nem qualquer exigência de certos atos por parte do filho – somente amor, puro amor, nada senão amor”. Este é um exemplo típico de uma conclusão negativa tirada desta parábola. Só porque ela não apresenta um ensino declarado sobre a justiça e ira de Deus, presumem que tais características não fazem parte da natureza de Deus. O fato de Jesus Cristo enfatizar essas características em outros textos é completamente ignorado. Outro exemplo é o ensino de que esta parábola elimina a absoluta necessidade de arrependimento. Ouvi falar de um pregador que tentou provar que o pródigo era um farsante, mesmo quando voltou para casa, que ele decidiu dizer algo que soasse bem, ainda que realmente não viesse do seu coração, apenas para impressionar o pai, e que a repetição exata de suas palavras provava isso. O ponto crucial era que, apesar de tudo isso, apesar da repetição hipócrita das palavras, ainda assim o pai o perdoou. O argumento final desse pregador era que o pai não disse uma palavra concernente ao arrependimento. Portanto, uma vez que ele nada disse a respeito, não é importante; uma vez que o arrependimento não é ensinado nem enfatizado pelo pai, isso significa que arrependimento diante de Deus não importa!

Mas talvez a mais séria de todas as conclusões falsas é aquela que declara que não há necessidade de um mediador entre Deus e o homem e que a idéia de expiação é estranha ao evangelho – a qual deve ser atribuída à mente legalista de Paulo. “A parábola não faz qualquer menção”, dizem, “de alguém entre o pai e o filho. Nenhuma referência é feita sobre outra pessoa pagando um resgate, ou fazendo uma expiação; vemos apenas uma interação direta entre o pai e o filho, resultante apenas da volta do filho daquela terra distante”. Desde que tais coisas não são mencionadas ou enfatizadas de forma específica na parábola, essas pessoas concordam que elas não são realmente importantes ou imprescindíveis. Como se o objetivo de nosso Senhor nesta parábola fosse apresentar um esboço completo de toda a verdade cristã, e não apenas ensinar um aspecto dessa verdade. Certamente deve ser óbvio para você que, se um processo semelhante fosse aplicado a todas as parábolas, teríamos um completo caos, e enfrentaríamos uma multidão de contradição!

O propósito de uma parábola, então, é nos apresentar e ensinar uma grande verdade positiva. E se há um caso em que isso deve ser claro e evidente, é no caso desta parábola. Não é por acaso que ela é parte de uma série de três parábolas. Nosso Senhor parece ter feito um esforço especial para nos proteger do perigo ao qual estou referindo. Contudo, mesmo à parte disso, a chave de tudo nos é oferecida nos dois primeiros versículos do capítulo, que nos fornecem o contexto essencial. “E chegavam-se a ele os publicamos para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: este recebe pecadores, e come com eles”.. Então se seguem estas três parábolas, obviamente com o objetivo de tratar dessa situação específica, e responder às objeções dos escribas e fariseus. E, como se desejasse acrescentar uma ênfase especial, nosso Senhor apresenta uma certa moral ou conclusão ao término de cada parábola. O elemento principal, certamente, é que há esperança para todos que o amor de Deus alcança, até mesmo publicanos e pecadores. A gloriosa verdade que brilha nesta parábola, e que o Senhor quer gravar em nós, é o maravilhoso amor de Deus, seu escopo e sua extensão; e isso é feito especialmente em contraste com as idéias dos fariseus e dos escribas sobre o assunto.

As primeiras duas parábolas têm o propósito de nos mostrar o amor de Deus expresso numa busca ativa do pecador, esforçando-se por encontrá-lo resgatá-lo; e elas nos mostram a alegria de Deus e de todas as hostes celestiais quando uma única alma é salva. E então chegamos a esta parábola do filho pródigo. Por que ela foi acrescentada? Por que essa elaboração suplementar? Por que um homem, em vez de uma ovelha ou moeda perdida? Certamente pode haver uma resposta. As primeiras duas parábolas enfatizam unicamente a atividade de Deus sem nos dizer coisa alguma a respeito das ações, reações ou condições do pecador; porém esta parábola é apresentada para realçar esse aspecto e esse lado da questão, para que ninguém seja tolo ao ponto de pensar que todos seremos salvos automaticamente pelo amor de Deus, assim como a ovelha e a moeda foram encontradas. O ponto fundamental ainda é o mesmo, mas sua aplicação aqui se torna mais direta e mais pessoal. Qual, então é o ensino desta parábola, qual é a sua mensagem para nós hoje? Vamos examiná-la à luz dos seguintes parâmetros.

A primeira verdade que ela proclama é a possibilidade de um novo começo, a possibilidade de um novo início, uma nova oportunidade, uma nova chance. O próprio contexto e cenário da parábola, como já mencionei, demonstra isso com perfeição. Foi porque eles sentiram e viram isso em Seus ensinos que os publicanos e pecadores “chegavam-se a ele para ouvir” – pois sentiam que havia uma oportunidade até mesmo para eles e que nos ensinos desse homem havia uma nova e viva esperança. E até mesmo os fariseus e os escribas viram exatamente a mesma coisa. O que irritava era que o Senhor tivesse qualquer tipo de associação com os publicanos e pecadores. Eles sempre tinham considerado tais pessoas como irrecuperáveis, sem qualquer esperança de redenção. Essa era a opinião ortodoxa de tais pessoas. Eram consideradas tão irremediáveis que eram totalmente ignoradas. A religião era para pessoas boas e nada tinha a ver com os que eram maus, e certamente nada tinha a lhes dar, nem aconselhava que boas pessoas se misturassem com os maus, tratando-os com bondade e oferecendo-lhes novas possibilidades. Então os ensinos de Senhor irritavam os fariseus e os escribas. Para eles qualquer um que visse possibilidade ou esperanças para um publicano ou pecador devia ser um blasfemo, e estava totalmente errado. Exatamente o mesmo ponto surge na parábola, nas diferentes atitudes do pai e do irmão mais velho para com o pródigo – não como ele devia ser recebido de volta, mas se ele devia ser recebido de volta, ou se merecia alguma coisa.

Isso, então é o que se salienta imediatamente. Existe a possibilidade de um novo começo, e isso para todos, mesmo para aqueles que parecem estar além de toda esperança. Não podia haver caso pior do que o do filho pródigo. Todavia até mesmo ele pode começar de novo. Ele chegara ao fim de si mesmo, tinha tocado os limites máximos da degradação, caindo tanto que não podia descer mais! Não há quadro mais desesperador do que o desse jovem, num país distante, em meio aos porcos, sem dinheiro e sem amigos, desesperançado e miserável, abandonado e desalentado. Mas até mesmo ele tem a oportunidade de um novo início; até mesmo ele pode começar outra vez. Há um ponto decisivo que pode resultar em êxito e felicidade, até mesmo para ele. Que evangelho abençoado, especialmente num mundo como o nosso! Que diferença a vida de Jesus Cristo operou! Ele trouxe nova esperança para a humanidade. Nada demonstra e prova mais o fato de que o evangelho de Jesus Cristo realmente é a única filosofia de vida otimista oferecida ao homem, do que publicanos e pecadores se chegarem a Ele para ouvi-lO. E a mensagem que ouviram, como nesta parábola do filho pródigo, era algo inteiramente novo.

Mas quero que observem que isso não só era novo para os judeus e os seus líderes, mas também para o mundo todo. A esperança estendida pelo evangelho aos mais vis e desesperados não só contrariava o miserável sistema dos judeus, mas também a filosofia dos gregos. Aqueles grandes homens tinham desenvolvido suas teorias e filosofias; todavia nenhum deles tinha algo a oferecer aos derrotados e liquidados. Todos exigiam um certo nível de inteligência, integridade moral e pureza. Todos requeriam muito da natureza humana à qual se dirigiam. Também não eram realistas. Escreviam e falavam de forma altamente intelectual e fascinante a respeito de suas utopias e suas sociedades ideais, mas deixavam a humanidade exatamente na mesma situação. Eram totalmente alienados à vida diária do homem comum. As únicas pessoas que podiam tentar colocar em prática seus métodos idealistas e humanísticos para resolver os problemas da vida eram os ricos e os desocupados, e mesmo estes invariavelmente descobriam que esses métodos não funcionavam. Não havia, como nunca houvera antes, qualquer esperança para os desesperados do mundo antes da vinda de Jesus Cristo. Ele foi o único que proclamou a possibilidade de um novo começo.

Ora, esse ensino não era novo apenas naquela época, durante os Seus dias aqui na terra; ainda é novo hoje em dia. Ainda é surpreendente e assombroso, e ainda espanta o mundo moderno tanto quanto espantou o mundo antigo há quase dois mil anos atrás. O mundo continua sem esperança e a filosofia que o controla ainda é profundamente pessimista. E isso talvez possa ser percebido com maior clareza quando ele tenta ser otimista, pois vemos que quando tenta nos confortar, ele sempre aponta para o futuro com suas possibilidades desconhecidas, e nos diz que no novo ano as coisas certamente serão melhores ou que de qualquer forma não podem piorar! E argumenta que a depressão já durou tanto que certamente uma mudança da maré deve ser iminente! Alegra-se que um ano terminou e outro vai começar. Qual é o segredo de um novo ano? Seu grande segredo está no fato de que nada sabemos a seu respeito! Tudo que sabemos é ruim; daí tentarmos nos consolar contemplando o que nos é desconhecido, imaginando que vai ser muito melhor. Ouçam também as suas idéias e seus planos para melhorar a humanidade. Tudo o que pode dizer é que está tentando tornar o mundo melhor para seus filhos, tentando edificar algo para o futuro e para a posteridade. Sempre no futuro! Nada tem a oferecer no presente; sua única esperança é tornar as coisas melhores para aqueles que ainda não nasceram. E quanto mais proclama isso e tenta colocá-lo em prática, mais hesitante se torna. Como prova, basta compararmos a linguagem de 1875 com a de 1935 ou mesmo a de 1905 com a de 1935.

Pois bem, se essa é a situação em relação à sociedade em geral, quanto mais desesperada e irremediável ela é quando considerada num sentido mais individual e pessoal! Que solução o mundo tem a oferecer para os problemas que nos afligem? A resposta a essa pergunta pode ser vista nos esforços frenéticos de homens e mulheres para tentarem resolver seus problemas. E, no entanto, nada é mais evidente do que o fato que seus esforços são inúteis e sempre fracassam. Ano após ano homens e mulheres fazem novas revoluções. Compreendem que, acima de tudo, o que precisam é de um novo começo. Decidem voltar as costas ao passado e virar uma nova página – ou, às vezes, começam um novo livro! Esse é o seu desejo, essa é sua firme decisão e intenção. Querem desvincular-se do passado, e por algum tempo fazem o possível para isso, mas nunca permanecem no intento. Ao poucos, inevitavelmente, voltam à sua velha posição e sua antiga situação. E depois de algumas experiências assim, acabam desistindo de tentar outra vez, e concluem que é tudo inútil. Lutam e se esforçam por algum tempo, mas finalmente a fadiga e o cansaço os vencem, a pressão e a força do mundo e suas filosofias parecem estar totalmente do outro lado, e eles entregam os pontos. A posição parece ser inteiramente sem esperança. Eu me pergunto: quantos, até mesmo aqui neste culto hoje, sentem que estão nessa situação, de uma forma ou outra? Meu amigo, você sente que perdeu o mundo, que se desviou? Sente-se constantemente assediado pelo que “podia ter sido”? Sente que está em tal situação, ou em tal posição, que não tem nenhuma esperança de sair dela e endireitar-se novamente? Sente que esta tão longe daquilo que devia ser e do que gostaria de ser, que não pode mais alcançá-lo? Você sente que não tem mais esperança por causa de alguma situação que está enfrentando, ou devido alguma complicação em que se envolveu, um pecado que o domina, o qual não consegue vencer? Você já disse a si mesmo: “Que adianta tentar outra vez? Já tentei tantas vezes antes, e sempre fracassei; tentar outra vez só pode produzir o mesmo resultado. Minha vida é uma confusão; perdi minha oportunidade e daí para frente devo me contentar em fazer o melhor que posso na situação em que estou”. São estes os seus sentimentos e pensamentos? Já está convencido que perdeu sua oportunidade na vida, que o que passou passou, e que se você tivesse outra oportunidade tudo seria diferente, todavia isso é impossível? É essa a sua posição? Coitado! Quantos estão em tal situação? Como é infeliz e sem esperança a vida da maioria dos homens e das mulheres! Como é triste! Ora, a primeira palavra do evangelho para os que estão nessa situação é que eles devem erguer suas cabeças, que nem tudo está perdido, que ainda há esperança, ainda há esperança de um novo começo, aqui e agora, neste momento, sem qualquer relação com algo imaginário e pertencente a um futuro desconhecido; mas algo que se baseia num fato que se passou há quase dois mil anos atrás, o qual ainda é tão poderoso hoje como era então. Até mesmo o pródigo tem esperança. Há um ponto de retorno no caminho mais tenebroso e irremediável. Há um novo começo oferecido até mesmo aos publicanos e pecadores.

Contudo, quero enfatizar em detalhes o que já mencionei de passagem: esta mensagem do evangelho não é algo geral e vago como a mensagem do mundo, mas é algo que contém condições muito definidas. E é aqui que vemos com maior clareza porque nosso Senhor proferiu essa parábola em acréscimo às outras duas. Para que possamos tirar proveito desse novo começo oferecido pelo evangelho, precisamos observar os seguintes pontos. Ouçam amigos, permitam que eu enfatize a importância de fazermos isso! Se vocês simplesmente ficarem sentados, ouvindo e permitindo que o quadro brilhante do evangelho os emocione, voltarão para casa exatamente como chegaram aqui. Todavia, se observarem cada ponto com cuidado, e o colocarem em prática, voltarão para casa como pessoas totalmente diferentes. Se estão ansiosos por tirarem proveito da nova esperança e do novo começo oferecido pelo evangelho, então devem seguir suas instruções e seus métodos. Pois bem, quais são eles?

