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Indicações de sexta (16)

A Bíblia é nossa regra de fé e de prática!

 

Toda sexta-feira, uma pequena lista de artigos cuja leitura recomendamos. Além disso, indicaremos também uma mensagem e um hino para serem ouvidos. Nosso desejo é que lhe sejam úteis para aprofundar seu conhecimento do Senhor, para capacitar você a servi-Lo melhor e para despertar em você mais amor por Ele.
É sempre importante relembrar o que dizemos em Sobre este lugar: as indicações a um autor ou a alguma fonte não implica aprovação total ou incondicional de tudo o que é ali ensinado nem indicado em outros links ou em vídeos relacionados, etc; indica, outrossim, que naquele artigo específico há conteúdo bíblico a ser apreciado.

Artigos que você precisa ler

  1. Por que Deus, por vezes, permanece silencioso? Essa pergunta angustia muitos cristãos, quando esperam resposta do Pai Celestial. O artigo O silêncio de Deus tenta responder.
  2. Todo filho de Deus precisa saber qual é A principal ocupação de um discípulo. Excelente artigo de T. Austin-Sparks.
  3. Stephen Kaung ajuda você a Ver Cristo nos problemas. Não se deixe abater por eles, mas olhe para além deles!
  4. Há cristãos que brincam com a tentação, expondo-se descuidadamente ao perigo. John Owen diz que a tentação tem de ser levada muito a sério.

Mensagem que você precisa ouvir

Pureza bendita, por Steve Lawson.

Hino que honra a Deus

Abide with me

Letra de Hen­ry F. Lyte (1847), música, Eventide, de Wil­liam H. Monk (1861).

Letra original

Abide with me; fast falls the eventide;
The darkness deepens; Lord with me abide.
When other helpers fail and comforts flee,
Help of the helpless, O abide with me.

Swift to its close ebbs out life’s little day;
Earth’s joys grow dim; its glories pass away;
Change and decay in all around I see;
O Thou who changest not, abide with me.

Not a brief glance I beg, a passing word;
But as Thou dwell’st with Thy disciples, Lord,
Familiar, condescending, patient, free.
Come not to sojourn, but abide with me.

Come not in terrors, as the King of kings,
But kind and good, with healing in Thy wings,
Tears for all woes, a heart for every plea—
Come, Friend of sinners, and thus bide with me.

Thou on my head in early youth didst smile;
And, though rebellious and perverse meanwhile,
Thou hast not left me, oft as I left Thee,
On to the close, O Lord, abide with me.

I need Thy presence every passing hour.
What but Thy grace can foil the tempter’s power?
Who, like Thyself, my guide and stay can be?
Through cloud and sunshine, Lord, abide with me.

I fear no foe, with Thee at hand to bless;
Ills have no weight, and tears no bitterness.
Where is death’s sting? Where, grave, thy victory?
I triumph still, if Thou abide with me.

Hold Thou Thy cross before my closing eyes;
Shine through the gloom and point me to the skies.
Heaven’s morning breaks, and earth’s vain shadows flee;
In life, in death, O Lord, abide with me.

Tradução

Habita comigo. A tarde cai rapidamente,
A escuridão se aprofunda. Senhor, comigo habita.
Quando outros ajudadores falharem e confortos fugirem,
Ó Ajuda do impotente, fica comigo.

Rapidamente para seu fim flui o dia de vida;
As alegrias da Terra se tornam mais indistintas; suas glórias passam;
Mudança e decadência em tudo eu vejo;
Ó Tu que não mudas, habita comigo.

Não é por um breve olhar que eu imploro, uma palavra passageira;
Mas, como Tu habitaste com Teus discípulos, Senhor,
De modo familiar, condescendente, paciente, livre.
Vem, não para peregrinar, mas habita comigo.

Não venha em terrores, como o Rei dos reis,
Mas gentil e bom, com cura em Tuas asas,
Lágrimas para todos os males, um coração por cada clamor:
Venha, Amigo dos pecadores, e, assim, habita comigo.

A minha face, na juventude, trouxeste sorriso;
E, embora rebelde e perverso naquele tempo,
Tu não me deixaste, mesmo quando Te deixei.
Até o fim, ó Senhor, habita comigo.

Eu preciso de Tua presença cada hora que passa.
O que, a não ser Tua graça, pode frustrar o poder do tentador?
Quem, além de Ti mesmo, meu guia e esteio pode ser?
Quer haja nuvens e a luz do sol, Senhor, habita comigo.

Não temo nenhum inimigo, com Tuas mãos para abençoar;
Males não têm peso e lágrimas, sem amargura.
Onde está o aguilhão da morte? Onde, sepultura, a tua vitória?
Eu ainda triunfo, se Tu habitas comigo.

Segura Tu Tua cruz diante de meus olhos que se fecham;
Brilha através da escuridão e me aponta os céus.
Rompe a manhã do céu e, da terra, as vãs sombras fogem;
Na vida, na morte, ó Senhor, habita comigo.

Versão em português (1)

Comigo habita, ó Deus, a noite vem!
As trevas descem, eis, Senhor, convém
Que me socorra a Tua proteção!
Oh, vem fazer comigo habitação!

Vem revelar-Te a mim, Jesus, Senhor,
Divino Mestre, Rei, Consolador!
Meu Guia forte, amparo em tentação!
Oh, vem fazer comigo habitação!

Breve, Senhor, terei meu fim mortal;
É tão fugaz a vida terreal!
Tem tudo aqui mudança e corrupção!
Oh, vem fazer comigo habitação!

Se eu estiver nas trevas ou na luz,
Não há perigo, andando com Jesus;
A morte e a tumba não aterrarão!
Oh, vem fazer comigo habitação!

A versão acima é a mais conhecida e cantada em português. Mas encontrei outra, mais longa, que recria toda a letra original. Não sei se onde é usada. Se alguém souber, ou souber sua origem, escreva no comentário.

Versão em português (2)

Habita em mim na dura tentação;
Senhor, habita em mim na escuridão.
Quando os amigos de mim fugir,
Sozinho estou; Senhor, vem me acudir.

Nós somos pó, mas estamos aqui;
Com alegria pra louvar a Ti;
Tudo não passa de ostentação;
Jesus não muda Sua criação.

Ó Senhor Jesus, vem por mim olhar;
Certo estou que vou Contigo andar,
Fiel Senhor, liberdade sem fim.
Não quero perecer, habita em mim!

Com o Rei dos reis, na luz viverei,
Pois em Suas asas seguro estarei,
De toda dor e toda aflição,
Jesus nos salva e muda o coração.

Eu era jovem; Tu por mim sorria;
Mas cruel e mau eu permanecia,
Jesus não me deixou até o fim,
E até chegar ao céu, habita em mim!

Todos os dias, lado a lado andar.
Com Sua graça o mal afastar.
Quem senão Jesus pode nos guiar?
Só Ele pode a chuva e o sol criar!

Eu não receio nem o malfeitor;
Não tenho medo do perigo ou dor.
Jesus: a morte Ele venceu, sim!
Jesus triunfou e habita em mim!

Senhor, me ajude a carregar a cruz;
Brilha na sombra e mostre-me Sua Luz.
O amanhã em breve terá fim;
Vida ou morte? Ele habita em mim!

História

Henry Francis Lyte (1.7.1793 – 20.11.1847) graduou-se no Trinity College, Dublin, em 1814. Durante o curso universitário, ganho um prêmio inglês de poesias em três ocasiões. Havia decidido estudar medicina, talvez por conta da frágil saúde que teve na maior parte da vida, mas optou por teologia, tornando-se clérigo anglicano em 1815.

Em 1818, ele passou por uma grande mudança espiritual, que moldou e influenciou toda a sua vida dali em diante, sendo a causa imediata disso a doença e morte de um irmão clérigo. Lyte disse dele:

Ele morreu feliz na crença de que, se estivesse profundamente errado, havia Um cuja morte e sofrimentos iriam expiar seus delitos e seriam aceito por tudo o que ele tinha cometido.

A respeito de si mesmo, acrescenta:

Eu estava muito afetado por todo o assunto, que me fez olhar a vida e seus problemas com um olho diferente, e eu comecei a estudar a Bíblia e a pregar de maneira diferente do que eu tinha feito anteriormente.

Lyte foi inspirado a escrever esse poema em 1847, enquanto estava morrendo de tuberculose. Ele o concluiu no domingo em que fez seu sermão de despedida na paróquia a que serviu por muitos anos. No dia seguinte, ele partiu para a Itália, a fim de recuperar a saúde. Mas não chegou lá, pois morreu em Nice, França, três semanas depois de escrever essas palavras. Aqui está um trecho de seu sermão de despedida:

Ó irmãos, estou aqui entre vocês hoje, como vivo dentre os mortos, se posso esperar impressionar vocês e induzi-los a se prepararem para aquela hora solene, que deve chegar a todos, por um conhecimento, enquanto há tempo, da morte de Cristo.

Anna Maria Maxwell Hogg, filha de Lyte, conta a história do hino:

O verão estava terminando, e o mês de setembro (o mês em que ele, mais uma vez, deixaria sua terra natal) chegou, e cada dia parecia ter um valor especial como sendo um dia mais perto de sua partida.

Sua família ficou surpresa e quase alarmada quando ele anunciou sua intenção de pregar mais uma vez para seu povo. Sua fraqueza e o perigo possível por causa do esforço foram lembrados para impedi-lo, mas em vão. “É melhor”, como ele costumava dizer muitas vezes de brincadeira, quando ntinha alguma saúde, “se desgastar do que enferrujar por fora”. Ele sentiu que deveria ser capaz a cumprir seu desejo, e não temia pelo resultado. Sua expectativa tinha bom fundamento. Ele pregou, e em meio a atenção sem respirar de seus ouvintes, deu-lhes um sermão sobre a Sagrada Comunhão.

Na noite do mesmo dia, ele colocou nas mãos de um parente próximo e querido o hino “Abide with Me”, com uma melodia de sua própria composição, adaptada às palavras.

Por mais de um século, os sinos da igreja em All Saints, em Lower Brixham, Devonshire, da qual foi pároco, tocaram “Abide with Me” diariamente. O hino foi cantado no casamento do rei George VI e no casamento de sua filha, a futura rainha Elizabeth II.

 

Esta é a versão escrita pelo próprio autor.

(A versão original do hino pode ser vista aqui.)

