Mantém-te firme em Cristo sem vacilar, e luta pela fé, porque não se obtém nem se mantém Cristo facilmente. O preguiçoso que professa fé apresenta o céu como se este estivesse na porta ao lado e pensa voar para o céu sem sair da cama, num sonho da noite.
Mas na verdade isso não é tão fácil como a maioria dos homens pensa. O próprio Cristo suou antes de ganhar esta cidade, embora Ele fosse o herdeiro nascido livre.
Cristianismo é ser sincero, honesto, sem fingimento e de coração reto diante de Deus; e viver e servir a Deus, como se não houvesse nenhum homem ou mulher em todo o mundo morando perto de ti para te observar.
Qualquer pequena graça que tiveres, vê que ela seja sã e verdadeira.
Marcas de um cristão
Tu podes estabelecer uma diferença entre ti e os réprobos, se tiveres estas marcas:
Se prezares Cristo e Sua verdade de tal forma que sejas capaz de vender tudo para comprá-Lo, e de sofrer por isso.
Se o amor por Cristo, mais do que a lei ou o medo do inferno, te mantiver afastado do pecado.
Se tu te humilhares e negares tua própria vontade, tua sagacidade, teu bom nome, teu conforto, tua honra, o mundo e a vaidade e a glória dele.
Tua profissão de fé não deve ser estéril ou vazia de boas obras.
Em todas as coisas tu deves ter como alvo honrar a Deus. Tu deves comer, beber, dormir, comprar, vender, sentar, levantar, orar, ler e ouvir a Palavra com o propósito de coração de honrar a Deus.
Tu deves mostrar-te como inimigo do pecado, e reprovar as obras das trevas, como embebedar-se, xingar, mentir, embora teus companheiros te odeiem por agir assim.
Mantém em tua mente a verdade de Deus que me ouviste ensinar, e não te envolvas com a corrupção e as novas modas que entram na casa de Deus.
Tem consciência de teu chamamento quando fizeres pactos, ao comprares e ao venderes.
Acostuma-te com a oração diária; entrega todos os teus caminhos e tuas ações a Deus em oração, súplicas e gratidão. E não te importes de seres zombado, pois Cristo Jesus foi zombado antes de ti. Persuade a ti mesmo de que esse é o caminho da paz e consolo pelo qual eu agora sofro. Eu ouso ir para a morte e para a eternidade com esse caminho, embora os homens possivelmente pensem que há outro. Lembra-te de mim em tuas orações, e do estado desta igreja oprimida. Que a graça esteja contigo.
[1] John Clark, provavelmente um paroquiano de Anwoth.
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Desejo muito ter notícias tuas, estando agora afastado de meu rebanho e sendo o prisioneiro de Cristo em Aberdeen. Eu não te faria pensar que é estranho que tua viagem à Nova Inglaterra tenha sido tal tropeço. Ela, de fato, fez meu coração pesado; porém eu sei que a Providência não é muda, mas fala, e pela qual nosso Senhor fala de Sua mente à tua, embora, para o presente, tu não compreendas bem o que Ele diz.
Seja como for, Aquele que se assenta sobre o dilúvio [Sl 29.10] te mostrou a Sua maravilhosa bondade em grandes profundidades. Eu sei que tuas perdas foram grandes, e tua esperança muito se afastou de ti. Mas eu te suplico, senhor: compreende corretamente todos os obstáculos que nosso Senhor está colocando no caminho. Eu me convenço de que teu coração anseia pelos passos do rebanho para comeres ao lado da tenda do pastor, e habitar ao lado Daquele a quem tua alma ama; e que é teu desejo permanecer no deserto onde a Mulher está protegida do Dragão (Ap 12.14). E, sendo esse o teu desejo, lembra-te de que um pobre prisioneiro de Cristo te disse que essa viagem sem sucesso está prenhe com misericórdia e consolação, e trará um belo nascimento assistido pelo Senhor. Espera nisso: “Aquele que crer, não se apresse” (Is 28.16).
Espero que estejas perguntando o que o Senhor quer dizer, e qual seria a Sua vontade com respeito à tua volta.
Meu querido irmão, deixa Deus fazer contigo o que Ele quiser; Ele terminará tudo em consolação, e transformará em glória os teus sofrimentos; e irias tu querer obra melhor?
Essa água estava em teu caminho para o céu, e estava escrito no livro de teu Senhor: era-te necessário atravessá-la e, portanto, beijar a Sua sábia e inerrante Providência. Não deixes que as censuras dos homens, que só vêem o exterior das coisas, e o vêem mui imperfeitamente, abatam tua coragem e tua alegria no Senhor. Apesar de tua fé ver apenas o lado escuro da Providência, ela tem um lado melhor, e Deus te levará a vê-lo.
Aprende a crer que Cristo é melhor que os golpes que Ele desfere, que Ele mesmo e Suas promessas são melhores que as tristezas que provê. Reveses e decepções não são Escritos canônicos. A luta pela Terra Prometida parecia gritar para a promessa de Deus: “Tu mentiste!” Se nosso Senhor cavalgar sobre a palha, Seu cavalo não tropeçará nem cairá. “Porque sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8.28). Portanto, naufrágios, perdas, etc. contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus. Assim, eu deduzo que as perdas, as decepções, as más línguas, a perda de amigos, casas ou do país estão a serviço de Deus, trabalhando para produzir em ti o bem de tudo o que acontece contigo. Não deixe que o agir do Senhor te pareça severo, brutal, ou não próprio de um pai, só porque é desagradável. Quando a bendita vontade do Senhor soprar contra os teus desejos, o melhor é, em humildade, içar as velas em direção a Ele, e estar pronto a ser conduzido por qualquer caminho que ao Senhor aprouver. É uma questão de negar-te a ti mesmo, ser como se não tivesses uma vontade, mas que a tivesses livremente entregue à disposição de Deus. E, usar a Sua vontade para ti mesmo é ao mesmo tempo santidade verdadeira, teu descanso e paz. Tu não sabes o que o Senhor obterá de tudo isso, mas tu o saberás em breve.
E o que escrevo a ti, escrevo a tua esposa. Sofro com o caso dela, mas lhe suplico que não tema nem desfaleça. Essa viagem é parte do seu deserto para o céu e para a Terra Prometida, e há poucas milhas agora a serem percorridas. Está mais próxima a aurora do dia para ela, do que quando ela saiu da Escócia. Vou me alegrar em saber que tu e ela tendes consolo e coragem no Senhor.
A bênção das provações
Agora, quanto a mim: eu fiquei ali por três dias perante a Alta Corte, acusado de traição contra o nosso Rei. (Um ministro que foi testemunha chegou bem perto de jurar isso.) Deus me salvou de sua maldade.
Primeiramente, eles me privaram de meu ministério; em segundo lugar, eles me silenciaram para que eu não tomasse parte em nenhuma função ministerial dentro deste reino, sob pena de rebelião; em terceiro lugar, confinaram minha pessoa dentro da cidade de Aberdeen, onde encontro ministros trabalhando por meu confinamento em Caithness ou em Orkney, longe deles, porque há algumas pessoas aqui (querendo ser edificadas) que recorrem a mim.
Em minha primeira entrada, eu tive pesados desafios dentro de mim, e uma corte me cercou (mas, espero, não em nome de Cristo) na qual foi afirmado que meu Senhor não queria mais meu serviço e que estava cansado de mim. E, como um tolo, eu acusei Cristo também de crueldade. Minha alma desfaleceu, e eu recusei o consolo, e disse: “Em que Cristo se afligiu por mim? Pois eu desejei ser fiel em Sua casa.” Assim, em meus devaneios e erros, meu Senhor Jesus derramou misericórdia sobre mim, que sou menos que o menor de todos os santos. Eu me deitei no pó e comprei uma acusação de Satanás contra Cristo, e ele ficou feliz em ma vender. Mas depois Cristo se mostrou amigo a mim, e em misericórdia me perdoou, e esqueceu minha parte nisso, apenas reclamando que esse julgamento deveria ser em Seu território e com Sua permissão. Agora passo de meu comparecimento ao tribunal; e, como se Cristo tivesse cometido os erros, Ele próprio os reparou e retornou à minha alma. E é assim que agora Seu pobre prisioneiro se nutre nas festas de amor.
Meus adversários não sabem que cortesão eu sou agora com meu Nobre Rei por cuja coroa eu sofro. É apenas nossa carne fraca e preguiçosa que traça um relato distorcido da cruz de Cristo.
Oh, como é doce, doce o Seu jugo. As cadeias de Cristo são de ouro puro; os sofrimentos por Ele são perfumados. Eu não trocaria o meu choro pelas risadas de todos os catorze bispos. Eu não trocaria minha tristeza pela alegria do mundo. Oh, amável, amável Jesus; quão doces devem ser Teus beijos, uma vez que Tua cruz tem aroma tão doce! Oh, se todos os três reinos participassem da minha festa de amor e do consolo de um prisioneiro privilegiado!
Caro irmão, eu te encarrego de louvar por mim, e de buscar ajuda de nosso conhecido lá para me ajudar a louvar. Por que eu deveria sufocar a honestidade de Cristo para comigo? Meu coração está empenhado em que meu silêncio e meus sofrimentos preguem. Eu te rogo, pelas entranhas de Cristo, que me ajudes a louvar. Lembra-te do meu amor por tua esposa, pelo sr. Blair, pelo sr. Livingstone e pelo sr. Cunningham. Dá-me notícias, pois estou ansioso pelo que fazer. Se eu visse um chamamento para a Nova Inglaterra, eu o seguiria. Que a graça esteja contigo.