O primeiro é que devemos enfrentar nossa situação com franqueza e honestidade. É uma coisa estar numa posição má e difícil, outra coisa completamente diferente é enfrentá-la com sinceridade. Este filho pródigo estava numa situação péssima por muito tempo antes de chegar ao ponto de realmente compreender isso. Uma pessoa não cai subitamente na situação descrita aqui. Aquilo aconteceu aos poucos, quase sem que ele percebesse. E mesmo depois que aconteceu, ele levou algum tempo para percebê-lo. O processo é tão sutil e tão insidioso que a pessoa mal percebe. Ela contempla seu rosto no espelho todas as manhãs e não nota as mudanças que estão acontecendo. Somente alguém que não a vê com freqüência pode notar os efeitos com mais clareza. E muitas vezes, quando começamos a sentir terrível realidade da nossa situação, deliberadamente evitamos pensar a respeito. Colocamos tais pensamentos de lado e nos ocupamos com outras coisas comentando: “Que adianta pensar a respeito disso? Essa é a situação, acabou!” Ora, o primeiro passo no caminho da volta, é enfrentar a situação com honestidade e franqueza. Lemos que esse jovem “caiu em si”. Foi exatamente o que ele fez! Ele enfrentou a situação, e o fez com sinceridade. Compreendeu que seus problemas eram resultado exclusivo de sua próprias ações, que ele fora um tolo, que não devia ter abandonado a casa de seu pai, e certamente não devia tê-lo tratado da maneira que fizera. Ele olhou para si mesmo e mal conseguiu acreditar no que viu! Olhou para os porcos e as bolotas à sua volta. Encarou a situação de frente!

Meu amigo, você já fez isso? Já olhou para si mesmo? Já pensou se todas as suas ações durante o ano que passou fossem colocadas no papel? E se tivesse mantido um registro de todos os seus pensamentos e desejos, suas ambições e imaginações? Você permitiria que isso fosse publicado sob seu nome? O que você é hoje em comparação com o que foi no passado? Olhe para suas mãos – estão limpas? E os seus lábios – são puros? Olhe para seus pés – onde eles pisaram, que caminho percorreram? Olhe para si mesmo! É realmente você? E então olhe à sua volta, para a sua posição e os seu ambiente. Não fuja! Seja honesto! Do que você está se alimentando? Comida ou bolotas lançadas aos porcos? Em que você tem gastado seu dinheiro? Para que fins você usou dinheiro que talvez devesse ser usado para alimentar sua esposa e filhos, ou vesti-los? Do que você tem se alimentado? Olhe! É alimento próprio para ser humano? Avalie o que você gosta. Enfrente-o com calma. É algo digno de uma criatura criada por Deus, com inteligência e sabedoria? É coisa que pelo menos honra o ser humano – quanto mais a Deus? É alimento de porcos, ou é próprio para ser consumido por um seu humano? Não basta que você apenas lamente a sua sorte ou se sinta miserável. Como acabou em tal estado ou situação? Olhe para os porcos e as bolotas, e compreenda que é tudo devido você ter abandonado a casa do seu pai, agindo deliberadamente contra os ditames da sua própria consciência, deliberadamente zombando da religião e de todos os seus mandamentos e princípios; tudo é resultado exclusivo de suas próprias decisões. A situação em que se encontra hoje é conseqüência de suas próprias escolhas, e de sua próprias ações. Enfrente isso e admita-o. Esse é o primeiro passo essencial no caminho da volta.

O passo seguinte é compreender que há somente Um a que você pode recorrer, e somente uma coisa a fazer. Não preciso elaborar esse ponto em detalhes, no que se refere ao filho pródigo, pois é bastante claro. “Ninguém lhe dava nada”. Tentara de tudo, esgotara todos os seus recursos e seus esforços, bem como os esforços de outras pessoas. Tudo acabara para ele e ninguém podia ajudá-lo – exceto um. O pai! A última, a única esperança. O evangelho sempre insiste que cheguemos a esse ponto. Enquanto lhe resta um centavo que seja, o evangelho não o ajudara. Enquanto tiver amigos, ou entidades às quais pode recorrer em busca de ajuda, crendo que lhe darão assistência, o evangelho nada tem a lhe dar. Naturalmente, enquanto o homem achar que pode se manter recorrendo a qualquer um desses outros métodos, ele continuará tentando fazer isso. E em nossa estimativa, o mundo ainda está longe da falência. Ele ainda crê em seus métodos e em suas próprias idéias. E de que forma patética nos agarramos a ele! Confiamos em nossa força de vontade e em nosso próprio esforço. Recorremos aos “anos novos” do nosso calendário com se ele pudessem fazer qualquer diferença em nossa situação! Buscamos a ajuda de amigos e companheiros, de parentes e queridos. Ah, vocês estão familiarizados com o processo, não só em seus esforços de acertar a sua própria vida, mas também nos esforços de endireitar a vida de outros a respeito de quem estão preocupados ou ansiosos. E assim continuamos até termos esgotados os recursos. Como o pródigo, continuamos até nos tornarmos frenéticos, e até ao ponto em que “ninguém nos dá nada” Somente então é que nos voltamos para Deus. Oh que insensatez! Permitam que eu estoure essa falácia aqui, e agora. Enfrentem-na com franqueza. Compreendam que todos os seus reforços vão falhar, como sempre falharam até aqui. Entendam que a melhora será meramente transitória e temporária.. Parem de se enganar a si mesmos. Compreendam como é desesperada a sua situação. E compreendam que existe somente um poder que pode colocar suas vidas no caminho certo – o Poder do Deus Todo-poderoso. Você podem continuar confiando em si mesmos e nos outros, e se esforçando ao máximo. Mas daqui a um ano a sua situação não só será a mesma, e sim muito pior. Somente Deus pode salvá-los.

No entanto, ao se voltarem para Deus, vocês precisam compreender também que nada podem pleitear diante dEle, exceto a Sua misericórdia e compaixão. Quando o pródigo abandonou o lar, sua exigência foi: “Dá-me!” “Ele exigiu seus direitos. Estava cheio de auto-confiança e até mesmo presunção, sentindo que não estava recebendo tudo a que tinha direito. “Dá-me”! Mas quando voltou para casa, o seu vocabulário mudou e o que ele diz agora é : “Faz-me”. Anteriormente ele sentira que era “alguém” e que estava na posição de exigir direitos inerentes e dignos de uma pessoa como ele. Agora ele sente-se reduzido a nada e ninguém, e compreende que sua maior necessidade é que algo seja feito de sua vida. “Faz-me!”. Amigo, se você acha que tem qualquer direito de exigir perdão de Deus, posso lhe assegurar que está perdido e condenado. Se sente que Deus tem o dever e a obrigação de perdoá-lo, você certamente não será perdoado. Se sente que Deus é severo e que está contra você, então é culpado do maior de todos os pecados. Se ainda sente que é “alguém” e que tem direito de dizer “dá-me”, você nada receberá além de miséria e contónua desolação. Todavia, se compreender que pecou contra Deus e O indignou, se sente que não passa de um verme, ou menos que isso, indigno até de ser considerado um ser homem – quanto mais indigno de Deus! – se sente que nada é, em vista da forma como se afastou dEle e Lhe voltou as costas, ingnorando-O e zombando dEle, se se lançar diante dEle e da sua misericórdia implorando-Lhe que na sua infinita bondade e amor, Ele faça algo da sua vida, então tudo será diferente. Nunca foi a vontade de Deus que você acabasse na situação em que esta. Foi contra a vontade dEle que você se afastou. A decisão foi toda sua. Diga-lhe isso, e confesse também que o que mais o preocupa e aflige não é apenas a miséria que trouxe à sua própria vida, porém o fato de ter desobedecido a Ele, insultando-O e ofendendo-O.

Então, tendo compreendido tudo isso, ponha-o em prática! Abandone a terra distante. Sua presença neste culto significa que você se levantou dentre os porcos e as bolotas. Mas afasta-te dessa terra longínqua. Faça-o! Volte-se para Deus, busque a reconciliação com Ele! Tome uma decisão. Entregue-se a Ele! Ouse confiar nEle! Como teria sido ridículo se o filho pródigo tivesse limitado a pensar aquilo tudo, sem colocá-lo em prática! Teria continuado na terra longínqua. Mas ele agiu. Pôs em pratica a sua decisão. Cumpriu sua resolução. Voltou para o pai e entregou-se à sua misericórdia e compaixão, e você precisa fazer o mesmo, da forma como já indiquei.

E se fizer isso, descobrirá que no seu caso, como no caso do filho pródigo, haverá um novo começo para a sua vida, um novo princípio firme e sólido. O impossível acontecerá, e você ficará assombrado e maravilhado com o que descobrirá. Não vou me deter na alegria e no gozo e na emoção disso tudo hoje, para que possa enfatizar a realidade desse novo começo que o evangelho nos dá. Não é algo etéreo ou trivial. Não é uma simples questão de sentimentos ou emoções. Não é uma anestesia ou um sedativo que amortece nossos sentidos, levando-nos a sonhar com um mundo brilhante e feliz. É real, é verdadeiro. Em Jesus Cristo, um novo começo, real e genuíno, é possível. E é possível somente através dele! A grandeza do amor do pai nesta parábola não é expressada tanto em sua atitude como no que ele fez. Amor não é um mero sentimento vago, ou uma disposição geral. O amor é algo ativo! É a atividade mais dinâmica do mundo, e transforma tudo. É por isso que também aqui somente o amor de Deus pode realmente nos dar um novo começo, uma nova oportunidade. O amor de Deus não se limita a falar sobre um novo começo: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu…”. O pai fez certas coisas pelo seu filho pródigo; e somente Deus pode fazer por nós e para nós aquilo que nos levantará outra vez. Observemos como Ele o faz. Oh, a maravilha do amor de Deus, que realmente faz novas todas as coisas, o único que realmente pode fazer isso!

Observem como o pai oblitera o passado. Ele vai ao encontro do filho como se nada tivesse acontecido, ele o abraça e beija como se sempre tivesse sido zeloso e exemplar em toda sua conduta! E com que rapidez ordena aos servos que removam os farrapos e andrajos da terra longínqua, e com eles todos os traços e vestígios do seu passado pecaminoso. Com todas essas ações ele apaga o passado de uma forma que mais ninguém poderia fazer. Somente ele podia perdoar de fato, somente ele podia apagar o que o filho fizera contra ele e contra a família; e ele o fez. Removeu todos os traços do passado. E essa sempre é a primeira coisa que acontece quando um pecador se volta para Deus da forma como estamos descrevendo. Voltamo-nos para Ele esperando tão pouco quanto o pródigo, cuja expectativa era que fosse feito um servo. Quão infinitamente Deus transcende todas as nossas maiores expectativas quando Ele começa a tratar conosco! Tudo que pedimos é alguma forma de começara outra vez. Deus nos maravilha e surpreende com Sua primeira ação – obliterando todo o nosso passado! E isso, enfim, é o que almejamos acima de tudo. Como podemos ser felizes e livres em vista do nosso passado? Mesmo que não cometamos mais certas ações ou um certo pecado, o passado está presente e sempre temos diante de nós o que fizemos. Esse é o problema. Quem pode nos libertar do nosso passado? Quem pode apagar do livro da nossa vida aquilo que já fizemos? Há somente Um! E Ele pode fazê-lo! O mundo tenta me persuadir que não importa, que posso voltar as costas ao passado e esquecê-lo. Mas eu não posso esquecer – ele sempre me volta à lembrança. E me lança em miséria e desespero. Posso tentar de tudo, porém meu passado permanece um fato sólido, terrível, medonho. Há alguma forma de me livrar dele? Algum modo de apagá-lo? Há somente um que pode removê-lo dos meus ombros. Eu só posso ter certeza que meus farrapos e andrajos se foram quando os vejo na Pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que os tomou sobre Si e Se fez maldição em meu lugar. O Pai mandou que Ele tirasse de sobre mim os meus farrapos, e Ele o fez. Ele levou minha iniqüidade, e Se vestiu e cobriu com meu pecado. Ele o tirou, lançando-o no mar do esquecimento de Deus. E quando eu compreendo e creio que Deus em Cristo não só perdoou meu passado, mas também o esqueceu, quem sou eu para procurar por ele e tentar encontrá-lo? Minha única consolação, quando considero o passado, é lembrar que Deus o apagou. Ninguém mais podia fazer isso. Mas Ele o fez. E este é o primeiro passo essencial para um novo começo. O passado precisa ser apagado; e ele é apagado em Cristo e em Sua morte expiatória.

Todavia, para ter um começo realmente novo, mais uma coisa é necessária. Não basta que todos os traços do meu passado sejam removidos. Preciso de algo no presente. Preciso ser vestido, necessito de algo que me cubra. Preciso de confiança para começar outra vez e para enfrentar a vida, as pessoas e os problemas que fazem parte dela. Embora o pai tenha corrido ao encontro do filho e o beijado, isso por si só não lhe teria dado segurança. Ele saberia que todos veriam os andrajos e a lama. Por essa razão, o pai não se limitou a isso. Ele vestiu o rapaz com roupas dignas de um filho, com todas as provas externas dessa posição. Anunciou a todos que seu filho retornou, e o vestiu de forma que o rapaz não se sentisse envergonhado diante dos outros. Ninguém mais além do pai podia fazer isso.. Outros podiam ter ajudado o rapaz, mas somente o pai podia restaurá-lo à sua posição de filho e prover tudo o que estava associado a ela.

