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John Piper Testemunho Vida cristã

Desperdice Seu Câncer (John Piper)

16 de fevereiro de 2006

Estou escrevendo estas palavras na véspera da cirurgia do câncer na minha próstata. Creio no poder de Deus para curar — por meio de um milagre e da medicina. Sei que é certo e bom orar pelos dois tipos de cura. O câncer não é desperdiçado ao ser curado por Deus. Ele recebe a glória — e isto porque o câncer existe. Então, não orar pela cura pode desperdiçar seu câncer. Mas a cura não é o plano de Deus para todos. E existem muitas outras formas de desperdiçar seu câncer. Estou orando por mim e por você, para que não desperdicemos esta dor.

1. Você desperdiçará seu câncer caso não creia que isto foi planejado por Deus

Não diga que Deus apenas usa nosso câncer, mas que não o planeja. O que Deus permite, ele o faz por uma razão. E está razão é sua vontade. Se Deus prevê desenvolvimentos moleculares tornando-se cancerígenos , ele pode deter isto ou não. Se não, ele tem um propósito. Por ser infinitamente sábio, é correto chamar este propósito de plano. Satanás é real e causa muitos prazeres e dores. Mas ele não é a causa última . Assim , quando ele atacou Jó com úlceras (Jó 2:7), Jó atribuiu-as a Deus (2:10), e o escritor inspirado concorda: “e o consolaram de todo o mal que o Senhor lhe havia enviado” (Jó 42:11). Se você não crê que seu câncer lhe foi planejado por Deus, você o desperdiçará.

2. Você desperdiçará seu câncer caso creia que ele é uma maldição, e não uma bênção

“Portanto, agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” ( Romanos 8:1). “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós ” (Gálatas 3:13). “Contra Jacó, pois, não há encantamento , nem adivinhação contra Israel” ( Números 23:23). “Porquanto o Senhor Deus é sol e escudo; o Senhor dará graça e glória; não negará bem algum aos que andam na retidão.” (Salmos 84:11)

3. Você desperdiçará seu câncer caso procure conforto em suas chances em vez de procurá-lo em Deus

O plano de Deus em relação ao seu câncer não é treiná-lo no cálculo de chances racionalista e humano . O mundo consegue conforto em estatísticas . Os cristãos não . Alguns contam seus carros (porcentagens de sobrevivência) e outros contam seus cavalos (efeitos colaterais do tratamento), mas nós confiamos no nome do Senhor, nosso Deus (Salmos 20:7). O plano de Deus é claro em 2Coríntios 1:9: “portanto já em nós mesmos tínhamos a sentença de morte , para que não confiássemos em nós, mas em Deus, que ressuscita os mortos”. O objetivo de Deus relativo ao seu câncer (entre várias outras coisas boas) é derrotar a autoconfiança em nosso coração para podermos descansar completamente nele.

4. Você desperdiçará seu câncer caso se recuse a pensar na morte

Todos nós morreremos caso Jesus não retorne em nossos dias. Não pensar sobre como seria deixar esta vida e encontrar Deus é tolice . Eclesiastes 7:2 diz: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete ; porque naquela se vê o fim de todos os homens , e os vivos o aplicam ao seu coração”. Como você pode aplicar esta verdade a seu coração se não pensa nela? Salmos 90:12 diz: “Ensina-nos a contar os nossos dias de tal maneira que alcancemos corações sábios”. Contar seus dias significa pensar sobre quão poucos eles são e que terminarão. Como você conseguirá um coração sábio se você se recusa a pensar nisto? Que desperdício , caso não pensemos sobre a morte.

5. Você desperdiçará seu câncer caso pense que “vencê-lo” significa sobreviver e não aproximar-se de Cristo .

Os planos de Deus e os planos de Satanás para seu câncer não são os mesmos. Satanás deseja destruir seu amor por Cristo. Deus planeja aprofundá-lo. O câncer não vencerá se você morrer, apenas se falhar em aproximar-se de Cristo. O plano de Deus é privá-lo do alimento do mundo e satisfazê-lo com a suficiência de Cristo. Isto tem o objetivo de ajudá-lo a dizer e a sentir: “tenho também como perda todas as coisas pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor”. E saber, portanto, que “o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Filipenses 3:8; 1:21).

6. Você desperdiçará seu câncer caso gaste muito tempo lendo sobre o câncer e não o suficiente a respeito de Deus

Não é errado ler sobre o câncer . Ignorância não é virtude. Mas, o desejo de saber mais e mais, e a falta de zelo pelo conhecimento contínuo de Deus é sintomático no incrédulo . O objetivo do câncer é acordar-nos para a realidade de Deus, colocar sensações e força no mandamento “Conheçamos, e prossigamos em conhecer ao Senhor” (Oséias 6:3), acordar-nos para a verdade de Daniel 11:32 : “O povo que conhece ao seu Deus se tornará forte, e fará proezas”, tornar-nos carvalhos indestrutíveis e firmes : “antes tem seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e noite. Pois será como a árvore plantada junto às correntes de águas, a qual dá o seu fruto na estação própria, e cuja folha não cai; e tudo quanto fizer prosperará.” ( Salmos 1:2,3). Que desperdício lermos dia e noite sobre o câncer e nada a respeito de Deus .

7. Você desperdiçará seu câncer caso se isole em vez de aprofundar seus relacionamentos manifestando afeição

Quando Epafrodito trouxe os presentes enviados pela igreja de Filipos para Paulo, ele ficou doente e quase morreu. Paulo diz aos filipenses: “porquanto ele tinha saudades de vós todos, e estava angustiado por terdes ouvido que estivera doente” (Filipenes 2:26). Que reação maravilhosa! Não diz que estavam angustiados porque Epafrodito estava doente , mas que ele estava angustiado porque os filipenses ouviram que ele estava doente. Este é o tipo de coração que Deus pretende criar com o câncer: o coração profundamente afetivo e preocupado com as pessoas . Não desperdice seu câncer voltando-se para si mesmo .

8. Você desperdiçará seu câncer caso se entristeça como quem não tem esperança .

Paulo usa esta expressão para designar pessoas cujos entes queridos haviam morrido: “Não queremos, porém , irmãos , que sejais ignorantes acerca dos que já dormem, para que não vos entristeçais como os outros que não têm esperança” (1Tessalonicenses 4:13). Existe tristeza na morte. Mesmo para o crente que morre, há uma perda temporária — a perda do corpo, de entes queridos e do ministério terreno. Mas a tristeza é diferente — é permeada pela esperança: “desejamos antes estar ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor” (2Coríntios 5:8). Não desperdice seu câncer ficando triste como quem não tem esta esperança .

9. Você desperdiçará seu câncer caso trate o pecado tão normalmente quanto antes.

Seus pecados freqüentes permanecem tão atrativos quanto antes de você ter câncer? Se a resposta for afirmativa, então você está desperdiçando seu câncer. O câncer foi planejado para destruir o apetite pelo pecado. Orgulho, ganância, luxúria, ódio, falta de perdão, impaciência, preguiça, procrastinação — todos estes são adversários que o câncer deve atacar. Não pense apenas em lutar contra o câncer. Pense também em usá-lo. Todas estas coisas são piores que o câncer. Não desperdice o poder do câncer para esmagar estes adversários. Deixe a presença da eternidade tornar os pecados temporais tão fúteis como eles realmente são. “Pois, que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, e perder-se, ou prejudicar-se a si mesmo ?” (Lucas 9:25).

10. Você desperdiçará seu câncer caso falhe em utilizá-lo como meio de testemunhar a verdade e a glória de Cristo .

Os cristãos nunca se encontram em determinado lugar por acidente. Existem razões para as quais somos levados onde estamos. Considere o que Jesus diz sobre circunstâncias inesperadas e dolorosas: “Mas antes de todas essas coisas vos hão de prender e perseguir, entregando-vos às sinagogas e aos cárceres, e conduzindo-vos à presença de reis e governadores, por causa do meu nome. Isso vos acontecerá para que deis testemunho” (Lucas 21:12-13). Assim também é com o câncer. Essa será uma oportunidade para testemunhar. Cristo é infinitamente digno. Aqui está uma oportunidade de ouro para mostrar que Jesus vale mais que a vida . Não a desperdice.

Lembre-se de que você não foi deixado sozinho; terá a ajuda necessária: “Meu Deus suprirá todas as vossas necessidades segundo as suas riquezas na glória em Cristo Jesus” (Filipenses 4:19).

Tradução: Josaías Júnior

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A. W. Tozer Modernismos Mundo Testemunho Vida cristã

A Maldição do Homem Moderno (A.W. Tozer)

Existe uma maldição antiga que permanece conosco até hoje — a disposição da sociedade humana de ser completamente absorvida por um mundo sem Deus.

Embora Jesus Cristo tenha vindo a este mundo, este é o pecado supremo dos incrédulos, o qual levou o homem a não sentir — nem sentirá — a presença dEle que permeia todas as coisas. O homem não pode ver a verdadeira Luz, tampouco pode ouvir a voz do Deus de amor e verdade.

Temos nos tornado uma sociedade “profana” — completamente envolvida em nada mais do que os aspectos físico e material desta vida terrena. Homens e mulheres se gloriam do fato de que são capazes de viver em casas luxuosas, vestir roupas de estilistas famosos e dirigir os melhores carros que o dinheiro pode comprar — coisas que as gerações anteriores nunca puderam ter.

Esta é a maldição que jaz sobre o homem moderno — ele é insensível, cego e surdo em sua prontidão de esquecer que existe um Deus. Aceitou a grande mentira e crença estranha de que o materialismo constitui a boa vida. Mas, querido amigo, você sabe que o seu grande pecado é este: a presença eterna de Deus, que alcança todas as coisas, está aqui, e você não pode senti-Lo de maneira alguma, nem O reconhece no menor grau? Você não está ciente de que existe uma grande e verdadeira Luz que resplandece intensamente e que você não pode vê-la? Você não tem ouvido, em sua consciência e mente, uma Voz amável sussurrando a respeito do valor e importância eterna de sua alma, mas, apesar disso, tem dito: “Não ouço nada?”

Muitos homens imprudentes e inclinados ao secularismo respondem: “Bem, estou disposto a agarrar minhas chances”. Que conversa tola de uma criatura frágil e mortal! Isto é tolice porque os homens não podem se dar ao luxo de agarrar as suas chances — quer sejam salvos e perdoados, quer sejam perdidos. Com certeza, esta é a grande maldição que jaz sobre a humanidade de nossos dias — os homens estão envolvidos de tal modo em seu mundo sem Deus, que recusam a Luz que agora brilha, a Voz que fala e a Presença que permeia e muda os corações.

Por isso, os homens buscam dinheiro, fama, lucro, fortuna, entretenimento permanente ou apego aos prazeres. Buscam qualquer coisa que lhes removam a seriedade do viver e que os impeça de sentir que há uma Presença, que é o caminho, a verdade e a vida.

Eu mesmo fui ignorante até aos 17 anos, quando ouvi, pela primeira vez, a pregação na rua e entrei numa igreja onde ouvi um homem citando uma passagem das Escrituras: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim… e achareis descanso para a vossa alma” (Mt 11. 28,29).

Eu era realmente pouco melhor do que um pagão, mas, de repente, fiquei muito perturbado, pois comecei a sentir e reconhecer a graciosa presença de Deus. Ouvi a voz dEle em meu coração falando indistintamente. Discerni que havia uma Luz resplandecendo em minhas trevas.

Novamente, andando pela rua, parei para ouvir um homem que pregava, em um cantinho, e dizia aos ouvintes: “Se vocês não sabem orar, vão para casa, ajoelhem-se e digam: Ó Deus, tem misericórdia de mim, pecador”. Isso foi exatamente o que eu fiz. E Deus prometeu perdoar e satisfazer qualquer pessoa que estiver com bastante fome espiritual e muito interessado, a ponto de clamar: “Senhor, salva-me!”

Bem, Ele está aqui agora. A Palavra, o Senhor Jesus Cristo, se tornou carne e habitou entre nós; e ainda está entre nós, disposto e capaz de salvar. A única coisa que alguém precisa fazer é clamar com um coração humilde e necessitado: “ó Cordeiro de Deus, eu venho a Ti; eu venho a Ti!”

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História Igreja Ministério Testemunho Vida cristã Watchman Nee

O fluir do Espírito (Watchman Nee)

Se seguirmos o mover de Deus ao longo da história da humanidade, notaremos o fluir da atividade divina passando de uma geração a outra, e em nossa geração, podemos vê-la fluindo ainda de forma ininterrupta, avançando firmemente..

Faz já algum tempo, senti-me profundamente comovido ao meditar a respeito de alguns dos escritos de Wesley. Por meio deste Seu servo, Deus fez algo tão poderoso que, possivelmente, os alcances de seu esforço não possam ser superados hoje em dia, não obstante ser inegável que Deus continua a mover-se desde a época de Wesley. A corrente do Espírito avança constantemente. A corrente espiritual é uma corrente que segue crescendo.

Nisso há um princípio que é necessário termos em conta: todo aquele que em seu dia e geração responde plenamente às exigências de Deus será levado adiante pela corrente do propósito divino. Se, entretanto, aferrar-se ao passado, querendo que Deus trabalhe como fez outrora, anelando que se repita algo que, a seu próprio juízo, é de muita importância devido ao seu valor espiritual, encontrar-se-á deixado de lado pela corrente principal do mover divino. Ser um Lutero no século 16 foi de muita importância, porém ser um Lutero no século 20 não seria suficiente. Ser um Wesley no século 18 foi de grande valor para o Senhor, porém não o seria no século 20. Cada instrumento levantado por Deus cumpre uma função determinada, e a contribuição que cada um faz à Igreja é adequada estritamente há essa hora, porém não servirá para edificar a Igreja numa etapa posterior de seu desenvolvimento.

É de lamentar que muitos fracassam ao não reconhecer o avanço da corrente viva do rio através da história da igreja. Nós, que vivemos hoje, herdamos uma imensa riqueza por intermédio dos santos que já fizeram sua contribuição à Igreja.. Nunca poderemos superestimar a grandiosidade de nossa herança nem ser suficientemente agradecidos a Deus por ela; porém, se hoje anelamos ser um Lutero ou um Wesley, seremos nada mais e nada menos que um fracasso. Não estaremos enquadrados no propósito de Deus para esta geração, mas retrocederemos, enquanto a corrente do Espírito continuará a mover-se. Toda a Bíblia, de Gênesis a Apocalipse, mostra uma corrente que avança. O Santo Registro, do princípio até o fim, nos mostra uma revelação progressiva do mover de Deus.

