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A. W. Tozer Comunhão com Deus Vida cristã

Meditar em Deus


Dentre os cristãos de todas as épocas e das várias nuances de ênfase doutrinária, tem havido imparcialmente pleno acordo em uma coisa: todos eles creram que é importante que o cristão com sérias aspirações espirituais aprenda a meditar longa e freqüentemente em Deus. 

Deixe os cristãos insistirem em sair da pobre média da experiência religiosa atual, e logo se voltarão em defesa da necessidade de conhecer o próprio Deus como o alvo final de toda doutrina cristã. Deixe-os procurar explorar as sagradas maravilhas da Divindade triúna, e descobrirão que a meditação mantida na pessoa de Deus e a ela inteligentemente dirigida é imperativa. Para conhecerem bem a Deus devem pensar Nele incessantemente. Nada do que temos descoberto sobre nós mesmos ou sobre Deus revelou qualquer atalho para a pura espiritualidade. Ela ainda é gratuita, mas tremendamente custosa.

Naturalmente isso pressupõe pelo menos uma quantidade mínima de conhecimento teológico saudável. Buscar a Deus à parte de Sua própria auto-revelação na Escritura inspirada não é somente fútil, mas perigoso. Deve haver também um conhecimento e uma completa confiança em Jesus Cristo como Senhor e Redentor. Cristo não é um dentre os vários caminhos para se aproximar de Deus nem o melhor dentre todos os caminhos. Ele é o único caminho. “Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por Mim.” Crer de outra forma é ser algo menos que um cristão.

Estou convencido de que a falta de grandes santos nesses tempos, mesmo dentre aqueles que crêem verdadeiramente em Cristo, se deve, pelo menos em parte, à nossa má vontade em dar tempo suficiente para o cultivo do conhecimento de Deus.

Nós, do agitado Ocidente, somos vítimas da filosofia do ativismo, tragicamente mal compreendida. Ganhar e gastar, ir e vir, organizar e promover, comprar e vender, trabalhar e brincar: é isso que constitui o viver. Se não estamos fazendo planos ou trabalhando para concretizar os planos já feitos sentimo-nos derrotados, estéreis, eunucos infrutíferos, parasitas no corpo da sociedade. O evangelho das obras, como alguém o chamou, tem impedido a entrada do evangelho de Cristo em muitas igrejas cristãs.

Em um esforço para conseguir fazer a obra do Senhor, freqüentemente perdemos o contato com o Senhor da obra e literalmente desgastamos muito nosso povo também. Já ouvi mais de um pastor gabar-se de que sua igreja era viva, apontando para o calendário impresso como prova disso: atividades todas as noites e várias reuniões durante o dia. Sem dúvida, isso não prova nada exceto que o pastor e a igreja estão sendo guiados por uma filosofia espiritual ruim. Uma grande parcela dessas atividades consumidoras de tempo é inútil, outras delas são completamente ridículas. “Mas”, dizem os ávidos castores que administram as gaiolas dos esquilos religiosos, “elas promovem comunhão e mantêm nosso povo junto”. A isso respondo que o que elas promovem não é comunhão de forma alguma, e que, se isso é a melhor coisa que a igreja tem a oferecer para manter o povo unido, ela não é uma igreja cristã no significado desta palavra no Novo Testamento. O centro de atração em uma igreja verdadeira é o Senhor Jesus Cristo. Quanto à comunhão, deixemos que o Espírito Santo a defina para nós: “E perseveravam na doutrina dos apóstolos, e na comunhão, e no partir do pão e nas orações” (At 2:42).

Nossas atividades religiosas deveriam ser ordenadas de tal forma a deixar bastante tempo para o cultivo dos frutos da solitude e do silêncio.

As pessoas mundanas nunca podem descansar. Elas precisam ter algum lugar para ir ou algo para fazer. Isso é um resultado da Queda, um sintoma de um estado doentio profundo, mas também uma liderança religiosa cega supre essa terrível inquietação em lugar de tentar curá-la pela Palavra e pelo Espírito. Se as muitas atividades em que a média das igrejas se engaja levassem à salvação dos pecadores ou ao aperfeiçoamento dos crentes, elas justificariam a si mesmas fácil e triunfantemente, mas as atividades não produzem isso. Minhas observações me levaram a crer que muitas, talvez a maioria, das atividades em que a igreja está envolvida não contribui de nenhuma forma para cumprir a verdadeira obra de Cristo na terra. Espero estar errado, mas temo estar certo.

Nossas atividades religiosas deveriam ser ordenadas de tal forma a deixar bastante tempo para o cultivo dos frutos da solitude e do silêncio. Deveríamos ser lembrados, no entanto, de que é possível ter esses períodos de quietude apenas quando estamos aptos para arrancar-nos a nós mesmos para fora do dia que clama por nossa atenção. Nossa meditação deve ser dirigida a Deus; do contrário, gastaremos o tempo de quietude em conversa com nós mesmos. Isso pode aquietar-nos os nervos, mas não avançará para nossa vida espiritual de forma alguma.

Ao virmos a Deus, devemos nos colocar em Sua presença com a convicção de que Ele é o iniciador, e não nós.

Ele esteve esperando para se manifestar a nós até a hora em que nosso ruído e atividade cederam o bastante para fazer-se ouvido e sentido por nós. Então, devemos focalizar a capacidade de atenção de nossa alma na triúna Divindade. Qual é a Pessoa que exige nosso presente interesse não importa; podemos confiar que o Espírito traz-nos à mente a Pessoa que mais precisamos notar.

Mais uma coisa. Não tente imaginar Deus, ou você terá um Deus imaginário; e, por favor, não faça, como alguns fazem, de colocar uma cadeira para Ele sentar. Deus é Espírito. Ele habita em seu coração, não em sua casa. Medite nas Escrituras e deixe a fé mostrar Deus a você como Ele é ali revelado. Nada pode se igualar a essa gloriosa visão.

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Serviço cristão Vance Havner

Uma coisa

Para o jovem rico, Jesus disse: “Falta-te uma coisa” (Lc 18.22). Dinheiro, posição, moralidade, idealismo: isso não era suficiente. Existe uma bondade entre os jovens modernos que é perigosa porque é enganosa. É a bondade do jovem rico. É um bom caráter moral, sincero e bem-intencionado, iluminado pelo desejo de encontrar a vida eterna. Freqüentemente o jovem desse tipo se junta à igreja, dá aulas, ora em público, é honesto e aspirante. Mas falta uma coisa, e, por causa dessa trágica falta, seu possuidor desaparece entristecido quando o custo real do discipulado é contabilizado.

Hoje, temos um problema sério em homens e mulheres esplêndidos, de excelentes qualidades, que não renunciam totalmente a tudo para seguir a Jesus em uma vida de fé. Suas próprias virtudes se tornam obstáculos porque contam com elas e perguntam: “Que bem devo fazer?”, em vez de abandonar a própria e pobre justiça, assim como Paulo, sua irrepreensibilidade legal, e contar apenas com os méritos de Cristo.

Para certificar-se da disposição daquele jovem, Jesus lhe pediu que renunciasse ao dinheiro, não à bondade; mas o pedido mostrou que tipo de bondade ele tinha. As qualidades promissoras de nada valem se não estivermos dispostos a “odiar pai e mãe”, a abandonar qualquer coisa, por mais querida que seja, que dificulte a vida de rendição e confiança.

“Mas uma coisa é necessária”, disse Jesus à preocupada Marta. Não é uma pregação de sentar e não fazer nada. Deve haver Martas práticas na cozinha. Observe as palavras: “Marta estava sobrecarregada” ― “Marta, Marta, és cuidadosa e preocupada com muitas coisas” (Lc 10.41). Ele não a estava repreendendo por trabalhar; Ele a reprovava gentilmente por se preocupar. “Mas uma coisa é necessária: uma comunhão repousante Comigo.” Podemos comungar com Ele na cozinha, mas a maioria de nós está sobrecarregada, cuidadosa e ansiosa. Mesmo em nossas atividades práticas cristãs, ficamos irritados e assediados. Nossos pobres serviços passarão, mas a comunhão contemplativa com Ele é a parte boa que não será tirada.

Nosso único negócio é viver em comunhão constante e permanente com Cristo. Se nos tornarmos mais interessados no que estamos fazendo por Cristo do que no que Ele está fazendo por nós, revertemos as coisas e terminaremos como Marta, enfurecida em vez de comungar. Mas uma coisa é necessária para o crente: permanecer espiritualmente aos pés do Senhor, ouvindo Sua palavra. Nosso coração pode sentar-se a Seus pés enquanto nossas mãos trabalham na cozinha.

“Mas uma coisa faço” (Fp 3.13), disse Paulo. Ele havia descoberto, muito antes, que faltava uma coisa e nos conta sobre isso no capítulo 3 de Filipenses. Ele enumera os pontos positivos que tinha antes de conhecer a Cristo. Isso nos lembra o jovem rico. Ele era irrepreensível de acordo com a justiça. Então, ele aprendeu que havia uma coisa necessária: “Não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé” (v. 9). Agora que ele sentiu sua deficiência e recebeu a única coisa necessária, há mais uma “coisa”, e isso é algo a ser feito. Nada que possamos fazer ajudará até que passemos pelos dois primeiros estágios; então, haverá muito o que fazer. Há algo a esquecer: “Aquelas coisas que estão para trás”. Há algo a alcançar: “E avançando para as [coisas] que estão diante de mim” (Fp 3.13). Há algo para alcançar: “o objetivo”, a meta. Há algo pelo que trabalhar: “O prêmio do alto chamado de Deus em Cristo Jesus” (v. 14).

Que estes sejam os marcos da sua experiência espiritual: uma coisa me falta; uma coisa é necessária; uma coisa faço.

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Citações Gotas de orvalho Vários

Gotas de Orvalho (151)

Orvalho do céu para os que buscam o Senhor!

Depois de você e eu escrevermos uma carta, escrevemos um pós-escrito; depois de escrevermos um livro, poderemos escrever um apêndice ou inserir alguma coisa que omitimos. Mas, a esta nossa vida, não haverá um pós-escrito. Devemos fazer nosso trabalho agora ou nunca; e, se não cumprirmos nosso serviço para Deus agora, agora mesmo, enquanto tivermos a oportunidade à disposição, nunca poderemos cumpri-lo. Se você omitir alguma coisa ontem, você não poderá alterar o fato do serviço imperfeito daquele dia. Se estiver mais zeloso agora, será a obra de hoje; mas o ontem continuará sendo tão incompleto quanto você o deixou. Devemos, portanto, ficar alertas para cumprir a obra Daquele que nos enviou, enquanto ainda estivermos no hoje.

(C. H. Spurgeon)

Enquanto alguns procuram erros na Bíblia e enganos nas traduções, um homem sincero, com a Bíblia aberta, sem dúvida encontrará bem depressa o que há de errado consigo mesmo.

(A. W. Tozer)

Se qualquer coisa se torna mais fundamental do que Deus para sua felicidade, sentido de vida e identidade, então, essa coisa é seu ídolo.

(Tim Keller)

O orgulho é o mais oculto, secreto e enganoso de todos os desejos!

(Jonathan Edwards)

A Palavra de Deus é uma espada afiada de dois gumes que suaviza e endurece, conforta e aflige, salva e condena.

(Steven Lawson)

Por sua fruta é a árvore conhecida, e por sua fala a pessoa é revelada.

(Watchman Nee)

Nenhum aprendizado pode compensar a falta de oração. Nenhuma seriedade, nenhuma diligência, nenhum estudo, nenhum presente suprirá sua falta.

(E. M. Bounds)

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Igreja Serviço cristão T. J. Blackman

Sete servos de Deus na Epístola a Filemon

Diversos exemplos que servirão para incentivar ou avisar o cristão que deseja servir a seu Senhor

Nos versículos 1, 22 e 23 dessa pequena e preciosa carta de Paulo, ele faz menção de seis cooperadores que estavam com ele na prisão em Roma.

(É interessante observar quantas vezes encontramos grupos semelhantes de sete irmãos no Novo Testamento. Eis alguns exemplos:

• Em João 21.2, seis irmãos acompanham Pedro quando este diz: “Vou pescar”.

• Em Atos 6, sete irmãos são escolhidos para administrar o ministério cotidiano às viúvas.

• Em Atos 10, Pedro e mais seis irmãos vão à casa de Cornélio.

• Em Atos 20, Paulo e mais seis irmãos esperam sete dias para poder partir o pão com a igreja em Trôade.)

Vamos considerar as qualidades desses homens que se encontravam na companhia de Paulo, e por fim, o próprio Paulo.

1. Timóteo, servo recomendado. Timóteo é mencionado pela primeira vez em Atos 16.1-3. Lemos a respeito dele: “Do qual davam bom testemunho os irmãos que estavam em Listra e em Icônio”. Como é importante que o servo de Deus tenha a confiança e a recomendação de irmãos que o conhecem.

Todo serviço cristão deve ser baseado na igreja local, e todo o servo de Deus deve sair para servir a Deus em plena comunhão e com o apoio de seus irmãos. Convém observar como Timóteo foi habilitado por Deus (1Tm 4.14; 2Tm 1.6) e enviado por Deus (1Tm 1.18). Todavia, a posse de alguns dons e a convicção do chamamento de Deus não dão ao obreiro o direito de trabalhar independentemente, sem ligação com sua igreja local. Pela recomendação a igreja se envolve no serviço do obreiro, e o próprio obreiro sente o benefício das constantes orações e do interesse da igreja.

2. Epafras, servo de intensa oração. Em Colossenses, carta escrita e enviada ao mesmo tempo que a carta a Filemom, lemos mais a respeito de Epafras (4.12,13). Ele era da igreja em Colossos: “Que é dos vossos, servo de Cristo”. Paulo destaca as orações deste servo, indicando:

a) o fervor delas: “Combatendo […] em orações”. A palavra traduzida como “combatendo” é semelhante, no original, à palavra que descreve a oração do Senhor Jesus no jardim de Getsêmani: “Posto em agonia, orava mais intensamente” (Lc 22.44). Epafras orava com todo o coração e com toda a sua força.

b) a persistência delas: “Combatendo sempre”.

c) a particularidade delas: “Por vós em oração”, isto é pelos cristãos em Colossos, e não somente por eles, mas também pelos irmãos em Laodicéia e em Hierápolis, como o v. 13 indica.

d) a objetividade delas: “Para que vos conserveis firmes, perfeitos e consumados em toda a vontade de Deus” (v. 12).

3. Marcos, servo restaurado. João Marcos, sobrinho de Barnabé, acompanhou Paulo e Barnabé em sua primeira viagem missionária, mas, quando chegaram a Perge, na Panfília, no sul da Ásia Menor, Marcos apartou-se deles, voltou para Jerusalém e não os acompanhou naquela obra (At 13.13; 15.38).

Outras referências no Novo Testamento, e especialmente as palavras de Paulo em Atos 15.38, dão a entender que, embora seu tio Barnabé o levasse consigo depois para a evangelização de Chipre, isso foi uma falha da parte de Marcos.

Porém, é muito agradável ver como Paulo se alegra com a restauração de Marcos ao serviço do Senhor. Em Colossenses 4.10, Paulo escreve com respeito a ele: “Vos saúda […] Marcos, o sobrinho de Barnabé, acerca do qual já recebestes mandamento; se ele for ter convosco, recebei-o”. Isso indica que Marcos estava de novo com Paulo. Em 2Timóteo 4.11, chegando perto do fim de sua “carreira”, Paulo manda a Timóteo a seguinte mensagem: “Toma Marcos e traze-o contigo, porque me é muito útil para o ministério”.

