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Martin Lloyd-Jones

Entrevista com Martin Lloyd Jones – 1970

“Eu não posso aceitar a afirmação de que a igreja é uma instituição social no seu sentido. A igreja para mim consiste de pessoas que são verdadeiramente cristãs. Agora, você diz, qual a relevância disso para as condições sociais e para os seus problemas? Bem, eu diria que isso é assunto para cristãos individualmente desempenhar seus papéis na sociedade. E de fato, historicamente isso é o que é mais interessante. A igreja teve grande influência na sociedade em condições sociais quando ela foi mais evangélica. […] Eu estava na Escócia comemorando o aniversário de 400 anos da morte de John Knox. Se você ler as condições da Escócia antes de Knox, e ele era carregado com essa intolerância e todas as coisas que você está me dizendo, mas aquele homem mudou a vida de toda a Escócia! Ele introduziu um sistema de educação, ele a mudou moralmente, politicamente e em todos os aspectos. Os puritanos fizeram isso nesse país. Cromwell, não esqueça, era um cristão evangélico! Então você vem ao século XVIII, você tem o avivamento evangélico e os Whitefield e os Wesley. Aquilo fez mais para promover condições sociais nesse país do que todas as intromissões eclesiásticas na política.”

(Martin Lloyd Jones)

Assista ao vídeo com a entrevista completa e conheça um pouco mais deste servo de Deus do passado, cujo legado ainda nos fala.

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Charles Spurgeon Citações Cristo Cruz D. L. Moody Deus Hinos & Poesia Indicações de sexta Martin Lloyd-Jones Salvação Sofrimento T. Austin-Sparks Vida cristã

Indicações de sexta (20)

A Bíblia é imutável como autoridade para todo ensinamento e toda prática!

 

Toda sexta-feira, indicação de artigos, de uma mensagem e de um hino recomendados. Nosso desejo é que lhe sejam úteis para aprofundar seu conhecimento do Senhor, para capacitar você a servi-Lo melhor e para despertar em você mais amor por Ele.
É sempre importante relembrar o que dizemos em Sobre este lugar: as indicações a um autor ou a alguma fonte não implica aprovação total ou incondicional de tudo o que é ali ensinado nem indicado em outros links ou em vídeos relacionados, etc; indica, outrossim, que naquele artigo específico há conteúdo bíblico a ser apreciado.

Artigos que você precisa ler

  1. O povo de Deus tem sido distraído (e destruído) por sua busca por coisas sobrenaturais, teoricamente divinas, aceitando qualquer manifestação desse tipo como seguramente vinda de Deus. É o caso daqueles que têm sede de visões e sonhos. Charles Spurgeon expõe o erro e o perigo disso.
  2. Qual é o significado prático de Cristo ser tudo em todos? Leia o esclarecedor artigo de T. Austin-Sparks sobre esse assunto fundamental e central da Bíblia.

Mensagem que você precisa ouvir

Duas formas de morrer, por Martin Lloyd-Jones

Hino que honra a Deus

Hallelujah! What A Saviour! (Man of Sorrows, What A Name)

Letra e música: Phil­ip P. Bliss (1875)

História

Escrito […] pouco antes de sua morte, este foi o último hino que eu ouvi o sr. Bliss cantar. Foi em uma reunião em Farwell Hall, em Chicago [Illinois], conduzida por Henry Moorehouse. Algumas semanas antes de sua morte, o sr. Bliss visitou a prisão estadual em Jackson, Michigan, onde, depois de uma pregação muito comovente sobre “O Varão de dores”, ele cantou este hino com grande efeito. Muitos dos prisioneiros datam sua conversão como tendo ocorrido naquele dia.

Quando o sr. Moody e eu estávamos em Paris, realizando reuniões na antiga igreja que Napoleão havia dado aos evangélicos, freqüentemente cantei este hino como um solo, pedindo à congregação que participasse da singela “Aleluia, que Salvador!”, o que fazia com um esplêndido resultado. Diz-se que a palavra “Aleluia” é igual em todas as línguas. Parece que Deus a preparou para o grande júbilo no céu, quando todos os Seus filhos serão recebidos para cantar “Aleluia ao Cordeiro!”.

(Ira Sankey)

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Citações Gotas de orvalho John Owen John Stott Martin Lloyd-Jones Oração

Gotas de orvalho (25)

Uma gota de orvalho dos céus para cada dia da semana

Eu preferiria ensinar um homem a orar do que dez homens a pregar.

(Charles Spurgeon)

Na oração, é melhor ter um coração sem palavras do que palavras sem um coração.

(John Bunyan)

Não há nada que diga a verdade a nosso respeito como cristãos tanto quanto nossa vida de oração.

(Martyn Lloyd-Jones)

Não é a singularidade do “cristianismo” como um sistema que nós defendemos, mas a singularidade de Cristo. […] Então, porque em nenhuma outra pessoa, senão em Jesus de Nazaré, Deus primeiro se fez tornou humano (em Seu nascimento), em seguida carregou nossos pecados (em Sua morte), depois venceu a morte (em Sua ressurreição) e, então, habitou em Seu povo (por Seu Espírito), Ele é singularmente capaz de salvar pecadores. Ninguém mais tem Suas qualificações.

(John R. W. Stott)

É bem conhecido que Cristo constantemente usou a expressão “seguidor”. Ele nunca pediu por admiradores, adoradores ou adeptos. Não, ele chama discípulos. Não são adeptos de um ensinamento, mas seguidores de uma vida que Cristo está procurando.

(Soren Kierkegaard)

Perseverança em crer não exclui todas as tentações. Quando dizemos que uma árvore está firmemente arraigada, não dizemos que o vento nunca sopra sobre ela.

(John Owen)

Quando aflições nos prendem, nós murmuramos e resmungamos e lutamos até que vejamos que é Deus que nos golpeia.

(Thomas Brooks)

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A. W. Pink Andrew Murray Apologética Bíblia Biografia Conselho aos pais Cristo Deus Disciplina Encorajamento Estudo bíblico Família Hinos & Poesia Indicações de sexta João Calvino Martin Lloyd-Jones Profecias Segunda vinda Vida cristã

indicações de sexta (5)

Confronte todas as coisas com a verdade da Bíblia

 

Toda sexta-feira, uma pequena lista de artigos cuja leitura recomendamos. Além disso, indicaremos também uma mensagem e um hino para serem ouvidos. Nosso desejo é que lhe sejam úteis para aprofundar seu conhecimento do Senhor, para capacitar você a servi-Lo e para despertar em você mais amor por Ele.
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Artigos que merecem ser lidos

  1. Comentário de João Calvino sobre Romanos 3.23-26
  2. O culto familiar, de A. W. Pink
  3. Biografia de Andrew Murray
  4. A atitude do cristão em relação à volta do Senhor, de Ruth Paxon
  5. Falsas doutrinas sobre a Bíblia (2), de Wilson Porte. Denúncia clara e bíblica de modismos “espirituais” que são contrários à Bíblia. Leia também a parte 1.

Mensagem que merece ser ouvida

Duas formas de morrer, por Martin Lloyd-Jones

Hino que merece ser ouvido

Jesus paid it all

(letra de Elvina M. Hall [1865], música de John T. Grape [1868]. Baseado em Is 1.18; 1Pd 1.18,19; Ap 1.5,6)

Letra original

I hear the Savior say,
“Thy strength indeed is small;
Child of weakness, watch and pray,
Find in Me thine all in all.”

Refrain:
Jesus paid it all,
All to Him I owe;
Sin had left a crimson stain,
He washed it white as snow.

For nothing good have I
Whereby Thy grace to claim;
I’ll wash my garments white
In the blood of Calv’ry’s Lamb.

And now complete in Him,
My robe, His righteousness,
Close sheltered ’neath His side,
I am divinely blest.

Lord, now indeed I find
Thy pow’r, and Thine alone,
Can change the *leper’s spots [*leopard’s]
And melt the heart of stone.

When from my dying bed
My ransomed soul shall rise,
“Jesus died my soul to save,”
Shall rend the vaulted skies.

And when before the throne
I stand in Him complete,
I’ll lay my trophies down,
All down at Jesus’ feet.

Aqui está uma história real relacionada a essa canção:

Na noite de Ano Novo de 1886, alguns missionários estavam mantendo cultos ao ar livre, a fim de atrair os transeuntes a uma missão próxima, onde reuniões seriam realizadas mais tarde. “Tudo a Cristo eu devo” [outro nome pelo qual o hino é conhecido, por conta do verso All to Him I owe da estrofe. (N. do T.)] foi cantado, e, depois de ter dado uma breve palavra, um cavalheiro apressou-se para a missão. Ele logo ouviu passos atrás de si e uma jovem alcançou-o e lhe disse:

– Ouvi você pregar na reunião ao ar livre agora mesmo. Você acha, senhor, que Jesus poderia salvar uma pecadora como eu?

O cavalheiro respondeu que não havia nenhuma dúvida sobre isso, se ela estava ansiosa para ser salva. Ela lhe disse que era uma serviçal, e tinha deixado seu lugar de trabalho naquela manhã depois de um desentendimento com sua senhora. Enquanto ela vagava pelas ruas no escuro, imaginando onde poderia passar a noite, a doce melodia desse hino a havia atraído, e ela se aproximou e ouviu atentamente. Conforme os diferentes versos eram cantados, ela sentiu que as palavras certamente tinham relação com ela. Ao longo de todo o culto, ela parecia ouvir aquilo que sua alma oprimida tinha necessidade naquele momento. O Espírito de Deus lhe havia mostrado quão pobre criatura, pecadora e miserável ela era, e a levou a perguntar o que deveria fazer. Ao ouvir sua experiência, o cavalheiro a levou de volta para a missão e a deixou com as senhoras responsáveis. A jovem rebelde foi trazida a Cristo naquela noite. Um lugar para ela lhe foi dado na família de um ministro. Lá ela ficou doente e teve de ser levada para um hospital. Ela piorou rapidamente, e tornou-se evidente que ela não estaria por muito tempo mais na terra. Um dia, o cavalheiro que ela conhecera na noite de Ano Novo foi visitá-la na enfermaria. Depois de citar alguns versos adequados das Escrituras, ele repetiu o hino favorito dela: “Tudo a Cristo eu devo”, e ela parecia tomada com o pensamento de chegar à glória. Duas horas depois, ela dormiu no Senhor.

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Cristo Cruz Evangelho Martin Lloyd-Jones

Teologia do sangue (Martin Lloyd-Jones)

Há pessoas que odeiam aquilo que chamam de “teologia do sangue”. Mas não há teologia digna desse nome à parte do sangue derramado de Cristo. Nosso evangelho é um evangelho de sangue. Sangue é o fundamento. Sem ele, não há nada.

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Espírito Santo Martin Lloyd-Jones Santidade Vida cristã

Mortificando o pecado pelo Espírito Santo (D. M. Lloyd Jones)

“Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis” (Romanos 8.12-13).

 

A santificação é um processo em que o próprio homem desempenha uma parte. Nessa parte, o homem é chamado a fazer algo “pelo Espírito”, que está nele. Consideraremos agora o que exatamente o homem tem de fazer. A exortação é esta: “Se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo”. O crente é chamado a mortificar os feitos do corpo.

Temos, primeiramente, de abordar a palavra corpo, que se refere ao nosso corpo físico, nossa estrutura física, conforme vemos também no versículo 10. A palavra não significa “carne”. Até o grande Dr. John Owen se enganou neste ponto e trata a palavra como uma alusão à “carne” e não ao “corpo”. Mas o apóstolo, que antes falara tanto a respeito de “carne”, agora fala sobre o “corpo”. Ele fez isso no versículos 10 e 11, assim como o fizera no versículo 12 do capítulo 6. Paulo se referia a este corpo físico em que o pecado ainda permanece e que um dia será ressuscitado em “incorruptibilidade” e glorificado, para tornar-se semelhante ao corpo glorificado de nosso bendito Senhor e Salvador.

Enfatizo novamente que temos de ser claros neste assunto, porque está sujeito a ser mal entendido. O ensino não é que o corpo humano ou a matéria são inerentemente pecaminosos. Já houve heréticos que ensinaram esse erro conhecido como dualismo. Ao contrário disso, o Novo Testamento ensina que o homem foi criado bom tanto em corpo, alma e espírito. Não ensina que a matéria é sempre má e que, por essa razão, o corpo é sempre mau. Houve um tempo em que o corpo era… totalmente livre do pecado. Mas, quando o homem caiu e pecou, todo o seu ser caiu, e ele se tornou pecaminoso no corpo, mente e espírito.

Temos visto que pelo novo nascimento o espírito do homem é liberto. Ele recebe vida nova — “O espírito é vida, por causa da justiça” (Rm 8.10). Mas o corpo ainda “está morto por causa do pecado”. Esse é o ensino do Novo Testamento! Em outras palavras, embora o crente seja regenerado, ainda permanece em um corpo mortal. Por isso enfrentamos problemas para viver a vida cristã, visto que temos de lutar contra o pecado enquanto estivermos neste mundo, pois o corpo é fonte e instrumento de pecado e corrupção. Nossos corpos ainda não foram redimidos. Eles o serão, mas agora o pecado ainda permanece neles.

Conforme vimos, o apóstolo deixa isso bem claro. Em 1 Coríntios 9.27, ele disse: “Esmurro o meu corpo” (1 Coríntios 9.27), porque o corpo nos impele a obras más. Isso não significa que os instintos do corpo são em si mesmos pecaminosos. Os instintos são naturais e normais, não sendo, inerentemente, pecaminosos. Mas o pecado que permanece em nós está sempre tentando levar os instintos naturais a direções erradas. O pecado tenta levá-los a “afeições imoderadas”, a exagerá-los; tenta fazer-nos comer demais, satisfazer em excesso todos os nossos instintos, de modo que se tornem “imoderados”. Vendo esse assunto de outro ângulo, esse princípio pecaminoso tenta impedir-nos de dar atenção ao processo de disciplina e autocontrole ao qual somos constantemente chamados nas páginas das Escrituras. O pecado remanescente no corpo tende a agir dessa maneira. Por isso, o apóstolo fala sobre os “feitos do corpo”. O pecado tenta tornar o natural e normal em algo pecaminoso e mau.

O termo “mortificar” explica-se a si mesmo. “Mortificar” significa matar, trazer à morte… logo, a exortação diz que temos de matar, por um fim nos “feitos do corpo”. De uma perspectiva prática, esta é a grande exortação do Novo Testamento em conexão com a santificação e se dirige a todos os crentes.

Como devemos fazer isso?… O apóstolo esclarece: “Se, pelo Espírito, mortificardes os feitos do corpo” — pelo Espírito! É claro que o Espírito é mencionado particularmente porque a sua presença e sua obra são características peculiares do verdadeiro cristianismo. Isto é o que diferencia o cristianismo da moralidade, do “legalismo” e do falso puritanismo — “pelo Espírito”. O Espírito Santo, conforme já vimos, está em nós crentes. Você não pode ser um crente sem o Espírito Santo. Se você é um crente, o Espírito Santo de Deus está em você, agindo em você. Ele nos capacita, nos dá forças e poder. Ele nos traz a grande salvação que o Senhor Jesus Cristo realizou, capacitando-nos a desenvolvê-la. Portanto, o crente nunca deve se queixar de falta de capacidade e poder. Se o crente diz: “Eu não posso fazer isso”, está negando as Escrituras. Aquele que é habitado pelo Espírito Santo nunca deve proferir tais palavras; fazê-lo significa negar a verdade a respeito dele mesmo.

Conforme disse o apóstolo João, o crente é alguém que pode dizer: “Temos recebido da sua plenitude e graça sobre graça” (Jo 1.16). No capítulo 15 de seu evangelho, João descreve os cristãos como ramos da Videira Verdadeira. Por isso, nunca devemos afirmar que não temos poder. Certamente, o Diabo está ativo no mundo e tem grande poder; contudo, “maior é aquele que está em vós do que aquele que está no mundo” (1 Jo 4.4). Ou considere novamente aquela importante declaração feita em 1 João 5.18-19: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive em pecado”. A expressão “não vive em pecado” expressa uma ação contínua no presente, e o sentido é este: “Sabemos que todo aquele que é nascido de Deus não vive pecando”. Por que não? Porque “Aquele que nasceu de Deus” — ou seja, o Senhor Jesus Cristo — “o guarda, e o Maligno não lhe toca”.

João afirmou que isso é verdade em relação a todos os crentes. O crente não vive no pecado porque Cristo está vivendo nele, e o Maligno não pode tocar-lhe. Isso significa não somente que o Maligno não exerce controle sobre o crente, mas também que o Maligno não pode nem mesmo tocar-lhe. O crente não está sobre o poder do Maligno. E, para incutir isso no crente, João afirmou em seguida: “Sabemos que somos de Deus”; e quanto ao mundo: “O mundo inteiro jaz no Maligno” (1 Jo 5.19). O mundo está nos braços e domínio do Maligno, que o controla… O Diabo tem completamente em suas mãos e controle o mundo e os homens que pertencem ao mundo, os quais são suas vítimas indefesas. Não há sentido em dizer a tais pessoas que mortifiquem “os feitos do corpo”; elas não podem fazer isso, porque estão sob o poder do Diabo. Mas a situação do crente é outra; ele pertence a Deus e o Maligno não lhe pode tocar. O Diabo pode rugir para o crente e amedrontá-lo ocasionalmente, mas não pode tocar-lhe e, muito menos, controlá-lo.

Essas são afirmações típicas que o Novo Testamento faz a respeito do crente. E, quando compreendemos que o Espírito está em nós, experimentamos o seu poder. Somos chamados a usar e exercitar o poder que está em nós pela habitação do Espírito Santo. “Assim, pois, irmãos, somos devedores, não à carne como se constrangidos a viver segundo a carne. Porque, se viverdes segundo a carne, caminhais para a morte; mas, se, pelo Espírito” — que habita em vós —, “mortificardes os feitos do corpo, certamente, vivereis.” A exortação diz que devemos exercitaro poder que está em nós “pelo Espírito”. O Espírito é poder e está habitando em nós. Por isso, somos instados a exercer o poder que está em nós.

Mas, como isso se realiza na prática?… Para começar, temos de entender nossa posição espiritual, pois muitos de nossos problemas se devem ao fato de que não compreendemos e não recordamos quem e o que somos como crentes. Muitos se queixam de que não têm poder e de que não sabem fazer isto ou aquilo. O que precisamos dizer-lhes não é que eles são absolutamente incapazes e que devem desistir. Pelo contrário, todos os crentes precisam ouvir estas palavras de 2 Pedro 1.2-4: “Graça e paz vos sejam multiplicadas, no pleno conhecimento de Deus e de Jesus, nosso Senhor. Visto como, pelo seu divino poder, nos têm sido doadas todas as coisas que conduzem à vida e à piedade”. Tudo que “conduz à vida e piedade” nos foi dado por meio do “conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e virtude”. E, outra vez: “Pelas quais nos têm sido doadas as suas preciosas e mui grandes promessas, para que por elas [por meio dessas mui grandes e preciosas promessas] vos torneis co-participantes da natureza divina, livrando-vos da corrupção das paixões que há no mundo”.

Apesar disso, há crentes que lamentam e se queixam de não terem forças. A respostas para esses crentes é esta: “Todas as coisas que dizem respeito à vida e à piedade lhes foram dadas. Parem de lamentar, murmurar e queixar-se. Levantem-se e usem o que está em vocês. Se vocês são crentes, o poder está em vocês pelo Espírito Santo. Você não estão desamparados”. Todavia, o apóstolo Pedro não parou ali. Ele disse também: “Aquele a quem estas coisas não estão presentes” — em outras palavras, o homem que não faz as coisas sobre as quais foi exortado — “é cego, vendo só o que está perto” (2 Pe 1.9). Ele tem uma visão curta, havendo “esquecido da purificação dos seus pecados de outrora”. Não possui uma visão verdadeira da vida cristã. Está falando e vivendo como se fosse uma pessoa não-regenerada. Ele diz: “Não posso continuar sendo cristão; é demais para mim”. Pedro exorta esse homem a compreender a verdade a respeito de si mesmo. Precisa ser despertado, ter seus olhos abertos e sua memória refrescada. Ele precisa se animar e fazer, em vez de lamentar as suas imperfeições.

Além disso, temos de compreender que, se somos culpado de pecado, entristecemos o Espírito Santo de Deus, que está em nós. Pecamos a todo momento. O fato deveras grave não é o de que pecamos e nos tornamos infelizes, e sim o de que entristecemos o Espírito de Deus que habita em nosso corpo. Quão frequentemente pensamos nisso? Acho que, ao falarem comigo a respeito desse assunto, as pessoas sempre falam sobre si mesmas — “meu erro”. “Estou sempre caindo nesse pecado.” “Este pecado está me desanimando.” Falam completamente a respeito de si mesmas. Não falam sobre o seu relacionamento com o Espírito Santo. E, por essa razão: o homem que compreende que o maior problema de sua vida pecaminosa é o fato de que está entristecendo o Espírito Santo, esse homem para de fazer isso imediatamente. No momento que o crente percebe que esse é o seu verdadeiro problema, ele lida com esse problema. Não se preocupa mais com seus próprios sentimos. Quando o crente compreende que está entristecendo o Espírito Santo de Deus, ele age imediatamente.

Outra consideração importante sobre este tema geral é o fato de que temos sempre de fixar-nos no alvo crucial. Pedro enfatizou isso no mesmo capítulo da sua epístola: “Procedendo assim, não tropeçareis em tempo algum. Pois desta maneira é que vos será amplamente suprida a entrada no reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (2 Pe 1.10-11). Se vocês fizerem o que exorto-os a fazer, ele disse, a morte, quando lhes chegar, será algo maravilhoso. Você não somente entrarão no reino de Deus; antes, terão uma entrada ampla. Haverá um desfile triunfante; os portões do céu serão abertos, e haverá grande regozijo. Pedro não estava se referindo à nossa salvação presente, e sim à nossa glorificação final, à nossa entrada nos “tabernáculos eternos” (Lc 16.9).

Portanto, temos de manter os olhos fixos nesse alvo. Nosso maior problema é que sempre estamos olhando para nós mesmos e para o mundo. Se pensarmos mais e mais sobre nós mesmos como peregrinos da eternidade (o que, de fato, somos), todo o nosso viver será transformado. Paulo afirmou isso no versículo 11 deste capítulo. Mantenham seus olhos nisso, eles disse em outras palavras; mantenham seus olhos no alvo. João disse a mesma coisa: “Amados, agora, somos filhos de Deus, e ainda não se manifestou o que haveremos de ser. Sabemos que, quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança, assim como ele é puro” (1 Jo 3.2-3). A causa de muitos de nossos problemas, como crentes, é que vivemos demais para este mundo. Persistimos em esquecer que somos apenas “peregrinos e forasteiros” neste mundo. Pertencemos ao céu; nossa pátria está no céu (Fp 3.20), e estamos indo para lá. Se apenas mantivéssemos isso diante de nossa mente, o problema de nossa luta contra o pecado assumiria um aspecto diferente…

Devemos nos mover agora do geral para o específico, relembrando-nos de que tudo é feito “pelo Espírito”, com uma mente iluminada por Ele. O que temos de fazer especificamente? O ensino do apóstolo pode ser considerado sob dois aspectos: direto e negativo, indireto e positivo.

No aspecto direto ou negativo, a primeira coisa que o crente tem de fazer é abster-se do pecado. É bem simples e direto! Pedro disse: “Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes das paixões carnais, que fazem guerra contra a alma” (1 Pe 2.11). Esse é um ensino bastante claro. Aqui não há qualquer sugestão de que somos incapazes, temos de desistir da luta e entregar tudo ao Senhor ressuscitado. Amados, exorto-vos, como peregrinos e forasteiros que sois, a vos absterdes…” — parem de fazer isso, parem imediatamente, não o façam mais! Vocês precisam se abster totalmente desses pecados, essas “paixões carnais, que fazem guerra contra a alma”. Vocês não têm o direito de dizer: “Sou fraco, não posso; as tentações são poderosas”.