[1] John Stuart, prefeito [ou preboste] de Ayr, Escócia. “Um cristão piedoso e zeloso de muito tempo, desde os seus tenros anos.” Ele usou seus bens deste mundo para aliviar os oprimidos. Ele estava entre aqueles que inutilmente se esforçaram em imigrar para a Nova Inglaterra.
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Eu gostaria de satisfazer os teus desejos, fazendo e estruturando para ti um Diretório [2] Cristão. Mas os eruditos já o fizeram antes de mim, de modo muito mais criterioso do que eu poderia; especialmente os senhores Rogers, Grennham e Perkins. [3] No entanto, eu te mostrarei o que eu teria feito, embora nunca tenha conseguido alcançar meus propósitos.
Que horas do dia, ou mais, ou menos horas, para a Palavra e a oração, sejam oferecidas a Deus, não poupando a décima segunda hora, ou o meio-dia, embora aí haja um tempo mais curto.
Em meio às tarefas do mundo, deve-se pensar sobre o pecado, o julgamento, a morte e a eternidade, com uma ou duas palavras (no mínimo) de rápida oração a Deus.
Cuida para não teres um coração disperso nas orações a sós.
Não ajas de má vontade, embora possas sair da oração sem a sensação de alegria. Ter desânimo, sensação de culpa e fome é, às vezes, muito bom para nós.
Que o Dia do Senhor, da manhã à noite, seja gasto sempre em oração privada ou em adoração pública.
Que as palavras sejam cumpridas; pensamentos dispersivos ou ociosos sejam evitados; que a raiva repentina ou o desejo de vingança, mesmo que sejam por perseguição da verdade, sejam impedidos; pois muitas vezes confundimos nosso zelo com nosso próprio fogo selvagem.
Que pecados conhecidos, descobertos e revelados contra a consciência sejam evitados, pois são preparativos muito perigosos para levarem à dureza do coração.
Que, em tratando com homens, em acordos e trocas, sejam consideradas a fé e a verdade; que tratemos com todos os homens com sinceridade; que tenhamos consciência das palavras fúteis e mentirosas; e que nossa postura seja tal que, quando outros a virem, possam falar honrosamente de nosso doce Mestre e daquilo que professamos.
Eu tenho sido muito desafiado,
Por não ter atribuído tudo a Deus, como o propósito último, pois eu não como, bebo, durmo, me locomovo, falo ou penso para Deus.
Pois eu não tirei proveito das boas companhias; e porque eu não deixei uma palavra de convicção para os homens naturais e ímpios, tal como reprovando suas palavras torpes; ou por ter sido uma testemunha silenciosa de seu comportamento permissivo; e porque eu não pretendi, em todas as companhias, fazer o bem.
Pois os infortúnios e as calamidades da igreja, e de certos mestres, não têm me abalado.
Pois lendo a vida de Davi, Paulo, e outros como eles, quando isso me humilhava, eu, não alcançando a sua santidade, não me fazia imitá-los, ficando longe, pelo menos, segundo a medida da graça de Deus.
Pois os pecados da mocidade, que não sofreram arrependimento, não foram revistos nem houve tristeza por eles.
Pois repentinos arroubos de orgulho, luxúria, vingança e amor pelas honrarias não foram resistidos nem lamentados.
Pois a minha caridade era fria.
Pois as experiências que eu tive de Deus me ouvir, neste ou naquele particular, sendo reunidas, mesmo assim, em um novo problema, eu sempre (ou pelo menos uma vez) tinha de buscar por minha fé, como se eu estivesse iniciando do A, B, C, outra vez.
Pois eu não tenha ousadamente contradito os inimigos que falavam contra a verdade, quer fosse em público nas reuniões da igreja, ou à mesa ou em conferências comuns.
Pois, em grandes dificuldades, eu tenha recebido relatórios falsos sobre o amor de Cristo e não confiei Nele em Suas punições; embora o próprio evento dissesse que tudo havia sido pela graça.
Nada me comove mais e pesa em minha alma, do que nunca ter podido, em minha prosperidade, lutar tanto em oração com Deus, nem ser tão morto para o mundo, ou estar tão ávido e doente de amor por Cristo, pensar tanto no céu, do que quando o peso de dez pedras de uma pesada cruz estava sobre mim.
Que da cruz tenham saído votos de nova obediência, que a comodidade jogou longe, como o vento faz com a palha.
Que a prática era tão curta e estreita, e a luz, tão longa e ampla.
Que não meditei freqüentemente sobre a morte.
Que não tenho tido o cuidado de ganhar outros para Cristo.
Que a graça e os dons que tenho tragam pouca ou nenhuma gratidão.
Há, também, algumas coisas que me ajudaram, tais como:
Eu fui beneficiado por fazer sozinho uma longa viagem, dedicando aquele tempo à oração;
Pela abstinência, e dedicando dias a Deus;
Por orar por outros; pois, em fazendo uma tarefa para Deus por eles, eu obtive algo para mim mesmo.
Eu realmente confirmei, em muitas ocasiões, que Deus ouve orações; e, portanto, eu orava por qualquer coisa, por menor que fosse sua importância.
Ele me capacitou a não ter dúvidas que esse caminho, que é zombado e ridicularizado, é o único caminho para o céu.
Caro senhor, estas e muitas outras ocorrências em minha vida devem conduzir a:
Ter cuidado com pensamentos ateístas, tais como: “Será que há um Deus no céu?”, que, às vezes, trarão problemas e surpresas aos melhores.
Ter cuidado acima de tudo do crescimento em graça; e deve-se lamentar o abandonar o primeiro amor.
Ter a consciência de orar pelos inimigos que estão cegos. Eu ainda me envergonho com a bondade de Cristo para um pecador como eu. Ele deixou um fogo em meu coração sobre o qual o inferno não pode jogar água, nem apagar ou extinguir.
[1] John Fleming, Conselheiro de Leith, foi um comerciante escocês de madeira que auxiliou Rutherford em dias de dificuldade e supriu-o para atender suas necessidades. [2] Termo adotado da linguagem jurídica, refere-se a um documento com instruções para orientar a pessoa em qualquer assunto ou negócio. [3] Daniel Rogers (1573–1652), clérigo não-conformista inglês, sofreu sob a perseguição dos puritanos ligados ao movimento do arcebispo William Laud, que rejeitava a predestinação. Richard Greenham (1535?–1594?), clérigo inglês de importante influência no movimento puritano na Inglaterra. William Perkins (1558–1602), clérigo e teólogo inglês, um dos maiores líderes do puritanismo na Igreja da Inglaterra.
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Eu tenho Alguém lá em cima que não me esquece; Ele cresce em Sua bondade. Aprouve à santa Majestade Dele tirar-me do púlpito e me ensinar muitas coisas, em meu exílio e prisão, que até então eram mistérios para mim, tais como:
Crescente percepção do amor de Deus
1. Eu vejo Seu amor e Sua bondade sem limites, e como meus ciúmes e delírios, quando da minha entrada neste forno, eram tolos e ousados a ponto de dizer a Cristo, que é a própria Verdade, em Seu rosto: “Tu mentiste”. Eu quase perdi o controle; fiquei imaginando se aquilo era de Cristo ou não; pois a bruma e a fumaça de meu coração perturbado me fizeram mal interpretar meu Mestre, Jesus. Minha fé estava fraca, e a esperança, fria e congelada; e meu amor, que causou ciúmes, tinha algum calor e fumaça, mas não tinha nenhuma chama. Estava eu, no entanto, procurando algo de bom no antigo clamor de Cristo a mim, embora eu tivesse perdido todos os meus direitos. Mas o tentador estava demasiadamente sobre minhas opiniões, e ainda estava soprando a brasa. Ai de mim!
Antes eu não sabia bem com que habilidade meu Intercessor e Advogado, Cristo, me defendia e me perdoava de tais tolices. Agora Ele voltou à minha alma “com cura em Suas asas” (Ml 4.2); e em nada estou em falta com Cristo agora, pois Ele me recompensou acima da medida, por Sua presença, a dor que sofri por esperar, e qualquer perda menor que suportei por meu testemunho contra os males feitos a Ele.
Eu suponho que tenha sido doloroso para meu Senhor esconder-se por mais tempo. De certa maneira, Ele estava desafiando Sua própria crueldade e se arrependeu de Suas tristezas. E agora, o que mais posso querer eu na Terra que Cristo dê a um prisioneiro? Oh, como Ele é doce e amável agora! Ai de mim! Porque não tenho ninguém para me ajudar a erguer meu Senhor Jesus a Seu trono, sobre toda a Terra!