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Oração Testemunho

John Hyde, o homem que orava

“A oração feita por um justo pode muito em seus efeitos” (Tg 5.16)

Wilbur Chapman escreveu a um amigo: “Eu aprendi algumas grandes lições com respeito à oração. Em uma de nossas missões na Inglaterra, as audiências eram extremamente pequenas. Mas eu recebi um bilhete dizendo que um missionário americano […] iria orar para que Deus abençoasse nosso trabalho. Ele era conhecido como Hyde, o homem que orava.

“Quase instantaneamente a maré virou. O salão ficou lotado e, em meu primeiro apelo, cinqüenta homens se entregaram a Cristo como Salvador. Quando estávamos indo embora, eu disse: ‘Sr. Hyde, eu quero que você ore por mim’. Ele veio a meu quarto, virou a chave na porta, caiu de joelhos e esperou cinco minutos sem uma única sílaba nos lábios. Eu podia ouvir meu próprio coração batendo e as batidas do dele. Senti as lágrimas quentes correndo por meu rosto. Eu sabia que estava com Deus. Então, ele ergueu o rosto, também molhado de lágrimas, e disse: ‘Ó Deus!’

“Em seguida, por cinco minutos pelo menos, ele ainda esteve em silêncio; depois, quando ele sabia que estava falando com Deus […] vieram das profundezas de seu coração petições pelos homens como eu nunca tinha ouvido antes. Quando me levantei, tinha aprendido o que era orar de fato. Cremos que a oração é poder, e cremos como nunca antes.”

O Espírito que habitava em John Hyde, o homem que orava, é o mesmo Espírito de intercessão que em nós permanece.

“Dá-me almas, ó Deus, ou eu morro!”

(John Hyde)


 

(Traduzido por M. Luca de Wilbur Chapman On “Praying” John Hyde. Revisado por Francisco Nunes. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria, tradução, revisão e fonte e seja exclusivamente para uso gratuito.)

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Indicações de sexta (7)

Confronte todas as coisas com a verdade da Bíblia

 

Toda sexta-feira, uma pequena lista de artigos cuja leitura recomendamos. Além disso, indicaremos também uma mensagem e um hino para serem ouvidos. Nosso desejo é que lhe sejam úteis para aprofundar seu conhecimento do Senhor, para capacitar você a servi-Lo melhor e para despertar em você mais amor por Ele.
É sempre importante relembrar o que dizemos em Sobre este lugar: a menção a um autor ou a alguma fonte não implica aprovação total ou incondicional de tudo o que é ali ensinado nem indicado em outros links ou em vídeos relacionados, etc; indica, outrossim, que naquele artigo específico há conteúdo bíblico a ser apreciado.

Artigos que merecem ser lidos

  1. Carta aberta aos pais cristãos de filhos incrédulos. Poucas coisas angustiam tanto pais cristãos quanto filhos que ainda não obedecem à fé ou que dela apostataram. Esse artigo pode lhe trazer ajuda, consolo e orientação prática.
  2. O que é a comunhão da igreja? Basta os cristãos estarem juntos para haver comunhão? A genuína comunhão é marca distintiva da igreja que se reúne segundo o modelo do Novo Testamento.
  3. “Deus não é um prato de buffet que você monta de acordo com o seu gosto” ou “A verdade importa para você?”, de J. P. Moreland. Será verdade que não uma verdade absoluta não faz diferença ou que ela é impossível? Como argumentar com quem pensa assim?
  4. “Deus me revelou”. Devemos dar ouvidos a quem alega ter uma revelação nova de Deus, à parte de Sua Palavra?

Mensagem que merece ser ouvida

Amando a Deus com todo o nosso entendimento, por Héber Campos Júnior

Hino que merece ser ouvido

It’s well with my soul

Letra de Horatio G. Spafford (1873) e música, Ville du Havre, de Philip P. Bliss (1876). Inspirado em 2Reis 4.26 e Salmos 146.1. A música recebeu o nome do navio em que as filhas de Spafford pereceram. Ironicamente, Bliss morreu num trágico acidente de trem, ao tentar salvar a esposa, pouco tempo depois de escrever a música. Veja mais detalhes abaixo.

Enquanto lê a letra, ouça essa maravilhosa versão orquestral do hino.

Letra em inglês

When peace, like a river, attendeth my way,
When sorrows like sea billows roll;
Whatever my lot, Thou hast taught me to say,
It is well, it is well with my soul.

Refrain
It is well with my soul,
It is well with my soul,
It is well, it is well with my soul.

Though Satan should buffet, though trials should come,
Let this blest assurance control,
That Christ hath regarded my helpless estate,
And hath shed His own blood for my soul.

My sin—oh, the bliss of this glorious thought!—
My sin, not in part but the whole,
Is nailed to the cross, and I bear it no more,
Praise the Lord, praise the Lord, O my soul!

For me, be it Christ, be it Christ hence to live:
If Jordan above me shall roll
No pang shall be mine, for in death as in life
Thou wilt whisper Thy peace to my soul.

But, Lord, ’tis for Thee, for Thy coming we wait,
The sky, not the grave, is our goal;
Oh, trump of the angel! Oh, voice of the Lord!
Blessed hope, blessed rest of my soul!

And Lord, haste the day when the faith shall be sight,
The clouds be rolled back as a scroll;
The trump shall resound, and the Lord shall descend,
Even so, it is well with my soul.

Tradução literal em português

Está tudo bem com minha alma

Quando a paz, como um rio, estiver presente em meu caminho,
Quando tristezas se agitarem como ondas do mar –
Seja qual for minha sorte, Tu me ensinaste a dizer:
“Está tudo bem, está tudo bem com minha alma”.

Refrão
Está tudo bem com minha alma,
Está tudo bem com minha alma,
Está tudo bem, está tudo bem com minha alma.

Embora Satanás tenha de me esbofetear, embora provas tenham de vir,
Que esta certeza abençoada tome o controle:
Que Cristo considerou minha situação sem esperança
E derramou Seu próprio sangue por minha alma.

Meus pecados – Oh, a felicidade desse glorioso pensamento! –,
Meus pecados, não em parte, mas todos eles,
Estão pregados na cruz, e eu não os carrego mais.
Louve ao Senhor, louve ao Senhor, ó minha alma!

Para mim, seja Cristo, seja Cristo, portanto, a viver:
Se o Jordão1 acima devo atravessar,
Sem angústia estarei, pois, na morte como na vida,
Tu irás sussurrar Tua paz para minha alma.

Mas, Senhor, é por Ti, por Tua vinda que esperamos,
O céu, não a sepultura, é nosso objetivo.
Oh, trombeta do anjo! Oh, a voz do Senhor!
Bendita esperança, abençoado descanso de minha alma!

E, Senhor, apressa o dia em que a fé será visão,
As nuvens serão enroladas como um pergaminho,
A trombeta ressoará e o Senhor descerá.
Todavia, estará tudo bem com minha alma.

Versão em português

Sou feliz com Jesus

Se paz a mais doce me deres gozar,
Se dor a mais forte sefrer;
Oh, seja o que for, Tu me fazes saber
Que feliz com Jesus hei de estar.

Refrão
Sou feliz com Jesus!
Sou feliz com Jesus,
Meu Senhor!

Embora me assalte o cruel Satanás,
E ataque com vis tentações,
Oh, sim certo estou, mesmo em tais provações,
Em Jesus acharei força e paz.

Jesus, meu Senhor, ao morrer sobre a cruz
Livrou-me da culpa e do mal;
Salvou-me Jesus, oh, mercê sem igual!
Sou feliz, hoje vivo na luz.

A vinda eu anseio do meu Salvador;
Em breve virá me buscar;
E então lá no céu vou pra sempre morar,
Com remidos na luz do Senhor

Nota biográfica

Esse hino foi escrito depois de dois grandes traumas na vida de Spafford, um devoto cristão e estudante das Escrituras, amigo de D. L. Moody e de Ira Sankey. O primeiro foi o enorme incêndio de Chicago em outubro de 1871, que o arruinou financeiramente (advogado rico, ele havia investido em imóveis na cidade). Em 1873, durante uma travessia do Atlântico, da qual ele havia desistido pouco antes da partida, as quatro filhas de Spafford (com 11, 9, 7 e 2 anos) morreram em uma colisão com outro navio. Sua esposa, Anna, sobreviveu e enviou-lhe o agora famoso telegrama: “Única salva”. Várias semanas depois, quando o navio em que Spafford estava (ele viajou para encontrar-se com a esposa) passou perto do local onde as filhas morreram, o Espírito Santo inspirou essas palavras. Elas falam da eterna esperança que todos os crentes têm, não importando a dor e o sofrimento eles tenham na terra. O hino foi cantado pela primeira vez em 24 de novembro de 1876, por Bliss mesmo, em uma grande reunião evangelística de Moody.

Nota

1 Referência à morte, muito usada antigamente pelos cristãos. (N. do R.)


(Tradução do hino por M. Luca. Revisão de Francisco Nunes)

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A acusação contra Estêvão, sua defesa e seu martírio (Robert Govett)

 

O significado do discurso do primeiro mártir

Poucos leitores ou mesmo estudantes da Escritura percebem muita força na defesa de Estevão, registrada em toda a sua extensão em Atos 7. Parece-lhes apenas uma citação desconexa de partes da história patriarcal e israelita, tendo pouca ou nenhuma influência sobre as acusações feitas contra ele. Eles pensam também que, muito provavelmente, a defesa foi interrompida antes de chegar à conclusão pretendida pela violência provocada ou que se iniciava. Portanto, eles são incapazes de perceber por que os inimigos de Estêvão estavam tão exasperado com o discurso.

Com a ajuda do Senhor, o Espírito, penso ser capaz de conduzir o leitor a um tal ponto de vista que ele possa perceber que a defesa do mártir é cheia de vigor, dando forte testemunho contra os pontos de vista de seus acusadores e uma real e triunfante refutação de suas acusações.

Estêvão era um dos sete judeus de língua grega designados pela igreja em Jerusalém e pelos apóstolos para atender à nova tarefa emergencial, que surgiu da necessidade de suprir as necessidades das viúvas helenistas daquele dia (cap. 6). Estêvão era um dos novos diáconos; mas, além disso, ele operou muitos prodígios e milagres. Ele foi levado à discussão com os judeus do partido contrário a Cristo. Provavelmente, a discussão se deu na sinagoga dos libertinos (v. 9)1; e, ao que parece, o desafio se originou com eles.