Exatamente o mesmo acontece quando nos voltamos para Deus. Ele não só nos perdoa e apaga nosso passado, mas também nos torna filhos. Ele nos dá uma nova vida e novo poder. E Ele lhe dará tal certeza do Seu amor, meu amigo, que você poderá olhar para os outros sem qualquer sentimento de vergonha. Ele o vestirá com o manto da justiça de Cristo, e não só lhe dirá que o vê como filho, mas na verdade fará com que sinta que realmente o é. Quando olhar para si mesmo, você nem sequer se reconhecerá! Olhará para o seu corpo e verá esse manto de valor inestimável, olhará para os seus pés e os verá calçados de sandálias novas, olhará para sua mão e verá o anel, o selo do amor de Deus. E quando fizer isso, sentirá que pode enfrentar o mundo todo de cabeça erguida, sim, e poderá enfrentar o diabo e todos os poderes que o enganaram no passado e que arruinaram a sua vida. Sem essa posição e confiança, um novo começo não passa de um produto da imaginação. P mundo tenta limpar suas velhas vestes, buscando dar-lhes uma aparência respeitável. Somente Deus, em Cristo pode nos vestir com um manto novo, e realmente nos tornar fortes. Que o mundo tente apontar o dedo para nós, querendo trazer à tona o nosso passado! Que tente lançar seus piores estratagemas contra nós! Basta que olhemos para o manto, as sandálias e o anel, e saberemos que tudo está bem.

E se você ainda requer uma prova clara da realidade de tudo isso, ela pode ser encontrada no fato que até mesmo o mundo tem de reconhecer que é verdade. Ouça as palavras do servo, falando com o irmão mais velho. O que ele diz? “Um homem de aparência estranha, em andrajos, apareceu aqui hoje?” Não! “Veio o teu irmão”. Como ele soube que era o irmão? Ah, ele vira as ações do pai e ouvira suas palavras! Ele jamais teria reconhecido o filho, porém o pai o reconheceu, mesmo à distancia. O pai o reconheceu! E Deus reconhece você, e quando você se volta para Ele e permite que Ele o vista, todos ficarão sabendo. Até mesmo o irmão mais velho ficou sabendo. Era a última coisa que ele queria saber, mas os cânticos e os sons de júbilo e alegria não deixavam dúvidas quanto à conclusão inevitável. Ele estava por demais aviltado para dizer “meu irmão”, no entanto, até mesmo ele teve que dizer: “Este teu filho”. Não passou prometer que todos o amarão que falarão bem a seu respeito se entregar sua vida a Deus em Cristo.. Muitos certamente o odiarão, e o perseguirão zombando de você e fazer muitas outras coisas contra você, mas, ao fazerem isso, estarão na verdade testemunhando que eles também perceberam que você é uma nova pessoa, que sua vida foi renovada e recebeu a oportunidade de um novo começo.

O que mais você requer?

Aqui está a oportunidade para um começo realmente novo. É o único meio. O próprio Deus o tornou possível, enviando Seu Filho unigênito a este mundo, para viver, morrer, e ressuscitar. Não importa o que você tenha sido no passado, nem o que é no momento. Basta que se volte para Seus, confessando seu pecado contra Ele, lançando-se sobre Sua misericórdia em Cristo Jesus, reconhecendo que somente Ele pode salvar e guardar você, e descobrirá que

O passado será esquecido
Gozo dado no presente,
Graça futura prometida –
E uma coroa de glória no céu.

Venha! Amém.

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Cura Miraculosa

O mais equilibrado e completo sobre o assunto. Recomendado por Martin Lloyd-Jones!
Cura Miraculosa
Henry Frost
Editora PES
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Livros Martin Lloyd-Jones

Uma Nação sob a Ira de Deus

Maravilhosa exposição de Isaías 5!
Compre apenas a 2a. edição, pois a primeira tem muitos erros de tradução. Infelizmente, a capa da primeira é mais bonita que da segunda… Na imagem, a capa da 2a. edição.

Uma Nação sob a Ira de Deus
D. Martin Lloyd-Jones
Editora Textus

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Igreja Martin Lloyd-Jones

O Crescimento da Igreja (M. Lloyd-Jones)

“Edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina; no qual todo o edifício, bem ajustado, cresce para templo santo no Senhor, no qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus em Espírito. ” (Efésios 2:2O-22)

Ainda estamos estudando esta terceira figura que o apóstolo usa, do povo cristão e da Igreja Cristã, segundo a qual ele diz que a Igreja é uma espécie de edifício, um grande templo, no qual Deus habita, e ainda vai habitar de maneira mais ampla e mais completa. Temos examinado esta figura de modo geral. Mas o apóstolo não nos oferece meramente uma descrição geral deste edifício, ele nos fala em detalhe sobre a planta e as especificações que foram obedecidas, e que sempre deverão ser obedecidas, na construção deste edifício.

Portanto, começamos necessariamente com o alicerce, com o fundamento. Somos “edificados sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, de que Jesus Cristo é a principal pedra da esquina”. Em seguida a isso, passamos mais diretamente a uma consideração de nós mesmos e daquilo que nos caracteriza que, como pedras neste edifício, estamos relacionados com o fundamento, estamos relacionados com o Senhor Jesus Cristo, estamos relacionados com a verdade; porém, e este é o aspecto que o apóstolo parece salientar mais que tudo aqui, também estamos relacionados uns com os outros. Noutras palavras, a frase importante aqui é esta palavra que foi traduzida por estas três, “adequada e conjuntamente ajustado” (a palavra e só entrando como elemento de ligação). Essa é a palavra a que devemos dar atenção outra vez. Aí estão todas estas pedras individuais nesta parede, nestas paredes que estão sendo levantadas, e elas todas são “adequadas e conjuntamente ajustadas”.

Todas estas coisas são figuras e, portanto, é óbvio que nenhuma delas pode transmitir a verdade completa. É por isso que o apóstolo usa aqui três figuras diferentes; nenhuma delas é suficiente só por si. Desta maneira, ao tratar anteriormente desta questão de preparo das pedras, eu mostrei que certa dose de preparação era necessária de antemão, e também que, em certo sentido, a preparação continua a vida inteira. Essa é a espécie de paradoxo que se vê no Novo Testamento concernente à Igreja. De um lado nos é dada a impressão de que Deus já habita na Igreja – e é um fato. E, contudo, há esta outra idéia de que a Igreja ainda está sendo construída “para morada” na qual Ele virá habitar quando ela estiver completa. Da mesma maneira nós, num sentido, já estamos preparados, mas também ainda necessitamos deste processo. Todavia outras ilustrações são utilizadas para aclarar isso.

Agora voltemos a esta grande questão sobre como exatamente estas pedras são colocadas no edifício. “No qual também vós juntamente sois edificados”, diz Paulo, “para morada de Deus”. Vocês efésios, diz ele, foram colocados neste edifício, são partes agora desta construção, são partes deste grande templo que está sendo erigido no Senhor para morada de Deus em Espírito (ou “mediante o Espírito”, VA).

Uma questão muito importante para nossa onsideração é a seguinte: quando ocorre a preparação? Primordial e essencialmente, esta preparação acontece antes de estarmos na Igreja. Jamais poderemos fazer parte deste edifício, jamais seremos pedras nessas paredes, sem já estarmos preparados para isso. Portanto, vamos lá para trás, a um versículo do Velho Testamento – 1 Reis 6:7: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. Isso é uma parte da narrativa da construção do templo de Salomão. É uma parte muito importante da história. De fato, visto que estamos estudando esta passagem, é de grande importância que voltemos ao Velho Testamento para lermos acerca da construção do templo de Salomão em Jerusalém. Não há nenhuma dúvida de que o apóstolo Paulo tinha essas figuras em sua mente, e é igualmente claro que o que nos é ensinado quanto à construção do tabernáculo e do templo tem relevância para aquilo que estamos estudando neste momento.

Quando Deus instruiu Moisés sobre a construção do tabernáculo, Ele o levou a um monte e lhe deu instruções minuciosas. Deus não disse simplesmente a Moisés: agora Eu quero que você construa um tabernáculo para Mim, no qual a Minha presença possa habitar, no qual a glória da Minha Shekinah possa manifestar-se. Ele lhe deu instruções pormenorizadas, entrando nas questões de medidas, cores etc. Tudo foi dado em detalhe. E tendo lhe dado a planta e as especificações, Deus disse à Moisés: “Atenta, pois, que o faças conforme ao seu modelo, que te foi mostrado no monte” (Êxodo 25:4O). Parece que foram dadas instruções de maneira semelhante a Salomão (2 Crônicas 13). É importante, pois, que tenhamos isso em mente; é de profunda significação. Ouçam-no de novo: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava; de maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. Essa declaração contém importante doutrina que lança luz sobre a exposição feita pelo apóstolo na passagem que estamos estudando, com relação à natureza da Igreja Cristã.

Em meu parecer, o primeiro principio que se deve observar é o seguinte: a preparação é feita em segredo. Sem dúvida havia pessoas em Jerusalém que ficavam observando a construção do templo. Mas elas não viam a preparação das pedras. Este trabalho era feito antes de serem trazidas para o local do templo e de serem colocadas nos seus lugares nas paredes. Eis aí um grande princípio do Novo Testamento. Antes de sermos verdadeiros membros da Igreja Cristã, qualquer de nós – (vocês vêem como é importante distinguir entre simplesmente termos os nossos nomes nos róis de uma igreja e realmente sermos membros de Cristo e da Sua Igreja) – antes de podermos estar verdadeiramente na Igreja, uma enorme obra de preparação é indispensável. É uma obra realizada pelo Espírito Santo, e é realizada nas profundezas da alma. É uma obra misteriosa e secreta. O mundo a ignora. Assim como o povo de Jerusalém nada sabia da preparação daquelas pedras, o mundo também nada sabe a respeito. E possível estarmos trabalhando num escritório com outras pessoas, ou até vivendo na mesma casa com outros, certa poderosa obra de preparação estar sendo realizada em nós, sem que eles saibam. Não é uma obra realizada externamente, por fora, superficialmente; é realizada no âmago da alma.

Escrevendo aos coríntios, o apóstolo diz: “Vós sois a carta de Cristo… escrita, não com tinta, mas com o Espírito de Deus vivo, não em tábuas de pedra, mas nas tábuas de carne do coração” (2 Coríntios 13). É uma obra interna, uma obra misteriosa, que se realiza naquela parte do homem chamada alma. Certamente vocês se lembram de um famoso anatomista que zombou da alma há alguns anos. Disse ele que tinha dissecado muitos corpos na sala de anatomia, e nunca tinha encontrado um órgão chamado alma. Claro que não! Essa é uma das coisas secretas que um anatomista materialista não pode entender. Menos ainda tal homem poderia entender a obra realizada pelo Espírito na alma. A obra é tão secreta que, às vezes, a própria pessoa em quem ela está sendo realizada não sabe o que está acontecendo. Muitas vezes o Espírito age em nós durante algum tempo, antes de percebermos o que se passa. Tudo o que sabemos é que estamos sendo levados a fazer certas perguntas que nunca tínhamos feito antes. Tudo o que sabemos é que, de repente, ficamos insatisfeitos com nós mesmos e com as nossas vidas, e não sabemos por quê. Alguém talvez diga que não estamos bem e que deveríamos consultar um médico; e pode ser que concordemos. Talvez pensemos que estamos cansados, ou procuremos alguma outra explicação. É uma obra misteriosa. Novos interesses surgem, novos anseios, desejos e aspirações, e dizemos: “Que será isso? Não entendo o que se passa comigo. Parece que alguma coisa está acontecendo comigo. Não sou mais o mesmo. Que será isso?” E não entendemos. Ignoramos esta obra secreta que o Espírito está realizando. Mas aí está ela, e faz parte da preparação. Esse trabalho era feito antes de as pedras serem levadas para Jerusalém.

Não devo demorar-me neste particular, porém vocês se lembram da maneira como o nosso Senhor expressou esta verdade, dizendo a Nicodemos, que nesse ponto mostrou-se completamente incapaz de entender a Sua doutrina: “Como pode um homem nascer, sendo velho?”, pergunta Nicodemos. “Pode, porventura, tornar a entrar no ventre de sua mãe, e nascer?” -Não entendo! Certo, disse efetivamente o nosso Senhor. “O vento assopra onde quer, e ouves a sua voz, mas não sabes de onde vem, nem para onde vai; assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Você vê o resultado, você não vê o que acontece, não entende. “Não sabes de onde vem, nem para onde vai.” Não se vê, é invisível, mas você vê os efeitos, o resultado, o produto acabado. “Assim é todo aquele que é nascido do Espírito.” Noutras palavras, estabeleço como proposição fundamental – e é sumamente importante dar ênfase a isso hoje, porque há uma grave
incompreensão dessa questão – que, ser cristão é estar sujeito a uma energia e um poder que está acima do nosso entendimento. Não me entendam mal. Isso não significa que o cristianismo é irracional; o que
significa é que o cristianismo é super-racional, supra-racional, poderíamos dizer. Não há – e isso me causa prazer, pelo que o repito muitas vezes – não há nada que, uma vez que você esteja dentro, seja tão racional, tão lógico como a fé cristã (como o revela a ilustração que temos nesta Epístola aos Efésios). Mas se você está fora, não a entende; parece haver algo de misterioso e estranho nela. Por quê? Porque é obra de Deus, porque é ação direta do Eterno. Já não é ação realizada por meio das leis da natureza; Ele está agindo diretamente, Ele está agindo imediatamente, isto é, sem utilizar-Se de meios.

Deixem-me pedir ao grande apóstolo que exponha isso. Vejam como ele o faz na Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo dois. Diz ele que quando o Senhor Jesus Cristo estava neste mundo, os príncipes deste
mundo não O reconheceram, pois, se O tivessem reconhecido, “nunca crucificariam o Senhor da glória”. Eles viam simplesmente um homem, o carpinteiro de Nazaré. Indagavam: quem é este sujeito? Ficavam admirados com o Seu conhecimento e com a Sua cultura; todavia não entendiam, não sabiam que Ele era o Filho de Deus. Mas o apóstolo declara: “Deus no-las revelou pelo Seu Espírito”; sim, pelo Espírito que “penetra todas as coisas, ainda as profundezas de Deus”. Ele prossegue, dizendo: “Nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que provém de Deus, para que pudéssemos conhecer o que nos é dado gratuitamente por Deus”. E ainda: “O homem natural não compreende as coisas do Espírito de Deus, porque lhe parecem loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem espiritualmente”. E então ele acrescenta isto: “Aquele que é espiritual (isto é, o homem espiritual) discerne (ou, “julga” VA) bem tudo, e ele de ninguém é discernido (ou, “por ninguém é julgado”). Noutras palavras, o cristão, por definição, deveria ser um problema e um enigma para todos os não cristãos. Como isso é importante como uma prova para cada um de nós! Se um incrédulo pode entender você e tudo o que você lhe diz, então, pelo menos dentro deste contexto, você não está dando prova de que você é cristão.