Contudo, a mais impressionante evidência da restauração de Marcos é o fato que lhe foi concedido o privilégio de ser um dos quatro homens escolhidos para escrever, inspirados pelo Espírito Santo, os quatro livros que registram a vida, a morte e a ressurreição do Filho de Deus. Esse servo, que falhou e foi restaurado, foi escolhido para descrever o serviço incansável e devotado do Servo perfeito!

Deus não é só o Deus de salvação, mas também de restauração; e todas as Suas obras são perfeitas.

4. Aristarco, servo e companheiro. Em relação a Paulo, Aristarco é chamado de companheiro na viagem (At 19.29), companheiro de prisão (Cl 4.10) e cooperador (Fm 24). Todas essas expressões indicam que Paulo dava muito valor ao companheirismo desse irmão. Seu nome sugere que era de família nobre, mas veio a ser ainda mais ilustre, sendo, como Jabez, homem de oração (1Cr 4.9,10), e ainda mais nobre, como os homens de Beréia, que “de bom grado receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras” (At 17.11).

Como é bom ter um homem assim como companheiro na obra do Senhor, mesmo nas privações das viagens e da prisão.

5. Demas, servo que desapontou. É evidente que, na ocasião do envio da carta a Filemom, Demas ainda era um “cooperador” apreciado do apóstolo Paulo. Mais tarde, porém, Paulo tinha de lamentar a respeito dele: “Demas me desamparou, amando o presente século” (2Tm 4.10).

É fácil ficar orgulhoso perante a apostasia de outros e pensar que nunca faríamos tal coisa. Contudo, convém reconhecer o fato de que sempre estamos em perigo de cair. É só começar a seguir um pouco mais “de longe” (como Pedro em Mt 26.58), e logo estamos de volta ao mundo (como Pedro no v. 69, “assentado fora”).

Prezado leitor cristão, nunca imagine que a carne, a velha natureza, tenha melhorado depois de sermos cristãos há alguns anos. O próprio Paulo, depois de vários anos no serviço ao Senhor, disse: “Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7.18). Se nos aproximarmos do mundo, estaremos em grande perigo, pois é disso que a carne ainda gosta. Uma vez que estamos no mundo não somos mais úteis ao Senhor.

O nome Demas quer dizer “popular”. Talvez isso indique a causa de sua queda. A popularidade tem sido um laço para muitos.

6. Lucas, servo meticuloso. Paulo tinha consigo naquele tempo dois dos quatro homens que seriam usados por Deus para escrever os Evangelhos. Além de seu Evangelho, Lucas escreveria Atos também.

Na pequena introdução de seu Evangelho, Lucas faz menção do método que usou na preparação desse livro: “Pareceu-me também a mim conveniente descrevê-los [os fatos] a ti, ó excelente Teófilo, por sua ordem, havendo-me informado minuciosamente de tudo desde o princípio” (1.3). Essas palavras mostram como ele juntou os fatos, investigando tudo e verificando as fontes das informações (a palavra traduzida “princípio” pode indicar “origem” também, como na ARA). Depois ele colocou tudo em ordem, escrevendo com método. Tal é o homem que Deus usou para escrever o precioso terceiro Evangelho.

Que exemplo e inspiração para todos nós a fim de realizarmos com zelo a obra do Senhor.

7. Paulo, servo que refletia a Cristo. Deixamos por último o melhor dos sete, e aquele que é o modelo para todos! Muitos artigos seriam necessários para dizer tudo a respeito de Paulo. Porém, a pequena carta dele a Filemom revela o fato mais importante em sua vida e em seu serviço: Cristo estava nele, Cristo vivia nele, e para ele o viver era Cristo (Gl 2.20; Fp 1.21).

De modo muito lindo vemos nessa carta a manifestação do Espírito de Cristo no apóstolo Paulo. A carta foi mandada a Filemom pelas mãos de Onésimo. Esse era servo de Filemom, mas havia fugido, provavelmente levando consigo algumas coisas que roubara da casa de seu senhor. Encontrando-se com Paulo em Roma, arrependeu-se e creu no Senhor Jesus. Agora salvo e irmão amado (Fm 16), Onésimo volta a casa de Filemom, e, diz Paulo: “Se me tens por companheiro, recebe-o como a mim mesmo. E, se te fez algum dano ou te deve alguma coisa, põe isso à minha conta. Eu, Paulo, de minha própria mão escrevi; eu o pagarei” (vv. 17-19).

Que lindo reflexo do amor daquele que restituiu o que não furtou (Sl 69.4), pagando nossa dívida e levando sobre Si nossas iniqüidades (Is 53.6). Paulo era uma verdadeira epístola de Cristo (2Co 3.3), escrita, não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo. Que nós sejamos assim também, imitando a Paulo como ele era imitador de Cristo (1Co 11.1).

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Charles Spurgeon Citações Gotas de orvalho

Gotas de Orvalho (138) – Charles Haddon Spurgeon

Orvalho do céu para os que buscam o Senhor!

As estrelas podem ser vistas do fundo de um poço escuro, quando não podem ser discernidas do topo de um monte. Assim também, muitas coisas são aprendidas na adversidade, com as quais o homem próspero nem sonha.

O trabalho mais simples para Jesus tem mais valor do que a dignidade de um imperador.

A convicção da ignorância é a porta de entrada do templo da sabedoria.

O refinador nunca fica muito longe da boca da fornalha quando seu ouro está no fogo.

Os pequenos barcos ficam na costa. Se Deus fez de você um grande barco, cheio de preciosas mercadorias, saiba que terá de enfrentar grandes ondas e tempestades.

Sejam puros de coração, de lábios e de vida. Nunca cedam a uma imaginação má, nem falem sobre coisas impuras. […] Uma olhadela lasciva, uma palavra de duplo sentido ou um ato questionável deve ser evitado com tenacidade. Toda e qualquer coisa que beire a libertinagem deve ser rejeitada.

Há algumas virtudes suas que jamais seriam descobertas se não fossem as provações pelas quais você passa.

Que espécie de homem deve ser um ministro de Deus? Deve trovejar na pregação e brilhar nas conversas. Deve ser flamejante na oração, resplandecente na vida e fervoroso no espírito.

Devemos começar a orar antes de nos ajoelhar e não devemos cessar quando nos levantamos.

Não pode haver união alguma no trono se não houver primeiro união na cruz.

Os cristãos devem ter uma vida tão abundante de modo que na pobreza sejam ricos, na doença tenham saúde espiritual, no desprezo estejam cheios de triunfo e na morte, cheios de glória.

Nossa ansiedade não esvazia o sofrimento do amanhã, mas apenas esvazia a força do hoje.

O amor que o povo de Deus tem pela oração revela seu desejo pelas coisas celestes.

Se pensamos que podemos fazer qualquer coisa por nós mesmos, tudo o que receberemos de Deus será a oportunidade de tentar.


Charles Haddon Spurgeon, mais comumente conhecido por C. H. Spurgeon, nasceu em 19 de junho de 1834. Converteu-se ao Senhor em 6 de janeiro de 1850. Com dezesseis anos, pregou seu primeiro sermão; no ano seguinte, tornou-se pastor de uma igreja batista em Waterbeach, Condado de Cambridgeshire (Inglaterra). Em 1854, Spurgeon, então com vinte anos, foi chamado para ser pastor na capela da rua New Park, Londres, que mais tarde viria a se chamar Tabernáculo Metropolitano, transferindo-se para novo prédio.

Em janeiro de 1850, tendo como objetivo ir a uma reunião matutina em uma igreja congregacional em Colchester, para buscar paz em sua perturbada alma, se deteve numa capela de metodistas primitivos em Artilley Stree, mais em conseqüência da forte nevasca que por vontade própria. Nessa capela, o jovem juntou-se à pequena congregação quando, sem pregador para ministrar a Palavra, um simples membro da igreja subiu ao púlpito, mesmo sem grande habilidade de orador, e repetiu nervosa e constantemente o texto de Isaías 45.22a: “Olhai para Mim e sereis salvos, vós todos os termos da terra”. Depois de certo tempo, apelou aos presentes que olhassem para Jesus Cristo. Spurgeon olhou para Jesus com fé e arrependimento, crendo Nele como seu Salvador e Substituto, e foi salvo.

A Capela Batista da rua New Park, em Southwak, fora uma das maiores igrejas da Inglaterra. No entanto, naquele momento, o edifício, com 1.200 lugares, contava com uma congregação de 232 pessoas. “No início, eu pregava somente a um punhado de ouvintes. Contudo, não me esqueço da insistência de suas orações. Às vezes, parecia que eles rogavam até verem a presença de Jesus ali para abençoá-los. Assim desceu a bênção, a casa começou a se encher de ouvintes e foram salvas dezenas de almas”, lembrou Spurgeon alguns anos depois.

Até o último dia de pastorado, Spurgeon batizou 14.692 pessoas. Nesse meio tempo, teve sua saúde grandemente debilitada. Ele desenvolveu, por volta dos 25 anos, gota e reumatismo, e tinha grandes ataques de depressão, principalmente depois de 1857, quando um culto realizado em Surrey Garden foi organizado para cerca de 10.000 pessoas, e, devido a um tumulto provocado por um falso alarme de incêndio, seis pessoas morreram. Quanto mais a idade avançava, mais essas enfermidades o debilitavam. Ele teve uma melhora da gota, mas, mesmo dessa forma, nunca teve pleno vigor novamente. Sua mulher também tinha graves problemas de saúde, e isso agravava mais ainda a situação. Por diversas vezes, Spurgeon teve de se ausentar do púlpito por recomendação médica. Chegou a passar um período de férias em 1864 (quando viajou até a Itália), e depois, muitas vezes, sempre no fim do ano, se hospedava em Menton, sul da França, pelo clima mais quente que o da Inglaterra, e também por recomendação médica. Depois de 1887, foram cada vez mais constantes essas viagens, chegando a passar meses em retiro.

Morreu em 31 de janeiro de 1892, quando, depois de alguns dias de melhora, houve uma grande deterioração de sua saúde, levando ao óbito nessa data, aos 57 anos. O corpo de Spurgeon foi trasladado da França para a Inglaterra. Na ocasião de seu funeral – 11 de fevereiro de 1892 –, muitos cortejos e cultos foram organizados em Londres, e seis mil pessoas leram diante de seu caixão o texto de sua conversão, Isaías 45.22a: “Olhai para Mim e sereis salvos, vós todos os termos da terra”. Spurgeon está sepultado no cemitério de Norwood, com um placa que diz: Aqui jaz o corpo de CHARLES HADDON SPURGEON, esperando o aparecimento de seu Senhor e Salvador, JESUS CRISTO.

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Encorajamento Ministério S. R. Davison

Arquipo

“Também dizei a Arquipo: Atenta para o ministério que recebestes do Senhor, para o cumprires” (Cl 4.17).

Terminando sua carta à igreja em Colossos, Paulo chamou a atenção de um daqueles irmãos de uma maneira que também chama nossa atenção. Quem era Arquipo? Qual era seu ministério? Por que Paulo achou necessária essa exortação pessoal numa carta pública? Embora tenhamos poucas informações nas Escrituras sobre Arquipo, podemos descobrir algumas coisas sobre ele que também são importantes para nossos dias.

Comparando essa carta com a carta a Filemom, ficamos convencidos de que Arquipo é o mesmo citado em Filemom 2, que era parente de Filemom e Afia, e ajudava muito na igreja em Colossos, que se reunia na casa de Filemom.

Paulo o chamou de “companheiro de lutas”, indicando que, em seu ministério, Arquipo enfrentava dificuldade e oposição do mesmo tipo que Paulo enfrentava no ministério a favor daquela igreja. Em Colossenses 2, Paulo revela que essa “luta” era principalmente contra os falsos ensinadores que estavam procurando infiltrar-se naquela igreja. Esses confiavam em seus “raciocínios” e “filosofias” sobre a pessoa do Senhor Jesus Cristo (vv. 4,8). Ensinavam a necessidade de não comer certas comidas e de guardar o sábado (v. 16). Baseavam seus ensinos nas “visões” que receberam (v. 18). Tudo isso nos mostra que o ministério de Arquipo era também lutar contra estas “doutrinas dos homens”, ensinando o valor da pessoa e da obra do Senhor Jesus Cristo, em quem “habita corporalmente toda plenitude da Divindade” (Cl 2.9).

Nós temos a mesma luta hoje, com tantas seitas falsas propagando idéias baseadas em sabedoria humana, na lei, em visões, etc. Um pouco de meditação aqui revelará que os erros ensinados hoje são idênticos à situação em Colossos, quando Paulo e Arquipo lutavam pelo Evangelho verdadeiro. Não podemos nos calar sobre este grande perigo satânico que procura infiltrar, misturar e destruir o testemunho verdadeiro do Senhor Jesus Cristo com seu fermento ecumênico. A maneira mais usada por Satanás hoje não é a perseguição violenta, mas a imitação e a mistura com as denominações, até a igreja local perder completamente sua função divina como “santuário de Deus” e se tornar parte de uma organização humana com seu evangelho social que somente produz muito joio e pouco trigo. Não devemos ser enganados pelo crescimento rápido dessas seitas — “eles procedem do mundo; por esta razão falam da parte do mundo, e o mundo os ouve” (1Jo 4.5).

Notamos também que Arquipo recebeu este ministério “do Senhor”. Não foi um ministério escolhido por ele, nem dado por anjos ou por homens. Paulo nem precisava explicar para Arquipo qual era o ministério dele; ele bem o sabia, e a igreja em Colossos também sabia como era importante aquele ministério em dias de muitos falsos ensinos.

Como Arquipo, todos os filhos de Deus receberam um ministério do Senhor. “Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu” (1Pd 4.10). Não podemos escolher nosso serviço ao Senhor; é Ele quem escolhe para nós. Se procurarmos fazer algo que Ele não escolheu, haverá confusão e não bênção; mas, quando todos os membros do Corpo sabem, e fazem, seu trabalho, haverá paz e bênção e crescimento na igreja.

Por que esta exortação pessoal numa carta pública? Sem dúvida, foi uma surpresa para Arquipo ouvir seu nome mencionado por Paulo dessa maneira. Parece que não havia motivo visível para essa mudança na atitude do apóstolo, e claramente Arquipo não estava sob disciplina, ou Paulo não podia encorajá-lo assim sem primeiro saber de seu arrependimento e restauração à comunhão da igreja.

Contudo, alguma coisa tinha acontecido para o desanimar no ministério. Provavelmente, ele estava cansado e pensava em “parar um pouco” ou que já tinha cumprido seu trabalho. Paulo não podia esconder sua preocupação por dois motivos: a igreja precisava muito do ministério de Arquipo, e também Arquipo estava perdendo o galardão que o Senhor queria lhe dar mais tarde. “Se perseveramos, também com Ele reinaremos; se O negarmos, Ele por Sua vez nos negará” (2Tim 2.12).

Parece-nos que há muitos “Arquipos” nas igrejas que conhecemos, e para falar a verdade, quem entre nós não sente a tentação de “parar um pouco” na luta? Temos de lembrar que o único motivo justo para parar é quando chegarmos ao “fim” (Hb 6.11), quando o Senhor nos chamar para o descanso, ou por Sua vinda ou pela morte. João Batista “completou sua carreira” (At 13.25), mas somente quando desceu sobre seu pescoço a espada de Herodes. Paulo completou sua carreira, mas somente quando o tempo de sua partida tinha chegado (2Tm 4.6).