Resignação
2. Fui agora trazido a alguma medida de submissão, e resolvi esperar até ver o que meu Senhor Jesus fará comigo. Eu agora não ouso apelidar, ou dizer uma palavra contra a Providência de meu Senhor, que tudo vê e que a tudo assiste. Eu vejo que a Providência não corre com rodas quebradas; mas eu, como tolo, entalhei uma Providência para meu próprio lazer, para morrer em meu ninho, e dormir quieto até meus cabelos se tornarem grisalhos, e ficar no lado ensolarado da montanha, em meu ministério em Anwoth. Mas agora nada tenho a dizer contra uma lareira emprestada e à casa de outro homem, nem às tendas de Quedar, onde vivo, sendo afastado para longe de meus conhecidos, de meus entes queridos e de meus amigos. Vejo que Deus tem o mundo sobre Suas rodas, e o modela na roda como o oleiro faz com o vaso sobre a roda. Eu não ouso dizer que há qualquer movimento desordenado ou irregular na Providência. O Senhor é quem a faz. Eu não irei à lei com Cristo, pois nada ganharia com isso.
Morte para o mundo
3. Tenho aprendido uma mortificação maior, e não me lamento por isso nem procuro sugar os peitos secos do mundo. Não; meu Senhor encheu-me com tantas delícias que eu me sinto como o conviva de um banquete que dele está cheio, cuja alegria não é simples.
Por que deveria eu cair de joelhos e adorar o grande ídolo da humanidade: o mundo? Eu tenho um Deus melhor do que um deus de barro.
Não; agora, no lugar em que estou colocado, eu não me importo muito em dar a este mundo o resgate de minha vida – entregá-la por pão e água. Eu sei que este mundo não é o meu lar, nem a casa de meu Pai; ele não passa de estrado dos pés de Deus, um lugar árido e vazio. Que os bastardos o tomem; espero nunca pensar em me associar a eles para ter honra ou riquezas. Não, agora eu digo rindo: “Tu és loucura”.
Tentações
4.Penso ser a pura verdade que a maior tentação fora do inferno é viver sem tentações. Se minhas águas ficassem paradas, elas apodreceriam. A fé é melhor quando se enfrentam o vento e a fria tempestade de inverno. A graça murcha sem adversidades. O diabo não passa de um mestre-esgrimista de Deus, para nos ensinar a manejar nossas armas.
Enfermidades
5. Eu não sabia o quanto eu era fraco até agora, quando Ele se esconde, e eu preciso procurá-Lo sete vezes ao dia. Eu sou um galho seco e murcho, e um pedaço de carcaça morta, ossos secos, e incapaz de pisar em uma palha. Os pensamentos sobre meus antigos pecados me são como intimações da morte; e o caso de meu falecido irmão me atingiu o coração. Quando minhas feridas estão fechando, qualquer pequena irritação as faz sangrar novamente. De tão fina pele é minha alma que eu penso que ela é como a pele sensível de um homem que nada pode tocar; tu percebes de quão perto eu teria de alvejar o prêmio, se a Sua graça não fosse suficiente para mim.
[1] John Fuflarton, Terratenente de Carleton. Carleton ficava na paróquia de Borgue, não muito distante de Anwoth.
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Eu me regozijo ao ouvir que Cristo afugentou tuas paixões da mocidade, e que estás, desde cedo pela manhã, alinhado com tal Senhor; pois um jovem é freqüentemente uma casa pronta para a morada do diabo. Sê humilde e grato pela graça, e julga, não tanto pelo peso, como pela verdade. Cristo não jogará água em tua brasa fumegante; Ele nunca apagará uma vela que foi acesa pelo Sol da Justiça.
Eu te recomendo oração e vigília com respeito aos pecados da juventude, pois sei que cartas escritas detêm-se entre o diabo e o sangue jovem. Satanás tem um amigo que corteja o coração do jovem; e ali o orgulho, a luxúria, o desejo carnal, a vingança e o esquecer-se de Deus estão empregados como seus agentes. Feliz será a tua alma se Cristo guarnecer a casa, e Ele próprio ficar com as chaves, e tudo comandar (totalmente, como Ele desejar governar tudo onde quer que Ele esteja). Guarda e recebe bem a Cristo; sopra tua brasa e deixa-O tutelar-te.
Agora, quanto a mim, sabe que estou em total acordo com meu Senhor. Cristo pôs o Pai e a mim nos braços um do outro. Muitos doces tratos Ele já fez, e tem feito a este como outro entre os demais. Eu reino, como rei, sobre minhas cruzes; eu não vou encorajar uma tentação nem dar ao diabo uma boa palavra; eu desafio os portões de ferro do inferno. Deus não levou em conta minhas brigas com Ele quando cheguei aqui, e agora Ele ceia e festeja comigo. Louva, louva comigo, e vamos juntos exaltar o Seu nome.
[1] William Livingstone, provavelmente um paroquiano de Anwoth.
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Eu te exorto, pelas entranhas de Cristo: começa a trabalhar por tua alma. E que estas coisas pesem em ti, e que tu as consideres seriamente.
Choro e ranger de dentes nas trevas absolutas, ou o gozo do céu.
Pensa no que darias por uma hora, quando jazeres deitado naquela dia morto, frio, de escuridão.
Ainda há areia em tua ampulheta, e teu Sol ainda não se pôs.
Considera tu quanta alegria e paz há no culto a Cristo.
Pensa na vantagem de teres os anjos, o mundo, a vida e a morte, cruzes, sim, e demônios, tudo para ti, como ajudantes e servos do Rei para realizarem o que diz respeito a ti.
Teres misericórdia sobre tua semente e uma bênção sobre tua casa.
Teres verdadeira honra e um nome na terra que exala um doce aroma.
Como te regozijarás quando Cristo deitar tua cabeça sob o Seu queixo e em Seu peito, e secar teu rosto, e introduzir-te na glória e na alegria.
Imagina que dor e que tortura é ter uma consciência culpada; que escravidão é levar as cargas desonestas do diabo.
A alegria do pecado não passa de sonhos, pensamentos, vapores, imaginações e sombras.
Que dignidade é seres filho de Deus.
Domínio e comando sobre as tentações, sobre o mundo e o pecado.
Que teus inimigos sejam a cauda, e tu, a cabeça.
Para teus filhos que estão agora em descanso (dirijo-me a ti e a tua mulher, e faze-a ler esta carta):
Eu sou uma testemunha da glória de Barbara no céu.
Quanto ao mais, escrevo com a certeza de que chegarão dias na Escócia quando ventres estéreis, e peitos secos e pais sem filhos serão chamados bem-aventurados. Estarão no abrigo do porto, antes que chegue a tempestade.
Não estão perdidos para ti os que estão nos tesouros de Cristo, no céu.
Na ressurreição, tu os encontrarás; para lá eles foram enviados antes, mas não estão perdidos.
Teu Senhor te ama, que é humilde para receber e dar, para emprestar e tomar emprestado.
Não deixes que crianças sejam teus ídolos, pois Deus terá ciúme e tirará o ídolo, porque Ele é ávido por teu amor total.
[1] John Gordon (o Jovem). Pouco se sabe sobre o Jovem de Cardoness, exceto que participou da Guerra Civil na Inglaterra. Deduzimos, pelas Cartas, que a natureza humana era forte, tanto no pai quanto no filho.
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As tentações que eu julgava estarem abatidas e mortas levantam-se novamente e revivem sobre mim; sim, vejo que, enquanto eu viver, as tentações não morrerão. O diabo parece se ufanar e se gabar como se ele agradasse mais a Cristo do que eu, e como se ele tivesse enfeitiçado e destruído meu ministério para que eu não pudesse mais fazer o bem em público. Mas seu vento não causa danos. Eu não acreditarei que Cristo teria feito tal esforço para ter-me para Si, colocando tantas dores sobre mim, como tem feito, e então perder facilmente minha posse, e perder a glória daquilo que Ele fez. Não! Desde que vim para Aberdeen, tenho sido levado a ver a nova terra, o lindo palácio do Cordeiro; e Cristo me deixaria ver o Céu só para partir meu coração e jamais dá-lo a mim? Não pensarei que meu Senhor Jesus daria um penhor vazio, ou colocaria Seu selo em um papel em branco, ou pensaria em se livrar de mim com promessas bonitas e falsas. Agora eu vejo o que nunca vi bem antes:
Necessidade de fé
1. Vejo que a necessidade de fé em um dia bonito nunca é reconhecida como necessária; mas agora não sinto falta de nada além da fé. A fome é para mim como promessas belas e doces; mas, quando venho, sou como um homem faminto e sem dentes, ou com um estômago fraco tendo um apetite voraz que já é satisfeito só com a visão da carne, ou como alguém entorpecido com o frio sob a água que se contentaria em chegar à terra, mas que não consegue agarrar nada que lhe seja atirado.
Eu posso deixar Cristo me agarrar, mas eu não posso agarrá-Lo. Eu amo ser beijado e estar assentado nos joelhos de Cristo, mas não posso colocar meus pés no chão, porque as aflições trazem cãibras à minha fé. Tudo o que posso fazer é estender a Cristo uma fé aleijada, como um pedinte estendendo um coto, em vez de um braço, ou uma perna, e clamar: “Senhor Jesus, faze um milagre!” Oh, o que eu não daria para ter mãos e braços para agarrar com força e abraçar generosamente o pescoço de Cristo, e ter meu pedido com posse real! Eu penso que meu amor por Cristo tem muitos pés, e corre rapidamente para estar com Ele, mas falta-lhe mãos e dedos para segurá-Lo. Eu acho que daria minha bênção a Cristo toda manhã, para ter tanta fé como tenho amor e fome; pelo menos, eu sinto mais falta de fé do que de amor ou de fome.