No conflito, Estêvão provou-se vitorioso, pela sabedoria e pela graça do Espírito Santo que lhe foram dadas. Isso desagradou o partido derrotado, e seus membros procuraram matá-lo. É mais fácil matar um homem de Deus do que refutar os argumentos que ele deriva das Escritura.

Eles o acusaram, então, de blasfêmia contra Moisés e contra Deus. Eles o apresentaram perante o conselho religioso da nação e trouxeram contra ele falsas testemunhas que afirmavam: “Este homem não cessa de proferir palavras blasfemas contra este santo lugar [o templo] e a lei. Porque nós lhe ouvimos dizer que esse Jesus Nazareno há de destruir este lugar e mudar os costumes que Moisés nos deu” (vv. 13,14).

A resposta de Estêvão nos apresenta, de modo indireto, os argumentos geralmente utilizados pelos judeus que se opõem ao Messias. Vemos neles os homens da carne e da lei, cheios de justiça própria, confiantes de serem melhores do que seus pais e com direito de esperar o cumprimento das bênçãos prometidas a Israel por Moisés e os profetas (Lc 18.9; Mt 23.30). Nós os vemos aqui esperando um Messias reinante e recusando o Sofredor. Entre os acusadores de Estêvão estavam saduceus, homens que criam que as únicas recompensas e punições eram recebidas nesta vida; a imortalidade do homem era, para eles, apenas um dogma dos fariseus. Esses homens podiam mediria a criminalidade de cada pessoa pela história dela. Se um problema se abatia sobre alguém, isso era uma prova de culpa e de que ele era recusado pelo Altíssimo (Lc 13.1-5).

Assim, os argumentos dos oponentes judeus de Estêvão tinham a seguinte forma:

“Jesus não é o Cristo.”

  1. “Como Ele pode ser o Messias se nunca recebeu de Deus o trono e o cetro prometidos ao Filho de Davi (Sl 72; 89)? Jesus falou muitas vezes sobre o reino de Deus, mas este nunca veio (Lc 17.20). Se Ele fosse o profeta como Moisés, como Seus amigos afirmam, Ele teria tido a confiança de Israel e teria provado ser o Libertador de Israel, como Moisés foi (cap. 24). Agora, pelo contrário, quando foi preso e condenado, Ele nunca se livrou da maldita e cruel morte da crucifixão. Deus não liberta sempre Seus amados servos quando estão em dificuldades e em perigo de morte? Não foi prometido que o Messias seria coberto pela mão de Deus, salvo e exaltado (Sl 91.14,15; 41)?”
  2. “Não foi prometido nas Escrituras que os inimigos do Messias seriam cortados (Sl 89.23; 72.9; 97.3)? Como veio a acontecer, então, se Jesus era o Messias, que os discípulos de Moisés que resistiram a Suas reivindicações e mataram o povo Dele não foram destruídos por juízos miraculosos, como os profetas anunciaram.” A partir dos apelos feitos a Jesus na cruz, vemos que esse argumento era considerado muito poderoso e satisfatório. Passantes, escribas, anciãos, sumos sacerdotes, espectadores, soldados, os ladrões, todos, judeus e gentios, juntaram-se a desafiá-Lo a descer da cruz e a salvar-se, se Ele fosse verdadeiramente o Cristo, o Rei de Israel, o Filho de Deus (Mt 27.39-44; Lc 23.35-46). Era de supor, portanto, que Sua morte tenha sido a destruição de Suas pretensões.
  3. Outro argumento contra as reivindicação de nosso Senhor era fundado sobre a decisão judicial de Sua própria nação contra Ele. “O sábio, o douto, o poderoso haviam rejeitado Suas alegações e deram a sentença de morte contra Ele. Escribas e sacerdotes em seu concílio O condenaram como blasfemo. E a lei dizia que a decisão dos sacerdotes e dos juízes em Jerusalém devia ser considerada infalível (Dt 17.8-11). Ele foi justamente condenado à morte, então, por ser um enganador (Mt 27.63; Jo 7.48).” Esse argumento também foi considerado de grande peso, como podemos ver pelo discurso dos dois discípulos de Emaús indo. “Jesus”, eles disseram, “foi homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo. No entanto, os principais sacerdotes e governantes O entregaram aos romanos para ser condenado à morte e O crucificaram. Se Sua própria nação O rejeitou como impostor, como Ele poderia ser o Messias? O povo do Messias seria de súditos voluntários, como o salmista declarou” (Sl 110; Lc 24.19-21).
  4. “Como Ele poderia ser o Messias, se Ele ameaçou destruir o templo e mudar os costumes de Moisés? Não foram todos os reis piedosos da linhagem de Davi zelosos com a manutenção de toda a lei, restaurando-a quando ela caía em desuso?”
  5. “Por fim, como poderiam os cristãos ser ‘os filhos do reino’ do Messias, como eles pretendiam, quando eles eram desprezados, detidos e despojados? Em vez de serem exaltados, eles estavam perdendo até mesmo os privilégios que haviam conquistado pela lei de Moisés. Se Jesus fosse de fato seu Cabeça, como diziam, por que Ele não os defende? Por que Ele não os vinga daqueles que os maltratam? O que havia acontecido com Ele? Se Ele havia ressuscitado, por que não se mostra, para que pudessem vê-Lo e confessá-Lo como de fato ressurreto?”

Agora, o discurso de Estêvão transmite, principalmente na forma de narrativa, uma resposta àqueles argumentos, e a outros semelhantes. Visto desse ponto de vista, sua defesa é uma rajada bem dirigida – cada tiro é o que disse – e derrubando irresistivelmente seus oponentes.

O mártir toma a história de Abraão, de José e de Moisés, e por essas duas ou três testemunhas estabelece cada palavra.

1. Primeiramente, toma o caso de Abraão.

O que Israel pensa acha dele? Que ele era “o amigo de Deus, o grande e justo cabeça de sua nação, seu pai, fonte das promessas feitas a si mesmo e à nação”.

Se agora vamos julgar pelas circunstâncias, como eles iriam provar seu ponto de vista a partir da vida de Abraão?

O Altíssimo começou tirando-o de seu país, parentes e amigos. Abraão devia deixara a todos por uma terra estrangeira, da qual ele não sabia de nada. Deus prometeu-lhe que a (a) terra seria dele e que uma (b) posteridade numerosa quanto a areia da terra e como as estrelas do céu lhe seria dada.

O Altíssimo cumpriu essas promessas feitas a ele?

(a) Será que Ele lhe deu a terra da Palestina como sua posse? “E não lle lhe deu nela herança, nem ainda o espaço de um pé” (At 7.5).

Ele prometeu a terra à sua descendência. Israel obteve isso? Ou Jacó? Ou os doze patriarcas?

(b) Ele viu o cumprimento de uma inumerável descendência? Por longos anos, ele não teve filho (v. 5).

O que Deus diz sobre a descendência de Abraão? “A sua descendência seria peregrina em terra alheia, e a sujeitariam à escravidão e a maltratariam por quatrocentos anos” (v. 6).

Como, então, eles deviam julgar Abraão, se usassem com ele a mesma medida que usaram com Jesus Cristo? Eles deveriam dizer: “Ficou claro que Abraão foi iludido ou era um impostor, pois ele não havia ainda apreciado as promessas que ele imaginou que o Todo-Poderoso lhe havia feito!”

Mas, se o tratamento da descendência de Abraão por 400 anos foi tão grave como predito, então, isso era prova de que os crentes em Jesus como o Cristo não foram iludidos, porque eles foram afligidos e perseguidos em sua própria terra, e por mais tempo que aquilo.

A seguir, não há nenhuma prova contra Jesus ser o Herdeiro individual e o Cabeça prometido da descendência de Abraão, por Ele ter sido recusado e rejeitado até a morte.

Como eles poderiam responder? “Nós admitimos tudo isso, mas outra era está vindo, em que Abraão, Isaque e Jacó serão ressuscitados dentre os mortos, e a descendência deles irá, então, desfrutar a terra e se tornar inumerável, enquanto outras promessas serão cumpridas para eles, que estão incluídos no reinado do Messias, o grande Herdeiro de Abraão. Além disso, Deus prometeu, no exato momento em que ratificou a aliança com Abraão, que Ele julgaria a nação que os perseguiu e os tiraria de sua servidão para servi-Lo em riqueza e liberdade.”

Para esse argumento, a resposta era facilmente evidente.

“Nós, cristãos, concordamos com vocês. Mas, se o tempo futuro de retribuição e do cumprimento das promessas serve no caso de Abraão, serve para nós também. Nós também dizemos: “O julgamento é vindo sobre aqueles que perseguem a descendência espiritual de Abraão, os filhos de sua fé. E os verdadeiros filhos de Abraão devem ter uma maior libertação e melhores riquezas do que aqueles do Israel resgatado do Egito. Assim, afinal de contas, Jesus pode ser o herdeiro de Abraão, a semente a quem a promessa foi feita (Gn 15.18). Jeová deu um símbolo do tempo de angústia que devia preceder a libertação, o qual deve confirmar nossa fé: quando o pacto foi ratificado, um forno de fumaça precedeu a tocha de fogo (v. 17). Ou seja, a fornalha de tijolos e o rigor do Egito deveriam preceder o glorioso livramento (Dt 4.20; Is 62.1). Muito longe de a presente perseguição provar que nós e nosso Senhor não somos a descendência de Abraão, ela é, na verdade, uma prova a nosso favor!”

Também a observação de Estêvão, de que o Deus da glória mostrou-se a Abraão, na Mesopotâmia, muito antes de habitar em Canaã, é uma refutação inicial da idéia deles de que o culto a Jeová só poderia ocorrer na terra santa e na cidade santa.

O mártir, a seguir, fala do pacto da circuncisão (Gn 17), que se seguiu ao primeiro pacto (cap. 15), e, então, traça a linha da posteridade circuncidada de Abraão até José.

2. José

“O que vocês, hebreus, pensam de José?”

“Ele era grande e sábio, o favorecido de seu pai e de seu Deus, governante do mundo e libertador de Israel em tempo de extrema necessidade. Ele também era amado por Deus, como testemunham os sonhos que falavam de sua grande exaltação, e que, como enviados do céu, foram por fim cumpridos.”

Mas o que dizer de sua história terrena, tanto no meio da própria família como com os gentios?