Não existe aposentadoria no serviço de Deus! Quando alguém falou sobre aposentadoria a um estimado e ativo servo de Deus, agora com Ele, mas naquele tempo com mais de noventa anos, ele respondeu que Satanás tinha trabalhado muito mais do que ele e nem pensava em parar, mas de fato trabalha mais agora do que nunca!

Gostaríamos de saber mais sobre o resultado desta exortação de Paulo. Sem dúvida, foi forte o remédio! Arquipo já está com Cristo, passou o tempo de servir. Será que podemos duvidar do valor da exortação que recebeu? Cremos que ele será sempre grato pelo “remédio” que recebeu naquele dia, mesmo que tenha sido uma injeção bastante dolorida na hora!

Esta exortação foi colocada na Escritura, não somente para Arquipo, mas também para cada um de nós. Seria muito triste, depois de ter corrido bem, parar agora, tão perto do fim da corrida, e perder o prêmio. Que Deus encoraje a cada um de nós a cumprir o ministério que Ele nos deu, pois, embora a luta seja grande, o fim está perto e a vinda do Senhor está próxima.

Agora desejo com Cristo viver,
com Ele a carreira acabar;
pois sei que, no meio das perturbações,
com Jesus sempre em paz posso estar.

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Escatologia Estudo bíblico G. H. Lang

O amigo do noivo

“Aquele que tem a esposa é o esposo; mas o amigo do esposo, que Lhe assiste e O ouve, alegra-se muito com a voz do esposo. Assim, pois, já este meu gozo está cumprido. É necessário que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.29,30).

João tirou essa doce figura das passagens do Antigo Testamento que descrevem Jeová como o marido, e os homens simples, perdoados e santificados como a esposa: “Porque o teu Criador é o teu marido; o Senhor dos Exércitos é o Seu nome; e o Santo de Israel é o teu Redentor; que é chamado o Deus de toda a terra” (Is 54.5). Nesta união tão íntima e santa, Jesus era uma parte. Portanto, a aplicação da figura a Ele significa que João sabia ser Jesus o Jeová do Antigo Testamento. João se regozijara grandemente com a voz do noivo e, neste sentimento, cumpriu a parte do “amigo do Noivo”, isto é, aquele que, segundo o costume oriental, procurava a noiva e a trazia ao noivo.

Assim fez o servo de Abraão, que buscou e encontrou Rebeca; com fidelidade zelosa ele encheu o coração dela de pensamentos sobre Isaque, não pensamentos sobre si mesmo. E, com cuidado vigilante, ele a protegeu na longa jornada, até apresentá-la a Isaque. Este servo não é uma figura do Espírito Santo, mas, antes, de pessoas como João, que sempre direcionam os homens para Jesus, atraindo-lhes as afeições para Ele, de modo que muitos como André, ouvindo João, seguem a Jesus.

Paulo aplica a si mesmo essa figura precisa de um servo de Deus, dizendo: “Porque estou zeloso de vós com zelo de Deus; porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo” (2Co 11.2). Ele os havia levado a se apaixonarem por Cristo, e estava “zeloso (deles) com zelo de Deus […] mas”, disse ele, “temo que, assim como a serpente enganou Eva com a sua astúcia, assim também sejam de alguma sorte corrompidos os vossos sentidos, e se apartem da simplicidade que há em Cristo” (v. 2).

Satanás deseja ardentemente que nosso coração se volte para qualquer outro objeto que não seja nosso Amado celestial. Não importa quem ou o que seja tal objeto. O amigo do Noivo tem preocupação ainda maior em manter os corações comprometidos com Cristo. Este é nosso bem-aventurado e verdadeiro trabalho: levar os outros a amarem a Cristo e mantê-los satisfeitos com Ele. O meio para isto, Paulo o indica nas palavras: “Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus” (2Co 4.5).

“Eu sou servo de Abraão” (Gn 24.34).

“É necessário que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30).

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Citações Gotas de orvalho Vários

Gotas de Orvalho (132)

Orvalho do céu para os que buscam o Senhor!

Estou certo de que você entende que não basta estar meramente separado do mundo, pois podemos estar separados e muito orgulhosos disso.

(François Fénelon)

Deus não se torna maior se você O reverencia, mas você se torna maior se O serve.

(Agostinho)

Nunca assuma mais serviço cristão se você não for capaz de dar conta dele mediante a oração da fé.

(Alan Redpath)

Deus não precisa de seus talentos, sabedoria, santidade e força. Pelo contrário, você, em fraqueza, precisa desesperadamente do poder do Espírito Dele em seus trabalhos.

(Walter J. Chantry)

Você nunca experimenta os recursos de Deus enquanto não tenta o impossível.

(F. B. Meyer)

Deus tem uma obra a realizar neste mundo; fugir dessa obra por causa das dificuldades e obstáculos é rejeitar Sua autoridade.

(John Owen)

Todos os gigantes de Deus foram homens fracos que fizeram grandes coisas para Deus porque se basearam na presença divina com eles.

(J. Hudson Taylor)

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Cristo Cruz F. J. Huegel

A ofensa da cruz

“Pregamos a Cristo crucificado […] escândalo” (1Co 1.23).

Um grande clamor subiu dos judeus zombeteiros, insultuosos, o qual chegou ao Redentor crucificado: “Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz, e crê-Lo-emos”. Nós lemos que “o mesmo Lhe lançaram também em rosto os salteadores que com Ele estavam crucificado” (Mt 27.42,44).

Nos últimos anos, um grande clamor, um eco dessa antiga súplica, tem subido da Igreja. “Se Cristo tão somente descesse da cruz!” Nós queremos o Cristo do monte, cremos no Cristo do ministério de cura, amamos o Cristo do exemplo sublime, pregamos o Cristo do evangelho social – mas o Cristo da cruz é uma ofensa. “Desça Ele agora da cruz, e creremos Nele”.

Mas o Rei não desceu. Seu direito à realeza nunca esteve mais divino do que naquela terrível hora. Seria do madeiro amaldiçoado que Ele reinaria. Foi ali que Ele lavrou a redenção. Foi quando dali Ele clamou “Está consumado” (Jo 19.30), que “fenderam-se as pedras e abriram-se os sepulcro” (Mt 27.51,52). Foi quando Ele provou a morte ali por todos os homens que o véu do templo foi partido, como símbolo da abertura do caminho de acesso imediato à presença de Deus para todos os filhos dos homens. Foi nessa ocasião que soou a hora de Deus, o alvorecer da era cristã. Foi nessa ocasião que o grilhões de uma humanidade escravizada foram quebrados. É desse vergonhoso madeiro, por mais mortificante que seja a ofensa da cruz, que o Rei ainda reina. De nenhum outro trono estabelecerá Ele Seu reino.

Um vulcão em convulsão pode representar bem a inquietação do mundo de hoje. Será que não há um caminho de saída? Não há esperança? Não há algum fundamento seguro para a alegria humana? Não existe algum remédio para os males da ordem social?

É melhor que sejamos honestos quanto a essas questões e admitamos que, humanamente falando, não há um caminho de saída. Um otimismo tolo que se recusa a encarar os fatos somente aprofunda a vergonha e a dor. É como tocar violino sobre Roma em chamas. Não há caminho algum de saída a não ser o caminho de Jesus. E o caminho de Jesus é o caminho da cruz.

Mais cedo ou mais tarde, a experiência leva a pessoa a reconhecer este fato: ou é a cruz ou o orgulho com todos os seus males conseqüentes.

Que são as guerras, as antipatias raciais, o insano acúmulo de riqueza diante da miséria de milhões, os conflitos em todas as formas, as injustiças sociais que levam a terra a gemer e a lamentar-se, senão os frutos inevitáveis dessa amaldiçoada árvore que chamamos de orgulho do homem? Não há mal que não tenha o orgulho, em alguma forma, como sua raiz. Não há mal que não tenha brotado do fato do homem depender de si mesmo, em vez de depender de Deus.

Qualquer tentativa de curar as feridas de nossa ordem social leprosa que não atinja as raízes do orgulho conduz a um beco sem saída. O golpe desferido pelo Filho de Deus ao morrer na cruz do Calvário, atingindo a “vida do eu” do homem – o machado de Deus colocado à raiz da árvore do orgulho –, foi universal. Foi suficiente para demolir o universo de pecado. Foi suficiente para engolir dez mil oceanos de leviandade. Nada mais pode matar o monstro do orgulho humano.

Nós, porém, não temos desejado nos submeter ao veredito do Gólgota. Não temos desejado expor o câncer do pecado e do orgulho à radioterapia da cruz. Temos evitado o desfecho supremo que nosso Senhor crucificado deu ao mundo. Entretanto, a Igreja ainda tem a chave de ouro para tal situação. É a cruz de Cristo.

Quando Jesus falou a Seus discípulos da necessidade de Seus sofrimentos e da morte sobre a cruz, Pedro procurou dissuadi-Lo. Jesus se voltou para ele com ardente reprovação: “Arreda! Satanás, porque não cogitas as cousas de Deus, e, sim, das dos homens”. Em nossos dias, quanto do serviço, do ministério e da mensagem cristãos vêem sob essa ardente condenação! São uma ofensa. Cogitam das coisas da “carne”. Não são de Deus. Está faltando a cruz. Não brotam de unidade com o Cristo crucificado e ressurreto. O Calvário não está em seu âmago. Deus não aprova tal serviço.

(Fonte da imagem)

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Ministério Serviço cristão Vida cristã Watchman Nee

Ministrar ao Senhor ou à casa? (Watchman Nee)

Leitura da Bíblia: Ez 44.15-18

Notemos, a principio, que há aparentemente pouca diferença entre ministrar à casa e ministrar ao Senhor. Muitos de vocês estão fazendo o máximo para ajudar seus irmãos e estão labutando para salvar pecadores e administrar as questões relacionadas à igreja, mas deixem-me perguntar-lhes: vocês têm procurado ir ao encontro das necessidades ao seu redor ou têm procurado servir ao Senhor? Vocês têm em vista o seu próximo ou Ele?

Sejamos bem francos. Trabalhar pelo Senhor, sem dúvida, tem suas atrações para a carne. Você pode achar isso muito interessante e ficar empolgado quando multidões se juntam para ouvi-lo pregar, e quando muitas almas são salvas. Se tiver de ficar em casa, ocupado de manhã à noite com coisas seculares, você, então, haverá de pensar: “Como a vida é sem sentido! Que bom seria se eu pudesse sair e servir ao Senhor! Se pelo menos eu fosse livre para andar por aí pregando ou mesmo conversando com as pessoas a respeito Dele!”
Isso, porém, não é espiritualidade; é meramente uma preferência natural. Oh, se ao menos pudéssemos ver que muita obra feita para Deus não é realmente ministrar a Ele! Ele próprio nos disse que havia uma classe de levitas que, diligentemente, serviam no templo e assim mesmo não O serviam, mas meramente serviam à casa. Serviço ao Senhor e serviço à casa parecem ser tão semelhantes que freqüentemente é difícil fazer diferença entre ambos.
Se um israelita viesse ao templo e quisesse adorar a Deus, aqueles levitas viriam em seu auxílio e o ajudariam a oferecer sua oferta pacífica e seu holocausto. Eles o ajudariam a levar 0 sacrifício ao altar e lá o imolariam. Certamente aquela era uma grande obra na qual eles deviam se envolver – restaurar pecadores e conduzir crentes para mais perto do Senhor! E Deus levou em conta o serviço daqueles levitas, que ajudavam as pessoas a trazer suas ofertas pacíficas e seus holocaustos ao altar. Ainda assim, Deus disse que isso não era ministrar a Ele.

Irmãos e irmãs, há um pesado encargo em meu coração para fazê-los perceber o que Deus está querendo. Ele quer ministros que ministrem a Ele. “Se chegarão a Mim, para Me servirem, e estarão diante de Mim, para Me oferecerem a gordura e o sangue (…) para Me servirem”.
O que eu mais temo é que muitos de vocês saiam e ganhem pecadores para o Senhor e edifiquem crentes, sem, no entanto, ministrar ao próprio Senhor. Muito do assim chamado serviço a Ele é simplesmente estarmos seguindo nossas próprias inclinações naturais. Temos tanta disposição para atividades que não suportamos ficar em casa; por isso corremos e corremos para nosso próprio alívio. Podemos estar servindo pecadores e estar servindo crentes, mas estamos a todo tempo servindo a nossa propria carne.

Tive uma querida amiga que agora está com o Senhor. Um dia, depois de termos passado juntos algum tempo em oração, lemos essa passagem em Ezequiel. Ela era bem mais velha do que eu e dirigiu-se a mim deste modo: “Meu jovem irmao, há vinte anos estudei pela primeira vez essa passagem da Escritura”. “Como você reagiu a ela?”, perguntei. Ela replicou: “Tão logo terminei de lê-la, fechei minha Biblia e, ajoelhando-me diante do Senhor, orei: ‘Senhor, faz com que eu seja alguem que ministre a Ti, não ao templo”‘. Será que nós também poderíamos fazer esta oração?

Mas o que nós realmente queremos dizer quando falamos em servir a Deus ou servir ao templo? Aqui está o que a Palavra diz: “Mas os sacerdotes levíticos, os filhos de Zadoque, que cumpriram as prescrições do Meu santuário, quando os filhos de Israel se extraviaram de Mim, eles se chegarão a Mim, para Me servirem, e estarão diante de Mim, para Me oferecerem a gordura e o sangue, diz o Senhor Deus”. As condições básicas para qualquer ministério que realmente possa ser chamado de ministério ao Senhor são: chegar-se a Ele e estar diante Dele.

Freqüentemente, como achamos difícil chegar a Sua presença! Recuamos diante da solidão, e, mesmo quando nos separamos fisicamente, nossos pensamentos ainda ficam vagando. Muitos de nós gostam de trabalhar entre pessoas, mas quantos de nós se achegam a Deus no Santo dos Santos? Entretanto, é somente quando nos aproximamos Dele que podemos ministrar a Ele. Entrar na presença de Deus e ajoelhar-se diante Dele por uma hora exige toda a força que possuímos. Temos de ser rigorosos para manter essa posição. Contudo, todo aquele que serve ao Senhor conhece a preciosidade de tais momentos – a doçura de acordar à meia-noite e gastar um tempo em oração, ou acordar bem cedo de manhã e levantar-se para um tempo de oração, antes de terminar o sono noturno. Deixem-me ser bem franco com vocês: a menos que realmente saibamos o que é achegar-se a Deus, não poderemos saber o que é servi-Lo. É impossível permanecer distante e ainda ministrar a Ele. Não podemos servi-Lo à distância. Há somente um lugar onde é possível ministrar a Ele, e esse é o Lugar Santo. No átrio exterior você se aproxima das pessoas; no Lugar Santo você se aproxima do Senhor.

A passagem que citamos enfatiza a necessidade de nos achegarmos a Deus, se quisermos ministrar a Ele. Também fala de permanecer diante Dele para ministrar. Parece-me que hoje todos estamos querendo nos movimentar; não conseguimos permanecer quietos. Há tantas coisas reclamando nossa atenção que estamos constantemente ocupados, não conseguimos parar por um instante. Uma pessoa espiritual, entretanto, sabe como permanecer quieta. Ela consegue permanecer diante de Deus até que Ele torne Sua vontade conhecida. Ela consegue ficar quieta e esperar as ordens.

