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Exposição da Epístola aos Hebreus

Algumas partes das vestes do sumo sacerdote descritas por Moisés eram meros “memoriais”, ou lembretes das maiores e eternas coisas por vir. As doze pedras preciosas do peitoral do sumo sacerdote eram meramente “pedras de memória”. Elas testificavam sobre os fundamentos de doze pedras preciosas (Ap 21.19,20) da cidade eterna na qual os santos ressurretos de Deus habitarão (Êx 28.12,29; 39.7). O testemunho de Moisés sobre Melquisedeque, o sacerdote-rei, é a base do argumento sobre a intenção de Deus de deixar de lado o sacerdócio de Arão. E, por fim, o argumento sobre o descanso futuro do sétimo dia do Altíssimo se volta para o testemunho de Moisés em relação à obra da criação e à observância do descanso do sétimo dia sob a lei. O testemunho de Moisés, como afirma o Espírito de Deus, é incontestável – e os judeus estavam prontos para confessar isso. Nesta base, então, o apóstolo1 enquadraria seu argumento aos hebreus. Como poderiam eles se recusar a ouvir Moisés, sua testemunha confiável, quando ele testificou de um Mestre, Líder e Sumo Sacerdote maior?

Na afirmação “Cristo, como Filho, sobre a Sua própria casa” (Hb 3.6) não se destaca Sua fidelidade a um superior, e esse é o ponto agora diante de nós. “Tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus” (10.21; 1Pd 2.5; 4.17). De Moisés fora dito: “Fiel em toda a Minha casa”. Mas Cristo está sobre ela (10.21). Jesus estava aqui tipificado por José, tanto em sua humilhação como em sua exaltação. “José achou graça em seus olhos [de Potifar], e servia-o; e ele o pôs sobre a sua casa, e entregou na sua mão tudo o que tinha” (Gn 39.4). Deus “me tem posto [diz José novamente] por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa e como regente em toda a terra do Egito” (45.8). Faraó, diz Estêvão, “o constituiu governador sobre o Egito e toda a sua casa” (At 7.10).

 

“Cuja casa somos nós.”

Aqui, o sentido de “casa” é estreitado para significar “família”. Deus não está agora habitando “em templos feitos por mãos de homens” (17.24), pois qual edifício na terra poderia o homem construir que servisse à grandeza Daquele que enche o céu e a terra? Mas, enquanto isso, Deus olha para os redimidos de Cristo e habita neles, e a Igreja é a “morada de Deus em Espírito” (Ef 2.22), uma casa de pedras vivas (1Pe 2.5). É a nova criação espiritual, na qual o Altíssimo tem prazer. Os que crêem constituem o povo e a casa de Deus, sobre os quais Cristo preside. Mas é sob esta condição que habitam Nele: se retiverem firmemente o que já possuíam como crentes (e Paulo inclui a si mesmo, pois usa o pronome nós; Hb 3.14).

Eles deviam conservar “firmes a confiança e a glória da esperança até ao fim”. Qual é a esperança em questão? É aquela ligada ao chamamento celestial: a vinda de Cristo para reinar em Sua glória, e a associação de Sua fiel irmandade a Ele naquele dia. O esplendor dessa esperança foi ofuscada na mente deles devido à longa demora e pela pressão da perseguição. Esqueceram que “se sofrermos [com Cristo], também com Ele reinaremos” (2Tm 2.12). A vida de Cristo é o modelo a que os cristãos devem se moldar: primeiro sofrer; então, entrar na glória.

Que essa é a esperança é estabelecido por muitas provas. Esse é o propósito dos prévios dois capítulos de Hebreus, que apresentam Cristo como um segundo período a ser trazido à terra habitável. É o reino de justiça que alguém deve, como Seu seguidor, desfrutar com Cristo, no dia em que a perversidade dos inimigos de Cristo for abatida com mão forte e as obras de Deus forem postas em sujeição ao homem; é a grande salvação, o descanso de Deus, a primeira ressurreição (Hb 2.3; 4.1,3,10; Ap 20.5,6). É a vinda do reino milenar de Deus, de que Cristo tão frequentemente testificou. Porém nossa esperança é somente uma (Ef 4.4): sermos apreciados por patriarcas e profetas, e pelos aceitos por Deus mediante a Lei, assim como por aqueles julgados dignos mediante o Evangelho. É a esperança originada na liderança do Senhor. O desfrute da boa terra era a esperança ligada à missão de Moisés; a nossa é a glória de mil anos. Em Cristo “os gentios esperarão. Ora, o Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pelo poder do Espírito Santo” (Rm 15.12,13). “A graça salvadora de Deus se há manifestado a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo” (Tt 2.11-13).

Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.

Vislumbres daquele dia foram dadas por Moisés nos descansos ligadas aos setes da Lei. Vemos isso também anunciado na promessa de Moisés ao subir a montanha; e após o banquete dos setenta anciãos na presença de Deus, quando ele os manda ficar onde estavam, pois retornaria para eles (Êx 24.14). Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.

Quando no início creram, eles retiveram com alegre confiança interior a expectativa do breve retorno e reino de Cristo; e todo coração transbordava para os outros com exultação da glória a ser manifesta, e sua própria participação nela. “Venha, junte-se ao povo do Senhor! Ele virá brevemente para nos fazer Seus companheiros na glória!” Mas, com a demora de ano após ano, a confiança interior decaiu e o testemunho exterior, em conseqüência, enfraqueceu (Pv 13.12).

Em quarenta dias, a expectativa do reaparecimento de Moisés se foi, e, com sua extinção, despontou a idolatria; enquanto Arão, que deixara o alto posto que lhe fora dado e descera para a planície, tornou-se o culpado fabricante de um ídolo e seu sumo sacerdote.

O Espírito de Deus, então, nos ordena a nos mantermos firmes interiormente e a, exteriormente, testificar com ousadia aos demais acerca do retorno e do reino de nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos ter firmeza até o fim – não até a nossa morte, mas até Seu reaparecimento. O enfraquecimento e o abalo dessa esperança produziram, quanto a seus efeitos, o endurecimento, a esterilidade e a desobediência dos cristãos hebreus, dos quais Paulo reclama.

“Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a Sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me tentaram, me provaram e viram por quarenta anos as minhas obras” (Hb 3.7-9).

O argumento que segue a 4.12 é uma exortação aos crentes buscarem o descanso milenar e a se guardarem de provocar Deus, como fez Israel, pois o mesmo Deus que excluiu Israel da terra da promessa excluirá os ofensores no dia da recompensa, quando Cristo tomar o reino. Paulo aplica a esse propósito as advertências de Salmos 95. Assim, essa passagem corre paralelamente com as advertências do Sermão do Monte, que foi também endereçado aos crentes, e com outras passagens que tratam da entrada no reino da glória. Muitas são as passagens que tratam da recompensa vindoura, que testificam da necessidade de diligência a fim de obtê-la e da probabilidade de ser perdida.

O apóstolo caracteriza a passagem que está prestes a dar como decisiva, pois é inspirada pelo Espírito Santo, o qual fala em Salmos e em toda a Santa Escritura. Então, nosso Senhor ensina: “O próprio Davi disse pelo Espírito Santo” (Mc 12.36). “A Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35).

A presente dispensação é descrita como hoje. É um período especial, (1) do chamado de Deus para a obediência a Cristo e (2) do julgamento de Seu povo a caminho da glória. Com a fé no sangue de Cristo, como o Cordeiro da verdadeira Páscoa, começa nosso resgate de Satanás, do mundo e da maldição. Então, vem a passagem pelas águas do batismo, após as quais o deserto tem início. Mas multidões de crentes preferem continuar no Egito, a despeito da ordem de avançar.

 

“Se ouvirdes […] a Sua voz”

Jesus é nosso Moisés, o Líder para a glória. “E o lugar do Seu repouso será glória” (Is 11.10, lit.). “Por que Me chamais ‘Senhor, Senhor’, e não fazeis o que Eu digo?” (Lc 6.46). “Este é o Meu amado Filho […] escutai-O” (Mt 17.5). A obediência ao Filho é obediência também ao Pai. Essa foi a palavra que veio de Deus, quando o quadro em miniatura do reino da glória foi dado [no monte da transfiguração]. “Nem todo o que Me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus” (7.21). Hoje é o convite e o dia do julgamento; amanhã, a glória.

Não obstante, no deserto Israel desobedeceu às ordens de provas de Deus. Jeová disse aos israelitas: “Eis que tenho posto esta terra diante de vós; entrai e possui-a” (Dt 1.8). Moisés reitera a palavra: “Eis aqui o Senhor, teu Deus, tem posto esta terra diante de ti; sobe, toma posse dela” (v. 21). Eles se recusaram, afirmando que não poderiam entrar por causa dos perigos.

 

“Não endureçais o vosso coração”

O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus. Porém aqueles que são rebeldes desprezam as promessas, contestam as ameaças, não obedecerão às ordens. Eles se fortalecem em sua resistência ao Altíssimo. Quantos crentes vêem o batismo, no entanto, com vários pretextos desprezam a ordem e se recusam a confissão de Cristo que ele carrega consigo!

Quem, a não ser os crentes professos, desobedecem a Cristo?

 

“Como na provocação, durante o dia da tentação no deserto”

Logo após deixar o Mar Vermelho, e antes de chegar ao Sinai, Israel começou a provocar Deus pela murmuração por causa da necessidade de comida no deserto. Em Refidim, os israelitas murmuraram novamente. Estavam quase prontos a apedrejar Moisés, pois pensavam que a culpa fosse dele. O Senhor ajuda em ambos os casos, mas o lugar é chamado “Tentação” e “Luta” (Êx 17). Outra vez há um clamor por água, em Cades, e o lugar também é chamado de “Luta” (Nm 20). Moisés é conduzido a fazer menção disso, mesmo em sua palavra de bênção diante da morte: “E de Levi disse: Teu Tumim e teu Urim são para o teu amado, que tu provaste [tentaste] em Massá, com quem contendeste junto às águas de Meribá” (Dt 33.8).

Contudo parece, na passagem de que estamos tratando, que o Senhor considerou todo o tempo da jornada no deserto como um tempo de provocação e tentação. A maior crise ocorreu como registrada em Números 13 e 142, que analisaremos agora.

 

“Eles viram as Minhas obras por quarenta anos”

As obras da criação de Deus já haviam há muito sido completadas, e Seu repouso ali foi quebrado. Na criação, os anjos romperam em louvores e cantando hinos de alegria. Mas agora Deus trabalhava no interesse de novas obras de redenção para os israelitas: eles eram livres, eram povo de Deus. Ele os sustentou por quarenta anos, ainda que murmurassem contra Ele. Sua punição, então, seria que, quando o descanso de Deus chegasse, assim como com Seu antigo descanso na criação, eles não teriam parte nele.

Por quarenta anos o Senhor fora provocado; apesar de Suas obras maravilhosas a favor do povo, este não confiou e desobedeceu. Deus realizou as maravilhas da criação por apenas seis dias. Seus sinais redentores foram feitos por quarenta anos: sinais de poder contra os inimigos dos israelitas; sinais de favor para os israelitas, misturados com juízos contra os desobedientes que havia entre eles. As maravilhas da redenção são relatadas muito mais amplamente do que as da criação, pois elas diziam respeito a nós mais de perto, e são consideradas por nosso Deus como mais importantes e de maior glória para Ele. Mas Israel não percebeu seu significado; ele não se sujeitou ao Grande Governador.

O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus.

Então, finalmente temos o efeito dessa contínua provocação ao Altíssimo. Ele foi ofendido. O mau comportamento de Seu próprio povo O tocou mais intimamente do que o dos egípcios. Ele descobre a fonte das provocações dos ofensores: “Estes sempre erram em seu coração” (Hb 3.10). Pois o coração por natureza é “inimigo de Deus” (Rm 8).

 

Eles não conheceram os caminhos de Deus

Os “caminhos” de uma pessoa significam sua conduta como consequência de seu caráter. Suponhamos que haja alguém que foi muito gentil para com um pobre homem em sua doença. Desse ato afirmo sua disposição permanente. Diria que é de um caráter benevolente. Então, de observarmos os efeitos afirmamos a natureza das coisas. […] Assim, os israelitas deveriam ter aprendido sobre o caráter de Jeová, sobre Seus atos com respeito a eles. Eles deveriam tê-Lo amado por Sua bondade e O temido por Sua impressionante justiça.

Eles não viram Sua razão nas várias provas acontecidas pelo caminho. Pensaram que, se Deus os guiasse, não haveria problemas. Porém, essa não era a mente divina. Ele condescendeu explicar-lhes Suas razões nessas provações. “E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os Seus mandamentos ou não” (Dt 8.2). Eles prometeram obediência perfeita; porém eram ignorantes a respeito de seu orgulho, de sua perversidade e de sua inimizade conta Deus, e o Altíssimo exibiria o mal do coração deles, o mal em suas palavras e ações. “Sabes, pois, no teu coração que, como um homem castiga a seu filho, assim te castiga o Senhor, teu Deus” (v. 5). Moisés, no fim, assume o mesmo procedimento. “Tendes visto tudo quanto o Senhor fez perante vossos olhos, na terra do Egito, a Faraó, e a todos os seus servos e a toda sua terra; as grandes provas que os teus olhos têm visto, aqueles sinais e grandes maravilhas; porém não vos tem dado o Senhor um coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje” (Dt 29.2-4).

 

“Assim, jurei na Minha ira que não entrarão no Meu repouso”

Eis aqui – aquilo em que muitos não acreditarão – a ira de Deus contra Seu povo por causa da contínua desobediência. Não pode nem mesmo um pai estar de modo justo zangado com a desobediência e a provocação de um filho? Por fim, ocorreu Seu juramento de exclusão.

Olhemos um pouco mais de perto para a crise que suscitou esse juramento.