Em certa ocasião, um irmão me interrogou sobre a importância da Epístola aos Hebreus. Perguntei-lhe se havia notado alguma diferença significativa entre esse livro e o de Atos. Neste último, a natureza progressiva da atividade divina se percebe claramente, porém a revelação por meio da Epístola aos Hebreus assinala um marcado progresso no tocante à revelação do propósito divino. O avanço espiritual que se observa em Atos é óbvio e a forma de avanço do Espírito segue o programa claramente delineado no primeiro capítulo: “Em Jerusalém, em toda Judéia, em Samaria, e até os confins da terra. Da Judéia, a corrente fluiu para Samaria; porém, ao chegar a esse lugar não estancou ali, mas seguiu seu curso para Roma, porquanto estava destinada a alcançar até os confins da terra.

Ainda que possamos notar o constante avanço do propósito divino em todo o livro de Atos, na sua conclusão encontramos que o conceito do que é ser um cristão ainda não se havia esclarecido totalmente. Entretanto, ao ler a carta aos hebreus, notamos que o cristão saiu de um período de transição e sua personalidade integrou-se totalmente. Em Atos, ele é tanto judeu como cristão. Junto com outros cristãos, congrega-se fora do templo para ter comunhão com eles, porém ainda continua visitando o templo. Entretanto, quando chegamos à Epístola aos Hebreus, encontramos o que já não é judeu e cristão, mas é simplesmente cristão. E já não se encontra seus camaradas cristãos algumas vezes dentro do templo e outras, fora. O que eles podiam fazer quando o Espírito havia sido recentemente derramado em Jerusalém não pode fazer agora que a corrente do Espírito continua fluindo para os confins da terra. Em Hebreus, encontramos os que já deixaram para trás o templo pelo “verdadeiro tabernáculo que o Senhor levantou, e não o homem”, e que puseram de lado os muitos sacrifícios, porquanto, com “uma só oferta”, o crente foi declarado “perfeito para sempre”.

Em Atos, lemos que Paulo foi ao templo para cumprir um voto. Não nos apressemos a pensar que cometeu um erro. Não nos arrisquemos a aplicar o veredito final de Deus sobre Seus santos em cada época, porque o mover de Deus para a meta final é progressivo. O que se requer, tanto de você como de mim hoje em dia, não é que alcancemos o definitivo, mas que nossa estatura corresponda ao nível adquirido pelo desenvolvimento do propósito divino na presente época. Você e eu devemos achar-nos no ponto ao qual chegou a corrente do Espírito hoje, não no ponto que havia chegado em algum momento do passado nem no que alcançará no futuro. Não era errado que Paulo se purificasse no templo segundo a velha aliança, porém aquilo que era correto naquele momento já não o seria mais adiante. Portanto, o escritor aos hebreus explica que a realização do propósito de Deus ao estabelecer a nova aliança envolvia a total abolição da velha ordem, à qual os crentes judeus se aferravam tão tenazmente. Uma vez que a velha aliança cumpriu o propósito de Deus, teve de dar lugar à nova.

O livro de Atos é progressivo do princípio ao fim, e quando o relato se encerra, no capítulo 28, o Espírito não deixa de se mover; a corrente segue através das sucessivas gerações, enquanto Deus continua levantando instrumentos que contribuam concretamente, de acordo com a necessidade resultante do nível que o Espírito tenha alcançado em Seu poderoso fluir para adiante.

No Antigo Testamento, observamos que onde repousava a boa vontade de Deus não havia esterilidade. Deus se havia proposto ter uma “linhagem” e, portanto, em nenhuma geração permitiu que a linha genealógica se interrompesse, uma vez que, para obter seu propósito, necessitava da perpetuação dessa semente. É por isso que dependemos de nossos antepassados espirituais. Porém, não somente é necessário que aceitemos a herança que nos vêm deles, mas temos a solene responsabilidade de transmiti-la a outros. A pergunta que devemos fazer-nos não é: “Fluirá a corrente do Espírito nesta geração?”, mas: “Estaremos, tanto você como eu, envolvidos nessa corrente?”. Se fracassamos em cumprir com as exigências do propósito divino para o tempo presente, Ele encontrará outros que satisfaçam essa necessidade. Onde está o selo do Espírito hoje em dia? Onde está a autoridade espiritual hoje em dia? Está em nós ou não? Somente com a autoridade do Espírito, encontrar-nos-emos na corrente que flui para adiante.

Ao dar uma olhadela para a história secular e para a história da Igreja, observamos os caminhos de Deus à medida que Ele trabalha de acordo com Seu propósito. Fez surgir Lutero quando necessitou um Lutero, e ainda que Lutero tivesse suas debilidades, foi o instrumento adequado à necessidade divina daquele tempo. Muito devemos a Lutero, graças a Deus, visto que somos o fruto de seu trabalho. Ele, em seu dia, ofereceu à corrente do Espírito que avançava um caminho livre para que ela seguisse seu curso, e nós, que fomos alcançados por essa mesma corrente, temos o privilégio de oferecer-nos a ela para que avance um pouco mais em seu curso. Nossa maior glória deve ser: Ele abrir caminho para Si por meio de nossa vida. De outra maneira, Ele se voltará para outra direção, e, para nós, isso representará uma perda trágica. A corrente espiritual pode fluir nessa direção na atualidade, porém não podemos predizer para onde fluirá daqui a dez anos. Aceitemos o fato. Cada dia o Espírito passa por alto sobre este e usa aquele. Se hoje Lhe oferecemos resistência, quem sabe Ele terá de abrir caminho para Si em outra parte? Que pensamento tão solene!

Desde a era das trevas, quando a luz que iluminava a Igreja primitiva se havia apagado em grande parte, o Espírito Santo tem estado ativo, resgatando, por meio de uns e outros, a verdade perdida, de maneira que agora toda a verdade foi recuperada para a Igreja.. Faz mais de um século, a necessidade de um ministério compartilhado entre vários chamou a atenção dos santos, e em épocas mais recentes essa verdade tem sido ressaltada profusamente, ainda que tenha havido uma lamentável falta de desenvolvimento prático, pelo menos no que conhecemos. A recuperação da doutrina relativa ao ministério coletivo é uma coisa, a realidade deste ministério expressa pela vida da igreja é outra. Tendo em conta que é nosso privilégio sermos herdeiros de uma riqueza tão imensa, que vem sendo restaurada ao longo dos séculos, nós que vivemos no século 20 devemos assumir a responsabilidade a que nos desafia tão extraordinário legado. Toda essa riqueza foi posta a nossa disposição, não meramente para nosso enriquecimento, mas para o avanço do evangelho. Nossa herança de todo o conjunto das verdades nos desafia a um ministério coletivo que envolva cada aspecto da verdade.

Quando se houver alcançado um ministério cooperativo que abarque a todo o povo de Deus, cremos que se haverá dado as condições para o retorno do Senhor. Não é somente a proclamação de toda a verdade o que se necessita hoje em dia, mas, sim, a liberação da realidade espiritual que expressa tal verdade, a qual somente pode realizar-se à medida que nós permitimos que a poderosa e progressiva corrente do Espírito nos carregue.
(Traduzido por Gérson C. Lima do livro La Corriente del Espiritu, publicado pela Ediciones Hébron, Argentina)

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C. H. Mackintosh George Müller História Igreja Irmãos Testemunho Watchman Nee

A igreja em Filadélfia (Watchman Nee)

Leitura Bíblica: Ap 3:7-13; Mt 23:8-11; Jo 20:27; 1 Co 12:13; Gal 3:28

Neste capítulo apresentamos um diagrama sistemático que pode ajudar-nos a entender melhor o que temos falado. A primeira parte representa a Igreja na era dos apóstolos. Embora Éfeso seja uma Igreja que tenha enfraquecido, ela ainda está na mesma linha reta, uma vez que o Senhor reconheceu a igreja de Éfeso como continuação da igreja apostólica. Então veio Esmirna, que também continuou na mesma linha. Esmirna é realmente uma igreja sofrida. Não há louvor nem censuras para ela. Depois de Esmirna, algo ocorreu quando pareceu Pérgamo. Ela não continuou a ortodoxia dos apóstolos, mas se uniu ao mundo e iniciou uma curva descendente. Ela sucedeu a igreja em Esmirna, mas não continuou na ortodoxia dos apóstolos. Uma vez que Pérgamo fez essa curva, Tiatira seguiu seus passos. Ela tomou a mesma linha de Pérgamo, mais não a mesma dos apóstolos. Sardes saiu de Tiatira, e ela também regrediu. Tiatira e Sardes continuarão até a volta do Senhor.

Filadélfia é a igreja que retorna à ortodoxia dos apóstolos. Filadélfia também fez uma curva, desta vez, de volta à posição inicial da Bíblia. A virada da restauração começou com Sardes e foi completada com Filadélfia. Agora a igreja está de novo na mesma linha reta que a era dos apóstolos. Filadélfia saiu de Sardes. Ela nem a Igreja Católica Romana nem as Igrejas Protestantes, mas continua a igreja da era dos apóstolos. Mas tarde veio Laodicéia, a qual veremos no próximo capítulo. Agora gastaremos algum tempo para ver o que Filadélfia é, a fim de termos clareza com relação ao seu significado.

Entre as sete igrejas, cinco são repreendidas e duas não. As duas não repreendidas são Esmirna e Filadélfia. O Senhor aprova só essas duas. É realmente notório que as palavras faladas pelo Senhor a Filadélfia são muito parecidas com as que foram faladas a Esmirna. O problema de Esmirna era o judaísmo, e em Filadélfia também havia judaísmo. À Igreja em Esmirna o Senhor diz: “Para serdes postos a prova”, enquanto para em Filadélfia o Senhor diz: “Eu te guardarei da hora da provação que deve vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a terra”. O Senhor também fala às duas igrejas com relação à coroa. Para Esmirna ele diz: “Dar-te-ei a coroa da vida”, enquanto para Filadélfia ele diz: “Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”. As duas igrejas têm estes dois pontos semelhantes para mostrar que elas estão na mesma linha, isto é, na linha da ortodoxia da igreja apostólica. A Igreja em Sardes foi uma restauração, mas não completa (foi uma restauração que não foi bem feita). Mas Filadélfia restaurou até o ponto de satisfazer o desejo do Senhor. A igreja em Filadélfia não só não é censurada como também é louvada. A linha reta que desenhamos é a linha dos escolhidos, sabemos, evidentemente, que aquela que o Senhor escolheu foi Filadélfia. Filadélfia continua a ortodoxia dos apóstolos. Ela recuperou Esmirna. Portanto, as palavras do Senhor a ela são para guardar e obedecer. A virada de Pergamo e Tiatira foi tão grande que quando Sardes apareceu, embora agisse extraordinariamente bem, não recobrou a perfeição. Embora se voltasse em direção à restauração, ela não conseguiu atingir o alvo. Filadélfia é uma restauração completa. Precisamos ver isso claramente.

Filadélfia, em grego, é composta de duas palavras: o significado de uma é amar um ao outro, e o significado da outra é irmão. Assim, Filadélfia significa amor fraternal. Amor fraternal é a profecia do Senhor. Sacrifício é a característica principal de Tiatira e é cumprida na Igreja Católica Romana. Restauração é a característica de Sardes e é cumprida nas igrejas protestantes. Agora o Senhor diz-nos que há uma igreja que está completamente restaurada e é por Ele louvada. Os que lêem a Bíblia levantarão a questão: ” quem é ela na atualidade? Onde podemos encontrá-la na historia?” Não deixemos esta questão passar facilmente.

Já falamos do comportamento dos nicolaítas e do ensinamento dos nicolaítas nas Igrejas em Éfeso e Pergamo. Além disso, já mostramos que eles representam uma casta de sacerdotes. Entre os israelitas, os levitas podem ser os sacerdotes e o restante não pode. Mas na igreja todos os filhos de Deus são sacerdotes. A primeira Epístola de Pedro 2 e Apocalipse 5 nos dizem claramente que todos os comprados com o sangue são sacerdotes (vs. 9,10). Todavia, os nicolaítas criaram o emprego de sacerdote. O Laicato (crentes comuns ou leigos) deve ir ao mundo ter uma ocupação e executar negócios seculares. Os sacerdotes estão acima do laicato e encarregam-se dos negócios espirituais. Os judeus têm o judaísmo, e os nicolaítas desenvolveram o comportamento, tornando-o ensinamento. Veja a classe dos padres. Eles podem encarregar-se dos assuntos espirituais, enquanto outros cuidam de assuntos seculares. A imposição de mãos é assunto deles; somente eles podem abençoar. Se tenho de indagar sobre certo assunto, eu mesmo não posso perguntar a Deus, antes devo pedir-lhes que perguntem a Deus por mim. Na época de Sardes a situação melhorou. O sistema de padres foi abolido, mas o sistema clerical surgiu para tomar o seu lugar. Nas Igrejas protestantes, há as rigorosíssimas igrejas estatais, e há também as igrejas privadas dispersas. Contudo, quer seja na igreja do estado ou na igreja privada, a existência da classe mediadora é sempre vista. A primeira tem o sistema clerical, enquanto a ultima tem o sistema pastoral. Em relação a esse sistema de classe sacerdotal, quer sejam chamados de padres, clérigos ou de pastores, é algo rejeitado pelo Senhor. As igrejas protestantes são uma mudança de forma na continuação do ensinamento nicolaíta de Pérgamo. Embora nas igrejas protestantes ninguém seja chamado de padre, todavia os clérigos e os pastores são exatamente iguais em princípio. Mesmo se mudarmos o nome deles e chamá-los obreiros, enquanto permanecerem na mesma posição, eles tem o mesmo sabor.

Já expusemos bastante as Escrituras como base para mostrar que todos somos sacerdotes. Mas agora há uma controvérsia entre Deus e os homens. Desde que Deus diga que cada um na igreja está qualificado para ser sacerdote, por que os homens dizem que a autoridade espiritual está unicamente nas mãos de uma classe mediadora, tal como a dos padres? Todos os redimidos com o sangue são sacerdotes. Por que o Senhor não repreendeu Filadélfia, mas antes a louvou? Lembre-se que o inicio da classe mediadora foi em Pérgamo e a prática foi em Roma. Eles têm o papa que exerce domínio sobre eles, têm os altos oficiais exercendo autoridade sobre eles, e têm altos oficiais do Vaticano (a igreja-palácio) etc. Mas o Senhor diz: “Vós todos sois irmãos.” Apeguem-se a Mateus 20:25;23:8. É verdade que na Bíblia há pastores, mas a Bíblia não tem o sistema de pastores. Além disso, a palavra pastor é uma tradução; no texto original significa guardador de gado. Você pode chamá-lo de guardador de ovelhas ou guardador de gado. O Senhor diz: “Vocês não devem ter mestres entre vocês, e não devem ter padres”. Mas vejam como a Igreja Católica Romana chama os padres de “padre”, e as igrejas protestantes chamam os pastores de “pastor”. No século dezenove realizou-se um grande reavivamento que aboliu a classe mediadora. Após Sardes, uma grande restauração aconteceu: na igreja os irmãos amavam um ao outro e a classe mediadora foi abolida. Esta é Filadélfia.