Quero dirigir-me especialmente a meus cooperadores. Posso perguntar-lhes: todo o seu trabalho não é invariavelmente organizado e executado de acordo com um cronograma? E ele não tem de ser feito com grande pressa? Vocês podem ser persuadidos a fazer uma parada e não se mover por algum tempo? Isso é o que se menciona aqui: “chegarão (…) para Me servirem”.

Ninguém pode realmente ministrar ao Senhor e não conhecer o significado desta expressao: “Se chegarão a Mim, para Me servirem”. Tampouco pode alguém ministrar a Ele e não entender também esta expressão: “Estarão diante de Mim, para Me oferecerem”. Irmãos, vocês não acham que todo servo deve aguardar as ordens de seu amo antes de procurar servi-Lo?

Há somente dois tipos de pecado diante de Deus. Um é o pecado de rebelar-se contra os Seus mandamentos, isto é, recusar-se a obedecer quando Ele dá ordens. 0 outro é o pecado de avançar quando o Senhor não deu as ordens. 0 primeiro é rebelião; o segundo é presunção. Um é não fazer o que o Senhor exigiu; o outro é fazer o que o Senhor não exigiu. Ficar diante do Senhor trata com o pecado de fazer o que Ele não ordenou.

Irmãos e irmãs, quanto do trabalho que vocês fizeram foi baseado numa ordem clara do Senhor? Quanto vocês fizeram por causa de Suas instruções diretas? E quanto vocês fizeram simplesmente porque aquilo que fizeram era bom de se fazer? Deixem-me dizer-Ihes que nada prejudica tanto os interesses do Senhor como uma “coisa boa”. “Coisas boas” são o maior empecilho para o cumprimento de Sua vontade. Quando nos deparamos com qualquer coisa maligna ou impura, imediatamente reconhecemos nisso algo que o cristão deve evitar, e, por essa razão, as coisas que são evidentemente malignas não são tanto uma ameaça ao propósito de Deus como as coisas boas. Vocês podem pensar: “Isso não seria errado”, ou: “Aquilo é a melhor coisa que poderia ser feita”. Assim, vocês vão em frente e agem sem parar para perguntar se isso é a vontade de Deus. Oh, todos nós que somos Seus filhos sabemos que não devemos fazer nenhum mal, mas pensamos que uma vez que nossa consciência não proíbe tal coisa, ou se algo nos parece positivamente bom, isso é motivo suficiente para irmos em frente e fazê-lo.

Aquilo que vocês pensam fazer pode ser muito bom, mas vocês estão permanecendo diante do Senhor, aguardando Sua ordem a respeito daquilo? “Estarão diante de Mim” envolve permanecer na Sua presença e recusar a mover-se até que Ele dê Suas ordens. Ministrar ao Senhor significa isso. No átrio exterior é a necessidade humana que governa. Simplesmente permita que alguém venha para sacrificar um boi ou uma ovelha, e há trabalho para você fazer. No Santo dos Santos, entretanto, há completa reclusão. Alma nenhuma entra. Aqui, nenhum irmão ou irmã nos governa, nem alguma comissão determina nossas ações. No Santo dos Santos há somente uma autoridade – a do Senhor. Se Ele me designa uma tarefa, eu a realizo; se Ele nada me designa, eu nada faço.

Algo, porem, é exigido de nós quando permanecemos diante do Senhor e ministramos a Ele. Requer-se de nós que Lhe ofereçamos “a gordura e o sangue”. 0 sangue responde às exigências de Sua santidade e justiça; a gordura vai ao encontro de Sua glória. O sangue trata com a questão de nosso pecado; a gordura trata com a questão de Sua satisfação. O sangue remove tudo o que pertence à velha criação; a gordura introduz a nova. E isso é algo mais do que doutrina espiritual. Nossa vida da alma foi envolvida no derramamento de Sua alma até a morte. Quando derramou Seu sangue eternamente incorruptível, Ele não só estava derramando a própria vida, mas também toda a vida que o homem tinha por nascimento natural. Ele não só morreu, mas ressuscitou dentre os mortos e “a vida que agora vive, vive para Deus”. Ele vive para a satisfação de Deus. Ele oferece “a gordura e o sangue”. Nós tambem, que queremos ministrar ao Senhor, precisamos oferecer a gordura e o sangue. E o impossível é possível com base no que Ele fez.

Tal ministério, porém, está confinado a certo lugar: “Eles entrarão no Meu santuario, e se chegarão a Minha mesa, para Me servirem, e cumprirão as Minhas prescrições” (v. 16). 0 ministrar que é “a Mim” é no santuário interior, no lugar oculto, não no átrio exterior, exposto à vista pública. As pessoas podem pensar que não estamos fazendo nada, mas o serviço a Deus dentro do Lugar Santo transcende em muito o serviço ao povo no átrio exterior. Irmãos e irmãs, aprendamos o que significa permanecer diante do Senhor aguardando Suas ordens, servindo somente sob Seu comando e sendo governados por nenhuma outra coisa senão a Sua vontade.

A mesma passagem nos fala como devem se vestir os que ministram ao Senhor: “Usarão vestes de linho; não se porá lã sobre e1es, quando servirem nas portas do átrio interior, dentro do templo. Tiaras de linho lhes estarão sobre as cabeças, e calções de linho sobre as coxas”. Os que ministram ao Senhor não podem usar lã. Por que não? A razão é dada a seguir: “Não se cingirão a ponto de lhes vir suor” (vv. 17,18). Nenhuma obra que produz suor é aceitáve1 ao Senhor. Afinal, que significa suor? Todos sabemos que a primeira vez que suor é mencionado nas Escrituras foi quando Adão foi expulso do jardim do Éden. Depois que Adão pecou, Deus pronunciou esta sentença: “Maldita é a terra por tua causa: em fadigas obterás dela o sustento durante os dias de tua vida (…) no suor do rosto comerás o teu pão” (Gn 3.17,19). Está claro que suor é uma condição de maldição. Porquanto a maldição estava na terra, ela cessou de dar seu fruto sem o esforço do homem, e tal esforço produzia suor. Quando a bênção de Deus é retirada, torna-se necessário o esforço carnal, e isso causa suor.

Toda obra que produz suor é positivamente proibida àque1es que ministram ao Senhor. Ainda hoje que dispêndio de energia há em obras feitas para Ele! Ah! poucos cristãos hoje podem fazer qualquer obra sem suor. A obra deles envolve planejamento e esquematização, exortações e instâncias, e muita correria.

Não pode ser feita sem grande zelo carnal. Hoje em dia, se não houver suor, não poderá haver obra. Antes de ser empreendida qualquer obra para Deus, há muita correria para lá e para cá, fazendo-se muitos contatos; há consultas e discussões, obtendo-se, por fim, a aprovação de diversas pessoas antes de ir em frente. Quanto a esperar quieto na presença de Deus e buscar Suas instruções, isso está fora de questao. No entanto, numa obra espiritual, o único fator a
ser levado em conta é Deus. A única Pessoa que se deve contatar é Deus. Oh! esta é a preciosidade da obra espiritual: ela está relacionada com Deus. E em relação a Ele há uma obra a ser feita, mas é obra que não produz suor. Se tivermos de divulgar a obra e utilizar grande esforço para promovê-la, então, é  óbvio que ela não brota da oração na presença de Deus. Por favor, acompanhe-me quando digo que toda obra que é realmente espiritual é feita na presença de Deus. Se você trabalhar realmente na presença de Deus, ao entrar na presença dos homens, eles responderão. Você não terá de usar meios sem fim para ajudá-los. Obra espiritual é obra de Deus, e quando Deus trabalha, o homem não precisa despender muito esforço, a ponto de suar.

Irmãos e irmãs, vamos, com toda honestidade, examinar a nós mesmos diante de Deus hoje. Vamos perguntar-Lhe: “Estou servindo a Ti ou estou servindo à obra? 0 meu ministério é ‘para o Senhor’ ou é ‘para a casa’?” Se você está suando o tempo todo, então, você mesmo pode chegar à conclusão de que está servindo à casa e não ao Senhor. Se toda a sua atividade está relacionada com a necessidade humana, você pode ficar ciente de que está servindo a homens, não a Deus. Não estou desprezando o trabalho de imolar sacrifícios no altar; é uma obra para Deus e alguém tem de fazê-la, mas Deus quer algo mais do que isso.

Deus não pode garantir todos para o serviço a Si mesmo, porque muitos dos que são Seus relutam em abandonar a emoção e a excitação do átrio exterior. Eles são propensos a servir às pessoas. Mas, e quanto a nós? Oh, que digamos hoje ao Senhor: “Eu estou disposto a renunciar às coisas; eu estou disposto a renunciar à obra; eu estou disposto a renunciar ao átrio exterior e quero servir-Te no santuário interior”.

Quando Deus não conseguiu trazer todos os levitas ao local onde deviam ministrar a Ele, Ele escolheu os filhos de Zadoque dentre eles para este serviço especial. Por que Ele selecionou os filhos de Zadoque? Porque, quando os filhos de Israel se desviaram, eles reconheceram que o átrio exterior ficara irreparavelmente corrompido e por isso não procuraram preservá-lo, mas encarregaram-se de preservar a santidade do Lugar Santo.

Irmãos e irmãs, vocês conseguem suportar a idéia de abandonar a estrutura externa ou persistirão em montar uma proteçãao para preservá-la? É o Lugar Santo que Deus deseja preservar – um lugar totalmente separado para Ele, um lugar em que o padrão é absoluto. Oh! eu lhes suplico, diante de Deus, que ouçam Seu chamado para renunciar ao átrio exterior e a se devotar a Seu serviço no Lugar Santo.

Gosto de ler em Atos 13 sobre os profetas e mestres na igreja em Antioquia: “Servindo eles ao Senhor, e jejuando, disse 0 Espirito Santo: Separai-me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado”. Ali vemos o único princípio que governa a obra para Deus na dispensação do Novo Testamento. 0 Espírito Santo comissiona homens para a obra somente quando eles estão ministrando ao Senhor. Se o ministrar ao Senhor não for a única coisa que nos governa, a obra ficará em confusao. No início da história da igreja em Antioquia, o Espírito Santo disse: “Separai-Me agora a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado”. Deus não quer voluntários para Sua obra; Ele quer convocados. Ele não terá você pregando o evangelho só porque você quer. A obra do Senhor hoje está sofrendo sério dano nas mãos de voluntários; faltam aqueles que podem dizer como Ele: “Aquele que Me enviou”. Oh, irmãos e irmãs, a obra de Deus é Sua própria obra e não uma obra que você pode abraçar a seu bel-prazer. Nem igrejas, nem sociedades missionárias, nem equipes de evangelização podem enviar homens para trabalhar para Deus. A autoridade para comissionar homens não está nas mãos de homens, mas tão-somente nas mãos do Espírito de Deus.

Servir ao Senhor não significa que não servimos ao nosso próximo, mas significa que todo serviço a homens tem o serviço ao Senhor como sua base. É o serviço a Deus que nos impele a servir ao homem.

Lucas 17.7-10 nos diz claramente o que o Senhor quer. Há dois tipos de obra mencionadas aqui: arar o campo e guardar o gado. Ambas são ocupações muito importantes, ainda que o Senhor diga que, até mesmo quando um servo retorna de tal trabalho, espera-se que ele providencie a satisfação de seu amo antes de sentar-se para desfrutar sua própria comida. Quando voltamos de nossa labuta no campo, estamos aptos para complacentemente meditar no muito trabalho que executamos, mas o Senhor poderá dizer: “Prepara-Me a ceia, cinge-te”. Ele exige o ministrar a Ele. Podemos ter labutado num campo bem grande e cuidado de muitas ovelhas, mas toda a nossa labuta no campo e junto ao gado não nos isenta de ministrar à propria satisfação pessoal do Senhor. Essa é a nossa suprema tarefa.

Irmãos e irmãs, estamos realmente atrás de quê? Somente trabalhar no campo? Somente pregar o evangelho aos incrédulos? Somente cuidar do gado? Somente cuidar das necessidades dos salvos? Ou será que estamos cuidando a fim de que o Senhor coma para Sua plena satisfação e beber até que Sua sede seja saciada? Realmente, é-nos necessário também comer e beber, mas isso só deve acontecer após o Senhor estar satisfeito. Nós também precisamos ter nosso desfrute, mas isso jamais poderá ocorrer antes que o gozo do Senhor seja pleno. Perguntemo-nos: nosso trabalho ministra para nossa satisfação ou para a satisfação do Senhor? Temo que, ao trabalharmos pelo Senhor, freqüentemente ficamos satisfeitos antes que Ele fique satisfeito. Muitas vezes ficamos tão felizes com nossa obra enquanto Ele não encontra prazer algum nela.

Irmãos e irmãs, quando fizemos o melhor, ainda temos de admitir que somos servos inúteis. Nosso objetivo não é ministrar ao mundo, nem à igreja, mas ministrar ao Senhor. E bem-aventurados aqueles que conseguem diferenciar entre ministrar aos pecadores ou aos santos e ministrar a Ele. Tal discernimento não é facilmente adquirido. Somente mediante um tratamento drástico aprenderemos a diferença entre ministrar ao próprio Senhor e ministrar à casa.
No entanto, se o Espírito Santo tiver Seu caminho em nossa vida, Ele proverá de acordo com a necessidade. Busquemos a graça de Deus a fim de que Ele nos revele o que realmente significa ministrar a Ele!

(Doze Cestos Cheios, vol. 2, Editora Árvore da Vida)

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Cristo T. Austin-Sparks

Cristo – tudo e em todos (Theodore Austin-Sparks)

“Ele é a cabeça do corpo, da igreja. Ele é o princípio, o primogênito de entre os mortos, para em todas as coisas ter a primazia” (Cl 1.18).
“No qual não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos” (Cl 3.11).

Muito tem sido feito nos últimos dias para trazer as grandes magnitudes do universo à compreensão do homem e da mulher comuns. Isso significa que muitas pessoas estão interessadas na explicação do universo e, sem dúvida alguma, do curso desta Terra e da criação e história do homem; mas cremos ter a resposta final e positiva para esta investigação. Para nós há somente uma definida e conclusiva explicação do universo, e esta explicação é uma Pessoa – o Senhor Jesus Cristo, com tudo que é eternamente relacionado a Ele. Não importa quanto leiamos e estudemos, nunca teremos a explicação do universo, no todo ou em parte, até que venhamos a enxergar o lugar do Senhor Jesus no eterno propósito de Deus. As simples, contudo abrangentes, palavras “Cristo é tudo em todos” resumem toda a matéria desde a eternidade, ao longo de todos os estágios de tempo, até a eternidade.

Primeiramente, então, vemos que “Cristo é tudo em todos” significa:

1. A explicação da própria criação

Esta carta aos colossenses faz esta mesma declaração em outras palavras. Ela nos diz que “pois, nele, foram criadas todas as coisas, nos céus e sobre a terra, as visíveis e as invisíveis, sejam tronos, sejam soberanias, quer principados, quer potestades. Tudo foi criado por meio dele e para ele. Ele é antes de todas as coisas. Nele, tudo subsiste” (1.16,17). Esta é uma declaração abrangente, e claramente mostra que Cristo como tudo em todos é a explicação de toda a criação. Por que foram todas as coisas criadas? Por que Deus por meio Dele trouxe o universo à existência? Por que este grande sistema universal existe e se mantém? Qual é a explicação do mundo? A resposta é: para que Cristo possa ser tudo e em todos.