Quando o Filho de Deus estava neste mundo, Ele era um grande problema para as pessoas. Elas perguntavam: quem é este? Ele é um homem comum, nunca foi instruído como fariseu, não é escriba, não é sacerdote, nunca teve erudição e cultura; no entanto, olhem para Ele, ouçam o que Ele está dizendo. Ele parece ter conhecimento; vejam os Seus milagres – quem é este? Ele era um problema e um quebra-cabeça para eles. Porventura vocês se lembram de que, nos capítulos iniciais do livro de Atos somos informados de que acontecia a mesma coisa com os Seus seguidores? Pedro e João curaram um homem na Porta Formosa do templo, e as autoridades não podiam entender o fato. Levaram-nos a julgamento, e tudo o que puderam dizer foi que “eles haviam estado com Jesus” (4:13). Isso era tudo o que eles sabiam. Homens ignorantes, indoutos, mas cheios de poder! Que será isso?

É esse o aspecto secreto desta obra, desta preparação. O cristão, por ter sido formado e modelado pelo Espírito Santo, é alguém que ninguém pode entender, exceto outro cristão. A obra realizada pelo Espírito não é irracional, mas transcende a razão, confirmando aquele famoso dito de Pascal: “A suprema percepção da razão é levar-nos a ver que há um limite para a razão”. Aqui nos encontramos numa esfera em que Deus age imediata e diretamente. Assim, o cristão não é meramente alguém que decide adotar certo número de proposições e um ponto de vista, ou esposar uma filosofia. O cristão é, por definição, alguém que foi formado, modelado, posto em forma, adaptado e ajustado para ser uma pedra nesta parede, neste edifício, que vai ser um “templo santo no Senhor, uma habitação de Deus. O cristão é alguém que nasceu de novo, foi transformado, renovado, regenerado. Estes são termos do Novo Testamento. Ele é uma “nova criatura”, uma “nova criação”.

No entanto, isso nos leva a um segundo princípio: tudo isso tem que acontecer conosco antes de podermos fazer parte da Igreja. Nosso texto fundamental, 1 Reis 6:7, põe isso acima de tudo o mais. “Edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava”, (ou, ” …com pedras preparadas antes de serem trazidas…”, VA). Não estamos numa igreja para nos tornarmos cristãos. Estamos numa igreja porque somos cristãos. A razão para ser membro dessa igreja não é que finalmente você venha a ser cristão; é porque você já o é. Nunca foi propósito da igreja ter em seus róis uma multidão mista – composta de cristãos, dos que acham que são cristãos, dos que esperam poder tomar-se cristãos e dos que, bem, estão ali porque nem sequer pensaram o suficiente em parar de freqüentá-la, e são meros tradicionalistas. Este também, lembro a vocês, é um ponto tremendamente importante, sobretudo na hora presente, quando a questão da natureza da Igreja é levantada agudamente por todos quantos falam em união, reunião e
unidade.

É nosso dever familiarizar-nos com o que se ensinava no passado sobre essa matéria. Ora, no tempo da Reforma Protestante, essa era uma questão urgente e crucial. Martinho Lutero ensinava que a Igreja é a comunidade dos crentes. João Calvino acentuava que a Igreja consiste do número total dos eleitos. Vocês notam a ênfase? – comunidade dos crentes, número total dos eleitos, dos escolhidos, dos chamados. E vocês recordam que os puritanos, que em certo sentido foram os originadores e os fundadores daquilo que hoje toma o nome de “igrejas livres” (os primeiros “independentes”, os primeiros batistas, e outros), colocavam sua ênfase no que eles chamavam, “a igreja reunida”. Queriam dizer que a Igreja realmente consiste da reunião, ou do encontro dos santos, dos crentes. Eles foram ficando cada vez mais tristes com a idéia de uma “Igreja do Estado”, porque, de acordo com a idéia de uma “Igreja do Estado”, todos os que vivem numa paróquia são membros da Igreja e são cristãos. Pois bem, os não conformistas rejeitavam isso completamente. Eles diziam: porque sucede que um homem vive numa paróquia, não é necessariamente um cristão. Simplesmente porque certas pessoas vivem neste país, não significa que são cristãs. Eles asseveravam que a Igreja consiste unicamente dos que foram preparados, dos que nasceram de novo, dos regenerados, dos renovados, dos santos, dos crentes, do povo de Deus; e a Igreja é a reunião destes. Isso é a Igreja, os “santos reunidos”.

Vocês vêem a importância e a relevância disso tudo nos dias atuais, quando há uma tendência das pessoas se tornarem cada vez mais soltas e cada vez mais vagas nas definições; a tendência de dizer que todos os que se dizem cristãos devem ser considerados cristãos, e que todos somos um, e assim por diante. De fato às vezes chegam a sugerir que não deveríamos dar demasiada ênfase até mesmo ao termo “cristão”. Temos um “Congresso Mundial de Crenças” que incluem todos os que crêem em Deus, de uma forma ou de outra. Todos esses são um, dizem, contrariamente aos que não crêem em Deus.

É vital que consideremos isso tudo, não somente à luz da história, mas ainda mais à luz das Escrituras – esta Escritura de Efésios e aquela declaração registrada em 1 Reis 6:7. Noutras palavras, certamente o ensino das Escrituras é simples e claro. E é que a Igreja consiste somente daqueles que crêem na doutrina verdadeira e que vivem a vida cristã. “O fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: o Senhor conhece os que são seus, e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2 Timóteo 2:19). Há alguns que negam a fé, diz Paulo a Timóteo: negam a ressurreição, dizem que é coisa do passado. Não se aflija; eles parecem cristãos, porém Deus sempre soube onde eles estão. Ele conhece todas as coisas, o Seu fundamento permanece seguro. Ele não pode negar a Si próprio, embora O neguemos. Ele sabe o que faz. Em última análise, o Arquiteto da Igreja é Ele.

Podemos ir adiante e dizer que certamente não há nada que seja completamente tolo e calamitoso, quando pensamos na Igreja, como pensar nela em termos de tamanho e de número. Mas esse é o pensamento determinante hoje. Igreja mundial! – dizem: o único modo de combater o comunismo e as outras coisas que se opõem ao cristianismo é tornar-nos um; devemos reunir os nossos grandes batalhões, e então resistir ao inimigo. Entretanto, como isso é anti-escriturístico! Nós cantamos em nossos hinos, “poucos fiéis”, e a Bíblia está repleta de ensinamentos sobre a doutrina do remanescente. Deus não opera por meio de grandes batalhões, Ele não se interessa por números; Ele está interessado na pureza, na santidade, em vasos aptos e próprios para ouso do Senhor. Não devemos concentrar a nossa atenção em números, e sim na doutrina, na regeneração, na santidade, na compreensão de que este edifício é um templo santo no Senhor, uma habitação de Deus.

Isso é o que o próprio Senhor nosso ensina claramente. Às vezes, quando lemos os Evangelhos, temos a impressão de que o Senhor Jesus Cristo passava grande parte do Seu tempo recusando pessoas. Hoje forçamos as pessoas a tomarem decisão, fazemos tudo o que podemos para fazê-las vir, quer queiram quer não. Mas não era esse o método do nosso Senhor. Certo homem correu para Ele e disse: “Senhor, seguir-te-ei para onde quer que fores”. Que maravilhoso acréscimo à Igreja! – dizemos. Todavia o nosso Senhor voltou-Se para aquele homem e disse: “As raposas têm covis, e as aves do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça”. Vá pensar no que você está fazendo, diz o nosso Senhor, não quero mera animação, quero que você compreenda o que isso lhe poderá custar. E, vocês se lembram, Ele prosseguiu, falando com um homem que lhe pediu permissão para primeiro ir para casa e sepultar o seu pai, e Ele diz: “Deixa aos mortos o enterrar os seus mortos”. Disse ainda: “Ninguém que lança mão do arado e olha para trás, é apto para o reino de Deus” (Lucas 9:57-62). Ele põe à prova, parece estar rejeitando – Ele examina. Avalie o preço, diz Ele. Que tolo, diz Ele, é o homem que começa construir um castelo, porém não fez uma avaliação para saber quanto lhe custaria e se ele teria condições e recursos para dar prosseguimento à obra! Ele fala de maneira semelhante sobre o homem que se apresta para fazer guerra contra outro país, e não sabe qual é o número dos componentes das suas tropas e das suas reservas. Ah, que loucura é isso! Pare! Considere! Ele parece estar rejeitando os homens. A Sua preocupação era com a pureza da Igreja, não com o tamanho, nem com os números. E quando Ele partiu deste mundo, deixou apenas um pequeno grupo de homens comuns, indoutos, sem instrução, iletrados para continuarem a Sua obra. É esse o Seu método.

E tem sido sempre assim nos períodos de avivamento e despertamento. Era extremamente difícil alguém tornar-se membro de uma igreja dos puritanos. Leiam os relatos fidedignos dos feitos das primeiras igrejas independentes e batistas e verão que era excessivamente difícil obter admissão à sua comunhão. Vocês alguma vez leram as regras que João Wesley estabeleceu para a admissão às suas sociedades? Os homens e as mulheres eram submetidos a exame e prova na doutrina e na vida! É quando esse tipo de procedimento é adotado que se tem avivamento.

Deus só pode habitar numa Igreja pura – não necessariamente numa Igreja grande, mas numa Igreja pura, pura na doutrina e pura na vida. Pode parecer surpreendente, mas não hesito em asseverar, mesmo hoje, que o maior problema da Igreja atualmente é que ela é grande demais. É muito parecida com uma multidão mista. Somente quando os homens são aptos e próprios para o uso do Senhor é que Ele os utiliza. Somente num templo santo é que o Residente eterno entra. O ensino geral das Escrituras tem esse propósito. E é evidenciado, apoiado e comprovado pela subseqüente história da Igreja Cristã. Também é verdade que ninguém sabe, o mundo não sabe o que Deus pode fazer quando um homem se entrega completamente a Ele. Todos os grandes avivamentos e reformas vieram dos mais insignificantes começos. Um só homem -Martinho Lutero! Estranhos indivíduos do século dezessete! O pequeno Clube Santo de Oxford, no século dezoito! Sempre foi assim. Vamos parar de pensar em termos de grande atividade, quando estivermos falando da Igreja. Regressemos ao Novo Testamento. Um santo templo no Senhor. Quando Ele entra, com um só frágil homem Ele pode convencer milhares. Pela pregação do apóstolo Pedro no dia de Pentecoste, três mil foram acrescentados à Igreja.

Antes de concluirmos, vejamos mais um princípio. Não deve haver nenhum ruído durante este processo de edificação. Voltemos a 1 Reis 6:7, e eis o que vocês verão escrito ali: “E edificava-se a casa com pedras preparadas, como as traziam se edificava”. E então – “De maneira que nem martelo, nem machado, nem nenhum outro instrumento de ferro se ouviu na casa quando a edificavam”. Que princípio vital é este! Interpretando-o e dando-lhe vestimenta moderna, é isto: não deve haver discussão nem debate nem desacordo na Igreja acerca das verdades vitais. Não se deve fazer ouvir nada desse ruído de cinzel, martelo, a moldagem e preparação na Igreja. Isso terá que acontecer antes de você entrar na Igreja. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja Cristã sobre a Pessoa do Senhor Jesus Cristo. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja acerca da situação e das condições do homem em pecado. Não deve haver nenhuma discussão na Igreja acerca da expiação vicária, da regeneração, da Pessoa do Espírito e de todas as doutrinas da graça. Não deve haver ruído de discussão acerca destas coisas. Tudo isso deve acontecer antecipadamente.

Pois bem, falemos com clareza sobre este ponto, porque também pode ser entendido erroneamente. Quando digo que não deve haver discussão nem ruído de debate na Igreja, não estou querendo dizer que a Igreja não deve interessar-se por doutrina; o que estou querendo dizer é que deve haver acordo sobre a doutrina logo de início, de modo que não haja mais necessidade de discussão. Contudo, isso está sendo mal entendido hoje, e está sendo colocado desta forma: ah, dizem muitos, não devemos ter discussões sobre doutrinas porque elas sempre causam divisão; portanto, não as tenhamos, mas vamos todos concordar em chamar-nos cristãos uns aos outros, seja o que for que creiamos. Uns poderão dizer que Jesus de Nazaré era apenas homem, outros dirão que Ele é também o Filho de Deus. Que importa isso realmente? Afinal de contas, todos nós concordamos em Seu ensino, em que este é nobre e enaltecedor e em que, se tão-somente o praticássemos, não haveria todo este problema que o mundo enfrenta hoje. Assim eles dizem: vamos parar de discutir sobre a Sua Pessoa. E depois, que dizer da Sua morte na cruz? Uns dizem que foi o maior crime da história, e nada mais, a suprema tragédia de todos os tempos. Outros dizem: não, é mais que isso. Deus O enviou para que morresse; Ele morreu “pelo determinado conselho e presciência de Deus” (Atos 2:23); morreu para levar a culpa dos nossos pecados, e se Ele não tivesse morrido nós estaríamos ainda em nossos pecados. Mas a tendência hoje é dizer que não importa em que você crê. Muitos dizem: afinal, a morte de Cristo foi maravilhosa e comovente e, portanto, todos nós podemos vê-la, podemos interpretá-la de diferentes maneiras. Isso não tem importância, todos nós cremos nEle, e todos nós estamos procurando ser semelhantes a Ele e segui-lO. Somos todos cristãos; avante, pois!