Em 1825, em Dublin, capital da Irlanda, houve muitos crentes cujo coração foi movido por Deus para amar todos os filhos do Senhor, não importando em qual denominação estivessem. Este tipo de amor não foi frustrado pelos muros da denominação. Eles começaram a ver que a Palavra de Deus diz que há apenas um corpo de Cristo, não obstante em quantas seitas os homens possam dividi-lo. Eles continuaram lendo as Escrituras e viram que o sistema de um homem administrando a igreja e de um homem pregando não é bíblico. Então eles começaram a reunir-se a cada domingo para partir o pão e orar. O ano de 1825 foi (após mais de mil anos de Igreja Católica Romana e várias centenas de anos de igrejas protestantes) a primeira vez em que houve um retorno à adoração simples, livre e espiritual conforme as Escrituras. No inicio eram duas pessoas; mais tarde, quatro ou cinco.

Esses crentes, aos olhos do mundo, eram inferiores e desconhecidos. Mas eles tinham o Senhor no meio deles e a consolação do Espírito Santo. Eles permaneceram sobre a base de duas claras verdades: primeiramente, que a igreja é o Corpo de Cristo e que este Corpo é apenas um; em segundo lugar, no Novo Testamento não havia sistema clerical. Portanto, todos os ministros da palavra estabelecidos pelos homens não são bíblicos. Eles acreditavam que todos os verdadeiros crentes são membros deste único Corpo. Recebiam calorosamente todos os que vinham para o seu meio, não importando a que denominação pertencessem. Não tinham preconceito contra qualquer seita. Eles criam que todos os verdadeiros crentes tinham a função de sacerdote; portanto todos podem entrar livremente no Santo dos Santos. Eles também acreditavam que o Senhor Ascenso concedera diversos dons à igreja para o aperfeiçoamento dos santos, para a edificação do Corpo de Cristo, Portanto, eles foram capazes de renunciar aos dois pecados do sistema clerical (oferecer sacrifício e pregar a Palavra). Estes princípios capacitaram-nos a dar boas vindas a todos os que estão em Cristo como seus irmãos e a estarem abertos a todos os ministros da Palavra ordenados pelo Espírito Santo para servir.

Durante essa época, havia um clérigo na Igreja Anglicana, chamado John Nelson Darby, que estava muito insatisfeito com sua posição na sua própria igreja, acreditando que ela não era bíblica. Ele também se reunia freqüentemente com os irmãos, embora nessa época ele ainda usasse as vestes do clero e fosse um clérigo da Igreja Anglicana. Ele era um homem de Deus, um homem de grande poder e um homem disposto a sofrer. Ele também era um homem espiritual que conhecia a Deus e a Bíblia, e julgava a carne. Em 1827 ele, oficialmente, deixou a Igreja Anglicana, tirou o uniforme de Clérigo e tornou-se um simples irmão reunindo-se com os irmãos. Originalmente o que os irmãos viram foi um tanto limitado, mas quando Darby se juntou oficialmente a eles, a luz do céu verteu como uma torrente. Em muitos aspectos a obra de Darby foi parecidas com a de Wesley, mas suas atitudes em relação à Igreja Anglicana foram totalmente diferentes. No século anterior, Wesley sentiu que não poderia ter paz deixando a igreja estatal; um século mais tarde, Darby sentiu que não poderia ter paz continuando na Igreja Anglicana. Mas quanto ao zelo, à sinceridade e à fidelidade, eles foram muito parecidos em muitos aspectos.

Foi neste mesmo ano que J.G.Bellett também compareceu às reuniões. Ele também era um homem extraordinariamente profundo e espiritual. Essas reuniões, que eram simples, contudo bíblicas, comoveram-no profundamente. A respeito da condição nessa época, ele disse:

Um irmão acabou de dizer-me que lhe ficou óbvio nas Escrituras que os crentes reunindo-se juntos como discípulos de Cristo, eram livres para partir o pão juntos, como o Seu Senhor os advertira; e que, até onde a prática dos apóstolos pode ser um guia, todo domingo deve ser separado para assim lembrar a morte do Senhor e obedecer o que Ele exigiu ao partir.

Em outra ocasião J.G. Bellett disse:

Caminhando certa ocasião com um irmão, enquanto descíamos a rua Lower Pembroke, ele me disse: Não tenho dúvidas de que este é o propósito de Deus com relação a nós – devemos estar juntos com toda simplicidade como discípulos, não servindo em qualquer púlpito ou ministério, mas confiando que o Senhor nos edificará ministrando, uma vez que Ele se agradou de nós e nos viu com bons olhos”. No momento que ele falou estas palavras, fiquei certo de que minha alma recebeu o entendimento correto, e aquele momento eu lembro como se fosse ontem, e posso descrever-lhe o lugar. Foi o dia da grande revelação da minha vida, permitam-me falar assim, como um irmão.

Foi assim que os irmãos gradativamente prosseguiam, recebiam revelação e viam a luz.

Depois de um ano, em 1828, Darby publicou um livrete chamado A natureza e a unidade da Igreja de Cristo. Este livrete foi o primeiro entre milhares de livros publicados pelos irmãos. Neste livro Darby declara claramente que os irmãos não tinham intenção de fundar uma nova denominação ou união de igrejas. Ele disse:

Em primeiro lugar, não é uma união formal de grupos publicamente conhecidos que é desejável; realmente é surpreendente que protestantes ponderados possam desejá-la: longe de estar fazendo o bem, creio que seria impossível que tal corpo fosse pelo menos reconhecido como a Igreja de Deus. Seria uma cópia da unidade da Católica Romana; perderíamos a vida da Igreja e o poder da Palavra, e a unidade da vida espiritual seria totalmente eliminada(…) A unidade verdadeira é a unidade do Espírito, e ela deve ser trabalhada pelo operar do Espírito(…) Nenhuma reunião, que não concebe incluir todos os filhos de Deus na base completa do Reino do Filho, consegue encontrar a plenitude da benção, porque ela não a contempla – porque a sua fé não a inclui(…) Onde dois ou três estão reunidos em Seu nome, Seu nome é lembrado ali para benção(…)

Além do mais, a unidade é a glória da Igreja; mas a unidade para assegurar e promover nossos próprios interesses não é a unidade da Igreja, mas uma confederação e negação da natureza e esperança da Igreja. A unidade, que é da Igreja, é a unidade do Espírito e somente pode estar nas coisas do Espírito; e, portanto, só pode ser aperfeiçoada nas pessoas espirituais.

Mas que deve fazer o povo do Senhor? Deixe-os esperar no Senhor, e esperar de acordo com o ensinamento do Seu Espírito, e em conformidade à imagem, pela vida do Espírito, do Seu Filho. Deixe-os seguir seu caminho pelas pegadas do rebanho, se quiserem saber aonde o bom pastor alimenta Seu rebanho ao meio-dia.

Em outro lugar Darby disse:

Porque a nossa mesa é a mesa do Senhor, não a nossa, recebemos todos os que Deus recebe, todos pobres pecadores fugindo para o Senhor como refúgio, não descansando em si mesmos, mas somente em Cristo.

Foi neste mesmo tempo que Deus operou simultaneamente na Guiana Inglesa e na Itália, levantando o mesmo tipo de reuniões. Em 1829 havia também reuniões na Arábia. Em 1830, em Londres, Plymouth e Bristol, na Grã-Bretanha também havia reuniões. Mais tarde, muitos lugares nos Estados Unidos tinham reuniões, e no continente da Europa havia também muitas reuniões.Não muito depois, em quase todo lugar no mundo, todos os que amavam o Senhor estavam se reunindo desta maneira. Embora não houvesse união exterior, contudo todos foram levantados pelo Senhor.

Uma característica que marcou o aparecimento desses irmãos foi que aqueles que tinham títulos e domínio abandonaram seus títulos e domínio, os com posição abandonaram a posição, aqueles que tinham diplomas rejeitaram seus diplomas, e todos abandonaram qualquer classe ou posição mundanas na igreja e tornaram-se simplesmente os discípulos de Cristo e irmãos uns dos outros. Exatamente como a palavra padre é largamente usada na Igreja Católica Romana e reverendo nas igrejas protestantes, assim a palavra irmãos é comumente usada no meio deles. Eles foram atraídos pelo Senhor e então reuniam-se; por causa do amor deles pelo Senhor, eles espontaneamente amavam uns aos outros.

Com o passar dos anos, entre estes irmãos Deus deu muitos dons para Sua Igreja. Além de J.N. Darby e J.G. Bellett, Deus também concedeu ministérios especiais para muitos irmãos para que Sua Igreja pudesse ser suprida. George Muller, que estabeleceu um orfanato, restaurou a questão de orar com fé. Durante sua vida ele recebeu 1.500.000 vezes respostas de orações. C.H. Mackintosh, que escreveu as notas sobre o Pentateuco, restaurou o conhecimento dos tipos, as prefigurações. D.L. Moody disse que se todos os livros do mundo inteiro fossem queimados, ele ficaria satisfeito em ter apenas uma cópia da Bíblia e uma coleção das notas de C.H.Mackintosh sobre o Pentateuco. James G. Deck deu-nos muitos bons hinos. George Cutting restaurou a certeza da salvação. Seu livrete “Segurança, Certeza e Desfrute” teve trinta milhões de cópias vendidas, em 1930; além da Bíblia este foi o livro mais vendido. William Kelly foi um expositor; ele foi descrito por C.H. Spurgeon como aquele que tinha a mente tão grande quanto o universo. F.W. Grant foi o mais entendido sobre a Bíblia nos séculos dezenove e vinte. Robert Anderson foi o homem que melhor conheceu o Livro de Daniel recentemente. Charles Stanley foi quem melhor levou as pessoas à salvação pregando a justiça de Deus. S.P. Tregelles foi o famoso filologista do Novo Testamento. A história da igreja por Andrew Miller foi a mais bíblica entre as muitas histórias da igreja. R.C. Chapman foi um homem grandemente usado pelo Senhor. Estes foram os irmãos daquela época. Além desses, se fôssemos contar minuciosamente outros entre os irmãos, o número de todos os que foram muito usados pelo Senhor ultrapassaria a mil.

Agora veremos o que esses irmãos nos deram: eles nos mostraram quanto o sangue do Senhor satisfaz a justiça de Deus; a certeza da salvação; como o mais fraco crente pode ser aceito em Cristo, assim como Cristo foi aceito, e como crer na Palavra de Deus, como a base da salvação. Desde que começou a história da Igreja, nunca houve um período em que o evangelho tenha sido mais claro do que naquela época. Além disso, também foram eles que nos mostraram que a Igreja não pode ganhar o mundo inteiro, que a Igreja tem um chamamento celestial e que a Igreja não tem esperança terrena. Foram eles também que abriram as profecias pela primeira vez, fazendo-nos ver que a volta do Senhor é a esperança da Igreja. Foram eles que abriram o livro de Apocalipse e o livro de Daniel e mostraram-nos o Reino, a tribulação, o arrebatamento e a noiva. Sem eles conheceríamos hoje uma pequena porcentagem das coisas futuras. Foram eles também que nos mostraram o que é a lei do pecado, o que é ser libertado, o que é ser crucificado com Cristo, o que é ser ressuscitado com Cristo, como ser identificado com o Senhor pela fé e como ser transformado diariamente por contemplar o Senhor. Eles nos mostraram o pecado das denominações, a unidade do Corpo de Cristo e a unidade do Espírito Santo. Foram eles que nos mostraram a diferença entre o judaísmo e a Igreja. Na Igreja Católica Romana e nas igrejas protestantes, esta diferença não é facilmente vista, mas eles fizeram-nos vê-la de maneira nova. Eles também nos mostraram o pecado da classe mediadora, mostraram que todos os filhos de Deus são sacerdotes e que todos podem servir a Deus. Foram eles que restauraram o princípio de reuniões de 1 Coríntios 14, expondo-nos que profetizar não está baseado em ordenação, mas no dom do Espírito Santo. Se fôssemos enumerar tudo o que eles restauraram, poderíamos muito bem dizer que nas genuínas igrejas protestantes de hoje não há sequer uma verdade que não tenha sido restaurada por eles ou que não tenha sido eles quem as restauraram ainda mais.

Não é de admirar-se que D.M. Panton tenha dito: “O movimento dos irmãos e seu significado é muito maior que o da Reforma.” Thomas Griffith disse: “Entre os filhos de Deus, eles foram os mais qualificados para corretamente dividir a palavra da verdade.” Henry Ironside disse: “Quer sejam os que conheceram os irmãos, quer sejam os que não conheceram os irmãos, todos os que conheceram a Deus têm recebido ajuda deles direta ou indiretamente.

Esse movimento foi maior do que o movimento da Reforma. Podemos também dizer que a obra de Filadélfia é maior que a obra da Reforma. Filadélfia nos dá aquilo que a Reforma não nos deu. Agradecemos ao Senhor que o problema da igreja foi solucionado pelo movimento dos irmãos. A posição dos filhos de Deus foi, por ele, praticamente restaurada. Portanto, tanto em quantidade como em qualidade ela é maior que a Reforma. Por outro lado, notamos que o movimento dos irmãos não é tão famoso quanto a Reforma. A Reforma foi realizada com espada e lança, enquanto o movimento dos irmãos foi realizado pela pregação. Por causa da Reforma muitos perderam a vida nas guerras da Europa. Outra razão pela qual a Reforma é famosa foi seu relacionamento com a política. Muitas nações, por meio da Reforma, livraram-se politicamente do poder de Roma. Qualquer coisa que não seja relacionada à política não é facilmente conhecida pelos homens. Além disso, os irmãos viram duas coisas: uma, é o que chamamos de mundo organizado, isto é, o mundo psicológico, mas também, ao mesmo tempo, o mundo do cristianismo, que é representado pelas igrejas protestantes. Essa é a razão porque eles nem mesmo eram conhecidos nas igrejas protestantes, pois eles não apenas saíram do mundo do pecado, mas também do mundo do cristianismo.

A partir da época deles os homens conheceram o que é a Igreja, que a Igreja é o Corpo de Cristo, que os filhos de Deus são uma Igreja e que não deveriam estar divididos. A ênfase deles era nos irmãos e no verdadeiro amor de uns pelos outros. O Senhor Jesus diz que uma igreja aparecerá cujo nome é Filadélfia.