A resposta do Novo Testamento é: “Parem de fazer isso”. Vocês não precisam de hospital e de um tratamento médico; precisam recompor-se e compreender que são “peregrinos e forasteiros”. “Exorto-vos… a vos absterdes.” Vocês não têm qualquer negócio com essas coisas. Lembrem outra vez o ensino de Efésios 4: “Aquele que furtava não furte mais… Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe”. Não haja em vocês nenhuma dessas conversas ou gracejos tolos! Não façam isso! Abstenham-se! É tão simples e claro como estas palavras: parem de fazer isso!

Em segundo lugar, de modo específico, citando outra vez as palavras do apóstolo em Efésios: “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as. Porque o que eles fazem em oculto, o só referir é vergonha” (Ef 5.11-12). Observe o que ele disse: “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas”. Vocês não devem apenas abster-se dessas coisas, mas também não ter comunhão com pessoas que fazem essas coisas ou têm esse modo de vida. “Não sejais cúmplices nas obras infrutíferas das trevas; antes, porém, reprovai-as.” O princípio governante de sua deve ser o não associar-se com pessoas desse tipo. Fazer isso é ruim para você e lhe será prejudicial… Não devemos ter qualquer comunhão com o mal; antes, precisamos fugir dele e manter-nos tão distantes quanto pudermos.

Outro termo é “esmurrar” (1 Co 9.27). “Esmurro o meu corpo”, disse o apóstolo. “Todo atleta” — ou seja, aquele que compete nas corridas — em tudo se domina”. As pessoas que passam por treinos visando as grandes competições atléticas são bastante cuidadosas quanto à sua dieta; param de fumar e ingerem bebidas alcoólicas. Quão cuidadosos eles são! E fazem tudo isso porque desejam ganhar o prêmio! Se eles faziam isso, disse Paulo, por causa de coisas corruptíveis, quanto mais devemos disciplinar-nos a nós mesmos… O corpo tem de ser “esmurrado”. Nas palavras de nosso Senhor registradas em Lucas 21.34, há uma sugestão a respeito de como isso deve ser feito. Ele disse: “Acautelai-vos por vós mesmos, para que nunca vos suceda que o vosso coração fique sobrecarregado com as conseqüências da orgia, da embriaguez e das preocupações deste mundo, e para que aquele dia não venha sobre vós repentinamente”. Não coma bem beba demais; não se preocupe excessivamente com as coisas deste mundo. Coma o suficiente e o alimento correto; mas não se torne culpado de “excesso”. Se uma pessoas satisfaz em demasia seu corpo, com alimento, bebida ou outra coisa, ele achará mais difícil viver uma vida cristã santificada e mortificar os feitos do corpo. Portanto, evite todos esses obstáculos, pois, do contrário, seu corpo se tornará indolente, pesado, moroso e lânguido. Há uma intimidade tão grande entre o corpo, a mente e o espírito, que achará grande problema em seu conflito espiritual. “Esmurre o corpo.”

Outra máxima usada pelo apóstolo, na Epístola aos Romanos, se acha no capítulo 13: “Revesti-vos do Senhor Jesus Cristo e nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências” (v. 14). Se querem mortificar os feitos do corpo, “nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”. O que isso significa? Em Salmos 1, achamos um discernimento claro quanto ao significado dessas palavras do apóstolo. Eis a prescrição: “Bem-aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, não se detém no caminho dos pecadores” (Sl 1.1). Se vocês querem viver esta vida piedosa e mortificar os feitos do corpo, não gastem tempo permanecendo nas esquinas das ruas, porque, se fizerem isso, provavelmente cairão em pecado. Se permanecerem no lugar por onde o pecado talvez passará, não se surpreendam se voltarem para casa em tristeza e infelicidade, porque caíram no pecado. Não se detenham no “caminho dos pecadores”. E, menos ainda, devem vocês assentar-se “na roda dos escarnecedores”. Se permanecerem em tais lugares, não haverá surpresa em caírem no pecado. Se vocês sabem que certas pessoas lhes são má influencia, evitem-nas, fujam delas. Talvez vocês digam: “Eu me ajunto com elas para ajudá-las, mas percebo que, todas as vezes, elas me levam ao pecado”. Se isso é verdade, não estão em condições de ajudá-las…

No livro de Jó, o homem sábio disse: “Fiz aliança com meus olhos” (Jó 31.1). Era como se dissesse: “Olhem diretamente, não olhem para a direita ou para a direita. Cuidem de seus olhos propensos a vaguear, esses olhos que se movem quase automaticamente e veem coisas que iludem e induzem ao pecado”. “Faça uma aliança com os seus olhos”, declara esse homem. Concorde em não olhar para coisas que tendem a levá-lo ao pecado. Se isso era importante naqueles dias, é muito mais importante em nossos dias, quando temos jornais, cinemas, outdoors, televisão e assim por diante! Se há uma época em que os homens precisam fazer aliança com seus olhos, esta época é agora. Tenham cuidado com o que leem. Certos jornais, livros e diários, se os lerem, eles lhes serão prejudiciais. Vocês devem evitar tudo que lhes prejudica e diminui sua resistência. Não olhem na direção dessas coisas; não queira nada com elas… Na Palavra de Deus, vocês são instruídos a mortificar “os feitos do corpo” e não satisfazer “a carne no tocante às suas concupiscências”. Agradeça a Deus pelo evangelho poderoso. Agradeça a Deus pelo evangelho que nos diz que agora somos seres responsáveis em Cristo e que nos exorta a agir de um modo que glorifica o Salvador. Portanto, “nada disponhais para a carne no tocante às suas concupiscências”.

Meu próximo assunto é sobremodo importante: enfrentem as primeiras movimentações e impulsos do pecado em vocês; combatam-nos logo que aparecerem. Se não fizerem isso, estão arruinados. Vocês cairão, conforme somos ensinados na epístola de Tiago: “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz. Então, a cobiça, depois de haver concebido, dá à luz o pecado; e o pecado, uma vez consumado, gera a morte”. O primeira moção do pecado é um encantamento, um leve incitação de cobiça e sedução. Esse é o momento em que temos de lidar com o pecado. Se deixarem de enfrentar o pecado nesse estágio, ele os vencerá. Cortem o mal pela raiz. Ataquem-no de imediato. Nunca lhes permitam qualquer avanço. Não o aceitem de maneia alguma. Talvez sintam-se inclinados a dizer: “Bem, não farei tal coisa”; mas, se aceitam a ideia em sua mente e começam a afagá-la e entretê-la em sua imaginação, vocês já estão derrotados. De acordo com o Senhor, vocês já pecaram. Não precisam realmente cometer o ato; nutri-lo no coração já é o suficiente. Permitir isso no coração significa pecar aos olhos de Deus, que conhece tudo a respeito de nós e vê até o que acontece na imaginação e no coração. Portanto, destruam o mal pela raiz, não tenham qualquer relação com ele, parem-no imediatamente, ao primeiro movimento, antes que comece a acontecer esse processo ímpio descrito por Tiago.

No entanto, lembrem-se de que isto — que será nosso próximo assunto — não significa repressão. Se vocês apenas reprimirem uma tentação ou esse primeiro movimento do pecado, ele provavelmente surgirá novamente com mais vigor. Nesse sentido, concordo com a psicologia moderna. A repressão é sempre má. “Então, o que devo fazer?”, alguém pergunta. Eu respondo: quando sentir aquele primeiro movimento do pecado, erga-se e diga: “Isto é mau; isto é vileza; é aquilo que expulsou do Paraíso os nossos primeiros pais”. Rejeite-o, enfrente-o, denuncie-o, odeie-o pelo que é. Assim, terá lidado realmente com o pecado. Você não deve apenas fazê-lo recuar, com um espírito de temor e de maneira tímida. Traga-o à luz, exponha-o, analise-o e, denuncie-o pelo que ele é, até que o odeie.

Meu último assunto neste tema é que, se você cair no pecado (e quem não cai?), não restaurem a si mesmos de modo superficial e apressado. Leiam 2 Coríntios 7 e considerem o que Paulo disse sobre a “a tristeza segundo Deus” que produz arrependimento. Outra vez, tragam à luz aquilo que fizeram, contemplem-no, analisem-no, exponham-no, denunciem-no, odeiem-no e denunciem a si mesmos. Mas não façam isso de um modo que os atire nas profundezas da depressão e desânimo! Sempre tendemos a ir aos extremos; ou somos muito superficiais ou muito profundos. Não devemos curar superficialmente a ferida (cf. Jr 6.14), mas tampouco devemos lançar-nos no desespero e melancolia, dizendo que tudo está perdido, que não podemos ser crentes, e retornar ao estado de condenação. Isso é igualmente errado. Temos de evitar ambos os extremos. Façam uma avaliação honesta de si mesmos e do que fizeram, condenando totalmente a si mesmos e seu ato; porém compreendam que, confessando-o a Deus, sem qualquer desculpa, “ele é fiel e justo para nos perdoar os pecados e nos purificar de toda injustiça” (1 Jo 1.9). Se vocês fizerem essa obra de maneira superficial, cairão novamente no pecado. E, se vocês se lançarem em um abismo de depressão, hão de sentir-se tão desesperados que cairão em mais e mais pecado. Uma atmosfera de melancolia e fracasso leva a mais fracasso. Não caiam em nenhum desses erros, mas respondam à obra da maneira como o Espírito sempre nos instrui a fazê-la.

 

Extraído de Romans: Na Exposition of Chapter 8:15-17, The Sons of God, p. 132-144, publicado pela Banner of Truth Trust.

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Tradução: Pr. Wellington Ferreira

© Editora FIEL 2009.

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Encorajamento Martin Lloyd-Jones Vida cristã

Não dissipe energia (M. Lloyd-Jones)

Isso é particularmente verdadeiro na esfera espiritual. Há muitos que, com muitas boas intenções, e achando que têm que estar fazendo algo para justificar o seu cristianismo, muitas vezes entram nesse estado porque temem as críticas dos adeptos do tal ensino atualmente popular. Muitos cristãos, por seu medo dos verbosos clichês que estão sendo tão usados, acham que devem estar sempre fazendo alguma coisa.
Este é um problema deveras real. Alguns profissionais, cristãos, saem quase todas as noites da semana para reuniões. Isso é errado até do ponto de vista da vida familiar; mas não é o que me preocupa neste momento. Estou preocupado com o perigo que eles próprios estão correndo. Eles se vêem exauridos, enfim, sem mais nada que possam dar; ficam apenas fazendo algo mecanicamente, algo de bem pouco valor. Digo que a culpa deles é a “dissipação de energia”, o “desperdício de energia”-atividade destituída de inteligência.
Todo homem tem que sentar-se e planejar sua vida; tem que decidir o que ele pode e o que não pode fazer. Deve ser resoluto, e não se deixar governar pelo “que o povo diz”. É ele que está na melhor posição para saber o quanto ele pode fazer, quando fazê-lo e onde fazê-lo. Nunca permitam que outros lhes ditem o que fazer. Não permitam que “o que há para fazer”, em toda e qualquer esfera, determine o que vocês irão fazer. Devemos encarregar-nos de nós próprios, ou, doutro modo, ficaremos cansados, aborrecidos e exaustos simplesmente por dissiparmos, por jogarmos fora, a nossa energia.
Há outras maneiras pelas quais o mesmo erro vem à superfície. Acaso não constitui um perigo o fato de que alguns de nós desperdiçam bastante energia simplesmente falando demais? Falamos tanto que nunca paramos para pensar ou meditar. A maioria de nós fala demais, e assim desperdiça muita energia. Uma conversa muito longa pode levar à exaustão. O falatório pode levar muitos a terem problemas espirituais. Temos que aprender a seguir a exortação das Escrituras: “Todo homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar” (Tiago 1:19). Certifiquemo-nos de que não vamos passar a vida toda falando, sem realmente nunca pensar na verdade e sem entendê-la, com isso deixando de crescer na graça e no conhecimento. Temos que disciplinar-nos a nós mesmos nesta questão.
Também se pode dissipar energia meramente argumentando, disputando e brigando. Muitas advertências nos são feitas nas Escrituras concernentes a isso. Vejam 1 Timóteo 1:4: “Nem se dêem a fábulas ou a genealogias intermináveis, que mais produzem questões do que edificação de Deus, que consiste na fé”. E no versículo 6:”… desviando-se alguns, se entregaram a vãs contendas”, isto é, passavam a vida discutindo e brigando. Vamos ainda à Segunda Epístola a Timóteo, capítulo 2, onde há bom número de referências a essas questões. Vejam o versículo 14: “Traze estas coisas à memória, ordenando-lhes diante do Senhor que não tenham contendas de palavras, que para nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes”. Eles davam a impressão de que eram muito inteligentes; argumentavam, debatiam. Mas não havia proveito em sua conversa. Por mais que você se incline a argumentar sobre a verdade, se não estiver crescendo espiritualmente como resultado disso, diminua isso; talvez, por algum tempo, seria melhor você cortar isso totalmente e começar a examinar a sua alma. “Nada aproveitam e são para perversão dos ouvintes.” Também no versículo 16: “Evita os falatórios profanos, porque produzirão maior impiedade”. Observe bem o resultado desse tipo de coisa. Versículo 23: “Rejeita as questões loucas, e sem instrução, sabendo que produzem contendas”. Ainda em Tito 3:9: “Mas não entres em questões loucas, genealogias e contendas, e nos debates acerca da lei; porque são coisas inúteis e vãs”. A prova de tudo sempre deve ser se é proveitoso – proveitoso para as nossas almas, proveitoso para as almas doutras pessoas. Há muita dissipação de energia, puro desperdício de energia, em disputas e contendas que não têm utilidade. Se você não estiver crescendo em conseqüência da sua atividade nesse aspecto, será melhor começar a examinar-se de novo. Se você tem tanto conhecimento, deveria estar mostrando isso em sua vida. “Todavia, o fundamento de Deus fica firme, tendo este selo: O Senhor conhece os que são seus.” Sim, “E qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2 Timóteo 2:19). Conhecimento, batalhar pela fé e crescimento na graça, sempre devem andar juntos.
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Encorajamento Irmãos Martin Lloyd-Jones

A parábola do filho pródigo (Martin Lloyd-Jones)

“E disse: Um certo homem tinha dois filhos. E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se. E o seu filho mais velho estava no campo; e, quando veio e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou e não queria entrar. E, saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado” (Lucas 15:11-32).

Não há parábola ou discurso de nosso Senhor que seja tão conhecido e tão popular como a parábola do filho pródigo. Nenhuma outra parábola é citada com mais freqüência em discussões religiosas, ou mais usada para apoiar várias teorias ou controvérsias em relação a este assunto. E é verdadeiramente espantoso e admirável quando observamos as inumeráveis formas em que ela é usada, e a infinita variedade de conclusões a que afirmam que ela leva. Todas as escolas de pensamentos parecem ter uma reivindicação sobre a mesma: ela é usada para provar toda espécie de teorias e idéias opostas, que combatem umas às outras e que se excluem mutuamente. É bastante claro, portanto, que a parábola pode facilmente ser manipulada ou mal interpretada. Como podemos evitar esse perigo? Quais os princípios que devem nos orientar quando a interpretamos? Pessoalmente creio que há dois principais fundamentais que devem ser observados, e que se observados, garantirão uma interpretação correta.

O primeiro principio é que sempre devemos nos precaver do perigo de interpretar qualquer passagem das Escrituras de uma forma que entre em conflito com o ensino geral da Bíblia. O Novo Testamento deve ser examinado como um todo. É uma revelação completa e integral, dada por Deus através dos Seus servos – uma revelação que foi dada em partes que, unidas, formam uma unidade completa. Portanto, não há contradições entre essas várias partes, não há conflito nem passagens ou declarações irreconciliáveis. Isso não significa que podemos entender cada uma de suas declarações. O que estou dizendo é que não há contradição nas Escrituras e sugerir que os ensinos de Jesus Cristo e de Paulo, ou os ensinos de Paulo e dos demais apóstolos não concordam entre si é contrário a todas as reivindicações do Novo testamento em si, e as reivindicações da Igreja através dos séculos, até o levantamento da chamada escola da alta crítica, há cerca de cem anos atrás. Não preciso abordar a questão aqui. Basta dizer que são apenas os críticos mais superficiais, os que agora estão ultrapassando em muitos anos, que ainda tentam defender uma antítese entre o que chamam de “a religião de Jesus” e a “fé do apóstolo Paulo”. Escrituras devem ser comparadas com Escrituras. Cada teoria que desenvolvemos deve ser testada pelo conjunto geral de doutrinas e dogmas da Bíblia toda, e que foi definido pela Igreja. Se esta regra fosse lembrada e observada, a maioria das heresias jamais teria surgido.

O segundo principio é um pouco mais específico: sempre devemos evitar o perigo de chegar a conclusão negativas a respeito dos ensinos de uma parábola. Isso não se aplica somente a esta parábola em particular, mas a toda as parábolas. Uma parábola nunca tem o propósito de ser um esboço completo da verdade. Seu objetivo é comunicar uma grande lição, ou apresentar um grande aspecto de uma verdade positiva. Sendo esse o seu objetivo e propósito, nada é mais tolo do que chegar a conclusões negativas a respeito de uma parábola. A omissão de certas coisas numa parábola não tem qualquer significado particular. Uma parábola é importante e significativa por causa daquilo que ela diz, e não devido às coisas que não diz. O seu valor é exclusivamente positivo, e de forma alguma negativo. Ora, digo a vocês que a desconsideração desta simples regra tem sido responsável pela maioria das estranhas e fantásticas teorias e idéias supostamente desenvolvidas a partir desta parábola do filho pródigo. É impressionante que tal coisa tenha sido possível, pois se aquele que fizeram isso tão-somente tivessem examinado as outras duas parábolas que encontramos neste mesmo capítulo, teriam compreendido imediatamente até que ponto seus métodos foram injustificáveis. Porque então, não tiraram delas também conclusões negativas? E igualmente com todas as outras parábolas?

Mas, à parte disso, como é ridículo e ilógico, basear e estabelecer nosso sistema de doutrina sobre algo que não é dito! É por demais desonesto! Desonesto, porque ignora toda a autoridade, deixando-nos sem quaisquer padrões exceto nossos próprios preconceitos, desejos e imaginações. E isso, repito, é o que tem sido feito com esta parábola com tanta freqüência. Quero ilustrar isso, lembrando-lhes de algumas das falsas conclusões tiradas desta parábola. Não seria esta parábola a qual se referem constantemente quando tentam provar que idéias de justiça, juízo e ira são completamente estranhas à natureza de Deus e aos ensinos de Jesus a respeito dEle? “Não vemos nada aqui”, dizem, “acerca da ira do pai, nem qualquer exigência de certos atos por parte do filho — somente amor, puro amor, nada senão amor”. Este é um exemplo típico de uma conclusão negativa tirada desta parábola. Só porque ela não apresenta um ensino declarado sobre a justiça e ira de Deus, presumem que tais características não fazem parte da natureza de Deus. O fato de Jesus Cristo enfatizar essas características em outros textos é completamente ignorado. Outro exemplo é o ensino de que esta parábola elimina a absoluta necessidade de arrependimento. Ouvi falar de um pregador que tentou provar que o pródigo era um farsante, mesmo quando voltou para casa, que ele decidiu dizer algo que soasse bem, ainda que realmente não viesse do seu coração, apenas para impressionar o pai, e que a repetição exata de suas palavras provava isso. O ponto crucial era que, apesar de tudo isso, apesar da repetição hipócrita das palavras, ainda assim o pai o perdoou. O argumento final desse pregador era que o pai não disse uma palavra concernente ao arrependimento. Portanto, uma vez que ele nada disse a respeito, não é importante; uma vez que o arrependimento não é ensinado nem enfatizado pelo pai, isso significa que arrependimento diante de Deus não importa!

Mas talvez a mais séria de todas as conclusões falsas é aquela que declara que não há necessidade de um mediador entre Deus e o homem e que a idéia de expiação é estranha ao evangelho — a qual deve ser atribuída à mente legalista de Paulo. “A parábola não faz qualquer menção”, dizem, “de alguém entre o pai e o filho. Nenhuma referência é feita sobre outra pessoa pagando um resgate, ou fazendo uma expiação; vemos apenas uma interação direta entre o pai e o filho, resultante apenas da volta do filho daquela terra distante”. Desde que tais coisas não são mencionadas ou enfatizadas de forma específica na parábola, essas pessoas concordam que elas não são realmente importantes ou imprescindíveis. Como se o objetivo de nosso Senhor nesta parábola fosse apresentar um esboço completo de toda a verdade cristã, e não apenas ensinar um aspecto dessa verdade. Certamente deve ser óbvio para você que, se um processo semelhante fosse aplicado a todas as parábolas, teríamos um completo caos, e enfrentaríamos uma multidão de contradição!

O propósito de uma parábola, então, é nos apresentar e ensinar uma grande verdade positiva. E se há um caso em que isso deve ser claro e evidente, é no caso desta parábola. Não é por acaso que ela é parte de uma série de três parábolas. Nosso Senhor parece ter feito um esforço especial para nos proteger do perigo ao qual estou referindo. Contudo, mesmo à parte disso, a chave de tudo nos é oferecida nos dois primeiros versículos do capítulo, que nos fornecem o contexto essencial. “E chegavam-se a ele os publicamos para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: este recebe pecadores, e come com eles”. Então se seguem estas três parábolas, obviamente com o objetivo de tratar dessa situação específica, e responder às objeções dos escribas e fariseus. E, como se desejasse acrescentar uma ênfase especial, nosso Senhor apresenta uma certa moral ou conclusão ao término de cada parábola. O elemento principal, certamente, é que há esperança para todos que o amor de Deus alcança, até mesmo publicanos e pecadores. A gloriosa verdade que brilha nesta parábola, e que o Senhor quer gravar em nós, é o maravilhoso amor de Deus, seu escopo e sua extensão; e isso é feito especialmente em contraste com as idéias dos fariseus e dos escribas sobre o assunto.

As primeiras duas parábolas têm o propósito de nos mostrar o amor de Deus expresso numa busca ativa do pecador, esforçando-se por encontrá-lo resgatá-lo; e elas nos mostram a alegria de Deus e de todas as hostes celestiais quando uma única alma é salva. E então chegamos a esta parábola do filho pródigo. Por que ela foi acrescentada? Por que essa elaboração suplementar? Por que um homem, em vez de uma ovelha ou moeda perdida? Certamente pode haver uma resposta. As primeiras duas parábolas enfatizam unicamente a atividade de Deus sem nos dizer coisa alguma a respeito das ações, reações ou condições do pecador; porém esta parábola é apresentada para realçar esse aspecto e esse lado da questão, para que ninguém seja tolo ao ponto de pensar que todos seremos salvos automaticamente pelo amor de Deus, assim como a ovelha e a moeda foram encontradas. O ponto fundamental ainda é o mesmo, mas sua aplicação aqui se torna mais direta e mais pessoal. Qual, então é o ensino desta parábola, qual é a sua mensagem para nós hoje? Vamos examiná-la à luz dos seguintes parâmetros.