O povo propôs enviar doze espias para ver a terra antes de entrar nela. A proposta emergiu em parte da descrença; mas Moisés e o Senhor a sancionaram. Os espias retornaram após quarenta dias, trazendo testemunho da fertilidade da terra, e também exemplares de uvas, romãs e figos encontrados nela. “Vamos possuir a boa terra”, disse Calebe. Então, os espias sem fé se opuseram a ele. Tão gigantescos eram os habitantes, tão fortificadas e grandes eram as cidades que eles não poderiam possuí-la. Todo o povo tomou o partido da descrença. Pesaram seus próprios poderes contra os obstáculos a serem superados, e deixaram o poder de seu Deus. Cada um encorajou o outro a não crer, até imaginaram e disseram que Jeová somente os havia guiado pelo deserto com o propósito de entregá-los à espada dos cananeus! Calebe e Josué foram encorajá-los. “A terra é boa! Se nosso Deus for conosco, os cananeus não poderão se opôr a nós. Não se rebelem contra o Senhor!” “Mas toda a congregação disse que os apedrejassem; porém a glória do Senhor apareceu na tenda da congregação a todos os filhos de Israel. E disse o Senhor a Moisés: Até quando Me provocará este povo? E até quando não crerá em Mim, apesar de todos os sinais que fiz no meio dele?” (Nm 16.10,11). Moisés intercedeu, ou toda a congregação seria destruída. Em resposta, “disse o Senhor: Conforme à tua palavra lhe perdoei. Porém, tão certamente como Eu vivo e como a glória do Senhor encherá toda a terra,3 e que todos os homens que viram a Minha glória e os Meus sinais, que fiz no Egito e no deserto, e Me tentaram estas dez vezes e não obedeceram à Minha voz, não verão a terra de que a seus pais jurei, e nenhum daqueles que Me provocaram a verá” (vv. 20-23).

Agora segue uma íntima aplicação dessa história para os crentes hoje.

“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo” (Hb 3.12).

Três vezes a expressão “qualquer de vós”4 é trazida para alertar os crentes hebreus daquele tempo. “Para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (v. 13). “Pareça que algum de vós fica para trás” (4.1). O Espírito Santo previu que a objeção seria feita: “Apliquem todo tipo de advertência aos professos: eles não são dos nossos! Como podem os crentes ser acusados de incredulidade no coração?” Mas como poderiam crentes apartarem-se, no coração, do Deus vivo? Vejamos um exemplo. “Por que o Senhor nos traz a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por presa? Não nos seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Era o voltar atrás do coração, não realizado em ato porque Deus chegou para impedir.

Ao ouvir isso, deveríamos supor que uma negativa deve ter, por algum acidente, caído do texto, e que deveríamos ler: “Vede, irmãos, que não há em qualquer de vós um coração mau e infiel”. “Nenhum de vós se endureceu pelo engano do pecado”. Mas não: é endereçado aos descrentes entre os crentes! Em qual coração não há um pouco desse velho fermento? Os israelitas deixaram o Egito por fé na mensagem de Deus dada por Moisés, mas a alma deles recuou quando foram colocados face a face com os obstáculos na terra. “Então eu vos disse: Não vos espanteis nem os temais. O Senhor, vosso Deus, que vai adiante de vós, Ele pelejará por vós, conforme a tudo o que fez convosco, diante de vossos olhos […] Mas nem por isso crestes no Senhor, vosso Deus“ (Dt 1.29,30,32).

“Mas por que comparar um povo que anda segundo a carne com o agora povo regenerado de Deus?”

Porque assim Deus faz aqui! Porque, mesmo no regenerado, estão os remanescentes do velho Adão.

“Mas a igreja de Cristo não está debaixo da lei, mas debaixo da graça, e nenhum perigo pode ameaçá-la.”

Se é assim, esta epístola é um erro, pois é baseada no princípio oposto: que, embora os crentes estejam agora salvos pela graça, eles, no aspecto do galardão, devem, como o antigo povo de Deus, ser tratados “de acordo com as obras”. A Epístola aos Hebreus é de Deus?

 

“Um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo”

O “Deus vivo” desta passagem é o Senhor Jesus. Foi declarado que Ele é o Criador e o Sustentador de tudo. [No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.1-3).] “Eis que Deus é grande, e nós não O compreendemos, e o número dos Seus anos não se pode esquadrinhar” (Jó 36.26). Pedro assim confessou Cristo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16). E o Filho é da mesma natureza de Seu Pai. Assim Jesus, em ressurreição, descreve a Si mesmo: “Eu sou o primeiro e o último, e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.17,18). Ele é o Senhor da vida; provou assim ser na ressurreição; [Aquele que irá] introduzir outros no reino pela primeira ressurreição, por meio de Seus méritos (5.9,10). O Novo Testamento nos diz também que os israelitas no deserto tentaram a Cristo (1Co 10.9).

“Não seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Esse foi o afastamento de coração entre eles e Jeová. E um risco semelhante estava assaltando os cristãos hebreus. Eles foram tentados a retornar a Moisés e à Lei, deixando Jesus, o Senhor, por causa da perseguição e dos perigos do caminho para Seu reino milenar.

A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece.

“Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3.13).

O remédio a ser oposto a esse perigo é uma constante exortação de uns aos outros. Quanto quer que dure o perigo da queda, esse é o período que Deus chama de Hoje. “Hoje não endureçais vosso coração”. Estamos em constante perigo; apliquemos constantemente essa arma da exortação. Vigiemos para não deixar de confiar em Deus e para não retrocedermos com medo dos inimigos a serem encontrados, assim perdendo o dia de especial glória para o qual fomos chamados. Busquemos o prêmio de nosso chamado. Busquemos “em primeiro lugar o reino de Deus e sua [ordenada] justiça” como o meio para isso (Mt 6.33).

Aquele que ouve a Palavra de Deus não deve endurecer o coração. A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece. A fé nos faz tremer de Sua Palavra; a incredulidade faz pouco das promessas e dos avisos do Senhor. “Desprezaram a terra aprazível; não creram na Sua palavra” (Sl 106.24). Quando os israelitas foram mandados a subir, eles não foram, apesar de Deus estar com eles. Quando foram proibidos, eles subiram, ainda que Deus estivesse contra eles. Tudo vai bem conosco quando reverenciamos a autoridade de Deus manifestada em Sua Palavra. Mas permanecer em oposição a toda ordenação Dele é perigoso. O pecado se espalha pela alma como um câncer. Nós podemos nos fazer de surdos às ameaças de Deus, mas, por fim, elas se provarão verdadeiras. Podemos nos encorajar ou consolar com o número daqueles que, como nós, desobedecem; mas a multidão dos desobedientes em Israel era teve desculpa. Seiscentos mil homens, e um igual número de mulheres, pereceram: foram apenas dois que entraram.

Essa palavra de advertência é também como um espelho para nós na história apresentada. Calebe acalma os murmúrios dos israelitas diante de Moisés, e exorta-os a subirem de uma vez e possuírem a terra. Mais tarde, Calebe e Josué exortam o povo a obedecer; mas a multidão furiosamente resiste ao apelo e clama que os dois fiéis sejam apedrejados. Então, toda esperança de restauração do povo se vai, quando a exortação é rejeitada e o coração está endurecido a ponto de procurar a morte dos servos fiéis. O pacto de Deus, assim, vai adiante contra os descrentes e rebeldes, e, enquanto eles tentam, presunçosamente, subir, são abatidos diante do inimigo, pois o Senhor não estava com eles. Quantos estão agora endurecendo-se contra o batismo, “o Reino Pessoal”, e a recompensa segundo as obras!

Notas

1O autor acredita que Paulo, chamado de “o apóstolo”, é o autor de Hebreus. Essa é a opinião mais comum entre os cristãos, mas não é unânime. (N. do R.)

2É notável que a referência aos capítulos 13 e 14 ocorra logo após a referência, em Hb 2.2, a Moisés como o “servo fiel” em Nm 12. (N. do E.)

3Eis aqui uma pista de “Meu descanso”. Eis aqui uma intimação do dia milenar, quando toda a terra será cheia da glória de Deus e o “Filho do homem” será seu centro (Sl 8). (N. do E.)

4Nos três versículos citados, as mesmas palavras gregas são usadas, apesar da diferente tradução em cada um deles. (N. do R.)

(Publicado originalmente em 16.6.16. Atualizado e republicado em 25.12.23.)

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Esaú e a primogenitura

Que os santos podem se tornar culpados de fornicação é algo fora de qualquer dúvida; isso é confirmado tanto por tristes fatos quanto pelas Escrituras. “E chore por muitos que dantes pecaram e não se arrependeram da imundícia, e prostituição e lascívia que cometeram” (2Co 12.21). Qual será, então, o resultado de tais pecados cometidos após a fé e a confissão do nome de Cristo? Eles não afetarão a posição da parte culpada no futuro? Não existe nenhuma punição além da frieza e da morte espirituais agora? A Escritura nos dá um testemunho bastante diferente. Ela nos assegura que os tais, embora sejam salvos no final, não terão nenhuma parte no reino de mil anos do Salvador. “Não sabeis que os injustos não hão de herdar o reino de Deus? Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes nem os roubadores herdarão o reino de Deus” (1Co 6.9,10). “Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus” (Ef 5.5). O reino mencionado como sendo de Cristo (ou Messias) demonstra ser o reino temporário que Jesus receberá como Filho de Davi, o Messias dos judeus.

Parece que até mesmo punição positiva será aplicada aos santos culpados desse pecado. “Porque esta é a vontade de Deus: a vossa santificação; que vos abstenhais da fornicação; que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e honra; não na paixão da concupiscência, como os gentios, que não conhecem a Deus. Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio algum, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas, como também antes vo-lo dissemos e testificamos. Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas para a santificação. Portanto, quem despreza isto não despreza ao homem, mas sim a Deus, que nos deu também o seu Espírito Santo” (1Ts 4.3-8). “Venerado seja entre todos o matrimônio e o leito sem mácula; porém, aos que se dão à prostituição e aos adúlteros, Deus os julgará” (Hb 13.4)

A ira de Deus contra este pecado foi vista em Seu tratamento a ele dado sob a lei, conforme nos foi indicado no resumo de Paulo a respeito dos caminhos do Senhor com relação a Seu povo do passado (1Co 10). Moisés, da mesma forma, observa este ponto, quando recorda aos israelitas os tratos do Senhor com eles: “Os vossos olhos têm visto o que o Senhor fez por causa de Baal-Peor; pois a todo o homem que seguiu a Baal-Peor o Senhor, teu Deus, consumiu do meio de ti” (Dt 4.3).

Esaú é caracterizado como “profano”, e sua história confirma de modo real e completo a acusação. Ele “vendeu o seu direito de primogenitura”. O que estava contido no “direito de primogenitura” não está esclarecido em cada ponto. Sob a lei, uma porção dobrada das posses do pai pertencia ao primogênito (Dt 21.17). E, quando o pai era um rei, o reino era, naturalmente, dado a ele, a menos que o Senhor, como Governador Supremo, se agradasse em ordenar de outra forma (2Cr 21.3). Porém, no caso de Esaú, podemos ver o que ele perdeu, observando o que Jacó se tornou posteriormente. O Altíssimo inseriu o  nome de Jacó em Seu próprio nome. Jeová era “o Deus de Abraão, Isaque e Jacó”. Freqüentemente Ele é chamado apenas de “o Deus de Jacó” ou “o Deus de Israel”. Tal glória, então, foi rasgada de Esaú, o profano. De Jacó também nasceram os doze patriarcas e o próprio Messias. O reino de Deus é fundado na base das doze tribos, e o nome delas está  eternamente gravado nos portões da cidade eterna de Deus. Desistir das vantagens espirituais em troca daquelas que são terrenas é o ganho da profanação; e deste crime Esaú se tornou culpado ao vender seu direito de primogenitura.

Mas ele foi ainda mais culpado por ter aceitado em troca uma insignificante remuneração de categoria humana. Foi uma “única refeição”. Se ele tivesse exigido que Jacó o sustentasse durante toda a vida, como pagamento por sua rendição, teria sido profanação. Mas, desfazer-se do direito de primogenitura pela gratificação de uma hora, foi o extremo da profanação. Sua referência a tal direito revela desprezo enquanto efetua a venda: “Eis que estou a ponto de morrer; para que me servirá a primogenitura?” (Gn 25.32). Os homens em geral apregoam o valor dos bens que estão para vender; mas o próprio Esaú deprecia a primazia daquilo que estava para lançar fora. Ele o vendeu também com um juramento recorrendo a Deus para dar testemunho à ímpia transação (v. 33). Observe outro agravante do pecado! Levando em consideração a venda, o Espírito Santo acrescenta: “E ele comeu, e bebeu, e levantou-se e saiu” (v. 34). Ele foi cuidar das suas obrigações rotineiras quando terminou a refeição, como se nada de importância particular tivesse acontecido.

Observe, entretanto, a extensão do pecado. Não foi por ter caído em idolatria, ou por ter renunciado a Deus de seu pai, que Esaú perdeu seu direito de primogenitura. Também não foi por ter repudiado Isaque como pai. Isaque ainda o reconhecia como filho, embora fosse forçado a reter a bênção do primogênito. O exemplo de Esaú é, portanto, uma lição para o crente, para alguém que será reconhecido por Deus como Seu filho no dia da recompensa.

O desfecho do caso é transformado em aviso para nós. Esaú, por fim, desejou a bênção. Quando seu pai estava para concedê-la, ele se empenhou em consegui-la, mas foi negada a ele pela providência de Deus. (Não temos necessidade de defender a conduta de Jacó, tanto pela compra do direito de primogenitura como pela tentativa de obtê-lo fraudulentamente. Isso foi incorreto à vista de Deus e, como tal, foi punido. Mas este não é o ponto de que estamos tratando agora.)

O Senhor sustentou a barganha de Esaú. Deus foi  convidado como testemunha da venda, e, por Sua providência, impediu que Isaque concedesse a bênção a Esaú. Quando descobriu que seu irmão havia obtido a bênção para si, “ele [Esaú] bradou com grande e mui amargo brado, e disse a seu pai: Abençoa-me também a mim, meu pai!” Mas Isaque não foi persuadido a se arrepender de suas palavras ou a revogar a bênção. “Abençoei-o e ele será bendito! E levantou Esaú a sua voz e chorou.” Embora tivesse buscado no final a bênção com lágrimas, não a obteve. (O buscar pode se referir, gramaticalmente, à (1) bênção ou à (2) mudança no propósito do pai. Eu prefiro entender como sendo a última.) Esaú não pôde levar o pai ao arrependimento por ter dado a suprema honra a seu irmão mais novo. “Ele foi rejeitado” (a palavra grega indica alguém vindo a ser um “rejeitado”, coisa que Paulo temia para si mesmo, uma vez que usa uma palavra da mesma raiz em 1Co 9.27).

Mas como o exemplo se aplica a nós, cristãos?