Agora observemos Apocalipse: “Ao anjo da igreja em Filadélfia escreve”. Filadélfia é amor fraternal. Por que o Senhor louva Filadélfia? Ele diz que ela é amor fraternal; assim, a posição mediadora foi completamente anulada.

Em Cristo não há homem nem mulher, em Cristo não há irmãs. Somos irmãos, não irmãs. Então, as irmãs perguntarão: “Quem somos nós?” Somos todos irmãos. Por que somos irmãos? Porque todos temos a vida de Cristo. Hoje há muitos homens no mundo, mas eles não são nossos irmãos. Um homem é um irmão, não porque é um homem, mas porque há nela a vida de Cristo. Desde que eu também tenha a vida de Cristo em mim, somos irmãos.Quando ressuscitou e estava para ascender aos céus, o Senhor disse:” subo para o meu Pai e vosso Pai” (Jo 20:17). Em João 1, Ele é o Filho unigênito de Deus; em João 20, Ele é o Filho primogênito de Deus. No capítulo 1 Deus o tem como o único filho; no capitulo 20 sua vida foi dada aos homens, por isso, Ele é o Filho primogênito e todos nós somos irmãos. Pela morte e ressurreição o Filho unigênito de Deus tornou-se o filho primogênito. Podemos ser irmãos porque recebemos sua vida. Porque todos temos recebido a vida de Cristo, somos todos irmãos.Um homem é um irmão porque recebeu a vida de Cristo; uma mulher é um irmão porque também ela recebeu a vida de Cristo; então, todos são irmãos. Todas as epístolas foram escritas aos irmãos, não as irmãs. Individualmente falando, há irmãs, mas em Cristo há somente irmãos. Por causa desta vida todos nos tornamos os filhos de Deus. Todos os “filhos” e “filhas” do Novo Testamento deveriam ser traduzidos como “filhos”. Além da menção em 2 Coríntios 6:18, Deus não tem filhos e filhas. Em Cristo todos estão na posição de irmãos. Em Xangai havia um irmão que era pedreiro. Certa vez, quando eu estava lá, eu lhe disse: “Vá e chame algum irmão para entrar”; Ele replicou: “Você quer que eu chame os irmãos masculinos ou femininos?” Este foi um homem ensinado por Deus. Dirigimo-nos as irmãs, quando nos dirigimos a indivíduos, mas em Cristo não há distinção entre homem e mulher.

Na Igreja também não há escravo nem livre. Não é porque alguém é um mestre, que a vida que ele recebeu é maior, ou porque eu sou um escravo, portanto a vida que recebi é menor. No passado, lembro-me que certo irmão me disse: “Os locais de reuniões tem um aspecto pobre. É melhor prepararmos um lugar especialmente aos oficiais do governo.” Repliquei: “Que você colocaria sobre a placa?” Esta não seria a Igreja de Cristo; seria a Igreja dos oficiais e da alta sociedade. Quando vimos para a Igreja, não há oficiais nem alta sociedade. Na Igreja todos somos irmãos. Quando nossos olhos forem abertos pelo Senhor, veremos que estar acima dos outros é uma gloria no mundo, mas na Igreja não há tal distinção. Paulo diz que em Cristo não há grego nem judeu, escravo ou livre, homem ou mulher. A Igreja posiciona-se não na distinção, mas no amor fraternal.

Essa passagem é igual a outras nas quais o Senhor mencionou Seu próprio nome; aqui Ele diz:”Estas coisas diz o Santo, o verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi, que abre e ninguém fechará, e que fecha e ninguém abrirá.” Santidade é sua vida; Ele próprio é santidade. Ele é a Verdade diante de Deus; Ele é a Realidade de Deus, e a realidade de Deus é Cristo. Sua mão segura a chave. Aqui, devemos destacar um fato: quando Sardes (referindo-se ao movimento da Reforma N.T.) se levantou para testemunhar pelo Senhor, havia os dominadores deste mundo que a ajudaram a travar a batalha. A luta prosseguiu no continente da Europa por muitos anos e depois na Grã-Bretanha por muitos anos. Mas, e o movimento dos irmãos? Não havia poder por trás deles para sustentá-los. Então, que poderiam eles fazer? O Senhor diz que Ele segura a chave de Davi, que significa autoridade. (A Bíblia chama Davi de rei.) Não se trata de força dos braços nem de propaganda, mas uma questão de abrir a porta. Houve certo editor jornalístico na Grã-Bretanha que disse: “Eu nunca pensei que houvesse tantos irmãos e nunca entendi como esse povo cresceu tão rápido”. Viajando por todo o mundo você descobrirá que em cada lugar há muitos irmãos. Embora entre eles alguns conheçam as doutrinas profundamente e alguns superficialmente, a posição dos irmãos ainda é a mesma. Ao vermos isso, precisamos agradecer o Senhor. O Senhor diz que ele é aquele que “abre e ninguém fechara e que fecha e ninguém abrirá.”

“Conheço as tuas obras (…) que tens pouca força”. Quando chegamos neste ponto, nossos pensamentos espontaneamente retornam ao tempo da volta de Zorobabel (do cativeiro babilônico N.T.), sobre quem certo profeta disse: “Pois quem despreza o dias dos humildes começos” (Zc 4:10). Não despreze o dia das pequenas coisas, isto é, o dia da edificação do templo. Nas Escrituras há uma grande prefiguração da Igreja _ o templo. Quando Davi reinava, o povo de Deus era unido. Mais tarde, eles se dividiram em reino de Judá e reino de Israel. Os filhos de Deus começaram a dividir-se e, ao mesmo tempo, começaram a idolatria e a prostituição. Como resultado, foram capturados e levados para a Babilônia. Todos reconhecem que o cativeiro na Babilônia tipifica Tiatira, a Igreja Católica Romana. Desde que a Bíblia faz da Babilônia um símbolo de Roma, então também a igreja tem um cativeiro babilônico. Que fez o povo de Deus quando retornou do seu cativeiro? Eles voltaram debilmente, grupo por grupo, e edificaram o templo. Parece que eles tipificaram o movimento dos irmãos. Havia muitos judeus, os mais velhos, que viram o templo antigo; agora eles viam com os próprios olhos o estabelecimento do fundamento do templo e choraram em alta voz, porque o templo era inferior em gloria se comparado com aquele do tempo de Salomão. Contudo, Deus falou por intermédio do profeta menor, dizendo: “Não despreze o dia das pequenas coisas, porque este é o dia da restauração”. Aqui , o Senhor diz as mesmas palavras: “tens pouca força”. O testemunho da igreja hoje no mundo, comparado com os dias de Pentecoste, é realmente o dia das pequenas coisas.

“Guardaste a minha palavra, e não negaste o meu nome”. O Senhor os reconhece por duas coisas: não negar o nome do Senhor e não negar a sua Palavra. Na historia da igreja, nunca houve uma era na qual os homens conheceram tanto a Palavra de Deus quanto os irmãos. A luz era como a chuva de uma grande enchente impetuosa. Uma noite, quando eu estava em Xangai, encontrei um irmão que me disse ser cozinheiro em uma embarcação. Falei com ele demoradamente. Receio que muito poucos missionários conhecem a Palavra de Deus tão bem quanto ele. Na verdade, esta é uma das suas características mais evidentes_ eles conhecem a Palavra de Deus. Mesmo se encontrarmos o mais simples entre eles, ele terá mais clareza que muitos missionários.

O Senhor diz: “Não negaste o meu nome”. Desde 1825, os irmãos diziam que somente seriam chamados cristãos. Se alguém lhes perguntasse quem eram eles, eles diriam: “Eu sou cristão”. Mas se alguém perguntar a um membro da igreja metodista, ele dirá: “eu sou um metodista”; se encontrar alguém da Igreja dos Amigos, ele dirá: “Eu pertenço a igreja dos amigos”; alguém da Igreja Luterana dirá: “Eu sou Luterano”; alguém da Igreja Batista vai dizer: ” Eu sou Batista”. Alem de Cristo, os homens ainda usam muitos nomes pelos quais se autodenominam. Mas os filhos de Deus tem um único nome pelo qual chamam a si mesmos. O Senhor Jesus diz: “Orai em Meu nome” e “Reunidos em Meu nome”. Temos somente o nome do Senhor. Whitefield disse: “Sejam todos os outros nomes abandonados; seja somente o nome de Cristo exaltado”. Esses irmãos foram levantados para fazer exatamente isso. A profecia do Senhor diz a mesma coisa, que eles honraram o nome do Senhor. O nome de Cristo é o centro deles. Eles ouvem muito freqüentemente entre eles esta palavra: “O nome de Cristo não é suficiente para separar-nos do mundo? Não é suficiente simplesmente termos o nome do Senhor?”

Certa vez encontrei um crente num trem, que me perguntou que tipo de cristão eu sou. Respondi-lhe que sou apenas um cristão. Ele disse: “Não há tal cristão no mundo. Dizer que você é um cristão não significa nada; você tem de dizer que tipo de cristão você é. Isso é que faz sentido.” Repliquei-lhe: “Eu sou simplesmente um homem que é cristão. Você diz que um homem ser cristão não significa nada? Que tipo de cristão você diria que faz sentido ser? Quanto a mim, só posso ser um cristão _ nada mais”. Naquele dia tivemos uma conversa muito boa.

Devemos observar uma coisa: o pensamento fundamental de muitas pessoas é que o nome do Senhor não é suficiente. Muitos pensam que precisam do nome de uma denominação; eles acham que devem ter outro nome além do nome do Senhor. Não considere que nossa atitude em relação a isto seja exagerada demais. Aqui o Senhor diz: ” Não negaste o meu nome”. Se o meu sentimento está correto, todos os outros nomes são uma vergonha para Ele. Esta palavra “negaste” é a mesma palavra usada para referir-se a negação de Pedro ao Senhor. Que tipo de cristão sou eu? Eu sou um cristão. Não quero ser chamado por outro nome. Muitos não querem honrar o nome de Cristo e não estão dispostos a serem chamados apenas de cristãos. Mas, graças a Deus, a profecia de Filadélfia foi cumprida nos irmãos. Eles mesmo não tem qualquer outro nome característico. Eles são irmãos; eles não são “A Igreja dos irmãos”.

“Eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar”. O Senhor fala à igreja em Filadélfia sobre a porta aberta. Os homens freqüentemente dizem que se você andar de acordo com as Escrituras, a porta será logo fechada. A mais difícil barreira a ultrapassar ao submeter-se ao Senhor é o fechamento da porta. Mas aqui, na verdade, a uma promessa: “Eis que tenho posto diante de ti uma porta aberta, a qual ninguém pode fechar”. No tocante aos irmãos, isto é um fato. No mundo todo, seja ao expor a Bíblia ou a pregar o evangelho, nenhum outro grupo de pessoas, teve as oportunidades que eles tiveram. Fosse na Europa, América ou África, era sempre a mesma coisa. Não há necessidade de sustento humano, de anuncio, propaganda ou contribuições; eles sempre têm muitas oportunidades para trabalhar, e a porta para trabalhar ainda está aberta.

“Eis farei que alguns dos que são da sinagoga de satanás, desses que a si mesmo se declaram judeus, e não são, mas mentem, eis que os farei vir e prostrar-se aos teus pés e conhecer que eu te amei”. Já vimos pelo menos quatro coisas as quais têm feito o cristianismo tornar-se judaísmo: os sacerdotes mediadores, a lei de letras, o templo material e as promessas terrenas. Que diz o Senhor? “Eis que farei vir e prostrar-se aos teus pés”. O judaísmo é destruído nas mãos dos irmãos. Em todo lugar, no mundo inteiro há tal movimento. Onde eles estão o judaísmo é derrotado. Entre os que hoje realmente conhecem a Deus, a principal força do judaísmo tornou-se algo do passado.

“Porque guardaste a palavra da minha perseverança”. Isto está relacionado com “companheiro na tribulação, no reino e na perseverança em Jesus”, em Apocalipse 1. Perseverança aqui é usada como um substantivo. Hoje é tempo da perseverança de Cristo. Hoje o Senhor encontra muitos que escarnecem dele, mas Ele é perseverante. Um dia o julgamento virá, mas ele hoje é perseverante. Sua palavra hoje é a palavra da perseverança. Aqui Ele não tem reputação, ele é uma pessoa humilde, ainda um nazareno, ainda o filho de um carpinteiro. Quando seguimos o Senhor, ele diz: “Guarda a palavra da minha perseverança”.

“Também eu te guardarei da hora da provação que há de vir sobre o mundo inteiro, para experimentar os que habitam sobre a Terra”. Podemos usar Tchankin (cidades da china N.T.) como ilustração: dizer que o guardarei do bombardeio significa que você estará em Tchankin, mas será guardado do bombardeio. Se digo que o guardarei da hora, isto significa que antes daquela hora você acabou de partir para Chengtu. Quando o mundo todo estiver sendo testado (se refere à grande tribulação), não enfrentaremos a tribulação. Antes que aquela hora chegue, já teremos sido arrebatados. Em toda a Bíblia há somente duas passagem que falam da promessa do arrebatamento: Lucas 21:36 e Apocalipse 3:10. Hoje devemos seguir o Senhor, não viver frouxamente, aprender a viver no caminho de Filadélfia e pedir ao Senhor para livrar-nos de todas as provações que vêm.

“Venho sem demora. Conserva o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”. O Senhor diz: “Venho sem demora”, portanto, esta igreja deve continuar até a volta do Senhor. Tiatira não passou, Sardes não passou e Filadélfia ainda não passou também. “Conserva o que tens”, ou seja “A minha Palavra” e o “Meu nome”. Não devemos esquecer a palavra do Senhor e não devemos envergonhar o nome do Senhor. “Para que ninguém tome tua coroa”: todos em Filadélfia já têm a coroa. Nas outras igrejas há o problema de ganhar-se a coroa; aqui o problema é perdê-la. O Senhor diz que já temos a coroa. Em toda a Bíblia apenas uma pessoa sabia que tinha a coroa: Paulo (2Tim 4:8). Assim também entre as igrejas, somente Filadélfia sabe que tem a coroa. Não permita, agora, que nenhum homem tome sua coroa; não saia de Filadélfia deixando sua posição. Aqui diz: “Conserva o que tens para que nenhum homem a tome”.