“Os patriarcas, movidos de inveja, venderam José para o Egito” (At 7.9). Eles o odiavam, e nem sequer conseguiam falar pacificamente com ele. No Egito, ele é falsamente acusado, contado com os transgressores e enfiado na prisão por seu mestre gentio. O que vocês dizem dele agora? Esses problemas tão repetidos e que continuaram por tanto tempo não provam que ele fora rejeitado por Deus! Quando seus irmãos disseram: “Eis lá vem o sonhador-mor! Vinde, pois, agora, e matemo-lo e lancemo-lo numa dessas covas, e veremos que será de seus sonhos” (Gn 37.19,20), qual foi o partido aprovado? Quem foi condenado por Deus: os onze chefes da nação ou José? “Deus era com ele” (At 7.9; cf. Gn 39.2,3,21,23).

O homem rejeitado era o homem aprovado por Deus. Portanto, a mesma conduta por parte de Israel contra Cristo, incitada pelo mesmo espírito de inveja, não é prova de que Jesus não é o Cristo, o Filho amado de Deus (Mt 27.18; Mc 15.19). José foi vendido por vinte moedas de prata (Gn 37.28); Jesus, por trinta (Mt 26.15). José foi entregue aos midianitas; Jesus, aos romanos.

Será que aflição e humilhação provam que José foi abandonado pelo Altíssimo? Se isso não aconteceu, não pode a mesma aflição ser usada como argumento contra Jesus. Deus não apenas estava com José, mas “livrou-o de todas as suas tribulações e lhe deu graça e sabedoria ante Faraó, rei do Egito, que o constituiu governador sobre o Egito e toda a sua casa” (At 7.10).

Talvez, então, pode ser verdade que Jesus desprezado, vendido, falsamente acusado por Seus irmãos, pode não só ter sido livrado de todas as Suas provações pela ressurreição, mas ter sido promovido no alto diante do Rei dos reis, para ser governante do mundo e Senhor da família de Deus, tanto de anjos como de homens! José, rejeitado por sua própria família, e esquecido, encontrou casa e glória no Egito. Jesus, desprezado como “um sonhador” por Israel, foi, no entanto, considerado supremamente sábio pelo Governante da terra e do céu!

A primeira metade da vida de José é fortemente marcada pela aflição. “Até ao tempo em que chegou [se cumpriu] a sua [de José] palavra, a palavra do Senhor o provou” (Sl 105.19). A segunda metade foi gloriosa como nunca vista anteriormente, e sem interrupção. Não poderia, portanto, ser assim um dia com o rejeitado Nazireu também?

Vocês dizem: “Como Ele pode ser o Messias e Libertador de Israel se não pôde livrar a Si mesmo da degradante morte da crucificação?” Tentem o mesmo raciocínio com José! Ele poderia ser o exaltado de Deus e o libertador de sua nação e do mundo que não podia se livrar de ser lançado em um poço, de ser vendido por menos do que o preço de um escravo e ser jogado num calabouço como um malfeitor sob falsa acusação?

Logo veio o juízo sobre seus perseguidores. A fome os assaltou. O Egito era o único país onde se podia obter comida. Isso os trouxe involuntariamente às mãos de José. Ele era dono da vida e da fortuna deles, e estava ciente disso. Talvez isso seja uma tipologia de um dia por vir, o dia da Grande Tribulação, quando Israel lançará suas esperanças no Messias e vai pedir Sua ajuda e Sua vinda, ignorante de que Jesus é o Messias.

Na segunda vez em que os patriarcas foram a José, este se revelou a eles, e deu a conhecer sua parentela a Faraó.

Assim também, Jesus, o rejeitado em Sua primeira vinda, pode, em Sua segunda vinda, fazer-se conhecer a seus irmãos de Israel e perdoá-los, enquanto Ele os estabelece no alto das nações do mundo e os reúne em sua própria terra.

Jacó e os outros patriarcas morreram no Egito, nunca recebendo a posse da terra da promessa. Eles tiveram uma tumba em Canaã.2 Eles eram apenas peregrinos e estrangeiros. Não seria maravilhoso, então, se os cristãos ocupassem o mesmo lugar de fé? Pois Israel e Jerusalém agora se tornaram Egito (Ap 11.8). Então, Deus começou a cumprir Sua profecia a Abraão com respeito às aflições e escravidão do povo no Egito. Seu aumento além da medida provou que Deus não se esqueceu deles. No entanto, esse aumento foi o motivo de sua aflição. Ele fez o Egito e seu rei muito ciumento deles. Talvez, então, o rápido crescimento dos cristãos naqueles dias fosse a prova de que Deus estava com eles, e as aflições que suportaram não fosse uma prova contra eles, mas, sim, uma evidência de que eles eram a verdadeira semente de Abraão, abençoados por Deus conforme a promessa, e prestes a serem libertados.

3. Moisés

Chegamos agora à história crítica de Moisés.

O que dizer de Moisés? “Ele era o chefe e mais fiel dos servos de Deus, o maior dos homens. Deus o amava e falou face a face com ele, e colocou Sua glória sobre o semblante dele.”

Apliquem agora a Moisés o mesmo princípio pelo qual vocês condenaram Cristo. O que vocês teriam pensado dele, se o julgassem pelas circunstâncias de sua vida?

Que ele foi rejeitado por Deus! Embora tenha liderado sua nação com a esperança da terra que manava leite e mel, ele próprio ficou fora dela pela decisão judicial de Deus. Isso não põe por terra o que vocês pensam de Moisés? Nem desfaz um pouco seu ponto de vista sobre Cristo?

Mas vamos com Estêvão entrar mais particularmente nessa história.

1. Moisés nasceu quando o momento da libertação prometida se aproximava, mas ele estava em perigo desde o nascimento. Jesus, por Sua vez, nasceu em circunstâncias em que não havia nenhuma prova contra Ele, mas, sim, uma evidência de que Ele era o predito profeta como Moisés, a quem Ele começou a se assemelhar a partir do momento de Seu nascimento.

Moisés “era mui formoso”, ou “formoso para Deus”, como trazem algumas traduções (At 7.20). Não foi Jesus muito mais reconhecido por Deus, como comprovado pelo cântico dos anjos que glorificaram o Altíssimo no nascimento Dele? E o que dizer do testemunho de Jeová em Seu batismo? “Tu és o Meu Filho amado em quem Me comprazo” (Mc 1.11).

“Moisés foi instruído em toda a ciência dos egípcios, e era poderoso em suas palavras e obras” (At 7.22). Jesus foi grande em sabedoria, de modo que surpreendia a todos os que O conheceram, embora a houvesse adquirido sem ensino humano (Mt 13.54). Jesus é descrito pelos dois discípulos que iam para Emaús como “homem profeta, poderoso em obras e palavras diante de Deus e de todo o povo” (Lc 24.19).

Moisés, caso quisesse, poderia ter morado na casa do rei, muito acima das aflições que se abateram sobre seu povo; e seria uma maneira justa de estar próximo ao trono do Egito, se não no próprio trono. Mas seu coração de compaixão enternecia-se por seus irmãos oprimidos. Ele deixou, então, de forma voluntária, sua glória para tomar parte com o povo aflito de Deus, quando ele tinha 40 anos, e plenamente competente para pesar as conseqüências dessa escolha. Não pode, então, ser Jesus o Profeta como Moisés, se Ele desceu de um trono mais elevado, movido pela compaixão por Israel e o mundo? Será que eles admiram Moisés por sua condescendência desinteressada? Por que, então, não admirar Jesus também pela mesma razão?

Isso não foi tornar-se um profeta como Moisés, embora ainda fosse superior a ele?

Moisés, empenhado com o bem-estar de seu povo, em uma ocasião deu um passo adiante, por meio de um ato público, para testemunhar quão completamente ele havia tomado o lado de Israel. “E, vendo maltratado um deles [israelitas], o defendeu e vingou o ofendido, matando o egípcio” (At 7.24). Não foi a conduta de Jesus como essa, quando Ele avançou para libertar Seu povo da escuridão espiritual, para resgatá-lo da doença e para mostrar Seu poder sobre Satanás e a morte? “Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder, o qual andou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos do diabo, porque Deus era com ele” (At 10.38). Jesus a ninguém feriu com a morte3, mas Ele libertou os oprimidos por demônios e venceu o príncipe deles.

Moisés ficou desapontado em sua tentativa de envolver-se com as aflições de seu povo. “E ele cuidava que seus irmãos entenderiam que Deus lhes havia de dar a liberdade [salvação, na tradução usada pelo autor] pela sua mão, mas eles não entenderam” (7.25). A causa de Jesus foi assim também! Deus estava dando uma salvação superior para Israel e para o mundo, e Jesus iria fazê-los conhecê-la, mas eles não a perceberam! Talvez esse tenha sido o tempo predito da cegueira dos filhos de Israel, quando eles deveriam ver o Messias e Suas obras e não O receberem, deveriam ouvir Suas palavras de sabedoria e não as compreenderem (Is 6).

Temos, a seguir, a descrição da crise do esforço de Moisés. Seu próprio povo estava dividido, a parte injusta prevalecendo (At 7.26). Ele alegremente teria removido as discórdias [entre os israelitas], como um primeiro passo para o salvamento deles. Mas o que fazia mal a seu próximo rejeitou-o, tanto por palavras como por obras. Ele repeliu Moisés e negou sua missão de libertação, reprovando Moisés com próprio ato deste a favor de seu compatriota. Não seria, então, que a bondade e a graça de Jesus com respeito a Israel tenham sido de igual modo incompreendidas pela nação e seu propósito de redimi-la, recusado pela seita orgulhosa e opressora dos fariseus? Não que, em certo sentido, a censura lançada contra Moisés possa ser dirigida contra os judeus. Quando foi solicitado a dividir uma herança entre dois irmãos em desacordo, Jesus se recusou, com palavras como este opositor de Moisés: “Homem, quem Me pôs por juiz ou repartidor entre vós?” (Lc 12.14). Moisés, pela justiça, matou o egípcio. Cristo, na graça, libertou alguns da morte e curou a orelha ferida de um de Seus perseguidores. Moisés foi censurado por seu ato de graça com respeito a Israel, um ato que colocou sua vida em perigo? E não foi a morte de Cristo instigada por ter Ele ressuscitado Lázaro dentre os mortos? Por outro lado, Ele foi insultado na cruz por Seus inimigos com: “Salvou os outros e não pode salvar a Si mesmo” (Mc 15.31).