A intenção no coração de Deus ao ter trazido este universo à existência era que, ao final, toda a criação apresentasse a glória e a supremacia de Seu Filho, Jesus Cristo. E este específico pequeno fragmento “e nele tudo subsiste” diz muito claramente que, se não fosse o Senhor Jesus Cristo, o universo inteiro se desintegraria, desmembrar-se-ia; ele estaria sem seu fator unificador; ele cessaria de ter uma razão para ser mantido como uma completa e concreta unidade. Seu subsistir, sua falha em se desintegrar e acabar é por causa disto: Deus tem determinado que o Senhor Jesus será o centro – o centro governante – deste universo inteiro, e Ele, o Filho de Deus, é a explicação da criação. Se não fosse por Ele, nunca teria havido uma criação. Tire-O fora, e a criação perde seu propósito e seu objeto, e não precisa mais ir adiante. “Cristo é tudo, e em todos” era o pensamento – o pensamento dominante – na mente de Deus durante a criação do universo.

Isto pode deixá-los indiferentes em certa medida e não levá-los muito longe, mas eu arrisco pensar que o que irei dizer irá levá-los um pouco mais adiante e lhes aquecerá o coração. Pois a perspectiva é esta: que quando Deus tiver as coisas como na eternidade passada determinou tê-las – e Ele irá tê-las assim –, cada átomo deste universo inteiro irá mostrar a glória de Jesus Cristo. Vocês não serão capazes de olhar para algo ou alguém sem ver Cristo glorificado. Uma abençoada perspectiva!

É algo feliz quando, como um grupo de filhos do Senhor, nós podemos estar juntos por horas a fio ou mesmo dias a fio; quando nós estamos ocupados com o Senhor como nosso único interesse comum e todos estão enlevados Nele. Quando temos um tempo como este e voltamos ao mundo, que atmosfera diferente encontramos! Como nos sentimos frios! É algo agradável encontrar o Senhor em Seus filhos e estar enclausurado com Ele desta forma; contudo mesmo isto é apenas em parte. Todavia o eterno dia está chegando, quando não haverá o voltar para o mundo em uma manhã de segunda-feira depois de um dia nos átrios do Senhor; quando estaremos tocando ninguém mais além do Senhor, e o universo inteiro estará cheio Dele – “Cristo, tudo em todos”! Este é o alvo de Deus. Isto é o que Ele tem determinado; tudo mostrando o Senhor Jesus; tudo para Ele.

Agora vemos uns nos outros muitas outras coisas que não o Senhor Jesus; o dia está chegando quando vocês nada verão exceto o Senhor Jesus em mim, e eu nada verei exceto o Senhor Jesus em vocês; nós seremos “conformados à imagem do Seu Filho”: Sua glória moral brilhará e será mostrada; Cristo será “tudo em todos”. Deus o determinou, e, o que Deus determinou, Ele terá. Esta, então, é a explicação da criação: que Cristo seja tudo, e em todos, e sobre tudo tenha a preeminência.

Em Romanos, o apóstolo Paulo tem uma declaração muito notável dentro deste contexto: “A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação, a um só tempo, geme e suporta angústias até agora” (8.19-22).

Notem o que isto realmente diz e implica. A criação está imbuída por uma expectativa ardente. Esta expectativa é com gemidos tais como em árduo trabalho, uma expectativa de esperança – não da dissolução do universo, sobre o quê certos cientistas tanto falam. Contudo, a esperança e os gemidos até o momento estão deliberadamente colocados sob um reinado de vaidade – feitos para ser tudo em vão – até um tempo e alvo fixados. Este clímax é em duas partes: uma, a revelação dos filhos de Deus; a outra – ligada com aquela – o livramento da criação de estar sujeita à corrupção.

Tudo isto é levado de volta à eternidade passada e unido com o Senhor Jesus como Filho: “Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos” (8.29).

Na passagem anterior há uma declaração definida e uma clara implicação. A declaração é que a criação estava sujeita à vaidade, e seu estado é o cativeiro da corrupção. Claramente, a implicação é que houve um tempo definido quando, por causa de sua corrupção, a criação inteira foi levada a uma condição na qual é forçada a gemer e se esforçar em direção a um alvo que não pode ser alcançado. É em conexão com isto que surge espaço para toda a gama e natureza da interferência satânica na criação, a qual objetiva a desafiar o propósito divino final na criação e a frustrá-lo ao trazer corrupção. Tão universal foi esta corrupção que uma sentença de vaidade foi pronunciada sobre “toda a criação”. O efeito disto foi, e é, que a criação nunca pode atingir o objetivo de sua existência, salvo no campo da santidade e semelhança divina.

Aqui também se encaixa toda a gama da “redenção que está em Cristo Jesus”; a obra universal que Ele consumou por meio de Sua cruz destruindo a obra do diabo e, potencialmente, o próprio diabo; com todo o poder destruidor do pecado e destruidor da corrupção advindos de Sua natureza e vida sem pecado, a eficácia de Seu incorruptível sangue, e a provisão de justificação e santificação para todos os que crêem, estes por regeneração se tornando uma nova criatura em Cristo Jesus (2Co 5.17).

Apenas por este meio a criação pode ser liberta. Quando estes filhos de Deus forem manifestos – seu número completo – e todos que têm recusado esta salvação forem rejeitados do domínio de Deus, então, a criação será libertada e sua intenção original será atingida, Cristo sendo tudo e em todos.

2. A explicação do homem

Depois, em seguida, como uma parte central da criação, temos o homem. Qual é a explicação do homem? Qual é a explicação de Adão como o primeiro homem? Há uma pequena passagem da Escritura que responde a isto: “Adão, o qual prefigurava aquele que havia de vir” (Rm 5.14), que é Cristo. Uma figura Daquele que havia de vir – esta é a explicação do homem. Deus planejou que cada homem ingresso neste mundo seja conformado à imagem de Seu Filho, Jesus Cristo. Multidões perderão isto, mas haverá multidões tais que nenhum homem poderá enumerar, de cada tribo, raça, nação e língua, que alcançarão isto. Que alto chamamento! Que concepção diferente do homem esta é daquela que é popularmente aceita, e que tremenda coisa a ser perdida! E ainda assim, há muitos que dizem reclamando que, se tivessem podido escolher, nunca teriam vindo a este mundo. Tem havido aqueles que, numa hora de eclipse, maldizem o dia em que viram a luz. Ah! Mas algo deu errado aí; isto não é como o Senhor planejou que fosse. E não importa quantos dias depressivos tenhamos: quando nos perguntarmos depois de tudo se realmente vale a pena, retornemos em nosso íntimo ao pensamento de Deus. É nosso tremendo privilégio, a mais alta honra que podia ser conferida a nós do ponto de vista divino: que tenhamos nascido.

Nem sempre nos sentimos ou falamos deste jeito, mas constantemente somos compelidos a nos voltar ao ponto de vista de Deus sobre isto e a nos lembrar que Seu propósito é o de ter um universo povoado com tais que sejam conformados à imagem de Seu Filho, Jesus Cristo, um povo que é uma manifestação universal do Cristo glorificado com a glória do Pai. Este é um privilégio, uma honra, algo para o qual vale a pena ter nascido! Esta é a explicação do homem.

Podemos apenas tocar levemente muitos destes assuntos, e caminhar adiante.

3. A explicação da redenção

Além disso, esta palavra “Cristo é tudo em todos” é a explicação da redenção. As coisas, é claro, deram errado: o propósito de Deus sofreu interferência. Ele não poderia nunca ser frustrado completamente, mas houve outro que determinou, tanto quanto estivesse em seu poder, que aquela apresentação universal de Jesus Cristo – o “ser-tudo-em-todos” do Senhor Jesus – nunca acontecesse. Houve alguém que desejou ter aquilo para si mesmo – que ele pudesse ser o senhor universal da terra e céu. Esta interferência tem feito uma grande diferença por certo tempo. Ela tem interferido com o homem e o transformado em outro, aquém do que Deus pretendia que ele fosse. Ela tem arruinado a imagem.

No entanto, há redenção pela cruz do Senhor Jesus. Qual é a explicação da cruz? Por um lado, qual é a explicação de toda aquela expiação, aquela obra redentiva do Senhor Jesus ao tratar com o pecado, em tomar o pecado universal sobre Si, e ser feito uma maldição por nós, em nosso lugar?

E ainda, por outro lado, como complemento disto, qual é a explicação daquela cruz sendo operada no crente de forma que o crente se torne unido com Ele na semelhança de Sua morte e sepultamento como uma experiência espiritual? – toda aquela aplicação do Calvário que é tão dolorosa, tão terrível de passar por ela: sim, a desintegração do “velho homem”, o cortar fora do “corpo da carne”, aquele conhecimento interior do poder da cruz, tão terrível à carne. Qual é a explicação? Amados, é que Cristo seja tudo e em todos.

Por que somos quebrados? Para dar lugar ao Senhor Jesus. Por que somos trazidos ao pó pelo Espírito Santo quando Ele opera a morte do Calvário sobre nós? De forma que o Senhor Jesus possa tomar o lugar que nós na carne temos ocupado. Algumas vezes entendemos errado esta aplicação da cruz. O inimigo está sempre em nosso ombro, insinuando e sugerindo a inclemência de Deus em nos esmagar, nos humilhar, nos reduzir a nada, e dizendo que não há fim nisto, tentando assim nos derrubar.

Amados, a cruz foi pretendida somente para fazer o Senhor Jesus tudo em todos, para nós. Devido ao modo como o Senhor tem tratado conosco, o modo pelo qual Ele tem aplicado a cruz, nos plantando naquela morte e sepultamento, não é verdade que nós O conhecemos de um modo que nunca O conhecêramos antes? Não é por este modo que Ele se tem tornado o que é para nós, cada vez mais e mais amado do nosso coração? O aumento do Senhor Jesus em nós e para nós é pelo caminho da cruz. Sabemos muito bem que nosso principal inimigo é nosso eu, nossa carne. Esta carne não nos dá descanso, nem paz nem satisfação; não temos alegria nela. Ela é obsessiva, nos absorve, constantemente se pavoneia atravessando nosso caminho para nos roubar a verdadeira alegria de viver. O que deve ser feito com ela? Bem, na cruz e pela cruz somos libertados de nós mesmos; não apenas de nossos pecados, mas de nós mesmos; e, sendo libertados de nós mesmos, somos libertados para Cristo, e Cristo se torna muito mais que nós.

É um processo doloroso, mas gera um fim abençoado; e aqueles dentre nós que tenham tido a maior agonia ao longo deste caminho testificariam, eu creio, que o que isto nos trouxe do conhecimento e das riquezas do Senhor Jesus faz todo o sofrimento valer a pena. Assim é a obra do Senhor por nós! E a obra do Senhor em nós, pela cruz, somente é pretendida no pensamento divino para abrir espaço para o Senhor Jesus.

O altar de bronze do tabernáculo, assim como o do templo, era um altar bem grande. Era possível pôr toda a mobília restante do tabernáculo inteiro dentro dele. Sim, o altar tem que ser bem grande; deve haver um grande espaço para Cristo crucificado. Ele irá preencher todas as coisas e Ele será a plenitude de tudo, e não haverá lugar para nós no final de tudo. Isto o deixa atônito? Certamente não. Assim a cruz, a obra de redenção por meio daquela cruz, tem como sua explicação simplesmente isto: que Cristo seja tudo e em todos; que em todas as coisas Ele tenha a preeminência.

Isto, pois, é a explicação de nossas experiências – o porquê do Senhor tratar conosco como Ele trata; o porquê dos crentes passarem pelas experiências que atravessam; o porquê eles passam por coisas que ninguém mais parece chamado a atravessar; o porquê de algumas vezes eles quase invejarem os incrédulos pela vida fácil que tantos deles têm. Isto explica os tratamentos do Senhor com Israel no deserto. Mesmo após sua libertação do cativeiro e tirania do Egito, houve quebrantamento de corações e agonia. Por que esta disciplina? No deserto, eles ainda pensavam no Egito. A obra que o Senhor estava fazendo neles era de forma que Ele pudesse ser tudo neles e para eles. Se Ele cortava seus recursos naturais, era apenas para mostrar quais eram seus recursos celestiais. Se Ele cortava seu poder natural, era para que eles pudessem vir a conhecer o poder dos céus. O que quer que seja que Ele pudesse tirar deles ou os conduzir a, era com vistas a tirá-los de si mesmos e com vista a que Ele mesmo pudesse ser tudo em todos.

Esta é a explicação de nossas dificuldades. O Senhor conhece como melhor tratar com cada um de nós, e Ele não usa métodos padronizados. Ele trata com você de um modo e comigo de outro. Ele sabe como nos conduzir a experiências que são bem calculadas para nos trazer à posição onde o Senhor é tudo e em todos.

4. A explicação do crescimento cristão

O que é crescimento espiritual? O que é maturidade espiritual? O que é caminhar no Senhor? Temo que tenhamos idéias embaralhadas sobre isto. Muitos pensam que maturidade espiritual é um conhecimento mais abrangente da doutrina cristã, uma compreensão mais larga da verdade das Escrituras, uma ampla expansão do conhecimento das coisas de Deus; e muitas destas características são registradas como marcas de crescimento, desenvolvimento, maturidade espiritual. Amados, não é nada disso. A marca distintiva do verdadeiro desenvolvimento e maturidade espiritual é esta: que nós tenhamos crescido bem pouco e que o Senhor Jesus tenha crescido muito mais. A alma madura é aquela que é pequena a seus próprios olhos, mas em cujos olhos o Senhor Jesus é grande. Isto é crescimento. Nós podemos saber muitas coisas, podemos ter uma maravilhosa compreensão da doutrina, do ensino, da verdade, até mesmo das Escrituras, e ainda ser espiritualmente muito pequenos, muito imaturos, muito infantis. (Há muita diferença entre ser infantil e ser semelhante a uma criança.) O crescimento espiritual real é somente isto: eu diminuo, Ele cresce. É o Senhor Jesus se tornando mais. Vocês podem testar o crescimento espiritual por meio disso.

Então, de novo, esta palavra é

5. A explicação de todo o serviço

O que é o serviço cristão de acordo com a mente de Deus? Não é necessariamente termos uma programação cheia de atividades cristãs. Também não é que estejamos sempre ocupados naquilo que denominamos “coisas do Senhor”. Não é a medida e a quantidade de nossa atividade e trabalho nem o grau de nossa energia e entusiasmo nas coisas do reino de Deus. Não são nossos esquemas, nossos projetos para o Senhor. Amados, o teste de todo serviço é seu motivo. Será que o motivo é, do começo ao fim, que em todas as coisas Ele tenha a preeminência, que Cristo seja tudo em todos?

Vocês conhecem as tentações e a fascinação do serviço cristão; a fascinação de estar engajado, de estar ocupado com muitas coisas; ter sua programação, esquemas, projetos; estar envolvido nestas coisas e sempre presente a elas. Há um perigo aí que tem apanhado multidões dentre os servos do Senhor. O perigo é que isto os leva à projeção, torna-se a obra deles; é a obra deles, interesses deles e, quanto mais governam e caminham nisto, mais satisfeitos ficam.