A primeira verdade que ela proclama é a possibilidade de um novo começo, a possibilidade de um novo início, uma nova oportunidade, uma nova chance. O próprio contexto e cenário da parábola, como já mencionei, demonstra isso com perfeição. Foi porque eles sentiram e viram isso em Seus ensinos que os publicanos e pecadores “chegavam-se a ele para ouvir” — pois sentiam que havia uma oportunidade até mesmo para eles e que nos ensinos desse homem havia uma nova e viva esperança. E até mesmo os fariseus e os escribas viram exatamente a mesma coisa. O que irritava era que o Senhor tivesse qualquer tipo de associação com os publicanos e pecadores. Eles sempre tinham considerado tais pessoas como irrecuperáveis, sem qualquer esperança de redenção. Essa era a opinião ortodoxa de tais pessoas. Eram consideradas tão irremediáveis que eram totalmente ignoradas. A religião era para pessoas boas e nada tinha a ver com os que eram maus, e certamente nada tinha a lhes dar, nem aconselhava que boas pessoas se misturassem com os maus, tratando-os com bondade e oferecendo-lhes novas possibilidades. Então os ensinos de Senhor irritavam os fariseus e os escribas. Para eles qualquer um que visse possibilidade ou esperanças para um publicano ou pecador devia ser um blasfemo, e estava totalmente errado. Exatamente o mesmo ponto surge na parábola, nas diferentes atitudes do pai e do irmão mais velho para com o pródigo — não como ele devia ser recebido de volta, mas se ele devia ser recebido de volta, ou se merecia alguma coisa.

Isso, então é o que se salienta imediatamente. Existe a possibilidade de um novo começo, e isso para todos, mesmo para aqueles que parecem estar além de toda esperança. Não podia haver caso pior do que o do filho pródigo. Todavia até mesmo ele pode começar de novo. Ele chegara ao fim de si mesmo, tinha tocado os limites máximos da degradação, caindo tanto que não podia descer mais! Não há quadro mais desesperador do que o desse jovem, num país distante, em meio aos porcos, sem dinheiro e sem amigos, desesperançado e miserável, abandonado e desalentado. Mas até mesmo ele tem a oportunidade de um novo início; até mesmo ele pode começar outra vez. Há um ponto decisivo que pode resultar em êxito e felicidade, até mesmo para ele. Que evangelho abençoado, especialmente num mundo como o nosso! Que diferença a vida de Jesus Cristo operou! Ele trouxe nova esperança para a humanidade. Nada demonstra e prova mais o fato de que o evangelho de Jesus Cristo realmente é a única filosofia de vida otimista oferecida ao homem, do que publicanos e pecadores se chegarem a Ele para ouvi-lO. E a mensagem que ouviram, como nesta parábola do filho pródigo, era algo inteiramente novo.

Mas quero que observem que isso não só era novo para os judeus e os seus líderes, mas também para o mundo todo. A esperança estendida pelo evangelho aos mais vis e desesperados não só contrariava o miserável sistema dos judeus, mas também a filosofia dos gregos. Aqueles grandes homens tinham desenvolvido suas teorias e filosofias; todavia nenhum deles tinha algo a oferecer aos derrotados e liquidados. Todos exigiam um certo nível de inteligência, integridade moral e pureza. Todos requeriam muito da natureza humana à qual se dirigiam. Também não eram realistas. Escreviam e falavam de forma altamente intelectual e fascinante a respeito de suas utopias e suas sociedades ideais, mas deixavam a humanidade exatamente na mesma situação. Eram totalmente alienados à vida diária do homem comum. As únicas pessoas que podiam tentar colocar em prática seus métodos idealistas e humanísticos para resolver os problemas da vida eram os ricos e os desocupados, e mesmo estes invariavelmente descobriam que esses métodos não funcionavam. Não havia, como nunca houvera antes, qualquer esperança para os desesperados do mundo antes da vinda de Jesus Cristo. Ele foi o único que proclamou a possibilidade de um novo começo.

Ora, esse ensino não era novo apenas naquela época, durante os Seus dias aqui na terra; ainda é novo hoje em dia. Ainda é surpreendente e assombroso, e ainda espanta o mundo moderno tanto quanto espantou o mundo antigo há quase dois mil anos atrás. O mundo continua sem esperança e a filosofia que o controla ainda é profundamente pessimista. E isso talvez possa ser percebido com maior clareza quando ele tenta ser otimista, pois vemos que quando tenta nos confortar, ele sempre aponta para o futuro com suas possibilidades desconhecidas, e nos diz que no novo ano as coisas certamente serão melhores ou que de qualquer forma não podem piorar! E argumenta que a depressão já durou tanto que certamente uma mudança da maré deve ser iminente! Alegra-se que um ano terminou e outro vai começar. Qual é o segredo de um novo ano? Seu grande segredo está no fato de que nada sabemos a seu respeito! Tudo que sabemos é ruim; daí tentarmos nos consolar contemplando o que nos é desconhecido, imaginando que vai ser muito melhor. Ouçam também as suas idéias e seus planos para melhorar a humanidade. Tudo o que pode dizer é que está tentando tornar o mundo melhor para seus filhos, tentando edificar algo para o futuro e para a posteridade. Sempre no futuro! Nada tem a oferecer no presente; sua única esperança é tornar as coisas melhores para aqueles que ainda não nasceram. E quanto mais proclama isso e tenta colocá-lo em pratica, mais hesitante se torna. Como prova, basta compararmos a linguagem de 1875 com a de 1935 ou mesmo a de 1905 com a de 1935.

Pois bem, se essa é a situação em relação à sociedade em geral, quanto mais desesperada e irremediável ela é quando considerada num sentido mais individual e pessoal! Que solução o mundo tem a oferecer para os problemas que nos afligem? A resposta a essa pergunta pode ser vista nos esforços frenéticos de homens e mulheres para tentarem resolver seus problemas. E, no entanto, nada é mais evidente do que o fato que seus esforços são inúteis e sempre fracassam. Ano após ano homens e mulheres fazem novas revoluções. Compreendem que, acima de tudo, o que precisam é de um novo começo. Decidem voltar as costas ao passado e virar uma nova página — ou, às vezes, começam um novo livro! Esse é o seu desejo, essa é sua firme decisão e intenção. Querem desvincular-se do passado, e por algum tempo fazem o possível para isso, mas nunca permanecem no intento. Ao poucos, inevitavelmente, voltam à sua velha posição e sua antiga situação. E depois de algumas experiências assim, acabam desistindo de tentar outra vez, e concluem que é tudo inútil. Lutam e se esforçam por algum tempo, mas finalmente a fadiga e o cansaço os vencem, a pressão e a força do mundo e suas filosofias parecem estar totalmente do outro lado, e eles entregam os pontos. A posição parece ser inteiramente sem esperança. Eu me pergunto: quantos, até mesmo aqui neste culto hoje, sentem que estão nessa situação, de uma forma ou outra? Meu amigo, você sente que perdeu o mundo, que se desviou? Sente-se constantemente assediado pelo que “podia ter sido”? Sente que está em tal situação, ou em tal posição, que não tem nenhuma esperança de sair dela e endireitar-se novamente? Sente que esta tão longe daquilo que devia ser e do que gostaria de ser, que não pode mais alcançá-lo? Você sente que não tem mais esperança por causa de alguma situação que está enfrentando, ou devido alguma complicação em que se envolveu, um pecado que o domina, o qual não consegue vencer? Você já disse a si mesmo: “Que adianta tentar outra vez? Já tentei tantas vezes antes, e sempre fracassei; tentar outra vez só pode produzir o mesmo resultado. Minha vida é uma confusão; perdi minha oportunidade e daí para frente devo me contentar em fazer o melhor que posso na situação em que estou”. São estes os seus sentimentos e pensamentos? Já está convencido que perdeu sua oportunidade na vida, que o que passou passou, e que se você tivesse outra oportunidade tudo seria diferente, todavia isso é impossível? É essa a sua posição? Coitado! Quantos estão em tal situação? Como é infeliz e sem esperança a vida da maioria dos homens e das mulheres! Como é triste! Ora, a primeira palavra do evangelho para os que estão nessa situação é que eles devem erguer suas cabeças, que nem tudo está perdido, que ainda há esperança, ainda há esperança de um novo começo, aqui e agora, neste momento, sem qualquer relação com algo imaginário e pertencente a um futuro desconhecido; mas algo que se baseia num fato que se passou há quase dois mil anos atrás, o qual ainda é tão poderoso hoje como era então. Até mesmo o pródigo tem esperança. Há um ponto de retorno no caminho mais tenebroso e irremediável. Há um novo começo oferecido até mesmo aos publicanos e pecadores.

Contudo, quero enfatizar em detalhes o que já mencionei de passagem: esta mensagem do evangelho não é algo geral e vago como a mensagem do mundo, mas é algo que contém condições muito definidas. E é aqui que vemos com maior clareza porque nosso Senhor proferiu essa parábola em acréscimo às outras duas. Para que possamos tirar proveito desse novo começo oferecido pelo evangelho, precisamos observar os seguintes pontos. Ouçam amigos, permitam que eu enfatize a importância de fazermos isso! Se vocês simplesmente ficarem sentados, ouvindo e permitindo que o quadro brilhante do evangelho os emocione, voltarão para casa exatamente como chegaram aqui. Todavia, se observarem cada ponto com cuidado, e o colocarem em prática, voltarão para casa como pessoas totalmente diferentes. Se estão ansiosos por tirarem proveito da nova esperança e do novo começo oferecido pelo evangelho, então devem seguir suas instruções e seus métodos. Pois bem, quais são eles?

O primeiro é que devemos enfrentar nossa situação com franqueza e honestidade. É uma coisa estar numa posição má e difícil, outra coisa completamente diferente é enfrentá-la com sinceridade. Este filho pródigo estava numa situação péssima por muito tempo antes de chegar ao ponto de realmente compreender isso. Uma pessoa não cai subitamente na situação descrita aqui. Aquilo aconteceu aos poucos, quase sem que ele percebesse. E mesmo depois que aconteceu, ele levou algum tempo para percebê-lo. O processo é tão sutil e tão insidioso que a pessoa mal percebe. Ela contempla seu rosto no espelho todas as manhãs e não nota as mudanças que estão acontecendo. Somente alguém que não a vê com freqüência pode notar os efeitos com mais clareza. E muitas vezes, quando começamos a sentir terrível realidade da nossa situação, deliberadamente evitamos pensar a respeito. Colocamos tais pensamentos de lado e nos ocupamos com outras coisas comentando: “Que adianta pensar a respeito disso? Essa é a situação, acabou!” Ora, o primeiro passo no caminho da volta, é enfrentar a situação com honestidade e franqueza. Lemos que esse jovem “caiu em si”. Foi exatamente o que ele fez! Ele enfrentou a situação, e o fez com sinceridade. Compreendeu que seus problemas eram resultado exclusivo de sua próprias ações, que ele fora um tolo, que não devia ter abandonado a casa de seu pai, e certamente não devia tê-lo tratado da maneira que fizera. Ele olhou para si mesmo e mal conseguiu acreditar no que viu! Olhou para os porcos e as bolotas à sua volta. Encarou a situação de frente!

Meu amigo, você já fez isso? Já olhou para si mesmo? Já pensou se todas as suas ações durante o ano que passou fossem colocadas no papel? E se tivesse mantido um registro de todos os seus pensamentos e desejos, suas ambições e imaginações? Você permitiria que isso fosse publicado sob seu nome? O que você é hoje em comparação com o que foi no passado? Olhe para suas mãos — estão limpas? E os seus lábios — são puros? Olhe para seus pés — onde eles pisaram, que caminho percorreram? Olhe para si mesmo! É realmente você? E então olhe à sua volta, para a sua posição e os seu ambiente. Não fuja! Seja honesto! Do que você está se alimentando? Comida ou bolotas lançadas aos porcos? Em que você tem gastado seu dinheiro? Para que fins você usou dinheiro que talvez devesse ser usado para alimentar sua esposa e filhos, ou vesti-los? Do que você tem se alimentado? Olhe! É alimento próprio para ser humano? Avalie o que você gosta. Enfrente-o com calma. É algo digno de uma criatura criada por Deus, com inteligência e sabedoria? É coisa que pelo menos honra o ser humano — quanto mais a Deus? É alimento de porcos, ou é próprio para ser consumido por um seu humano? Não basta que você apenas lamente a sua sorte ou se sinta miserável. Como acabou em tal estado ou situação? Olhe para os porcos e as bolotas, e compreenda que é tudo devido você ter abandonado a casa do seu pai, agindo deliberadamente contra os ditames da sua própria consciência, deliberadamente zombando da religião e de todos os seus mandamentos e princípios; tudo é resultado exclusivo de suas próprias decisões. A situação em que se encontra hoje é conseqüência de suas próprias escolhas, e de sua próprias ações. Enfrente isso e admita-o. Esse é o primeiro passo essencial no caminho da volta.

O passo seguinte é compreender que há somente Um a que você pode recorrer, e somente uma coisa a fazer. Não preciso elaborar esse ponto em detalhes, no que se refere ao filho pródigo, pois é bastante claro. “Ninguém lhe dava nada”. Tentara de tudo, esgotara todos os seus recursos e seus esforços, bem como os esforços de outras pessoas. Tudo acabara para ele e ninguém podia ajudá-lo — exceto um. O pai! A última, a única esperança. O evangelho sempre insiste que cheguemos a esse ponto. Enquanto lhe resta um centavo que seja, o evangelho não o ajudara. Enquanto tiver amigos, ou entidades às quais pode recorrer em busca de ajuda, crendo que lhe darão assistência, o evangelho nada tem a lhe dar. Naturalmente, enquanto o homem achar que pode se manter recorrendo a qualquer um desses outros métodos, ele continuará tentando fazer isso. E em nossa estimativa, o mundo ainda está longe da falência. Ele ainda crê em seus métodos e em suas próprias idéias. E de que forma patética nos agarramos a ele! Confiamos em nossa força de vontade e em nosso próprio esforço. Recorremos aos “anos novos” do nosso calendário com se ele pudessem fazer qualquer diferença em nossa situação! Buscamos a ajuda de amigos e companheiros, de parentes e queridos. Ah, vocês estão familiarizados com o processo, não só em seus esforços de acertar a sua própria vida, mas também nos esforços de endireitar a vida de outros a respeito de quem estão preocupados ou ansiosos. E assim continuamos até termos esgotados os recursos. Como o pródigo, continuamos até nos tornarmos frenéticos, e até ao ponto em que “ninguém nos dá nada” Somente então é que nos voltamos para Deus. Oh que insensatez! Permitam que eu estoure essa falácia aqui, e agora. Enfrentem-na com franqueza. Compreendam que todos os seus reforços vão falhar, como sempre falharam até aqui. Entendam que a melhora será meramente transitória e temporária. Parem de se enganar a si mesmos. Compreendam como é desesperada a sua situação. E compreendam que existe somente um poder que pode colocar suas vidas no caminho certo — o Poder do Deus Todo-poderoso. Você podem continuar confiando em si mesmos e nos outros, e se esforçando ao máximo. Mas daqui a um ano a sua situação não só será a mesma, e sim muito pior. Somente Deus pode salvá-los.

No entanto, ao se voltarem para Deus, vocês precisam compreender também que nada podem pleitear diante dEle, exceto a Sua misericórdia e compaixão. Quando o pródigo abandonou o lar, sua exigência foi: “Dá-me!” “Ele exigiu seus direitos. Estava cheio de auto-confiança e até mesmo presunção, sentindo que não estava recebendo tudo a que tinha direito. “Dá-me”! Mas quando voltou para casa, o seu vocabulário mudou e o que ele diz agora é : “Faz-me”. Anteriormente ele sentira que era “alguém” e que estava na posição de exigir direitos inerentes e dignos de uma pessoa como ele. Agora ele sente-se reduzido a nada e ninguém, e compreende que sua maior necessidade é que algo seja feito de sua vida. “Faz-me!”. Amigo, se você acha que tem qualquer direito de exigir perdão de Deus, posso lhe assegurar que está perdido e condenado. Se sente que Deus tem o dever e a obrigação de perdoá-lo, você certamente não será perdoado. Se sente que Deus é severo e que está contra você, então é culpado do maior de todos os pecados. Se ainda sente que é “alguém” e que tem direito de dizer “dá-me”, você nada receberá além de miséria e contónua desolação. Todavia, se compreender que pecou contra Deus e O indignou, se sente que não passa de um verme, ou menos que isso, indigno até de ser considerado um ser homem — quanto mais indigno de Deus! — se sente que nada é, em vista da forma como se afastou dEle e Lhe voltou as costas, ingnorando-O e zombando dEle, se se lançar diante dEle e da sua misericórdia implorando-Lhe que na sua infinita bondade e amor, Ele faça algo da sua vida, então tudo será diferente. Nunca foi a vontade de Deus que você acabasse na situação em que esta. Foi contra a vontade dEle que você se afastou. A decisão foi toda sua. Diga-lhe isso, e confesse também que o que mais o preocupa e aflige não é apenas a miséria que trouxe à sua própria vida, porém o fato de ter desobedecido a Ele, insultando-O e ofendendo-O.

Então, tendo compreendido tudo isso, ponha-o em prática! Abandone a terra distante. Sua presença neste culto significa que você se levantou dentre os porcos e as bolotas. Mas afasta-te dessa terra longínqua. Faça-o! Volte-se para Deus, busque a reconciliação com Ele! Tome uma decisão. Entregue-se a Ele! Ouse confiar nEle! Como teria sido ridículo se o filho pródigo tivesse limitado a pensar aquilo tudo, sem colocá-lo em prática! Teria continuado na terra longínqua. Mas ele agiu. Pôs em pratica a sua decisão. Cumpriu sua resolução. Voltou para o pai e entregou-se à sua misericórdia e compaixão, e você precisa fazer o mesmo, da forma como já indiquei.

E se fizer isso, descobrirá que no seu caso, como no caso do filho pródigo, haverá um novo começo para a sua vida, um novo princípio firme e sólido. O impossível acontecerá, e você ficará assombrado e maravilhado com o que descobrirá. Não vou me deter na alegria e no gozo e na emoção disso tudo hoje, para que possa enfatizar a realidade desse novo começo que o evangelho nos dá. Não é algo etéreo ou trivial. Não é uma simples questão de sentimentos ou emoções. Não é uma anestesia ou um sedativo que amortece nossos sentidos, levando-nos a sonhar com um mundo brilhante e feliz. É real, é verdadeiro. Em Jesus Cristo, um novo começo, real e genuíno, é possível. E é possível somente através dele! A grandeza do amor do pai nesta parábola não é expressada tanto em sua atitude como no que ele fez. Amor não é um mero sentimento vago, ou uma disposição geral. O amor é algo ativo! É a atividade mais dinâmica do mundo, e transforma tudo. É por isso que também aqui somente o amor de Deus pode realmente nos dar um novo começo, uma nova oportunidade. O amor de Deus não se limita a falar sobre um novo começo: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu…”. O pai fez certas coisas pelo seu filho pródigo; e somente Deus pode fazer por nós e para nós aquilo que nos levantará outra vez. Observemos como Ele o faz. Oh, a maravilha do amor de Deus, que realmente faz novas todas as coisas, o único que realmente pode fazer isso!

Observem como o pai oblitera o passado. Ele vai ao encontro do filho como se nada tivesse acontecido, ele o abraça e beija como se sempre tivesse sido zeloso e exemplar em toda sua conduta! E com que rapidez ordena aos servos que removam os farrapos e andrajos da terra longínqua, e com eles todos os traços e vestígios do seu passado pecaminoso. Com todas essas ações ele apaga o passado de uma forma que mais ninguém poderia fazer. Somente ele podia perdoar de fato, somente ele podia apagar o que o filho fizera contra ele e contra a família; e ele o fez. Removeu todos os traços do passado. E essa sempre é a primeira coisa que acontece quando um pecador se volta para Deus da forma como estamos descrevendo. Voltamo-nos para Ele esperando tão pouco quanto o pródigo, cuja expectativa era que fosse feito um servo. Quão infinitamente Deus transcende todas as nossas maiores expectativas quando Ele começa a tratar conosco! Tudo que pedimos é alguma forma de começara outra vez. Deus nos maravilha e surpreende com Sua primeira ação — obliterando todo o nosso passado! E isso, enfim, é o que almejamos acima de tudo. Como podemos ser felizes e livres em vista do nosso passado? Mesmo que não cometamos mais certas ações ou um certo pecado, o passado está presente e sempre temos diante de nós o que fizemos. Esse é o problema. Quem pode nos libertar do nosso passado? Quem pode apagar do livro da nossa vida aquilo que já fizemos? Há somente Um! E Ele pode fazê-lo! O mundo tenta me persuadir que não importa, que posso voltar as costas ao passado e esquecê-lo. Mas eu não posso esquecer — ele sempre me volta à lembrança. E me lança em miséria e desespero. Posso tentar de tudo, porém meu passado permanece um fato sólido, terrível, medonho. Há alguma forma de me livrar dele? Algum modo de apagá-lo? Há somente um que pode removê-lo dos meus ombros. Eu só posso ter certeza que meus farrapos e andrajos se foram quando os vejo na Pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que os tomou sobre Si e Se fez maldição em meu lugar. O Pai mandou que Ele tirasse de sobre mim os meus farrapos, e Ele o fez. Ele levou minha iniqüidade, e Se vestiu e cobriu com meu pecado. Ele o tirou, lançando-o no mar do esquecimento de Deus. E quando eu compreendo e creio que Deus em Cristo não só perdoou meu passado, mas também o esqueceu, quem sou eu para procurar por ele e tentar encontrá-lo? Minha única consolação, quando considero o passado, é lembrar que Deus o apagou. Ninguém mais podia fazer isso. Mas Ele o fez. E este é o primeiro passo essencial para um novo começo. O passado precisa ser apagado; e ele é apagado em Cristo e em Sua morte expiatória.

Todavia, para ter um começo realmente novo, mais uma coisa é necessária. Não basta que todos os traços do meu passado sejam removidos. Preciso de algo no presente. Preciso ser vestido, necessito de algo que me cubra. Preciso de confiança para começar outra vez e para enfrentar a vida, as pessoas e os problemas que fazem parte dela. Embora o pai tenha corrido ao encontro do filho e o beijado, isso por si só não lhe teria dado segurança. Ele saberia que todos veriam os andrajos e a lama. Por essa razão, o pai não se limitou a isso. Ele vestiu o rapaz com roupas dignas de um filho, com todas as provas externas dessa posição. Anunciou a todos que seu filho retornou, e o vestiu de forma que o rapaz não se sentisse envergonhado diante dos outros. Ninguém mais além do pai podia fazer isso. Outros podiam ter ajudado o rapaz, mas somente o pai podia restaurá-lo à sua posição de filho e prover tudo o que estava associado a ela.

Exatamente o mesmo acontece quando nos voltamos para Deus. Ele não só nos perdoa e apaga nosso passado, mas também nos torna filhos. Ele nos dá uma nova vida e novo poder. E Ele lhe dará tal certeza do Seu amor, meu amigo, que você poderá olhar para os outros sem qualquer sentimento de vergonha. Ele o vestirá com o manto da justiça de Cristo, e não só lhe dirá que o vê como filho, mas na verdade fará com que sinta que realmente o é. Quando olhar para si mesmo, você nem sequer se reconhecerá! Olhará para o seu corpo e verá esse manto de valor inestimável, olhará para os seus pés e os verá calçados de sandálias novas, olhará para sua mão e verá o anel, o selo do amor de Deus. E quando fizer isso, sentirá que pode enfrentar o mundo todo de cabeça erguida, sim, e poderá enfrentar o diabo e todos os poderes que o enganaram no passado e que arruinaram a sua vida. Sem essa posição e confiança, um novo começo não passa de um produto da imaginação. P mundo tenta limpar suas velhas vestes, buscando dar-lhes uma aparência respeitável. Somente Deus, em Cristo pode nos vestir com um manto novo, e realmente nos tornar fortes. Que o mundo tente apontar o dedo para nós, querendo trazer à tona o nosso passado! Que tente lançar seus piores estrategemas contra nós! Basta que olhemos para o manto, as sandálias e o anel, e saberemos que tudo está bem.