Isto nos diz claramente que Filadélfia corre um perigo em particular; de outra maneira, o Senhor não lhe teria dado tal advertência. Além disso, esse perigo é bastante real; essa é a razão porque o Senhor lhes deu ordens de modo tão sério. Qual é o perigo que eles correm? O perigo está em perder o que já conseguiram. Assim, o Senhor pede a eles para conservarem o que têm. O perigo não está em não progredirem; antes, está no retrocesso. Eles estão agradando o Senhor porque amam uns aos outros e são fieis à Palavra do Senhor e a seu nome. O perigo está em perder este amor e fidelidade. Que terrível! Mas de fato isto foi o que realmente aconteceu. Após 20 anos, os irmãos também dividiram-se em dois grupos: os “exclusivos” e os “abertos”, e dentro das duas divisões há muitas facções. Portanto, em Filadélfia também há o chamado aos vencedores.

Qual foi a razão desse problema? Devemos ser muitos cuidadosos e humildes; do contrario, seremos envolvidos no mesmo erro. Cremos que qualquer tipo de divisão é resultado da perda de amor de um pelos outros; quando o amor não existe ou está faltando, as pessoas dão atenção às leis, enfatizam comportamentos forçados e perdem-se em detalhes procurando falhas. Uma vez que o amor está em perigo, as pessoas ficaram orgulhosas de si mesmas e invejosas das outras, gerando, então, controvérsias e disputas. O Espírito Santo é a força da unidade, enquanto a carne é a força da divisão. A menos que a carne seja tratada, cedo ou tarde ocorrerá a divisão.

Além do mais, creio que a carência dessa época foi que os Irmãos Unidos não viram a base e o limite da igreja. Eles viram claramente, do lado negativo, os pecados da igreja, mas do lado positivo, quanto à igreja deve amar um ao outro a ser unânime quanto á base e limite da cidade, eles não viram adequadamente. A Igreja Católica Romana dá atenção á união de uma igreja nesta terra, enquanto os Irmãos Unidos deram atenção a uma união idealista de uma igreja espiritual nos céus. Eles não viram ou, pelo menos, não viram tão claramente que o amor de uns pelos outros nas epistolas é o amor de uns pelos outros na igreja em uma cidade; a unidade é a unidade da igreja em uma cidade; o ajuntamento é o ajuntamento da igreja em uma cidade a edificação é a edificação da igreja na cidade; e até mesmo a excomunhão é a excomunhão da igreja em uma cidade. De qualquer forma somente dois tipos de pessoas falam sobre a unidade da igreja: a Igreja Católica Romana fala da unidade de todas as igrejas na terra, enquanto os Irmãos Unidos falam da unidade espiritual nos céus. Como resultado, a primeira não é senão a unidade em aparência exterior, enquanto a ultima é a unidade idealista; na verdade, porem, é divisiva. Ambas não atentaram para a unidade da igreja em cada e toda cidade como registrado na Bíblia.

Desde que os Irmãos Unidos não deram tanta atenção ao fato de que a igreja tem a cidade como seu limite, os “Irmãos Exclusivos” exigiram ação unificadora por todo o lugar, resultando na quebra do limite da cidade e caindo no erro da igreja unida; enquanto os “Irmãos Abertos” exigiram a administração independente de cada reunião, cujo resultado em muitas cidades foi muitas igrejas em uma cidade, caindo assim no erro da igreja congregacional, que torna cada congregação uma unidade independente. Os “Irmãos Exclusivos” excedem o limite da cidade, enquanto os “Irmãos Abertos” são menores que os limites da cidade. Eles esquecem que na Bíblia a uma e apenas uma igreja em cada cidade. As palavras na Bíblia para a igreja são dirigidas para esse tipo de igreja. É muito estranho que a tendência de hoje seja mudar as palavras que, na Bíblia, são ditas para a igreja em uma cidade, para palavras faladas para a igreja espiritual. Além disso, alguns irmãos estabelecem uma igreja que é menor que a cidade _ a igreja “casa” é um exemplo. Mas na bíblia não há nenhuma “união de igrejas” das igrejas de todo lugar nem há igrejas de congregações e de reuniões em uma cidade como igrejas independentes. Uma igreja para varias cidades, ou várias igrejas em uma cidade _ ambas não são ordenadas por Deus. A palavra de Deus claramente revela que uma cidade pode ter uma só igreja, e somente pode haver uma igreja em cada cidade. Ter uma igreja do tamanho de muitas cidades exige uma unidade que a Bíblia não exige, e ter várias igrejas em uma cidade divide a unidade que a Bíblia exige.

A dificuldade dos Irmãos unidos naqueles dias foi que eles não tinham suficiente clareza a respeito do ensinamento da Bíblia sobre a cidade. O resultado é que desde que aqueles que tomaram o tipo de unidade “União de Igrejas” uniram-se a irmãos em outros lugares, eles não mais temeram estar divididos com os irmãos na mesma cidade. E os que tomavam a reunião como uma unidade e não tinham problema com os irmãos da mesma reunião, não temeram estar dividido com os irmãos que estivessem em outras reuniões na mesma cidade. Porque eles não perceberam a importância dos ensinamentos da Bíblia a respeito da cidade, resultaram divisões em cada caso. O Senhor não exigiu a unidade impraticável de todos os lugares. O Senhor não permitiu tomar-se uma reunião como limite da unidade _ isso é livre demais; é licencioso, sem restrição ou instrução. Apenas uma palavra de desacordo e imediatamente outra reunião é estabelecida com três ou cinco como um grupo, e isso é considerado como unidade. Pode haver somente uma unidade em cada cidade. Que restrição para aqueles com licenciosidade carnal!

O movimento dos irmãos ainda continua. E a luz sobre a “cidade” está cada vez mais clara. Até que ponto o Senhor irá trabalhar, nós não sabemos. Podemos somente aguardar pela história; então teremos clareza. Se nossa consagração ao Senhor é absoluta e nós mesmos somos humildes, receberemos misericórdia para sermos guardados do erro.

“Ao vencedor, fá-lo-ei coluna no santuário do meu Deus, e daí jamais saírá; gravarei também sobre ele o nome do meu Deus, o nome da cidade do meu Deus, a nova Jerusalém que desce do céu, vinda da parte do meu Deus, e o meu novo nome”. Durante a Época de Filadélfia tem havido muitos casos de excomunhão de irmãos. Mas aqui eles não podem mais ser excomungado; eles serão uma coluna no templo de Deus. Se a coluna é removida, o templo não permanece em pé. Filadélfia faz com que o templo de Deus permaneça em pé. Há três nomes gravados sobre o vencedor: o nome de Deus, o nome da Nova Jerusalém e o novo nome do Senhor. O plano eterno de Deus está cumprido. As pessoas em Filadélfia retornam ao Senhor e O satisfazem.

“Quem tem ouvidos, ouça o que o espírito diz as igrejas”. Lembre-se, Deus não manteve em segredo o desejo do Seu coração; Ele tem indicado muito claramente o caminho diante de nós.

(A Ortodoxia da Igreja, Watchman Nee)

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John Nelson Darby Testemunho

Uma Carta Sobre “Louvar a Homens”

Carta escrita no século XIX por John Nelson Darby ao editor de um de seus livros

“Meu caro amigo e irmão em Jesus Cristo,

“Deu-me muita satisfação ver sua tradução de meu livro. Tive o grato prazer de lê-la, ou melhor dizendo, de ter alguém que a lesse para mim, naqueles momentos dos quais o Senhor nos diz, como disse aos apóstolos, “Vinde vós, aqui à parte, a um lugar deserto, e repousai um pouco” (Mc. 6:31). Mas não posso deixar de dizer-lhe, meu caro amigo, que o prazer que a aparência do seu trabalho me trouxe foi, em certa medida, abatido pela opinião demasiado favorável que você expressou a meu respeito no prefácio. Antes que tivesse lido uma palavra sequer de sua tradução, presenteei a um mui querido e sincero amigo com um exemplar, e ele mencionou o que você escreveu em seu prefácio louvando minha piedade. O texto produziu em meu amigo o mesmo efeito que viria a produzir em mim, mais tarde, quando o pude ler. Espero, entretanto, que você não leve a mal o que vou dizer a respeito do assunto, o que é fruto de uma experiência razoavelmente longa.

“O orgulho é o maior de todos os males que nos afligem, e de todos os nossos inimigos, não apenas é o mais difícil de morrer, como também o que tem a morte mais lenta; mesmo os filhos deste mundo são capazes de discernir isto. Madame De Stael disse, em seu leito de morte, Sabe qual é a última coisa que morre em uma pessoa? É o seu amor-próprio.” Deus abomina o orgulho mais do que qualquer coisa, pois o orgulho dá ao homem o lugar que pertence a Deus que está acima de tudo. O orgulho interrompe a comunhão com Deus, e atrai Sua repreensão pois “Deus resiste aos soberbos” (I Pd. 5:5). Ele irá destruir o nome do soberbo, pois nos é dito que “a altivez do homem será humilhada, e a altivez dos varões se abaterá, e só o Senhor será exaltado naquele dia” (Is. 2:17). Como você mesmo irá sentir, meu caro amigo, estou certo de que não há maior mal que uma pessoa possa fazer a outra do que louvá-la e alimentar seu orgulho. “O homem que lisonjeia a seu próximo, arma uma rede aos seus passos” (Pv. 29:5) e “a boca lisonjeira obra a ruína” (Pv. 26:28). Você pode estar certo, além do mais, que nossa vista é muito curta para sermos capazes de julgar o grau de piedade de nosso irmão; não somos capazes de julgar corretamente sem a balança do santuário, e ela está nas mãos daqu*Éle que sonda o coração. Não julgue nada antes do tempo, até que o Senhor venha, e torne manifesto os conselhos do coração, e renda a cada um o devido louvor. Até então, não julguemos nossos irmãos, seja para bem seja para mal, senão com a moderação que convém, e lembremo-nos que o melhor e mais certo juízo é aquele que temos de nós mesmos quando consideramos aos outros melhores do que nós.

“Se eu fosse lhe perguntar como sabe que eu sou “um dos mais avançados na carreira cristã, e um eminente servo de Deus”, sem dúvida você iria ficar sem saber o que responder. Talvez você viesse a mencionar minhas obras publicadas; mas será que você não sabe, querido amigo e irmão — você que pode pregar um sermão edificante tanto quanto eu — que os olhos vêem mais do que os pés alcançam? E que, infelizmente, nem sempre somos o que são os nossos sermões? “Temos, porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós” (II Co. 4:7). Não lhe direi a opinião que tenho de mim mesmo, pois se o fizer, é provável que enquanto o faça procure minha própria glória, e, enquanto estiver buscando minha própria glória, possa parecer humilde, o que não sou. Prefiro dizer-lhe o que o nosso Mestre pensa de mim — Ele que sonda o coração e fala a verdade, que é “o Amém e a fiel Testemunha”, e que tem falado frequentemente no mais íntimo do meu ser, pelo que agradeço a Ele. Creia-me, Ele nunca me disse que sou um “eminente Cristão e avançado nos caminhos da piedade.” Ao contrário, Ele me diz bem claramente que se eu procurasse o meu próprio lugar, iria encontrá-lo como sendo o do maior dos pecadores, pelo menos dentre os que são santificados. E devo dar mais crédito ao julgamento que Ele faz de mim, meu caro amigo, do que aquilo que você pensa a meu respeito.

“O mais eminente Cristão é um daqueles de quem nunca se ouviu falar, algum pobre trabalhador ou servo, para quem Cristo é tudo, e que faz tudo para ser visto por Ele, e somente por Ele. O primeiro deve ser o último. Fiquemos convencidos, meu caro amigo, de louvar somente o Senhor. Só Ele é digno de ser louvado, reverenciado, e adorado. A Sua bondade nunca é demasiadamente celebrada. O cântico dos abençoados (Apocalipse 5) não louva a ninguém senão `Aquele que os redimiu com o Seu sangue. Não há no cântico uma única palavra de louvor a qualquer dos redimidos — nenhuma palavra que diga que são eminentes, ou que não são eminentes — todas as distinções estão perdidas no título comum, “os redimidos”, que expressa a alegria e glória de todo o Corpo. Empenhemo-nos em trazer nossos corações em uníssono com aquele cântico, ao qual todos esperamos que nossas débeis vozes venham se unir. Esta será a razão da nossa alegria, mesmo enquanto estivermos aqui, e contribuirá para a glória de Deus, a qual é lesada pelo louvor que os Cristãos frequentemente prestam uns aos outros. Não podemos ter duas bocas — uma para louvar a Deus e outra para louvar o homem. Possamos, então, conhecer o que os serafins fazem (Isaías 6:2,3), quando com duas asas cobrem suas faces, como um sinal de sua confusão diante da sagrada presença do Senhor; com outras duas asas cobrem seus pés, como se tentassem esconder de si mesmos os seus próprios passos; e com as duas asas restantes voam para executar a vontade do Senhor, enquanto proclamam, “Santo, santo, santo é o Senhor dos exércitos: toda a terra está cheia da Sua glória”.

“Perdoe-me por estas poucas linhas de exortação Cristã, as quais tenho certeza, irão, cedo ou tarde, se tornar úteis para você, passando a fazer parte da sua própria experiência. Lembre-se de mim em suas orações, enquanto rogo para que a bênção do Senhor possa pousar sobre você e seu trabalho. Se você porventura vier a imprimir uma outra edição — como espero que aconteça — por gentileza, exclua as duas frases para as quais chamei sua atenção; e me chame simplesmente “um irmão e ministro no Senhor.” Isto já é honra bastante, e não é preciso mais.” J. N. Darby

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Testemunho Vida cristã Watchman Nee

Minha jornada espiritual (Watchman Nee)

Não tendo ainda passado dois anos após sua conversão, Watchman Nee escreveu esse testemunho, o qual foi publicado na revista Spiritual Light, em dezembro de 1921.

Uma vez habitei “nas tendas da perversidade” (Sl 84:10), andei “segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, e do espírito que agora atua nos filhos da desobediência” (Ef 2:2), eu vivi “segundo as inclinações da [minha] carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e [era] por natureza [filho] da ira, como também os demais” (Ef 2:3).

Então ouvi “a Jesus, o Filho de Deus, como grande sumo sacerdote que penetrou os céus” (Hb 4:14) que está construindo uma morada para mim, pois “na casa de meu Pai”, Ele disse, “há muitas moradas” (Jo 14:2).