Em primeiro lugar, Esaú era um descendente de Abraão e o filho circuncidado de Isaque. Nisso ele corresponde aos crentes agora. Ele era em verdade um filho tanto quanto Jacó. Em todos os aspectos, o direito de primogenitura era seu. Ele lhe teria sido dado oportunamente no final, exceto por sua má conduta. Nós, cristãos, estamos, portanto, numa posição semelhante. Como nascidos de novo de Deus, somos presumivelmente herdeiros do reino. Como crentes em Jesus, antes do dia milenar e antes da inclusão de Israel, nós somos os primogênitos. Assim, essa não é uma lição para os descrentes.

Uma conduta profana, como a de Esaú, causará a perda do direito de entrar no reino, que é o direito de primogenitura a nós proposto. Podemos trocar a bênção futura espiritual pelo presente e terreno. Em milhares de casos, essa venda profana tem acontecido, e até o dia presente é negociada das mais variadas formas:

  1. Um ministro crente vê que tais e tais doutrinas e práticas de sua denominação não têm apoio nas Escrituras. Elas ferem muito sua consciência. Mas o que ele fará se desistir de seu posto atual e dos benefícios que tira dele? Que proveito seu direito da primogenitura terá para ele, caso tenha de entregar sua posição atual e seu sustento? Assim argumenta sua incredulidade. E, sob a influência de tal motivo sem valor, ele continua numa posição que acredita ser pecaminosa. Em que tal procedimento difere do de Esaú? Em princípio, nada. Os benefícios mundanos que essa pessoa recebe por manter sua posição de infidelidade são como um prato de lentilhas e representam o preço que recebe pela venda de seu direito de primogenitura. Daí em diante, Deus o prenderá a sua barganha.
  2. Eis um negociante cristão. Ele descobre que algumas de suas práticas comerciais não são cristãs, e sim malignas. Mas como poderá agir de forma diferente de seus vizinhos incrédulos? Se ele deseja fazer fortuna, como é o caso deles, deve agir como eles; caso contrário, será deixado para trás na competição. Ele persevera em tais feitos, até que sua consciência se torna calejada. Que diremos, então? Não é a profana barganha de Esaú que se repete? Se esse homem recebe a realidade da troca ou não, Deus o prenderá à troca feita. Eles receberam suas boas coisas agora e as obtiveram pelo sacrifício dos interesses espirituais. Quando, portanto, vier o tempo da recompensa, sua venda real será lembrada. Foi uma barganha real, embora não tenha sido formal. Ela procede de pensamentos vulgares da prometida glória de Deus. É como o desprezo de Esaú pelo direito da primogenitura, manifestado em suas ações.
  3. Para esses, o dia da recompensa apresentará novamente a cena entre Esaú e seu pai. Esaú, apesar da venda e do juramento, ainda esperava receber plenamente a bênção do primogênito. Finalmente, quando rejeitado, podemos ouvi-lo falar como alguém que tivesse sido roubado naquilo que lhe era devido. Mas o Senhor cuidou para que ele fosse rejeitado. Assim serão tratados todos aqueles cristãos que, como Esaú, se mantém presos a suas trocas profanas das coisas espirituais pelas coisas temporais. No final, quando o reino e a glória de Cristo chegarem, eles despertarão para a percepção e valor da bênção e a desejarão ardentemente. Mas a troca permanecerá. O reino não poderá ser deles.

Observe o mais convincente ponto da representação: é uma transação entre pai e filho. O pai a recusa ao seu filho favorito. A despeito da ternura natural e especial, o choro e as lágrimas são inúteis.

Cuidado, cristão, para não desvalorizar seu direito de primogenitura e não vir finalmente a vendê-lo, embora sendo filho de Deus. Aquele que é imutável em justiça e santidade excluirá você como profano dos mil anos de glória do Messias. Pois, observe bem, Esaú não se retirou da presença do pai com uma maldição. Ele simplesmente perdeu a bênção que comerciou.

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Rede ou redes?

“E, quando acabou de falar, disse a Simão: Faze-te ao mar alto, e lançai as vossas redes para pescar. E, respondendo Simão, disse-lhe: Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos; mas, sobre a tua palavra, lançarei a rede. E, fazendo assim, colheram uma grande quantidade de peixes, e rompia-se-lhes a rede. E fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco, para que os fossem ajudar. E foram, e encheram ambos os barcos, de maneira tal que quase iam a pique. E vendo isto Simão Pedro, prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Senhor, ausenta-te de mim, que sou um homem pecador” (Lucas 5.4-8).

O Salvador, depois de pregar à multidão, convida Pedro para se fazer ao mar alto e lançar as redes para uma pesca. Pedro responde: “Mestre, havendo trabalhado toda a noite, nada apanhamos; mas sobre a Tua palavra lançarei a rede”.

Observe a mistura de bom humor e incredulidade de Pedro! O Mestre havia ordenado que eles lançassem todas as suas redes. Pedro vai lançar apenas uma delas. Jesus lhe ordena lançá-las para apanhar peixes. Pedro nem pensa em tal coisa. “Ora! Depois de labutar durante todo o tempo propício para pescar, e não apanhando nada, deveremos tentar sob o sol quente e próximo da praia? O que dirão os outros pescadores de um procedimento tão tolo? Este homem pode ser excelente Mestre, mas o que Ele sabe sobre pesca? Nós conhecemos bem estas águas; fomos criados perto dela desde meninos. Não obstante, lançarei uma das redes, somente para agradá-Lo, e então Ele aprenderá pelos resultados práticos quão tola foi Sua idéia!” Assim fez.

E o resultado o surpreende. Se as outras redes tivessem sido lançadas, elas teriam recebido parte do peso dessa; agora o esforço é tão grande, que a rede ia-se rompendo toda. Querem agora a ajuda de todos os companheiros para segurar os peixes. Eles estão tão carregados que quase vão a pique. Veja, então, como os pensamentos de Pedro foram transtornados! Naquele intelectual, que nada sabe sobre pesca, ele encontrou Alguém muito mais sábio do que ele e cujas realizações são também mais amplas do que as suas.

Ele se culpa extremamente, então, por sua incredulidade. Quem é este que faz tais coisas? “Senhor, ausenta-Te de mim, que sou um homem pecador”.

Quão rapidamente pode o Senhor mudar o desânimo em alegria! Nós olhamos para o andamento habitual das coisas, e imaginamos que tudo deve seguir seu curso normal e manter o padrão médio. Mas o olho do cristão deve estar Naquele que pode, num momento, alterar tudo para o bem, e assim reavivar Sua obra, de maneira tal que não haverá capacidade suficiente para colher todos os resultados do beneficio.

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Exposição da Epístola aos Hebreus

Algumas partes das vestes do sumo sacerdote descritas por Moisés eram meros “memoriais”, ou lembretes das maiores e eternas coisas por vir. As doze pedras preciosas do peitoral do sumo sacerdote eram meramente “pedras de memória”. Elas testificavam sobre os fundamentos de doze pedras preciosas (Ap 21.19,20) da cidade eterna na qual os santos ressurretos de Deus habitarão (Êx 28.12,29; 39.7). O testemunho de Moisés sobre Melquisedeque, o sacerdote-rei, é a base do argumento sobre a intenção de Deus de deixar de lado o sacerdócio de Arão. E, por fim, o argumento sobre o descanso futuro do sétimo dia do Altíssimo se volta para o testemunho de Moisés em relação à obra da criação e à observância do descanso do sétimo dia sob a lei. O testemunho de Moisés, como afirma o Espírito de Deus, é incontestável – e os judeus estavam prontos para confessar isso. Nesta base, então, o apóstolo1 enquadraria seu argumento aos hebreus. Como poderiam eles se recusar a ouvir Moisés, sua testemunha confiável, quando ele testificou de um Mestre, Líder e Sumo Sacerdote maior?

Na afirmação “Cristo, como Filho, sobre a Sua própria casa” (Hb 3.6) não se destaca Sua fidelidade a um superior, e esse é o ponto agora diante de nós. “Tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus” (10.21; 1Pd 2.5; 4.17). De Moisés fora dito: “Fiel em toda a Minha casa”. Mas Cristo está sobre ela (10.21). Jesus estava aqui tipificado por José, tanto em sua humilhação como em sua exaltação. “José achou graça em seus olhos [de Potifar], e servia-o; e ele o pôs sobre a sua casa, e entregou na sua mão tudo o que tinha” (Gn 39.4). Deus “me tem posto [diz José novamente] por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa e como regente em toda a terra do Egito” (45.8). Faraó, diz Estêvão, “o constituiu governador sobre o Egito e toda a sua casa” (At 7.10).

 

“Cuja casa somos nós.”

Aqui, o sentido de “casa” é estreitado para significar “família”. Deus não está agora habitando “em templos feitos por mãos de homens” (17.24), pois qual edifício na terra poderia o homem construir que servisse à grandeza Daquele que enche o céu e a terra? Mas, enquanto isso, Deus olha para os redimidos de Cristo e habita neles, e a Igreja é a “morada de Deus em Espírito” (Ef 2.22), uma casa de pedras vivas (1Pe 2.5). É a nova criação espiritual, na qual o Altíssimo tem prazer. Os que crêem constituem o povo e a casa de Deus, sobre os quais Cristo preside. Mas é sob esta condição que habitam Nele: se retiverem firmemente o que já possuíam como crentes (e Paulo inclui a si mesmo, pois usa o pronome nós; Hb 3.14).

Eles deviam conservar “firmes a confiança e a glória da esperança até ao fim”. Qual é a esperança em questão? É aquela ligada ao chamamento celestial: a vinda de Cristo para reinar em Sua glória, e a associação de Sua fiel irmandade a Ele naquele dia. O esplendor dessa esperança foi ofuscada na mente deles devido à longa demora e pela pressão da perseguição. Esqueceram que “se sofrermos [com Cristo], também com Ele reinaremos” (2Tm 2.12). A vida de Cristo é o modelo a que os cristãos devem se moldar: primeiro sofrer; então, entrar na glória.

Que essa é a esperança é estabelecido por muitas provas. Esse é o propósito dos prévios dois capítulos de Hebreus, que apresentam Cristo como um segundo período a ser trazido à terra habitável. É o reino de justiça que alguém deve, como Seu seguidor, desfrutar com Cristo, no dia em que a perversidade dos inimigos de Cristo for abatida com mão forte e as obras de Deus forem postas em sujeição ao homem; é a grande salvação, o descanso de Deus, a primeira ressurreição (Hb 2.3; 4.1,3,10; Ap 20.5,6). É a vinda do reino milenar de Deus, de que Cristo tão frequentemente testificou. Porém nossa esperança é somente uma (Ef 4.4): sermos apreciados por patriarcas e profetas, e pelos aceitos por Deus mediante a Lei, assim como por aqueles julgados dignos mediante o Evangelho. É a esperança originada na liderança do Senhor. O desfrute da boa terra era a esperança ligada à missão de Moisés; a nossa é a glória de mil anos. Em Cristo “os gentios esperarão. Ora, o Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pelo poder do Espírito Santo” (Rm 15.12,13). “A graça salvadora de Deus se há manifestado a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo” (Tt 2.11-13).

Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.

Vislumbres daquele dia foram dadas por Moisés nos descansos ligadas aos setes da Lei. Vemos isso também anunciado na promessa de Moisés ao subir a montanha; e após o banquete dos setenta anciãos na presença de Deus, quando ele os manda ficar onde estavam, pois retornaria para eles (Êx 24.14). Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.

Quando no início creram, eles retiveram com alegre confiança interior a expectativa do breve retorno e reino de Cristo; e todo coração transbordava para os outros com exultação da glória a ser manifesta, e sua própria participação nela. “Venha, junte-se ao povo do Senhor! Ele virá brevemente para nos fazer Seus companheiros na glória!” Mas, com a demora de ano após ano, a confiança interior decaiu e o testemunho exterior, em conseqüência, enfraqueceu (Pv 13.12).

Em quarenta dias, a expectativa do reaparecimento de Moisés se foi, e, com sua extinção, despontou a idolatria; enquanto Arão, que deixara o alto posto que lhe fora dado e descera para a planície, tornou-se o culpado fabricante de um ídolo e seu sumo sacerdote.

O Espírito de Deus, então, nos ordena a nos mantermos firmes interiormente e a, exteriormente, testificar com ousadia aos demais acerca do retorno e do reino de nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos ter firmeza até o fim – não até a nossa morte, mas até Seu reaparecimento. O enfraquecimento e o abalo dessa esperança produziram, quanto a seus efeitos, o endurecimento, a esterilidade e a desobediência dos cristãos hebreus, dos quais Paulo reclama.

“Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a Sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me tentaram, me provaram e viram por quarenta anos as minhas obras” (Hb 3.7-9).

O argumento que segue a 4.12 é uma exortação aos crentes buscarem o descanso milenar e a se guardarem de provocar Deus, como fez Israel, pois o mesmo Deus que excluiu Israel da terra da promessa excluirá os ofensores no dia da recompensa, quando Cristo tomar o reino. Paulo aplica a esse propósito as advertências de Salmos 95. Assim, essa passagem corre paralelamente com as advertências do Sermão do Monte, que foi também endereçado aos crentes, e com outras passagens que tratam da entrada no reino da glória. Muitas são as passagens que tratam da recompensa vindoura, que testificam da necessidade de diligência a fim de obtê-la e da probabilidade de ser perdida.

O apóstolo caracteriza a passagem que está prestes a dar como decisiva, pois é inspirada pelo Espírito Santo, o qual fala em Salmos e em toda a Santa Escritura. Então, nosso Senhor ensina: “O próprio Davi disse pelo Espírito Santo” (Mc 12.36). “A Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35).

A presente dispensação é descrita como hoje. É um período especial, (1) do chamado de Deus para a obediência a Cristo e (2) do julgamento de Seu povo a caminho da glória. Com a fé no sangue de Cristo, como o Cordeiro da verdadeira Páscoa, começa nosso resgate de Satanás, do mundo e da maldição. Então, vem a passagem pelas águas do batismo, após as quais o deserto tem início. Mas multidões de crentes preferem continuar no Egito, a despeito da ordem de avançar.

 

“Se ouvirdes […] a Sua voz”

Jesus é nosso Moisés, o Líder para a glória. “E o lugar do Seu repouso será glória” (Is 11.10, lit.). “Por que Me chamais ‘Senhor, Senhor’, e não fazeis o que Eu digo?” (Lc 6.46). “Este é o Meu amado Filho […] escutai-O” (Mt 17.5). A obediência ao Filho é obediência também ao Pai. Essa foi a palavra que veio de Deus, quando o quadro em miniatura do reino da glória foi dado [no monte da transfiguração]. “Nem todo o que Me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus” (7.21). Hoje é o convite e o dia do julgamento; amanhã, a glória.