E se você ainda requer uma prova clara da realidade de tudo isso, ela pode ser encontrada no fato que até mesmo o mundo tem de reconhecer que é verdade. Ouça as palavras do servo, falando com o irmão mais velho. O que ele diz? “Um homem de aparência estranha, em andrajos, apareceu aqui hoje?” Não! “Veio o teu irmão”. Como ele soube que era o irmão? Ah, ele vira as ações do pai e ouvira suas palavras! Ele jamais teria reconhecido o filho, porém o pai o reconheceu, mesmo à distancia. O pai o reconheceu! E Deus reconhece você, e quando você se volta para Ele e permite que Ele o vista, todos ficarão sabendo. Até mesmo o irmão mais velho ficou sabendo. Era a última coisa que ele queria saber, mas os cânticos e os sons de júbilo e alegria não deixavam dúvidas quanto à conclusão inevitável. Ele estava por demais aviltado para dizer “meu irmão”, no entanto, até mesmo ele teve que dizer: “Este teu filho”. Não passou prometer que todos o amarão, que falarão bem a seu respeito se entregar sua vida a Deus em Cristo. Muitos certamente o odiarão, e o perseguirão zombando de você e fazer muitas outras coisas contra você, mas, ao fazerem isso, estarão na verdade testemunhando que eles também perceberam que você é uma nova pessoa, que sua vida foi renovada e recebeu a oportunidade de um novo começo.

O que mais você requer?

Aqui está a oportunidade para um começo realmente novo. É o único meio. O próprio Deus o tornou possível, enviando Seu Filho unigênito a este mundo, para viver, morrer, e ressuscitar. Não importa o que você tenha sido no passado, nem o que é no momento. Basta que se volte para Seus, confessando seu pecado contra Ele, lançando-se sobre Sua misericórdia em Cristo Jesus, reconhecendo que somente Ele pode salvar e guardar você, e descobrirá que:

O passado será esquecido
Gozo dado no presente,
Graça futura prometida —
E uma coroa de glória no céu.

Venha! Amém.

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* Sermão pregado em 06 de janeiro de 1935.
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Martin Lloyd-Jones

A Parábola do Filho Pródigo (Dr. David Martin Lloyd-Jones)

“E disse: Um certo homem tinha dois filhos. E o mais moço deles disse ao pai: Pai, dá-me a parte da fazenda que me pertence. E ele repartiu por eles a fazenda. E, poucos dias depois, o filho mais novo, ajuntando tudo, partiu para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente. E, havendo ele gastado tudo, houve naquela terra uma grande fome, e começou a padecer necessidades. E foi e chegou-se a um dos cidadãos daquela terra, o qual o mandou para os seus campos a apascentar porcos. E desejava encher o seu estômago com as bolotas que os porcos comiam, e ninguém lhe dava nada. E, caindo em si, disse: Quantos trabalhadores de meu pai têm abundância de pão, e eu aqui pereço de fome! Levantar-me-ei, e irei ter com meu pai, e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o céu e perante ti. Já não sou digno de ser chamado teu filho; faze-me como um dos teus trabalhadores. E, levantando-se, foi para seu pai; e, quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão, e, correndo, lançou-se-lhe ao pescoço, e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: Trazei depressa a melhor roupa, e vesti-lho, e ponde-lhe um anel na mão e sandálias nos pés, e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos e alegremo-nos, porque este meu filho estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado. E começaram a alegrar-se. E o seu filho mais velho estava no campo; e, quando veio e chegou perto de casa, ouviu a música e as danças. E, chamando um dos servos, perguntou-lhe que era aquilo. E ele lhe disse: Veio teu irmão; e teu pai matou o bezerro cevado, porque o recebeu são e salvo. Mas ele se indignou e não queria entrar. E, saindo o pai, instava com ele. Mas, respondendo ele, disse ao pai: Eis que te sirvo há tantos anos, sem nunca transgredir o teu mandamento, e nunca me deste um cabrito para alegrar-me com os meus amigos. Vindo, porém, este teu filho, que desperdiçou a tua fazenda com as meretrizes, mataste-lhe o bezerro cevado. E ele lhe disse: Filho, tu sempre estás comigo, e todas as minhas coisas são tuas. Mas era justo alegrarmo-nos e regozijarmo-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; tinha-se perdido e foi achado” (Lucas 15:11-32).

Não há parábola ou discurso de nosso Senhor que seja tão conhecido e tão popular como a parábola do filho pródigo. Nenhuma outra parábola é citada com mais freqüência em discussões religiosas, ou mais usada para apoiar várias teorias ou controvérsias em relação a este assunto. E é verdadeiramente espantoso e admirável quando observamos as inumeráveis formas em que ela é usada, e a infinita variedade de conclusões a que afirmam que ela leva. Todas as escolas de pensamentos parecem ter uma reivindicação sobre a mesma: ela é usada para provar toda espécie de teorias e idéias opostas, que combatem umas às outras e que se excluem mutuamente. É bastante claro, portanto, que a parábola pode facilmente ser manipulada ou mal interpretada. Como podemos evitar esse perigo? Quais os princípios que devem nos orientar quando a interpretamos? Pessoalmente creio que há dois principais fundamentais que devem ser observados, e que se observados, garantirão uma interpretação correta.

O primeiro principio é que sempre devemos nos precaver do perigo de interpretar qualquer passagem das Escrituras de uma forma que entre em conflito com o ensino geral da Bíblia. O Novo Testamento deve ser examinado como um todo. É uma revelação completa e integral, dada por Deus através dos Seus servos – uma revelação que foi dada em partes que, unidas, formam uma unidade completa. Portanto, não há contradições entre essas várias partes, não há conflito nem passagens ou declarações irreconciliáveis. Isso não significa que podemos entender cada uma de suas declarações. O que estou dizendo é que não há contradição nas Escrituras e sugerir que os ensinos de Jesus Cristo e de Paulo, ou os ensinos de Paulo e dos demais apóstolos não concordam entre si é contrário a todas as reivindicações do Novo testamento em si, e as reivindicações da Igreja através dos séculos, até o levantamento da chamada escola da alta crítica, há cerca de cem anos . Não preciso abordar a questão aqui. Basta dizer que são apenas os críticos mais superficiais, os que agora estão ultrapassando em muitos anos, que ainda tentam defender uma antítese entre o que chamam de “a religião de Jesus” e a “fé do apóstolo Paulo”. Escrituras devem ser comparadas com Escrituras. Cada teoria que desenvolvemos deve ser testada pelo conjunto geral de doutrinas e dogmas da Bíblia toda, e que foi definido pela Igreja. Se esta regra fosse lembrada e observada, a maioria das heresias jamais teria surgido.

O segundo principio é um pouco mais específico: sempre devemos evitar o perigo de chegar a conclusões negativas a respeito dos ensinos de uma parábola. Isso não se aplica somente a esta parábola em particular, mas a toda as parábolas. Uma parábola nunca tem o propósito de ser um esboço completo da verdade. Seu objetivo é comunicar uma grande lição, ou apresentar um grande aspecto de uma verdade positiva. Sendo esse o seu objetivo e propósito, nada é mais tolo do que chegar a conclusões negativas a respeito de uma parábola. A omissão de certas coisas numa parábola não tem qualquer significado particular. Uma parábola é importante e significativa por causa daquilo que ela diz, e não devido às coisas que não diz. O seu valor é exclusivamente positivo, e de forma alguma negativo. Ora, digo a vocês que a desconsideração desta simples regra tem sido responsável pela maioria das estranhas e fantásticas teorias e idéias supostamente desenvolvidas a partir desta parábola do filho pródigo. É impressionante que tal coisa tenha sido possível, pois se aquele que fizeram isso tão-somente tivessem examinado as outras duas parábolas que encontramos neste mesmo capítulo, teriam compreendido imediatamente até que ponto seus métodos foram injustificáveis. Porque então, não tiraram delas também conclusões negativas? E igualmente com todas as outras parábolas?

Mas, à parte disso, como é ridículo e ilógico, basear e estabelecer nosso sistema de doutrina sobre algo que não é dito! É por demais desonesto! Desonesto, porque ignora toda a autoridade, deixando-nos sem quaisquer padrões exceto nossos próprios preconceitos, desejos e imaginações. E isso, repito, é o que tem sido feito com esta parábola com tanta freqüência. Quero ilustrar isso, lembrando-lhes de algumas das falsas conclusões tiradas desta parábola. Não seria esta parábola a qual se referem constantemente quando tentam provar que idéias de justiça, juízo e ira são completamente estranhas à natureza de Deus e aos ensinos de Jesus a respeito dEle? “Não vemos nada aqui”, dizem, “acerca da ira do pai, nem qualquer exigência de certos atos por parte do filho — somente amor, puro amor, nada senão amor”. Este é um exemplo típico de uma conclusão negativa tirada desta parábola. Só porque ela não apresenta um ensino declarado sobre a justiça e ira de Deus, presumem que tais características não fazem parte da natureza de Deus. O fato de Jesus Cristo enfatizar essas características em outros textos é completamente ignorado. Outro exemplo é o ensino de que esta parábola elimina a absoluta necessidade de arrependimento. Ouvi falar de um pregador que tentou provar que o pródigo era um farsante, mesmo quando voltou para casa, que ele decidiu dizer algo que soasse bem, ainda que realmente não viesse do seu coração, apenas para impressionar o pai, e que a repetição exata de suas palavras provava isso. O ponto crucial era que, apesar de tudo isso, apesar da repetição hipócrita das palavras, ainda assim o pai o perdoou. O argumento final desse pregador era que o pai não disse uma palavra concernente ao arrependimento. Portanto, uma vez que ele nada disse a respeito, não é importante; uma vez que o arrependimento não é ensinado nem enfatizado pelo pai, isso significa que arrependimento diante de Deus não importa!

Mas talvez a mais séria de todas as conclusões falsas é aquela que declara que não há necessidade de um mediador entre Deus e o homem e que a idéia de expiação é estranha ao evangelho — a qual deve ser atribuída à mente legalista de Paulo. “A parábola não faz qualquer menção”, dizem, “de alguém entre o pai e o filho. Nenhuma referência é feita sobre outra pessoa pagando um resgate, ou fazendo uma expiação; vemos apenas uma interação direta entre o pai e o filho, resultante apenas da volta do filho daquela terra distante”. Desde que tais coisas não são mencionadas ou enfatizadas de forma específica na parábola, essas pessoas concordam que elas não são realmente importantes ou imprescindíveis. Como se o objetivo de nosso Senhor nesta parábola fosse apresentar um esboço completo de toda a verdade cristã, e não apenas ensinar um aspecto dessa verdade. Certamente deve ser óbvio para você que, se um processo semelhante fosse aplicado a todas as parábolas, teríamos um completo caos, e enfrentaríamos uma multidão de contradição!

O propósito de uma parábola, então, é nos apresentar e ensinar uma grande verdade positiva. E se há um caso em que isso deve ser claro e evidente, é no caso desta parábola. Não é por acaso que ela é parte de uma série de três parábolas. Nosso Senhor parece ter feito um esforço especial para nos proteger do perigo ao qual estou referindo. Contudo, mesmo à parte disso, a chave de tudo nos é oferecida nos dois primeiros versículos do capítulo, que nos fornecem o contexto essencial. “E chegavam-se a ele os publicamos para o ouvir. E os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: este recebe pecadores, e come com eles”. Então se seguem estas três parábolas, obviamente com o objetivo de tratar dessa situação específica, e responder às objeções dos escribas e fariseus. E, como se desejasse acrescentar uma ênfase especial, nosso Senhor apresenta uma certa moral ou conclusão ao término de cada parábola. O elemento principal, certamente, é que há esperança para todos que o amor de Deus alcança, até mesmo publicanos e pecadores. A gloriosa verdade que brilha nesta parábola, e que o Senhor quer gravar em nós, é o maravilhoso amor de Deus, seu escopo e sua extensão; e isso é feito especialmente em contraste com as idéias dos fariseus e dos escribas sobre o assunto.

As primeiras duas parábolas têm o propósito de nos mostrar o amor de Deus expresso numa busca ativa do pecador, esforçando-se por encontrá-lo resgatá-lo; e elas nos mostram a alegria de Deus e de todas as hostes celestiais quando uma única alma é salva. E então chegamos a esta parábola do filho pródigo. Por que ela foi acrescentada? Por que essa elaboração suplementar? Por que um homem, em vez de uma ovelha ou moeda perdida? Certamente pode haver uma resposta. As primeiras duas parábolas enfatizam unicamente a atividade de Deus sem nos dizer coisa alguma a respeito das ações, reações ou condições do pecador; porém esta parábola é apresentada para realçar esse aspecto e esse lado da questão, para que ninguém seja tolo ao ponto de pensar que todos seremos salvos automaticamente pelo amor de Deus, assim como a ovelha e a moeda foram encontradas. O ponto fundamental ainda é o mesmo, mas sua aplicação aqui se torna mais direta e mais pessoal. Qual, então é o ensino desta parábola, qual é a sua mensagem para nós hoje? Vamos examiná-la à luz dos seguintes parâmetros.

A primeira verdade que ela proclama é a possibilidade de um novo começo, a possibilidade de um novo início, uma nova oportunidade, uma nova chance. O próprio contexto e cenário da parábola, como já mencionei, demonstra isso com perfeição. Foi porque eles sentiram e viram isso em Seus ensinos que os publicanos e pecadores “chegavam-se a ele para ouvir” — pois sentiam que havia uma oportunidade até mesmo para eles e que nos ensinos desse homem havia uma nova e viva esperança. E até mesmo os fariseus e os escribas viram exatamente a mesma coisa. O que irritava era que o Senhor tivesse qualquer tipo de associação com os publicanos e pecadores. Eles sempre tinham considerado tais pessoas como irrecuperáveis, sem qualquer esperança de redenção. Essa era a opinião ortodoxa de tais pessoas. Eram consideradas tão irremediáveis que eram totalmente ignoradas. A religião era para pessoas boas e nada tinha a ver com os que eram maus, e certamente nada tinha a lhes dar, nem aconselhava que boas pessoas se misturassem com os maus, tratando-os com bondade e oferecendo-lhes novas possibilidades. Então os ensinos de Senhor irritavam os fariseus e os escribas. Para eles qualquer um que visse possibilidade ou esperanças para um publicano ou pecador devia ser um blasfemo, e estava totalmente errado. Exatamente o mesmo ponto surge na parábola, nas diferentes atitudes do pai e do irmão mais velho para com o pródigo — não como ele devia ser recebido de volta, mas se ele devia ser recebido de volta, ou se merecia alguma coisa.

Isso, então é o que se salienta imediatamente. Existe a possibilidade de um novo começo, e isso para todos, mesmo para aqueles que parecem estar além de toda esperança. Não podia haver caso pior do que o do filho pródigo. Todavia até mesmo ele pode começar de novo. Ele chegara ao fim de si mesmo, tinha tocado os limites máximos da degradação, caindo tanto que não podia descer mais! Não há quadro mais desesperador do que o desse jovem, num país distante, em meio aos porcos, sem dinheiro e sem amigos, desesperançado e miserável, abandonado e desalentado. Mas até mesmo ele tem a oportunidade de um novo início; até mesmo ele pode começar outra vez. Há um ponto decisivo que pode resultar em êxito e felicidade, até mesmo para ele. Que evangelho abençoado, especialmente num mundo como o nosso! Que diferença a vida de Jesus Cristo operou! Ele trouxe nova esperança para a humanidade. Nada demonstra e prova mais o fato de que o evangelho de Jesus Cristo realmente é a única filosofia de vida otimista oferecida ao homem, do que publicanos e pecadores se chegarem a Ele para ouvi-lO. E a mensagem que ouviram, como nesta parábola do filho pródigo, era algo inteiramente novo.

Mas quero que observem que isso não só era novo para os judeus e os seus líderes, mas também para o mundo todo. A esperança estendida pelo evangelho aos mais vis e desesperados não só contrariava o miserável sistema dos judeus, mas também a filosofia dos gregos. Aqueles grandes homens tinham desenvolvido suas teorias e filosofias; todavia nenhum deles tinha algo a oferecer aos derrotados e liquidados. Todos exigiam um certo nível de inteligência, integridade moral e pureza. Todos requeriam muito da natureza humana à qual se dirigiam. Também não eram realistas. Escreviam e falavam de forma altamente intelectual e fascinante a respeito de suas utopias e suas sociedades ideais, mas deixavam a humanidade exatamente na mesma situação. Eram totalmente alienados à vida diária do homem comum. As únicas pessoas que podiam tentar colocar em prática seus métodos idealistas e humanísticos para resolver os problemas da vida eram os ricos e os desocupados, e mesmo estes invariavelmente descobriam que esses métodos não funcionavam. Não havia, como nunca houvera antes, qualquer esperança para os desesperados do mundo antes da vinda de Jesus Cristo. Ele foi o único que proclamou a possibilidade de um novo começo.

Ora, esse ensino não era novo apenas naquela época, durante os Seus dias aqui na terra; ainda é novo hoje em dia. Ainda é surpreendente e assombroso, e ainda espanta o mundo moderno tanto quanto espantou o mundo antigo há quase dois mil anos atrás. O mundo continua sem esperança e a filosofia que o controla ainda é profundamente pessimista. E isso talvez possa ser percebido com maior clareza quando ele tenta ser otimista, pois vemos que quando tenta nos confortar, ele sempre aponta para o futuro com suas possibilidades desconhecidas, e nos diz que no novo ano as coisas certamente serão melhores ou que de qualquer forma não podem piorar! E argumenta que a depressão já durou tanto que certamente uma mudança da maré deve ser iminente! Alegra-se que um ano terminou e outro vai começar. Qual é o segredo de um novo ano? Seu grande segredo está no fato de que nada sabemos a seu respeito! Tudo que sabemos é ruim; daí tentarmos nos consolar contemplando o que nos é desconhecido, imaginando que vai ser muito melhor. Ouçam também as suas idéias e seus planos para melhorar a humanidade. Tudo o que pode dizer é que está tentando tornar o mundo melhor para seus filhos, tentando edificar algo para o futuro e para a posteridade. Sempre no futuro! Nada tem a oferecer no presente; sua única esperança é tornar as coisas melhores para aqueles que ainda não nasceram. E quanto mais proclama isso e tenta colocá-lo em pratica, mais hesitante se torna. Como prova, basta compararmos a linguagem de 1875 com a de 1935 ou mesmo a de 1905 com a de 1935.

Pois bem, se essa é a situação em relação à sociedade em geral, quanto mais desesperada e irremediável ela é quando considerada num sentido mais individual e pessoal! Que solução o mundo tem a oferecer para os problemas que nos afligem? A resposta a essa pergunta pode ser vista nos esforços frenéticos de homens e mulheres para tentarem resolver seus problemas. E, no entanto, nada é mais evidente do que o fato que seus esforços são inúteis e sempre fracassam. Ano após ano homens e mulheres fazem novas revoluções. Compreendem que, acima de tudo, o que precisam é de um novo começo. Decidem voltar as costas ao passado e virar uma nova página — ou, às vezes, começam um novo livro! Esse é o seu desejo, essa é sua firme decisão e intenção. Querem desvincular-se do passado, e por algum tempo fazem o possível para isso, mas nunca permanecem no intento. Ao poucos, inevitavelmente, voltam à sua velha posição e sua antiga situação. E depois de algumas experiências assim, acabam desistindo de tentar outra vez, e concluem que é tudo inútil. Lutam e se esforçam por algum tempo, mas finalmente a fadiga e o cansaço os vencem, a pressão e a força do mundo e suas filosofias parecem estar totalmente do outro lado, e eles entregam os pontos. A posição parece ser inteiramente sem esperança. Eu me pergunto: quantos, até mesmo aqui neste culto hoje, sentem que estão nessa situação, de uma forma ou outra? Meu amigo, você sente que perdeu o mundo, que se desviou? Sente-se constantemente assediado pelo que “podia ter sido”? Sente que está em tal situação, ou em tal posição, que não tem nenhuma esperança de sair dela e endireitar-se novamente? Sente que esta tão longe daquilo que devia ser e do que gostaria de ser, que não pode mais alcançá-lo? Você sente que não tem mais esperança por causa de alguma situação que está enfrentando, ou devido alguma complicação em que se envolveu, um pecado que o domina, o qual não consegue vencer? Você já disse a si mesmo: “Que adianta tentar outra vez? Já tentei tantas vezes antes, e sempre fracassei; tentar outra vez só pode produzir o mesmo resultado. Minha vida é uma confusão; perdi minha oportunidade e daí para frente devo me contentar em fazer o melhor que posso na situação em que estou”. São estes os seus sentimentos e pensamentos? Já está convencido que perdeu sua oportunidade na vida, que o que passou passou, e que se você tivesse outra oportunidade tudo seria diferente, todavia isso é impossível? É essa a sua posição? Coitado! Quantos estão em tal situação? Como é infeliz e sem esperança a vida da maioria dos homens e das mulheres! Como é triste! Ora, a primeira palavra do evangelho para os que estão nessa situação é que eles devem erguer suas cabeças, que nem tudo está perdido, que ainda há esperança, ainda há esperança de um novo começo, aqui e agora, neste momento, sem qualquer relação com algo imaginário e pertencente a um futuro desconhecido; mas algo que se baseia num fato que se passou há quase dois mil anos atrás, o qual ainda é tão poderoso hoje como era então. Até mesmo o pródigo tem esperança. Há um ponto de retorno no caminho mais tenebroso e irremediável. Há um novo começo oferecido até mesmo aos publicanos e pecadores.

Contudo, quero enfatizar em detalhes o que já mencionei de passagem: esta mensagem do evangelho não é algo geral e vago como a mensagem do mundo, mas é algo que contém condições muito definidas. E é aqui que vemos com maior clareza porque nosso Senhor proferiu essa parábola em acréscimo às outras duas. Para que possamos tirar proveito desse novo começo oferecido pelo evangelho, precisamos observar os seguintes pontos. Ouçam amigos, permitam que eu enfatize a importância de fazermos isso! Se vocês simplesmente ficarem sentados, ouvindo e permitindo que o quadro brilhante do evangelho os emocione, voltarão para casa exatamente como chegaram aqui. Todavia, se observarem cada ponto com cuidado, e o colocarem em prática, voltarão para casa como pessoas totalmente diferentes. Se estão ansiosos por tirarem proveito da nova esperança e do novo começo oferecido pelo evangelho, então devem seguir suas instruções e seus métodos. Pois bem, quais são eles?

O primeiro é que devemos enfrentar nossa situação com franqueza e honestidade. É uma coisa estar numa posição má e difícil, outra coisa completamente diferente é enfrentá-la com sinceridade. Este filho pródigo estava numa situação péssima por muito tempo antes de chegar ao ponto de realmente compreender isso. Uma pessoa não cai subitamente na situação descrita aqui. Aquilo aconteceu aos poucos, quase sem que ele percebesse. E mesmo depois que aconteceu, ele levou algum tempo para percebê-lo. O processo é tão sutil e tão insidioso que a pessoa mal percebe. Ela contempla seu rosto no espelho todas as manhãs e não nota as mudanças que estão acontecendo. Somente alguém que não a vê com freqüência pode notar os efeitos com mais clareza. E muitas vezes, quando começamos a sentir terrível realidade da nossa situação, deliberadamente evitamos pensar a respeito. Colocamos tais pensamentos de lado e nos ocupamos com outras coisas comentando: “Que adianta pensar a respeito disso? Essa é a situação, acabou!” Ora, o primeiro passo no caminho da volta, é enfrentar a situação com honestidade e franqueza. Lemos que esse jovem “caiu em si”. Foi exatamente o que ele fez! Ele enfrentou a situação, e o fez com sinceridade. Compreendeu que seus problemas eram resultado exclusivo de sua próprias ações, que ele fora um tolo, que não devia ter abandonado a casa de seu pai, e certamente não devia tê-lo tratado da maneira que fizera. Ele olhou para si mesmo e mal conseguiu acreditar no que viu! Olhou para os porcos e as bolotas à sua volta. Encarou a situação de frente!