Qual dos dois partidos, então, eles [os judeus que ouviam Estêvão] diriam estar certo em palavras e atos na primeira ocasião? Moisés? Ou Israel? “Moisés!”, eles responderiam. Talvez, então, a rejeição a Jesus por parte da nação era como o mal nos dias deles, como a recusa de Moisés tinha sido nos dias de outrora!

Poderia Deus amar Moisés e estar com ele, apesar da rejeição nacional? Isso não pode ser verdade com respeito a Jesus? É a Pedra rejeitada, rejeitada pelos construtores cegos de Israel, que um dia será a Pedra de esquina.

Desse modo, Moisés, rejeitado, está em perigo de vida e foge. Por 40 anos, ele se demora em outra terra; ali encontra uma esposa e tem uma família. Jesus rejeitado poderia ter fugido, mas, por amor a outros, entregou Sua vida. Enquanto não está pronto, Israel se afasta para outra região, onde é gratamente recebido. Se Jesus deve se afastar de Seu povo por um tempo maior do que o de Moisés, Ele ainda seria o único semelhante a Seu antecessor, e Sua ausência de Seu povo cego e oprimido não seria nenhuma prova contra Sua missão divina, mas, sim, a favor dela.

Avançamos para a segunda e, desta vez, bem-sucedida visita a Israel. “E, completados quarenta anos, apareceu-lhe o anjo do Senhor no deserto do monte Sinais, numa chama de fogo no meio de uma sarça” (At 7.30). A primeira aparição de Deus a Abraão originou a dispensação patriarcal. Essa aparição de Jeová a Moisés originou a dispensação mosaica.

De Moisés se pode dizer que sua primeira tentativa de libertar Israel havia sido prematura. Ele agiu provocado por seus sentimentos naturais, não endossado por qualquer comissão sobrenatural de Deus. Foi apenas na segunda ocasião que milagres lhe foram dados, e, assim, ele foi bem-sucedido.

Mas da missão de Jesus isso não poderia ser dito. Deus apareceu a Jesus em Seu batismo. O novo nome de Deus, como Pai, Filho e Espírito, estava lá exibido no ato. Moisés foi obrigado a perguntar o nome de Deus que ele deveria apresentar a Israel; Jesus estava ciente dele: Ele é o Filho. Moisés tem medo, e é avisado para não se aproximar sem preparação. Jesus não tem medo, e sobre Ele o céu se abriu e o Espírito desceu e repousou sobre Ele. Não há aqui um maior do que Moisés?

Mas se for dito: “O aparecimento de Moisés teve lugar depois de sua rejeição e de sua fuga”, nós ainda encontraremos novas semelhanças que se revelam e novas superioridades. Pela intercessão do Cristo ascenso, como Pedro testemunha, o Espírito Santo, como o anjo (ou O enviado) do Senhor, desce em fogo sobre os discípulos do Cristo rejeitado. Não poderiam eles, então, ser a sarça que queimava, mas não se consumia? Moisés se maravilhou da visão. E não se maravilharam os homens de Israel vindos de todas as nações, quando o Espírito Santo desceu em vento e fogo, deu aos 120 que falassem novas línguas, enquanto línguas de fogo que não consumia estavam sobre a cabeça deles? Do fogo da sarça saiu a voz de Jeová, testificando que Ele era o Deus dos pais. Não podem, assim, os testemunhos dos apóstolos inspirados serem verdade: que essa nova manifestação veio do Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó (At 313,25; 5.30; 22.14).

Onde foi que aconteceu essa manifestação de Deus nos dias de Moisés? Na Terra Santa e em seu templo? Não, mas antes de qualquer tabernáculo ou templo terem sido construídas, no deserto da Arábia! Por que, então, eles [os judeus que apedrejavam Estêvão] deviam imaginar, que a revelação de Si mesmo que Deus fazia fora confinada ao templo ou que Ele era obrigado a morar apenas lá? Não foi essa aparição de Deus no deserto a Moisés que anulou quaisquer antigos locais de moradia de Deus, se eles existissem? Então, não poderia ser verdade que a Igreja de Deus, Sua casa de pedras vivas [e obedientes4], fosse o lugar de Sua morada atual, deixando de lado o templo de Herodes?

Enquanto Moisés era rejeitado, Israel continuava sob opressão dos gentios. Então, não pode ser verdade, se Jesus fosse o profeta como Moisés, e superior a ele, que Israel pudesse continuar cego em relação a Deus e oprimido por homens, enquanto rejeitar Jesus, por mais longo que esse tempo possa ser?

“Agora, pois, vem, e enviar-te-ei ao Egito” (At 7.34).

“A este Moisés, ao qual eles haviam negado, dizendo: Quem te constituiu príncipe e juiz?, a este enviou Deus como príncipe e libertador, pela mão do anjo que lhe aparecera na sarça” (v. 35).5

A nação negou Moisés e o afastou. Negou-o naqueles exatos aspectos em que, como ele viu, o Deus de Israel desejava usá-lo. A nação estava certa em sua negação? Eles [os contemporâneos de Estêvão] diziam: “Não!” Não pode, então, a nação estar errada em outra negação, esta diante de Pilatos? O Espírito Santo os acusou disso: “”O Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó, o Deus de nossos pais, glorificou Seu Filho [servo6, na versão usada pelo autor], Jesus, a quem vós entregastes e perante a face de Pilatos negastes7, tendo ele determinado que fosse solto. Mas vós negastes o Santo e o Justo e pedistes que se vos desse um homem homicida. E matastes o Príncipe da vida, ao qual Deus ressuscitou dentre os mortos” (3.13-15). Não poderia, então, Jesus, apesar de ser o rejeitou de Israel, ser, no entanto, o Escolhido de Deus? Ainda que vos, ó homens de Israel, diante de Pilatos tenhais rejeitado a Jesus como seu rei, Ele não pode ainda ser o Rei eleito de Deus? A boa vontade de Deus e Seu conselho para o futuro não foram mais plenamente declarados na ressurreição de Jesus dentre os mortos do que na extensão da vida de Moisés? Sim! Jesus é, portanto, declarado ser o Juiz de todos (10.42; 17.31). Talvez, então, Jesus seja o libertador de há muito esperado! Sua rejeição por parte dos grandes homens de Israel fez os dois no caminho de Emaús vacilarem. Mas o Salvador rapidamente os endireitou: “Porventura não convinha que o Cristo padecesse [primeiro] estas coisas e [então] entrasse na Sua glória?” (Lc 24.26). Não deveria a Pedra que seria a Pedra de esquina ser primeiramente rejeitada pelos sábios construtores de Israel? Na rejeição de Moisés por Israel, a quem isso condena? A Moisés? Ou a Israel? Talvez, então, a condenação deles a Jesus não era além da luta de Israel contra o Escolhido de Deus, e uma condenação de si mesmo!

Moisés, no trabalho de libertação, não estava sozinho. Uma Pessoa Divina participou com Seu mandamento divino para organizar tudo e para acabar com todo o poder humano com a força divina. E não foi a mesma coisa, em parte, mostrada quando o Espírito Divino, no batismo de Jesus, desceu sobre Ele? Então, Ele começou a agir publicamente na sabedoria e no poder de Deus. Isso não foi algo superior à comissão de Moisés no deserto? E o que havia acontecido depois disso? Não tinham ouvido todos de Jerusalém a respeito da descida do Espírito Santo no Pentecostes, em vento e fogo? E da sabedoria divina e do poder de milagres que se seguiram, atestando, então, de Jesus como o Libertador ascenso?

“Foi este [Moisés] que os conduziu para fora, fazendo prodígios e sinais na terra do Egito, e no Mar Vermelho e no deserto por quarenta anos” (At 7.36).

Repetidamente, aquele que fala [Estêvão] justapõe, a sua contrariada audiência, a identidade do Escolhido de Deus com a daquele que foi negado pelos pais! Eles [os israelitas do passado] falaram de Moisés naquele dia de outrora com desprezo: “Este Moisés” (v. 35). Agora, eram homens dos dias de Estêvão que, com desprezo similar, tratavam o Senhor da glória: “Esse Jesus Nazareno” (6.14). Nos dias de Estêvão, a nação inteira se levantou para vingar no mártir um suposto desrespeito contra Moisés, embora, mesmo sem nenhuma palavra pronunciada! Talvez, então, um dia as coisas possam se inverter no que dizem respeito a Jesus, e a nação possa adorá-Lo e regozijar-se Nele como seu libertador a quem seus pais perseguiram e mataram!

Moisés, que na primeira aparição a Israel não operou nenhum milagre, na segunda ocasião não veio armado com o poder de realizar sinais e maravilhas? Como, então, não pode ser crido que Jesus, o qual em Seu primeiro apelo a Israel mostrou sinais e maravilhas maiores e mais numerosos do que os de Moisés, opere prodígios ainda maiores na ainda futura libertação de Israel?

Por um período de 40 anos, milagres no Egito, no Mar Vermelho e no deserto ocorreram. Não pode, então, haver um período em que, de acordo com o pacto de maravilhas feito com Moisés (Êx 34), a mão de Deus fira e resgate pelo poder de Jesus seja vista?

“Este é aquele Moisés que disse aos filhos de Israel: O Senhor, vosso Deus, vos levantará dentre vossos irmãos um profeta como eu; a ele ouvireis” (At 7.37).

Moisés, o outrora rejeitado de Israel, predisse um profeta que seria como ele. Ele seria como Moisés em poder, em caráter e em história. Talvez, então, Moisés tenha dado a entender que o Profeta que viria a seguir e que seria como ele seria semelhante a ele também ao ser rejeitado por Israel em Sua primeira aparição! Se assim for, essa rejeição a Jesus por Sua nação não era nenhuma prova contra Sua missão dada por Deus, mas, sim, uma testemunha a seu favor! Moisés pôde testemunhar dos filhos de seu povo que eles tinham sido rebeldes contra o Senhor desde que os conhecera (Dt 9.7). Talvez o profeta que fora predito teria o mesmo testemunho a dar, um testemunho não aplicável a Sua própria condenação, mas para a condenação de Israel!

“A Ele ouvireis” (At 7.37).