Não obstante, no deserto Israel desobedeceu às ordens de provas de Deus. Jeová disse aos israelitas: “Eis que tenho posto esta terra diante de vós; entrai e possui-a” (Dt 1.8). Moisés reitera a palavra: “Eis aqui o Senhor, teu Deus, tem posto esta terra diante de ti; sobe, toma posse dela” (v. 21). Eles se recusaram, afirmando que não poderiam entrar por causa dos perigos.

 

“Não endureçais o vosso coração”

O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus. Porém aqueles que são rebeldes desprezam as promessas, contestam as ameaças, não obedecerão às ordens. Eles se fortalecem em sua resistência ao Altíssimo. Quantos crentes vêem o batismo, no entanto, com vários pretextos desprezam a ordem e se recusam a confissão de Cristo que ele carrega consigo!

Quem, a não ser os crentes professos, desobedecem a Cristo?

 

“Como na provocação, durante o dia da tentação no deserto”

Logo após deixar o Mar Vermelho, e antes de chegar ao Sinai, Israel começou a provocar Deus pela murmuração por causa da necessidade de comida no deserto. Em Refidim, os israelitas murmuraram novamente. Estavam quase prontos a apedrejar Moisés, pois pensavam que a culpa fosse dele. O Senhor ajuda em ambos os casos, mas o lugar é chamado “Tentação” e “Luta” (Êx 17). Outra vez há um clamor por água, em Cades, e o lugar também é chamado de “Luta” (Nm 20). Moisés é conduzido a fazer menção disso, mesmo em sua palavra de bênção diante da morte: “E de Levi disse: Teu Tumim e teu Urim são para o teu amado, que tu provaste [tentaste] em Massá, com quem contendeste junto às águas de Meribá” (Dt 33.8).

Contudo parece, na passagem de que estamos tratando, que o Senhor considerou todo o tempo da jornada no deserto como um tempo de provocação e tentação. A maior crise ocorreu como registrada em Números 13 e 142, que analisaremos agora.

 

“Eles viram as Minhas obras por quarenta anos”

As obras da criação de Deus já haviam há muito sido completadas, e Seu repouso ali foi quebrado. Na criação, os anjos romperam em louvores e cantando hinos de alegria. Mas agora Deus trabalhava no interesse de novas obras de redenção para os israelitas: eles eram livres, eram povo de Deus. Ele os sustentou por quarenta anos, ainda que murmurassem contra Ele. Sua punição, então, seria que, quando o descanso de Deus chegasse, assim como com Seu antigo descanso na criação, eles não teriam parte nele.

Por quarenta anos o Senhor fora provocado; apesar de Suas obras maravilhosas a favor do povo, este não confiou e desobedeceu. Deus realizou as maravilhas da criação por apenas seis dias. Seus sinais redentores foram feitos por quarenta anos: sinais de poder contra os inimigos dos israelitas; sinais de favor para os israelitas, misturados com juízos contra os desobedientes que havia entre eles. As maravilhas da redenção são relatadas muito mais amplamente do que as da criação, pois elas diziam respeito a nós mais de perto, e são consideradas por nosso Deus como mais importantes e de maior glória para Ele. Mas Israel não percebeu seu significado; ele não se sujeitou ao Grande Governador.

O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus.

Então, finalmente temos o efeito dessa contínua provocação ao Altíssimo. Ele foi ofendido. O mau comportamento de Seu próprio povo O tocou mais intimamente do que o dos egípcios. Ele descobre a fonte das provocações dos ofensores: “Estes sempre erram em seu coração” (Hb 3.10). Pois o coração por natureza é “inimigo de Deus” (Rm 8).

 

Eles não conheceram os caminhos de Deus

Os “caminhos” de uma pessoa significam sua conduta como consequência de seu caráter. Suponhamos que haja alguém que foi muito gentil para com um pobre homem em sua doença. Desse ato afirmo sua disposição permanente. Diria que é de um caráter benevolente. Então, de observarmos os efeitos afirmamos a natureza das coisas. […] Assim, os israelitas deveriam ter aprendido sobre o caráter de Jeová, sobre Seus atos com respeito a eles. Eles deveriam tê-Lo amado por Sua bondade e O temido por Sua impressionante justiça.

Eles não viram Sua razão nas várias provas acontecidas pelo caminho. Pensaram que, se Deus os guiasse, não haveria problemas. Porém, essa não era a mente divina. Ele condescendeu explicar-lhes Suas razões nessas provações. “E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os Seus mandamentos ou não” (Dt 8.2). Eles prometeram obediência perfeita; porém eram ignorantes a respeito de seu orgulho, de sua perversidade e de sua inimizade conta Deus, e o Altíssimo exibiria o mal do coração deles, o mal em suas palavras e ações. “Sabes, pois, no teu coração que, como um homem castiga a seu filho, assim te castiga o Senhor, teu Deus” (v. 5). Moisés, no fim, assume o mesmo procedimento. “Tendes visto tudo quanto o Senhor fez perante vossos olhos, na terra do Egito, a Faraó, e a todos os seus servos e a toda sua terra; as grandes provas que os teus olhos têm visto, aqueles sinais e grandes maravilhas; porém não vos tem dado o Senhor um coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje” (Dt 29.2-4).

 

“Assim, jurei na Minha ira que não entrarão no Meu repouso”

Eis aqui – aquilo em que muitos não acreditarão – a ira de Deus contra Seu povo por causa da contínua desobediência. Não pode nem mesmo um pai estar de modo justo zangado com a desobediência e a provocação de um filho? Por fim, ocorreu Seu juramento de exclusão.

Olhemos um pouco mais de perto para a crise que suscitou esse juramento.

O povo propôs enviar doze espias para ver a terra antes de entrar nela. A proposta emergiu em parte da descrença; mas Moisés e o Senhor a sancionaram. Os espias retornaram após quarenta dias, trazendo testemunho da fertilidade da terra, e também exemplares de uvas, romãs e figos encontrados nela. “Vamos possuir a boa terra”, disse Calebe. Então, os espias sem fé se opuseram a ele. Tão gigantescos eram os habitantes, tão fortificadas e grandes eram as cidades que eles não poderiam possuí-la. Todo o povo tomou o partido da descrença. Pesaram seus próprios poderes contra os obstáculos a serem superados, e deixaram o poder de seu Deus. Cada um encorajou o outro a não crer, até imaginaram e disseram que Jeová somente os havia guiado pelo deserto com o propósito de entregá-los à espada dos cananeus! Calebe e Josué foram encorajá-los. “A terra é boa! Se nosso Deus for conosco, os cananeus não poderão se opôr a nós. Não se rebelem contra o Senhor!” “Mas toda a congregação disse que os apedrejassem; porém a glória do Senhor apareceu na tenda da congregação a todos os filhos de Israel. E disse o Senhor a Moisés: Até quando Me provocará este povo? E até quando não crerá em Mim, apesar de todos os sinais que fiz no meio dele?” (Nm 16.10,11). Moisés intercedeu, ou toda a congregação seria destruída. Em resposta, “disse o Senhor: Conforme à tua palavra lhe perdoei. Porém, tão certamente como Eu vivo e como a glória do Senhor encherá toda a terra,3 e que todos os homens que viram a Minha glória e os Meus sinais, que fiz no Egito e no deserto, e Me tentaram estas dez vezes e não obedeceram à Minha voz, não verão a terra de que a seus pais jurei, e nenhum daqueles que Me provocaram a verá” (vv. 20-23).

Agora segue uma íntima aplicação dessa história para os crentes hoje.

“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo” (Hb 3.12).

Três vezes a expressão “qualquer de vós”4 é trazida para alertar os crentes hebreus daquele tempo. “Para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (v. 13). “Pareça que algum de vós fica para trás” (4.1). O Espírito Santo previu que a objeção seria feita: “Apliquem todo tipo de advertência aos professos: eles não são dos nossos! Como podem os crentes ser acusados de incredulidade no coração?” Mas como poderiam crentes apartarem-se, no coração, do Deus vivo? Vejamos um exemplo. “Por que o Senhor nos traz a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por presa? Não nos seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Era o voltar atrás do coração, não realizado em ato porque Deus chegou para impedir.

Ao ouvir isso, deveríamos supor que uma negativa deve ter, por algum acidente, caído do texto, e que deveríamos ler: “Vede, irmãos, que não há em qualquer de vós um coração mau e infiel”. “Nenhum de vós se endureceu pelo engano do pecado”. Mas não: é endereçado aos descrentes entre os crentes! Em qual coração não há um pouco desse velho fermento? Os israelitas deixaram o Egito por fé na mensagem de Deus dada por Moisés, mas a alma deles recuou quando foram colocados face a face com os obstáculos na terra. “Então eu vos disse: Não vos espanteis nem os temais. O Senhor, vosso Deus, que vai adiante de vós, Ele pelejará por vós, conforme a tudo o que fez convosco, diante de vossos olhos […] Mas nem por isso crestes no Senhor, vosso Deus“ (Dt 1.29,30,32).

“Mas por que comparar um povo que anda segundo a carne com o agora povo regenerado de Deus?”

Porque assim Deus faz aqui! Porque, mesmo no regenerado, estão os remanescentes do velho Adão.

“Mas a igreja de Cristo não está debaixo da lei, mas debaixo da graça, e nenhum perigo pode ameaçá-la.”

Se é assim, esta epístola é um erro, pois é baseada no princípio oposto: que, embora os crentes estejam agora salvos pela graça, eles, no aspecto do galardão, devem, como o antigo povo de Deus, ser tratados “de acordo com as obras”. A Epístola aos Hebreus é de Deus?

 

“Um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo”

O “Deus vivo” desta passagem é o Senhor Jesus. Foi declarado que Ele é o Criador e o Sustentador de tudo. [No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.1-3).] “Eis que Deus é grande, e nós não O compreendemos, e o número dos Seus anos não se pode esquadrinhar” (Jó 36.26). Pedro assim confessou Cristo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16). E o Filho é da mesma natureza de Seu Pai. Assim Jesus, em ressurreição, descreve a Si mesmo: “Eu sou o primeiro e o último, e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.17,18). Ele é o Senhor da vida; provou assim ser na ressurreição; [Aquele que irá] introduzir outros no reino pela primeira ressurreição, por meio de Seus méritos (5.9,10). O Novo Testamento nos diz também que os israelitas no deserto tentaram a Cristo (1Co 10.9).

“Não seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Esse foi o afastamento de coração entre eles e Jeová. E um risco semelhante estava assaltando os cristãos hebreus. Eles foram tentados a retornar a Moisés e à Lei, deixando Jesus, o Senhor, por causa da perseguição e dos perigos do caminho para Seu reino milenar.

A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece.

“Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3.13).

O remédio a ser oposto a esse perigo é uma constante exortação de uns aos outros. Quanto quer que dure o perigo da queda, esse é o período que Deus chama de Hoje. “Hoje não endureçais vosso coração”. Estamos em constante perigo; apliquemos constantemente essa arma da exortação. Vigiemos para não deixar de confiar em Deus e para não retrocedermos com medo dos inimigos a serem encontrados, assim perdendo o dia de especial glória para o qual fomos chamados. Busquemos o prêmio de nosso chamado. Busquemos “em primeiro lugar o reino de Deus e sua [ordenada] justiça” como o meio para isso (Mt 6.33).

Aquele que ouve a Palavra de Deus não deve endurecer o coração. A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece. A fé nos faz tremer de Sua Palavra; a incredulidade faz pouco das promessas e dos avisos do Senhor. “Desprezaram a terra aprazível; não creram na Sua palavra” (Sl 106.24). Quando os israelitas foram mandados a subir, eles não foram, apesar de Deus estar com eles. Quando foram proibidos, eles subiram, ainda que Deus estivesse contra eles. Tudo vai bem conosco quando reverenciamos a autoridade de Deus manifestada em Sua Palavra. Mas permanecer em oposição a toda ordenação Dele é perigoso. O pecado se espalha pela alma como um câncer. Nós podemos nos fazer de surdos às ameaças de Deus, mas, por fim, elas se provarão verdadeiras. Podemos nos encorajar ou consolar com o número daqueles que, como nós, desobedecem; mas a multidão dos desobedientes em Israel era teve desculpa. Seiscentos mil homens, e um igual número de mulheres, pereceram: foram apenas dois que entraram.

Essa palavra de advertência é também como um espelho para nós na história apresentada. Calebe acalma os murmúrios dos israelitas diante de Moisés, e exorta-os a subirem de uma vez e possuírem a terra. Mais tarde, Calebe e Josué exortam o povo a obedecer; mas a multidão furiosamente resiste ao apelo e clama que os dois fiéis sejam apedrejados. Então, toda esperança de restauração do povo se vai, quando a exortação é rejeitada e o coração está endurecido a ponto de procurar a morte dos servos fiéis. O pacto de Deus, assim, vai adiante contra os descrentes e rebeldes, e, enquanto eles tentam, presunçosamente, subir, são abatidos diante do inimigo, pois o Senhor não estava com eles. Quantos estão agora endurecendo-se contra o batismo, “o Reino Pessoal”, e a recompensa segundo as obras!

Notas

1O autor acredita que Paulo, chamado de “o apóstolo”, é o autor de Hebreus. Essa é a opinião mais comum entre os cristãos, mas não é unânime. (N. do R.)

2É notável que a referência aos capítulos 13 e 14 ocorra logo após a referência, em Hb 2.2, a Moisés como o “servo fiel” em Nm 12. (N. do E.)

3Eis aqui uma pista de “Meu descanso”. Eis aqui uma intimação do dia milenar, quando toda a terra será cheia da glória de Deus e o “Filho do homem” será seu centro (Sl 8). (N. do E.)

4Nos três versículos citados, as mesmas palavras gregas são usadas, apesar da diferente tradução em cada um deles. (N. do R.)

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A acusação contra Estêvão, sua defesa e seu martírio (Robert Govett)

 

O significado do discurso do primeiro mártir

Poucos leitores ou mesmo estudantes da Escritura percebem muita força na defesa de Estevão, registrada em toda a sua extensão em Atos 7. Parece-lhes apenas uma citação desconexa de partes da história patriarcal e israelita, tendo pouca ou nenhuma influência sobre as acusações feitas contra ele. Eles pensam também que, muito provavelmente, a defesa foi interrompida antes de chegar à conclusão pretendida pela violência provocada ou que se iniciava. Portanto, eles são incapazes de perceber por que os inimigos de Estêvão estavam tão exasperado com o discurso.