Meu amigo, você já fez isso? Já olhou para si mesmo? Já pensou se todas as suas ações durante o ano que passou fossem colocadas no papel? E se tivesse mantido um registro de todos os seus pensamentos e desejos, suas ambições e imaginações? Você permitiria que isso fosse publicado sob seu nome? O que você é hoje em comparação com o que foi no passado? Olhe para suas mãos — estão limpas? E os seus lábios — são puros? Olhe para seus pés — onde eles pisaram, que caminho percorreram? Olhe para si mesmo! É realmente você? E então olhe à sua volta, para a sua posição e os seu ambiente. Não fuja! Seja honesto! Do que você está se alimentando? Comida ou bolotas lançadas aos porcos? Em que você tem gastado seu dinheiro? Para que fins você usou dinheiro que talvez devesse ser usado para alimentar sua esposa e filhos, ou vesti-los? Do que você tem se alimentado? Olhe! É alimento próprio para ser humano? Avalie o que você gosta. Enfrente-o com calma. É algo digno de uma criatura criada por Deus, com inteligência e sabedoria? É coisa que pelo menos honra o ser humano — quanto mais a Deus? É alimento de porcos, ou é próprio para ser consumido por um seu humano? Não basta que você apenas lamente a sua sorte ou se sinta miserável. Como acabou em tal estado ou situação? Olhe para os porcos e as bolotas, e compreenda que é tudo devido você ter abandonado a casa do seu pai, agindo deliberadamente contra os ditames da sua própria consciência, deliberadamente zombando da religião e de todos os seus mandamentos e princípios; tudo é resultado exclusivo de suas próprias decisões. A situação em que se encontra hoje é conseqüência de suas próprias escolhas, e de sua próprias ações. Enfrente isso e admita-o. Esse é o primeiro passo essencial no caminho da volta.

O passo seguinte é compreender que há somente Um a que você pode recorrer, e somente uma coisa a fazer. Não preciso elaborar esse ponto em detalhes, no que se refere ao filho pródigo, pois é bastante claro. “Ninguém lhe dava nada”. Tentara de tudo, esgotara todos os seus recursos e seus esforços, bem como os esforços de outras pessoas. Tudo acabara para ele e ninguém podia ajudá-lo — exceto um. O pai! A última, a única esperança. O evangelho sempre insiste que cheguemos a esse ponto. Enquanto lhe resta um centavo que seja, o evangelho não o ajudara. Enquanto tiver amigos, ou entidades às quais pode recorrer em busca de ajuda, crendo que lhe darão assistência, o evangelho nada tem a lhe dar. Naturalmente, enquanto o homem achar que pode se manter recorrendo a qualquer um desses outros métodos, ele continuará tentando fazer isso. E em nossa estimativa, o mundo ainda está longe da falência. Ele ainda crê em seus métodos e em suas próprias idéias. E de que forma patética nos agarramos a ele! Confiamos em nossa força de vontade e em nosso próprio esforço. Recorremos aos “anos novos” do nosso calendário com se ele pudessem fazer qualquer diferença em nossa situação! Buscamos a ajuda de amigos e companheiros, de parentes e queridos. Ah, vocês estão familiarizados com o processo, não só em seus esforços de acertar a sua própria vida, mas também nos esforços de endireitar a vida de outros a respeito de quem estão preocupados ou ansiosos. E assim continuamos até termos esgotados os recursos. Como o pródigo, continuamos até nos tornarmos frenéticos, e até ao ponto em que “ninguém nos dá nada” Somente então é que nos voltamos para Deus. Oh que insensatez! Permitam que eu estoure essa falácia aqui, e agora. Enfrentem-na com franqueza. Compreendam que todos os seus reforços vão falhar, como sempre falharam até aqui. Entendam que a melhora será meramente transitória e temporária. Parem de se enganar a si mesmos. Compreendam como é desesperada a sua situação. E compreendam que existe somente um poder que pode colocar suas vidas no caminho certo — o Poder do Deus Todo-poderoso. Você podem continuar confiando em si mesmos e nos outros, e se esforçando ao máximo. Mas daqui a um ano a sua situação não só será a mesma, e sim muito pior. Somente Deus pode salvá-los.

No entanto, ao se voltarem para Deus, vocês precisam compreender também que nada podem pleitear diante dEle, exceto a Sua misericórdia e compaixão. Quando o pródigo abandonou o lar, sua exigência foi: “Dá-me!” “Ele exigiu seus direitos. Estava cheio de auto-confiança e até mesmo presunção, sentindo que não estava recebendo tudo a que tinha direito. “Dá-me”! Mas quando voltou para casa, o seu vocabulário mudou e o que ele diz agora é : “Faz-me”. Anteriormente ele sentira que era “alguém” e que estava na posição de exigir direitos inerentes e dignos de uma pessoa como ele. Agora ele sente-se reduzido a nada e ninguém, e compreende que sua maior necessidade é que algo seja feito de sua vida. “Faz-me!”. Amigo, se você acha que tem qualquer direito de exigir perdão de Deus, posso lhe assegurar que está perdido e condenado. Se sente que Deus tem o dever e a obrigação de perdoá-lo, você certamente não será perdoado. Se sente que Deus é severo e que está contra você, então é culpado do maior de todos os pecados. Se ainda sente que é “alguém” e que tem direito de dizer “dá-me”, você nada receberá além de miséria e contónua desolação. Todavia, se compreender que pecou contra Deus e O indignou, se sente que não passa de um verme, ou menos que isso, indigno até de ser considerado um ser homem — quanto mais indigno de Deus! — se sente que nada é, em vista da forma como se afastou dEle e Lhe voltou as costas, ingnorando-O e zombando dEle, se se lançar diante dEle e da sua misericórdia implorando-Lhe que na sua infinita bondade e amor, Ele faça algo da sua vida, então tudo será diferente. Nunca foi a vontade de Deus que você acabasse na situação em que esta. Foi contra a vontade dEle que você se afastou. A decisão foi toda sua. Diga-lhe isso, e confesse também que o que mais o preocupa e aflige não é apenas a miséria que trouxe à sua própria vida, porém o fato de ter desobedecido a Ele, insultando-O e ofendendo-O.

Então, tendo compreendido tudo isso, ponha-o em prática! Abandone a terra distante. Sua presença neste culto significa que você se levantou dentre os porcos e as bolotas. Mas afasta-te dessa terra longínqua. Faça-o! Volte-se para Deus, busque a reconciliação com Ele! Tome uma decisão. Entregue-se a Ele! Ouse confiar nEle! Como teria sido ridículo se o filho pródigo tivesse limitado a pensar aquilo tudo, sem colocá-lo em prática! Teria continuado na terra longínqua. Mas ele agiu. Pôs em pratica a sua decisão. Cumpriu sua resolução. Voltou para o pai e entregou-se à sua misericórdia e compaixão, e você precisa fazer o mesmo, da forma como já indiquei.

E se fizer isso, descobrirá que no seu caso, como no caso do filho pródigo, haverá um novo começo para a sua vida, um novo princípio firme e sólido. O impossível acontecerá, e você ficará assombrado e maravilhado com o que descobrirá. Não vou me deter na alegria e no gozo e na emoção disso tudo hoje, para que possa enfatizar a realidade desse novo começo que o evangelho nos dá. Não é algo etéreo ou trivial. Não é uma simples questão de sentimentos ou emoções. Não é uma anestesia ou um sedativo que amortece nossos sentidos, levando-nos a sonhar com um mundo brilhante e feliz. É real, é verdadeiro. Em Jesus Cristo, um novo começo, real e genuíno, é possível. E é possível somente através dele! A grandeza do amor do pai nesta parábola não é expressada tanto em sua atitude como no que ele fez. Amor não é um mero sentimento vago, ou uma disposição geral. O amor é algo ativo! É a atividade mais dinâmica do mundo, e transforma tudo. É por isso que também aqui somente o amor de Deus pode realmente nos dar um novo começo, uma nova oportunidade. O amor de Deus não se limita a falar sobre um novo começo: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu…”. O pai fez certas coisas pelo seu filho pródigo; e somente Deus pode fazer por nós e para nós aquilo que nos levantará outra vez. Observemos como Ele o faz. Oh, a maravilha do amor de Deus, que realmente faz novas todas as coisas, o único que realmente pode fazer isso!

Observem como o pai oblitera o passado. Ele vai ao encontro do filho como se nada tivesse acontecido, ele o abraça e beija como se sempre tivesse sido zeloso e exemplar em toda sua conduta! E com que rapidez ordena aos servos que removam os farrapos e andrajos da terra longínqua, e com eles todos os traços e vestígios do seu passado pecaminoso. Com todas essas ações ele apaga o passado de uma forma que mais ninguém poderia fazer. Somente ele podia perdoar de fato, somente ele podia apagar o que o filho fizera contra ele e contra a família; e ele o fez. Removeu todos os traços do passado. E essa sempre é a primeira coisa que acontece quando um pecador se volta para Deus da forma como estamos descrevendo. Voltamo-nos para Ele esperando tão pouco quanto o pródigo, cuja expectativa era que fosse feito um servo. Quão infinitamente Deus transcende todas as nossas maiores expectativas quando Ele começa a tratar conosco! Tudo que pedimos é alguma forma de começara outra vez. Deus nos maravilha e surpreende com Sua primeira ação — obliterando todo o nosso passado! E isso, enfim, é o que almejamos acima de tudo. Como podemos ser felizes e livres em vista do nosso passado? Mesmo que não cometamos mais certas ações ou um certo pecado, o passado está presente e sempre temos diante de nós o que fizemos. Esse é o problema. Quem pode nos libertar do nosso passado? Quem pode apagar do livro da nossa vida aquilo que já fizemos? Há somente Um! E Ele pode fazê-lo! O mundo tenta me persuadir que não importa, que posso voltar as costas ao passado e esquecê-lo. Mas eu não posso esquecer — ele sempre me volta à lembrança. E me lança em miséria e desespero. Posso tentar de tudo, porém meu passado permanece um fato sólido, terrível, medonho. Há alguma forma de me livrar dele? Algum modo de apagá-lo? Há somente um que pode removê-lo dos meus ombros. Eu só posso ter certeza que meus farrapos e andrajos se foram quando os vejo na Pessoa de Jesus Cristo, o Filho de Deus, que os tomou sobre Si e Se fez maldição em meu lugar. O Pai mandou que Ele tirasse de sobre mim os meus farrapos, e Ele o fez. Ele levou minha iniqüidade, e Se vestiu e cobriu com meu pecado. Ele o tirou, lançando-o no mar doesquecimento de Deus. E quando eu compreendo e creio que Deus em Cristo não só perdoou meu passado, mas também o esqueceu, quem sou eu para procurar por ele e tentar encontrá-lo? Minha única consolação, quando considero o passado, é lembrar que Deus o apagou. Ninguém mais podia fazer isso. Mas Ele o fez. E este é o primeiro passo essencial para um novo começo. O passado precisa ser apagado; e ele é apagado em Cristo e em Sua morte expiatória.

Todavia, para ter um começo realmente novo, mais uma coisa é necessária. Não basta que todos os traços do meu passado sejam removidos. Preciso de algo no presente. Preciso ser vestido, necessito de algo que me cubra. Preciso de confiança para começar outra vez e para enfrentar a vida, as pessoas e os problemas que fazem parte dela. Embora o pai tenha corrido ao encontro do filho e o beijado, isso por si só não lhe teria dado segurança. Ele saberia que todos veriam os andrajos e a lama. Por essa razão, o pai não se limitou a isso. Ele vestiu o rapaz com roupas dignas de um filho, com todas as provas externas dessa posição. Anunciou a todos que seu filho retornou, e o vestiu de forma que o rapaz não se sentisse envergonhado diante dos outros. Ninguém mais além do pai podia fazer isso. Outros podiam ter ajudado o rapaz, mas somente o pai podia restaurá-lo à sua posição de filho e prover tudo o que estava associado a ela.

Exatamente o mesmo acontece quando nos voltamos para Deus. Ele não só nos perdoa e apaga nosso passado, mas também nos torna filhos. Ele nos dá uma nova vida e novo poder. E Ele lhe dará tal certeza do Seu amor, meu amigo, que você poderá olhar para os outros sem qualquer sentimento de vergonha. Ele o vestirá com o manto da justiça de Cristo, e não só lhe dirá que o vê como filho, mas na verdade fará com que sinta que realmente o é. Quando olhar para si mesmo, você nem sequer se reconhecerá! Olhará para o seu corpo e verá esse manto de valor inestimável, olhará para os seus pés e os verá calçados de sandálias novas, olhará para sua mão e verá o anel, o selo do amor de Deus. E quando fizer isso, sentirá que pode enfrentar o mundo todo de cabeça erguida, sim, e poderá enfrentar o diabo e todos os poderes que o enganaram no passado e que arruinaram a sua vida. Sem essa posição e confiança, um novo começo não passa de um produto da imaginação. O mundo tenta limpar suas velhas vestes, buscando dar-lhes uma aparência respeitável. Somente Deus, em Cristo pode nos vestir com um manto novo, e realmente nos tornar fortes. Que o mundo tente apontar o dedo para nós, querendo trazer à tona o nosso passado! Que tente lançar seus piores estrategemas contra nós! Basta que olhemos para o manto, as sandálias e o anel, e saberemos que tudo está bem.

E se você ainda requer uma prova clara da realidade de tudo isso, ela pode ser encontrada no fato que até mesmo o mundo tem de reconhecer que é verdade. Ouça as palavras do servo, falando com o irmão mais velho. O que ele diz? “Um homem de aparência estranha, em andrajos, apareceu aqui hoje?” Não! “Veio o teu irmão”. Como ele soube que era o irmão? Ah, ele vira as ações do pai e ouvira suas palavras! Ele jamais teria reconhecido o filho, porém o pai o reconheceu, mesmo à distancia. O pai o reconheceu! E Deus reconhece você, e quando você se volta para Ele e permite que Ele o vista, todos ficarão sabendo. Até mesmo o irmão mais velho ficou sabendo. Era a última coisa que ele queria saber, mas os cânticos e os sons de júbilo e alegria não deixavam dúvidas quanto à conclusão inevitável. Ele estava por demais aviltado para dizer “meu irmão”, no entanto, até mesmo ele teve que dizer: “Este teu filho”. Não passou prometer que todos o amarão, que falarão bem a seu respeito se entregar sua vida a Deus em Cristo. Muitos certamente o odiarão, e o perseguirão zombando de você e fazer muitas outras coisas contra você, mas, ao fazerem isso, estarão na verdade testemunhando que eles também perceberam que você é uma nova pessoa, que sua vida foi renovada e recebeu a oportunidade de um novo começo.

O que mais você requer?

Aqui está a oportunidade para um começo realmente novo. É o único meio. O próprio Deus o tornou possível, enviando Seu Filho unigênito a este mundo, para viver, morrer, e ressuscitar. Não importa o que você tenha sido no passado, nem o que é no momento. Basta que se volte para Seus, confessandp seu pecado contra Ele, lançando-se sobre Sua misericórdia em Cristo Jesus, reconhecendo que somente Ele pode salvar e guardar você, e descobrirá que.

“O passado será esquecido
Gozo dado no presente,
Graça futura prometida —
E uma coroa de glória no céu.
Venha! Amém.”

(Sermão pregado em 6 de janeiro de 1935)

Fonte: D.M. Lloyd-Jones, Sermões Evangelísticos, Editora PES.

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A perseverança dos santos (Martin Lloyd-Jones)

A questão final com que nos defrontamos é: que é que impede este ou aquele cristão de cair e perder-se? Se não for o que temos dito aqui, isto é, que somos “chamados segundo o seu propósito” e que, porque é Seu propósito, Ele próprio nos impede de cair, bem, então, que será que nos guarda e nos impede de cair? Consideremos a situação daqueles que acreditam ser possível um cristão regenerado, nascido de novo, ir definitivamente para a perdição, cair e perder a posição de estar “em Cristo”.

O que tais pessoas acreditam é que há dois tipos de cristãos: um deles se manterá seguro à verdade e à fé, e finalmente chegará à glória; o outro não consegue manter-se seguro, por um motivo ou outro, cai, e vai para a perdição. Elas explicam a diferença entre estes dois cristãos asseverando que um teve vontade e desejo de manter-se seguro, e que o outro não teve essa vontade e esse desejo. A diferença é determinada inteiramente pela vontade, pelo desejo e pela determinação pessoal do cristão particular. Sobre esse pressuposto, esta é a única conclusão a que se pode chegar.

Entretanto, se isso fosse verdade, uma decorrência seria que tal pessoa é mais forte que Adão antes da Queda. Adão era perfeito e estava sem pecado. Tinha livre-arbítrio completo, mas escolheu deliberadamente dar ouvidos ao diabo, e por isso caiu e causou as consequências que bem conhecemos, nele e em sua progênie. Disso decorre que aquele que por seu próprio esforço conseguisse manter-se na fé teria vontade e determinação mais fortes do que as que Adão tinha. Pode-se, porém, replicar: “O cristão está em melhores condições do que Adão; ele recebeu vida divina de Cristo e, portanto, tem algo superior ao que Adão tinha. Ele recebeu em seu ser nova vida de Deus, e é isso que o capacita a permanecer firme de um modo que Adão era incapaz de o fazer”. Mas esse argumento não nos ajuda nada, pois todos os cristãos, por definição, receberam essa mesmíssima nova vida. Por conseguinte, isso não explica a diferença. A causa da diferença não pode ser a nova vida recebida, porque ambos os grupos a possuem. Somos induzidos à inevitável conclusão de que, em última análise, o que mantém o cristão em sua fidelidade ao Senhor não é nada mais nada menos que o poder da vontade e determinação do próprio homem. É uma qualidade natural e, portanto, a sua conclusão final é que não é a regeneração que determina a salvação final; é uma força natural de vontade e de entendimento, um poder inerente ao homem. Quer dizer, você é induzido a uma conclusão que está em completa contradição com a doutrina da graça. O homem não é finalmente salvo devido à ação de Deus pela qual Ele lhe dá nova vida e o regenera. O fator determinante é a capacidade pessoal do homem de persistir apegado à fé; alguns a têm, outros não. É uma qualidade natural e, assim, é uma final contradição de todo o ensino bíblico concernente à salvação, e especialmente da regeneração. Essa é a conclusão à qual você será levado inevitavelmente, se rejeitar esta doutrina da perseverança final dos santos, que se baseia no propósito de Deus […]

Se a doutrina da perseverança não fosse verdadeira, então, se acaso você se visse na glória, a glória teria que vir a você por ter-se empenhado em permanecer firme e seguro. Você, como muitos outros, receberam a mesma dádiva da salvação; os outros, tolamente, não se agarram a ela, mas você se agarrou e continua assim. Portanto, a glória vem a você por seu empenho em segurar-se à benção da salvação. Entretanto isso é uma completa contradição do ensino das Escrituras, de capa a capa. Não há quem possa gabar-se quanto a esta questão. “Aquele que se gloria, glorie-se no Senhor”. O homem não tem coisa alguma de que se gabar. E quando eu e vocês chegarmos ao céu, perceberemos plenamente que lá estamos, não porque nos seguramos firmemente quando outros desistiram, e sim porque Ele nos segurou, porque estamos no propósito de Deus e porque Ele nos guardou, apesar de nós mesmos, da nossa fraqueza e da nossa tendência de seguir os nossos caprichos pessoais. E daremos a Ele todo o louvor, toda a honra e toda a glória. Veremos que esse foi o Seu glorioso plano do princípio ao fim, e adoraremos o Cordeiro, o Filho de Deus, que realizou tudo isso. A Ele cabe toda a glória. A salvação é um feito inteiramente Seu, e o louvor e a glória são devidos a Ele, e somente a Ele.

(Extraído do livro A Perseverança Final dos Santos)

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Apelando por decisões (Martyn Lloyd-Jones)

Visando ao propósito de sermos satisfatoriamente práticos e contemporâneos, nesta altura me convém levantar a questão se devemos envidar qualquer esforço para condicionar a reunião e as pessoas, para que estas recepcionem a nossa mensagem. É neste ponto que se encaixa a questão da música. Afinal, o pregador é quem segura o leme do culto, e está dentro de sua alçada, por conseguinte, controlar esse aspecto. Nos nossos dias, essa pode ser uma questão extremamente penosa, e já conheci muitos ministros que se viram envolvidos em grandes dificuldades por causa da questão de coros, de cântico de hinos e talvez de quartetos. Sucede que há templos que contam com cantores coristas ou solistas pagos, os quais talvez nem sejam membros da Igreja, e nem mesmo se consideram crentes. Além disso, há o problema dos organistas. E, passando a um tipo mais popular de música, em algumas congregações há intermináveis cânticos de corinhos. E finalmente, em alguns países, existem indivíduos cuja função especial consiste em conduzir os cânticos, esforçando-se por fazer as pessoas entrarem na correta atitude e condição mental para acolherem a mensagem que ouvirão.

Como poderíamos avaliar todas essas coisas? Qual deveria ser a nossa atitude diante delas? Meu comentário inicial é que, uma vez mais, temos à frente algo que cabe dentro da mesma categoria de algumas das coisas que já estivemos considerando. Trata-se de algo que foi herdado da era vitoriana. Nada se faz mais urgentemente necessário do que uma análise das inovações que surgiram no campo da adoração religiosa durante o século XIX – o qual para mim, quanto a esse particular, foi devastador. Quanto mais prontamente nos esquecermos do século XIX e retrocedermos até ao século XVIII, e mesmo mais, até aos séculos XVII e XVI, tanto melhor. O século XIX. com sua mentalidade e perspectiva, é o responsável pela grande maioria de nossas dificuldades e problemas atuais. Foi naquele tempo que se verificaram alterações fatais em tantos quadrantes, conforme podemos averiguar. E ocupando posição mui proeminente, entre as modificações que tiveram lugar, citamos a música em seus variegados estilos. Com freqüência, e especialmente nas igrejas fora da tradição episcopal, as congregações nem mesmo dispunham de órgão, antes daquela época Muitos dos lideres evangélicos eram contrários ao uso do órgão. e procuravam justificar sua atitude com o respaldo das Escrituras; e assim muitos deles eram contrários ao cântico de qualquer coisa exceto dos salmos. Não vou avaliar as várias interpretações contrárias das Escrituras pertinentes ao assunto, e nem debater quanto à antigüidade do cântico de hinos; o que desejo frisar é que se por um lado o cântico de hinos tornou-se muito popular nos últimos anos do século XVII, e, mais particularmente. durante o século XVIII, por outro lado, a nova ênfase emprestada à música, que ocorreu em cerca dos meados do século passado, fazia parte daquela atitude de respeitabilidade, de pseudo-intelectualismo, que já estive descrevendo.

Mais particularmente ainda, com freqüência se verifica uma ameaça bem real, uma espécie de “tirania do organista”. Isso se dá porque o organista encontra-se numa posição em que ele ou ela pode exercer considerável controle. Munido de um instrumento poderoso, o organista pode controlar o ritmo em que um hino é entoado, e o efeito varia de um a outro extremo, se ele o toca em ritmo apressado ou em ritmo lento. No ministério muitos pregadores têm tido problemas com organistas difíceis e especialmente com o tipo que está muito mais interessado pela música do que pela Verdade. Por conseguinte, o pastor deve usar de muito critério ao nomear um organista, assegurando-se de antemão que se trate de um verdadeiro crente. E se você tiver um coral em sua Igreja, então deverá insistir sobre esse mesmo ponto, no tocante a cada membro. O primeiro desiderato não é que os coristas tenham boa voz, e, sim, que possuam caráter cristão, amem á Verdade e se deleitem em cantá-la. É desse modo que podemos evitar a tirania do organista, bem como sua irmã gêmea, a tirania do coral. No Pais de Gales, minha terra de origem, havia uma expressão usada com freqüência. Aludia não tanto ao coral, mas ao cântico por parte da congregação. Este era conhecido como “o demônio dos cânticos”. O que isso queria dizer é que essa prática causava mais querelas e cismas nas Igrejas do que praticamente qualquer outra questão, e que os cânticos ofereciam ao diabo mais freqüentes oportunidades de entravar e produzir roturas na obra do que qualquer das outras atividades na vida da Igreja. Porém, independente disso, a música, em suas variadas formas, faz surgir no horizonte o problema todo do elemento de entretenimento, o qual consegue insinuar-se e pode levar as pessoas a virem ás reuniões para ouvir música, e não com o propósito de adorar.