Uma vez eu estive completamente desesperado, exatamente “como escrito: Não há justo, nem sequer um, não há quem busque a Deus; todos se extraviaram, e à uma se fizeram inúteis; não há quem faça o bem, não há nem um sequer. A garganta deles é sepulcro aberto; com a língua urdem engano, veneno de víbora está nos seus lábios, a boca eles a têm cheia de maldição e de amargura; são os seus pés velozes para derramar sangue, nos seus caminhos há destruição e miséria, desconhecem o caminho da paz. Não há temor de Deus diante de seus olhos. Ora, sabemos que tudo o que a lei diz para os que vivem na lei o diz, para que se cale toda a boca, e todo o mundo seja culpável perante Deus” (Rm 3:10-19). Fiz, então, uma investigação: “Jesus lhes perguntou: Credes que eu posso fazer isso? Responderam-lhe: sim, Senhor” (Mt 9:28).

Agora eu ando como tendo sido depurado do “velho fermento, para que [fosse] nova massa, como [sou] de fato sem fermento. Pois também Cristo, [meu] Cordeiro pascal, foi imolado” (I Co 5:7). Eu “[recebi] o dom do Espírito Santo” (At 2:38) que habita dentro de mim.

Hoje eu percorro “o caminho, e a verdade, e a vida” (Jo 14:6). Agora vejo a Deus, pois “Quem me vê a mim”, disse Jesus, “vê o Pai” (Jo 14:19).

Finalmente encontrei a casa que havia a tanto procurado – “da parte de Deus um edifício, casa não feita por mãos, eterna, nos céus” (I Co 5:1). Esta casa tem somente uma porta, pois vejo que “se alguém entrar por mim”, declarou Jesus, “será salvo” (Jo 10:9). Agora eu compreendo a verdade da declaração de Jesus: “batei e abrir-se-vos-á” (Mt 7:7).

A casa em que hoje eu vivo, possui um quarto de música – “Gloriai-vos no seu santo nome; alegre-se o coração dos que buscam o Senhor. Buscai o Senhor e o seu poder; buscai perpetuamente a sua presença” (Sl 105:3-4). Possui um aposento para conversação – onde eu devo orar “sem cessar” (I Ts 5:17). Tem, da mesma forma, um quarto de leitura – para examinar “as Escrituras todos os dias para ver se as cousas eram de fato assim” (At 17:11). Tem um salão para preleções – “Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns” (I Co 9:22). Meu quarto, para finalizar, é “o peito de Jesus” (Jo 13:25). Minha atual residência é onde “estou crucificado com Cristo; logo, já não sou eu quem vive, mas Cristo vivem em mim; e esse viver que agora tenho na carne, vivo pela fé no Filho de Deus, que me amou e a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2:20-21). Meu endereço é os “lugares celestiais” (Ef 2:6). Sempre que você me visitar no espírito de “feliz o homem que me dá ouvidos [isto é, ouve a Sabedoria, que é Cristo], velando dia a dia às minhas portas, esperando às ombreiras da minha entrada” (Pv 8:34), você encontrará não apenas a mim, mas também os santos meus companheiro. Dê ouvidos ao que o servo diz: Vinde, porque tudo já está preparado” (Lc 14:17).

Então “nós, os vivos, os que ficarmos, seremos arrebatados juntamente com eles, entre nuvens, para o encontro do Senhor nos ares, e assim, estaremos para sempre com o Senhor” (I Ts 4:17). Depois de serem cumpridas estas palavras, eu terei meu lar onde “vi também tronos, e nestes sentaram-se… Vi ainda a alma dos decapitados por causa do testemunho de Jesus, bem como por causa da palavra de Deus, tantos quantos não adoraram a besta, nem tão pouco a sua imagem, e nem receberam a marca na fronte e na mão; e viveram e reinaram com Cristo durante mil anos. Os restantes dos mortos não reviveram até que se completassem os mil anos. Esta é a primeira ressurreição. Bem aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre esses a segunda morte não tem autoridade: pelo contrário, serão sacerdotes de Deus e de Cristo e reinarão com ele os mil anos” (Ap 20:4-6). E o cântico que entoarei será “…um novo cântico, dizendo: Digno és de tomar o livro e de abrir-lhes os selos, porque foste morto e com o teu sangue compraste para Deus os que procedem de toda tribo, língua, povo e nação” (Ap 5:9).

Não muito depois, juntamente com meus amados mudarei para “um novo céu e uma nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram e o mar já não existe” (Ap 21:1). Pois “segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (II Pe 3:13).

“E assim,” nessa ocasião, a palavra – “se alguém está em Cristo, é nova criatura: as cousas velhas já passaram; eis que se fizeram novas” – será plenamente realizada, e de forma gloriosa experimentarei a verdade desta palavra: “Alegrai-vos sempre no Senhor; outra vez digo alegrai-vos” (Fl 4:4).

Da mesma forma os santos do passado fizeram sua jornada espiritual. No entanto, estas linhas também representam o que eu mesmo tenho experimentado e ardentemente espero. Na verdade, ao escrever esta última parte, eu me encontrava com lágrimas de regozijo. Suponho, porém, que você, que é salvo, possui o mesmo sentimento em relação à volta do Senhor Jesus. Aqueles que são lavados pelo sangue de Jesus são, naturalmente, otimistas para com a vida. Mas, onde você, que não possui a segurança de estar salvo, passará a morte eterna? Por favor, considere este assunto.

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T. Austin-Sparks Testemunho

Um testemunho sobre Austin-Sparks

O genro de Austin-Sparks, Angus Kinnear, escreveu o seguinte sobre seu sogro: “Desde seus anos iniciais ele creu no poder e na importância da Palavra de Deus falada, e em que todas as instâncias de Sua exposição e aplicação deviam estar relacionadas vitalmente às necessidades atuais e crescentes da vida espiritual das congregações representativas do povo de Deus. Através de Sua Palavra, Deus encontrará os Seus, mas Seu modo de revelação a Seus servos não é meramente através de temas letrados, reclusos ou pesquisados. Ao contrário, faz-se necessário, projeta-se e toma sentido pelo chamado e reação de condições reais. Seu valor – se é para ser algo mais que palavras – está em ser capaz de tocar o povo do Senhor em suas experiências e necessidade, o que tem sido a ocasião de seu chamado original. Este era o chamado especial de T. Austin-Sparks, um homem trilhando um caminho talvez um pouco à parte de seus contemporâneos, mas sempre fiel a Cristo Jesus seu Salvador e Senhor, e comprometido com uma visão de colheitas espiritualmente frutíferas por todo o campo – o mundo de Deus”.

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T. Austin-Sparks Testemunho

Um fato impressionante sobre Austin-Sparks

Hosea Hu, um irmão americano, é biógrafo de T. Austin-Sparks. Ele esteve no Brasil certa vez e deu uma conferência sobre a vida de TAS, como era carinhosamente chamado por seus amigos. Eu ouvi parte de uma das mensagens. Desta, um fato me impressionou demais. Eu o reproduzo de memória aqui. O cerne da história é exatamente o que escrevo, e deixo de fora minúcias das quais não recordo a fim de não cometer enganos.

Nos Estados Unidos, determinado pastor, insatisfeito com sua vida espiritual, ouviu uma conferência com TAS. Sua primeira pergunta foi: “Que tradução da Bíblia ele usa, já que na minha eu nunca vi essas coisas que ele menciona?” O que aquele homem ouviu revolucionou sua vida. Ele, então, passou também a ensinar o que recebera.
Ele era pastor de uma congregação de classe alta. Seus ouvintes começaram a ficar descontentes com sua palavra, pois não era mais do tipo “palavra edificante”. Então, por meio de uma conspiração contra ele, foi demitido, acusado de insanidade mental.

Desempregado, ele começou a passar necessidades. Algum tempo depois, conseguiu um emprego de vendedor, mas pouco conseguia ganhar com seu trabalho. Mas permanecia fiel ao que ganhara do Senhor.

Por causa de sua fraqueza, teve um sério problema em um dos pulmões, que tinha de ser extirpado. Foi internado, e o médico era um de seus antigos pastoreados. A cirurgia foi realizada, mas, não se sabe porque razão, o pulmão são é que foi extirpado. Assim, tendo um único pulmão, e este comprometido pela doença, este irmão morreu cerca de dois meses depois.

O que havia no ensino de TAS que mudara tanto esse homem, a ponto de morrer por fidelidade ao que vira? TAS sempre enfatizou ao máximo a centralidade de Cristo e da cruz na experiência cristã. Tudo o mais se deriva disso. Tudo o que TAS ensinava era para levar seus ouvintes e leitores de volta para o próprio Cristo e para Sua cruz. Nada mais importa.

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Testemunho

Da manjedoura à piscina

“O Senhor Jesus nasceu numa manjedoura!”

Este era o pensamento que consolava meu coração aflito. A sujeira e a escuridão eram angustiantes.

“Senhor, cuida do meu filho!”

Alguns meses antes, eu e minha esposa havíamos visitado o lugar. Instalações novas e modernas, recém-inauguradas, equipamento novo, completo, profissionais jovens e simpáticos, bem dispostos e de cara amiga. Excelente! “Já sabemos onde nosso filho irá nascer!” A maternidade pública próxima de nossa casa era resposta às orações. Sem convênio médico, numa cidade grande e nova, longe de minha irmã médica, era a segurança de que precisávamos. “Graças a Deus!”

– Liga pro Carlos!
Eram 3h da madrugada de 26 de agosto de 1991. As contrações se tornavam cada vez mais próximas uma da outra, a bolsa se rompera. Chegara a hora: Calebe queria nascer!
Carlos, um querido e tranqüilo irmão, morava relativamente perto de nós. Gentilmente havia se prontificado a nos levar para a maternidade. Ele nos acompanhara naquela visita que fizemos ao local.
– Carlos? Desculpe ligar a essa hora… É, o Calebe tá chegando!

Todo o período da gravidez havia sido cercado dos cuidados de Deus por meio de Seus filhos. Eu, minha esposa e dois filhotes viéramos de Porto Alegre para São Paulo há quatro meses. Terceira gravidez, cidade grande, muitas promessas e promessas quebradas (“Não foi isso que tinham nos falado!”), moradia num local de reuniões, sem plano de saúde, distância de tudo e de quase todos: tempo de provação em que a alma lutava para descansar e confiar em Deus.
Mas Ele, em Sua sempre infinita e imerecida bondade, nos cobriu de mimos. Entre os irmãos com quem nos reuníamos havia uma pediatra, uma médica, um dono de farmácia (o Carlos!), um casal sem filhos e dois dentistas, além de muitos outros amados santos. Resultado: compramos apenas uma chupeta para o Calebe.
E, para coroar todo aquele cuidado tão minucioso, a maternidade vizinha e reluzente. A única dor que havia eram as contrações. O coração estava tranqüilo, ansioso apenas para ver o guri que estava chegando.

Carlos chegou.

– Mas como?!
– Senhor, não podemos fazer nada. Todos os leitos estão ocupados e há quatro pacientes esperando vaga antes de sua esposa.
“Mas como? Por quê? Senhor, tava tudo tão certinho?! E meu filho?”

O ambiente era um caos. Pessoas correndo, mulheres e maridos preocupados de um lado para o outro, funcionários dando explicações, pacientes em macas no corredor, unhas sendo roídas, angústia palpável no ar, telefonemas sendo dados para todas as maternidades públicas da cidade, olhares pedindo socorro, os olhos do coração procurando Deus.
– Não tem vaga? Tá ok. Obrigado.
– Sem vagas? Todo mundo resolveu nascer hoje, né?! Então, tá.
– Uma vaga? Segura pra mim. Tô mandando uma paciente.

Carlos foi embora. Precisava trabalhar. Assegurou-nos de que tudo ia ficar bem, ia dar certo, pois Deus estava no controle. Confiei nele meio desconfiando de Deus. Custava ter deixado um leito para minha esposa?

Mais demora, mais hospitais sem vagas, menos tempo entre uma contração e outra. Não havia muito o que dizer! Quão rapidamente o tempo demora a passar em tempos de aflição.

– Duas vagas? Ótimo. Vão duas pacientes: Janisse e Celuta.
Aleluia! Nossa vez. Fim do sofrimento. Olhei aliviado para ela e sua barriga. Lindas.

– Calma, senhor, a ambulância está chegando.

Como um cretino desses ousa me pedir calma? Já faziam quase quatro horas que a bolsa de líquido de minha esposa tinha-se rompido, as contrações aumentando, ela sentada há horas numa recepção de maternidade, essa droga de ambulância não chega, e esse… me pede calma?! É fácil porque não é a esposa ou o filho dele.
O coração me jogava de um lado para o outro. “Tenho de dar um bom testemunho! Meu filho vai morrer. Senhor Jesus, socorro! Que droga de atendimento. Preciso encorajar minha amada…”.

A ambulância. Finalmente! De novo, um pouco de tranqüilidade.
Minha esposa e a outra grávida entraram com uma enfermeira. Prevendo o que poderia acontecer, a enfermeira pediu material para fazer o parto enquanto estivéssemos a caminho. Mas o quê ela faria se as duas crianças resolvessem nascer ao mesmo tempo?

– Maternidade do Brás? Não, não sei onde fica. Mas a gente descobre. Sobe aí, pai.
“Para que serve um motorista destes? Não me faltava mais nada?! Do Butantã para o Brás, e o cara não sabe o caminho?! Senhor!?”

– Acho que é por aqui.
E lá ia ele, como quem saiu para um piquenique com um cumpadre e duas cumadres barrigudas. Feliz, descansado, olhando o Tietê, sem pressa, sem sirene e filosofando.
– Correr? Não, não precisa. O que tem de ser será. Tudo tem seu tempo e só vai acontecer quando chegar a hora.
Seria pecado ou crime jogá-lo para fora e seqüestrar a ambulância com duas grávidas e uma enfermeira?

– Pronto. Chegamos. Não falei?
Bem seguro, ele entrou na rua estreitinha. Não seguiu muito adiante. Deu ré e retomou a viagem. Até hoje os funcionários daquela fábrica se perguntam o que fazia uma ambulância no meio do pátio onde tomavam café da manhã.

– Agora, sim! Taí! Pronto, pai. Chegamos.
Antes que eu fechasse a boca dele com um murro, desci e fui ajudar minha esposa. Levei-a até a recepção. Então, eu vi. “Meu Deus! Meu Deus!”

– Eu não disse? Tudo tem seu tempo. Chegamos na hora que Deus quis.

O hospital lembrava uma casa mal-assombrada. Abandonado, sujo, luzes apagadas. Não havia cadeiras de rodas para as grávidas, não havia papel higiênico nos banheiros cheios de teia de aranha, as macas frias, sem lençol, tinham pêlos e sangue de outras mulheres. Com a mesma lâmina usada sabe-se lá em quem, depilaram as duas novas vítimas que chegaram.

O único pensamento que me vinha ao coração e me trazia algum consolo e esperança era: “O Senhor Jesus nasceu numa manjedoura. E sobreviveu. Não teve infecção. Senhor, guarda meu filho! Por favor!”