No entanto isso é ausência de doutrina, e o que a passagem em foco ensina é exatamente o oposto. Não deve haver nenhum ruído desse debate e dessa discussão na Igreja – não por não haver doutrina, mas porque todos nós estamos de acordo quanto à doutrina, porque todos nós a subscrevemos. Foi assim que aconteceu na Igreja Primitiva. Quando foi que o Espírito desceu sobre aqueles cristãos? Foi quando estavam no cenáculo, unânimes. Unânimes! Outra vez lemos sobre a Sua vinda sobre eles, e que era um o coração e a alma deles. É-nos dito que a Igreja Primitiva perseverava na doutrina (no ensino), na comunhão, no partir do pão e nas orações. Não havia ruído de discussão e debate. Por quê? Porque aqueles cristãos estavam todos concordes! Sabiam que Cristo era o Filho de Deus; a ressurreição o provara para eles. Ele tinha exposto as Escrituras, tinha explicado a Sua morte, eles tinham sentado aos Seus pés e eles tinham crido na doutrina. Estavam todos unanimemente concordes. Nenhum ruído! Por quê? Porque estavam de acordo na doutrina, não porque não tinham doutrina.

Vocês não vêem por que a Igreja está como está hoje? Que é que foi acontecendo na Igreja Cristã durante os últimos cem anos? Já demos a resposta. A Igreja tem discutido doutrinas fundamentais. Porque será que um alarmante número de “igrejas” estão quase vazias atualmente? Por que os números vão baixando ano após ano? É a própria Igreja a responsável. Há cinqüenta anos, em Londres, a Igreja toda esteve debatendo o que chamavam “nova teologia”. O debate era principalmente sobre a Pessoa de Cristo! – seria Ele realmente o Filho eterno de Deus? ‘ Ou seria apenas homem? Eram essas as questões. Discutiam sobre fundamentos, sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas! Muitos não criam nisso. Houve barulho na Igreja porque estavam discutindo sobre pontos fundamentais. Será surpreendente que a Igreja se tenha tornado ineficiente, que não lhe dêem valor, que os homens não estejam sendo salvos e que o Espírito não esteja operando?

É preciso que não haja nenhum ruído de martelo, de machado e de nenhum instrumento de ferro na Igreja. É preciso que os homens e as mulheres entendam claramente estas coisas, antes de pertencerem à Igreja. Na verdade, você não pode estar verdadeiramente na Igreja, a não ser que já esteja certo sobre estas questões. Jamais houve a intenção de que a Igreja seja um rinhadeiro no qual os homens argumentam, pelejam, debatem e brigam sobre questões vitais relacionadas com Cristo e Sua obra. A Igreja é a reunião daqueles para os quais estas questões foram resolvidas uma vez por todas, os quais sabem no que crêem, os quais estão firmados no fundamento de Deus, e os quais se juntam – não para argumentos e debates sobre estas questões, mas para esperar em Deus, adorá-lO, para que Ele venha a estar entre eles, para que Ele os encha da Sua presença e de gozo indescritível e cheio de glória, para que Ele os encha de poder para falar a outros e propagar as boas novas, e cativá-los, libertando-os dos grilhões e da escravidão do pecado.

Notem o que estou dizendo. Não estou dizendo que os cristãos têm que concordar em todos os pormenores. Estou ressaltando os pontos fundamentais. Há certas questões nas quais nem todos os cristãos concordam, certos detalhes acerca da profecia, certas questões como o modo do batismo, e muitas outras. Não são princípios fundamentais. O povo cristão jamais deve contender, brigar e pelejar sobre esses pontos. Devem discuti-los como irmãos. Mas não devem ocorrer discussões sobre pontos fundamentais, simplesmente porque são pontos fundamentais. A preparação deve ser feita antes de se trazerem as pedras para a Igreja. Aqui não há ruído, nós O conhecemos como o Filho de Deus e Salvador. A maior necessidade da Igreja nesta hora é entender estes princípios. Agora se realizam grandes conferências mundiais, uma após outra. Todavia, como usam o tempo? Não em oração a Deus, não esperando pelo Espírito, não se deixando encher do Espírito. Usam o tempo para tentar achar uma base de acordo. Tentam achar um mínimo irredutível acerca do qual não discordem.

Gastam seu tempo nisso e, enquanto isso, o mundo vai de mal a pior. Eles têm a fatal idéia de que doutrina é causa da divisão, quando a verdade é que não há nada que una, exceto a doutrina – pois a única unidade digna de menção é a unidade do Espírito, que produz a mesma crença no mesmo Senhor, na mesma fé e no mesmo batismo. É a unidade dos que têm a mesma mentalidade e estão em harmonia, que não põem a sua confiança em si mesmos, mas somente no Filho de Deus e na perfeita obra que Ele realizou a favor deles. Portanto, a palavra para a Igreja moderna, como a palavra que Deus dirigiu a Moisés na antigüidade, é simplesmente esta: “Atenta pois que o faças conforme ao seu modelo, que te foi mostrado no monte”. O monte do Sermão do Monte! O monte da transfiguração! O monte Calvário! O monte das Oliveiras, o monte da ascensão! Aí estão os grandes picos. Em nossos dias e em nossa geração, edifiquemos, aconteça conosco o que acontecer, diga de nós a Igreja, a Igreja visível, o que disser, seja o que for que o mundo fale de nós, edifiquemos conforme ao modelo que nos foi mostrado no monte. Que não haja incerteza nem hesitação nem discussão nem ruído nem debate acerca do conteúdo deste capítulo dois da Epístola de Paulo aos Efésios, pois o fundamento é – o homem morto em ofensas e pecados, desamparado e sem esperança; ressuscitado pela graça de Deus; salvo pelo sangue de Cristo; regenerado, renovado e ligado a Cristo pelo Espírito Santo e transformado numa pedra do templo santo no Senhor.
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Extraído do livro Reconciliação: Método de Deus – Ed. PES (Publicações Evangélicas Selecionadas)

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Evangelho Martin Lloyd-Jones

A apresentação do evangelho (Martin Lloyd-Jones)

A apresentação do evangelho é assunto sempre importante, pelas consequências eternas que dependem da nossa atitude para com o evangelho. Para mim não há necessidade de argumentar que é especialmente importante nos dias atuais por duas razões: a apostasia geral, o fracasso da parte das igrejas em não apresentarem o evangelho de Jesus do modo como deveria ser apresentado; e a consequente impiedade e o consumado materialismo que crescentemente, caracterizam a vida do povo. Também é um assunto de urgente importância, em face da natureza dos tempos pelos quais estamos passando. A vida é sempre incerta, mas é excepcionalmente incerta hoje. (…)

Que privilégio maravilhoso o Senhor Deus Todo-poderoso confiar a homens como nós esta obra de propagar e pregar o evangelho! Ao mesmo tempo é uma responsabilidade tremenda. (…)

Este assunto é tão amplo e importante que, obviamente, é impossível tratar dele adequadamente numa só preleção. Tudo o que posso fazer é selecionar o que considero como alguns dos mais importantes princípios relacionados com ele; procurarei ser tão prático quanto poder. (…)

Agora se me fosse pedido falar sobre este assunto em certos círculos, meu primeiro trabalho seria tentar definir a natureza do evangelho, e eu iria adiante e perguntaria: o que é o evangelho? Em muitos círculos as pessoas se extraviaram; caíram em heresias; pregam um evangelho que, para nós, não é evangelho nenhum. Pode ser que alguns de vocês perguntem: “Será necessário gastar tanto tempo no estudo da apresentação do evangelho? Não seria uma coisa que podemos considerar ponto pacífico? Se o homem crê no evangelho, ele está incumbido de apresentá-lo do jeito certo. Se um homem é ortodoxo e crê nas coisas certas, a sua aplicação do que ele crê é algo que cuidará de si mesmo”. Isso, para mim é um erro muito grave; e quem quer que seja tentado a falar assim, não somente ignora a sua própria fraqueza, porém, ainda mais, ignora o adversário das nossa almas, que está sempre tentando frustrar a obra de Deus.

(…) Tomo como prova dois exemplos: Há, por exemplo, homens que parecem evangélicos em sua crença e doutrina; são perfeitamente ortodoxos em sua fé e, todavia, a obra que realizam é completamente infrutífera. Jamais conseguem quaisquer resultados; nunca ficam sabendo de algum convertido resultante do seu trabalho e do seu ministério. Eles são tão firmes quanto você, entretanto o ministério deles não leva a nada. Por outro lado – e esta é a minha Segunda prova – há aqueles que parecem conseguir resultados fenomenais do seu trabalho e dos seus esforços. Empreendem uma campanha, ou pregam um sermão e, como resultado, há numerosas decisões por Cristo, ou o que eles chamam de “conversões”. Contudo, muitos desses resultados não duram; não são permanentes; são apenas de natureza temporária ou passageira. Qual a explicação desses dois casos? (…) Há uma lacuna entre o que o homem crê e o que ele apresenta em seu ensino ou pregação. O perigo quanto ao primeiro tipo é o de apenas falar ACERCA do evangelho, exulta nele; porém, em vez de pregar o evangelho, ele o elogia, diz coisas maravilhosas sobre ele. O tempo todo fica simplesmente falando sobre o evangelho, em vez de apresentar o evangelho. O resultado é que, embora o homem seja altamente ortodoxo e firme, o seu ministério não mostra resultado nenhum.

O perigo quanto ao segundo homem é o de interessar-se tanto e preocupar-se tanto pela aplicação do evangelho e pela obtenção de resultados, que deixa abrir-se uma brecha entre o que ele está apresentando (aquilo que ele crê) e a concreta obtenção dos resultados propriamente dito. Como eu disse, não basta você crer na verdade; você deve ter o cuidado de aplicar da maneira certa o que você crê.

Métodos de Estudo

Há dois meios principais pelos quais podemos estudar este assunto da apresentação do evangelho. O primeiro é estudar a Bíblia mesma, com especial referência a Atos dos apóstolos e às Epístolas do Novo Testamento. Isso deve ser posto em primeiro lugar, se queremos saber como se faz este trabalho. Devemos retornar ao nosso livro-texto, a Bíblia. Devemos retornar ao modelo primitivo, à norma, ao padrão. Em Atos, e nas Epístolas é-nos dito, uma vez por todas, o que é a Igreja Cristã e como é, e como se deve realizar a sua obra. Devemos sempre certificar-nos de que os nosso métodos estão em harmonia com o ensino do Novo Testamento.

O segundo método é suplementar; é fazer um estudo da história da Igreja Cristã subsequente aos tempos do Novo Testamento. Podemos concentrar-nos especialmente na história dos avivamentos e dos grandes despertamentos espirituais; e também podemos ler biografias dos homens que no passado foram grandemente honrados por Deus em sua apresentação do evangelho. Mas devemos notar aqui um princípio da maior importância. Quando digo que é bom fazer um retrospecto e ler a história do passado e as biografias de grandes homens que Deus usou no passado, espero que esteja claro em nossas mentes que precisamos retornar para além dos últimos 100 anos. Vejo muitos bons evangélicos que parecem ser de opinião que não houve nenhum real labor evangelístico até por volta de 1870. Há os que parecem pensar que não se conheceu obra evangelística antes do surgimento de Moody. Conquanto demos graças a Deus pela gloriosa obra realizada nos últimos 100 anos, eu os conclamo a fazerem um estudo completo da história pretérita da Igreja. Vão até o século dezoito. Vão até o tempo dos puritanos, e para mais atrás ainda, à Reforma Protestante. Retrocedam mais ainda, e estudem a história daqueles grupos de evangélicos que viveram no continente europeu na época em que o catolicismo romano detinha o poder supremo. Vão direto aos Pais Primitivos que defendiam idéias evangélicas. É uma história que pode ser rastreada ininterruptamente até a própria Igreja Primitiva. Esse estudo é de importância vital, para que não venhamos a supor, em função de uma falsa visão da história, que a obra evangelística só pode ser feita de uma certa maneira e com a aplicação e o uso de certos métodos.

Eu gostaria de recomendar a vocês um bem completo estudo daquele teólogo americano, Jonathan Edwards. Foi uma grande revelação para mim, descobrir que um homem que pregava como ele podia ser honrado por Deus como o foi, e Ter tão grandes resultados para o seu ministério como teve. Ele era um grande erudito e filósofo, que redigia cada palavra dos seus sermões. Tinha vista fraca, e costumava ficar no púlpito com o seu manuscrito numa das mãos e uma vela na outra e, conforme lia o seu sermão, homens não somente foram convertidos, mas alguns deles literalmente caíam no chão sob a convicção de pecado sob o poder do Espírito. Quando pensamos na obra evangelística em termos de evangelização popular dos 100 anos recém-passados, acho que poderíamos ser tentados a dizer que um homem que pregasse daquela maneira não teria a menor possibilidade de obter conversões . todavia, ele foi um homem usado por Deus no Grande Despertamento ocorrido no século 18. Assim, eu os concito a se entregarem completamente ao estudo da história da Igreja e das coisas grandiosas que Deus fez em várias eras e períodos. Aí estão, pois, as duas linhas mestras que seguiremos na abordagem deste assunto – o estudo da Bíblia e um estudo da Igreja Cristã.

Os Princípios Fundamentais

  1. O objetivo supremo desta obra é glorificar a Deus
  2. . Esse é o ponto central. Esse ;é o objetivo que deve dominar e sobrepujar todos os demais. O primeiro objetivo da pregação do evangelho não é salvar almas; É GLORIFICAR A DEUS. Não se tolerará que nenhuma outra coisa, por melhor que seja nem por mais nobre, usurpe esse primeiro lugar.
  3. O único poder que realmente pode realizar esta obra é o Espírito Santo
  4. . Quaisquer que sejam os dons naturais que um homem possua , o que quer que um homem seja capaz de fazer como resultado das suas propensões naturais, o trabalho de apresentar o evangelho e de levar àquele supremo objetivo de glorificar a Deus na salvação dos homem, é um trabalho que só pode ser feito pelo Espírito Santo. Vocês vêem isso no próprio Novo Testamento. Sem o Espírito, é-nos dito, não podemos fazer nada. (Desde os tempos bíblicos até a história da igreja nos mostra que somente através da obra do Espírito Santo é que o evangelho foi pregado com poder e autoridade).