Meu argumento é que podemos estipular como regra bastante geral que quanto maior for a atenção que se tenha dado a esse aspecto da adoração – a saber, o tipo de edifício, o cerimonial, os cânticos, menor será a espiritualidade provável; e disso só se pode esperar menor calor, entendimento e interesses espirituais. Todavia, eu não estacaria aqui, mas faria uma pergunta, pois sinto que é tempo de começarmos a fazer essa indagação. Conforme eu já dissera noutra conexão, precisamos interromper determinados maus hábitos que têm penetrado na vida das nossas Igrejas, transformando-se numa tirania. Já me havia referido á forma fixa e preestabelecida, bem como ás pessoas que se dispõem a brincar com a Verdade e tentam modificá-la, mas que resistem a qualquer tentativa de alteração na ordem do culto e nessa rígida forma preestabelecida. Portanto, sugiro que é chegado o tempo de fazermos as seguintes perguntas: Por que se faz necessária toda essa ênfase sobre a música? Por que isso tem qualquer importância, afinal? Enfrentemos essa questão; e por certo, quando fazemos assim, chegamos forçosamente á conclusão de que aquilo que deveríamos buscar e ter como alvo é uma congregação de pessoas que entoam juntas louvores a Deus; e que a verdadeira função de um órgão é acompanhá-las. Compete-lhe servir de acompanhamento; e não de ditador. Nunca deveríamos permitir-lhe ocupar tal posição. Sempre deve ser subserviente. Eu diria mesmo que o pregador, de modo geral, deveria escolher tanto as melodias quanto os hinos, porquanto às vezes verifica-se contradição entre as duas coisas. Algumas melodias virtualmente contradizem a mensagem do hino, embora a métrica seja correta. Por conseguinte, o pregador tem o direito de dirigir essas questões; e não podemos desistir desse direito.

Talvez você não esteja disposto a concordar comigo quando sugiro que deveríamos abolir de uma vez por todas os corais; mas por certo todos devem concordar que o ideal seria que todas as pessoas elevassem suas vozes em louvor, adoração e veneração, regozijando-se enquanto assim o fazem. Confio em que você também concordará que as tentativas deliberadas para “condicionar” as pessoas são decididamente prejudiciais. Espero poder tratar disso na próxima seção, razão por que, por enquanto, contento-me em dizer que essa tentativa de “condicionar” as pessoas, suavizando-as; por assim dizer, realmente milita contra a verdadeira pregação do Evangelho. Não se trata de mera imaginação ou teoria. Lembro-me de ter estado em mui famosa conferência religiosa onde a rotina invariável, em cada reunião, e também no caso de cada orador, era a seguinte. Pedia-se de cada orador que estivesse presente na plataforma a certa hora. Então seguiam-se literalmente quarenta minutos de cânticos, dirigidos por um artista, tudo salpicado com observações supostamente humorísticas, pelo citado cavalheiro. Não havia qualquer leitura das Escrituras, havia uma oração extremamente breve; e então ordenavam ao orador que falasse.

Esse é um exemplo do que quero dizer por elemento de entretenimento. Recordo-me que havia um solo de órgão, um solo de xilofone, e em seguida um grupo vocal – lembro-me até do nome deles – Os Cantores do Jubileu Eureca, os quais ficavam mais ou menos simulando aquilo sobre o que cantavam. Tudo isso se prolongava por quarenta minutos. Confesso que senti imensa dificuldade para pregar depois disso. Também me senti compelido a modificar a minha mensagem, a fim de enfrentar aquela situação com que me defrontava. Eu sentia que o “programa”, a forma fixa, dominava a situação, e que cada indivíduo ali tornava-se parte integrante do entretenimento. Por essa razão é que temos de ser tão cuidadosos. Portanto, eu diria como uma regra geral: Conserve a música em seu devido lugar. Ela é uma criada, uma serva, e não lhe devemos permitir que domine ou controle as coisas, em nenhum sentido.

Menciono outra questão que pode parecer trivial – a despeito do que algumas pessoas lhe têm dado imensa atenção. É a questão se deveríamos manipular as luzes do edifício em que estamos pregando, a fim de tomar mais eficaz a pregação. Alguns lugares contam com lâmpadas de diferentes cores instaladas em lugares estratégicos e, conforme o sermão vai prosseguindo, as luzes vão sendo gradualmente apagadas, até que, no fim, em certo caso particular, sobre o qual estou pensando, não há mais qualquer lâmpada acesa, exceto uma cruz vermelha iluminada, suspensa por cima da cabeça do pregador. Tudo é apenas condicionamento psicológico; mas tais práticas estão sendo justificadas em termos de que elas facilitam a aceitação da Verdade por parte das pessoas. Todavia, poderíamos deixar a questão nessa altura, dizendo simplesmente que a questão que realmente se levanta aqui é o ponto de vista de alguém acerca da obra e do poder do Espírito Santo. Quão difícil é fazer tudo isso adaptar-se á Igreja do Novo Testamento e à sua adoração de natureza espiritual.

Porém, isso conduz, mui naturalmente, a uma outra questão importantíssima, a qual envolve a pergunta se, no término dum sermão preparado segundo os moldes que estamos considerando, o pregador deveria fazer apelos para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Várias expressões têm sido utilizadas, como “vir á frente”, “vir ao altar”, “ritual do arrependido”, “assento dos ansiosos”, etc., para descrever esse modo de proceder.

Esse é um assunto que nestes últimos anos tem ganhado considerável proeminência, razão pela qual precisamos tratar do mesmo. Seja como for, trata-se de um problema que todo pregador precisa arrostar. Eu mesmo por muitas vezes já tive de enfrentá-lo. Algumas pessoas, em diversas ocasiões, ao encerrar-se alguma reunião, têm-se aproximado de mim a fim de me chamarem a atenção, passando-me ás vezes uma verdadeira reprimenda, porque eu não fizera um apelo imediato para que as pessoas se decidissem. Algumas dessas pessoas chegam mesmo ao extremo de afirmar que com isso eu cometo um pecado, que fora criada uma oportunidade excelente pela minha própria pregação, mas eu não me aproveitara da mesma. E então costumam dizer: “Tenho certeza de que se o senhor ao menos tivesse feito um apelo, teria conseguido um grande número de decisões” – ou algo similar a esse argumento.

Em adição a isso, certo número de ministros me tem dito, nos últimos dez anos mais ou menos, que no fim do culto certas pessoas vêm dizer-lhes que eles não pregaram o Evangelho, simplesmente por não terem feito um apelo. Isso lhes havia acontecido tanto em cultos matinais como em cultos noturnos. E já havia sucedido não somente durante cultos de evangelização, mas igualmente em outras reuniões, cujo intuito não é primariamente evangelístico. Não obstante, por não ter havido qualquer “apelo”, haviam sido acusados de não terem pregado o Evangelho. De certa feita conheci três homens, três pastores, que virtualmente já tinham sido contratados para pastorear em determinadas Igrejas, e que estavam a ponto de serem aceitos quando alguém, de repente, lhes fizera a pergunta: Eles costumavam fazer um “apelo” no fim de cada sermão? E posto que aqueles três homens em particular haviam respondido na negativa, não foram aceitos, afinal, ficando cancelada a decisão daquelas Igrejas. Isso se tem tomado problema dos mais incisivos, como resultado de determinadas coisas que vêm acontecendo desde os fins da Segunda Guerra Mundial.

Novamente, é importante que tenhamos os pensamentos claros acerca da história dessa questão. A abordagem histórica será sempre proveitosa. Há muitos que não parecem ter consciência do fato que tudo isso, à semelhança de muitas outras coisas que penetraram na vida da Igreja, só o fizeram durante os últimos cem anos. Esse costume foi introduzido bastante cedo no século passado, mais cedo que outras coisas que tenho mencionado. Realmente foi introduzido por Charles G. Finney na década de 1820. Foi ele quem deu início ao chamado “assento dos ansiosos”, aquela “nova medida” através da qual se apelava ás pessoas que se decidissem no mesmo instante. Tudo fazia parte essencial de seu método, abordagem e maneira de pensar; e naqueles dias a questão provocou muitas controvérsias. Trata-se de controvérsia das mais importantes, além de ser interessante e fascinante em extremo, Recomendo que os pregadores façam disso matéria de leitura. Os dois maiores protagonistas desse debate foram W. H. Nettleton e Finney. Nettleton foi um pregador muitíssimo usado em reuniões de pregação. Viajava muito e era constantemente convidado a pregar nos templos de outros ministros. Jamais efetuara um “apelo” para que as pessoas se decidissem imediatamente, mas era grandemente usado, e numerosas pessoas se convertiam sob seu ministério agregando-se ás Igrejas locais. Seguia a doutrina calvinista, e punha em prática as suas crenças nesse particular. Mas então surgiu Finney em cena, com o seu apelo direto à vontade para que as pessoas se decidissem ali mesmo. Isso provocou grande controvérsia entre os dois pontos de vista, e muitos ministros se viram envoltos em imensas dificuldades, entre os dois conceitos. Há uma fascinante narrativa sobre o episódio na autobiografia do Dr. Lyman Beecher, pai do Dr. Henrv Ward Beecher. Ele fora grande amigo de Nettleton, e, a princípio, pôs-se ao lado deste. Eventualmente, entretanto, bandeou-se para a causa de Finney. O Dr. Charles Hodge e outros dentre as grandes figuras de Princeton estiveram ativamente engajados nessa discussão, como também J. W. Nevin, fundador da Teologia Mercersberg.

Essa é a história da origem dessa prática, e importa que nos tomemos informados da mesma. Não foi por acidente que tenha sido introduzida por Finney, porquanto, em última análise, é uma questão teológica. Ao mesmo tempo, sem embargo, não é somente uma questão teológica; e nunca nos deveríamos esquecer que um arminiano como João Wesley, além de outros, jamais empregou esse método.

É possível que a melhor maneira pela qual eu possa estimular outros a pensar, conferindo-lhes alguma ajuda quanto a isso, é declarar francamente que não tenho seguido essa prática em meu ministério. E permita-me dar-lhe alguns dos motivos que me têm influenciado quanto a essa matéria. Não procurarei declará-los em qualquer ordem sistemática e precisa, mas dou aqui uma ordem geral. O primeiro motivo é que, sem dúvida, é um erro exercer pressão direta sobre a vontade. Desejo esclarecer o que digo. O homem constitui-se de mente, afetos e vontade: e meu argumento é que ninguém deve fazer pressão direta sobre a vontade. Sempre deveríamos avizinhar-nos da vontade por intermédio da mente, do intelecto, e então, através das afeições. A ação da vontade deveria ser determinada por essas influências A minha base bíblica para assim asseverar é a epístola de Paulo aos Romanos 6:11, onde o apóstolo declara: “Mas graças a Deus porque, outrora escravos do pecado, contudo viestes a obedecer de coração á forma de doutrina a que fostes entregues”.

Observemos a ordem dessas sentenças. Eles haviam “obedecido”, é verdade; mas, de que maneira? “… de coração …” Porém, o que foi que os levara a fazer isso, o que movera os seus corações? Foi essa “forma de doutrina”, que lhes fora anunciada. Ora, o que lhes fora anunciado ou pregado fora a Verdade, e Verdade dirigida primariamente á mente. Na medida em que a mente apreende ou compreende a Verdade, os afetos são acesos e movidos; e, dessa maneira, a vontade é persuadida, daí resultando a obediência. Noutras palavras, a obediência não resulta de alguma pressão direta sobre a vontade, mas é conseqüência de uma mente iluminada e de um coração enternecido. Para mim, esse é um ponto crucial.

Deixe-me desdobrar mais ainda a importância dessa idéia. Em preleção anterior, aventurei-me a sugerir que o próprio grande Whitefield, ocasionalmente, caia no erro de desfechar um ataque direto sobre as emoções ou a imaginação; mas lamentamos qualquer tentativa para fazer-se isso deliberadamente. Encontramos aqui um outro aspecto exato desse mesmo princípio. Da mesma maneira que é errado lançar um ataque contra as emoções, é também errado desfechar um ataque contra a vontade.

Na pregação, cabe-nos expor a Verdade; e, como é óbvio, isso ocupa lugar proeminente e primacial para a mente. No momento em que nos desviamos dessa ordem de coisas, dessa norma, e nos aproximamos diretamente de qualquer dos outros elementos, estamos convidando dificuldades; e o mais provável é que as arranjaremos.

Em segundo lugar, argumento que pressão demasiada sobre a vontade inevitavelmente há algum deste elemento em toda a pregação, mas refiro-me aqui à pressão em excesso – ou pressão por demais direta, é algo perigoso, porquanto, no fim, poderá produzir uma condição na qual aquilo que determinou a reação favorável de um indivíduo que “veio à frente”, não foi tanto a própria Verdade, mas, talvez, a personalidade do evangelista, ou então algum vago temor geral, ou alguma outra forma de influência psicológica qualquer. Isso faz-nos relembrar, uma vez mais, o papel da música nos cultos de pregação. Podemos ficar embriagados de música – não há como duvidar sobre isso. A música pode ter o efeito de criar um estado emocional tal que a mente não mais funciona como deveria, não mais fazendo discriminações. Já vi pessoas cantarem até atingirem um estado de embriaguez no qual não mais tinham consciência do que estavam fazendo. O ponto importante é que deveríamos dar-nos conta de que os efeitos produzidos dessa maneira não são produzidos pela Verdade, e, sim, por um outro dentre esses diversos fatores.

Há alguns poucos anos passados, sucedeu deparar-me com uma extraordinária ilustração exatamente desse particular. Meramente repetirei algo que foi divulgado pela imprensa, razão pela qual não estarei revelando segredo algum, e nem traindo qualquer confiança. Certa vez pediram a um evangelista da Inglaterra que dirigisse um programa de cântico de hinos no domingo à noite pelo rádio. Tal programa era levado ao ar, regularmente, por meia hora, todos os domingos. Diferentes Igrejas eram solicitadas a cuidar desse programa, de semana em semana. Ora, naquela ocasião particular, esse bem conhecido evangelista estava realizando esse programa no Albert Haíl, de Londres. Tudo fora planejado conforme era costumeiro, com meses de antecedência. Cerca de uma semana, mais ou menos, antes do programa ser levado a efeito, chegou em Londres um outro evangelista; e, ao ouvir falar do fato o evangelista britânico convidou este Outro para pregar antes da meia hora de hinos ser levada ao ar. Assim fez o evangelista. E este foi avisado que teria de parar sua pregação a certa hora, porquanto naquele momento estariam “no ar” para a radiodifusão dos hinos cantados. Portanto, o evangelista pregou e terminou sua pregação exatamente na hora marcada; e de imediato os hinos foram postos “no ar” por meia hora. Quando tudo terminara, e não estavam mais no ar”, o evangelista visitante fez seu usual “apelo”, convidando as pessoas para que se adiantassem à frente. No dia seguinte esse evangelista foi entrevistado por repórteres. e, entre outras perguntas, foi-lhe indagado se estava satisfeito com o resultado de seu apelo. Imediatamente ele retrucou que não estava, que estava desapontado, e que o número de pessoas que atendera ao convite fora muito menor do que estava acostumado a obter em Londres, bem como em outras localidades. Então foi-lhe feita a próxima pergunta óbvia, por um dos jornalistas: “E ao que se pode atribuir o fato de que a reação foi comparativamente pequena nesta ocasião?’ Sem a menor hesitação, o evangelista respondeu que isto era bastante simples, pois infelizmente houvera uma interrupção de meia hora, para o cântico de hinos, entre o fim do seu sermão e a realização do apelo. Isso, declarou ele, era a explicação. Se ao menos lhe houvesse sido permitido que fizesse seu apelo imediatamente no fim de seu sermão, então o resultado teria sido muitíssimo maior.

Não é, realmente, um episódio iluminador e instrutivo? Não comprova ele que algumas vezes, afinal, o que produz os resultados, como ficou claro, não é a Verdade, e nem a atuação do Espírito? Pois eis que aquele pregador, pessoalmente, admitia que os “resultados” não podiam resistir ao teste de meia hora de cântico de hinos, admitia que meia hora de cântico de hinos pode anular os efeitos de um sermão, sem importar quais tenham sido esses efeitos, pelo que os resultados obtidos haviam sido desapontadores. Esse episódio serve de ótima ilustração do fato que a pressão direta sobre a vontade pode produzir “resultados”, embora isso não tenha nenhum relacionamento com a Verdade.

O meu terceiro argumento é que a pregação da Palavra e os apelos para que as pessoas se decidam são coisas que não deveriam ser separadas em nossa mente. Isso requer mais algum esclarecimento. Foi um grande princípio, enfatizado dentro do ensino reformado, que teve início no século XVI, que as ordenanças jamais deveriam ser separadas da pregação da Palavra. Os católicos romanos foram os culpados de tal separação, com o resultado que as ordenanças foram divorciadas da Palavra e se tornaram entidades autônomas. De acordo com tal doutrina, o efeito e os resultados nas pessoas seriam produzidos, não por intermédio da pregação da Verdade, e, sim, através da ação das ordenanças, que agiriam ex opere operato. O ensinamento protestante, entretanto, condenou tal doutrina, ressaltando que as ordenanças sob hipótese alguma deveriam ser separadas da pregação, por ser essa a única maneira de evitar noções semi-mágicas e experiências espúrias.

Meu argumento é que o mesmo princípio se aplica a essa questão de convites para que as pessoas se decidam, e também que a tendência crescente vem sendo de pôr-se cada vez mais ênfase sobre o “apelo” e sobre as decisões, considerando isso como algo que subsiste por si mesmo. Lembro-me de ter estado em uma reunião evangelística na qual eu, além de outros, sentimos que o Evangelho não fora pregado, verdadeiramente. O Evangelho fora mencionado, mas certamente não fora comunicado, não fora pregado; para minha admiração, entretanto, grande número de pessoas se dirigiu à frente em resposta ao apelo feito no fim. E a pergunta que imediatamente se levantou foi: o que poderia explicar uma coisa assim? No dia seguinte eu discutia sobre essa questão com um amigo meu. Disse ele: “Nada há de difícil a respeito desse fenômeno: esses resultados nada têm a ver com a pregação”. Então insisti: “Bem, nesse caso, o que é que acontece?” Replicou ele: “É Deus quem está respondendo às orações de milhares de pessoas que oram, pedindo tais resultados, ao redor do mundo; não é a pregação”. Minha contenção é que não deveria haver tal disjunção entre o “apelo” e a pregação, da mesma maneira que não deve haver separação entre as ordenanças e a pregação.

Meu quarto ponto é que esse método certamente envolve, implicitamente, a idéia de que os pecadores possuem um poder inerente de decisão e de auto-conversão. Entretanto, isso não pode ser conciliado com o ensinamento escriturístico, segundo se vê em 1 Coríntios 2:14: “Ora, o homem natural não aceita as cousas do Espirito de Deus, porque lhe são loucura; e não pode entendê-las porque elas se discernem espiritualmente”. Ou como Efésios 2:1, que assevera: “Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados”. E ainda existem muitos trechos semelhantes.

Como meu quinto ponto, sugiro que nisso fica implícito que o evangelista, de alguma maneira, se encontra em posição de manipular o Espírito Santo e as Suas operações. O evangelista precisa meramente aparecer e fazer o seu apelo, e inevitavelmente seguir-se-ão resultados. Se houvesse algum fracasso ocasional, ou uma ou outra reunião com pouca ou nenhuma reação positiva, então não existiria tal problema; mas tão freqüentemente, hoje em dia, os organizadores são capazes de predizer o número dos “resultados”.

A maioria concordaria com o meu sexto ponto, o qual assegura que esse método tende por produzir uma superficial convicção de pecado, se é que a produz. As pessoas com freqüência reagem positivamente por terem a impressão de que, fazendo assim, receberão certos benefícios. Lembro-me de ter ouvido falar a respeito de um homem importante que era considerado como um dos convertidos de determinada campanha. Entrevistaram-no e perguntaram por que viera à frente na campanha evangelística do ano anterior. Sua resposta foi que o evangelista dissera: “Se alguém não quiser ‘perder o barco’, é melhor que venha à frente”. E, como ele não queria “perder o barco”, viera à frente; e tudo quanto o entrevistador pôde arrancar dele é que agora ele estava “no barco”. Não tinha certeza sobre o significado dessas palavras, nem do que se tratava realmente, e nem parecia ter-lhe acontecido qualquer transformação real durante o ano que se passara desde então. Mas lá estava ele. Um ato de decisão pode ser tão superficial assim.

Ou consideremos uma outra ilustração, extraída dentre as minhas próprias experiências. Na Igreja que pastoreei, no sul do Pais de Gales, eu costumava ficar na porta principal do templo ao encerramento do culto de domingo à noite para cumprimentar as pessoas com um aperto de mão. O incidente a que me reporto envolve um homem que costumava vir às nossas reuniões todos os domingos à noite. Era um operário, e também era alcoólatra quase inveterado. Embebedava-se regularmente todos os sábados à noite, mas também vinha regularmente ocupar um assento na galeria de nosso templo, todos os domingos á noite. Naquela noite específica a que me refiro, aconteceu-me observar que, enquanto eu pregava, aquele homem estava sendo obviamente tocado pela Palavra. Eu podia ver que ele chorava copiosamente, e desejei muito saber o que estava acontecendo com ele. Terminada a reunião, fui postar-me á porta. Passados uns momentos, vi que aquele homem se aproximava, e imediatamente me vi a braços com um tremendo conflito mental Deveria eu em face do que tinha visto, dizer lhe uma palavra e convidá-lo a tomar uma decisão naquela mesma noite, ou não deveria? Estaria eu interferindo com a obra do Espírito se assim agisse? Apressadamente resolvi que não pediria a ele que ficasse mais um pouco, mas tão-somente me despedi dele como era de habito, e ele saiu Seu rosto revelava que estivera chorando muito ele quase nem podia olhar- me no rosto. Na noite seguinte, quando eu me encaminhava para uma reunião de oração que teria lugar na igreja, ao atravessar uma passarela por cima de uma linha de trem, notei que aquele homem vinha na minha direção para falar comigo. Ele atravessou a rua a fim de vir dizer-me: “Sabe de uma coisa, doutor? Se o senhor me tivesse convidado para demorar-me mais um pouco, na noite passada, eu lhe teria atendido”. “Pois, bem”, retruquei, “agora eu estou lhe fazendo um convite. Venha comigo”. “Não, não”, ele se apressou a dizer, “mas se o senhor me tivesse convidado na noite passada, eu teria atendido”. Então eu lhe disse: “Meu caro amigo, se aquilo que lhe aconteceu na noite passada não perdurou por vinte e quatro horas, então não me interessa. Se você não está pronto a vir comigo agora, conforme estava na noite passada, então você ainda não tem a coisa certa e verdadeira. Não importando o que lhe tenha afetado na noite passada, era algo apenas temporário e passageiro, e você ainda não conseguiu, de fato, perceber sua necessidade de Cristo”.

São coisas dessa ordem que podem suceder, mesmo quando não se faz apelo nenhum. Porém, quando o costume é fazer apelos, então esse fenômeno é grandemente exagerado, e obtemos muitas conversões espúrias. Conforme eu tenho lembrado a você, o próprio João Wesley, o grande arminiano, não apelava ás pessoas para que “viessem á frente”. O que se pode encontrar com grande freqüência em seus diários, é algo parecido com o que aqui é transcrito: “Preguei em tal lugar. Muitos pareceram estar profundamente tocados, mas só Deus sabe quão profundamente”. Sem dúvida, essas palavras são muito significativas e importantes. Wesley era possuidor de entendimento espiritual, e sabia que muitos fatores são capazes de afetar-nos. Mas, aquilo em que ele realmente se interessava não era resultados imediatos e visíveis, e sim, a obra regeneradora do Espírito Santo. O conhecimento do coração humano, da psicologia humana, deveria ensinar-nos a evitar qualquer coisa que incremente a possibilidade de alcançarmos resultados espúrios.