Oh! Então, esse novo profeta deveria ser também um doador de lei, um emitente de mandamentos divinos! Talvez esses mandamentos possam ser uma revogação de alguns ou de todos aqueles de Moisés! Então, não seria blasfêmia contra Moisés testemunhar que o profeta que ele predissera havia chegado e que o novo profeta deveria ser ouvido, de preferência ao velho. Moisés não mudara os costumes dos pais? Para ser como Moisés, então, Jesus deveria mudar os deles [os contemporâneos de Estêvão]!

Moisés era manso? Jesus foi ainda mais manso. Certa vez, Moisés, sob forte provocação, orou contra seus oponentes. Jesus permitiu aos Seus que procedessem a flagelação, as cuspidas, as zombarias e a crucificação!

Nesse ponto, o mártir se volta contra seus acusadores com imensa força: “Vocês me acusam de blasfêmia contra Moisés. Vocês lhe obedecem? Vocês não estão em evidente oposição a ele? Ele predisse um sucessor para si mesmo, que seria guia e legislador para Israel. Vocês O rejeitaram; mais que isso, vocês O negaram e mataram. Você falam Dele com desprezo. Agora, em tudo isso, vocês não estão sendo testemunhas contra si mesmos? Seus pais não lançaram sobre Moisés as mesmas provocações que vocês lançam contra Jesus? Jesus, então, é o profeta como Moisés; é como ele em história e na comissão dada por Deus; é como ele em caráter é como ele também em sua rejeição por Israel.”

“Este é o que esteve entre a congregação no deserto, com o anjo que lhe falava no monte Sinai e com nossos pais, o qual recebeu as palavras de vida para no-las dar” (At 7.38).

A glória de Moisés foi vista não só na libertação de Israel, mas em sua presença com a congregação de Deus durante os quarenta anos no deserto. Jesus também não fez uma congregação, a quem Ele liderou tão verdadeiramente como Moisés? Se eles insultassem os seguidores de Jesus com sua rejeição, com a perda da herança e com sofrimentos, os discípulos poderiam responder: “Sim, esse Jesus que nos tirou do mundo nos indicou um enterro sob as águas e uma ressurreição a partir dali, que corresponde à passagem de Israel pelo Mar Vermelho. Nossa libertação é muito maior do que a antiga, e se encontrarmos problemas agora, isso apenas corresponde às provações da anterior congregação8 (ou “igreja”) de Deus no deserto. Cristo ainda está conosco, como Moisés estava com Israel, apesar das provações do povo no deserto.”’

Mas Moisés não estava sozinho em sua tarefa no deserto. Com ele foi o anjo do Senhor, o anjo da aliança, Aquele que falou com ele no monte Sinai. Então, podemos dizer de Jesus: “Eis que Eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos [ou da era]. Amém.” (Mt 28.20). E não poderia Estêvão gabar-se de que o Espírito Santo ainda habitava com [os membros obedientes d]a Igreja de Cristo? Ele também não era um anjo falando? Não estavam profetas em todos os lugares cuja palavra era: “Assim diz o Espírito Santo”? Moisés teria ficado feliz por terem todos do povo do Senhor sinalizados pelo Espírito sobre eles. Estêvão podia afirmar que esse desejo de Moisés fora cumprido em todos os crentes daquele dia. O Senhor tinha visivelmente dado o Espírito em poder a todos os que obedeceram a Jesus. Eles receberam dons ou de palavra ou de atos. Pedro já tinha apelado para isso como um poderoso testemunho a seu favor (At 5.32).

Será que Deus do passado falou no deserto? Ele estava, naquele momento, falando a Israel em sua terra. Será que o Senhor distribuiu do Espírito que estava sobre Moisés a setenta anciãos? Não seria maior do que Moisés Aquele que concedeu profecia, ou línguas ou cura a cada um que O aceitou?

Eram vivos os oráculos de Moisés? Os oráculos de Cristo, pelo Espírito Santo, davam vida. Eles testemunham Daquele que é ressurreição e vida.

“Ao qual nossos pais não quiseram obedecer, antes o rejeitaram e em seu coração se tornaram ao Egito, dizendo a Arão: Faze-nos deuses que vão adiante de nós, porque a esse Moisés, que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu” (At 7.39,40).

O paralelo e sua força ainda continuam e se aprofundam. Mesmo depois de Israel ter visto as maravilhas operadas por Deus por intermédio de Moisés e ter-lhe reconhecido como seu libertador, eles não amavam obedecer. Eles não estavam satisfeitos com as restrições sob as quais ele os tinha liderado; e rejeitaram-no com desprezo, mesmo quando falaram dele para Arão, seu irmão. Eles desejavam ser não o povo separado de Deus, mas ser como as nações. Também nos dias de Estêvão, os herodianos, homens que glorificavam os romanos e adotavam suas práticas, eram sinais da terrível incredulidade de Israel nos últimos dias.

Moisés, por causa de sua ausência, invisível no monte, mas aparecendo na presença do Senhor por causa do povo, foi desprezado e deixado de lado pelas tribos, e, com ele, seu Deus. Mas o que é dito dos homens dos dias de Estêvão zombando de Jesus: “O que aconteceu com seu Cristo?”? A mesma provocação que seus pais haviam lançado a Moisés. A mesma resposta deveria ser dada quanto a Moisés, como os discípulos de Jesus deram a respeito de Cristo: “Ele está no alto, na presença de Deus por nós”. Mas a boca de Arão foi impedida de dar esse testemunho, pois ele com os outros anciãos tinham, na incredulidade, deixado o lugar que Moisés lhes tinha atribuído (Êx 24.14).

O desprezo que os judeus daquela época estavam expressando por Jesus – “Esse Jesus Nazareno há de destruir este lugar” –, seus pais o haviam pronunciado da mesma maneira contra Moisés: “Porque a esse Moisés, que nos tirou da terra do Egito, não sabemos o que lhe aconteceu”. Isso foi particularmente mordaz. Cerca de seis ou sete vezes o mártir faz uso da palavra de desprezo dele para glorificar Moisés, e revelar-lhes a oposição entre os pensamentos divinos de Moisés e os da nação. “A este Moisés, ao qual haviam negado […] a esse enviou Deus” (v. 35). “Foi este [Moisés] que os conduziu” (v. 36). “Este é aquele Moisés que disse […]” (v. 37). “Este [Moisés] é o que esteve entre a congregação no deserto” (v. 38).

“E naqueles dias fizeram o bezerro, e ofereceram sacrifícios ao ídolo e se alegraram nas obras das suas mãos” (v. 41).

O resultado da incredulidade de Israel quanto ao retorno de Moisés do monte foi idolatria. Moisés e seu Deus foram juntos colocados de lado. Está acontecendo exatamente o mesmo agora, em nossos dias. Com a cessação da expectativa com respeito ao retorno de Cristo, há cada vez mais uma inclinação em direção a imagens. E, embora Israel nos dias de Estêvão se opusesse aos ídolos, irá, no entanto, nos últimos dias cair na idolatria. Isso é sugerido na parábola do Salvador sobre o retorno do espírito mau para a casa que ele voluntariamente tinha deixado por algum tempo. Ele irá retornar com sete espíritos piores do que si mesmo (Mt 12).

Isso é-nos mostrado em Apocalipse 9.20, 21. Nos dias de Moisés, os israelitas adoraram um bezerro. Nos últimos dias, haverá a adoração a Satanás e a seu rei besta selvagem (cap. 13). Com a rejeição ao Cordeiro e a Seu Pai, Satanás, seu rei blasfemo e o falso profeta tomarão lugar.

“Mas Deus se afastou e os abandonou a que servissem ao exército do céu, como está escrito no livro dos profetas: Porventura me oferecestes vítimas e sacrifícios no deserto por quarenta anos, ó casa de Israel? Antes tomastes o tabernáculo de Moloque e a estrela do vosso deus Renfã, figuras que vós fizestes para as adorar. Transportar-vos-ei, pois, para além da Babilônia” (At 7.42,43).

Deus estava tão descontente com esse ato de idolatria nos dias de Moisés, que judicialmente entregou o povo ao culto ao exército do céu. E, em conseqüência direta, surgiu um sistema de adoração falsa, zombando das promessas e das esperanças dadas por Jeová. Eles carregavam no deserto um tabernáculo rival, dedicada ao rei Moloque, o rei do céu. Eles também carregavam a estrela de Renfã, que significa “O que cura”. Assim, em lugar vez de “O Senhor que te sara” (Jeová Rafá [heb.], Êx 15.26) e da estrela que procederia de Jacó, com o cetro que subiria de Israel (Nm 24.17), eles criaram uma falsa adoração de acordo com sua própria concepção. Jesus, em cujo nascimento apareceu a verdadeira estrela, Jesus, o verdadeiro Rei do céu e rei dos judeus, em Sua vida tinha se mostrado como o que curava cada enfermidade e cada doença das pessoas. Quando Jesus foi rejeitado, o julgamento de Deus sobre Israel poderia ter sido muito mais grave e Seu abandono mais completo no dia por vir do que no primeiro caso. Amós tinha previsto um cativeiro ainda por vir. E quando isso acontecer, poderia ser diferente de o templo reconstruído de Herodes ser novamente destruído, como tinha sido o anterior?9

Essa passagem do discurso de Estêvão é dirigida contra determinados idéias e fundamentos falaciosos de Israel sobre esse assunto, expressas do seguinte modo: “Deus não pode tirar-nos de novo de nossa terra, pois nós não somos idólatras, como nossos pais foram. Nós somos obedientes a Moisés, zelosos de suas leis, odiamos ídolos. A nós, então, e a nosso tempo pertencem as promessas de Jeremias, Ezequiel e Zacarias: de que Jerusalém, seu templo e sua nação não serão arrancados ou derrubados para sempre”.

Não é assim. Deus nunca perdoou Israel pelo pecado do bezerro (Êx 32.35). A idolatria irrompeu novamente na terra, e sob os reis (1Rs 12). Seu terceiro e último aspecto ainda está por vir, que será os dias de cativeiro de Israel, no dia da grande tribulação.

A parte do discurso de Estêvão que se segue refere-se à acusação de ele ter blasfemado contra o templo.

“Estava entre nossos pais no deserto o tabernáculo do testemunho [ou de testemunha], como ordenara Aquele que disse a Moisés que o fizesse segundo o modelo que tinha visto” (At 7.44).