Morto para o mundo
2. Eu vejo que a mortificação, e ser crucificado para o mundo, não é tão bem considerado por nós como deveria ser. Oh, quão celestial é ser morto e mudo e surdo para a doce música deste mundo! Confesso que agradou à Majestade Divina fazer-me rir das crianças que estão cortejando este mundo para ser seu par. Eu vejo homens mentindo sobre o mundo, da mesma forma que os nobres mentem sobre a corte do rei, e fico a imaginar o que eles estão fazendo ali.
Como estou agora, no presente, eu não me dignaria cortejar uma princesa tão insignificante e imprestável, ou comprar a bondade deste mundo dobrando meu joelho. Eu agora quase não vejo nem ouço o que é que este mundo me oferece; eu sei que é pouco o que ele pode tirar de mim, e que é pouco o que ele pode me dar. Eu te recomendo a mortificação acima de qualquer coisa; porque, ai de nós! Nós só corremos atrás de penas voando no ar, e cansamos nosso espírito com esse palavrório e essa vida moribunda do barro maquilado. Um relance do que o meu Senhor me deixou ver nesse curto período de tempo vale um universo de mundos.
Regozijo espiritual
3. Eu pensei que a coragem, em tempos de aflição por amor a Cristo, fosse algo que eu pudesse dominar. Pensei que a própria lembrança da honestidade da causa seria o suficiente. Mas fui tolo ao pensar assim. Tenho agora muita dificuldade para dar um sorriso. Vejo, porém, que o regozijo cresce no céu, e está além de nosso curto braço. O próprio Cristo é quem será o mordomo e o despenseiro, e nenhum outro a não ser Ele. Portanto, agora, eu conto apenas com um pouquinho do regozijo espiritual.
Um sorriso da face de Cristo é agora para mim como um reino; e Ele até o momento não retém de mim o conforto.
Na verdade, eu não tenho razão de dizer que esteja oprimido com penúria ou que as consolações de Cristo estejam faltando; porque Ele tem derramado rios sobre um deserto seco como eu, para meu espanto; e em meus desmaios Ele me mantém a cabeça erguida e me sustenta com odres de vinho e me conforta com maçãs [Ct 2.4,5]. Há beijos de amor espalhados em toda a minha casa e na minha cama. Louva, louva comigo. Oh, se tu e eu, entre nós, elevássemos Cristo a Seu trono, no entanto toda a Escócia O estaria derrubando ao chão!
[1] Robert Gordon, de Knockbeck, um cristão sofrido e de coração singular, muito usado em parlamentos e reuniões públicas depois do ano de 1638. Knockbreck fica na paróquia de Borgne, contígua a Anwoth, e tem vista para a Baía de Wigtown.
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Não é de se espantar, meu caro irmão, que tu andes ansioso por algum tempo, e que a vontade de Deus (cruzando teu plano e teus desejos de morar entre um povo para quem Deus é o Senhor) deverá fazer com que mudes. Eu não nego isso, porém tu tens razões em procurar saber o que a Sua providência fala a ti quanto a isso; mas a vontade de Deus que te direciona e comanda pode, não mediante a boa lógica, ser compreendida mediante os eventos da providência. O Senhor enviou Paulo a muitas viagens com o propósito específico de espalhar Seu Evangelho, nas quais ele encontrou leões em seu caminho. Uma promessa havia sido feita ao Seu povo na Terra Santa, porém os israelitas encontraram muitas nações que lutaram contra eles e estavam prontas a matar os que tinham a promessa, ou a impedi-los de possuir a boa terra que o Senhor, seu Deus, lhes havia dado.
Sei que tu és muito submisso ao Espírito; porém, convenço-me que aprendeste, em cada situação em que és colocado, a estares contente e a dizeres:
“Boa é a vontade do Senhor; que ela seja feita.”
Eu creio que o Senhor muitas vezes lança um barco na água para encontrar-se com o vento, e Ele tem como propósito trazer misericórdia por meio de teu sofrimento e pelo silêncio, o qual (sei disso por minha própria experiência) é muito doloroso para ti. Vendo que Ele conhece nossa mente disposta a servi-Lo, nossa paga, nossa recompensa está mais à frente com nosso Deus, mesmo que alguns soldados doentes sejam pagos quando estão acamados e não podem ir a campo com os outros. “Israel não se deixará ajuntar; contudo aos olhos do Senhor serei glorificado, e o meu Deus será a minha força” (Is 49.5). E nós devemos crer que assim será antes que tudo termine. “‘A violência que se fez a mim e à minha carne venha sobre Babilônia’, dirá a moradora de Sião; e ‘o meu sangue caia sobre os moradores da Caldéia’, dirá Jerusalém” (Jr 51.35).
“Eis que eu farei de Jerusalém um copo de tremor para todos os povos em redor, e também para Judá, durante o cerco contra Jerusalém. E acontecerá naquele dia que farei de Jerusalém uma pedra pesada para todos os povos; todos os que a carregarem certamente serão despedaçados; e ajuntar-se-á contra ela todo o povo da terra” (Zc 12.2,3). Quando nos tiverem comido e engolido, eles terão náusea e nos vomitarão vivos novamente; o estômago do diabo não pode digerir a Igreja de Deus.
O sofrimento é a outra metade de nosso ministério; contudo, a mais difícil. Pois ficaríamos satisfeitos se nosso Rei Jesus fizesse uma proclamação aberta, e derrubasse as cruzes, e exaltasse o gozo, a alegria, a tranqüilidade, a honra e a paz. Mas não pode ser assim. Por meio de muitas aflições é que entraremos no reino de Deus (At 14.22b). Não somente por meio delas, mas passando através delas deveremos ir, e as artimanhas não nos pouparão a cruz. É loucura pensar que entraremos furtivamente no céu, com a pele íntegra.
Ofereceram-me objeções a meu Senhor, e fui sacudido por desafios sobre se Ele me amava ou não, e por frequentes debates sobre tudo o que Ele fez por mim, porque Sua Palavra era um fogo preso em minhas entranhas, e eu estava cansado de controlar-me porque eu disse que tinha sido lançado fora da herança do Senhor. Mas agora vejo que fui um tolo. O Senhor não levou em conta nada disso e suportou meus tolos ciúmes, e não levou em conta que ofendi Seu amor.
E agora Ele voltou com misericórdia sob Suas asas. Eu fui além de minha (Oh, insensatez!) convocação. Ele é Deus, eu sei, e eu sou homem. Agora agradou-Lhe renovar Seu amor à minha alma e favorecer Seu pobre prisioneiro. Portanto, meu irmão, ajuda-me a louvar, e mostra ao povo do Senhor perto de ti o que Ele fez à minha alma para que eles possam orar e louvar. E eu te encarrego, em nome de Cristo, não omitir isso.
Por esta causa escrevo a ti: que meus sofrimentos glorifiquem meu nobre Rei e edifiquem Sua Igreja na Irlanda. Ele sabe o quanto uma brasa viva de Cristo tem queimado minha alma com o desejo de que minhas cadeias preguem Sua glória, cuja cruz agora eu suporto. Que Deus te perdoe, se tu não o fizeres. Mas espero que o Senhor mova teu coração a proclamar em meu favor a doçura, a excelência e a glória do meu nobre Rei. Foi nossa carne fraca que levantou uma calúnia contra a Cruz de Cristo; agora vejo o lado bom disso; as cadeias do meu Senhor são todas disfarçadas. Oh, se a Escócia e a Irlanda fizessem parte da minha festa! Mas eu só consigo meu quinhão com muito sacrifício. Não há ninguém aqui com quem eu possa conversar; eu habito nas tendas de Quedar (Ct 1.5). Refrigera-me com uma carta tua. Poucos sabem o que há entre mim e Cristo.
Caro irmão, por minha salvação, é por Sua verdade que sofremos agora. Cristo não daria carta branca às almas.
Coragem, coragem! Alegria, alegria para sempre! Oh, que gozo inefável e glorioso (1Pd 1.8)! Oh, ajuda a exaltar meu coroado Rei! Oh, ama Aquele que é todo amor! – aquele amor que as muitas águas não podem apagar, nem podem os rios afogá-lo (Ct 8.7)!
[1] Robert Blair nasceu em Irvine em 1593, tornou-se ministro presbiteriano em Bangor, Irlanda do Norte, em 1623. Os arcebispos anglicanos se opuseram a ele e asseguraram sua demissão em 1634. Embarcou com outros ministros para a Nova Inglaterra (EUA), porém tempestades os fizeram retornar. Em 1638 tornou-se ministro em Ayr, porém logo se mudou para St. Andrews, onde ele e Rutherford se tornaram amigos chegados. Ele morreu em 1666.
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Rogo-te, senhor, pela salvação de tua preciosa alma e pelas misericórdias de Deus, que utilizes bem e com certeza tua salvação, e proves sobre que fundamento tens edificado. Digno e caro senhor, se estiveres sobre areia movediça, a tempestade da morte e uma rajada de vento te perderá de Cristo e te arrastará da rocha. Oh, pelo amor de Deus, olha minuciosamente para a obra!