  5. O único e exclusivo meio pela qual o Espírito Santo opera é a Palavra de Deus
  6. . Isso é algo que se pode provar facilmente. Vejam o sermão que foi pregado por Pedro no dia de Pentecoste. O que ele fez realmente foi expor as Escrituras. Ele não se levantou para relatar as suas experiências pessoais. Ele deu a conhecer as Escrituras; esse foi sempre o seu método. E esse é também o método característico de Paulo, como se vê em Atos 17:2: “disputou com eles sobre as Escrituras”. No trato com o carcereiro de Filipos, vocês vêem que ele pregou-lhe Jesus Cristo e a Palavra do Senhor. Vocês recordarão as suas palavras na Primeira Epístola a Timóteo, onde ele diz que a vontade de Deus ;e que todos os homem sejam salvos e sejam levados ao conhecimento da verdade (1 Tm.2:4). O meio usado pelo Espírito Santo é a verdade.

  7. A verdadeira motivação para a evangelização deve provir da apreensão destes princípios
  8. . E, portanto, de um zelo pela honra e glória de Deus e de um amor pelas almas dos homens.

  9. Há um constante perigo de erro e de =heresia, mesmo entre os mais sinceros, e também o perigo de um falso zelo e do emprego de métodos antibíblicos
  10. . Não há nada sobre o que somos exortados mais vezes no Novo Testamento do que sobre a necessidade de constante auto-exame e de retorno às Escrituras.

Aí, penso eu, vocês têm cinco princípios fundamentais claramente ensinados na Palavra de Deus e confirmados profusamente na subsequente história da Igreja Cristã.

A Aplicação dos Princípios

Isto me leva à Segunda divisão principal do nosso assunto, que é a aplicação desses princípios à obra concreta da apresentação do evangelho. Este é um assunto que se divide naturalmente em duas partes principais. Há primeiro a obra de evangelização, e depois a obra de edificação e instrução na justiça.

A Evangelização e os Seus Perigos

  1. O primeiro é o de exaltar a decisão como tal, e este é um perigo especialmente quando vocês estão trabalhando com jovens (…). Mostra-se às vezes no uso da música. (…) Fiam-se na música e no cântico de coros para produzirem o efeito desejado e de ocasionarem decisão. (…) Há os que tem o Dom de contar histórias de maneira comovente e eficaz. Outros parecem por a sua confiança no encanto pessoal do orador.(…)
  2. O segundo perigo é que as pessoas podem chegar a uma decisão resultante de um falso motivo. Às vezes as pessoas se decidem por Cristo simplesmente porque estão desejosas de ter a experiência que outros tiveram (…) Ou pode ser o desejo de Ter este maravilhoso tipo de vida do qual lhe falaram. O evangelho de Jesus Cristo dá-nos uma vida da maravilhosa, e louvamos a Deus por isso, mas a verdadeira razão para nos tornarmos cristãos não é que tenhamos uma vida maravilhosa; é, antes, que estejamos em correta relação com Deus. Às vezes Cristo é apresentado como herói. (…) poderá ser que (…) se unam a nossa classe bíblica ou à nossa Igreja simplesmente porque a mensagem atraiu o seu instinto heróico. (…)
  3. E, a seguir, o último perigo que desejo acentuar sob o presente título, é a terrível falácia de apresentar o evangelho em termos de “Cristo precisa de você”, e de dar a impressão de que, se o rapaz não se decide por Cristo, é um mal sujeito. (…)

Devemos apresentar a verdade; esta terá que ser uma exposição positiva do ensino da Palavra de Deus. Primeiro e acima de tudo, devemos mostrar aos homens a condição em que se acham por natureza, à vista de Deus. Devemos levá-los a ver que, independentemente do que façamos e do que tenhamos feito, todos nós nascemos com “filhos da ira”; nascemos num estado de condenação, culpados aos olhos de Deus; fomos concebidos em pecado e fomos formados em iniquidade. Isso vem em primeiro lugar.

Feito isso, devemos prosseguir e demonstrar a enormidade do pecado. Não significa apenas que devemos mostrar a iniquidade de certos pecados. Não há nada que seja tão vital como a distinção entre pecado e pecados. (…) Depois devemos conclamar os nossos ouvintes a confessarem e a reconhecerem os seus pecados diante de Deus e dos homens. E então devemos ir adiante e apresentar a gloriosa e estupenda oferta de salvação gratuita , que se acha unicamente em Jesus Cristo, e Este crucificado. A única decisão, que é do mais diminuto valor, é a que se baseia na compreensão dessa verdade. Podemos fazer os homens se decidirem como resultado dos nossos cânticos, como resultado do encanto da nossa personalidade, mas o nosso dever não conseguir seguidores pessoais. O nosso dever não é simplesmente aumentar o tamanho das nossas classes de estudo da Bíblia ou das organizações e igrejas. O nosso dever é reconciliar almas com Deus. Repito que não há nenhum valor numa decisão que não esteja baseada na aceitação da verdade.

A Edificação

A minha Segunda subdivisão relacionada com a apresentação do evangelho é a obra de edificação. Este é um grande tema, e tudo o que eu posso fazer é simplesmente lançar certos princípios. Em nenhuma oura parte o perigo de um falso método é mais real do que esta particular questão de edificação, como o que me refiro ao ensino concernente à santificação e à santidade. Não se pode ler o Novo Testamento sem perceber logo Que a Igreja Primitiva reagia contra problemas, perigos e heresias incipientes que a assediavam. Havia os que diziam, por exemplo: “Continuemos no pecado para que a graça seja mais abundante”. Havia os que diziam que, contanto que você fosse cristão, não importava o que você tinha feito, que, contanto que você estivesse certo em suas crenças, o seu corpo não importava e você podia pecar o quanto quisesse. Isto é conhecido como antinomianismo. Havia os que se diziam sem pecados. Havia os que partiam em busca de “conhecimento”, que alegavam Ter alguma experiência esotérica especial que os outros , cristãos inferiores, ignoravam. (…)

Se posso fazer um sumário de todos esses perigos, é o perigo de isolar um texto ou uma idéia e construir um sistema em torno dele, em vez de comparar Escritura com Escritura. Isso é procurar atalho no mundo espiritual. As pessoas tentam chegar à santificação com um só movimento, e assim se privam do processo descrito no Novo Testamento. A maneira de evitar esse perigo é estudar o Novo Testamento, especialmente as Epístolas. Devemos ter o cuidado de não tomar um incidente dos Evangelhos e tecer uma teoria em torno dele(…) Devemos compreender que o nosso padrão nesta questão particular(santidade/santificação) acha-se nas Epístolas.(…)

Conclusão

Permitam-me resumir tudo o que eu venho tentando dizer, da maneira seguinte: se vocês quiserem ser competentes ministros do evangelho, se quiserem apresentar a verdade de modo certo e verdadeiro, terão que ser estudantes assíduos da Palavra de Deus, terão de lê-la sem cessar. Terão que ler todos os bons livros que os ajudem a entendê-la e os melhores comentários da Bíblia que puderem encontrar. Terão que ler o que denomino teologia bíblica, a explicação das grandes doutrinas do Novo Testamento, para que venham a entendê-las cada vez mais claramente e, daí, sejam capazes de apresentá-las com clareza cada vez maior aos que venham ouvi-los. A obra do ministério não consiste meramente em oferecer a nossa experiência pessoal, ou em falar das nossa vidas ou das vidas de outros, mas sim, em apresentar a verdade de Deus de maneira tão simples e clara quanto possível. E o jeito de fazer isso é estudar a Palavra e toda e qualquer coisa que nos ajude nessa tarefa suprema.

Talvez vocês me perguntem: quem é suficiente para estas coisas? Temos outras coisas que fazer; somos homens ocupados. Como poderemos fazer o que você nos pede que façamos? Minha resposta é que nenhum de nós é suficiente para estas coisas, todavia Deus pode capacitar-nos para fazê-las, se de fato estamos desejosos de servi-lO. Não me impressionam muito esses grandes argumentos de que vocês são homens ocupados, de que vocês têm que fazer muitas coisas no mundo e, por isso, não têm tempo de ler estes livros sobre a Bíblia e de estudar teologia, e por esta boa razão: alguns dos melhores teólogos que conheci, alguns dos mais santos, alguns dos homens mais culto, tiveram que trabalhar mais duro que qualquer de vocês e, ao mesmo tempo, foram-lhes negadas as vantagens que vocês gozam. “Querer é poder”. Se eu e vocês estivermos preocupados com as almas perdidas, jamais deveremos alegar que não temos tempo para preparar-nos para este grande ministério; temos que fabricar tempo. Temos que aparelhar-nos para a tarefa, consciente da séria e Terrível responsabilidade da obra. Temos que estudar, trabalhar, suar e orar para podermos conhecer a verdade cada vez mais e cada vez mais perfeitamente. Temos que pôr em prática em nossas vidas as palavras que se acham em 1 Tm.4:12-16. Conceda-nos Deus a graça e o poder para fazê-lo, para a honra e a glória do Seu santo nome.

Nota sobre o Autor: Martyn Lloyd-Jones tem sido descrito como “o melhor pregador comtemporâneo”. Aos 23 anos de idade era Chefe Assistente Clínico de Sir Thomas Horder, o médico do rei da Inglaterra. Inesperadamente aos 27 anos, voltou ao País de Gales, sua terra natal, com o coração ardendo pela salvação dos seus compatriotas. Depois de 12 anos pastoreando aquele rebanho, o “Doutor”, título pelo qual foi afetuosamente conhecido, voltou para Londres, onde ocupou por mais de 30 anos o púlpito da Capela de Westminster. Em 1981, o grande médico, pregador e l;íder cristão partiu para encontrar-se com Aquele que o chamara e capacitara, deixando-nos um legado que continua mantendo vivo sua obra a ministério. Ele foi um homem que, em termos da sua influência, viveu em vários mundos a um só tempo. De 1938 em diante, ele pastoreou uma igreja no centro de Londres. Simultaneamente, era comum fazer a obra de evangelista itinerante durante a semana, pregando em igreja a convites, ou às vezes participando de missões dirigidas aos estudantes. Centenas de pessoas que conheceram o Dr. Lloyd-Jones, podiam dizer com o Dr. James I. Packer: “Sei que, em grande parte, a minha visão atual é o que é porque ele foi o que foi e, sem dúvida, a sua influência foi mais profunda do que eu poderia delinear”.

Nota Final: Este texto foi transcrito parcialmente do livro “Discernindo os Tempos” Editado pela PES (com autorização).

(Extraído de http://www.geocities.com/zoenio/aapres.htm)

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A purificação do templo

“Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os discípulos de que está escrito: O zelo da Tua casa Me consumirá” (Jo 2.13-17).

Creio que, de tempos em tempos, todos consideramos o estado e a condição do mundo em que vivemos, com apreensão na mente e no coração, e este fato é inevitável e certo1. A fé cristã não é um conto de fadas. Não é algo que ignora o mundo, mas é sempre muito prática. Assim, estamos conscientes de que vivemos num mundo em constante crise, cheio de problemas. Novamente, lembramo-nos da natureza precária de qualquer tempo de paz que estejamos desfrutando, já que somos, uma vez mais, confrontados pelos conflitos, que estão longe de serem apenas conflitos de idéias e podem, a qualquer momento, se tornar embates físicos2. Então, recordamo-nos do tipo de mundo em que vivemos: um mundo de guerras, de discórdias e derramamento de sangue.

E, claro, a grande pergunta para nós é: Qual é a mensagem do Cristianismo? O que a Igreja tem a dizer? Qual é a mensagem da Bíblia à luz de tudo isso? Ainda vivemos neste mundo e temos de compartilhar as conseqüências das quais a raça humana é herdeira. Porém, somos distintos por possuir uma visão diferente de todas as coisas, e nossa tarefa é descobrir, exatamente, o que deveríamos estar pensando e falando aos nossos vizinhos que não conhecem a Cristo e estão fora da Igreja.

Bem, não há dificuldade alguma em se responder às questões que mencionei acima. Está tudo muito claro. Pregamos que a Bíblia, por si só, nos dá a compreensão de por que as coisas são como são. Não há outra explicação para o mundo e sua condição, fora daquilo que a Palavra de Deus nos fornece. Conhecemos muito bem, como um fato puramente histórico, que o discurso ufanista e otimista dos homens de Estado e outros ilustres, particularmente no século 19, não se cumpriu. O mesmo ocorre com os estadistas do século 20. Sabemos que o mesmo pode ser dito sobre os pensadores e suas filosofias idealistas, sobre a teoria da evolução e do avanço. Quão ridículo tudo isso parece quando olhamos para os problemas globais! O mesmo pode ser dito a respeito dos humanistas e outros que depositam toda a sua fé na humanidade.

E nós, cristãos, o que temos a dizer? O que a Bíblia diz para todos os que acreditam nisso? Desejo mostrar a vocês que a resposta encontra-se nessas palavras do Evangelho de João. No relato de João sobre a purificação do templo, uma explicação é fornecida e somente uma única solução para o problema é apresentada a nós.

A resposta está em uma Pessoa abençoada. Ele é a resposta para todas as coisas. É Sua chegada a este mundo que faz a diferença e marca o ponto de transformação da História. Finaliza uma era e dá início a outra. É a “plenitude do tempo” (Gl 4.4). A resposta está em Sua vinda a este mundo, em todas as maravilhas que realizou enquanto esteve aqui e em tudo o que continua a fazer, pois desde então temos a chave para o problema. Jesus, e somente Ele, é a única solução.

Porém, devo apressar-me em acrescentar que é muito importante que O escutemos como Ele é, que permitamos que Ele fale a nós. Muitos se extraviam e falham na percepção das bênçãos e dos benefícios da vida cristã apenas porque não O escutaram. Creio ser este o principal problema do presente tempo. Em vez de dar a palavra a Cristo, as pessoas preferem falar. Acrescentam suas próprias idéias ao ensino do Senhor. Distorcem e pervertem Seus ensinamentos. As pessoas estão tão ansiosas para falar que tomam emprestadas algumas de Suas idéias e imaginam que isto é Cristianismo. Por conseguinte, claro, essas pessoas perdem a bênção.