Com a ajuda do Senhor, o Espírito, penso ser capaz de conduzir o leitor a um tal ponto de vista que ele possa perceber que a defesa do mártir é cheia de vigor, dando forte testemunho contra os pontos de vista de seus acusadores e uma real e triunfante refutação de suas acusações.

Estêvão era um dos sete judeus de língua grega designados pela igreja em Jerusalém e pelos apóstolos para atender à nova tarefa emergencial, que surgiu da necessidade de suprir as necessidades das viúvas helenistas daquele dia (cap. 6). Estêvão era um dos novos diáconos; mas, além disso, ele operou muitos prodígios e milagres. Ele foi levado à discussão com os judeus do partido contrário a Cristo. Provavelmente, a discussão se deu na sinagoga dos libertinos (v. 9)1; e, ao que parece, o desafio se originou com eles.

No conflito, Estêvão provou-se vitorioso, pela sabedoria e pela graça do Espírito Santo que lhe foram dadas. Isso desagradou o partido derrotado, e seus membros procuraram matá-lo. É mais fácil matar um homem de Deus do que refutar os argumentos que ele deriva das Escritura.

Eles o acusaram, então, de blasfêmia contra Moisés e contra Deus. Eles o apresentaram perante o conselho religioso da nação e trouxeram contra ele falsas testemunhas que afirmavam: “Este homem não cessa de proferir palavras blasfemas contra este santo lugar [o templo] e a lei. Porque nós lhe ouvimos dizer que esse Jesus Nazareno há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos deu” (vv. 13,14).

A resposta de Estêvão nos apresenta, de modo indireto, os argumentos geralmente utilizados pelos judeus que se opõem ao Messias. Vemos neles os homens da carne e da lei, cheios de justiça própria, confiantes de serem melhores do que seus pais e com direito de esperar o cumprimento das bênçãos prometidas a Israel por Moisés e os profetas (Lc 18.9; Mt 23.30). Nós os vemos aqui esperando um Messias reinante e recusando o Sofredor. Entre os acusadores de Estêvão estavam saduceus, homens que criam que as únicas recompensas e punições eram recebidas nesta vida; a imortalidade do homem era, para eles, apenas um dogma dos fariseus. Esses homens podiam mediria a criminalidade de cada pessoa pela história dela. Se um problema se abatia sobre alguém, isso era uma prova de culpa e de que ele era recusado pelo Altíssimo (Lc 13.1-5).

Assim, os argumentos dos oponentes judeus de Estêvão tinham a seguinte forma:

“Jesus não é o Cristo.”

  1. “Como Ele pode ser o Messias se nunca recebeu de Deus o trono e o cetro prometidos ao Filho de Davi (Sl 72; 89)? Jesus falou muitas vezes sobre o reino de Deus, mas este nunca veio (Lc 17.20). Se Ele fosse o profeta como Moisés, como Seus amigos afirmam, Ele teria tido a confiança de Israel e teria provado ser o Libertador de Israel, como Moisés foi (cap. 24). Agora, pelo contrário, quando foi preso e condenado, Ele nunca se livrou da maldita e cruel morte da crucifixão. Deus não liberta sempre Seus amados servos quando estão em dificuldades e em perigo de morte? Não foi prometido que o Messias seria coberto pela mão de Deus, salvo e exaltado (Sl 91.14,15; 41)?”
  2. “Não foi prometido nas Escrituras que os inimigos do Messias seriam cortados (Sl 89.23; 72.9; 97.3)? Como veio a acontecer, então, se Jesus era o Messias, que os discípulos de Moisés que resistiram a Suas reivindicações e mataram o povo Dele não foram destruídos por juízos miraculosos, como os profetas anunciaram.” A partir dos apelos feitos a Jesus na cruz, vemos que esse argumento era considerado muito poderoso e satisfatório. Passantes, escribas, anciãos, sumos sacerdotes, espectadores, soldados, os ladrões, todos, judeus e gentios, juntaram-se a desafiá-Lo a descer da cruz e a salvar-se, se Ele fosse verdadeiramente o Cristo, o Rei de Israel, o Filho de Deus (Mt 27.39-44; Lc 23.35-46). Era de supor, portanto, que Sua morte tenha sido a destruição de Suas pretensões.
  3. Outro argumento contra as reivindicação de nosso Senhor era fundado sobre a decisão judicial de Sua própria nação contra Ele. “O sábio, o douto, o poderoso haviam rejeitado Suas alegações e deram a sentença de morte contra Ele. Escribas e sacerdotes em seu concílio O condenaram como blasfemo. E a lei dizia que a decisão dos sacerdotes e dos juízes em Jerusalém devia ser considerada infalível (Dt 17.8-11). Ele foi justamente condenado à morte, então, por ser um enganador (Mt 27.63; Jo 7.48).” Esse argumento também foi considerado de grande peso, como podemos ver pelo discurso dos dois discípulos de Emaús indo. “Jesus”, eles disseram, “foi homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo. No entanto, os principais sacerdotes e governantes O entregaram aos romanos para ser condenado à morte e O crucificaram. Se Sua própria nação O rejeitou como impostor, como Ele poderia ser o Messias? O povo do Messias seria de súditos voluntários, como o salmista declarou” (Sl 110; Lc 24.19-21).
  4. “Como Ele poderia ser o Messias, se Ele ameaçou destruir o templo e mudar os costumes de Moisés? Não foram todos os reis piedosos da linhagem de Davi zelosos com a manutenção de toda a lei, restaurando-a quando ela caía em desuso?”
  5. “Por fim, como poderiam os cristãos ser ‘os filhos do reino’ do Messias, como eles pretendiam, quando eles eram desprezados, detidos e despojados? Em vez de serem exaltados, eles estavam perdendo até mesmo os privilégios que haviam conquistado pela lei de Moisés. Se Jesus fosse de fato seu Cabeça, como diziam, por que Ele não os defende? Por que Ele não os vinga daqueles que os maltratam? O que havia acontecido com Ele? Se Ele havia ressuscitado, por que não se mostra, para que pudessem vê-Lo e confessá-Lo como de fato ressurreto?”

Agora, o discurso de Estêvão transmite, principalmente na forma de narrativa, uma resposta àqueles argumentos, e a outros semelhantes. Visto desse ponto de vista, sua defesa é uma rajada bem dirigida – cada tiro é o que disse – e derrubando irresistivelmente seus oponentes.

O mártir toma a história de Abraão, de José e de Moisés, e por essas duas ou três testemunhas estabelece cada palavra.

1. Primeiramente, toma o caso de Abraão.

O que Israel pensa acha dele? Que ele era “o amigo de Deus, o grande e justo cabeça de sua nação, seu pai, fonte das promessas feitas a si mesmo e à nação”.

Se agora vamos julgar pelas circunstâncias, como eles iriam provar seu ponto de vista a partir da vida de Abraão?

O Altíssimo começou tirando-o de seu país, parentes e amigos. Abraão devia deixara a todos por uma terra estrangeira, da qual ele não sabia de nada. Deus prometeu-lhe que a (a) terra seria dele e que uma (b) posteridade numerosa quanto a areia da terra e como as estrelas do céu lhe seria dada.

O Altíssimo cumpriu essas promessas feitas a ele?

(a) Será que Ele lhe deu a terra da Palestina como sua posse? “E não lle lhe deu nela herança, nem ainda o espaço de um pé” (At 7.5).

Ele prometeu a terra à sua descendência. Israel obteve isso? Ou Jacó? Ou os doze patriarcas?

(b) Ele viu o cumprimento de uma inumerável descendência? Por longos anos, ele não teve filho (v. 5).

O que Deus diz sobre a descendência de Abraão? “A sua descendência seria peregrina em terra alheia, e a sujeitariam à escravidão e a maltratariam por quatrocentos anos” (v. 6).

Como, então, eles deviam julgar Abraão, se usassem com ele a mesma medida que usaram com Jesus Cristo? Eles deveriam dizer: “Ficou claro que Abraão foi iludido ou era um impostor, pois ele não havia ainda apreciado as promessas que ele imaginou que o Todo-Poderoso lhe havia feito!”

Mas, se o tratamento da descendência de Abraão por 400 anos foi tão grave como predito, então, isso era prova de que os crentes em Jesus como o Cristo não foram iludidos, porque eles foram afligidos e perseguidos em sua própria terra, e por mais tempo que aquilo.

A seguir, não há nenhuma prova contra Jesus ser o Herdeiro individual e o Cabeça prometido da descendência de Abraão, por Ele ter sido recusado e rejeitado até a morte.

Como eles poderiam responder? “Nós admitimos tudo isso, mas outra era está vindo, em que Abraão, Isaque e Jacó serão ressuscitados dentre os mortos, e a descendência deles irá, então, desfrutar a terra e se tornar inumerável, enquanto outras promessas serão cumpridas para eles, que estão incluídos no reinado do Messias, o grande Herdeiro de Abraão. Além disso, Deus prometeu, no exato momento em que ratificou a aliança com Abraão, que Ele julgaria a nação que os perseguiu e os tiraria de sua servidão para servi-Lo em riqueza e liberdade.”

Para esse argumento, a resposta era facilmente evidente.

“Nós, cristãos, concordamos com vocês. Mas, se o tempo futuro de retribuição e do cumprimento das promessas serve no caso de Abraão, serve para nós também. Nós também dizemos: “O julgamento é vindo sobre aqueles que perseguem a descendência espiritual de Abraão, os filhos de sua fé. E os verdadeiros filhos de Abraão devem ter uma maior libertação e melhores riquezas do que aqueles do Israel resgatado do Egito. Assim, afinal de contas, Jesus pode ser o herdeiro de Abraão, a semente a quem a promessa foi feita (Gn 15.18). Jeová deu um símbolo do tempo de angústia que devia preceder a libertação, o qual deve confirmar nossa fé: quando o pacto foi ratificado, um forno de fumaça precedeu a tocha de fogo (v. 17). Ou seja, a fornalha de tijolos e o rigor do Egito deveriam preceder o glorioso livramento (Dt 4.20; Is 62.1). Muito longe de a presente perseguição provar que nós e nosso Senhor não somos a descendência de Abraão, ela é, na verdade, uma prova a nosso favor!”

Também a observação de Estêvão, de que o Deus da glória mostrou-se a Abraão, na Mesopotâmia, muito antes de habitar em Canaã, é uma refutação inicial da idéia deles de que o culto a Jeová só poderia ocorrer na terra santa e na cidade santa.

O mártir, a seguir, fala do pacto da circuncisão (Gn 17), que se seguiu ao primeiro pacto (cap. 15), e, então, traça a linha da posteridade circuncidada de Abraão até José.

2. José

“O que vocês, hebreus, pensam de José?”

“Ele era grande e sábio, o favorecido de seu pai e de seu Deus, governante do mundo e libertador de Israel em tempo de extrema necessidade. Ele também era amado por Deus, como testemunham os sonhos que falavam de sua grande exaltação, e que, como enviados do céu, foram por fim cumpridos.”

Mas o que dizer de sua história terrena, tanto no meio da própria família como com os gentios?

“Os patriarcas, movidos de inveja, venderam José para o Egito” (At 7.9). Eles o odiavam, e nem sequer conseguiam falar pacificamente com ele. No Egito, ele é falsamente acusado, contado com os transgressores e enfiado na prisão por seu mestre gentio. O que vocês dizem dele agora? Esses problemas tão repetidos e que continuaram por tanto tempo não provam que ele fora rejeitado por Deus! Quando seus irmãos disseram: “Eis lá vem o sonhador-mor! Vinde, pois, agora, e matemo-lo e lancemo-lo numa dessas covas, e veremos que será de seus sonhos” (Gn 37.19,20), qual foi o partido aprovado? Quem foi condenado por Deus: os onze chefes da nação ou José? “Deus era com ele” (At 7.9; cf. Gn 39.2,3,21,23).

O homem rejeitado era o homem aprovado por Deus. Portanto, a mesma conduta por parte de Israel contra Cristo, incitada pelo mesmo espírito de inveja, não é prova de que Jesus não é o Cristo, o Filho amado de Deus (Mt 27.18; Mc 15.19). José foi vendido por vinte moedas de prata (Gn 37.28); Jesus, por trinta (Mt 26.15). José foi entregue aos midianitas; Jesus, aos romanos.

Será que aflição e humilhação provam que José foi abandonado pelo Altíssimo? Se isso não aconteceu, não pode a mesma aflição ser usada como argumento contra Jesus. Deus não apenas estava com José, mas “livrou-o de todas as suas tribulações e lhe deu graça e sabedoria ante Faraó, rei do Egito, que o constituiu governador sobre o Egito e toda a sua casa” (At 7.10).

Talvez, então, pode ser verdade que Jesus desprezado, vendido, falsamente acusado por Seus irmãos, pode não só ter sido livrado de todas as Suas provações pela ressurreição, mas ter sido promovido no alto diante do Rei dos reis, para ser governante do mundo e Senhor da família de Deus, tanto de anjos como de homens! José, rejeitado por sua própria família, e esquecido, encontrou casa e glória no Egito. Jesus, desprezado como “um sonhador” por Israel, foi, no entanto, considerado supremamente sábio pelo Governante da terra e do céu!

A primeira metade da vida de José é fortemente marcada pela aflição. “Até ao tempo em que chegou [se cumpriu] a sua [de José] palavra, a palavra do Senhor o provou” (Sl 105.19). A segunda metade foi gloriosa como nunca vista anteriormente, e sem interrupção. Não poderia, portanto, ser assim um dia com o rejeitado Nazireu também?

Vocês dizem: “Como Ele pode ser o Messias e Libertador de Israel se não pôde livrar a Si mesmo da degradante morte da crucificação?” Tentem o mesmo raciocínio com José! Ele poderia ser o exaltado de Deus e o libertador de sua nação e do mundo que não podia se livrar de ser lançado em um poço, de ser vendido por menos do que o preço de um escravo e ser jogado num calabouço como um malfeitor sob falsa acusação?

Logo veio o juízo sobre seus perseguidores. A fome os assaltou. O Egito era o único país onde se podia obter comida. Isso os trouxe involuntariamente às mãos de José. Ele era dono da vida e da fortuna deles, e estava ciente disso. Talvez isso seja uma tipologia de um dia por vir, o dia da Grande Tribulação, quando Israel lançará suas esperanças no Messias e vai pedir Sua ajuda e Sua vinda, ignorante de que Jesus é o Messias.

Na segunda vez em que os patriarcas foram a José, este se revelou a eles, e deu a conhecer sua parentela a Faraó.