Eles se gabavam do templo e de Moisés. Mas Moisés e os pais tinham apenas um templo em movimento. Aquele só era adequado para sua freqüente mudança de lugar. Ele também era “o tabernáculo do testemunho”, não “o templo da realização [dos tipos e das profecias]”. Esse edifício prestou testemunho em vários aspectos.

  1. Contra a idolatria dos israelitas. Não era o tabernáculo de Jeová um testemunho contra o de Moloque? Como o tabernáculo de Jeová, que comportava Sua arca da aliança, foi um testemunho das coisas melhores por vir de acordo com Suas promessas, assim o tabernáculo de Moloque era nada mais que um símbolo dos dias sombrios de juízo de Deus ainda por vir. O primeiro proclamava que povo deveria entrar na terra e os inimigos das tribos, exterminados, enquanto o outro indicava o triunfo dos inimigos de Israel e as tribos sendo varridas para fora da terra da promessa de Jeová.
  2. Mas o tabernáculo do testemunho feito por Moisés também fora um testemunho de um sistema de coisas ainda por vir, muito superior a si mesmo. Pois Moisés, como mediador de Israel, subiu a Deus, estava no meio do tabernáculo celestial e viu os modelos [pelos quais o tabernáculo e seus móveis deveriam ser feitos] lá em cima, os quais, quando desceu, deveria copiar. Assim, o tabernáculo terrestre e o templo que se seguiu foram testemunhas do tabernáculo celestial do qual Estêvão dava testemunho como sendo aquele em que Jesus tinha entrado. [Estêvão poderia ter dito:] “Vocês se vangloriam do tabernáculo terrestre. Mas os vasos e móveis dele são apenas cópias daqueles em meio aos quais nosso Mediador e Sacerdote ascenso, o Senhor Jesus, está ministrando (Hb 9). É onde Deus está agora, e Jesus é, como Moisés, Mediador de uma aliança, de uma melhor aliança, tanto quanto as coisas celestiais são superiores às da terra”.

“O qual [tabernáculo], nossos pais, recebendo-o também, o levaram com Josué [nome hebraico com o mesmo significado de Jesus: Jeová salva] quando entraram na posse das nações que Deus lançou para fora da presença de nossos pais, até os dias de Davi, que achou graça diante de Deus e pediu que pudesse achar tabernáculo para o Deus de Jacó. E Salomão lhe edificou casa” (At 7.45-47).

O lugar de adoração sob Moisés, e mesmo por quatrocentos anos, era apenas uma tenda, movida de um lugar para outro. Davi desejou construir uma casa para o Senhor, mas, ainda que tenha encontrado grande favor com Jeová, não lhe foi permitido. Foi muito significativo que Moisés não tenha podido levar seu povo para terra da promessa. Ele teve de dar lugar a Jesus (Josué, em hebraico). Não poderia, então, ser Jesus, a quem desprezaram, o conquistador, Aquele que lhes deve dar a posse de sua terra em um dia por vir e derrubar os inimigos gentios, como os profetas predisseram?

“Mas o Altíssimo não habita em templos feitos por mãos de homens, como diz o profeta: ‘O céu é o meu trono e a terra, o escabelo dos meus pés. Que casa me edificareis?’, diz o Senhor, ‘Ou qual é o lugar do meu repouso? Porventura não fez a minha mão todas estas coisas?’” (At 7.48-50).

Embora, no passado, o Senhor tenha prometido um dia habitar em Jerusalém, e no templo da cidade (S. 68.16; 132.14; Ez 43.7), isso ainda não foi cumprido. Ele havia deixado a terra e voltado ao céu, como mostrou Ezequiel (8.4; 9.3; 10.3,4,18,19; 11.22,23). Para lá Jesus tinha foi, como os apóstolos haviam testemunhado à nação de Israel (At 2; 3). Na devoção de Israel ao templo terreno, como o local de residência de Deus naquela época, a nação estava realmente lutando contra Deus.

Assim, o mártir tem mostrado que Jeová não estava vinculado a nenhum lugar de manifestação. Ele havia se revelado a Abraão na Mesopotâmia; a Moisés, na sarça do deserto e no topo da montanha. Então, Ele se mudou de lugar para lugar, com as peregrinações de Seu povo. Mesmo quando o povo entrou na terra, havia ainda apenas uma tenda, por longos anos. Embora Deus tenha prometido habitar no templo de Salomão, seria apenas em certas condições, com a quebra das quais o Senhor abandonaria a morada que o homem tinha feito. Portanto, não era uma blasfêmia contra Deus dizer, como Jesus tinha dito, que o templo reconstruído por Herodes deveria ser destruído.

“Homens de dura cerviz e incircuncisos de coração e de ouvido, vós sempre resistis ao Espírito Santo; assim, vós sois como vossos pais. A qual dos profetas não perseguiram vossos pais? Até mataram os que anteriormente anunciaram a vinda do Justo, do qual vós agora fostes traidores e homicidas; vós, que recebestes a lei por ordenação de anjos e não a guardastes” (At 7.51-53).

A circuncisão era o orgulho de israelitas. O mártir tira esse orgulho deles. Eles tiveram a circuncisão na carne, mas não no espírito; o sinal, não a coisa significada. Seu próprio Moisés os havia censurado, como sendo de dura cerviz, rebeldes contra Deus e cegos. Eles se recusaram a se converter do mal por qualquer testemunho (Lv 26.41; Dt 10.16). O coração deles rejeitava os mandamentos de Deus. Além disso, eles se recusavam até mesmo a ouvir as palavras do Senhor, proferidas por Estêvão, o inspirado, como, naquela ocasião, viriam a demonstrar.

Eram os homens diante de Estêvão melhores do que seus pais? De maneira nenhuma! Eles rejeitaram o Filho de Deus. Após o Espírito descer para dar testemunho do Filho, rejeitaram o Espírito também. Eles haviam rejeitado os profetas e os perseguido. Mesmo aqueles em cuja boca Deus havia posto mensagens de esperança, sobre o Libertador por vir, foram maltratados e mortos. Como, então, eles podiam imaginar que sua condenação nacional e oficial a Cristo realmente refutada as reivindicações que Ele fazia? Isso somente os condenava. Isso mostrou apenas que o espírito de todos de Israel ao longo do tempo era do mesmo tipo. Se eles mataram os precursores do Messias, homens inspirados pelo Espírito Santo, por que se admirar de que houvessem matado o próprio Messias?

Jesus aqui é identificado por um título particular: “o Justo”. Os salmos freqüentemente falam das aflições do justo. Os israelitas testemunharam de conspirar contra Ele, de discursar orgulhosamente contra Ele e de terem-No vendido. Mas tanto os salmos como os profetas testemunharam Sua glória futura. “Ele verá o fruto do trabalho da Sua alma e ficará satisfeito; com o Seu conhecimento o Meu servo, o justo, justificará a muitos; porque as iniqüidades deles levará sobre Si” (Is 53.11). “Levantarei a Davi um Renovo justo; e, sendo rei, reinará e agirá sabiamente, e praticará o juízo e a justiça na terra”(Jr 23.5; Zc 9.9).

Um homem foi distinguido acima do mundo dos pecadores como “Jesus Cristo, o justo” (1Jo 2.1). Como os israelitas tinham servido a Ele? Eles o traíram entregando-O aos romanos e levando-O à morte.

Mas eles não eram estritos observadores da lei? Não! Embora os anjos a tenham proclamado, eles e seus pais a haviam desobedecido toda, especialmente em sua recusa ao profeta predito por Moisés e pela crucificação do Justo.

Tal era o testemunho do Espírito Santo contra aqueles homens de justiça própria. Tal era o desmanchar-se de todos os seus argumentos! Uma declaração tranquila de fatos inegáveis dada por Deus espatifou todas as objeções de confiança deles. O efeito do discurso é dado notavelmente, mais ainda no original do que na tradução.

“E, ouvindo eles isto, enfureciam-se em seu coração e rangiam os dentes contra ele” (At 7.54).

Eles se recusaram a aceitar o testemunho. Portanto, eles estavam atribulados com a verdade. Ela não poderia ser negada. Era mais forte que o coração deles. Eles podiam resistir como madeira, mas a verdade era forte como ferro, afiada com muitos dentes como a serra10. Cada declaração era uma nova ponta a perfurá-los. Isso foi entregue com o poder do Espírito Santo. Eles não iriam ceder, mas exibiram com raiva seu ódio pela verdade. Eles eram como os próprios condenados. Ranger os dentes é uma das características dos perdidos. Aqui, os transgressores rangem os dentes contra o inspirado pelo Espírito Santo, o homem que era justo por meio da fé. Pois isso foi escrito: “O ímpio maquina contra o justo e contra ele range os dentes. O Senhor se rirá dele, pois vê que vem chegando o seu dia” (Sl 37.12,13; 112.10; 35.16).

O mensageiro do Senhor foi odiado com uma malícia que não pôde conter até mesmo sua expressão visível. Isso mostra quão completamente todo o discurso falou contra os sentimentos e os argumentos deles.

Faltava-lhes, porém, mais um ponto.

“Mas ele, estando cheio do Espírito Santo, fixando os olhos no céu, viu a glória de Deus e Jesus, que estava à direita de Deus. E disse: ‘Eis que vejo os céus abertos e o Filho do homem, que está em pé à mão direita de Deus’” (At 7.55,56).

Ele tinha provado o argumento de que Deus não estava ligado a qualquer lugar na terra. Ele tinha apresentado o testemunho de Moisés, de que havia um melhor santuário de Deus do que aquele que o homem edificou na terra. Ele citou o profeta como uma prova de que, nesta dispensação, Deus não habita em templos feitos por mãos na terra. Mas agora Estêvão está ainda a se tornar uma testemunha ocular do verdadeiro templo e da glória de Deus no céu. Lá, ele contempla a Jesus, a quem eles rejeitaram, de pé no lugar da mais alta honra com Deus, onde nem Moisés nem Elias são vistos.

O discurso tinha mostrado que, apesar da condenação dos israelitas a Jesus, Ele pôde subir aos céus. Mas agora Estêvão, com os olhos abertos pelo Espírito de Deus, pode testemunhar: “Ele está no céu, eu O vejo!”

Ele chama Jesus de “Filho do homem”. Esse é Seu título em Daniel 7.13,14. Foi Dele, então, que Daniel falou como o governante de toda a terra. Esse é o título do Governador de todas as coisas no céu e na terra (Sl 8) no prometido dia da glória.