Nos Evangelhos, pode ser claramente percebido que Jesus sempre controla toda a situação quando surge em cena. Estamos estudando a festa de casamento de Caná da Galiléia, onde a situação ficou tensa e problemática pela falta de vinho e nada se podia fazer para remediá-la. Então, Ele começa a agir e o problema é solucionado. A resposta está sempre Nele. Ele comanda a situação. Afirmo que a essência da sabedoria consiste em escutá-Lo quando Ele fala. Esta é a suprema necessidade do mundo. Literalmente, não há esperança em nenhum outro lugar.

Uma das primeiras coisas que precisamos compreender é que Jesus apresenta muitas facetas. Essa falta de compreensão explica, em parte, porque muitas pessoas se extraviam. Elas sempre procuram moldar Jesus às suas próprias imagens. Algumas enfatizam somente um dos aspectos: há as que destacam apenas Sua morte na cruz, o que, para elas, é a suprema ilustração do pacifismo; há aquelas que acentuam o aspecto estético de nosso Senhor, enquanto outras focalizam, talvez em demasia, o aspecto severo. O que pretendo sublinhar é que devemos aceitar Jesus como Ele é e não tentar enquadrá-Lo a certos pontos de vista. Ele supera todos os limites que as pessoas sempre procuram impor-Lhe.

Bem, aqui este ponto é apresentado a nós de uma forma interessante e dramática. Detivemos nosso olhar sobre Jesus na festa de casamento em Caná da Galiléia, onde, naquela ocasião festiva, transformou água em vinho. Que quadro mais feliz é este! Temos discorrido sobre como este evento nos ensina a respeito da plenitude da bênção que Ele pode dar a todo aquele que, verdadeiramente, enxerga sua necessidade, cai aos pés do Senhor, obedece a tudo quanto o Senhor lhe ordena e espera Nele. Que bem-aventurança e alegria esta passagem nos transmite!

No entanto, isto é o que lemos neste outro episódio: “Tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio.” É um quadro bem diferente daquele primeiro, não é mesmo? A mesma pessoa, mas um contraste impressionante.

João Batista viu tudo isso e resumiu o que viu em uma afirmação notável. Quando as pessoas começaram a pensar que ele, João, era o Cristo, ele negou dizendo: “Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem O que é mais poderoso do que eu, do Qual não sou digno de desatar-Lhe as correias das sandálias; Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3.16). Encontramos estas palavras: “Espírito Santo! Fogo!” As bênçãos da plenitude, o batismo do Espírito Santo – que maravilha e glória! Porém, não se esqueça de que há também o fogo. Então, João prossegue: “A Sua pá, Ele a tem na mão, para limpar completamente a Sua eira e recolher o trigo no Seu celeiro; porém queimará a palha em fogo inextinguível” (v. 17).

Infelizmente, esse é o grande equívoco dos nossos tempos. Nosso Senhor tem sido considerado apenas como o Príncipe da Paz, mas nos esquecemos de que Ele também é o Rei da Justiça. Ele exerce os dois papéis. Jesus é o perfeito Salvador da humanidade – e, repito, a essência da sabedoria está em cair a Seus pés, olhar para Sua face e ouvir o que Ele tem a nos dizer. Nunca antes a Igreja e o mundo necessitaram ouvir com tamanha atenção. Não se esqueça do mundo em que você vive. Olhe-o de forma direta e justa. Não pisque diante de nada. Não encubra nada.

E qual é a mensagem que o mundo tanto precisa ouvir? Deixe-me, primeiro, colocar o que ela não é. A mensagem do Senhor e Sua Palavra não são um pensamento emocional ou geral. Há pessoas que se deixam levar pelas emoções. Normalmente, elas só pensam no Senhor em determinadas ocasiões, quando estão apenas buscando uma vaga e emocional mensagem de conforto. Claro que Ele tem consolo a nos oferecer, mas é Seu consolo, é Sua paz. Ele afirmou: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo 14.27). O Senhor não oferece uma paz que o mundo já conhece. Sua paz é composta pelos elementos da retidão, justiça e verdade. Não é simplesmente a ausência de guerras. Tampouco é uma conversa geral e vaga sobre sacrifício e seu valor intrínseco. O sacrifício é uma atitude grandiosa, maravilhosa e nobre, mas não como o mundo a utiliza. Freqüentemente, o Evangelho é transformado em um tipo de mensagem terrena sobre sacrifício, dever e coragem. Todas estas coisas são corretas, nos seus devidos lugares, mas não devem ser elevadas a tão suprema posição. Não estamos interessados em nenhuma idéia sobre sacrifício, dever e coragem que não seja diretamente derivada dos ensinamentos do Filho de Deus.

Nem mesmo o Evangelho é uma mensagem de conselho aos estadistas e líderes mundiais. Não é a pregação do pastor, pois este não é meu negócio. A Igreja não está aqui para dizer aos estadistas o que eles devem fazer ou não. Ela possui um chamado muito maior e mais profundo, como pretendo mostrar a você. Assim, não desperdicemos o tempo expressando nossa opinião a respeito de como as coisas deveriam estar acontecendo em períodos de crises políticas, dividindo a Igreja em grupos de posições diferentes. Tampouco é função do pregador apelar aos líderes do mundo para que promovam a paz e terminem as guerras. Sempre haverá guerras e rumores de guerras. Não é isso de modo algum! O pastor deve proclamar a verdade.
Então, qual é a mensagem do Evangelho? É uma mensagem radical a proclamar a única esperança e o único caminho de salvação. É exatamente o que nosso Senhor fez quando foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa, e é muito interessante que este episódio apareça aqui, nos capítulos iniciais do Evangelho de João, no começo do ministério de Jesus Cristo. Este é um dos mais significativos e cruciais eventos ocorridos durante a vida e o ministério do Senhor na terra.

Na purificação do templo, vemos o Senhor dando aos judeus uma advertência final. Ele lhes estava fornecendo uma indicação de que, a menos que obedecessem ao que Ele lhes veio anunciar, não haveria salvação para a nação judia. De fato, Jesus estava dizendo: “Ouçam as Minhas palavras e as coloquem em prática, ou estejam preparados para o ano 70 d.C.” A História nos mostra que, neste ano, as tropas romanas marcharam sobre Jerusalém e a saquearam, destruindo o templo e forçando os judeus a se espalharem entre as nações. Neste episódio, o Senhor está-lhes mostrando a única maneira de evitar aquela catástrofe.
Grande parte do ministério de Jesus foi devotada a essa palavra. O Senhor apresentou aos judeus essa única possibilidade, essa singular esperança, e eles a rejeitaram. Então, nada lhes restou a não ser o cumprimento da destruição que fora predita. Assim, no final de Seu ministério, Jesus olhou para a cidade de Jerusalém e disse: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis Eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt 23.37).

Aqui, então, está a mensagem do Senhor, que permanece inalterada para nós, hoje. Por essa razão é que desejo mostrá-la a vocês. Longe de ser uma mensagem dos líderes da Igreja aos estadistas, dizendo-lhes o que devem fazer em suas funções, ela é, primariamente, uma palavra aos cristãos e seus líderes, a fim de dizer-lhes o que eles devem fazer em sua própria esfera. Esta é a tragédia quando a Igreja tenta dizer ao mundo o que fazer e a pergunta que surge é: “A Igreja está em uma condição apropriada para agir assim?” Por isso, não deve causar surpresa o fato de o mundo não nos dar ouvidos.
A primeira ênfase da mensagem cristã reside na verdade de que a coisa mais importante na vida de uma pessoa ou nação é o relacionamento de cada um com Deus. E tudo isso é tipificado pelo templo. Afinal de contas, o templo era o maior e mais grandioso de todos os palácios e edificações em Jerusalém. Os judeus eram o povo de Deus e era naquele lugar que o povo se reunia para cultuá-Lo e para se relacionar com Ele. Aquele local era o centro da vida da nação. Eis por que nosso Senhor não somente foi ao templo, mas reagiu daquela maneira e disse o que disse, naquela ocasião.

Se você ler a história dos filhos de Israel no Antigo Testamento, descobrirá que quando tudo estava em seus devidos lugares no templo e os filhos de Israel eram leais a Deus, todos os outros aspectos da vida da nação iam bem – nas guerras, na prosperidade material, e assim por diante. Porém, a partir do instante em que havia um declínio na qualidade de culto, via de regra essa deterioração também ocorria na vida das pessoas, ou seja: tais pastores, tal povo. Este tema surge ao longo de todo o Antigo Testamento. Portanto, neste incidente nosso Senhor está, como estava, indicando que esta verdade ainda é relevante, que as leis de Deus não mudam nunca e que são a única forma de as pessoas viverem em segurança e paz.

No Antigo Testamento, há muitas frases gloriosas que expressam a mesma verdade. Aqui estão algumas delas: “Não havendo profecia, o povo se corrompe” (Pv 29.18), não importa quanta riqueza possuam ou quão poderosos sejam seus armamentos. “Não havendo profecia” – isso é o que controla tudo o mais. A História mostra que é possível para uma pessoa ou nação caminhar por longo tempo na visão daqueles que vieram antes deles. A queda não ocorre de forma súbita. Sempre há um declínio gradual. Porém, uma vez que essa visão se perde, você pode esperar o que estamos colhendo hoje.

Veja outro versículo: “A justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos” (14.34). O mais importante não são as possessões, nem as riquezas ou o poder material, mas a “justiça”. E quando uma nação ou qualquer indivíduo pratica a justiça, todas as outras coisas são supridas. Nosso Senhor resumiu tudo isso em uma frase, proferida durante o Sermão do Monte: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Seu reino e a Sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).

Talvez, a ilustração mais notável seja a história de Eli, o sacerdote, encontrada em 1 Samuel. Eli era um bom homem, porém muito brando e indulgente. Ele permitia que seu sentimento e temperamento o guiassem, em lugar de ser guiado pela lei de Deus. Por conseguinte, seus dois filhos eram maus. No livro de 1 Samuel capítulo 2 você poderá ver como os filhos de Eli abusaram de suas funções de sacerdotes. Aquele pai idoso sentia-se débil para deter os filhos, de modo que eles prosseguiram no erro, juntando bens e privilégios para si mesmos por meio de seus santos ofícios, vivendo de maneira imoral e indigna. Observamos ali o declínio começar a cair sobre a casa de Deus e logo atingir toda a nação. O exército filisteu veio, e Israel foi fragorosamente derrotado, tendo o inimigo até mesmo levado embora a Arca da Aliança.

Esta é a mensagem típica do Antigo Testamento, e agora a encontramos no Novo. Quando as coisas não vão bem no templo, tudo o mais começa a declinar. A chave para tudo é nosso relacionamento com Deus.

Este é o princípio controlador e, inevitavelmente, surge o segundo princípio – estou apenas expondo o que encontramos aqui em João 2.13-17 –: o maior perigo que corremos é interpretar mal e abusar dos meios da graça, mediante os quais Deus fortalece nosso culto individual e nossa caminhada com Ele. Nós os usamos para alcançar nossos próprios fins e propósitos. Esta é a grande lição que os filhos de Israel colocam diante de nós, de forma dramática, aqui e mais tarde, nos acontecimentos do ano 70. O problema dos judeus é que eles sempre usavam mal o que Deus lhes dava. Como mostrado por nosso Senhor neste episódio, eles abusaram do templo. Este não foi apenas seu problema, mas a causa do trágico fim que atingiu a nação.

E eu, solenemente, sugiro que a explicação para a condição crítica de muitas nações nos dias de hoje é o abuso e mau uso do “templo”: a apropriação indébita das coisas que Deus lhes deu e a utilização desta dádiva para fins indignos e egoístas. Esta sempre é a causa de todos os problemas e, com o passar do tempo, não somente será uma atitude errada, mas insana.
Do que estou falando? Bem, com extrema freqüência em Israel, a primeira coisa que começava a dar errado quando os judeus perdiam o Espírito vivente é que eles transformavam o culto no templo em algo formal e exterior. Não existe nada mais terrível na vida de uma pessoa ou nação do que uma religião calcada no formalismo, apenas agindo de acordo com as conveniências, sem qualquer sentimento, sopro do espírito ou fé real, indo à igreja em ocasiões especiais porque é uma boa atitude. O formalismo e a ênfase no que é exterior é uma grande maldição. E não somente a história dos judeus demonstra isso, mas se você ler a história subseqüente da era cristã, encontrará exatamente a mesma coisa.

O que é extraordinário nesse incidente de João 2 é que a presença de bois, ovelhas, pombas e de cambistas, por si só, não deveria ser considerada como imprópria, mas, ao contrário, até mesmo necessária. Por ocasião destas festas, as pessoas iam a Jerusalém de muito distante e não podiam trazer os animais consigo na longa viagem. Assim, era legítimo que houvesse vendedores de bois, ovelhas e pombas. Ainda, para lá afluíam pessoas de diferentes partes do mundo que traziam diferentes moedas e era necessário que houvesse cambistas para viabilizar a troca. Não havia nada de errado com isso.

Mas eis o que estava errado: o comércio ocorria dentro do templo, e para muitas pessoas esta atividade era o único motivo para que estivessem ali. Homens estavam enriquecendo com ela. Nosso Senhor estava preocupado com o mau uso daquilo que era correto e adequado. Deus tem indicado a forma de culto para nós. Na época do Antigo Testamento, Deus instituiu os rituais exteriores do templo e o cerimonial que deveria ser obedecido. Em nossos dias, nós O cultuamos de uma forma mais interior, espiritual. Porém, o princípio permanece o mesmo, e Deus tem ordenado estas coisas.
Aqui é que está o perigo. Corremos o risco de nos apropriarmos das coisas que o próprio Deus nos tem indicado e utilizá-las para servir nossos próprios objetivos, da nossa maneira, adequando-as aos nossos interesses e conveniências. Eis contra o que o Senhor se revolta daquela majestosa e dramática maneira.