Assim também, Jesus, o rejeitado em Sua primeira vinda, pode, em Sua segunda vinda, fazer-se conhecer a seus irmãos de Israel e perdoá-los, enquanto Ele os estabelece no alto das nações do mundo e os reúne em sua própria terra.

Jacó e os outros patriarcas morreram no Egito, nunca recebendo a posse da terra da promessa. Eles tiveram uma tumba em Canaã.2 Eles eram apenas peregrinos e estrangeiros. Não seria maravilhoso, então, se os cristãos ocupassem o mesmo lugar de fé? Pois Israel e Jerusalém agora se tornaram Egito (Ap 11.8). Então, Deus começou a cumprir Sua profecia a Abraão com respeito às aflições e escravidão do povo no Egito. Seu aumento além da medida provou que Deus não se esqueceu deles. No entanto, esse aumento foi o motivo de sua aflição. Ele fez o Egito e seu rei muito ciumento deles. Talvez, então, o rápido crescimento dos cristãos naqueles dias fosse a prova de que Deus estava com eles, e as aflições que suportaram não fosse uma prova contra eles, mas, sim, uma evidência de que eles eram a verdadeira semente de Abraão, abençoados por Deus conforme a promessa, e prestes a serem libertados.

3. Moisés

Chegamos agora à história crítica de Moisés.

O que dizer de Moisés? “Ele era o chefe e mais fiel dos servos de Deus, o maior dos homens. Deus o amava e falou face a face com ele, e colocou Sua glória sobre o semblante dele.”

Apliquem agora a Moisés o mesmo princípio pelo qual vocês condenaram Cristo. O que vocês teriam pensado dele, se o julgassem pelas circunstâncias de sua vida?

Que ele foi rejeitado por Deus! Embora tenha liderado sua nação com a esperança da terra que manava leite e mel, ele próprio ficou fora dela pela decisão judicial de Deus. Isso não põe por terra o que vocês pensam de Moisés? Nem desfaz um pouco seu ponto de vista sobre Cristo?

Mas vamos com Estêvão entrar mais particularmente nessa história.

1. Moisés nasceu quando o momento da libertação prometida se aproximava, mas ele estava em perigo desde o nascimento. Jesus, por Sua vez, nasceu em circunstâncias em que não havia nenhuma prova contra Ele, mas, sim, uma evidência de que Ele era o predito profeta como Moisés, a quem Ele começou a se assemelhar a partir do momento de Seu nascimento.

Moisés “era mui formoso”, ou “formoso para Deus”, como trazem algumas traduções (At 7.20). Não foi Jesus muito mais reconhecido por Deus, como comprovado pelo cântico dos anjos que glorificaram o Altíssimo no nascimento Dele? E o que dizer do testemunho de Jeová em Seu batismo? “Tu és o Meu Filho amado em quem Me comprazo” (Mc 1.11).

“Moisés foi instruído em toda a ciência dos egípcios, e era poderoso em suas palavras e obras” (At 7.22). Jesus foi grande em sabedoria, de modo que surpreendia a todos os que O conheceram, embora a houvesse adquirido sem ensino humano (Mt 13.54). Jesus é descrito pelos dois discípulos que iam para Emaús como “homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo” (Lc 24.19).

Moisés, caso quisesse, poderia ter morado na casa do rei, muito acima das aflições que se abateram sobre seu povo; e seria uma maneira justa de estar próximo ao trono do Egito, se não no próprio trono. Mas seu coração de compaixão enternecia-se por seus irmãos oprimidos. Ele deixou, então, de forma voluntária, sua glória para tomar parte com o povo aflito de Deus, quando ele tinha 40 anos, e plenamente competente para pesar as conseqüências dessa escolha. Não pode, então, ser Jesus o Profeta como Moisés, se Ele desceu de um trono mais elevado, movido pela compaixão por Israel e o mundo? Será que eles admiram Moisés por sua condescendência desinteressada? Por que, então, não admirar Jesus também pela mesma razão?

Isso não foi tornar-se um profeta como Moisés, embora ainda fosse superior a ele?

Moisés, empenhado com o bem-estar de seu povo, em uma ocasião deu um passo adiante, por meio de um ato público, para testemunhar quão completamente ele havia tomado o lado de Israel. “E, vendo maltratado um deles [israelitas], o defendeu e vingou o ofendido, matando o egípcio” (At 7.24). Não foi a conduta de Jesus como essa, quando Ele avançou para libertar Seu povo da escuridão espiritual, para resgatá-lo da doença e para mostrar Seu poder sobre Satanás e a morte? “Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (At 10.38). Jesus a ninguém feriu com a morte3, mas Ele libertou os oprimidos por demônios e venceu o príncipe deles.

Moisés ficou desapontado em sua tentativa de envolver-se com as aflições de seu povo. “E ele cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus lhes havia de dar a liberdade [salvação, na tradução usada pelo autor] pela sua mão, mas eles não entenderam” (7.25). A causa de Jesus foi assim também! Deus estava dando uma salvação superior para Israel e para o mundo, e Jesus iria fazê-los conhecê-la, mas eles não a perceberam! Talvez esse tenha sido o tempo predito da cegueira dos filhos de Israel, quando eles deveriam ver o Messias e Suas obras e não O receberem, deveriam ouvir Suas palavras de sabedoria e não as compreenderem (Is 6).

Temos, a seguir, a descrição da crise do esforço de Moisés. Seu próprio povo estava dividido, a parte injusta prevalecendo (At 7.26). Ele alegremente teria removido as discórdias [entre os israelitas], como um primeiro passo para o salvamento deles. Mas o que fazia mal a seu próximo rejeitou-o, tanto por palavras como por obras. Ele repeliu Moisés e negou sua missão de libertação, reprovando Moisés com próprio ato deste a favor de seu compatriota. Não seria, então, que a bondade e a graça de Jesus com respeito a Israel tenham sido de igual modo incompreendidas pela nação e seu propósito de redimi-la, recusado pela seita orgulhosa e opressora dos fariseus? Não que, em certo sentido, a censura lançada contra Moisés possa ser dirigida contra os judeus. Quando foi solicitado a dividir uma herança entre dois irmãos em desacordo, Jesus se recusou, com palavras como este opositor de Moisés: “Homem, quem Me pôs por juiz ou repartidor entre vós?” (Lc 12.14). Moisés, pela justiça, matou o egípcio. Cristo, na graça, libertou alguns da morte e curou a orelha ferida de um de Seus perseguidores. Moisés foi censurado por seu ato de graça com respeito a Israel, um ato que colocou sua vida em perigo? E não foi a morte de Cristo instigada por ter Ele ressuscitado Lázaro dentre os mortos? Por outro lado, Ele foi insultado na cruz por Seus inimigos com: “Salvou os outros e não pode salvar a Si mesmo” (Mc 15.31).

Qual dos dois partidos, então, eles [os judeus que ouviam Estêvão] diriam estar certo em palavras e atos na primeira ocasião? Moisés? Ou Israel? “Moisés!”, eles responderiam. Talvez, então, a rejeição a Jesus por parte da nação era como o mal nos dias deles, como a recusa de Moisés tinha sido nos dias de outrora!

Poderia Deus amar Moisés e estar com ele, apesar da rejeição nacional? Isso não pode ser verdade com respeito a Jesus? É a Pedra rejeitada, rejeitada pelos construtores cegos de Israel, que um dia será a Pedra de esquina.

Desse modo, Moisés, rejeitado, está em perigo de vida e foge. Por 40 anos, ele se demora em outra terra; ali encontra uma esposa e tem uma família. Jesus rejeitado poderia ter fugido, mas, por amor a outros, entregou Sua vida. Enquanto não está pronto, Israel se afasta para outra região, onde é gratamente recebido. Se Jesus deve se afastar de Seu povo por um tempo maior do que o de Moisés, Ele ainda seria o único semelhante a Seu antecessor, e Sua ausência de Seu povo cego e oprimido não seria nenhuma prova contra Sua missão divina, mas, sim, a favor dela.

Avançamos para a segunda e, desta vez, bem-sucedida visita a Israel. “E, completados quarenta anos, apareceu-lhe o anjo do Senhor no deserto do monte Sinais, numa chama de fogo no meio de uma sarça” (At 7.30). A primeira aparição de Deus a Abraão originou a dispensação patriarcal. Essa aparição de Jeová a Moisés originou a dispensação mosaica.

De Moisés se pode dizer que sua primeira tentativa de libertar Israel havia sido prematura. Ele agiu provocado por seus sentimentos naturais, não endossado por qualquer comissão sobrenatural de Deus. Foi apenas na segunda ocasião que milagres lhe foram dados, e, assim, ele foi bem-sucedido.

Mas da missão de Jesus isso não poderia ser dito. Deus apareceu a Jesus em Seu batismo. O novo nome de Deus, como Pai, Filho e Espírito, estava lá exibido no ato. Moisés foi obrigado a perguntar o nome de Deus que ele deveria apresentar a Israel; Jesus estava ciente dele: Ele é o Filho. Moisés tem medo, e é avisado para não se aproximar sem preparação. Jesus não tem medo, e sobre Ele o céu se abriu e o Espírito desceu e repousou sobre Ele. Não há aqui um maior do que Moisés?

Mas se for dito: “O aparecimento de Moisés teve lugar depois de sua rejeição e de sua fuga”, nós ainda encontraremos novas semelhanças que se revelam e novas superioridades. Pela intercessão do Cristo ascenso, como Pedro testemunha, o Espírito Santo, como o anjo (ou O enviado) do Senhor, desce em fogo sobre os discípulos do Cristo rejeitado. Não poderiam eles, então, ser a sarça que queimava, mas não se consumia? Moisés se maravilhou da visão. E não se maravilharam os homens de Israel vindos de todas as nações, quando o Espírito Santo desceu em vento e fogo, deu aos 120 que falassem novas línguas, enquanto línguas de fogo que não consumia estavam sobre a cabeça deles? Do fogo da sarça saiu a voz de Jeová, testificando que Ele era o Deus dos pais. Não podem, assim, os testemunhos dos apóstolos inspirados serem verdade: que essa nova manifestação veio do Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó (At 313,25; 5.30; 22.14).

Onde foi que aconteceu essa manifestação de Deus nos dias de Moisés? Na Terra Santa e em seu templo? Não, mas antes de qualquer tabernáculo ou templo terem sido construídas, no deserto da Arábia! Por que, então, eles [os judeus que apedrejavam Estêvão] deviam imaginar, que a revelação de Si mesmo que Deus fazia fora confinada ao templo ou que Ele era obrigado a morar apenas lá? Não foi essa aparição de Deus no deserto a Moisés que anulou quaisquer antigos locais de moradia de Deus, se eles existissem? Então, não poderia ser verdade que a Igreja de Deus, Sua casa de pedras vivas [e obedientes4], fosse o lugar de Sua morada atual, deixando de lado o templo de Herodes?

Enquanto Moisés era rejeitado, Israel continuava sob opressão dos gentios. Então, não pode ser verdade, se Jesus fosse o profeta como Moisés, e superior a ele, que Israel pudesse continuar cego em relação a Deus e oprimido por homens, enquanto rejeitar Jesus, por mais longo que esse tempo possa ser?

“Agora, pois, vem, e enviar-te-ei ao Egito” (At 7.34).

“A este Moisés, ao qual eles haviam negado, dizendo: Quem te constituiu príncipe e juiz?, a este enviou Deus como príncipe e libertador, pela mão do anjo que lhe aparecera na sarça” (v. 35).5

A nação negou Moisés e o afastou. Negou-o naqueles exatos aspectos em que, como ele viu, o Deus de Israel desejava usá-lo. A nação estava certa em sua negação? Eles [os contemporâneos de Estêvão] diziam: “Não!” Não pode, então, a nação estar errada em outra negação, esta diante de Pilatos? O Espírito Santo os acusou disso: “”O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou Seu Filho [servo6, na versão usada pelo autor], Jesus, a quem vós entregastes e perante a face de Pilatos negastes7, tendo ele determinado que fosse solto. Mas vós negastes o Santo e o Justo e pedistes que se vos desse um homem homicida. E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dentre os mortos” (3.13-15). Não poderia, então, Jesus, apesar de ser o rejeitou de Israel, ser, no entanto, o Escolhido de Deus? Ainda que vos, ó homens de Israel, diante de Pilatos tenhais rejeitado a Jesus como seu rei, Ele não pode ainda ser o Rei eleito de Deus? A boa vontade de Deus e Seu conselho para o futuro não foram mais plenamente declarados na ressurreição de Jesus dentre os mortos do que na extensão da vida de Moisés? Sim! Jesus é, portanto, declarado ser o Juiz de todos (10.42; 17.31). Talvez, então, Jesus seja o libertador de há muito esperado! Sua rejeição por parte dos grandes homens de Israel fez os dois no caminho de Emaús vacilarem. Mas o Salvador rapidamente os endireitou: “Porventura não convinha que o Cristo padecesse [primeiro] estas coisas e [então] entrasse na Sua glória?” (Lc 24.26). Não deveria a Pedra que seria a Pedra de esquina ser primeiramente rejeitada pelos sábios construtores de Israel? Na rejeição de Moisés por Israel, a quem isso condena? A Moisés? Ou a Israel? Talvez, então, a condenação deles a Jesus não era além da luta de Israel contra o Escolhido de Deus, e uma condenação de si mesmo!

Moisés, no trabalho de libertação, não estava sozinho. Uma Pessoa Divina participou com Seu mandamento divino para organizar tudo e para acabar com todo o poder humano com a força divina. E não foi a mesma coisa, em parte, mostrada quando o Espírito Divino, no batismo de Jesus, desceu sobre Ele? Então, Ele começou a agir publicamente na sabedoria e no poder de Deus. Isso não foi algo superior à comissão de Moisés no deserto? E o que havia acontecido depois disso? Não tinham ouvido todos de Jerusalém a respeito da descida do Espírito Santo no Pentecostes, em vento e fogo? E da sabedoria divina e do poder de milagres que se seguiram, atestando, então, de Jesus como o Libertador ascenso?

“Foi este [Moisés] que os conduziu para fora, fazendo prodígios e sinais na terra do Egito, e no Mar Vermelho e no deserto por quarenta anos” (At 7.36).