Corri para o telefone, liguei para um irmão com quem eu trabalhava, pedi orações, socorro, esperança. Ele convocaria outros para orar. Ao desligar, senti-me sozinho, abandonado, num imenso e horrível açougue. E minha esposa e meu filho…

Lá dentro, a luta prosseguia. Não havia médico, apenas enfermeiras. Parteira. Os funcionários estavam em greve há três meses. O estado não fornecia praticamente nenhum material. As poucas pessoas disponíveis faziam seu melhor em meio à sujeira e falta do essencial.

Sem receber cuidados higiênicos, com o vestido com que viera da rua, minha esposa entrou em trablaho de parto. Sem perguntar-lhe nada, tentaram furar-lhe a bolsa com um objeto pontiagudo qualquer. Foi só o tempo de ela gritar que não precisava – um pouquinho mais e o Calebe terminaria ali. Então, para ajudá-la, fizeram a episiotomia… sem anestesia. A dor do parto impediu-a de sentir mais dor.

“… numa manjedoura. Senhor…”.

“Força!” Dor. Exaustão. Uma vez mais. Quase. Agora… Nasceu! Calebe. Lindo. Com arranhões na cabeça. Forte. Chorando. Vivo. Lágrimas. Carinho. Abraço. Graças a Deus!

– Parabéns, pai. Seu filho nasceu.

O aviso sem emoção me encheu de alegria, risos, lágrimas, gratidão. De joelhos no meu coração, agradeci porque o milagre de sobrevivência à manjedoura havia se repetido.
O Calebe nasceu a primeira vez.

Outra madrugada. Pesadelo. Medo. A pequenez diante das coisas inexplicáveis.
– MÃÃÃÃÃEE!
O mesmo bebê que lhe roubara aquela distante noite de sono precisava de ajuda novamente. A mãe atendeu-lhe o chamado. Ao lado dele, ouve o que o assustara. Abraça-o. Chora com ele. Afaga-o. Protege com seus invencíveis braços de carne frágil. É mãe.

– Mãe, eu quero entregar a minha vida pro Senhor Jesus. Ora comigo?

A luz brilhou nas trevas daquela madrugada. Repetia-se o milagre.
O Calebe nasceu a segunda vez.

Sábado, 26 de novembro de 2005. Ao completar 14 anos, como um presente para si mesmo e para Deus, Calebe foi batizado na piscina da casa de seus melhores amigos. Quanta alegria! Quanto louvor Àquele que tão bem cuidou dele ao longo desse tempo. A grande cicatriz no braço é mais um testemunho do mesmo amor de Deus por ele, cicatriz que não se compara àquelas que seu Senhor carrega por tê-lo salvo.

O frio, o vento que parou no momento adequado, a singeleza da cena, a emoção de quem estava presente – tudo e todos proclamavam a fidelidade Daquele que preserva a vida, da manjedoura à piscina.

(Francisco Nunes, Mogi das Cruzes, 29.11.05)

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Testemunho

Ei, magro, faz um som…

Quinta-feira, dia 17 de novembro de 2005. Na metade da manhã, já envolvido com o trabalho, com a mente e o coração nas dificuldades, sou interrompido pelo telefone. Uma voz que não reconheço brinca com meu nome. Irrito-me. A voz pergunta como vou. Reconheço: meu irmão, Ives, com quem há muito não falo. O coração se arrepende e se desarma.
Trocamos as perguntas tradicionais, “Como vão os filhos? “, “E a tua filha?”, “Me disseram que… É verdade?”, “Pois é…”.
– Bem, Xico, tem uma pessoa aqui que quer muito falar contigo. Vou passar o telefone pra ela. Tchau!

Detesto surpresas. Especialmente com pessoas. Facilmente magôo os outros por minha péssima memória, por meus sentimentos indisfarçáveis. “Queira Deus que não o faça dessa vez!”

– Alô, Xico. É a Téia!
Esforço de reativar todos os meus bancos de memória, que freqüentemente me deixam na mão quando mais deles preciso. Nada. Nenhuma informação. Nenhuma lembrança. Nenhum raio de ligação com algum fato passado.
– Téia?
Fiquei apreensivo. E se ela respondesse: “É, a Téia. Lembra de mim?”? Eu teria de dizer que ela não existia em minhas recordações. Mas meu irmão me disse que ela queria muito falar comigo… Por quê? Quem é?
A voz forte, levemente rouca, audivelmente emocionada, relembrou:
– Você lembra? Há muitos anos, em Araranguá…

Final de uma tarde de verão, cerca de 22 anos atrás, Araranguá, cidadezinha ao sul de Santa Catarina. Eu e minha noiva chegávamos de Torres, litoral gaúcho, e caminhávamos em direção à casa onde ficaríamos hospedados. Não lembro ao certo porque estávamos ali; um evento qualquer na congregação da qual meu sogro cuidava, talvez. As ruas praticamente vazias, o calor forte e o peso do violão e das malas nos faziam andar com pressa. Mas havia mais gente naquelas ruas sem gente. Duas garotas caminhavam em nossa direção. Roupas estranhas, desleixadas. Melhor passar logo por elas.
Ao chegarem perto de nós, uma delas me disse:
– Ei, magro, faz um som aí pra gente!

Seria zombaria? Uma oportunidade? Eu não sabia tocar muitas coisas, e quando cantávamos juntos, comigo tocando, normalmente eu e minha noiva tínhamos alguns desentendimentos. Mas, naquele momento, entendemos imediatamente: Deus estava nos dando uma oportunidade.

– … você e a Janisse estavam caminhando, com um violão, na frente do Bradesco…

Sentamo-nos nas escadas do Bradesco. O sol já não batia tão forte. E dissemos a elas algo assim:
– Nós queremos que vocês prestem bastante atenção nessas músicas.
E começamos. Os céus nos deram harmonia, talvez não de vozes, mas de coração. Queríamos intensamente que elas cressem Naquele em que críamos.
– Se você está vivendo sem vontade,
venha para perto de nós.
E mostraremos a você
a felicidade e o amor de Deus.
Ele é maravilhoso,
é divino e é real.
Procura Nele o que você não tem!
Encontre o amor,
encontre o louvor,
encontre a paz, a paz.

As moças ouviam atentamente. Não havia deboche nem risadas. Apenas o universo todo parado com suas distrações para que o coração delas fosse atingido, para que as barreiras interiores fossem vencidas e Aquele maravilhoso de quem falávamos desafinadamente se revelasse a elas.
A segunda música:
– Deixa Jesus encher tua vida
com Seu Espírito e Seu amor,
encher teu coração de gozo e louvor.
Deixa Jesus cuidar das coisas
que te fazem infeliz,
e andarás do modo como a Bíblia diz.

Oh, Cristo, meu Cristo,
venha em mim morar.

Oh, venha e cante com toda
a alegria do teu coração,
renda tudo a Ele e tenha salvação.
A Ele dá tuas tristezas,
desilusões e tua cruz,
tudo entrega hoje em nome de Jesus.

Não lembro o que falamos.

– … Aquele foi o dia mais importante da minha vida. Nunca esqueci dele!

Eu também não.

Ouvimos suas confissões de pecados, ouvimos da ingenuidade de seu coração corrupto que desejava ser bom, ouvimos seu anelo interior por vida. Então, ali mesmo, as convidamos a orar conosco. Uma oração singela, que deveria ser feita de coração: “Senhor Jesus, eu Te recebo como meu Senhor e Salvador.” Pronto. Simples assim. E o maior milagre do universo se repetiu: pecadores condenados ao lago de fogo escaparam das prisões do diabo e se tornaram filhos de Deus.

– Téia! É claro que eu lembro! Lembro muito bem! Ao longo desses anos, muitas e muitas vezes contamos esse fato para muitas pessoas.
– Xico, estou firme no Senhor e já pude levar muitas almas a Jesus. E eu nunca esqueci de vocês. Desde aquele tempo sempre quis muito reencontrar você e a Janisse. Preciso falar com vocês. Quando vocês vêm aqui?
As lágrimas a impediram de continuar.

Que pergunta doce! Como se fosse simples e instantâneo vencer os milhares de quilômetros que nos separam. Mas esse reencontro valeria a pena. Os laços do Calvário, mesmo depois de 22 anos, permanecem fortes. Depois de tudo o que ela passou, de rejeição de irmãos ao divórcio, permanece firme Naquele que, numa tarde quente, a alcançou por instrumentos mal tocados. Que privilégio, que honra seria ver essa prova viva da fidelidade do Senhor.

Deus inundou minha quinta-feira de alegria e gratidão. Fui salvo de mim mesmo pela lembrança da salvação da Téia. E o desejo de atender a outros pedidos de “Ei, magro, faz um som…”, mesmo tendo abandonado o violão, foi reaceso no meu coração.

O Deus a quem sirvo é maravilhoso!

(Francisco Nunes, 19.11.05, Mogi das Cruzes)

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Evangelho Testemunho

O Artista e a Cigana

Há muitos anos, achava-se o pintor Stenburg no seu estúdio. De pé, com o dedo polegar da mão direita no bolso da blusa, e tendo na esquerda o cachimbo, que tinha tirado da boca em sinal de respeito, conversava com a pessoa que nessa ocasião o visitava, o padre Hugo, vigário da opulenta igreja de São Jerônimo. Stenburg era ainda novo, mas já tinha fama em Düsseldorf, e alguns afirmavam que seu nome seria um dia conhecido em todo o mundo. Ele pensava porém, com tristeza, que quando esse dia chegasse já teria passado a idade de gozar a riqueza que tardava tanto em vir. Entretanto, tentava aproveitar a vida no presente. Amava a sua arte, e, vez por outra, ficava tão absorto em sua obra que chegava a se esquecer de tudo, menos do quadro que tinha no cavalete.

Contudo, apesar de ter produzido algumas obras de bastante merecimento, não tinha, até então, feito ainda nenhuma que o satisfizesse completamente, nem tinha alcançado o seu ideal. Seus trabalhos eram bons, mas desejava fazer coisa melhor. Assim vemos que Stenburg não era um homem inteiramente feliz. Havia certo desassossego em seus belos olhos, e um tom de aspereza na voz, que, para quem o observasse de perto, eram indícios de um espírito pouco tranqüilo. Fora isso, porém, tinha a aparência de um homem alegre e feliz, mostrando, quando era preciso, uma habilidade fina para o negócio, e que era daqueles que sabiam bem zelar por seus interesses. É ele que fala agora.

– Não, isso não pode ser: asseguro-lhe que a quantia que V. Rev. me oferece não me pagaria o trabalho de um painel tão grande como esse que acaba de me indicar. Precisa ter muitas figuras, e todas bem estudadas. A crucificação é um assunto difícil, e tem sido tratada tantas vezes que não seria fácil fazer um quadro diferente de todos os outros, como eu desejava que fosse.

– Bem, eu não faço preço. Sei que o senhor é um homem honrado, e não é a igreja de São Jerônimo que paga o quadro. É uma oferta de um penitente.

– Ah! Isso agora é diferente. Por favor, volte em um mês, e terei já prontos os estudos para a obra.

Separaram-se, contentes um com o outro, e durante as semanas seguintes Stenburg estudou a composição do quadro, indo para esse fim ao bairro judaico à procura de modelos para suas diferentes figuras.

O vigário ficou satisfeito. Desejava que a figura do centro fosse a cruz do Redentor, deixando os acessórios ao gosto do artista. Vinha de tempos a tempos visitá-lo, acompanhado algumas vezes por outro padre, a fim de ver o andamento do trabalho. O quadro devia ser colocado na igreja no dia da festa, a 1o. de junho, e ia já bastante adiantado.

Com o rebentar das primeiras folhas e o desabrochar das primeiras flores, que indicava a aproximação da primavera, apoderou-se do pintor um desejo ardente de deixar Düsseldorf e ir pelos campos afora, ao acaso, esboçando as bonitas paisagens que o campo oferecia. Um dia, próximo de um bosque, deparou com uma moça cigana que fazia cestos de palha. A sua fisionomia era bela; o cabelo negro como carvão caía-lhe em ondas até à cintura, e o mísero e esfarrapado vestido vermelho, já desbotado pelo sol, ainda aumentava seu aspecto pitoresco. Mas o que na moça atraiu bastante a atenção do artista foram seus olhos negros, irrequietos e límpidos, cuja expressão mudava a todo o momento, refletindo-se neles alternadamente, com admirável rapidez, a tristeza, a alegria e a zombaria.

“Que soberbo quadro que esta moça daria!”, pensou Stenburg. “Mas quem haveria de comprar um retrato de uma cigana? Ninguém!”

Os ciganos eram então odiados em Düsseldorf, e o fato de ser cigano era um crime perante a lei

A jovem ao ver o pintor largou o trabalho, pôs-se de pé e, elevando as mãos acima da cabeça, e dando estalos com os dedos para marcar o compasso, pôs-se a dançar com grande ligeireza diante dele, com um cativante e alegre ar de brincadeira.

– Assim! Não se mexa! – exclamou Stenburg, fazendo um esboço rapidamente. Mas por mais rápido que fosse, era difícil à moça sustentar aquela posição; contudo não se mexeu, mas o suspiro de alívio que lhe saiu dos lábios, ao deixar cair os braços, mostrou bem ao artista quanto lhe havia custado o esforço.

Ela não é só bela, é mais alguma coisa”, pensou Stenburg. “É um excelente modelo. Vou pintá-la como dançarina espanhola.”

Fizeram logo ali um ajuste para Pepita ir três vezes por semana ao estúdio de Stenburg a fim de servir de modelo.

À hora marcada apresentou-se. Ficou maravilhada com o que viu, e depois de correr com os grandes olhos o estúdio todo em volta, fixando a vista nas porcelanas, nas esculturas, etc., começou a examinar os quadros, chamando-lhe principalmente a atenção o grande quadro, já quase pronto. Olhou para ele atentamente, e em seguida, indicando com o dedo a principal figura, perguntou com voz meio receosa:

– Quem é aquele?

– É o Cristo – respondeu Stenburg com indiferença.

– Que estão fazendo com Ele?

– Estão crucificando-O – respondeu o artista. – Mas vire-se um pouco mais para a direita. Assim! Está bem!

Stenburg, quando trabalhava, era homem de poucas palavras.

– Que gente é aquela que está em volta Dele? Aqueles que têm cara tão má?

– Fique quieta – respondeu o artista. – Eu não posso falar contigo e você só tem de ficar na posição que eu indicar.

A moça não ousou tornar a falar, mas continuou a observar o quadro, e cada vez que vinha ao estúdio ficava mais fascinada com ele. De quando em quando atrevia-se a fazer uma pergunta, porque a curiosidade a matava.