Não, há uma diferença entre passar o dia no serviço cristão como mero desfrutar da atividade, com a fascinação disto e todas as vantagens e facilidades que isto provê para nós mesmos, e a gratificação disto à nossa carne – há uma grande diferença entre isto e “Cristo, tudo em todos”. Algumas vezes este último é alcançado ao sermos postos fora de ação. Pois então, este é o teste: se estamos ou não completamente satisfeitos de ser colocados totalmente fora de ação para que tão somente o Senhor venha a ser mais glorificado deste modo. Se tão somente Ele puder vir ao que é Seu, não importa nada se somos vistos ou ouvidos. Estamos alcançando um lugar, na graça de Deus, onde ficamos bem contentes em ser largados num canto, sem ser vistos ou notados, se deste modo o Senhor Jesus puder vir para o que é Seu mais rápida e completamente.

De algum modo temos sido pegos nisto e pensamos que o Senhor somente pode vir ao que é Seu se nós formos o instrumento. A rivalidade na plataforma e no púlpito; a sensibilidade porque um é posto antes do outro, porque o sermão de um recebe mais atenção que o do outro; os comentários favoráveis feitos todos em uma só direção, etc! Conheço bem tudo isto. Afinal de contas, o que nós estamos buscando? Estamos buscando impressionar nossa audiência pela nossa habilidade ou fazer conhecido nosso Senhor? É uma grande diferença! Algumas vezes o Senhor ganha mais de nossos maus momentos do que pensamos, e pode ser que quando temos bons momentos Ele não tenha obtido o máximo. É por causa disto que há a necessidade de sermos postos de lado, mantidos fracos e humildes, para que Ele tenha a preeminência.

O desafio do serviço conforme o pensamento de Deus é somente este – por que o estamos fazendo? Queremos estar na obra porque gostamos de estar ocupados? Ou é absolutamente e somente para que, por qualquer meio, Ele possa vir ao que é Seu, para que o alvo de Deus possa ser concretizado? Se Ele puder ser tudo, e em todos, pela nossa morte assim como pela nossa vida, será que chegamos ao ponto onde realmente desejamos que “Cristo seja glorificado em meu corpo, quer pela vida ou pela morte” (Fp 1.20)? Esta é a explicação do serviço do ponto de vista de Deus.

É claro, isto é a explicação de muitas outras coisas. É também…

6. A explicação de todo o Antigo Testamento

Nós não nos demoraremos examinando em detalhes como é isto, mas apenas o indicaremos e passaremos adiante. O que é o Antigo Testamento? Ele está todo resumido em grandes representações de Jesus Cristo. Veja as duas principais, o tabernáculo e o templo. Estas são representações abrangentes do Senhor Jesus tanto em Sua pessoa como em Sua obra e elas ocupam, desta forma, o lugar central na vida do povo escolhido, cuja vida é unida a elas. As duas são uma. Enquanto o povo eleito se mantém num relacionamento correto com aquele objeto central (o tabernáculo ou o templo), enquanto lhe dá seu lugar de honra e reverência e o mantém em seu lugar da mais alta santidade, enquanto eles são verdadeiros ao seu espírito, suas leis e seu testemunho, e embora sejam entre todos os povos da terra os menos capazes naturalmente de cuidar de seus próprios interesses, ainda assim são o povo supremo da terra: não há uma nação ou povo na terra capaz de permanecer diante deles. Eles nunca foram treinados na arte da guerra, não têm uma longa história de armas e estratégia militar, e são em si mesmos um povo indefeso, ainda assim eles tomam ascendência não apenas sobre nações individuais maiores e mais fortes que eles, mas sobre uma combinação de nações. E embora todos se unam contra eles, enquanto verdadeiros àquele objeto central, eles são supremos. Aquele objeto central é uma representação do Senhor Jesus em Sua pessoa e obra.

A interpretação espiritual disto é que quando o Senhor Jesus tem Seu lugar há supremacia; há absoluta supremacia quando Ele em todas as coisas tem a preeminência em, através e por meio de Seu povo. “Cristo é tudo em todos”. Quando isto é verdade em Seu povo não existem forças capazes de lhes resistir. O segredo da absoluta supremacia e soberania é o Senhor Jesus ter Seu lugar nas vidas e nos corações, em todos os afazeres e relacionamentos do Seu próprio povo; então os portões do inferno não poderão prevalecer.

Além disto, é também…

7. A explicação do Novo Testamento

O Novo Testamento traz diminutos grupos, pequenos entre os povos da terra, desprezados, expulsos, dificilmente permitidos a falar sem serem amargamente molestados, e sobre os quais eventualmente vinha a ira e o ódio organizado das nações deste mundo, culminando em que todos os recursos do grande império de ferro foram explorados e postos em operação para destruir a memória deste humilde e desprezado povo.

A história é exatamente esta: que os impérios quebraram, e os poderes mundiais cessaram de existir. Nós rodamos o mundo agora para olhar as relíquias e ruínas destes grandes impérios; mas onde está aquele povo do caminho do desprezado Nazareno? Uma grande multidão que nenhum homem pode numerar! O céu está cheio deles, e aqui na terra há dezenas de milhares que conhecem e amam o Senhor Jesus, que são deste Caminho. A explicação é que Deus determinou que Seu Filho seja tudo, e em todas as coisas tenha a preeminência.

Tenha um relacionamento vivo com o Filho de Deus, e homens e inferno podem fazer o que quiserem – Deus irá atingir Seu alvo e tal povo será triunfante.

Uma palavra mais. Isto também é…

8. A explicação da Igreja

O que é a igreja? O pensamento de Deus não é o Cristianismo; não é o de ter igrejas como centros organizados do Cristianismo; não é a propagação do ensino e empreendimento cristãos. O pensamento de Deus é o de ter um povo na terra no qual, e no meio do qual, Cristo é tudo em todos. Esta é a igreja. Temos que revisar nossas idéias. No pensamento de Deus a igreja começa e termina com isto – a absoluta supremacia do Senhor Jesus Cristo. E o que Deus está sempre buscando é juntar aqueles de Seu povo que mais completamente concretizarão este pensamento Dele, e serão para Ele a satisfação de Seu próprio desejo eterno: o Senhor Jesus em todas as coisas tendo a preeminência e sendo tudo em todos. Ele ignora a grande instituição, a assim chamada “Igreja”, e está com aqueles que em si mesmos são de um humilde e contrito espírito e que tremem diante de Sua palavra, e nos quais o Senhor Jesus é o único objeto de reverência e adoração. Estes satisfazem o coração de Deus. Estes, para Ele, são a resposta à Sua eterna busca.

Vocês percebem que a Palavra de Deus diz isto. Vejam novamente Cl 3:11: “No qual não pode haver grego nem judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre; porém Cristo é tudo em todos”. Eles têm se revestido “do novo homem, que se refaz para o pleno conhecimento, segundo a imagem daquele que o criou”. Observem atentamente estas palavras e vocês entenderão que este é o homem corporativo, a Igreja, o Corpo de Cristo, “a plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas” (Ef 1:23). E ali, naquele homem corporativo, não pode haver grego ou judeu. Note as palavras. Não diz que gregos e judeus se unem em uma abençoada comunhão. Não, não há nacionalidades na igreja; livramo-nos de todas as nacionalidades, e agora temos um novo homem espiritual, uma nova criação, onde não pode haver grego, judeu, escravo, livre. Todas as distinções terrenas se foram para sempre – é um novo homem. O braço direito não é um judeu e o braço esquerdo um grego!

Não, isto passou. Nesta Igreja há apenas um novo homem – não uma combinação onde anglicanos, metodistas, batistas, congregacionais e todo o resto se juntam e esquecem suas diferenças por um tempo; isto não é a Igreja. Na Igreja estas diferenças não são meramente cobertas por um tempo – elas não existem. Há um Corpo, um Espírito. A Igreja é isto: “Cristo é tudo em todos”. Tenha isto e tem-se a Igreja. Chamar qualquer outra coisa de Igreja e deixar isto de fora é uma contradição. Testem-na por meio disso.

Se é verdade que a vida cristã conforme o pensamento e a mente de Deus é somente isto, “Cristo, tudo em todos”, então somos eu e você verdadeiros cristãos? Pois temos visto que mediante a cruz nós desaparecemos para dar lugar para o Senhor Jesus. Agora, se professamos ter vindo pelo caminho do Calvário até o Senhor, a implicação é que desaparecemos por intermédio desta cruz, para que Cristo seja tudo em todos.

O que pensar? Queremos nós um pedacinho do mundo? Nós ainda voluntariamente nos apegamos a esta ou aquela coisa fora do Senhor, porque o Senhor Jesus não tem nos satisfeito plenamente e precisamos ter um contrapeso? Um cristão mundano é uma contradição de termos. Ter um pouquinho de algo fora de Cristo é negar o Calvário e permanecer diretamente em oposição ao eterno propósito de Deus referente a Cristo. Você assume esta responsabilidade? Deus determinou isto desde toda a eternidade no referente a Seu Filho. Podemos nós professar pertencer ao Senhor Jesus e ao mesmo tempo ainda não ser verdade que Ele é tudo em todos para nós? Se podemos, há algo errado, há uma negação, uma contradição. Estamos nos opondo ao pensamento e propósito de Deus. É verdade que Ele é tudo em todos? Ele será isto se tomarmos todo o caminho.

Oh! Estas sugestões sutis que estão sempre sendo sussurradas em nossos ouvidos, que se desistirmos disto ou daquilo iremos nos arruinar, e a vida será mais pobre, e seremos reduzidos até que nada tenha restado. É uma mentira! É isto que contrapõe o grande pensamento de Deus sobre nós. O pensamento de Deus sobre nós é que Alguém, nada menos que Seu Filho, Jesus Cristo, em Quem toda a plenitude da divindade habita em forma corpórea, seja a nossa plenitude. Toda a plenitude de Deus em Cristo para nós! Você nunca obterá isto ao rejeitá-Lo. A vida será muito menos do que precisa ser se você não for até o fim com o Senhor. E o que se obtém em matéria de nossa consagração ao Senhor, nosso inteiro e completo abandono a Ele em nossa vida, nosso deixar completamente tudo que não é do Senhor, isto se obtém no domínio do serviço. Esta carne ama se jactar na obra cristã, e nos diz que se passarmos a ser dependentes do Senhor nós passaremos a ter um tempo de ansiedade. Mas uma vida de dependência de Deus pode ser uma vida de contínuo romance. É ali que fazemos descobertas que são constantes maravilhas.

Você pode estar quase morto num minuto e no seguinte o Senhor lhe dá algo para fazer e você fica muito vivo, dependendo Dele para cada respiração sua. Assim você vem a conhecer o Senhor. Mas, depois daquela experiência, você se torna de novo inútil e morto por um tempo, contudo você se lembra de que o Senhor fez algo. Então Ele faz de novo; e a vida se torna um romance. Ninguém pensaria que você estava dependendo do Senhor para sua própria respiração. É algo muito abençoado saber que o Senhor está fazendo isto, quando você não pode fazê-lo de jeito nenhum – é humana e naturalmente impossível, mas o Senhor o está fazendo!

Prossigamos, amados, no assunto da Igreja. Apliquem o teste. Não estou falando com julgamento ou censura, nem tenciono discriminar num sentido errado, mas deixe-me ser fiel – para nós, nossa comunhão deve estar onde o Senhor Jesus é mais honrado. Nossa comunhão deve estar onde Deus tem o que é seu mais plenamente, onde Cristo é tudo em todos. Nós não podemos estar presos por tradições, por coisas que levantam um clamor e assumem uma denominação. Onde o Senhor é mais honrado, aí é onde nossos corações devem estar; onde tudo o mais é feito subserviente a apenas isto: “Cristo, tudo em todos”. Este é o pensamento de Deus sobre a Igreja, e este deve ser o lugar onde nosso coração gravita. O lugar onde Deus vai registrar Seu testemunho e trazer o impacto deste testemunho sobre outros será encontrado onde o Senhor Jesus é mais honrado. E vocês perceberão que onde houver pessoas famintas vocês terão oportunidade de ministério se vocês estiverem completamente em acordo com o propósito de Deus referente a Seu Filho.

9. Vivenciando tudo

Lembre-se que tudo relacionado ao cristão é experimental. Tudo em relação ao Senhor Jesus é essencialmente experimental. Não é apenas doutrina. Não é questão de credo. Não é que aceitemos certas declarações de doutrina ou credo, e que somente por isto sejamos trazidos a um relacionamento com o Senhor Jesus. Nós não nos tornamos cristãos por aceitar declarações doutrinárias ou credos ortodoxos, ou fatos sobre o Senhor Jesus. A Igreja não se constitui sobre estes parâmetros, embora a Igreja defenda certos princípios. A experiência tem que ser operada na vida, você deve ser tornar parte dela e ela parte de você. Não é suficiente crer que Cristo morreu na cruz. Isto deve se aplicar aqui em nossas vidas tornando-se uma experiência, uma poderosa e operante força e fator em nosso ser. A igreja não é constituída sobre uma base de declarações doutrinárias. Você não pode juntar pessoas e dizer: “isto parece perfeitamente confiável, constituiremos nossa igreja sobre esta base”. Você não pode fazer isto.

A Igreja é aquela na qual a verdade tem operado, na qual ela se tornou experimental. Credos não podem nos manter juntos quando o inferno se levanta para nos dividir. Não, o credo mais ultrafundamentalista não tem conseguido manter as pessoas juntas. A unidade do Espírito é algo trabalhado lá dentro. A menos que seja assim, nada pode resistir contra os espíritos de divisão e cismas que estão por aí. Tudo precisa ser experimental, não apenas doutrinário ou confessional.

Agora, é aqui onde você chega à realidade de Deus. Uma coisa é cantar hinos sobre Cristo ser tudo em todos, olhar para isto como algo objetivo e concordar com isto; mas é outra coisa ser trazido experimentalmente ao lugar onde a verdade realmente opera. Há muitos que dirão hoje: “Sim, isto está certo. Cristo é tudo em todos”, e amanhã de manhã, quando você os toca sobre algum assunto melindroso em que suas preferências estão envolvidas, você percebe que Cristo não é tudo em todos. Temos de chegar a isto pela experiência. Que o Senhor nos dê graça para isso.

O apelo final que faço é que nós todos busquemos novamente a entronização do Senhor Jesus como supremo Senhor em nosso coração, em cada parte de nossa vida, em todos os nossos relacionamentos; que se houver algo que temos segurado, que deixemos ir; se temos tido qualquer reserva, que a quebremos agora; se temos sido menos que completamente comprometidos com Ele, de agora em diante isto não seja mais assim, mas que Ele seja tudo em todos, a partir de agora. Este deve ser nosso entendimento, nosso compromisso com o Senhor. Fará você isto? Peça ao Senhor para quebrar cada amarra que está no caminho de Ele ser tudo em todos. Estamos preparados para isto?

Que o Senhor nos dê graça.

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A purificação do templo

“Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os discípulos de que está escrito: O zelo da Tua casa Me consumirá” (Jo 2.13-17).

Creio que, de tempos em tempos, todos consideramos o estado e a condição do mundo em que vivemos, com apreensão na mente e no coração, e este fato é inevitável e certo1. A fé cristã não é um conto de fadas. Não é algo que ignora o mundo, mas é sempre muito prática. Assim, estamos conscientes de que vivemos num mundo em constante crise, cheio de problemas. Novamente, lembramo-nos da natureza precária de qualquer tempo de paz que estejamos desfrutando, já que somos, uma vez mais, confrontados pelos conflitos, que estão longe de serem apenas conflitos de idéias e podem, a qualquer momento, se tornar embates físicos2. Então, recordamo-nos do tipo de mundo em que vivemos: um mundo de guerras, de discórdias e derramamento de sangue.