Repetidamente, aquele que fala [Estêvão] justapõe, a sua contrariada audiência, a identidade do Escolhido de Deus com a daquele que foi negado pelos pais! Eles [os israelitas do passado] falaram de Moisés naquele dia de outrora com desprezo: “Este Moisés” (v. 35). Agora, eram homens dos dias de Estêvão que, com desprezo similar, tratavam o Senhor da glória: “Esse Jesus Nazareno” (6.14). Nos dias de Estêvão, a nação inteira se levantou para vingar no mártir um suposto desrespeito contra Moisés, embora, mesmo sem nenhuma palavra pronunciada! Talvez, então, um dia as coisas possam se inverter no que dizem respeito a Jesus, e a nação possa adorá-Lo e regozijar-se Nele como seu libertador a quem seus pais perseguiram e mataram!

Moisés, que na primeira aparição a Israel não operou nenhum milagre, na segunda ocasião não veio armado com o poder de realizar sinais e maravilhas? Como, então, não pode ser crido que Jesus, o qual em Seu primeiro apelo a Israel mostrou sinais e maravilhas maiores e mais numerosos do que os de Moisés, opere prodígios ainda maiores na ainda futura libertação de Israel?

Por um período de 40 anos, milagres no Egito, no Mar Vermelho e no deserto ocorreram. Não pode, então, haver um período em que, de acordo com o pacto de maravilhas feito com Moisés (Êx 34), a mão de Deus fira e resgate pelo poder de Jesus seja vista?

“Este é aquele Moisés que disse aos filhos de Israel: O Senhor, vosso Deus, vos levantará dentre vossos irmãos um profeta como eu; a ele ouvireis” (At 7.37).

Moisés, o outrora rejeitado de Israel, predisse um profeta que seria como ele. Ele seria como Moisés em poder, em caráter e em história. Talvez, então, Moisés tenha dado a entender que o Profeta que viria a seguir e que seria como ele seria semelhante a ele também ao ser rejeitado por Israel em Sua primeira aparição! Se assim for, essa rejeição a Jesus por Sua nação não era nenhuma prova contra Sua missão dada por Deus, mas, sim, uma testemunha a seu favor! Moisés pôde testemunhar dos filhos de seu povo que eles tinham sido rebeldes contra o Senhor desde que os conhecera (Dt 9.7). Talvez o profeta que fora predito teria o mesmo testemunho a dar, um testemunho não aplicável a Sua própria condenação, mas para a condenação de Israel!

“A Ele ouvireis” (At 7.37).

Oh! Então, esse novo profeta deveria ser também um doador de lei, um emitente de mandamentos divinos! Talvez esses mandamentos possam ser uma revogação de alguns ou de todos aqueles de Moisés! Então, não seria blasfêmia contra Moisés testemunhar que o profeta que ele predissera havia chegado e que o novo profeta deveria ser ouvido, de preferência ao velho. Moisés não mudara os costumes dos pais? Para ser como Moisés, então, Jesus deveria mudar os deles [os contemporâneos de Estêvão]!

Moisés era manso? Jesus foi ainda mais manso. Certa vez, Moisés, sob forte provocação, orou contra seus oponentes. Jesus permitiu aos Seus que procedessem a flagelação, as cuspidas, as zombarias e a crucificação!

Nesse ponto, o mártir se volta contra seus acusadores com imensa força: “Vocês me acusam de blasfêmia contra Moisés. Vocês lhe obedecem? Vocês não estão em evidente oposição a ele? Ele predisse um sucessor para si mesmo, que seria guia e legislador para Israel. Vocês O rejeitaram; mais que isso, vocês O negaram e mataram. Você falam Dele com desprezo. Agora, em tudo isso, vocês não estão sendo testemunhas contra si mesmos? Seus pais não lançaram sobre Moisés as mesmas provocações que vocês lançam contra Jesus? Jesus, então, é o profeta como Moisés; é como ele em história e na comissão dada por Deus; é como ele em caráter é como ele também em sua rejeição por Israel.”

“Este é o que esteve entre a congregação no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai e com nossos pais, o qual recebeu as palavras de vida para no-las dar” (At 7.38).

A glória de Moisés foi vista não só na libertação de Israel, mas em sua presença com a congregação de Deus durante os quarenta anos no deserto. Jesus também não fez uma congregação, a quem Ele liderou tão verdadeiramente como Moisés? Se eles insultassem os seguidores de Jesus com sua rejeição, com a perda da herança e com sofrimentos, os discípulos poderiam responder: “Sim, esse Jesus que nos tirou do mundo nos indicou um enterro sob as águas e uma ressurreição a partir dali, que corresponde à passagem de Israel pelo Mar Vermelho. Nossa libertação é muito maior do que a antiga, e se encontrarmos problemas agora, isso apenas corresponde às provações da anterior congregação8 (ou “igreja”) de Deus no deserto. Cristo ainda está conosco, como Moisés estava com Israel, apesar das provações do povo no deserto.”’

Mas Moisés não estava sozinho em sua tarefa no deserto. Com ele foi o anjo do Senhor, o anjo da aliança, Aquele que falou com ele no monte Sinai. Então, podemos dizer de Jesus: “Eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos [ou da era]. Amém.” (Mt 28.20). E não poderia Estêvão gabar-se de que o Espírito Santo ainda habitava com [os membros obedientes d]a Igreja de Cristo? Ele também não era um anjo falando? Não estavam profetas em todos os lugares cuja palavra era: “Assim diz o Espírito Santo”? Moisés teria ficado feliz por terem todos do povo do Senhor sinalizados pelo Espírito sobre eles. Estêvão podia afirmar que esse desejo de Moisés fora cumprido em todos os crentes daquele dia. O Senhor tinha visivelmente dado o Espírito em poder a todos os que obedeceram a Jesus. Eles receberam dons ou de palavra ou de atos. Pedro já tinha apelado para isso como um poderoso testemunho a seu favor (At 5.32).

Será que Deus do passado falou no deserto? Ele estava, naquele momento, falando a Israel em sua terra. Será que o Senhor distribuiu do Espírito que estava sobre Moisés a setenta anciãos? Não seria maior do que Moisés Aquele que concedeu profecia, ou línguas ou cura a cada um que O aceitou?

Eram vivos os oráculos de Moisés? Os oráculos de Cristo, pelo Espírito Santo, davam vida. Eles testemunham Daquele que é ressurreição e vida.

“Ao qual nossos pais não quiseram obedecer, antes o rejeitaram e em seu coração se tornaram ao Egito, dizendo a Arão: Faze-nos deuses que vão adiante de nós, porque a esse Moisés, que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu” (At 7.39,40).

O paralelo e sua força ainda continuam e se aprofundam. Mesmo depois de Israel ter visto as maravilhas operadas por Deus por intermédio de Moisés e ter-lhe reconhecido como seu libertador, eles não amavam obedecer. Eles não estavam satisfeitos com as restrições sob as quais ele os tinha liderado; e rejeitaram-no com desprezo, mesmo quando falaram dele para Arão, seu irmão. Eles desejavam ser não o povo separado de Deus, mas ser como as nações. Também nos dias de Estêvão, os herodianos, homens que glorificavam os romanos e adotavam suas práticas, eram sinais da terrível incredulidade de Israel nos últimos dias.

Moisés, por causa de sua ausência, invisível no monte, mas aparecendo na presença do Senhor por causa do povo, foi desprezado e deixado de lado pelas tribos, e, com ele, seu Deus. Mas o que é dito dos homens dos dias de Estêvão zombando de Jesus: “O que aconteceu com seu Cristo?”? A mesma provocação que seus pais haviam lançado a Moisés. A mesma resposta deveria ser dada quanto a Moisés, como os discípulos de Jesus deram a respeito de Cristo: “Ele está no alto, na presença de Deus por nós”. Mas a boca de Arão foi impedida de dar esse testemunho, pois ele com os outros anciãos tinham, na incredulidade, deixado o lugar que Moisés lhes tinha atribuído (Êx 24.14).

O desprezo que os judeus daquela época estavam expressando por Jesus – “Esse Jesus Nazareno há de destruir este lugar” –, seus pais o haviam pronunciado da mesma maneira contra Moisés: “Porque a esse Moisés, que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu”. Isso foi particularmente mordaz. Cerca de seis ou sete vezes o mártir faz uso da palavra de desprezo dele para glorificar Moisés, e revelar-lhes a oposição entre os pensamentos divinos de Moisés e os da nação. “A este Moisés, ao qual haviam negado […] a esse enviou Deus” (v. 35). “Foi este [Moisés] que os conduziu” (v. 36). “Este é aquele Moisés que disse […]” (v. 37). “Este [Moisés] é o que esteve entre a congregação no deserto” (v. 38).

“E naqueles dias fizeram o bezerro, e ofereceram sacrifícios ao ídolo e se alegraram nas obras das suas mãos” (v. 41).

O resultado da incredulidade de Israel quanto ao retorno de Moisés do monte foi idolatria. Moisés e seu Deus foram juntos colocados de lado. Está acontecendo exatamente o mesmo agora, em nossos dias. Com a cessação da expectativa com respeito ao retorno de Cristo, há cada vez mais uma inclinação em direção a imagens. E, embora Israel nos dias de Estêvão se opusesse aos ídolos, irá, no entanto, nos últimos dias cair na idolatria. Isso é sugerido na parábola do Salvador sobre o retorno do espírito mau para a casa que ele voluntariamente tinha deixado por algum tempo. Ele irá retornar com sete espíritos piores do que si mesmo (Mt 12).

Isso é-nos mostrado em Apocalipse 9.20, 21. Nos dias de Moisés, os israelitas adoraram um bezerro. Nos últimos dias, haverá a adoração a Satanás e a seu rei besta selvagem (cap. 13). Com a rejeição ao Cordeiro e a Seu Pai, Satanás, seu rei blasfemo e o falso profeta tomarão lugar.

“Mas Deus se afastou e os abandonou a que servissem ao exército do céu, como está escrito no livro dos profetas: Porventura me oferecestes vítimas e sacrifícios no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? Antes tomastes o tabernáculo de Moloque e a estrela do vosso deus Renfã, figuras que vós fizestes para as adorar. Transportar-vos-ei, pois, para além da Babilônia” (At 7.42,43).

Deus estava tão descontente com esse ato de idolatria nos dias de Moisés, que judicialmente entregou o povo ao culto ao exército do céu. E, em conseqüência direta, surgiu um sistema de adoração falsa, zombando das promessas e das esperanças dadas por Jeová. Eles carregavam no deserto um tabernáculo rival, dedicada ao rei Moloque, o rei do céu. Eles também carregavam a estrela de Renfã, que significa “O que cura”. Assim, em lugar vez de “O Senhor que te sara” (Jeová Rafá [heb.], Êx 15.26) e da estrela que procederia de Jacó, com o cetro que subiria de Israel (Nm 24.17), eles criaram uma falsa adoração de acordo com sua própria concepção. Jesus, em cujo nascimento apareceu a verdadeira estrela, Jesus, o verdadeiro Rei do céu e rei dos judeus, em Sua vida tinha se mostrado como o que curava cada enfermidade e cada doença das pessoas. Quando Jesus foi rejeitado, o julgamento de Deus sobre Israel poderia ter sido muito mais grave e Seu abandono mais completo no dia por vir do que no primeiro caso. Amós tinha previsto um cativeiro ainda por vir. E quando isso acontecer, poderia ser diferente de o templo reconstruído de Herodes ser novamente destruído, como tinha sido o anterior?9

Essa passagem do discurso de Estêvão é dirigida contra determinados idéias e fundamentos falaciosos de Israel sobre esse assunto, expressas do seguinte modo: “Deus não pode tirar-nos de novo de nossa terra, pois nós não somos idólatras, como nossos pais foram. Nós somos obedientes a Moisés, zelosos de suas leis, odiamos ídolos. A nós, então, e a nosso tempo pertencem as promessas de Jeremias, Ezequiel e Zacarias: de que Jerusalém, seu templo e sua nação não serão arrancados ou derrubados para sempre”.

Não é assim. Deus nunca perdoou Israel pelo pecado do bezerro (Êx 32.35). A idolatria irrompeu novamente na terra, e sob os reis (1Rs 12). Seu terceiro e último aspecto ainda está por vir, que será os dias de cativeiro de Israel, no dia da grande tribulação.

A parte do discurso de Estêvão que se segue refere-se à acusação de ele ter blasfemado contra o templo.

“Estava entre nossos pais no deserto o tabernáculo do testemunho [ou de testemunha], como ordenara Aquele que disse a Moisés que o fizesse segundo o modelo que tinha visto” (At 7.44).

Eles se gabavam do templo e de Moisés. Mas Moisés e os pais tinham apenas um templo em movimento. Aquele só era adequado para sua freqüente mudança de lugar. Ele também era “o tabernáculo do testemunho”, não “o templo da realização [dos tipos e das profecias]”. Esse edifício prestou testemunho em vários aspectos.

  1. Contra a idolatria dos israelitas. Não era o tabernáculo de Jeová um testemunho contra o de Moloque? Como o tabernáculo de Jeová, que comportava Sua arca da aliança, foi um testemunho das coisas melhores por vir de acordo com Suas promessas, assim o tabernáculo de Moloque era nada mais que um símbolo dos dias sombrios de juízo de Deus ainda por vir. O primeiro proclamava que povo deveria entrar na terra e os inimigos das tribos, exterminados, enquanto o outro indicava o triunfo dos inimigos de Israel e as tribos sendo varridas para fora da terra da promessa de Jeová.
  2. Mas o tabernáculo do testemunho feito por Moisés também fora um testemunho de um sistema de coisas ainda por vir, muito superior a si mesmo. Pois Moisés, como mediador de Israel, subiu a Deus, estava no meio do tabernáculo celestial e viu os modelos [pelos quais o tabernáculo e seus móveis deveriam ser feitos] lá em cima, os quais, quando desceu, deveria copiar. Assim, o tabernáculo terrestre e o templo que se seguiu foram testemunhas do tabernáculo celestial do qual Estêvão dava testemunho como sendo aquele em que Jesus tinha entrado. [Estêvão poderia ter dito:] “Vocês se vangloriam do tabernáculo terrestre. Mas os vasos e móveis dele são apenas cópias daqueles em meio aos quais nosso Mediador e Sacerdote ascenso, o Senhor Jesus, está ministrando (Hb 9). É onde Deus está agora, e Jesus é, como Moisés, Mediador de uma aliança, de uma melhor aliança, tanto quanto as coisas celestiais são superiores às da terra”.