– Por que é que O crucificaram? Ele era muito mau?

– Não, era muito bom.

Daquela vez nada mais pôde aprender, mas todas as palavras lhe ficaram gravadas na memória, cada frase lhe ia desvendando mais o mistério.

– Então, se Ele era bom porque lhe fizeram isso? Foi por pouco tempo? Deixaram-No ir embora depois?

– Olha, foi porque…

O artista calou-se, e foi arrumar o cinto que a moça usava.

– Por que foi? – repetiu Pepita, quase sem poder respirar.

O pintor voltou para o seu cavalete; e olhando para ela comoveu-o aquela fisionomia em que aparecia o ardente desejo de saber.

– Escute; vou contar a você de uma vez para sempre, e depois não me faça mais perguntas – e contou-lhe a história da Cruz, uma história nova para Pepita, mas já tão antiga para o pintor que tinha deixado de comovê-lo. Ele pôde pintar aquela agonia mortal sem que um nervo sequer vibrasse; mas quanto à moça, o pensamento daquele suplício torturava-lhe o coração. Seus grandes olhos estavam inundados de lágrimas que o orgulho de cigana não deixava cair.

O quadro grande e o da dançarina ficaram prontos ao mesmo tempo. Tinha chegado o dia da última visita de Pepita ao estúdio. O belo quadro que a representava não tinha para ela atrativo algum, mas em compensação ficou parada e absorta diante do outro.

– Tá aqui – disse-lhe o artista – aqui está o teu dinheiro e mais uma moeda de ouro. Você me deu sorte: a “Dançarina” já foi vendida. Talvez volte a precisar de ti daqui a algum tempo, mas por enquanto não. É preciso não encher o mercado, nem mesmo do teu bonito rosto.

A jovem voltou-se vagarosamente.

– Muito obrigada, senhor! – disse ela, notando-se-lhe nos olhos a mais viva comoção, e, com o pensamento fixo no quadro, acrescentou:

– O senhor deve amá-Lo muito… visto que Ele tez tudo isso por você… Não é verdade?

Stenburg corou de vergonha. A pobre moça, de vestido desbotado, saiu do estúdio, mas suas palavras de queixume penetraram no coração do artista. Ele tentou esquecê-las, mas foi em vão. Apressou-se em enviar o quadro ao seu destino, mas não pôde esquecer as palavras: “Fez tudo isso por ti.”

Por fim, não pôde suportar aquela agonia. Queria encará-la e vencê-la. Foi confessar-se para obter a paz pela qual tanto anelava, mas foi inútil, porque essa paz só se obtém quando Cristo é o único alvo da fé. Fez um desconto generoso no preço do quadro, e isso lhe deu sossego de espírito por uma semana ou duas, mas logo se levantou de novo a antiga pergunta: “O senhor deve amá-Lo muito, não é verdade?”, e essa pergunta requeria uma resposta.

Perdeu o sossego e não podia prestar atenção ao trabalho. Assim, pois, vagueando ao acaso, ouviu coisas que até então lhe eram desconhecidas. Um dia viu um grupo de pessoas que se dirigiam às pressas para uma casa de aparência humilde, próxima aos muros da cidade, e logo notou outro grupo que do lado oposto se dirigia para a mesma casa, entrando pela porta baixa. Perguntou o que havia ali de extraordinário, mas a pessoa a quem se dirigiu ou não quis ou não pôde responder-lhe, o que despertou ainda mais sua curiosidade.

Alguns dias depois soube que morava ali um desconhecido, um dos “Reformadores” – um daqueles desprezados que sempre se baseavam na Palavra de Deus. Era pouco respeitável, e até pouco seguro, ter sequer um simples contato com essa gente. Mas era possível que ele fosse encontrar ali o que procurava? Stenburg ouvira dizer que esses reformadores arriscavam tudo, e freqüentemente tudo perdiam, por amor à verdade que sustentavam. Talvez eles possuíssem o segredo da paz. Por isso o artista foi observar, e ver, mas sem, de modo algum, se querer associar com eles; contudo, ninguém pode se aproximar do fogo sem sentir o calor.

Entrou, e achou-se na presença de um homem que podia viver à vontade, mas sofria privações; que podia ser considerado, mas era desprezado; que podia ser estimado e respeitado, mas era abandonado; e que, apesar de tudo isso, estava tranqüilo e até feliz. Este pregador falava e tinha aparência de um homem que andava na terra em comunhão com Cristo, e para quem Cristo era tudo. Stenburg encontrou finalmente aquilo porque anelava – uma fé viva. Seu novo amigo emprestou-lhe por algum tempo uma preciosa cópia do Novo Testamento, mas, sendo perseguido e expulso de Düsseldorf algumas semanas depois, teve de partir levando o livro consigo; mas seu ensino ficou bem gravado no coração de Stenburg.

Ah! Agora acabaram-se as dúvidas! Ele sentia claramente no coração o fogo de um amor ardente! “Ele fez tudo isso por mim! Como poderei não falar aos homens desse amor, desse amor sem limites, que pode alegrar-lhes a vida, assim como alegrou a minha? Esse amor é também para eles, mas eles não o vêem, assim como eu o não via também. Como posso empregá-lo? Não tenho o dom de orador, sou um homem de poucas palavras. Ainda que fizesse esforço, nunca poderia explicar o que sinto. Esse amor de Cristo abrasa-me o coração, mas não o posso exprimir.”

Com tais pensamentos o artista fez com o lápis que tinha na mão um esboço tosco de uma cabeça coroada de espinhos, e ao mesmo tempo umedeciam-se-lhe os olhos. De repente brotou esta idéia do seu espírito: “Sei pintar! O meu pincel O anunciará. Ah! no outro quadro Sua face só revelava agonia, mas não era essa a expressão da verdade. Faltava ali o amor inexprimível, a compaixão infinita, o sacrifício voluntário!”

O artista caiu de joelhos, e orou para que pudesse pin­tar dignamente, e por esse modo pregar.

Começou a obra, e o fogo do gênio brilhou até alcançar e mesmo ultrapassar seus limites. O quadro da crucificação ficou uma maravilha – quase divino!

Não quis vendê-lo; fez doação dele à sua terra natal, sendo exposto na galeria pública, onde se reuniam para o admirar muitos dos cidadãos, que ao contemplá-lo emudeciam e se comoviam profundamente, voltando para casa com o conhecimento do amor de Deus, e repetindo consigo mesmo as palavras que tão claramente estavam escritas por baixo do quadro:

“Tudo isto Eu fiz por ti;

Que fazes tu por Mim?”

Stenburg também costumava ir ali, e, a um canto da galeria, observava o povo que se juntava em roda do quadro, orando a Deus para que abençoasse seu sermão ali delineado. Um dia, depois de todos terem saído, ele viu uma pobre moça de pé a chorar amargamente defronte do quadro. Aproximou-se dela e perguntou-lhe:

– Que foi, moça?

Ela se voltou-se. Era Pepita.

– Oh, senhor, se Ele tivesse me amado assim – disse ela apontando para aquela face que indicava tanto amor. – Eu não sou mais que uma pobre cigana. Este amor é para ti, mas não para uma pessoa como eu – e não pôde conter as lágrimas de desespero.

– Pepita, esse amor também é para ti!

E então o pintor disse-lhe tudo. Conversaram até à hora de fechar a galeria. Ele agora não se aborrecia de responder às perguntas da jovem, porque era aquele o assunto que mais apreciava. Contou-lhe a história daquela maravilhosa vida, daquela morte sublime, da glória suprema da ressurreição, e também lhe explicou a união que aquele amor efetua. Ela escutou, recebeu e creu: “Tudo isto Eu fiz por ti.”

Haviam decorridos dois anos desde que fora encomendado o quadro. Voltou o inverno, o frio era intenso, e o vento soprava pelas ruas estreitas de Düsseldorf, fazendo estremecer as vidraças da casa do artista. Tinha terminado seu trabalho daquele dia, e estava sentado ao pé do fogão onde ardia um fogo muito confortador, lendo uma cópia do seu querido Evangelho, que tinha obtido com dificuldade. De repente bateram à porta, e entrou um homem que vestia um jaquetão de peles muito usado, no qual se viam sinais de neve. O cabelo negro caía-lhe em caracóis à roda do rosto. Lançou um olhar esfomeado para o pão e a carne que estavam sobre a mesa, ao mesmo tempo que dava seu recado:

– O senhor pode me acompanhar, por favor, para um caso muito urgente? – disse

– Onde? – perguntou o pintor. Era isso que ele não devia dizer, pois a polícia podia vir a sabê-lo, e expulsá-los de lá, como já tinha feito várias vezes.

– Por que você quer que eu vá?

– Não posso lhe dizer, senhor – responde o homem –, mas alguém que está morrendo deseja vê-lo.

– Coma alguma coisa – disse o artista –; eu irei com você.

O homem murmurou palavras de agradecimento, ao mesmo tempo em que devorava a comida.

– Você está com fome?

– Oh, senhor, todos nós morrendo de fome.

Stenburg foi buscar um saco cheio de comida.

– Você pode levar isto? – perguntou ao homem.

– Ah, meu senhor, com todo prazer! Mas venha depressa, não há tempo a perder.

O artista foi atrás dele, seguindo-o rapidamente por várias ruas até saírem da cidade e chegarem ao campo. A claridade da lua, que ia nascendo, mostrava que se aproximavam do bosque. Entraram nele. As ramadas estavam cobertas de neve, e os enormes troncos eram tantos que se misturavam. Não havia caminho, mas o homem não exitava. Caminhava rapidamente e em silêncio à frente de Stenburg. Por fim chegaram a um vale cercado de árvores, onde se viam algumas barracas.

– Por favor, entre ali – disse o homem indicando ao artistas uma das barracas, e voltando-se para um grupo de homens, mulheres que estava ao seu redor, falou-lhes numa língua estranha e tirou o saco de cima dos ombros.

O artista entrou na barraca com dificuldade. O luar brilhante iluminava aquele miserável interior. Sobre umas folhas secas jazia uma forma humana. Era uma moça de rosto macilento.

– Pepita! – disse o pintor.

Ao som dessa voz, Pepita abriu os olhos. Aqueles belos olhos pretos ainda conservavam o brilho. Desenhou-se nos lábios um sorriso, e, apoiando-se nos cotovelos, disse:

– Sim, ELE vem me buscar! Ele me estende as mãos! Elas têm sangue! Por ti… Tudo isto Eu fiz por ti …

Com essas palavras, despediu-se do artista.

Muitos anos depois de o pintor e a cigana terem se encontrado na mansão celeste, chegou a Düsseldorf em sua esplêndida carruagem um jovem nobre e elegante, e, enquanto os cavalos descansavam, ele foi visitar a afamada galeria. Era rico, jovem, inteligente; o mundo sorria-lhe e tinha a seu alcance os tesouros desta terra. Percorreu a galeria e ficou extasiado defronte do quadro de Stenburg. Leu e tornou a ler as palavras que estavam gravadas na moldura.

Não podia afastar-se dali. Seu coração estava preso. O amor de Cristo tinha-se apoderado de sua alma. Passaram-se horas e chegou a noite. O guarda pôs a mão no ombro do choroso fidalgo, e disse-lhe que tinha de fechar a galeria, pois já era noite. Mas não! Para ele era antes o raiar da vida eterna. Aquele jovem era Zinzendorf. Ele voltou para a hospedaria, e entrou em sua carruagem, não com o objetivo de seguir para Paris, mas de voltar para sua casa. Desde aquele momento depôs sua vida, fortuna, fama, tudo aos pés Daquele que tinha murmurado ao seu coração as palavras:

“Tudo isto Eu fiz por ti;

Que fazes tu por Mim?”

Zinzendorf, o iniciador das Missões Moravianas, respondeu àquelas palavras com uma vida de absoluta dedicação à vontade do Senhor, até à morte.

O quadro de Stenburg já não existe na galeria de Düsseldorf, destruído com ela em um incêndio, mas pregou seu sermão, e Deus serviu-se dele para anunciar Seu dom – o Substituto do Calvário – de quem o apóstolo Paulo disse: “O qual me amou, e se entregou por mim” (Gl 2.20).

Vimos como a história do amor infinito e divino revelado em Cristo crucificado comoveu e prendeu extasiada a bela cigana Pepita; como venceu e inspirou o célebre pintor Stenburg; como atraiu e satisfez o jovem fidalgo Zinzendorf – mas que diremos de nós mesmos? Leitor, o que você diz? Você pode unir sua voz à nossa e exclamar: “Nós O amamos, porque Ele nos amou primeiro” (1Jo 4.19)?

Mas talvez você ainda nunca tenha ouvido essa história sublime que cativou Pepita. Leia por mais uns momentos, pois vamos resumi-la.

“O Pai enviou Seu Filho para Salvador do mundo” (1Jo 4:14), e sobre isso lemos:

“Cristo morreu por nossos pecados (…) e foi sepultado (…) e ressuscitou ao terceiro dia” (1Co 15.3,4).

Por Sua morte, o Salvador fez expiação por nossos pecados: em Sua sepultura vemos, pela fé, o fim de tudo quanto éramos como pecadores; e em Sua ressurreição nós O vemos sair de entre os mortos e subir para a glória celeste, sendo Ele o princípio de uma nova família – a família de Deus. Pela fé podemos dizer: sobre a cruz do Calvário, Cristo identificou-se com nosso pecado, e tomou nosso lugar no sofrimento e na morte; e agora, se cremos Nele, o amor divino nos identifica com Ele no poder de uma nova vida e no lugar de bênção que Ele atualmente ocupa com Deus na glória celeste.

Oh! Que conheçamos esse amor inexprimível, amor que a morte não pôde vencer, amor que atualmente desde a glória celeste nos atrai, ao ponto de dizermos como Paulo: “O amor de Cristo nos constrange”. E, inspirados por tal amor, assim como Zinzendorf e nosso artista, somos levados a mostrar, por vidas dedicadas a Ele, a gratidão e alegria de corações satisfeitos pelo amor divino.

(Obs. 1: A frase que estava no quadro Stenburg inspirou Francis Ridley Havergal [1836 – 1879] a escrever o hino “I Gave My Life for Thee”, com música de Philip Paul Bliss [1838 – 1876]; há uma melodia alternativa de William Herbert Jude [1851 – 1922]. Este hino está presente em alguns hinários em português.)

(Obs. 2: O sítio oficial do Conde Zinzendorf registra que o nome do pintor era, na verdade, Domenico Feti, e o nome do quadro era “Ecce Homo” (Eis o homem, em latim)

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