E, claro, a grande pergunta para nós é: Qual é a mensagem do Cristianismo? O que a Igreja tem a dizer? Qual é a mensagem da Bíblia à luz de tudo isso? Ainda vivemos neste mundo e temos de compartilhar as conseqüências das quais a raça humana é herdeira. Porém, somos distintos por possuir uma visão diferente de todas as coisas, e nossa tarefa é descobrir, exatamente, o que deveríamos estar pensando e falando aos nossos vizinhos que não conhecem a Cristo e estão fora da Igreja.

Bem, não há dificuldade alguma em se responder às questões que mencionei acima. Está tudo muito claro. Pregamos que a Bíblia, por si só, nos dá a compreensão de por que as coisas são como são. Não há outra explicação para o mundo e sua condição, fora daquilo que a Palavra de Deus nos fornece. Conhecemos muito bem, como um fato puramente histórico, que o discurso ufanista e otimista dos homens de Estado e outros ilustres, particularmente no século 19, não se cumpriu. O mesmo ocorre com os estadistas do século 20. Sabemos que o mesmo pode ser dito sobre os pensadores e suas filosofias idealistas, sobre a teoria da evolução e do avanço. Quão ridículo tudo isso parece quando olhamos para os problemas globais! O mesmo pode ser dito a respeito dos humanistas e outros que depositam toda a sua fé na humanidade.

E nós, cristãos, o que temos a dizer? O que a Bíblia diz para todos os que acreditam nisso? Desejo mostrar a vocês que a resposta encontra-se nessas palavras do Evangelho de João. No relato de João sobre a purificação do templo, uma explicação é fornecida e somente uma única solução para o problema é apresentada a nós.

A resposta está em uma Pessoa abençoada. Ele é a resposta para todas as coisas. É Sua chegada a este mundo que faz a diferença e marca o ponto de transformação da História. Finaliza uma era e dá início a outra. É a “plenitude do tempo” (Gl 4.4). A resposta está em Sua vinda a este mundo, em todas as maravilhas que realizou enquanto esteve aqui e em tudo o que continua a fazer, pois desde então temos a chave para o problema. Jesus, e somente Ele, é a única solução.

Porém, devo apressar-me em acrescentar que é muito importante que O escutemos como Ele é, que permitamos que Ele fale a nós. Muitos se extraviam e falham na percepção das bênçãos e dos benefícios da vida cristã apenas porque não O escutaram. Creio ser este o principal problema do presente tempo. Em vez de dar a palavra a Cristo, as pessoas preferem falar. Acrescentam suas próprias idéias ao ensino do Senhor. Distorcem e pervertem Seus ensinamentos. As pessoas estão tão ansiosas para falar que tomam emprestadas algumas de Suas idéias e imaginam que isto é Cristianismo. Por conseguinte, claro, essas pessoas perdem a bênção.

Nos Evangelhos, pode ser claramente percebido que Jesus sempre controla toda a situação quando surge em cena. Estamos estudando a festa de casamento de Caná da Galiléia, onde a situação ficou tensa e problemática pela falta de vinho e nada se podia fazer para remediá-la. Então, Ele começa a agir e o problema é solucionado. A resposta está sempre Nele. Ele comanda a situação. Afirmo que a essência da sabedoria consiste em escutá-Lo quando Ele fala. Esta é a suprema necessidade do mundo. Literalmente, não há esperança em nenhum outro lugar.

Uma das primeiras coisas que precisamos compreender é que Jesus apresenta muitas facetas. Essa falta de compreensão explica, em parte, porque muitas pessoas se extraviam. Elas sempre procuram moldar Jesus às suas próprias imagens. Algumas enfatizam somente um dos aspectos: há as que destacam apenas Sua morte na cruz, o que, para elas, é a suprema ilustração do pacifismo; há aquelas que acentuam o aspecto estético de nosso Senhor, enquanto outras focalizam, talvez em demasia, o aspecto severo. O que pretendo sublinhar é que devemos aceitar Jesus como Ele é e não tentar enquadrá-Lo a certos pontos de vista. Ele supera todos os limites que as pessoas sempre procuram impor-Lhe.

Bem, aqui este ponto é apresentado a nós de uma forma interessante e dramática. Detivemos nosso olhar sobre Jesus na festa de casamento em Caná da Galiléia, onde, naquela ocasião festiva, transformou água em vinho. Que quadro mais feliz é este! Temos discorrido sobre como este evento nos ensina a respeito da plenitude da bênção que Ele pode dar a todo aquele que, verdadeiramente, enxerga sua necessidade, cai aos pés do Senhor, obedece a tudo quanto o Senhor lhe ordena e espera Nele. Que bem-aventurança e alegria esta passagem nos transmite!

No entanto, isto é o que lemos neste outro episódio: “Tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio.” É um quadro bem diferente daquele primeiro, não é mesmo? A mesma pessoa, mas um contraste impressionante.

João Batista viu tudo isso e resumiu o que viu em uma afirmação notável. Quando as pessoas começaram a pensar que ele, João, era o Cristo, ele negou dizendo: “Eu, na verdade, vos batizo com água, mas vem O que é mais poderoso do que eu, do Qual não sou digno de desatar-Lhe as correias das sandálias; Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Lc 3.16). Encontramos estas palavras: “Espírito Santo! Fogo!” As bênçãos da plenitude, o batismo do Espírito Santo – que maravilha e glória! Porém, não se esqueça de que há também o fogo. Então, João prossegue: “A Sua pá, Ele a tem na mão, para limpar completamente a Sua eira e recolher o trigo no Seu celeiro; porém queimará a palha em fogo inextinguível” (v. 17).

Infelizmente, esse é o grande equívoco dos nossos tempos. Nosso Senhor tem sido considerado apenas como o Príncipe da Paz, mas nos esquecemos de que Ele também é o Rei da Justiça. Ele exerce os dois papéis. Jesus é o perfeito Salvador da humanidade – e, repito, a essência da sabedoria está em cair a Seus pés, olhar para Sua face e ouvir o que Ele tem a nos dizer. Nunca antes a Igreja e o mundo necessitaram ouvir com tamanha atenção. Não se esqueça do mundo em que você vive. Olhe-o de forma direta e justa. Não pisque diante de nada. Não encubra nada.

E qual é a mensagem que o mundo tanto precisa ouvir? Deixe-me, primeiro, colocar o que ela não é. A mensagem do Senhor e Sua Palavra não são um pensamento emocional ou geral. Há pessoas que se deixam levar pelas emoções. Normalmente, elas só pensam no Senhor em determinadas ocasiões, quando estão apenas buscando uma vaga e emocional mensagem de conforto. Claro que Ele tem consolo a nos oferecer, mas é Seu consolo, é Sua paz. Ele afirmou: “Deixo-vos a paz, a Minha paz vos dou; não vo-la dou como a dá o mundo. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo 14.27). O Senhor não oferece uma paz que o mundo já conhece. Sua paz é composta pelos elementos da retidão, justiça e verdade. Não é simplesmente a ausência de guerras. Tampouco é uma conversa geral e vaga sobre sacrifício e seu valor intrínseco. O sacrifício é uma atitude grandiosa, maravilhosa e nobre, mas não como o mundo a utiliza. Freqüentemente, o Evangelho é transformado em um tipo de mensagem terrena sobre sacrifício, dever e coragem. Todas estas coisas são corretas, nos seus devidos lugares, mas não devem ser elevadas a tão suprema posição. Não estamos interessados em nenhuma idéia sobre sacrifício, dever e coragem que não seja diretamente derivada dos ensinamentos do Filho de Deus.

Nem mesmo o Evangelho é uma mensagem de conselho aos estadistas e líderes mundiais. Não é a pregação do pastor, pois este não é meu negócio. A Igreja não está aqui para dizer aos estadistas o que eles devem fazer ou não. Ela possui um chamado muito maior e mais profundo, como pretendo mostrar a você. Assim, não desperdicemos o tempo expressando nossa opinião a respeito de como as coisas deveriam estar acontecendo em períodos de crises políticas, dividindo a Igreja em grupos de posições diferentes. Tampouco é função do pregador apelar aos líderes do mundo para que promovam a paz e terminem as guerras. Sempre haverá guerras e rumores de guerras. Não é isso de modo algum! O pastor deve proclamar a verdade.
Então, qual é a mensagem do Evangelho? É uma mensagem radical a proclamar a única esperança e o único caminho de salvação. É exatamente o que nosso Senhor fez quando foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa, e é muito interessante que este episódio apareça aqui, nos capítulos iniciais do Evangelho de João, no começo do ministério de Jesus Cristo. Este é um dos mais significativos e cruciais eventos ocorridos durante a vida e o ministério do Senhor na terra.

Na purificação do templo, vemos o Senhor dando aos judeus uma advertência final. Ele lhes estava fornecendo uma indicação de que, a menos que obedecessem ao que Ele lhes veio anunciar, não haveria salvação para a nação judia. De fato, Jesus estava dizendo: “Ouçam as Minhas palavras e as coloquem em prática, ou estejam preparados para o ano 70 d.C.” A História nos mostra que, neste ano, as tropas romanas marcharam sobre Jerusalém e a saquearam, destruindo o templo e forçando os judeus a se espalharem entre as nações. Neste episódio, o Senhor está-lhes mostrando a única maneira de evitar aquela catástrofe.
Grande parte do ministério de Jesus foi devotada a essa palavra. O Senhor apresentou aos judeus essa única possibilidade, essa singular esperança, e eles a rejeitaram. Então, nada lhes restou a não ser o cumprimento da destruição que fora predita. Assim, no final de Seu ministério, Jesus olhou para a cidade de Jerusalém e disse: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te foram enviados! Quantas vezes quis Eu reunir os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das asas, e vós não o quisestes!” (Mt 23.37).

Aqui, então, está a mensagem do Senhor, que permanece inalterada para nós, hoje. Por essa razão é que desejo mostrá-la a vocês. Longe de ser uma mensagem dos líderes da Igreja aos estadistas, dizendo-lhes o que devem fazer em suas funções, ela é, primariamente, uma palavra aos cristãos e seus líderes, a fim de dizer-lhes o que eles devem fazer em sua própria esfera. Esta é a tragédia quando a Igreja tenta dizer ao mundo o que fazer e a pergunta que surge é: “A Igreja está em uma condição apropriada para agir assim?” Por isso, não deve causar surpresa o fato de o mundo não nos dar ouvidos.
A primeira ênfase da mensagem cristã reside na verdade de que a coisa mais importante na vida de uma pessoa ou nação é o relacionamento de cada um com Deus. E tudo isso é tipificado pelo templo. Afinal de contas, o templo era o maior e mais grandioso de todos os palácios e edificações em Jerusalém. Os judeus eram o povo de Deus e era naquele lugar que o povo se reunia para cultuá-Lo e para se relacionar com Ele. Aquele local era o centro da vida da nação. Eis por que nosso Senhor não somente foi ao templo, mas reagiu daquela maneira e disse o que disse, naquela ocasião.

Se você ler a história dos filhos de Israel no Antigo Testamento, descobrirá que quando tudo estava em seus devidos lugares no templo e os filhos de Israel eram leais a Deus, todos os outros aspectos da vida da nação iam bem – nas guerras, na prosperidade material, e assim por diante. Porém, a partir do instante em que havia um declínio na qualidade de culto, via de regra essa deterioração também ocorria na vida das pessoas, ou seja: tais pastores, tal povo. Este tema surge ao longo de todo o Antigo Testamento. Portanto, neste incidente nosso Senhor está, como estava, indicando que esta verdade ainda é relevante, que as leis de Deus não mudam nunca e que são a única forma de as pessoas viverem em segurança e paz.

No Antigo Testamento, há muitas frases gloriosas que expressam a mesma verdade. Aqui estão algumas delas: “Não havendo profecia, o povo se corrompe” (Pv 29.18), não importa quanta riqueza possuam ou quão poderosos sejam seus armamentos. “Não havendo profecia” – isso é o que controla tudo o mais. A História mostra que é possível para uma pessoa ou nação caminhar por longo tempo na visão daqueles que vieram antes deles. A queda não ocorre de forma súbita. Sempre há um declínio gradual. Porém, uma vez que essa visão se perde, você pode esperar o que estamos colhendo hoje.

Veja outro versículo: “A justiça exalta as nações, mas o pecado é o opróbrio dos povos” (14.34). O mais importante não são as possessões, nem as riquezas ou o poder material, mas a “justiça”. E quando uma nação ou qualquer indivíduo pratica a justiça, todas as outras coisas são supridas. Nosso Senhor resumiu tudo isso em uma frase, proferida durante o Sermão do Monte: “Buscai, pois, em primeiro lugar, o Seu reino e a Sua justiça, e todas estas cousas vos serão acrescentadas” (Mt 6.33).

Talvez, a ilustração mais notável seja a história de Eli, o sacerdote, encontrada em 1 Samuel. Eli era um bom homem, porém muito brando e indulgente. Ele permitia que seu sentimento e temperamento o guiassem, em lugar de ser guiado pela lei de Deus. Por conseguinte, seus dois filhos eram maus. No livro de 1 Samuel capítulo 2 você poderá ver como os filhos de Eli abusaram de suas funções de sacerdotes. Aquele pai idoso sentia-se débil para deter os filhos, de modo que eles prosseguiram no erro, juntando bens e privilégios para si mesmos por meio de seus santos ofícios, vivendo de maneira imoral e indigna. Observamos ali o declínio começar a cair sobre a casa de Deus e logo atingir toda a nação. O exército filisteu veio, e Israel foi fragorosamente derrotado, tendo o inimigo até mesmo levado embora a Arca da Aliança.

Esta é a mensagem típica do Antigo Testamento, e agora a encontramos no Novo. Quando as coisas não vão bem no templo, tudo o mais começa a declinar. A chave para tudo é nosso relacionamento com Deus.

Este é o princípio controlador e, inevitavelmente, surge o segundo princípio – estou apenas expondo o que encontramos aqui em João 2.13-17 –: o maior perigo que corremos é interpretar mal e abusar dos meios da graça, mediante os quais Deus fortalece nosso culto individual e nossa caminhada com Ele. Nós os usamos para alcançar nossos próprios fins e propósitos. Esta é a grande lição que os filhos de Israel colocam diante de nós, de forma dramática, aqui e mais tarde, nos acontecimentos do ano 70. O problema dos judeus é que eles sempre usavam mal o que Deus lhes dava. Como mostrado por nosso Senhor neste episódio, eles abusaram do templo. Este não foi apenas seu problema, mas a causa do trágico fim que atingiu a nação.

E eu, solenemente, sugiro que a explicação para a condição crítica de muitas nações nos dias de hoje é o abuso e mau uso do “templo”: a apropriação indébita das coisas que Deus lhes deu e a utilização desta dádiva para fins indignos e egoístas. Esta sempre é a causa de todos os problemas e, com o passar do tempo, não somente será uma atitude errada, mas insana.
Do que estou falando? Bem, com extrema freqüência em Israel, a primeira coisa que começava a dar errado quando os judeus perdiam o Espírito vivente é que eles transformavam o culto no templo em algo formal e exterior. Não existe nada mais terrível na vida de uma pessoa ou nação do que uma religião calcada no formalismo, apenas agindo de acordo com as conveniências, sem qualquer sentimento, sopro do espírito ou fé real, indo à igreja em ocasiões especiais porque é uma boa atitude. O formalismo e a ênfase no que é exterior é uma grande maldição. E não somente a história dos judeus demonstra isso, mas se você ler a história subseqüente da era cristã, encontrará exatamente a mesma coisa.