“O qual [tabernáculo], nossos pais, recebendo-o também, o levaram com Josué [nome hebraico com o mesmo significado de Jesus: Jeová salva] quando entraram na posse das nações que Deus lançou para fora da presença de nossos pais, até os dias de Davi, que achou graça diante de Deus e pediu que pudesse achar tabernáculo para o Deus de Jacó. E Salomão lhe edificou casa” (At 7.45-47).

O lugar de adoração sob Moisés, e mesmo por quatrocentos anos, era apenas uma tenda, movida de um lugar para outro. Davi desejou construir uma casa para o Senhor, mas, ainda que tenha encontrado grande favor com Jeová, não lhe foi permitido. Foi muito significativo que Moisés não tenha podido levar seu povo para terra da promessa. Ele teve de dar lugar a Jesus (Josué, em hebraico). Não poderia, então, ser Jesus, a quem desprezaram, o conquistador, Aquele que lhes deve dar a posse de sua terra em um dia por vir e derrubar os inimigos gentios, como os profetas predisseram?

“Mas o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta: ‘O céu é o meu trono e a terra, o escabelo dos meus pés. Que casa me edificareis?’, diz o Senhor, ‘Ou qual é o lugar do meu repouso? Porventura não fez a minha mão todas estas coisas?’” (At 7.48-50).

Embora, no passado, o Senhor tenha prometido um dia habitar em Jerusalém, e no templo da cidade (S. 68.16; 132.14; Ez 43.7), isso ainda não foi cumprido. Ele havia deixado a terra e voltado ao céu, como mostrou Ezequiel (8.4; 9.3; 10.3,4,18,19; 11.22,23). Para lá Jesus tinha foi, como os apóstolos haviam testemunhado à nação de Israel (At 2; 3). Na devoção de Israel ao templo terreno, como o local de residência de Deus naquela época, a nação estava realmente lutando contra Deus.

Assim, o mártir tem mostrado que Jeová não estava vinculado a nenhum lugar de manifestação. Ele havia se revelado a Abraão na Mesopotâmia; a Moisés, na sarça do deserto e no topo da montanha. Então, Ele se mudou de lugar para lugar, com as peregrinações de Seu povo. Mesmo quando o povo entrou na terra, havia ainda apenas uma tenda, por longos anos. Embora Deus tenha prometido habitar no templo de Salomão, seria apenas em certas condições, com a quebra das quais o Senhor abandonaria a morada que o homem tinha feito. Portanto, não era uma blasfêmia contra Deus dizer, como Jesus tinha dito, que o templo reconstruído por Herodes deveria ser destruído.

“Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim, vós sois como vossos pais. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do qual vós agora fostes traidores e homicidas; vós, que recebestes a lei por ordenação de anjos e não a guardastes” (At 7.51-53).

A circuncisão era o orgulho de israelitas. O mártir tira esse orgulho deles. Eles tiveram a circuncisão na carne, mas não no espírito; o sinal, não a coisa significada. Seu próprio Moisés os havia censurado, como sendo de dura cerviz, rebeldes contra Deus e cegos. Eles se recusaram a se converter do mal por qualquer testemunho (Lv 26.41; Dt 10.16). O coração deles rejeitava os mandamentos de Deus. Além disso, eles se recusavam até mesmo a ouvir as palavras do Senhor, proferidas por Estêvão, o inspirado, como, naquela ocasião, viriam a demonstrar.

Eram os homens diante de Estêvão melhores do que seus pais? De maneira nenhuma! Eles rejeitaram o Filho de Deus. Após o Espírito descer para dar testemunho do Filho, rejeitaram o Espírito também. Eles haviam rejeitado os profetas e os perseguido. Mesmo aqueles em cuja boca Deus havia posto mensagens de esperança, sobre o Libertador por vir, foram maltratados e mortos. Como, então, eles podiam imaginar que sua condenação nacional e oficial a Cristo realmente refutada as reivindicações que Ele fazia? Isso somente os condenava. Isso mostrou apenas que o espírito de todos de Israel ao longo do tempo era do mesmo tipo. Se eles mataram os precursores do Messias, homens inspirados pelo Espírito Santo, por que se admirar de que houvessem matado o próprio Messias?

Jesus aqui é identificado por um título particular: “o Justo”. Os salmos freqüentemente falam das aflições do justo. Os israelitas testemunharam de conspirar contra Ele, de discursar orgulhosamente contra Ele e de terem-No vendido. Mas tanto os salmos como os profetas testemunharam Sua glória futura. “Ele verá o fruto do trabalho da Sua alma e ficará satisfeito; com o Seu conhecimento o Meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniqüidades deles levará sobre Si” (Is 53.11). “Levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra”(Jr 23.5; Zc 9.9).

Um homem foi distinguido acima do mundo dos pecadores como “Jesus Cristo, o justo” (1Jo 2.1). Como os israelitas tinham servido a Ele? Eles o traíram entregando-O aos romanos e levando-O à morte.

Mas eles não eram estritos observadores da lei? Não! Embora os anjos a tenham proclamado, eles e seus pais a haviam desobedecido toda, especialmente em sua recusa ao profeta predito por Moisés e pela crucificação do Justo.

Tal era o testemunho do Espírito Santo contra aqueles homens de justiça própria. Tal era o desmanchar-se de todos os seus argumentos! Uma declaração tranquila de fatos inegáveis dada por Deus espatifou todas as objeções de confiança deles. O efeito do discurso é dado notavelmente, mais ainda no original do que na tradução.

“E, ouvindo eles isto, enfureciam-se em seu coração e rangiam os dentes contra ele” (At 7.54).

Eles se recusaram a aceitar o testemunho. Portanto, eles estavam atribulados com a verdade. Ela não poderia ser negada. Era mais forte que o coração deles. Eles podiam resistir como madeira, mas a verdade era forte como ferro, afiada com muitos dentes como a serra10. Cada declaração era uma nova ponta a perfurá-los. Isso foi entregue com o poder do Espírito Santo. Eles não iriam ceder, mas exibiram com raiva seu ódio pela verdade. Eles eram como os próprios condenados. Ranger os dentes é uma das características dos perdidos. Aqui, os transgressores rangem os dentes contra o inspirado pelo Espírito Santo, o homem que era justo por meio da fé. Pois isso foi escrito: “O ímpio maquina contra o justo e contra ele range os dentes. O Senhor se rirá dele, pois vê que vem chegando o seu dia” (Sl 37.12,13; 112.10; 35.16).

O mensageiro do Senhor foi odiado com uma malícia que não pôde conter até mesmo sua expressão visível. Isso mostra quão completamente todo o discurso falou contra os sentimentos e os argumentos deles.

Faltava-lhes, porém, mais um ponto.

“Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus. E disse: ‘Eis que vejo os céus abertos e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus’” (At 7.55,56).

Ele tinha provado o argumento de que Deus não estava ligado a qualquer lugar na terra. Ele tinha apresentado o testemunho de Moisés, de que havia um melhor santuário de Deus do que aquele que o homem edificou na terra. Ele citou o profeta como uma prova de que, nesta dispensação, Deus não habita em templos feitos por mãos na terra. Mas agora Estêvão está ainda a se tornar uma testemunha ocular do verdadeiro templo e da glória de Deus no céu. Lá, ele contempla a Jesus, a quem eles rejeitaram, de pé no lugar da mais alta honra com Deus, onde nem Moisés nem Elias são vistos.

O discurso tinha mostrado que, apesar da condenação dos israelitas a Jesus, Ele pôde subir aos céus. Mas agora Estêvão, com os olhos abertos pelo Espírito de Deus, pode testemunhar: “Ele está no céu, eu O vejo!”

Ele chama Jesus de “Filho do homem”. Esse é Seu título em Daniel 7.13,14. Foi Dele, então, que Daniel falou como o governante de toda a terra. Esse é o título do Governador de todas as coisas no céu e na terra (Sl 8) no prometido dia da glória.

Isso não podia ser suportado. Como a víbora surda, eles taparam os ouvidos, recusando-se a ouvir a verdade (Sl 58.4.) Eles se apressam sobre ele com pés ligeiros para derramar sangue. Eles lançam pedras, e dessa forma muitos puderam tomar parte em sua morte.

Eles o lançaram fora da cidade, como fizeram com nosso Senhor, porque o discípulo que é perfeito será como seu Mestre.

Ele ora a Jesus, como o Salvador, ao partir, orou ao Pai: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (At 7.59). O Redentor, então, é “o Senhor” do salmo 110. O Pai fez do Jesus rejeitado Senhor e Cristo. Estêvão, portanto, O tem como Adonai, ou Senhor, Senhor Jesus. “Senhor, não lhes imputes este pecado” (At 7.60). O antigo sumo sacerdote é contra ele, mas o novo Sumo Sacerdote no céu está do seu lado, uma Ajuda divina. Com o sangue da nova aliança é também vindo um novo espírito, muito além do antigo. Quando “o Espírito de Deus revestiu a Zacarias, filho do sacerdote Joiada” para testemunhar contra a idolatria de Israel, “eles conspiraram contra ele e o apedrejaram por mandado do rei, no pátio da casa do Senhor […] o qual, morrendo, disse: O Senhor o verá e o requererá” (2Cr 24.18-22). Assim, no mesmo ano, os inimigos entraram na terra, roubaram-na e mataram os príncipes do povo, enquanto o rei assassino era morto por seus próprios servos que conspiraram contra ele.

No caso do presente mártir, a terra se fechou contra o homem de fé, o inspirado pelo Espírito de Cristo. Mas o céu se abriu para ele, e, pela visão das glórias lá, ele pôde ignorar a tempestade na terra. A morte, para ele, foi roubada de seu aguilhão. Ele apenas “adormeceu” (At 7.60). Na primeira e bendita ressurreição ele reinará com seu Mestre.

De todo o argumento, então, vemos que uma nova dispensação deve surgir a fim de cumprir as promessas feitas aos patriarcas, a Israel e à Igreja de Cristo. O tempo do cumprimento das esperanças dos patriarcas nunca havia chegado a eles. Eles estão esperando. O banquete não pode começar até que todos os convidados estejam assentados e o Rei se coloque em Seu verdadeiro lugar (Mt 22.1-14). Para nós, se aceitos por Cristo, o lugar mais elevado na era que está chegando deverá ser atribuído (Hb 11.39,40).

Agora é o tempo da paciência de Deus, de chamamento de um mundo mau ao arrependimento, de chamamento para os homens de fé saírem do mundo a fim de trabalhar e sofrer por e com um Cristo rejeitado. O reino da glória por vir está diante de nós, como conforto para nós sob provações por Cristo e como recompensa e prêmio de nossa vocação (Fp 3). Logo, os dias de vingança pelo sangue dos mártires irão cair sobre a terra, e os discípulos vigilantes serão guardados da hora da tentação que há de vir sobre toda a terra habitável, para testar seus moradores e exibir sua pecaminosidade (Mt 23; 24; Ap 16). Naquele dia, a glória de Jesus vai encher o céu e a terra, e Israel vai lamentar sua cegueira e suas transgressões contra Ele. Então, aqueles que trabalharam por Cristo e sofreram com Ele, com Ele serão exaltados e reinarão mil anos (Ap 20.4-6).

Coragem, então, cristãos que sofrem por Cristo! A semente inferior de Abraão foi deixada em cativeiro e provações por 400 anos. Por que admirar-se, então, se a semente superior da fé de Abraão é chamada a sofrer muito e por um período mais longo? Nosso chamado não é para consertar o mundo e encontrar nossa porção aqui embaixo, nessa vida fugaz. Mas devemos esperar até que o Redentor vem, até que os mortos em Cristo despertem e o Salvador distribua Seus galardões a Seus servos fiéis. Que estejamos entre os que se reunirão em alegria naquele dia!

Notas

1 Judeus que anteriormente eram escravos romanos, mas haviam sido libertados por seus amos. (N. do E.)

2 “Jacó desceu ao Egito, e morreu, ele e nossos pais; e foram transportados para Siquém e depositados na sepultura que Abraão comprara por certa soma de dinheiro aos filhos de Hamor, pai de Siquém” (At 7.15,16). “A memória de Estêvão tropeçou aqui? Não foi de Efrom, o heteu, a sepultura que Abraão comprou (Gn 23)? E não estava a caverna de Macpela situada não em Siquém, mas em Hebrom?” Sim, se (1) a leitura do grego está correta e (2) se o mártir se refere à mesma transação registrada em Gênesis 23. (2) Mas, disso podemos bem duvidar. Nem tudo o que Abraão ou Jacó fez está escrito (48.22). (1) A leitura atual pode não ser aceita. Tregelles, com a autoridade de bons manuscritos, lê: “Que Abraão comprara por certa soma de dinheiro aos filhos de Hamor em Siquém”. (N. do E.)

A American Standard Version, a English Standard Version e a International Standard Version trazem essa forma, enquanto a tradução de Darby e a King James Version trazem “father” (pai) em itálico, indicando que a palavra não se encontra nos originais utilizados. (N. do T.)

3 Isto é, durante o tempo de Sua primeira vinda à terra, mas isso não se aplica ao futuro: “E ferirei de morte a seus filhos, e todas as igrejas saberão que Eu sou Aquele que sonda os rins e os corações. E darei a cada um de vós segundo as vossas obras” (Ap 2.23). (N. do E.)

4 Ver At 5.32. (N. do E.)

5 Moisés disse: “Toma minha vida”; Jesus deu Sua vida. (N. do E.)

6 Referência ao “servo, o justo” de Is 53.11. Paulo é o primeiro a dar testemunho de Cristo como “o Filho” (At 9). (N. do E.)

7 Mesma palavra de At 7.35. (N. do E.)

8 A palavra grega ekklesia é traduzida por “congregação” em At 7.38 (a KJ traduz por “igreja” nesse versículo), mas também por “igreja”, “ajuntamento” (19.32) e “assembléia” (vv. 39,41). (N. do T.)

9 Isso se refere ao cerco de Jerusalém no ano 70 (aproximadamente 35 anos após o discurso de Estêvão) pelo general romano Tito. Na ocasião, a cidade foi saqueada e o templo, queimado e demolido. (N. do T.)

10 “When they heard these things, they were cut to the heart” (KJV). Foram cortados, feridos, retalhados, lancetados, feridos no coração, como se tivessem sido serrados ao meio [idéia dada pelo verbo grego]. Todos ficaram cheios de angústia, com grande dor e desconforto; eles estavam cheios de ira e de loucura e não podia suportar nem a si mesmos nem a Estêvão. (John Gill, adaptado) (N. do T.)


(Traduzido por Francisco Nunes de Stephen’s Accusation, Defence, and Martyrdom, de Robert Govett. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)

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