Revê tua vida sob a divina luz do dia e do Sol, pois a salvação não é lançada à porta de todo homem. É bom que olhes tua bússola, e tudo de que necessitas, antes de embarcares, pois nenhum vento poderá trazer-te de volta. Lembra-te, quando a corrida terminar, e o jogo estiver ganho ou perdido, e estiveres no círculo final e às margens do tempo, e colocares teu pé na fronteira da eternidade, e todas as tuas boas coisas deste curto sonho noturno te parecerem como cinzas de uma rápida queima de espinhos ou de palha, e tua pobre alma clamar: “Pousada, pousada, pelo amor de Deus!”, então tua alma estará mais feliz em um dos amáveis e despretensiosos sorrisos de teu Senhor do que se tivesses o domínio de três mundos pela eternidade. Que prazeres e ganhos, vontade e desejos deste mundo sejam postos nas mãos de Deus, como bens presos e cercados com os quais não podes lidar. Agora, quando bebes a borra de tua taça, e estás na extremidade final da última ligação com o tempo, e a idade avançada, como uma longa sombra de morte, lança uma cobertura sobre teus dias, não é hora de cortejares esta vida vã e nela colocares o amor e o coração. Já é quase depois da ceia; procura descanso e sossego para tua alma em Deus, por meio de Cristo.
Creia-me que acho difícil lutar para ser honesto com Cristo, e estar em paz com Ele, e amá-Lo em integridade de vida e manter um curso constante de comunhão diária sã e sólida com Cristo. As tentações estão diariamente quebrando o fio desse caminho, e não é fácil atá-lo novamente; e muitos laços produzem obras más. Oh, quantos barcos estão lindamente navegando com o vento e, no espaço de uma hora, jazem no fundo do mar! Quantos mestres emitem um brilho dourado como se fossem de ouro puro, e, contudo, por baixo daquela capa não passam de um metal básico e depravado! E quantos mantêm o fôlego por muitos quilômetros em sua corrida, mas não conseguem o prêmio e a guirlanda de louro!
Caro senhor, minha alma lamentaria secretamente por ti, se eu soubesse que tua relação com Deus fosse apenas uma obra falsa. O amor para fazer-te ancorar em Cristo me faz temer tuas vacilações e teus deslizes. Uma falsa imersão, não vista com base em uma consciência iluminada, é perigosa, assim como o cair frequentemente e o pecar contra a luz. Sabe que aqueles que nunca tiveram noites ou dias ruins por consciência do pecado terão essa paz com Deus como uma pústula sob a pele que romperá a carne outra vez, e terminarão numa triste guerra na morte. Oh, como milhares estão terrivelmente enganados com o falso esconderijo, construído sobre velhos pecados, como se a alma estivesse curada e sã!
Caro senhor, eu sempre vi em ti uma natureza poderosa, elevada, impetuosa e forte; e que era mais difícil para ti do que para outro homem comum o ser mortificado e morto para o mundo. Será preciso uma maré baixa, um corte profundo e um longo arpão para alcançar o fundo de tuas feridas em uma humilhação salvadora para fazer-te uma presa para Cristo. Sê humilde; anda suavemente. Abaixa, abaixa, pelo amor de Deus, meu caro e digno irmão, tua vela. Curva-te, curva-te! A entrada para se passar o portão do céu é baixa. Há justiça infinita Naquele com quem tu deves lidar; é de Sua natureza não inocentar o culpado e o pecador. A lei de Deus não aceitará um vintém do pecador. Deus não se esquece nem do prudente nem do pecador; e todo homem deve pagar, ou em sua própria pessoa (Oh, que o Senhor te salve desse pagamento!), ou em sua segurança, Cristo.
A beleza de Cristo
É violência para a natureza corrompida de um homem se tornar santo, cair aos pés de Cristo, abdicar da vontade, do prazer, do amor pelo mundo, da esperança terrena e de um desejo do coração por este mundo colorido e exagerado, e estar satisfeito que Cristo passe por cima de tudo isso. Vem, vem a Cristo, e vê, e encontra o que tu queres Nele. Ele é o atalho (como dizíamos) e o caminho mais curto para escapares de todos os teus fardos. Ouso afirmar que tu serás muito bem-vindo a Ele. Minha alma se alegraria em ser partícipe do gozo que terias Nele. Ouso dizer que nem as penas de escrever dos anjos, nem a língua dos anjos, não, nem os tantos mundos de anjos, como são as gotas de água dos mares, das fontes e dos rios da Terra poderiam descrevê-Lo para ti. Penso que a doçura Dele, desde que me tornei prisioneiro, aumentou sobre mim até à grandeza de dois céus. Oh, é preciso uma alma tão larga quanto o maior círculo do mais alto céu, que tudo contém, para conter Seu amor!
Mas eu pude pegar um pouco disso. Oh, maravilha do mundo! Oh, se minha alma pudesse apenas deitar-se na fragrância de Seu amor, supondo que eu não pudesse obter nada além dessa fragrância! Oh, mas ainda está longe o dia em que eu terei um mundo livre do amor de Cristo! Oh, que visão estar no céu, naquele lindo jardim do novo paraíso, e ver e sentir o aroma e tocar e beijar aquela linda flor do campo, aquela sempre verde Árvore da Vida! Só Sua sombra já seria o bastante para mim. Apenas vê-Lo seria o máximo do céu para mim. Vergonha, vergonha sobre nós que temos o amor enferrujando a nosso lado ou, o que é pior, desperdiçado em algum objeto repugnante, e Cristo deixado só. Desgraça, desgraça que o pecado fez tantos loucos, buscando o paraíso dos tolos, fogo sob o gelo, e algumas coisas boas e desejáveis sem Cristo e longe dele. Cristo, Cristo, nada além de Cristo, pode arrefecer a morbidez ardente de nosso amor. Oh, amor sedento! tu irás colocar Cristo, o poço da vida, em tua cabeça e beber até ficares cheio? Bebe, e não desperdiça, bebe o amor e embriaga-te de Cristo! Não, infelizmente! a distância entre nós e Cristo é a morte. Oh, se estivéssemos presos em outros braços! Nós nunca nos separaríamos, exceto se o céu nos separasse e nos dividisse; e isso não pode ocorrer.
Uma palavra para os filhos
Eu desejo que teus filhos busquem o Senhor. Meu desejo para eles é que sejam chamados, pelo amor de Cristo, a serem bem-aventurados e felizes, e venham e tomem Cristo e todas as coisas com Ele. Que tenham cuidado com a juventude frágil e escorregadia, com as ideias tolas dos jovens, com a luxúria mundana, com os ganhos enganadores, com as más companhias, com as maldições, com a mentira, com a blasfêmia e com as conversas tolas. Que eles sejam cheios do Espírito, que se acostumem a orar diariamente e com o manancial da sabedoria e do conforto, a boa Palavra de Deus.
[1] John Gordon, de Cardoness (o Ancião), viveu no Castelo de Cardoness, na paróquia de Anwoth. Era descendente de Gordon de Lochinvar e foi proeminente nos assuntos paroquiais locais. Pouco se sabe sobre Cardoness, o Jovem, exceto que participou da Guerra Civil na Inglaterra. Observamos, pelas cartas, que a natureza humana era forte tanto no pai quanto no filho.
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Era inverno. Sentados próximo ao fogo, dois pedreiros estavam dedicados a sua tarefa. De repente, um desconhecido aproximou-se deles, desceu do cavalo e, imediatamente, passou a conversar sobre o estado espiritual da alma deles. Servindo-se das vivas chamas da fogueira como ilustração, o jovem desconhecido pregou verdades alarmantes. Com profunda surpresa, os pedreiros exclamaram: “Você não é um homem como os demais!” Ao que o desconhecido — que era Robert McCheyne — respondeu: “Eu sou, simplesmente, um homem como os demais”.
Parece que, tanto a leitura dos sermões de McCheyne quanto de sua biografia, fazem brotar do coração do leitor a mesma exclamação dos pedreiros: que, certamente, Robert McCheyne não foi um homem como os demais. Seu ministério, certamente muito breve, tornou-se uma das luzes mais brilhantes do evangelho na Escócia. Pureza doutrinária e fervor evangélico impregnaram por completo a pregação desse grande servo de Deus. Em McCheyne encontramos aquela característica tão sublime — e muito rara, infelizmente — de uma harmoniosa correspondência entre pregação e vida. A vida de McCheyne, que alguém definiu como “um dos mais belos exemplos da obra do Espírito Santo”, foi caracterizada por um alto grau de santidade e consagração.
Nascimento e infância
Robert Murray McCheyne nasceu em Edimburgo em 29 de maio de 1813, numa época em que os primeiros resplendores de um grande ressurgimento espiritual tinham lugar na Escócia. Entre os preparativos secretos com que Deus contava para derramar sobre Seu povo dias de verdadeiro e profundo refrigério espiritual se achava o nascimento do mais jovem dos cinco filhos de Adam McCheyne.
Já desde a infância, Robert deu mostras de possuir uma natureza doce e afável, ao mesmo tempo em que todos podiam apreciar nele uma mente ágil e uma memória prodigiosa. Com a idade de quatro anos, enquanto se recuperava de uma enfermidade, Robert fez do estudo do hebraico e do grego seu passatempo favorito. Com oito anos, ingressou na escola superior para passar, anos mais tarde, para a Universidade de Edimburgo. Em ambos centros de ensino, distinguiu-se como estudante privilegiado, de forma especial nos exercícios poéticos. Ele é descrito como tendo boa estatura, cheio de agilidade e vigor, ambicioso, ao mesmo tempo em que era nobre em sua disposição, evitando qualquer forma de engano em sua conduta. Alguns consideravam que ele possuía, de forma inata, todas as virtudes do caráter cristão; mas, segundo seu próprio testemunho, aquela pura moralidade exterior por ele exibida nascia de um coração farisaico e, exatamente como muitos de seus companheiros, ele se empenhava para encher sua vida de prazeres mundanos.