Vamos ser práticos a esse respeito. Você está realmente preocupado com a condição do mundo? Se estiver, este não é o momento para sentimentalismos, mas para ouvir o Filho de Deus e Sua mensagem. E creio que, nos dias em que vivemos, Ele está falando de uma forma mais intensa e urgente, especialmente à luz dos recentes acontecimentos mundiais. Isto é um assunto muito sério. É um indicativo de que algo profundo está em marcha, e acho que a principal causa é o uso, em causa própria, daquilo que Deus nos tem dado, especialmente em Sua Igreja e em Seu culto. O uso da igreja, como parte da vida da nação, é como um departamento de Estado, um cenário para grandes ocasiões e para cerimônias de batismos, casamentos e enterros. O cerimonial, dado por Deus, está sendo utilizado para nossos próprios fins e propósitos. Assim, por exemplo, cultos cristãos comemorativos são mantidos por homens e mulheres não-cristãos, conhecidos escarnecedores da fé cristã. O uso da Igreja desta maneira e a boa vontade desta em ser assim usada são abusos daquilo que Deus nos deu.

Isso é importante? Bem, creio que é importante por estas razões: sustenta e fortalece a razão alegada por muitas nações nominalmente ateístas. Em tais países, o Estado e a Igreja estavam ligados de tal forma que, quando o povo desejou uma mudança no Estado, a Igreja foi envolvida. Foi a associação entre a família real russa e a Igreja Ortodoxa, especialmente representada pelo diabólico Rasputin, que levou à revolução russa. O povo abominava a Igreja. As pessoas diziam que, se aquilo fosse Cristianismo, elas não o queriam. Eis a razão pela qual elas se voltaram ao comunismo ateu. Os franceses fizeram o mesmo, por ocasião da sua revolução.

Certamente, tudo isso tem muito a nos dizer. Podem os ingleses alegar inocência da acusação de terem utilizado a Igreja como parte de sua política de colonização? Hoje, este fato assume grande relevância porque as outrora colônias têm-se tornado nações independentes e, em muitas delas, estamos vendo a mesma história se repetir. Nesses países, a política colonial é identificada com o Cristianismo. A Igreja e o Estado estiveram juntos. A espada e o bispo, assim como o foram no passado, estão entrelaçados, e quando um é rejeitado, o outro sofre o mesmo tratamento. Estes assuntos são vitais e muito sérios. Se a Igreja for utilizada como parte de uma política colonialista ou como parte de uma tentativa de impor a civilização ocidental a essas nações, então, quando houver uma rebelião contra o Ocidente, a Igreja também será envolvida no conflito. Colhemos apenas o que plantamos e os resultados não devem nos surpreender.

Houve o risco, especialmente na Primeira Guerra Mundial, de usar a Igreja como um tipo de posto glorificado de recrutamento. A mensagem cristã foi transformada em apelos para heroísmo, sacrifício e coragem, em benefício dos interesses do Estado. Por isso, não deve ser motivo de espanto o fato de multidões estarem fora da Igreja. As pessoas não são tolas. Elas observam estas coisas e muitas reagiram de modo violento ao que aconteceu na Primeira Grande Guerra.

Porém, à parte de tudo isso, há muitos que utilizaram a Igreja, e ainda o fazem, simplesmente para propagar teorias e ensinamentos humanos. Alguns até mesmo defendem o comunismo em nome do Cristianismo. Eles passam adiante suas próprias filosofias, sempre pregando a política e lidando com assuntos materiais, mas usando as Escrituras, a terminologia e idéias fora de seu verdadeiro significado, sempre visando a seus próprios interesses. Além disso, com freqüência, a Igreja tem sido inocente o suficiente para permitir-se ser usada pela cultura. Muitas pessoas vão aos cultos cristãos apenas para ouvir as músicas, sem demonstrar interesse por nada mais. E a Igreja tem-se permitido ser utilizada pela música, pela arte e por outros movimentos artísticos. Outros têm usado a Igreja para servir à sua ambição pessoal, buscando uma carreira bem-sucedida e avanços mundanos. Quantas vezes se disse no passado, que nas famílias tradicionais, o filho mais velho ia servir a Marinha, o segundo, o Exército e, então, lá no fim da linhagem, o mais novo ia servir a Igreja?

Mas tudo isso é, simplesmente, apropriação indébita. Aqui nós vemos a ovelha, os bois, as pombas e os cambistas. E esta é a razão pela qual multidões estão fora da Igreja. As pessoas argumentam: “Se isto é Cristianismo, não temos interesse.”
Portanto, a história de nosso Senhor no templo é relevante, não acha? Foi Jesus quem expulsou os animais e cambistas do interior do templo. Não estou expressando aqui minhas próprias opiniões. Estamos estudando Suas reações quando foi a Jerusalém, por ocasião da Páscoa.

Assim, meu próximo princípio é que, nos dias de hoje, é de suprema necessidade que as pessoas conheçam a presença do Senhor em poder, na Igreja. Eis por que não estou pregando sobre fatos políticos. A necessidade não é para que algo aconteça no meio governamental, mas no meio da Igreja. Por que razão os estadistas a ignoram? Porque a Igreja não detém nenhum poder. Já houve tempos em que os estadistas davam ouvidos a ela. Pense em John Knox pregando a mensagem e, sentada na audiência, a rainha da Escócia ouvindo e tremendo. Esta é a ordem certa. Porém, isto somente acontece quando Cristo está presente no templo, com poder. Assim, ao olhar para o mundo e lembrar das duas guerras mundiais e toda a devastação que trouxeram, ao ver o que está acontecendo a multidões de pessoas, padecendo de dores diferentes em muitos lugares, quando percebo as sombrias possibilidades existentes, eu afirmo que a mensagem necessária é esta que surge quando Cristo entra no templo e começa a falar e a agir. E, portanto, se você e eu estamos sinceramente preocupados com a situação atual e os rumos que o mundo está tomando, nossa primeira tarefa é orar pedindo um reavivamento na Igreja. Não é dizer coisas ao mundo, mas buscar este poder que nos tornará capazes de falar ao mundo de tal maneira que as pessoas temerão ao nos ouvir.

A seguir, devemos examinar o que Ele faz quando aparece em cena. “Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém” – e as coisas começaram a acontecer. E o que descobrimos? Imediatamente, vemos a manifestação de Sua glória, de Sua autoridade, de Seu zelo e poder. Você percebeu, ao ler esta passagem, que isto é um milagre? Foi tão milagroso como a transformação da água em vinho, na festa de casamento em Caná da Galiléia. Olhe para esses homens, ricos e espertos, comercializando no interior do templo e, ainda assim, uma pessoa indefesa, somente munida com uma espécie de chicote feito de cordas, os expulsou a todos daquele lugar, com suas ovelhas e bois. Após ter feito isso, voltando-se para os homens que vendiam pombas, disse: “Tirai daqui estas cousas.” Então, Ele vira as mesas dos cambistas, e joga ao chão todo o dinheiro.

Mas como uma coisa dessas pode acontecer por meio de uma única pessoa, munida de um chicote improvisado? Há somente uma resposta possível, qual seja: é a manifestação de Sua glória, assim como na festa de casamento. Lembre-se do que lemos ao final daquela passagem: “Com este, deu Jesus princípio a Seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a Sua glória” (2.11). A palavra de Cristo tem poder. Ele é o Filho de Deus encarnado. Ele falava com autoridade, e os homens sentiam isso em seu íntimo.

Encontramos o mesmo fato acontecer em inúmeras outras passagens nas páginas dos quatro Evangelhos. Quando Jesus falava, ou mesmo olhava para homens e mulheres, eles reconheciam esse poder e autoridade, pois não conseguiam sequer fitá-Lo. Jesus é o Filho de Deus, detentor de toda a autoridade e poder. Eis por que devemos orar para que esse poder seja conhecido hoje. Foi Ele que nos constituiu e é o único que pode nos capacitar, conforme Sua promessa. Nossa maior necessidade está Nele, em Sua força, para que possamos falar com igual autoridade.

Nesse incidente, vemos Jesus agindo como sempre faz. Ele anuncia e executa julgamento. Ele vê esta situação acontecendo: “E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados”. E sente indignação. O zelo pela Casa do Pai O consome. Ele está tomado de um santo senso de justiça e, desta forma, anuncia o julgamento sobre todos.
Eu me desespero só de pensar que você não tem consciência do julgamento de Deus sobre a Igreja de nossos dias. Você não consegue ouvir isso? Não consegue sentir ou ver? Por que essa tremenda confusão? Por que pessoas comuns de todos os países vêem a Igreja como algo ridículo? Este é o julgamento de Deus. Deus está permitindo que a Igreja seja ridicularizada em virtude do abuso e mau uso dos quais todos nós somos culpados.

E o que mais? Bem, nosso Senhor institui a reforma. Ele lança fora as coisas que não pertencem ao lugar. E, repito, a maior necessidade de nossos dias é uma reforma na Igreja e sua doutrina, é lançar fora todo o traço de paganismo. Ouça as palavras do Senhor: “Tirai daqui estas cousas.” Todos os ornamentos e parafernália, todo o incenso e as tentativas de oferecer sacrifícios e ofertas queimadas, a liturgia vazia, devem ser lançados fora. Este é o exemplo dado pelo Senhor. Deve haver uma ampla reforma, abrangendo a doutrina, todas as superstições e mentiras. Tudo aquilo que torna os homens grandes e importantes, que encobrem o Senhor e Sua glória eterna, deve ser lançado fora. Foi isso o que aconteceu na Reforma Protestante e se repete em cada um dos outros períodos de reforma e reavivamento. Ele extirpa o que é falso, seja na doutrina, na prática ou no comportamento. Em suma, o que Ele faz? Ele restaura a simplicidade original.

Mais tarde, o Senhor falou algo muito similar porque as pessoas não Lhe deram atenção. Ao fim de Seu ministério, Jesus diz que os homens haviam transformado a casa do Pai em covil de salteadores (Mt 21.13). Porém, a casa do Pai deveria ser um lugar de oração! A função da Igreja é trazer homens e mulheres a Deus, mantendo-os em comunhão com Ele. A Igreja deveria ser tão repleta do poder de Deus que todas as pessoas, em certo sentido, seriam forçadas a ouvir. A partir do instante em que você simplifica sua religião, o poder aumenta. Todas as outras coisas, a falsidade doutrinária, a mentira na conduta, colocam-se entre a verdade e as multidões e precisam ser removidas. Temos de retornar àquela simplicidade que está em Cristo Jesus.
O que acontece quando se faz isso? Procure conhecer a história da Igreja, leia sobre a Reforma Protestante. O que resultou destes movimentos? Bem, entre outras coisas, levou ao período Elizabetano.

O mesmo aconteceu na época do Movimento Puritano. Você pode rir dos puritanos, se quiser, mas lembre-se de que o período correspondente ao governo de Oliver Cromwell, o período do Commonwealth – referente ao governo republicano na Inglaterra, de 1649 a 1660 –, foi um dos melhores períodos de toda a história da Inglaterra e País de Gales. Todos concordam, inclusive historiadores seculares, que a base da grandeza destes países está naquela época, quando havia uma ética moral na nação, quando homens e mulheres colocavam Deus em primeiro lugar em sua vida. Assim, toda a nação foi elevada, como está escrito: “A justiça exalta as nações” (Pv 14.34).

É correto e verdadeiro dizer-se que tudo o que era glorioso e grandioso no século 19 foi resultado direto do Despertamento Evangélico, ocorrido no século 18. Isso pode ser estabelecido historicamente. Certo historiador afirma que foi este fato, e apenas ele, que salvou o país de experimentar algo semelhante à Revolução Francesa. Outros historiadores confirmam que o movimento evangélico deu origem, não somente ao engrandecimento da nação, mas também ao esclarecimento do povo. O movimento sindicalista, por exemplo, resultou diretamente deste reavivamento. Tudo o que eleva homens e mulheres, tudo o que os faz compreender quem e o que são, que os faz lembrar de que possuem mente e os inspira a aprender e a progredir, tudo isso resulta da bênção original de ouvir o Filho de Deus e permitir que Ele lide com a Igreja e, individualmente, conosco.

Uma vez que a pessoa certa esteja no centro e que o templo esteja purificado, reformado e renovado, a mudança começa a permear toda a vida e um novo tom surge. Não havendo profecia, o povo se corrompe. Havendo profecia, o povo é bem-sucedido. Esta é a suprema necessidade de nossos dias. Precisamos recapturar a visão, voltarmo-nos a Ele, permitir que Ele atue e fale a nós, purificar e lançar fora.

Portanto, para mim, esta é a mensagem da Bíblia para este mundo. Que este Cristo volte e, novamente, com Sua autoridade enfrente os oportunistas, vire as mesas, lance fora e purifique o templo, dando-nos a conhecer, uma vez mais, em simplicidade e pureza de coração, Sua fé e o poder que, inevitavelmente, cai sobre todos aqueles que crêem e se submetem a Ele, todos os que desejam ser cheios do abençoado Espírito Santo. Ah! Que Jesus venha mais uma vez ao templo! Vamos começar a oferecer aquela oração. Tudo bem, ore pelos outros, mas esta não é a oração primordial. A principal oração não é pelos estadistas, parentes ou amigos, tampouco pelas nações. Em primeiro lugar, devemos orar para que Jesus volte ao Seu templo, que manifeste Sua glória e nos mostre um pouco de Sua autoridade e poder, enchendo-nos com este poder.

1 Este sermão foi pregado no domingo, Dia do Armistício, 1965.
2 Em novembro de 1965, a comunidade branca da antiga Rodésia do Sul, atual Zimbábue, recusou-se a aceitar as regras impostas pela maioria negra e proferiu uma declaração de independência unilateral e ilegal.

(Extraído do livro O segredo da bênção celestial, cap. 6, de Martin Lloyd-Jones, co-edição Editora Textus e Editora dos Clássicos, 2002, com permissão da Editora Textus para publicação no sítio Campos de Boaz.)

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