Um outro argumento – o sétimo – é que assim fazendo estaremos encorajando as pessoas a pensar que seu ato de virá frente, de alguma maneira, as salva. É como se fora um ato que precisa ser feito imediatamente, como se fora uma ação capaz de salvar as pessoas. Foi isso que aconteceu no caso daquele homem que sentia que agora estava “no barco”, por ter vindo á frente, embora não entendesse coisa alguma do que estava fazendo.

Porém, conforme já tenho sugerido, não será essa uma prática baseada, em última análise, na desconfiança acerca do Espírito Santo, de Seu poder e de Sua obra? Não deixa ela subentendido que o Espírito Santo precisa ser ajudado, auxiliado e suplementado, a fim de que a obra seja apressada, não podendo tudo ser deixado nas mãos do Espírito? Não posso ver como poderíamos escapar dessa conclusão.

Ou então, colocando o problema sob outra luz – um nono ponto – não se levanta toda essa questão da doutrina da regeneração? Para mim, essa é a questão mais séria de todas. O que quero dar a entender é o seguinte (e o que aqui digo cobre este ponto tanto quanto o anterior), que em face de ser essa uma obra do Espírito Santo, e dEle somente, então ninguém mais pode concretizá-la no Seu lugar. A obra verdadeira da convicção de pecado, da regeneração, da dádiva do dom da fé e da nova vida cabe, unicamente, ao Espírito Santo. E posto ser uma obra Sua, ela sempre será uma obra completa; e sempre será uma obra que se fará visível. Sempre foi assim. Pode-se ver isso, da maneira mais dramática, no dia de Pentecoste, em Jerusalém, conforme Atos 2. Enquanto Pedro ainda proferia o seu sermão, os ouvintes começaram a clamar, sob convicção de pecado: “Que faremos, irmãos?” Ora, Pedro estava pregando sob o poder do Espírito Santo. Ele estava expondo e aplicando as Escrituras. E não se utilizou de qualquer técnica, e nem deixou escoar-se qualquer intervalo entre o sermão e o apelo. De fato, nem ao menos Pedro teve a possibilidade de terminar o seu sermão. A poderosa obra de convicção prosseguia, e fez-se visível da maneira como invariavelmente se faz.

Lembro-me de ter lido a narrativa de certo reavivamento que ocorreu no Congo, em um livro intitulado Thgs is That (Isso é Aquilo), particularizando um dos capítulos escrito por um homem a quem conheci pessoalmente. Ele já vinha atuando como missionário evangélico, no coração da África, por vinte anos, e a cada reunião, virtualmente, fizera apelos ao povo para que viesse á frente e se decidisse pelo Evangelho, em resposta á sua mensagem. Pouquíssimos haviam atendido, e ele estava de coração partido de tristeza. Ele pressionava os ouvintes e lhes fazia rogos, e fazia tudo quanto é habitual entre os evangelistas; e, no entanto, não obtinha resposta favorável. Então, de certa feita, ele teve de afastar-se para uma parte distante do distrito do qual estava encarregado. Enquanto estava ausente, irrompeu um reavivamento na área central de seu distrito. A sua esposa lhe enviou uma mensagem, relatando o que estava sucedendo. A principio ele não gostou do que acontecia. Não o alegrava ouvir falar acerca daquilo, porque tudo sucedera enquanto ele não estava presente – todos nos inclinamos a sermos culpados de tal orgulho. Não obstante, precipitou-se de volta, no intuito de controlar o que sentia ser uma explosão de emocionalismo ou alguma espécie de “fogo fátuo”. Tendo regressado, reuniu o povo no templo, e começou a pregar. Para seu completo espanto, e antes de estar a meio caminho de seu sermão, as pessoas começaram a virá frente, sob profunda convicção de pecado. Aquilo que ele tentara levá-los a fazer por vinte anos e não conseguira, agora faziam-no espontaneamente. Por quê? Porque o Espírito Santo estava realizando a obra. Sua atuação sempre se torna manifesta. Assim deve suceder, necessariamente, e assim sempre sucederá. Certamente isso não requer demonstração e nem argumento em seu favor. A obra de Deus sempre se patenteia, quer na natureza, na criação ou nas almas dos homens.

Já passei por muitas experiências no que tange a esse aspecto da questão. Mais adiante, direi alguma coisa sobre o romance da obra do pregador e do ministro do Evangelho; e isso focaliza um dos aspectos da mesma. Lembro-me de como, durante os negros dias da Segunda Guerra Mundial, quando tudo era desencorajador em extremo – os bombardeios haviam dispersado a nossa congregação, e assim por diante – eu estava passando por um período de grande desencorajamento. De repente, recebi uma carta das Índias Orientais Holandesas, que agora têm por nome Indonésia. Fora enviada por um soldado holandês que me dizia que sua consciência o havia espicaçado de tal maneira que, finalmente, resolvera escrever-me para narrar o que lhe havia sucedido dezoito meses antes. Esclarecia-me que viera á Inglaterra, com o Exército Livre Holandês. E enquanto estava aquartelado em Londres, viera aos nossos cultos por diversas vezes. Naqueles dias, ficara convencido sobre o fato de que jamais fora um crente verdadeiro, embora tivesse pensado que o era. Depois disso, passou por um negro período de convicção de pecado e de desamparo espiritual; mas, eventualmente, pudera ver com clareza a Verdade e desde então muito se regozijava. Nunca viera contar-me o que se passara consigo, por diversas razões; mas agora me participava de tudo em sua carta.

Minha reação a essas coisas é a seguinte. Que importa se eu vier a saber ou não do resultado da pregação? Naturalmente, isso tem seu valor, do ângulo que serve de encorajamento para o obreiro cristão. Mas não têm valor algum, do ponto de vista da própria obra. A obra foi realizada, e ela se patenteou, e continuava a manifestar-se na vida daquele soldado antes mesmo dele haver-me escrito. E é isso que realmente importa.

Graças a Deus, tenho constatado a repetição dessa experiência nestes últimos tempos. Tendo-me aposentado de um pastorado ativo, e podendo viajar por muitos lugares, por restar-me mais tempo, tenho encontrado pessoas, em vários lugares da Grã-Bretanha, que me vêm dizer que se converteram enquanto me ouviam pregando. De nada eu soubera antes desses episódios, mas eles tinham acontecido há muitos anos, no passado. Por exemplo, eu pregava no templo de certo pregador, há exatamente dezoito meses passados. Enquanto me apresentava à sua congregação, ele narrou em breves pinceladas a sua história espiritual, e, para minha total surpresa, fiquei sabendo que eu havia desempenhado um papel vital na mesma. Aquele homem fora um profissional muito bem qualificado, que deixara a sua profissão e se tornara o pastor daquela Igreja. Ele contou aos circunstantes como, em uma quente noite de verão, no mês de junho, ao andar sem rumo por uma rua de Londres, ouviu o som de cânticos que provinham da Capela de Westminster. Entrou e permaneceu ali até o fim da reunião. “Saí dali”, declarou ele, “um novo homem, nascido de novo, regenerado”. Antes daquela oportunidade ele fora completamente ignorante sobre tais coisas; e, na verdade, inclinara-se por desprezá-las e eliminá-las de suas cogitações. Ora, aquela era a primeira vez que eu ouvia falar de tais acontecimentos, embora tudo tivesse ocorrido em 1964. Porém, que importa isso? O importante é que, visto ser o Espírito aquele que realiza tal obra, trata-se de uma obra real, sólida; e ela sempre tende por manifestar-se.

Passo agora a firmar como meu décimo ponto que nenhum pecador chega realmente a “decidir-se em prol de Cristo”. Esse vocábulo, “decidir-se”, a mim sempre me pareceu bastante errado. Com freqüência tenho ouvido pessoas usarem expressões que me parecem perturbadoras, que me deixam muito infeliz. Geralmente usam-nas em sua ignorância, e com a melhor das intenções. Posso pensar em um idoso cavalheiro que costumava dizer o seguinte: “Meus amigos, eu me decidi ao lado de Cristo faz quarenta anos, e nunca me arrependi disso”. Quão terrível é dizer, “Nunca me arrependi!” Mas esse é o tipo de declaração que fazem as pessoas que têm sido criadas no Evangelho debaixo desse ensinamento e desse método. Um pecador nunca “se decide” em favor de Cristo; o pecador “foge” para Cristo, em total desamparo e desespero, dizendo –

Infrator, à fonte corro,

Lava-me, Senhor, ou morro.

Ninguém vem verdadeiramente a Cristo, a menos que se atire nEle como seu único refúgio e esperança, seu único meio de escape das acusações da própria consciência e da condenação ante a santa lei de Deus. Nenhuma outra coisa é satisfatória. Se um homem qualquer disser que, tendo pensado sobre a questão e havendo considerado todos os lados envolvidos, terminou por decidir-se ao lado de Cristo, e se o fez sem qualquer emoção ou sentimento, não poderei aceitá-lo como homem que foi regenerado. Como um coitado que está se afogando não simplesmente “se decide” a pegar na corda que lhe é atirada, mas agarra-se a ela pois esta é sua única escapatória, assim também o pecador convicto não simplesmente “se decide” em favor de Cristo. Tal expressão é inteiramente imprópria.

Entretanto, uma vez mais temos de defrontar-nos com o argumento baseado em “resultados”. Mas, “Veja o que acontece”, dizem muitos. Ao que me parece, esse é um argumento que pode ser respondido de diversos modos. Um deles é que nós, protestantes que somos, não deveríamos lançar mão do argumento jesuítico de que o fim justifica os meios. No entanto, esse argumento sobre resultados eqüivale a isso, efetivamente. Mas, deveríamos aprofundar-nos mais, examinando os resultados e as reivindicações que são feitas. Qual porcentagem dessas “decisões” perdura? Já ouvi evangelistas dizerem que nunca esperam que se firme mais de uma décima parte dessas decisões. Eles afirmam isso abertamente. O que então exerceu influência sobre os restantes? E se alguém disser que só importam aqueles dez por cento, por representarem o resultado da operação do Espírito, então replicarei que isso teria acontecido mesmo na ausência de qualquer “convite para virem á frente”.

Indo mais adiante, é imprescindível que saibamos fazer a distinção entre resultados imediatos e resultados remotos. Para fins de argumentação, vamos admitir que se verifique certo número de resultados imediatos. Apesar disso, teremos de levar em conta os efeitos e resultados remotos dessa maneira de proceder – o efeito sobre a vida da Igreja local, bem como sobre a vida das Igrejas em geral. A despeito de tudo quanto nos tem sido dito acerca de resultados fenomenais e espantosos, durante os últimos vinte anos, dificilmente poder-se-ia contestar que o nível geral de autêntica espiritualidade, na vida das nossas Igrejas, tem atravessado um seríssimo declínio. Ora, esse é o efeito remoto, o qual é diametralmente contrário àquilo que sempre aconteceu em tempos de reavivamento e despertamento espiritual.

Outrossim, nas reuniões de pastores e em conversa particular com muitos ministros, tenho averiguado que, de modo geral, os ministros acham que seus problemas aumentaram, e não que diminuíram, em anos recentes. Já mencionei o caso de ministros que nem ao menos têm sido convidados por certas Igrejas, por esse motivo. E já teci comentários sobre outros que são criticados pelos próprios membros de suas respectivas Igrejas porque não costumam fazer um “apelo” no fim de cada culto. Essa prática parece haver introduzido uma nova espécie de mentalidade, uma carnalidade que se expressa na forma de um doentio interesse pelos números. Isso também tem criado um desejo pelo que é emocionante, uma quase impaciência diante da mensagem, porquanto todos estão esperando pelo “convite”, após a pregação, para que vejam os resultados. Ora, esse estado de coisas, por certo, é muito sério.

Nesta altura, vem participar do quadro geral um outro elemento. Conforme eu já dissera, exprime um fato aquela declaração de que os organizadores dessa espécie de atividade são capazes de predizer, com extraordinária precisão, o número de decisões e resultados que provavelmente conseguirão. Têm até mandado imprimir seus cálculos antes da campanha ter início, e geralmente não erram por grande margem em suas estimativas. Ora, isso é algo perfeitamente inconcebível em conexão com a obra do Espírito Santo. Ninguém sabe o que o Espírito Santo haverá de fazer. “O vento sopra onde quer Nada pode ser predito, nada pode ser antecipado. Os maiores pregadores e santos, com freqüência, têm tido cultos difíceis e estéreis quanto aos resultados numéricos, e têm deplorado esse fato. E mesmo em períodos de reavivamento, há dias e reuniões em que coisa alguma acontece, em absoluto; mas no dia seguinte, talvez, eis que ocorre um avassalador derramamento de poder. Por conseguinte, o próprio fato que se pode mais ou menos antecipar e predizer o que provavelmente sucederá, serve de indicação de que tal método não se molda ao que sempre caracterizou a obra do Espírito. Por outro lado, confio que tenha ficado claro que, em tudo quanto acabo de dizer, não estou pondo em dúvida os motivos ou a sinceridade daqueles que se utilizam desses métodos, e nem que não tenham havido conversões genuínas, pois preocupei-me tão somente em mostrar por quais razões eu mesmo não tenho empregado essa técnica.

Portanto, você perguntará, o que se deveria fazer? Eu mesmo situo a questão nestes termos. O apelo deve fazer parte integrante da própria Verdade, da própria mensagem. Enquanto você estiver proferindo um sermão, deveria estar fazendo constantes aplicações da mensagem, sobretudo, como é natural, na última fase, quando chegarem á aplicação final e ao clímax do sermão. Mas o apelo deve fazer parte da mensagem; deve ser assim, inevitavelmente. O sermão deve ter a capacidade de fazer os homens perceberem ser essa a única coisa que pode ser feita. O apelo deve estar implícito ao longo de todo o corpo do sermão, bem como em tudo quanto o pregador faz. E eu diria, sem qualquer hesitação, que um apelo distinto, separado e especial no fim do sermão, após certo intervalo, ou após um hino, só deveria ser feito se o pregador tiver plena consciência de alguma imposição avassaladora do Espírito de Deus para que ele assim faça. Se alguma vez eu sentir tal coisa, fá-la-ei; mas somente então. E mesmo num caso desses, a maneira pela qual o farei não será convidando as pessoas para que venham á frente. Simplesmente participarei aos presentes que me ponho á disposição para conversar com qualquer pessoa que queira entrevistar-me, no fim da reunião ou em qualquer outra oportunidade. De fato, acredito que o ministro sempre deveria anunciar, de alguma maneira ou forma, que ele está pronto para conversar com qualquer pessoa que queira conversar com ele a respeito de sua alma e de seu destino eterno. Isso pode ser dito por meio de um cartão posto em cada assento – assim tenho agido eu mesmo – embora você possa fazê-lo usando qualquer outro esquema. Faça-se disponível, deixe bem claro que está à disposição dos interessados, e assim você descobrirá que as pessoas que sentiram a convicção de pecado, virão falar com você porque se sentem infelizes. Não é infreqüente que elas receiam voltar para casa do mesmo jeito. Já vi casos de pessoas que, depois de estarem a meio caminho de casa, voltaram para conversar comigo, na igreja, por não poderem tolerar o senso de convicção de pecado e de infelicidade; a agonia delas era grande demais.

Ou então, se tiverem encontrado a salvação e agora se rejubilam nela, haverão de querer revelar-lhe o acontecido. Cada pessoa fará isso no seu próprio tempo; permita-lhe a liberdade de fazê-lo. Não procure forçar tais coisas. Essa é uma obra do Espírito Santo de Deus. A obra dEle é completa, e também é duradoura; e, por essas razões, não nos devemos impacientar e ansiar á cata de resultados. Não estou dizendo que essa ânsia seja desonesta, mas digo que ela é um erro. Precisamos aprender a confiar no Espírito, dependendo da Sua atuação infalível.

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O santuário do Deus vivo (Martin Lloyd-Jones)

“Estando próxima a Páscoa dos judeus, subiu Jesus para Jerusalém. E encontrou no templo os que vendiam bois, ovelhas e pombas e também os cambistas assentados; tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo, bem como as ovelhas e os bois, derramou pelo chão o dinheiro dos cambistas, virou as mesas e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas cousas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio. Lembraram-se os discípulos de que está escrito: O zelo da Tua casa Me consumirá.” (João 2.13-17)

Detivemos nosso olhar sobre a purificação do templo, considerando, em termos gerais, a mensagem transmitida por esta passagem à Igreja, como um todo. Mas, como muitos comentaristas ao longo dos séculos concordam, obviamente, também há uma mensagem individual ao cristão. Vimos como as pessoas, imediatamente, obedecem ao Senhor quando O ouvem, e compreendemos que a única explicação para tal obediência é que essas pessoas se conscientizaram do poder eterno e da divindade Dele. Portanto, precisamos ter isso em mente ao aplicar individualmente a mensagem desse acontecimento.

Como tenho afirmado, minha proposição é que o grande tema do Evangelho de João está neste versículo: “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (10.10). Também estou sugerindo que cada um dos dramáticos acontecimentos relatados no Evangelho de João nos fornece algum aspecto adicional do ensino referente à forma pela qual Ele nos propicia a grande bênção de Sua plenitude.

É muito importante, portanto, que O consideremos como Ele é, ou seja, como o Senhor. É Ele quem age, quem decide quando e como agir. A pergunta que desejo colocar diante de você é esta: Você já recebeu de Sua plenitude e graça sobre graça? Sempre devemos nos fazer esta pergunta porque todas as ações de Jesus podem ser compreendidas e interpretadas à luz disso. Tudo o que Ele realizou e afirmou é uma indicação do que é essencial antes de alcançarmos aquela plenitude, e aqui Jesus nos mostra, de forma clara e definitiva, uma dessas condições.

Você se lembra que Jesus foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa, conforme a lei ordenava que todos os judeus fizessem. Nós O vimos chegando ao templo e soubemos o que Ele encontrou ao entrar lá: no pátio externo, mercadores vendiam bois, ovelhas e pombas para os sacrifícios, e cambistas trocavam moedas estrangeiras pela moeda local. Aquele cenário encheu nosso Senhor com um sentimento de terror e indignação. Ele virou as mesas dos cambistas, expulsou os mercadores e seus animais e ordenou aos que vendiam pombas para que as retirassem daquele local. Ele, como o fez naquela ocasião, purifica o templo.

Qual é, então, o ensino? Qual é a mensagem que recebemos como indivíduos? Permita-me colocar desta forma: nossa alma é como templo no qual nosso Senhor faz moradia. Esta é nossa proposição básica e fundamental. Isso é definitivo neste assunto sobre salvação cristã. Esta salvação não apenas significa que nossos pecados são perdoados, ou que temos a certeza de que não iremos viver eternamente no inferno porque Deus perdoou aos nossos pecados. Tampouco apenas significa que recebemos uma nova natureza. De fato, todas essas coisas são verdadeiras e gloriosas, e devemos agradecer a Deus por elas. Porém, a salvação cristã nos oferece algo além disso que é, nada mais, nada menos, que o próprio Senhor Jesus Cristo habitando em nós. Essa é a ilustração que encontramos em diversos lugares da Bíblia. Realmente, no Antigo Testamento somos informados de que o templo não deveria apenas nos ensinar a respeito da Igreja em geral e sobre como prestar culto na casa de Deus, mas também nos fornece um quadro individual da nossa alma.

Mais adiante, no Evangelho de João, essa verdade é colocada diante de nós de forma clara e explícita. Nosso Senhor está lembrando aos discípulos que Ele irá deixá-los, mas acrescenta que não os deixará sem consolo. Ele disse: “Naquele dia, vós conhecereis que Eu estou em Meu Pai, e vós, em Mim, e Eu, em vós. Aquele que tem os Meus mandamentos e os guarda, esse é o que Me ama; e aquele que Me ama será amado por Meu Pai, e Eu também o amarei e Me manifestarei a ele” (14.20, 21). Logo depois, no versículo 23, lemos: “Respondeu Jesus: Se alguém Me ama, guardará a Minha palavra; e Meu Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele morada.” Esta é a plenitude da experiência cristã. O propósito supremo de Deus é habitar em nós, homens e mulheres, ou seja, “a vida de Deus na alma do homem”, como afirmou Henry Scougal.

Veja como Paulo expressa isso, na Segunda Carta aos Coríntios. Ao questionar: “Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos”, ele lembra aos seus leitores esta grande promessa: “Porque nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16). Em 1 Coríntios, ele diz: “Acaso não sabeis que o vosso corpo é santuário do Espírito Santo, que está em vós” (6.19). Esta é a suprema verdade que deveríamos sempre ter em mente com respeito à nossa fé. Como já vimos, a oração de Paulo pelos efésios era esta: “Para que, segundo a riqueza da Sua glória, vos conceda que sejais fortalecidos com poder, mediante o Seu Espírito no homem interior; e, assim, habite Cristo no vosso coração, pela fé” (3.16, 17). Paulo estava escrevendo aos cristãos, mas também estava orando para que eles perseverassem nesse conhecimento.

Nunca devemos nos contentar com algo que seja inferior a essa vida cristã. Temos de aprender a considerar nossa alma como santuário no qual Deus faz moradia: Deus, o Pai, Deus, o Filho e Deus, o Espírito Santo. Notamos que este ensino está sempre presente quando cristãos são levados a perceber tudo o que lhes é possível como crentes em Jesus Cristo.

Assim, havendo iniciado este capítulo com a proposição de que cada um de nós é o santuário de Deus, a próxima questão que devemos responder é esta: Em que condição se encontra este santuário? Agora é que percebemos a relevância daquele incidente ocorrido no templo de Jerusalém. Em tempo, quero deixar bem claro que não estou preocupado com aqueles que não são cristãos. Estou falando especificamente para aqueles que são cristãos. Nosso Senhor está no templo, o lugar que Deus concedeu aos filhos de Israel. Aqui Ele não está lidando com os gentios, mas com o povo judeu. Ele está lidando com pessoas religiosas, com o próprio povo de Deus. É importante ter isso bem claro em mente porque, caso contrário, poderemos perder o ponto principal desse incidente. Sempre estamos alertas para enxergar certas coisas que falam aos não-cristãos, porém aqui estamos preocupados com o que deve ser feito e com o que o Senhor fará com os crentes, a fim de que Ele possa vir e fazer moradia no coração deles, pela fé. Assim, é necessário que examinemos o templo, exatamente como o Senhor fez, quando foi a Jerusalém por ocasião da Páscoa.

Um antigo puritano colocou esse assunto de forma muito clara utilizando uma analogia. Considerando primariamente os irregenerados, ele afirmou que a condição de homens e mulheres no pecado, como resultado da Queda, é similar ao estado de muitos dos antigos castelos, facilmente encontrados nos países europeus. Você encontra o castelo em ruínas, tomado pela vegetação de espinhos e outras, mas, se olhar atentamente, com freqüência, descobrirá uma pequena inscrição, em algum lugar, onde lerá: “Em tal época, fulano e beltrano moraram aqui.” Aquele castelo foi moradia de alguma pessoa de destaque no passado. O antigo puritano disse que este é o tipo de inscrição que encontramos gravada na alma de cada um dos não-cristãos: “Deus já morou aqui.” Deus não mora mais ali, o local está em ruínas, em processo de destruição. As paredes e ameias estão parcialmente desmoronadas e a vegetação invadiu o local de tal maneira que é difícil perceber que aquelas ruínas já foram, algum dia, a morada de alguém. Este é o não-cristão, mas estamos considerando o cristão; por isso, a questão é: O que encontramos neste santuário?