Morte do irmão
A morte de seu irmão David causou uma profunda impressão em sua alma. Seu diário contém numerosas alusões a esse fato. Anos mais tarde, escrevendo a um amigo, Robert disse: “Ora por mim, para que eu possa ser mais santo e mais sábio, menos como eu mesmo sou e mais como meu Senhor é […] Hoje faz sete anos que perdi meu querido irmão, mas comecei a encontrar o Irmão que não pode morrer”.
A partir desse fato, sua terna consciência despertou para a realidade do pecado e das profundezas de sua corrupção. “Que infame massa de corrupção eu tenho sido! Vivi uma grande parte de minha vida completamente separado de Deus e para o mundo. Entreguei-me completamente ao gozo dos sentidos e às coisas que perecem ao meu redor”.
Ainda que ele nunca tenha sabido a data exata de seu novo nascimento, jamais abrigou qualquer temor de que isso não houvesse ocorrido. A segurança de sua salvação foi algo característico de seu ministério, de modo que sua grande preocupação foi, em todo tempo, obter uma maior santidade de vida.
Estudos e piedade pessoal
No inverno de 1831, iniciou seus estudos na Divinity Hall, onde Thomas Chalmers era professor de Teologia, e David Welsh o era de História Eclesiástica. Com outros companheiros — Edward Irving, Horatius e Andrew Bonar (que, mais tarde, escreveu sua biografia) — e fervorosos amigos, Robert McCheyne se reunia para orar e estudar a Bíblia, especialmente nas línguas originais. Quando o Dr. Chalmers foi informado do modo simples e literal como McCheyne esquadrinhava as Sagradas Escrituras, não pode senão dizer: “Eu gosto dessa literalidade!” Verdadeiramente, todos os sermões deste grande servo de Deus são caracterizados por uma profunda fidelidade ao texto bíblico. Já neste período de sua vida, McCheyne dava mostra de um grande amor pelas almas perdidas e, junto com seus estudos, dedicava várias horas por semana à pregação do evangelho, tarefa que realizava quase sempre nos bairros pobres e mais baixos de Edimburgo.
Do mesmo modo que outros grandes servos de Deus, McCheyne tinha uma clara consciência da radical seriedade do pecado. A compreensão clara da condição pecadora do homem era para ele requisito imprescindível para fazer com que o coração sentisse a necessidade de Cristo como único Salvador e também era uma experiência necessária para uma vida de santidade. Seu diário dá testemunho de quão severo era no juízo que fazia de si mesmo. “Senhor, se nenhuma outra coisa pode livrar-me de meus pecados a não ser a dor e as provas, envia-mas, Senhor, para que eu possa ser livrado de meus membros carregados de carnalidade”. Mesmo nas mais gloriosas experiências do crente, McCheyne podia descobrir traços de pecado; por isso, disse em certa ocasião: “Até mesmo nossas lágrimas de arrependimento estão manchadas de pecado.”
Andrew Bonar escreveu sobre seu amigo nos seguintes termos: “Durante os primeiros anos de seus cursos no colégio, o estudo não chegou a absorver toda a sua atenção. Sem dúvida, tão logo começou a mudança em sua alma e isso também se refletiu em seus estudos. Um sentimento muito profundo de sua responsabilidade o levou a dedicar todos os seus talentos ao serviço do Mestre, de Quem os havia recebido. Poucos houve que, com tão completa dedicação, tenham-se consagrado à obra do Senhor como fruto de um claro conhecimento de sua responsabilidade”.
Enquanto fazia os cursos de Literatura e Filosofia, conseguia encontrar tempo para dedicar sua atenção à Teologia e à História Natural. Nos dias de sua maior prosperidade no ministério da pregação, quando, juntamente com sua alma, sua congregação e rebanho constituíam o centro de seus desvelos, com freqüência lamentava por não ter adquirido, nos anos anteriores, um caudal de conhecimento mais profundo, pois se havia dado conta de que podia usar as jóias do Egito para o serviço do Senhor. De vez em quando, os estudos anteriores evocariam em sua mente alguma ilustração apropriada para a verdade divina e precisamente no solene instante em que apresentava o evangelho glorioso aos mais ignorantes e depravados.
Apreço pelo estudo
Suas próprias palavras apresentam melhor sua estima pelo estudo e, ao mesmo tempo, revelam o espírito de oração que, segundo McCheyne, devia sempre acompanhá-lo: “Esforça-te em teus estudos”, escreveu a um jovem estudante em 1840. “Dá-te conta de que estás formando, em grande parte, o caráter de teu futuro ministério. Se adquirires agora hábitos de estudo marcados pelo descuido e a inatividade, nunca tirarás proveito do mesmo. Faz cada coisa a seu tempo. Sê diligente em todas as coisas; aquilo que valha a pena fazê-lo, faze-o com todas as forças. E, sobre todas as coisas, apresenta-te diante do Senhor com muita freqüência. Não tentes nunca ver um rosto humano enquanto não tiveres visto primeiro o rosto Daquele que é nossa luz e nosso tudo. Ora por teus semelhantes. Ora por teus professores e companheiros de estudo.” A outro jovem escreveu: “Cuidado com a atmosfera dos autores clássicos, pois ela é, na verdade, perniciosa; e tu necessitas muitíssimo, para contestá-la, o vento sul que se respira das Escrituras. É certo que devemos conhecê-los — mas da mesma forma como o químico experimenta as substâncias tóxicas — para descobrir suas qualidades e não para envenenar com eles teu sangue.” E acrescentou: “Ora para que o Espírito Santo faça de ti não somente um jovem crente e santo, mas para que te dê também sabedoria em teus estudos. Às vezes, um raio da luz divina que penetra a alma pode dar suficiente luz para aclarar maravilhosamente um problema de matemática. O sorriso de Deus acalma o espírito e a destra de Jesus levanta a cabeça do descaído, enquanto Seu Santo Espírito aviva os efeitos, de modo que mesmo os estudos naturais vão um milhão de vezes melhor e mais facilmente.”
As férias para McCheyne, assim como para seus amigos íntimos que permaneciam na cidade, não eram consideradas como uma cessação do que se refere aos estudos. Uma vez por semana, costumavam passar uma manhã juntos com o fim de estudar algum ponto da teologia sistemática, assim como para trocar impressões sobre o que haviam lido em particular.
Um jovem assim, com faculdades intelectuais tão incomuns, às quais se unia ainda o amor ao estudo e uma memória extraordinariamente profunda, facilmente teria se destacado no plano da erudição se não houvesse posto em primeiro lugar, e como meta mais importante, a tarefa de salvar as almas. Todos os talentos que possuía ele os submeteu à obra de despertar aqueles que estavam mortos em delitos e pecados. Preparou sua alma para a terrível e solene responsabilidade de pregar a Palavra de Deus, e isso ele fazia com “muita oração e profundo estudo da Palavra de Deus, com disciplina pessoal, com grandes provas e dolorosas tentações, pela experiência da corrupção da morte em seu próprio coração e pela descoberta da plena graça do Salvador.” Por experiência, ele podia dizer: “Quem é que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?” (1Jo 5.5).
Início do ministério pastoral
No dia 1º de julho de 1835, Robert Murray McCheyne obteve, do presbitério de Annan, licença para pregar. Depois de haver pregado por vários meses em diferentes lugares e ter dado evidência da particular doçura com que a Palavra de Deus fluía de seus lábios, McCheyne tornou-se o ajudante do pastor John Bonar nas congregações unidas de Larbert e Dunipace, nas cercanias de Stirling. Em sua pregação, fazia com que os outros participassem de sua vida interior, como de sua alma, à medida que crescia na graça e no conhecimento do Senhor e Salvador. Começava o dia muito cedo cantando salmos ao Senhor. A isso se seguia a leitura da Palavra para a própria santificação. Nas cartas de Samuel Rutherford, encontrou uma mina de riquezas espirituais. Entre outros livros que apreciava ler estavam: Chamamento aos inconversos, de Richard Baxter, e A vida de David Brainerd, de Jonathan Edwards.
Em novembro de 1836, foi ordenado pastor na igreja de São Pedro, em Dundee. Permaneceu como pastor dessa congregação até o dia de sua morte. A cidade de Dundee, como ele mesmo deixou escrito, “era uma cidade dada à idolatria e de coração duro”. Mas não havia nada em suas mensagens que buscasse o agrado do homem natural, pois não estava em seu coração buscar o beneplácito dos inconversos. “Se o evangelho agradasse ao homem carnal, então, deixaria de ser evangelho”. Estava profundamente persuadido de que a primeira obra do Espírito Santo na salvação do pecador era a de produzir convicção de pecado e de trazer o homem a um estado de desespero diante de Deus. “A menos que o homem seja posto no nível de sua miséria e culpa, toda a nossa pregação será vã. Somente um coração contrito pode receber a um Cristo crucificado.” Sua pregação era caracterizada por um elemento de declarada urgência e alerta. “Que Deus me ajude sempre a falar-vos com clareza. Mesmo a vida daqueles que vivem mais anos é, na verdade, curta. No entanto, essa vida curta que Deus nos deu é suficiente para que busquemos o arrependimento e a conversão, pois logo, muito logo, passará. Cada dia que passa é como um passo a mais em direção ao trono do juízo eterno. Nenhum de vós permanece imutável; talvez estejais dormindo; não importa, pois a maré do tempo que passa vos está levando mais para perto da morte, do juízo e da eternidade.”