O que é extraordinário nesse incidente de João 2 é que a presença de bois, ovelhas, pombas e de cambistas, por si só, não deveria ser considerada como imprópria, mas, ao contrário, até mesmo necessária. Por ocasião destas festas, as pessoas iam a Jerusalém de muito distante e não podiam trazer os animais consigo na longa viagem. Assim, era legítimo que houvesse vendedores de bois, ovelhas e pombas. Ainda, para lá afluíam pessoas de diferentes partes do mundo que traziam diferentes moedas e era necessário que houvesse cambistas para viabilizar a troca. Não havia nada de errado com isso.

Mas eis o que estava errado: o comércio ocorria dentro do templo, e para muitas pessoas esta atividade era o único motivo para que estivessem ali. Homens estavam enriquecendo com ela. Nosso Senhor estava preocupado com o mau uso daquilo que era correto e adequado. Deus tem indicado a forma de culto para nós. Na época do Antigo Testamento, Deus instituiu os rituais exteriores do templo e o cerimonial que deveria ser obedecido. Em nossos dias, nós O cultuamos de uma forma mais interior, espiritual. Porém, o princípio permanece o mesmo, e Deus tem ordenado estas coisas.
Aqui é que está o perigo. Corremos o risco de nos apropriarmos das coisas que o próprio Deus nos tem indicado e utilizá-las para servir nossos próprios objetivos, da nossa maneira, adequando-as aos nossos interesses e conveniências. Eis contra o que o Senhor se revolta daquela majestosa e dramática maneira.

Vamos ser práticos a esse respeito. Você está realmente preocupado com a condição do mundo? Se estiver, este não é o momento para sentimentalismos, mas para ouvir o Filho de Deus e Sua mensagem. E creio que, nos dias em que vivemos, Ele está falando de uma forma mais intensa e urgente, especialmente à luz dos recentes acontecimentos mundiais. Isto é um assunto muito sério. É um indicativo de que algo profundo está em marcha, e acho que a principal causa é o uso, em causa própria, daquilo que Deus nos tem dado, especialmente em Sua Igreja e em Seu culto. O uso da igreja, como parte da vida da nação, é como um departamento de Estado, um cenário para grandes ocasiões e para cerimônias de batismos, casamentos e enterros. O cerimonial, dado por Deus, está sendo utilizado para nossos próprios fins e propósitos. Assim, por exemplo, cultos cristãos comemorativos são mantidos por homens e mulheres não-cristãos, conhecidos escarnecedores da fé cristã. O uso da Igreja desta maneira e a boa vontade desta em ser assim usada são abusos daquilo que Deus nos deu.

Isso é importante? Bem, creio que é importante por estas razões: sustenta e fortalece a razão alegada por muitas nações nominalmente ateístas. Em tais países, o Estado e a Igreja estavam ligados de tal forma que, quando o povo desejou uma mudança no Estado, a Igreja foi envolvida. Foi a associação entre a família real russa e a Igreja Ortodoxa, especialmente representada pelo diabólico Rasputin, que levou à revolução russa. O povo abominava a Igreja. As pessoas diziam que, se aquilo fosse Cristianismo, elas não o queriam. Eis a razão pela qual elas se voltaram ao comunismo ateu. Os franceses fizeram o mesmo, por ocasião da sua revolução.

Certamente, tudo isso tem muito a nos dizer. Podem os ingleses alegar inocência da acusação de terem utilizado a Igreja como parte de sua política de colonização? Hoje, este fato assume grande relevância porque as outrora colônias têm-se tornado nações independentes e, em muitas delas, estamos vendo a mesma história se repetir. Nesses países, a política colonial é identificada com o Cristianismo. A Igreja e o Estado estiveram juntos. A espada e o bispo, assim como o foram no passado, estão entrelaçados, e quando um é rejeitado, o outro sofre o mesmo tratamento. Estes assuntos são vitais e muito sérios. Se a Igreja for utilizada como parte de uma política colonialista ou como parte de uma tentativa de impor a civilização ocidental a essas nações, então, quando houver uma rebelião contra o Ocidente, a Igreja também será envolvida no conflito. Colhemos apenas o que plantamos e os resultados não devem nos surpreender.

Houve o risco, especialmente na Primeira Guerra Mundial, de usar a Igreja como um tipo de posto glorificado de recrutamento. A mensagem cristã foi transformada em apelos para heroísmo, sacrifício e coragem, em benefício dos interesses do Estado. Por isso, não deve ser motivo de espanto o fato de multidões estarem fora da Igreja. As pessoas não são tolas. Elas observam estas coisas e muitas reagiram de modo violento ao que aconteceu na Primeira Grande Guerra.

Porém, à parte de tudo isso, há muitos que utilizaram a Igreja, e ainda o fazem, simplesmente para propagar teorias e ensinamentos humanos. Alguns até mesmo defendem o comunismo em nome do Cristianismo. Eles passam adiante suas próprias filosofias, sempre pregando a política e lidando com assuntos materiais, mas usando as Escrituras, a terminologia e idéias fora de seu verdadeiro significado, sempre visando a seus próprios interesses. Além disso, com freqüência, a Igreja tem sido inocente o suficiente para permitir-se ser usada pela cultura. Muitas pessoas vão aos cultos cristãos apenas para ouvir as músicas, sem demonstrar interesse por nada mais. E a Igreja tem-se permitido ser utilizada pela música, pela arte e por outros movimentos artísticos. Outros têm usado a Igreja para servir à sua ambição pessoal, buscando uma carreira bem-sucedida e avanços mundanos. Quantas vezes se disse no passado, que nas famílias tradicionais, o filho mais velho ia servir a Marinha, o segundo, o Exército e, então, lá no fim da linhagem, o mais novo ia servir a Igreja?

Mas tudo isso é, simplesmente, apropriação indébita. Aqui nós vemos a ovelha, os bois, as pombas e os cambistas. E esta é a razão pela qual multidões estão fora da Igreja. As pessoas argumentam: “Se isto é Cristianismo, não temos interesse.”
Portanto, a história de nosso Senhor no templo é relevante, não acha? Foi Jesus quem expulsou os animais e cambistas do interior do templo. Não estou expressando aqui minhas próprias opiniões. Estamos estudando Suas reações quando foi a Jerusalém, por ocasião da Páscoa.

Assim, meu próximo princípio é que, nos dias de hoje, é de suprema necessidade que as pessoas conheçam a presença do Senhor em poder, na Igreja. Eis por que não estou pregando sobre fatos políticos. A necessidade não é para que algo aconteça no meio governamental, mas no meio da Igreja. Por que razão os estadistas a ignoram? Porque a Igreja não detém nenhum poder. Já houve tempos em que os estadistas davam ouvidos a ela. Pense em John Knox pregando a mensagem e, sentada na audiência, a rainha da Escócia ouvindo e tremendo. Esta é a ordem certa. Porém, isto somente acontece quando Cristo está presente no templo, com poder. Assim, ao olhar para o mundo e lembrar das duas guerras mundiais e toda a devastação que trouxeram, ao ver o que está acontecendo a multidões de pessoas, padecendo de dores diferentes em muitos lugares, quando percebo as sombrias possibilidades existentes, eu afirmo que a mensagem necessária é esta que surge quando Cristo entra no templo e começa a falar e a agir. E, portanto, se você e eu estamos sinceramente preocupados com a situação atual e os rumos que o mundo está tomando, nossa primeira tarefa é orar pedindo um reavivamento na Igreja. Não é dizer coisas ao mundo, mas buscar este poder que nos tornará capazes de falar ao mundo de tal maneira que as pessoas temerão ao nos ouvir.

A seguir, devemos examinar o que Ele faz quando aparece em cena. “Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém” – e as coisas começaram a acontecer. E o que descobrimos? Imediatamente, vemos a manifestação de Sua glória, de Sua autoridade, de Seu zelo e poder. Você percebeu, ao ler esta passagem, que isto é um milagre? Foi tão milagroso como a transformação da água em vinho, na festa de casamento em Caná da Galiléia. Olhe para esses homens, ricos e espertos, comercializando no interior do templo e, ainda assim, uma pessoa indefesa, somente munida com uma espécie de chicote feito de cordas, os expulsou a todos daquele lugar, com suas ovelhas e bois. Após ter feito isso, voltando-se para os homens que vendiam pombas, disse: “Tirai daqui estas cousas.” Então, Ele vira as mesas dos cambistas, e joga ao chão todo o dinheiro.

Mas como uma coisa dessas pode acontecer por meio de uma única pessoa, munida de um chicote improvisado? Há somente uma resposta possível, qual seja: é a manifestação de Sua glória, assim como na festa de casamento. Lembre-se do que lemos ao final daquela passagem: “Com este, deu Jesus princípio a Seus sinais em Caná da Galiléia; manifestou a Sua glória” (2.11). A palavra de Cristo tem poder. Ele é o Filho de Deus encarnado. Ele falava com autoridade, e os homens sentiam isso em seu íntimo.

Encontramos o mesmo fato acontecer em inúmeras outras passagens nas páginas dos quatro Evangelhos. Quando Jesus falava, ou mesmo olhava para homens e mulheres, eles reconheciam esse poder e autoridade, pois não conseguiam sequer fitá-Lo. Jesus é o Filho de Deus, detentor de toda a autoridade e poder. Eis por que devemos orar para que esse poder seja conhecido hoje. Foi Ele que nos constituiu e é o único que pode nos capacitar, conforme Sua promessa. Nossa maior necessidade está Nele, em Sua força, para que possamos falar com igual autoridade.

Nesse incidente, vemos Jesus agindo como sempre faz. Ele anuncia e executa julgamento. Ele vê esta situação acontecendo: “E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados”. E sente indignação. O zelo pela Casa do Pai O consome. Ele está tomado de um santo senso de justiça e, desta forma, anuncia o julgamento sobre todos.
Eu me desespero só de pensar que você não tem consciência do julgamento de Deus sobre a Igreja de nossos dias. Você não consegue ouvir isso? Não consegue sentir ou ver? Por que essa tremenda confusão? Por que pessoas comuns de todos os países vêem a Igreja como algo ridículo? Este é o julgamento de Deus. Deus está permitindo que a Igreja seja ridicularizada em virtude do abuso e mau uso dos quais todos nós somos culpados.

E o que mais? Bem, nosso Senhor institui a reforma. Ele lança fora as coisas que não pertencem ao lugar. E, repito, a maior necessidade de nossos dias é uma reforma na Igreja e sua doutrina, é lançar fora todo o traço de paganismo. Ouça as palavras do Senhor: “Tirai daqui estas cousas.” Todos os ornamentos e parafernália, todo o incenso e as tentativas de oferecer sacrifícios e ofertas queimadas, a liturgia vazia, devem ser lançados fora. Este é o exemplo dado pelo Senhor. Deve haver uma ampla reforma, abrangendo a doutrina, todas as superstições e mentiras. Tudo aquilo que torna os homens grandes e importantes, que encobrem o Senhor e Sua glória eterna, deve ser lançado fora. Foi isso o que aconteceu na Reforma Protestante e se repete em cada um dos outros períodos de reforma e reavivamento. Ele extirpa o que é falso, seja na doutrina, na prática ou no comportamento. Em suma, o que Ele faz? Ele restaura a simplicidade original.

Mais tarde, o Senhor falou algo muito similar porque as pessoas não Lhe deram atenção. Ao fim de Seu ministério, Jesus diz que os homens haviam transformado a casa do Pai em covil de salteadores (Mt 21.13). Porém, a casa do Pai deveria ser um lugar de oração! A função da Igreja é trazer homens e mulheres a Deus, mantendo-os em comunhão com Ele. A Igreja deveria ser tão repleta do poder de Deus que todas as pessoas, em certo sentido, seriam forçadas a ouvir. A partir do instante em que você simplifica sua religião, o poder aumenta. Todas as outras coisas, a falsidade doutrinária, a mentira na conduta, colocam-se entre a verdade e as multidões e precisam ser removidas. Temos de retornar àquela simplicidade que está em Cristo Jesus.
O que acontece quando se faz isso? Procure conhecer a história da Igreja, leia sobre a Reforma Protestante. O que resultou destes movimentos? Bem, entre outras coisas, levou ao período Elizabetano.

O mesmo aconteceu na época do Movimento Puritano. Você pode rir dos puritanos, se quiser, mas lembre-se de que o período correspondente ao governo de Oliver Cromwell, o período do Commonwealth – referente ao governo republicano na Inglaterra, de 1649 a 1660 –, foi um dos melhores períodos de toda a história da Inglaterra e País de Gales. Todos concordam, inclusive historiadores seculares, que a base da grandeza destes países está naquela época, quando havia uma ética moral na nação, quando homens e mulheres colocavam Deus em primeiro lugar em sua vida. Assim, toda a nação foi elevada, como está escrito: “A justiça exalta as nações” (Pv 14.34).

É correto e verdadeiro dizer-se que tudo o que era glorioso e grandioso no século 19 foi resultado direto do Despertamento Evangélico, ocorrido no século 18. Isso pode ser estabelecido historicamente. Certo historiador afirma que foi este fato, e apenas ele, que salvou o país de experimentar algo semelhante à Revolução Francesa. Outros historiadores confirmam que o movimento evangélico deu origem, não somente ao engrandecimento da nação, mas também ao esclarecimento do povo. O movimento sindicalista, por exemplo, resultou diretamente deste reavivamento. Tudo o que eleva homens e mulheres, tudo o que os faz compreender quem e o que são, que os faz lembrar de que possuem mente e os inspira a aprender e a progredir, tudo isso resulta da bênção original de ouvir o Filho de Deus e permitir que Ele lide com a Igreja e, individualmente, conosco.

Uma vez que a pessoa certa esteja no centro e que o templo esteja purificado, reformado e renovado, a mudança começa a permear toda a vida e um novo tom surge. Não havendo profecia, o povo se corrompe. Havendo profecia, o povo é bem-sucedido. Esta é a suprema necessidade de nossos dias. Precisamos recapturar a visão, voltarmo-nos a Ele, permitir que Ele atue e fale a nós, purificar e lançar fora.

Portanto, para mim, esta é a mensagem da Bíblia para este mundo. Que este Cristo volte e, novamente, com Sua autoridade enfrente os oportunistas, vire as mesas, lance fora e purifique o templo, dando-nos a conhecer, uma vez mais, em simplicidade e pureza de coração, Sua fé e o poder que, inevitavelmente, cai sobre todos aqueles que crêem e se submetem a Ele, todos os que desejam ser cheios do abençoado Espírito Santo. Ah! Que Jesus venha mais uma vez ao templo! Vamos começar a oferecer aquela oração. Tudo bem, ore pelos outros, mas esta não é a oração primordial. A principal oração não é pelos estadistas, parentes ou amigos, tampouco pelas nações. Em primeiro lugar, devemos orar para que Jesus volte ao Seu templo, que manifeste Sua glória e nos mostre um pouco de Sua autoridade e poder, enchendo-nos com este poder.

1 Este sermão foi pregado no domingo, Dia do Armistício, 1965.
2 Em novembro de 1965, a comunidade branca da antiga Rodésia do Sul, atual Zimbábue, recusou-se a aceitar as regras impostas pela maioria negra e proferiu uma declaração de independência unilateral e ilegal.

(Extraído do livro O segredo da bênção celestial, cap. 6, de Martin Lloyd-Jones, co-edição Editora Textus e Editora dos Clássicos, 2002, com permissão da Editora Textus para publicação no sítio Campos de Boaz.)

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