Com certeza, a mensagem é de que a condição da alma de muitos crentes é muito similar àquela encontrada por Jesus, no templo de Jerusalém. Aqui está a casa de Deus, com todos os cerimoniais indicados e ordenados pelo próprio Deus, mas nosso Senhor descobre que há certo abuso de tudo isso. O lugar está sendo usado para servir aos propósitos egoístas dos homens, e atividades que, em si mesmas, são legítimas, como comprar e vender bois, ovelhas e pombas ou trocar dinheiro, têm-se transformado no centro, na atividade principal. Assim, nosso Senhor afirmou que eles haviam tornado “a casa do Pai em casa de negócio”. E aqui cada um de nós é desafiado a examinar o estado de nossa própria alma, este lugar no qual Deus deseja habitar.

Se o Senhor examinasse nossa alma, neste exato instante, como a encontraria? O que há para ser descoberto ali? Seria pecado? Seria maldade? Jesus encontraria coisas que não deveriam estar lá? Haveria certo elemento de descrença, dúvida ou incerteza? Haveria coisas horripilantes, tolas e sem valor? E sobre nossos pensamentos, fantasias e intenções do coração? Estas são as coisas pelas quais Ele esquadrinha nossa alma.

No Antigo Testamento, ao examinar todos os detalhes que Deus ordenou, primeiramente a Moisés, depois a Davi e Salomão sobre a construção do tabernáculo e do templo, podemos ver que tudo foi projetado com o intuito de criar um local adequado para que Deus pudesse ali habitar. Porém, há outra maneira, mais importante, pela qual devemos nos examinar. O grande problema com aquelas pessoas é que elas estavam fazendo um mau uso de muitas coisas que Deus indicou como formas e meios de culto, buscando servir a seus fins indignos. Portanto, o mais importante é nos questionarmos: Que uso estamos fazendo do Evangelho de nosso Senhor e Salvador?

Cremos na doutrina da justificação pela fé, no perdão gratuito dos pecados. Isso é correto, mas que uso estamos fazendo disso? Estamos dizendo que, portanto, não importa mais como agimos ou nos comportamos, que podemos pecar porque sabemos que seremos perdoados? Estamos fazendo algum tipo de “comércio” com a cruz de Cristo? Esta é uma expressão utilizada por Pedro: “Movidos por avareza, farão comércio de vós, com palavras fictícias” (2 Pe 2.3). As pessoas transformam o sangue e a cruz de Cristo em benefício pessoal.

Em outras palavras, será que estamos dizendo: “Bem, agora creio no Senhor Jesus Cristo. Eu sei que serei perdoado, não há dúvidas sobre isso. Portanto, posso fazer o que desejar. Tudo o que tenho de fazer é me arrepender, dizer que sinto muito e serei perdoado”? Se pensamos desta maneira, estamos fazendo um mau uso, um comércio com o sangue de Cristo.

Assim, este é o tipo de lição que nosso Senhor está nos ensinando quando, munido de um chicote de cordas, expulsou aquelas pessoas do templo. Estamos usando a graça, as glórias do Evangelho, simplesmente para cauterizar nossa consciência, para permanecer em pecado e evitar a punição? Esta é uma atitude terrível, e creio que, quando examinamos nosso interior, com freqüência, nos descobrimos culpados da acusação de estar, da maneira mais sutil e diabólica, fazendo mau uso das coisas que Deus nos concedeu em nosso próprio benefício.

Existem muitas coisas mais sobre as quais podemos nos examinar – não entrarei em detalhes. “Examine-se, pois, o homem a si mesmo”. Esta foi a instrução que Paulo nos deixou quando da celebração da Ceia do Senhor. Paulo disse isso porque os coríntios estavam abusando desta cerimônia. Alguns deles participavam da Ceia apenas para beber e comer em demasia. Por esta razão, encontramos esta terrível advertência: “Examine-se, pois, o homem a si mesmo.” Por quê? Porque, diz Paulo, quer você faça isso ou não, acumulará juízo para si. Porque ele não criam como deveriam, havia entre ele muitos fracos e doentes e não poucos que dormiam (1 Co 11.28-30). Se você não deseja ser julgado e condenado com o mundo, examine-se a si mesmo, livre-se dessas coisas. E devemos fazer o mesmo, em todo o tempo. Não há nada mais terrível do que utilizar o dom da graça, a casa de Deus, as glórias e as bênçãos do Evangelho para servir a propósitos pessoais e egoístas.

Eu creio – graças a Deus por isso! – que hoje em dia há menos possibilidade de encontrarmos essa situação do que no passado. Há cem anos ou mais, quando o costume de ir à casa de Deus era mais freqüente, as pessoas eram mais culpadas desse pecado do que nos dias atuais. Como indiquei no capítulo anterior, as pessoas utilizavam a casa de Deus e os meios da graça em benefício de seus negócios pessoais ou sua carreira. Não há muito disso hoje, talvez porque vivemos em um tempo no qual o culto a Deus não seja mais tão popular como era no passado. Porém, ainda em nossos dias há a possibilidade de estarmos utilizando as coisas que Deus nos concede de forma indigna. Portanto, quando nos auto-examinamos, estou certo de que estamos prontos a compartilhar com aquele que disse:

Vem as ruínas da minha alma reparar,
e meu coração uma casa de oração tornar.
Charles Wesley

Mas, tendo expressado o princípio geral, permita-me mostrar-lhe as coisas particulares que precisamos compreender à luz deste ensino. A primeira é o senhorio de Cristo. Aqui está Ele, indo ao templo e assumindo o controle, a despeito de ser apenas um carpinteiro nazareno. Ele faz isso como Alguém que tem o direito de fazê-lo, que tem autoridade. O lugar Lhe pertence. Ele menciona, no versículo 16, “a casa de Meu Pai”. Ele não disse “nosso” Pai, mas “Meu” Pai, indicando, portanto, que Ele não era outro senão o Filho de Deus e que vinha como o Senhor do templo, o Único a ter o direito de fazer o que desejasse ali.

É trágico perceber que no evangelismo, com freqüência, se faz uma distinção de Jesus Cristo como Salvador e como Senhor. Claro que há uma diferença, mas se você força uma divisão está cometendo um dos mais perigosos erros que se pode conceber. Isso acontece, não é verdade? Jesus Cristo é apresentado apenas como o Salvador, transmitindo a idéia de que, em primeiro lugar, você deve aceitá-Lo como Salvador e, somente mais tarde, você será apresentado a Ele como Senhor. E, então, lhe dirão: “Já que você O aceitou como o Salvador, aceite-O agora como o Senhor de sua vida.” Como se fosse possível receber Jesus como Salvador e não como Senhor!

Uma das lições mais importantes desse incidente é que devemos aceitar Jesus como Ele é. Ele sempre surge na plenitude de Sua abençoada pessoa. Nós não acreditamos em “Jesus”, mas no Senhor Jesus Cristo. Não podemos dividi-Lo desta maneira. Ele insiste para que O recebamos integralmente. Não existe a possibilidade de recebermos as bênçãos do perdão e da purificação sem, ao mesmo tempo, crer em Jesus como o Senhor. Ele não veio apenas para que fôssemos perdoados, mas Ele “se deu por nós, a fim de remir-nos de toda a iniqüidade e purificar, para Si mesmo, um povo exclusivamente Seu, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Ele veio para conduzir-nos a Deus (1 Pe 3.18). Ele veio para nos tornar um povo santo, e nenhum aspecto da salvação deve ser visto isolado desta verdade.

Você diz que crê na morte de Cristo na cruz por seus pecados. Muito bem, mas imediatamente isso implica outra dedução, como Paulo escreveu: “Acaso não sabeis (…) que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por preço” (1Co 6.19, 20). Ao morrer na cruz, Jesus “comprou” você e, portanto, você Lhe pertence, você é Dele. Ele é o Senhor do templo.

Este é o primeiro princípio da vida cristã. No momento em que somos convencidos do pecado, do perigo da punição e do inferno, compreendemos que temos sido escravos do pecado e de Satanás, mas que a partir daquele instante, mediante a fé em Jesus, não somos somente perdoados, mas estamos livres do antigo senhorio e pertencemos a Ele. Tornamo-nos escravos do Senhor Jesus Cristo.

Quantos problemas seriam evitados em nossa vida se apenas tivéssemos em mente esta compreensão! O cristão nunca é livre. Todos somos escravos, pois servimos ao diabo ou servimos ao Filho de Deus. O apóstolo Paulo gloriava-se com este título. Ele escreveu: “Paulo, servo de Jesus Cristo” (Rm 1.1). Portanto, desde o início nosso Senhor insiste em que observemos este senhorio.

Como vimos na festa de casamento em Caná da Galiléia, Ele não recebe ordens – Ele nem mesmo aceita sugestões. Ele é o Senhor que toma as decisões e determina o que fazer. Jesus agiu exatamente da mesma maneira no templo. Portanto, não há o que se discutir a esse respeito. Nós somos Sua legítima propriedade.

O próximo fato que Cristo deixa claro é que, quando Ele visita Sua propriedade, nada fica sem ser inspecionado. Não podemos esconder coisa alguma de Jesus. Novamente, há um grande princípio que aparece ao longo de toda a Bíblia, tanto no Antigo como no Novo Testamento. O exemplo clássico é o de Davi, filho de Jessé. Ele foi o maravilhoso rei de Israel, o “doce salmista”. Sim, este homem de Deus caiu em pecado. Ele planejou e conspirou, pensando que era muito esperto. Davi pensou que não havia deixado pista alguma, que todos os seus passos estavam encobertos. E, realmente, conseguiu enganar a quase todos. Somente uma ou duas pessoas sabiam o que ele havia feito. Davi pensou que tudo estava indo muito bem, mas logo percebeu que estava enganado. Deus enviou o profeta Natã para desmascará-lo, e seu pecado foi exposto.

No Salmo 51, Davi faz uma confissão completa, escrevendo palavras como estas: “Eis que Te comprazes na verdade no íntimo” (v. 6). Por fim, ele compreendeu que Deus não apenas se interessa por nossas ações externas, mas Ele conhece nosso coração.

Mais adiante, Davi escreveu: “Se eu no coração contemplara a vaidade, o Senhor não me teria ouvido” (66.18). Agora, esta idéia significa esconder algo no coração. Ao mesmo tempo em que dizemos que somos cristãos, deliberadamente, escondemos algum pecado em nosso íntimo.

Davi escreveu que isso não era bom, pois o Senhor não o ouviria. Deus exige honestidade absoluta nesse assunto. Ele exige completa transparência, pois não pode ser enganado. Ele é onisciente e onipresente.

Encontramos a mesma idéia no Salmo 139: “Para onde me ausentarei do Teu Espírito? Para onde fugirei da Tua face? Se subo aos céus, lá estás; se faço a minha cama no mais profundo abismo, lá estás também (vv.7, 8). Não importa onde eu esteja – norte, sul, leste ou oeste –, não posso escapar da presença de Deus. Esta verdade é fundamental para a vida cristã. O problema é que muitos de nós imaginam Deus nos olhando em termos de pecados particulares. Mas não devemos pensar assim. Devemos pensar em termos de relacionamento e compreender que Deus conhece tudo a nosso respeito.

Talvez a afirmação mais clara sobre o conhecimento que Deus possui de nós encontra-se no capítulo quarto da grande carta aos hebreus. O autor escreveu:

Esforcemo-nos, pois, por entrar naquele descanso, a fim de que ninguém caia, seguindo o mesmo exemplo de desobediência. Porque a palavra de Deus é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração. E não há nenhuma criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as cousas estão descobertas e patentes aos olhos Daquele a quem temos de prestar contas.
(vv. 11-13).

Ao final do Evangelho de Marcos, encontramos outra tremenda afirmação dessa verdade. Somos informados de que, pouco antes do fim, Jesus foi novamente ao templo em Jerusalém e observou tudo (11.11). Gosto de pensar que agora mesmo Ele está observando tudo em nossa alma, onde nada pode ser encoberto de Seus olhos, como o autor deste hino escreveu:

O Teu gentil, mas penetrante olhar,
pode esquadrinhar
as muitas chagas que a vergonha encobre.
Henry Twells

Estamos lidando com uma pessoa que é o Senhor, que não somente detém o direito e a autoridade, mas também possui completo conhecimento, visão e “poder de esquadrinhar” nosso interior.

Bem, o próximo princípio é que, desde cedo, Jesus deixa claro que abomina certas coisas. Ele não as tolerará em Sua casa e jamais caminhará lado a lado com elas. Essa é uma grande mensagem, não é? Não é incrível que possamos nos esquecer desta verdade? Estes são os primeiros princípios da vida cristã. Não há necessidade de apresentar grandes argumentos sobre os pecados particulares e tentar decidir o que é certo ou errado. É uma questão de relacionamento pessoal. Se você, simplesmente, pensar nisso, a maioria de seus problemas estará resolvida. Não haverá mais sentido em tentar fingir ou explicar certas atitudes, pois Ele está observando, vendo tudo o que fazemos.

Imediatamente, Ele revela o que pensa do pecado, e Sua atitude é clara. Há algo poderoso nisso. Possui seu aspecto terrível, mas também glorioso. Lemos no livro de Apocalipse como João O vê: “Os olhos como chama de fogo” (1.14). Seu olhar é de amor, de compaixão, o olhar de quem morreu por nossos pecados, mas também não podemos esquecer que Seus olhos são como chama de fogo. Este é o elemento de julgamento que é colocado no Evangelho de João nestes termos: “O zelo da Tua casa Me consumirá” (2.17).

Por que razão o Senhor desceu dos céus? Porque Ele viu a ruína e os estragos que o pecado no coração de homens e mulheres estava causando no Universo de Deus, especialmente na alma humana. Ele viu o que o diabo havia feito, e Sua alma de justiça foi afligida: “O zelo da Tua casa Me consumirá.”

Ele é consumido pela paixão da retidão, glória e justiça divinas. Este zelo está presente em Seu relacionamento conosco. Ele odeia o pecado: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal e a opressão não podes contemplar” (Hc 1.13). Isso também é verdadeiro com respeito ao nosso amado Senhor. Deus habita nesta “luz inacessível, a quem homem algum jamais viu” (1 Tm 6.16). Pense na visão de Isaías, encontrada em seu livro, no capítulo 6: a santidade de Deus, a fumaça enchendo toda a casa e as bases do limiar se movendo. Esta é uma visão de Deus e Sua glória eterna. Isso sempre revela o pecado e a impureza. Isaías clamou: “Então, disse eu: Ai de mim! Estou perdido! Porque sou homem de lábios impuros, habito no meio de um povo de impuros lábios e os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos” (v. 5).

E, claro, em todo este ensinamento, nosso Senhor mostra a condenação ao pecado. Jesus disse: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de aborrecer-se de um e amar ao outro, ou se devotará a um e desprezará ao outro. Não podeis servir a Deus e às riquezas” (Mt 6.24). Há uma absoluta incompatibilidade.

Ainda, veja o que escreveu o apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 6. Aqui vemos uma afirmação lógica do que Cristo representava no templo de Jerusalém. Ouça as perguntas que Paulo faz. Primariamente, referindo-se à questão do cristão casar-se com um não-cristão, o apóstolo afirma: “Não vos ponhais em jugo desigual com os incrédulos” (v. 14). Ele diz para não fazermos isso. Mas, qual a razão dessa proibição? Paulo apresenta argumentos na esfera de princípios gerais e pergunta: “Que sociedade pode haver entre a justiça e a iniqüidade? Ou que comunhão, da luz com as trevas? Que harmonia, entre Cristo e o Maligno? Ou que união, do crente com o incrédulo? Que ligação há entre o santuário de Deus e os ídolos?” (vv. 14-16). Essas coisas, Paulo afirma, são completamente opostas. Você não pode misturar a justiça com a injustiça, a fé com a descrença. Tentar fazer isto sempre resultará em tragédia. Nosso Senhor deixa isso bem claro por Sua reação no templo de Jerusalém.

Tiago também tratou desse tema: “Acaso, pode a fonte jorrar do mesmo lugar o que é doce e o que é amargoso? Acaso, meus irmãos, pode a figueira produzir azeitonas ou a videira, figos? Tampouco fonte de água salgada pode dar água doce” (3.11, 12). João utilizou uma linguagem ainda mais forte quando escreveu: “Aquele que diz: Eu O conheço, e não guarda os Seus mandamentos é mentiroso, e nele não está a verdade” (1Jo 2.4).

Em outras palavras, o Senhor não habitará com bois, ovelhas, pombas e cambistas. Ele não fará moradia em um lugar de descontrole, enganos e impurezas. O último livro da Bíblia, Apocalipse, revela claramente esta verdade. Nos dois capítulos finais, uma visão do céu é apresentada, e lemos: “Nela, nunca jamais penetrará cousa alguma contaminada, nem o que pratica abominação e mentira” (21.27). Somente o que é puro, limpo e santo terá lugar no céu.

Então, à luz de tudo isso, o que acontece? A resposta é, de certo modo, bem simples. Há duas atividades; a nossa e a Dele. É sempre assim: “Tendo feito um azorrague de cordas, expulsou todos do templo (…) e disse aos que vendiam as pombas: Tirai daqui estas coisas; não façais da casa de Meu Pai casa de negócio.”

Primeiramente – creio que isso tornará as coisas mais claras para todos nós – a maneira como Jesus agiu naquele acontecimento, surpreendeu a muitos de nós. Não conseguimos entender Suas atitudes e começamos a nos perguntar o que está acontecendo. Com freqüência, quando percebemos que não estamos vivendo a vida cristã que deveríamos, quando enxergamos que podemos ir além, pensamos que tudo o que precisamos fazer é confessar a Ele e pedir-Lhe por Sua bênção, que a receberemos imediatamente. No entanto, isso é puro engano. Você sabe o que conseguirá? Provavelmente, será açoitado. Se você assumir essas coisas com seriedade e desejar que sua alma seja a moradia de Deus, esteja preparado para receber os açoites. Se você pensa que, no mesmo instante, receberá um presente e uma resposta positiva, sendo preenchido com uma grande alegria e maravilhoso êxtase, está incorrendo em um grande erro. Sempre deverá acontecer uma limpeza antes, sempre haverá um processo de exame terrível. Deus revelará o que está escondido nos recantos escuros de sua alma, Ele explorará os calabouços úmidos, e você verá coisas em seu interior que lhe causarão arrepios e horror. Com certeza, você irá se queixar. Por vezes, desejará nunca ter iniciado esse processo. Sentir-se-á miserável e perceberá que as coisas, em vez de melhorarem, ficarão piores.

Mas tudo isso está correto e faz parte do tratamento. Se você não estiver preparado para ser açoitado, com certeza se sentirá desapontado e não conseguirá ir muito longe no processo. Ele sempre age dessa maneira. No instante em que você se achegar a Ele e dizer-Lhe: “Sim, este é Teu templo, Tu tens direito a ele, podes iniciar a limpeza”, Ele começará a agir em você, confeccionando um pequeno chicote de cordas e o utilizando. Ele expulsará o que não prestar. Lançará fora coisas que você tem valorizado ou amado. Jesus o fará sentir que está contra você e que já não há mais esperança. Porém, esta é a maneira de agir Dele. “O Senhor corrige a quem ama e açoita a todo filho a quem recebe” (Hb 12.6).

Que coisa terrível é não conhecer a disciplina do Senhor. Se você não conhece isso, diz o autor de Hebreus, então, é um bastardos e não filho (v. 8). O texto prossegue: “Toda a disciplina, com efeito, no momento não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza” (v. 11). No entanto, é Seu trabalho – permita que Ele vá até o fim. Você é santuário do Senhor e Ele sabe o que é melhor. Portanto, afirmo que não devemos apenas esperar por Sua disciplina, mas devemos até mesmo orar por ela. Creio que é um excelente teste para verificar nosso relacionamento com Ele.

Há alguma coisa debaixo do sol
que a Ti meu coração reluta em revelar?
Ah! Extirpe-a, então, e reine absoluto,
o Senhor de todas as ações em mim.
Então, meu coração da terra será livre,
quando repouso encontrar em Ti.
Gerhard Tersteegen (tradução de John Wesley)

Aqui está Tersteegen, sendo tratado com açoites e começando a compreender o propósito de Deus. Ele diz: “Há algo a ser removido que eu ainda não tenha visto? Ah! Extirpe isso, então.” Ele não consegue fazer isso, assim pede ao Senhor que o faça. “Remova o que está errado”, ele solicita. “Extirpe o que é necessário e reine absoluto. Seja o Senhor de todas as ações em mim”. Você já clamou por algo assim? Já solicitou ao Senhor que retire certas coisas de seu coração? Este é um claro sinal de que Ele está trabalhando em você e tem usado Seu abençoado açoite a fim de limpar, purificar Sua casa, Seu santuário.

Então, Ele nos conclama a realizar certas coisas. Jesus se volta para os vendedores de pombas e lhes diz: “Tirai daqui estas coisas.” Isso é um mistério. Não vou fingir que compreendo esta palavra. Por que Ele não tira tudo de errado que temos em nós? Quando os filhos de Israel foram levados do Egito para a terra de Canaã, muitos dos inimigos que encontraram pela frente foram destruídos por Deus. Porém, certos inimigos foram deixados para que os judeus enfrentassem e, se não fossem combatidos pelo povo de Deus, esses inimigos permaneceriam como ameaça constante. Moisés disse: “Os que deixardes ficar, ser-vos-ão como espinhos nos vossos olhos e como aguilhões nas vossas ilhargas” (Nm 33.55). O povo tinha de fazer a parte que lhe cabia. Deus realizou grande parte da tarefa, mas deixou que os judeus a terminassem. Esta lógica parece ser a regra em todos esses assuntos.

Deste modo, há uma grande ligação em 2 Coríntios 7.1: “Tendo, pois, ó amados, tais promessas, purifiquemo-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito, aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus.” Ou podemos colocar desta forma: “Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta” (Ap 3.20). Bem, usar este texto como uma mensagem evangelística é deturpar o contexto. Esta mensagem faz parte de uma carta endereçada às igrejas, aos crentes. Após o Senhor ter realizado certas coisas, Ele diz: “Eis que estou à porta e bato; se alguém (…) abrir a porta” – esta é nossa parte. Ele atua e, então, nos convoca a agir. “Aperfeiçoando a nossa santidade no temor de Deus” (2 Co 7.1); purificando-nos de toda a impureza, tanto da carne como do espírito. Esta é a maneira mediante a qual nos prepara.

E para o que somos preparados? Bem, Ele está preocupado em nos possuir integralmente. Ele deseja que o santuário seja como deve ser, um lugar para Sua moradia. Ele deseja que a casa do Pai não seja um lugar de comércio, mas um lugar onde o Pai possa habitar. Esta é a grande promessa: “Nós somos santuário do Deus vivente, como Ele próprio disse: Habitarei e andarei entre eles; serei o seu Deus, e eles serão o Meu povo” (6.16).

A vida de Deus está em sua alma? Isso é a verdadeira fé cristã, o que foi planejado para ser. Não é somente tomar uma decisão, acreditar que seus pecados estão perdoados e, então, prosseguir em grandiosas atividades. Isso não é o Cristianismo em essência. O real Cristianismo é saber que Deus está em sua alma, que caminha em seus caminhos e habita no santuário. É saber que Cristo come e bebe com você. É conhecê-Lo intimamente, que é a vida eterna (veja Jo 17.3). Ele veio ao mundo para que Sua experiência fosse vivida em cada um de nós. E, quando compreender isso e começar a desejar e a clamar por isso, então, esteja preparado para ser visto pelos olhos que são “como chama de fogo”. Nada poderá ser ocultado. Ele trará todas as coisas que estiverem erradas para a luz e as extirpará. Então, e somente então, você saberá que Ele está habitando no santuário e terá a certeza de que Cristo está morando em seu coração, pela fé.
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(Extraído do livro O Segredo da Bênção Celestial, cap. 7, de Martin Lloyd-Jones, co-edição Editora Textus e Editora dos Clássicos, 2002, com permissão da Editora Textus para publicação no sítio Campos de Boaz.)

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