A seu profundo amor pelas almas se somava uma profunda sede de santidade de vida. Escrevendo a um companheiro no ministério, disse: “Acima de todas as coisas, cultiva teu próprio espírito. Tua própria alma deveria ser o principal motivo de todos os teus cuidados e desvelos. Mais que os grandes talentos, Deus abençoa àqueles que refletem a semelhança de Jesus em sua vida. Um ministro santo é uma arma terrível nas mãos de Deus.” McCheyne talvez pregasse com mais poder com sua vida do que com suas mensagens, e ele sabia bem, como nos disse seu amigo Andrew Bonar, que “os ministros do Evangelho não só devem pregar fielmente, mas também viver fielmente”.
Como pastor em Dundee, McCheyne introduziu importantes inovações na congregação. Naquela época, as reuniões de oração, se não eram desconhecidas, eram muito raras. McCheyne ensinou aos membros a necessidade de congregar-se cada quinta-feira à noite a fim de unirem o coração em oração ao Senhor e estudar Sua Palavra. Também destinava outro dia durante a semana para os jovens. Seu ministério entre as crianças constitui a nota mais brilhante de seu ministério.
A seu zelo por santidade de vida uniu-se o afã por pureza de testemunho entre os membros de sua congregação. McCheyne era consciente de que a igreja — como parte do Corpo místico de Cristo — devia manifestar a pureza e a santidade Daquele que havia morrido para oferecer uma Igreja santa e sem mancha ao Pai. Por isso, seu zelo pela observância de disciplina na congregação: “Ao começar meu ministério entre vós, eu era em extremo ignorante da grande importância que na Igreja de Cristo tem a disciplina eclesiástica. Pensava que meu único e grande objetivo nesta congregação era o de orar e pregar. Vossa alma me parecia tão preciosa e o tempo se me apresentava tão curto que eu decidi dedicar-me exclusivamente com todas as minhas forças e com todo o meu tempo ao labor de evangelização e doutrina. Sempre que, diante de mim e dos presbíteros desta igreja, se nos apresentaram casos de disciplina, eu os considerava como dignos de aborrecimento. Constituíam uma obrigação diante da qual eu me encolhia. Mas agradou ao Senhor, que ensina a Seus servos de maneira muito diferente daquela usada pelos homens, abençoar — inclusive com a conversão — alguns dos casos de disciplina a nosso cuidado. Desde então uma nova luz se acendeu em minha mente: dei-me conta de que não somente a pregação era uma ordenança de Cristo, mas também o exercício da disciplina eclesiástica.”
Debilidade física
Enquanto o vigor e a força espirituais de sua alma alcançavam uma grandeza gigantesca, a saúde física de McCheyne se via minada e debilitada conforme transcorriam os dias. Ao final de 1838, uma violenta palpitação do coração, ocasionada por seus árduos labores ministeriais, obrigaram o jovem pastor a retirar-se para um descanso. E, como sua convalescença se processava em ritmo muito lento, um grupo de pastores, reunido em Edimburgo na primavera de 1839, decidiu convidar McCheyne a se unir a uma comissão de pastores que planejava ir a Palestina para estudar as possibilidades missionárias da Terra Santa. Todos criam que tanto o clima como a viagem redundariam em benefício para a saúde do pastor. Do ponto de vista espiritual, sua passagem pela Palestina se constituiu uma verdadeira bênção para a alma. Visitar os lugares que haviam sido cenário da vida e obra do bendito Mestre e pisar a mesma terra que um dia pisara o Varão de dores foi uma experiência indescritível para o jovem pastor. No entanto, fisicamente, o estado de McCheyne não melhorou; antes, pelo contrário, parecia que seu tabernáculo terrestre ameaça sofrer um desmoronamento total. E, assim, nos últimos dias de julho de 1839, encontrando-se a delegação missionária próxima de Esmirna, e já para regressar, McCheyne caiu gravemente enfermo. Quando tudo fazia pensar em uma rápida morte, o Senhor estendeu Sua mão curadora e o grande servo do evangelho pôde, por fim, regressar a sua amada Escócia e ao seu querido rebanho em Dundee.
Durante sua ausência, o Espírito Santo começou a operar um maravilhoso avivamento na Escócia. Este avivamento começou em Kilsyth sob a pregação do jovem pastor W. C. Burns, que havia substituído McCheyne enquanto durava sua convalescença. Num curto espaço de tempo, a força do Espírito Santo, que impulsionava o avivamento, se deixou sentir em muitos lugares. Em Dundee, onde os cultos se prolongavam até tarde da noite todos os dias da semana, as conversões foram muito numerosas. Era como se toda a cidade houvesse sido sacudida pelo poder do Espírito.
Em novembro do mesmo ano, McCheyne, recuperado da enfermidade, regressou a sua congregação. Os membros da igreja de São Pedro transbordaram de alegria ao ver de novo o rosto amado de seu pastor. A igreja estava absolutamente lotada e, enquanto todos esperavam que McCheyne ocupasse o púlpito, um silêncio absoluto reinava entre os que estavam ali congregados. Muitos membros derramaram lágrimas de gratidão ao rever o rosto do pastor. Mas, ao finalizar o culto e movidos pelo poder de sua pregação, muitos foram os pecadores que derramaram lágrimas de arrependimento.
O regresso de McCheyne a Dundee marcou um novo episódio em seu ministério e também na igreja escocesa. Era como se, a partir daquele momento, o Senhor se houvesse disposto a responder às orações que o jovem pastor elevara no princípio de seu ministério, suplicando por um avivamento. Ali, onde McCheyne pregara, o Espírito acrescentava novas almas à Igreja.
Doença e morte
Na primavera de 1843, quando McCheyne regressara de uma série de reuniões especiais em Aberdeenshire, caiu repentinamente enfermo. Lá ele havia visitado a vários enfermos de febre infecciosa, e sua constituição enfermiça e débil sucumbiu ao contágio da doença. No dia 25 de março de 1843 partiu para estar com o Senhor.
“Em todas as partes onde chegava a notícia de sua morte”, escreveu Bonar, “o semblante dos crentes se enchia de tristeza. Talvez não tenha havido outra morte que impressionasse tanto aos santos de Deus na Escócia como a deste grande servo de Deus que consagrou toda a vida à pregação do evangelho eterno. Com freqüência, ele costumava dizer: ‘Vivei de modo que, um dia, sintam de vós saudades’, e ninguém que houvesse visto as lágrimas que se verteram por ocasião de sua morte teria dúvidas em afirmar que a vida dele havia sido o que ele havia recomendado a outros. Não tinha mais do que 29 anos quando o Senhor o levou.
“No dia do enterro, foram suspensas todas as atividades em Dundee. Do lugar do velório até o cemitério, todas as ruas e janelas estavam abarrotadas de uma grande multidão. Muitas almas se deram conta naquele dia de que um príncipe de Israel havia caído, enquanto muitos corações indiferentes experimentaram uma terrível angústia ao contemplar o solene espetáculo.”
“O túmulo de Robert McCheyne ainda pode ser visto na parte nordeste do cemitério que circunda a igreja de São Pedro. Ele se foi para as montanhas de mirra e para as colinas de incenso, até que desponte o dia e fujam as sombras. Terminou sua obra. Seu Pai celestial não tinha para ele nenhuma outra planta para regar nem outra vide para cuidar, e o Salvador, que tanto o amou em vida, agora o esperava com Suas palavras de boas-vindas: ‘Bem está, servo bom e fiel. […] Entra no gozo do teu senhor’ (Mt 25.21).”
O ministério de Robert McCheyne não terminou com sua morte. Suas mensagens e cartas, e a biografia escrita por seu amigo Andrew Bonar, são ricos instrumentos de bênção para muitas almas.
(Publicado originalmente em 28.jul.2008; revisado, atualizado e republicado em 1.mar.2020.)
De Irvine, Escócia, estando eu a caminho do “Palácio de Cristo” em Aberdeen, 4 de agosto de 1636
Consolo a um irmão em tribulação
Graça, misericórdia e paz estejam contigo. Por causa de nossa familiaridade em Cristo, pensei ser bom tomar a oportunidade de escrever a ti. Vendo que pareceu bem ao Senhor da colheita tomar as rédeas de tuas mãos por um tempo, e colocar sobre nós um serviço mais honorável, isto é, sofrer pelo nome Dele, seria bom nos consolarmos mutuamente em cartas. Tenho tido o desejo de ver-te face a face; contudo, sendo agora prisioneiro de Cristo, isso me foi tirado. Estou grandemente confortado por ouvir a respeito de teu firme espírito de soldado por teu magnífico e real Capitão Jesus, nosso Senhor, e, pela graça de Deus, dos demais queridos irmãos contigo.
Minha própria privação do ministério
Ouviste de minha aflição, suponho eu. Agradou ao nosso doce Senhor Jesus deixar solta a malícia desses senhores interditados em Sua casa para privar-me de meu ministério em Anwoth, e confinar-me à distância de uns doze quilômetros de lá, em Aberdeen; e também (o que não foi feito a ninguém antes) proibir-me de falar no nome de Jesus dentro deste reino, sob pena de rebelião. O motivo que levantou o ódio deles foi meu livro contra os arminianos, de que me acusaram naqueles três dias em que me apresentei perante eles. Mas que reine nosso coroado Rei em Sião! Por Sua graça, a perda é deles, a vantagem é de Cristo e da verdade.
Cristo é digno de nosso sofrimento
Embora essa honrada cruz tenha ganho terreno sobre mim, e minha aflição e meus desafios interiores de consciência por um tempo tenham sido agudos, agora, para o encorajamento de todos vós, ouso dizer e escrever com minha mão:
“Bem-vinda, bem-vinda, doce, doce cruz de Cristo.”
Eu verdadeiramente penso que as cadeias de meu Senhor Jesus são todas cobertas de ouro puro, e que Sua cruz é perfumada, e que tem o aroma de Cristo, e que a vitória será pelo sangue do Cordeiro e pela Palavra de Sua verdade, e que Cristo, apoiado em Seus servos fracos e na verdade oprimida, cavalgará sobre o ventre de Seus inimigos e “ferirá os reis no dia da Sua ira” (Sl 110.5).
Será tempo de rirmos quando Ele rir; e, vendo que agora Lhe agrada assentar-se com os errados por um tempo, isso nos silencia até que o Senhor faça os inimigos desfrutarem do paraíso árido, seco e imprestável deles. Bem-aventurados são os que ficam contentes por sofrerem golpes com o Cristo que chora. A fé confiará no Senhor, e não é impetuosa nem obstinada. Tampouco a fé é tão tímida que favoreça a tentação, ou que venha a subornar ou a seduzir a cruz. É de pouca significância que o Cordeiro e Seus seguidores não obtenham garantia nem trégua com cruzes; é preciso que assim seja até que estejamos na casa de nosso Pai.
Caro irmão, ajudemo-nos uns aos outros com orações. Nosso Rei derrubará Seus inimigos, e Ele voltará de Bozra com Suas vestes tintas de sangue. E, para nossa consolação, Ele aparecerá e chamará Sua esposa de Hefzibá[2] e Sua terra, de Beulá[3] (Is 62.4); porque Ele se regozijará em nós, e nos desposará, e a Escócia dirá: “O que ainda tenho eu com os ídolos?” Sejamos, então, fiéis a Ele que pode cavalgar através do inferno e da morte com uma palha[4], e Seu cavalo jamais tropeça. E façamos a Ele uma ponte sobre águas, e assim Seu alto e santo nome seja glorificado em mim.
Golpes com a doce mão do Mediador são muito doces.
Ele sempre foi doce à minha alma; mas, desde que sofri por Ele, Seu hálito tem um aroma ainda mais doce que antes. Oh, que cada fio de cabelo de minha cabeça, e cada membro e cada osso de meu corpo fosse um homem a fazer uma verdadeira confissão para Ele! Penso que tudo seria muito pouco para Ele. Quando olho além dos limites e além da morte, para o lado sorridente do mundo, eu triunfo e cavalgo sobre os lugares altos de Jacó; contudo, por outro lado, sou um homem desfalecido, desanimado, covarde, muitas vezes derrubado, e faminto, aguardando a ceia das bodas do Cordeiro. Mesmo assim, penso no sábio amor do Senhor que nos alimenta com a fome e deixa-nos gordos de desejos e deserções.[5]
[1] Robert Cunningham, eminente ministro do evangelho em Holywood, Irlanda do Norte. Em 1636, ele e outros foram expulsos da Irlanda por prelatícios [defensores do prelado, do governo da igreja por bispos; episcopais]. Ele se estabeleceu em St. Irvine, no condado de Ayrshire (sudeste da Escócia). Morreu em março de 1637, quase oito meses depois que Rutherford lhe escreveu. [2] Heb.: “meu prazer está nela” [3] Heb.: “desposada” [4] Metaforicamente, algo banal, insignificante. [5] Fome e desejos pelas coisas celestiais e deserções quanto às coisas deste mundo.
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Eu te saúdo com a graça, a misericórdia e a paz de Deus, nosso Pai, e de nosso Senhor Jesus Cristo. Ouvi com tristeza de teu grande perigo de perecer no mar, porém com alegria sobre teu misericordioso livramento. Com certeza, irmão, Satanás não deixará nenhuma pedra por rolar, como diz o provérbio, para rolar-te de tua Rocha, ou pelo menos abalar-te e instabilizar-te; pois, ao mesmo tempo, a boca dos ímpios estava aberta em duros discursos contra ti em terra, e o príncipe das potestades do ar estava zangado contigo no mar.
Então, veja como estás forçado por esse malicioso assassino que quer atingir-te com duas varas ao mesmo tempo. Mas, louvado seja Deus, que o braço de Satanás é curto: se o mar e os ventos lhe tivessem obedecido, tu nunca terias voltado à terra. Graças ao teu Deus que diz: “E tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.18). “Eu mato e faço viver” (Dt 32.39). “O Senhor é o que tira a vida e a dá; faz descer à sepultura e faz tornar a subir dela” (1Sm 2.6). Se Satanás fosse o carcereiro, e tivesse as chaves da morte e da sepultura, elas estariam guardadas com mais prisioneiros. Estiveste batendo nesses negros portões, e os encontraste fechados; e todos nós lhe damos as boas-vindas em teu retorno.
Preparo para a morte
Espero que saibas que não é sem razão que foste enviado a nós novamente. O Senhor sabia que tinhas esquecido algo que era necessário para tua viagem: que tua armadura ainda não estava suficientemente preparada contra o impacto da morte. Agora, na força de Jesus, termina teu trabalho; aquela dívida não está perdoada, mas adiada; a morte não te deu adeus, mas apenas te deixou por um pouco de tempo. Termina tua jornada antes que a noite venha sobre ti; mantém tudo em prontidão para a hora em que atravessarás o negro e impetuoso Jordão; e que Jesus, Jesus, que conhece tanto as profundezas como as pedras e todas as encostas, seja teu Piloto.
A última maré não esperará por ti nem por um momento; se esqueceres alguma coisa, quando teu mar estiver pleno, e teu pé estiver naquele barco, não haverá retorno para pegar o que esqueceste. O que fizeres de errado em tua vida hoje, podes modificar amanhã; pois tantos sóis Deus faz levantar sobre ti, tantas serão como que tuas novas vidas; e se tu estragares esse negócio, não poderás voltar para consertar aquela parte de teu trabalho novamente; nenhum homem peca duas vezes por morrer doente; como morremos apenas uma vez, morremos apenas uma vez, estando doentes ou saudáveis.
Tu vês como o número de teus meses está escrito no livro de Deus; e, como um dos servos do Senhor, precisas trabalhar até que a sombra da noite venha sobre ti, quando terminarás tua ampulheta até o último grão de areia. Cumpre tua jornada com alegria; pois nada levamos conosco para o túmulo, exceto uma boa ou má consciência. E, embora os céus clareiem após essa tempestade, as nuvens ainda preparam outra.
Função das provações
Tu pactuaste com Cristo, espero, logo que começaste a segui-Lo, que carregarias a Sua cruz. Cumpre tua parte do pacto com paciência, e não o quebre com relação a Jesus Cristo. Sê tu honesto, irmão, em tuas negociações com Ele; pois quem sabe mais sobre criar filhos que nosso Deus? Pois (deixando de lado Seu conhecimento, que não se pode sondar) Ele tem praticado criar Seus herdeiros nesses cinco mil anos, e Seus filhos são todos bem criados, e muitos deles são homens honestos agora no lar, lá em suas próprias casas no céu, e receberam a herança de seu Pai.
Agora, a forma de criá-los foi por castigos, flagelação, correção, acalento. Vê se Ele faz acepção de qualquer de Seus filhos (Ap 3.19; Hb 12.7,8). Não! Seu Filho mais velho e Seu Herdeiro, Jesus, não foi exceção (2.10). Sofrer é preciso; antes de nascermos, Deus o decretou; e é mais fácil reclamar de Seu decreto do que mudá-lo. É verdade, terrores de consciência nos derrubam, mas sem os terrores de consciência não podemos ser novamente erguidos. Temores e dúvidas nos abalam; mas sem temores e dúvidas logo adormeceríamos e não poderíamos nos agarrar a Cristo. Tribulações e tentações quase conseguem nos afrouxar a raiz; mas, sem tribulações e tentações, não podemos crescer assim com não crescem a relva ou o milho sem chuva. O pecado e Satanás e o mundo dirão, e gritarão em nosso ouvido, que temos um difícil acerto de contas a ser feito no juízo; contudo, nenhum desses três, exceto se mentirem, ousam dizer em nossa cara que nosso pecado pode mudar o teor do novo pacto.
Para frente, portanto, caro irmão, e não percas tua âncora. Segura firme a verdade.
1 John Kennedy, conselheiro de Ayr, cidade da Escócia, um cristão eminente, destacado em assuntos públicos durante os anos 1640. [Nota do editor original.]
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