Isso não podia ser suportado. Como a víbora surda, eles taparam os ouvidos, recusando-se a ouvir a verdade (Sl 58.4.) Eles se apressam sobre ele com pés ligeiros para derramar sangue. Eles lançam pedras, e dessa forma muitos puderam tomar parte em sua morte.

Eles o lançaram fora da cidade, como fizeram com nosso Senhor, porque o discípulo que é perfeito será como seu Mestre.

Ele ora a Jesus, como o Salvador, ao partir, orou ao Pai: “Senhor Jesus, recebe o meu espírito” (At 7.59). O Redentor, então, é “o Senhor” do salmo 110. O Pai fez do Jesus rejeitado Senhor e Cristo. Estêvão, portanto, O tem como Adonai, ou Senhor, Senhor Jesus. “Senhor, não lhes imputes este pecado” (At 7.60). O antigo sumo sacerdote é contra ele, mas o novo Sumo Sacerdote no céu está do seu lado, uma Ajuda divina. Com o sangue da nova aliança é também vindo um novo espírito, muito além do antigo. Quando “o Espírito de Deus revestiu a Zacarias, filho do sacerdote Joiada” para testemunhar contra a idolatria de Israel, “eles conspiraram contra ele e o apedrejaram por mandado do rei, no pátio da casa do Senhor […] o qual, morrendo, disse: O Senhor o verá e o requererá” (2Cr 24.18-22). Assim, no mesmo ano, os inimigos entraram na terra, roubaram-na e mataram os príncipes do povo, enquanto o rei assassino era morto por seus próprios servos que conspiraram contra ele.

No caso do presente mártir, a terra se fechou contra o homem de fé, o inspirado pelo Espírito de Cristo. Mas o céu se abriu para ele, e, pela visão das glórias lá, ele pôde ignorar a tempestade na terra. A morte, para ele, foi roubada de seu aguilhão. Ele apenas “adormeceu” (At 7.60). Na primeira e bendita ressurreição ele reinará com seu Mestre.

De todo o argumento, então, vemos que uma nova dispensação deve surgir a fim de cumprir as promessas feitas aos patriarcas, a Israel e à Igreja de Cristo. O tempo do cumprimento das esperanças dos patriarcas nunca havia chegado a eles. Eles estão esperando. O banquete não pode começar até que todos os convidados estejam assentados e o Rei se coloque em Seu verdadeiro lugar (Mt 22.1-14). Para nós, se aceitos por Cristo, o lugar mais elevado na era que está chegando deverá ser atribuído (Hb 11.39,40).

Agora é o tempo da paciência de Deus, de chamamento de um mundo mau ao arrependimento, de chamamento para os homens de fé saírem do mundo a fim de trabalhar e sofrer por e com um Cristo rejeitado. O reino da glória por vir está diante de nós, como conforto para nós sob provações por Cristo e como recompensa e prêmio de nossa vocação (Fp 3). Logo, os dias de vingança pelo sangue dos mártires irão cair sobre a terra, e os discípulos vigilantes serão guardados da hora da tentação que há de vir sobre toda a terra habitável, para testar seus moradores e exibir sua pecaminosidade (Mt 23; 24; Ap 16). Naquele dia, a glória de Jesus vai encher o céu e a terra, e Israel vai lamentar sua cegueira e suas transgressões contra Ele. Então, aqueles que trabalharam por Cristo e sofreram com Ele, com Ele serão exaltados e reinarão mil anos (Ap 20.4-6).

Coragem, então, cristãos que sofrem por Cristo! A semente inferior de Abraão foi deixada em cativeiro e provações por 400 anos. Por que admirar-se, então, se a semente superior da fé de Abraão é chamada a sofrer muito e por um período mais longo? Nosso chamado não é para consertar o mundo e encontrar nossa porção aqui embaixo, nessa vida fugaz. Mas devemos esperar até que o Redentor vem, até que os mortos em Cristo despertem e o Salvador distribua Seus galardões a Seus servos fiéis. Que estejamos entre os que se reunirão em alegria naquele dia!

Notas

1 Judeus que anteriormente eram escravos romanos, mas haviam sido libertados por seus amos. (N. do E.)

2 “Jacó desceu ao Egito, e morreu, ele e nossos pais; e foram transportados para Siquém e depositados na sepultura que Abraão comprara por certa soma de dinheiro aos filhos de Hamor, pai de Siquém” (At 7.15,16). “A memória de Estêvão tropeçou aqui? Não foi de Efrom, o heteu, a sepultura que Abraão comprou (Gn 23)? E não estava a caverna de Macpela situada não em Siquém, mas em Hebrom?” Sim, se (1) a leitura do grego está correta e (2) se o mártir se refere à mesma transação registrada em Gênesis 23. (2) Mas, disso podemos bem duvidar. Nem tudo o que Abraão ou Jacó fez está escrito (48.22). (1) A leitura atual pode não ser aceita. Tregelles, com a autoridade de bons manuscritos, lê: “Que Abraão comprara por certa soma de dinheiro aos filhos de Hamor em Siquém”. (N. do E.)

A American Standard Version, a English Standard Version e a International Standard Version trazem essa forma, enquanto a tradução de Darby e a King James Version trazem “father” (pai) em itálico, indicando que a palavra não se encontra nos originais utilizados. (N. do T.)

3 Isto é, durante o tempo de Sua primeira vinda à terra, mas isso não se aplica ao futuro: “E ferirei de morte a seus filhos, e todas as igrejas saberão que Eu sou Aquele que sonda os rins e os corações. E darei a cada um de vós segundo as vossas obras” (Ap 2.23). (N. do E.)

4 Ver At 5.32. (N. do E.)

5 Moisés disse: “Toma minha vida”; Jesus deu Sua vida. (N. do E.)

6 Referência ao “servo, o justo” de Is 53.11. Paulo é o primeiro a dar testemunho de Cristo como “o Filho” (At 9). (N. do E.)

7 Mesma palavra de At 7.35. (N. do E.)

8 A palavra grega ekklesia é traduzida por “congregação” em At 7.38 (a KJ traduz por “igreja” nesse versículo), mas também por “igreja”, “ajuntamento” (19.32) e “assembléia” (vv. 39,41). (N. do T.)

9 Isso se refere ao cerco de Jerusalém no ano 70 (aproximadamente 35 anos após o discurso de Estêvão) pelo general romano Tito. Na ocasião, a cidade foi saqueada e o templo, queimado e demolido. (N. do T.)

10 “When they heard these things, they were cut to the heart” (KJV). Foram cortados, feridos, retalhados, lancetados, feridos no coração, como se tivessem sido serrados ao meio [idéia dada pelo verbo grego]. Todos ficaram cheios de angústia, com grande dor e desconforto; eles estavam cheios de ira e de loucura e não podia suportar nem a si mesmos nem a Estêvão. (John Gill, adaptado) (N. do T.)


(Traduzido por Francisco Nunes de Stephen’s Accusation, Defence, and Martyrdom, de Robert Govett. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)

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Cativeiro no Senhor (T. Austin-Sparks)

Plantado como semente na prisão

“Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (Ef 3.1).

“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (4.1).

“Sofro trabalhos e até prisões, como um malfeitor; mas a palavra de Deus não está presa” (2Tm 2.9).

“Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes participa das aflições do evangelho segundo o poder de Deus” (2Tm 1.8).

Há um sentido muito real em que o apóstolo Paulo, em sua pessoa e experiência, foi uma corporificação da história da Igreja nesta era. Na verdade, parece ser um princípio na economia divina que aqueles a quem uma revelação foi confiada devem tê-la tão trabalhada em seu próprio ser e em sua história que sejam capazes de dizer: “Eu sou um sinal para vocês”. Ao considerar os trechos citados, vemos que o fim da vida de Paulo experimentou um processo de estreitamento e limitação operando por meio de “uma grande apostasia”, por um lado, e um confinamento do geral para o específico, em que ele, Paulo, representou o testemunho do outro. Isso é precisamente o que está predito quanto às condições relativas ao “fim”, e não é sem importância que seja especialmente mencionado nas declarações proféticas a Timóteo, na carta final. Desse modo, a ocorrência da expressão “o prisioneiro do [no] Senhor” nos últimos escritos é profética em seu significado, e maravilhosamente explicativa da forma final da soberania do Senhor.

O que temos aqui, então, é

1. O instrumento do testemunho do Senhor em um lugar de limitação, pela vontade de Deus.

Ao lermos o registro dos incidentes que levaram Paulo a Roma como prisioneiro – especialmente quando lemos as palavras de Agripa: “Bem podia soltar-se este homem, se não houvera apelado para César” (At 26.32) –, não podemos deixar de sentir que houve erros e acidentes, mas para os quais poderia ter havido um resultado muito mais propício, e o ministério geral do apóstolo poderia ter-se estendido. Pode ter havido momentos de estresse, quando o próprio Paulo foi tentado a se perguntar se não tinha sido impulsivo ao apelar ao imperador. Mas, conforme avançava, e quando o Senhor falou com ele, ocasionalmente, dando-lhe luz, ficou claro que, apesar da coisa ter sido humanamente realizada, havia o governo soberano de Deus em tudo e que ele estava na prisão, não como prisioneiro do imperador, mas como o prisioneiro no Senhor.

Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.

Talvez Paulo não tenha aceito isso tudo de uma vez. Possivelmente ele não tenha percebido como isso iria operar. Um julgamento e uma libertação mais ou menos rápidas podiam ter estado em sua mente. Alguma esperança de um ministério posterior entre os amados santos parece não estar ausente de sua correspondência. (Provavelmente, havia decorrido um curto período desde a libertação da primeira prisão.) Por fim, no entanto, ele aceitou totalmente que estava se tornando cada vez mais claro como o caminho do Senhor, e cresceu nele a certeza de que esse caminho estava de acordo com os maiores interesses do Corpo de Cristo. Assim, vemos que, quando vem o momento do povo do Senhor ser colocado face a face com as coisas últimas e supremas da revelação de Jesus Cristo – coisas além da salvação pessoal, coisas que se relacionam com a mente de Deus desde os tempos eternos e bem além de ser salvo –, então, tem de haver um estreitamento, um confinamento, um limitante. Muita atividade que foi feita, e tudo que foi feito a fim de trazer coisas para determinada posição e estado, agora cessam para levá-los mais adiante, e algo mais intensivo é necessário.

O que representa o testemunho em sua aproximação mais completa e mais próxima do propósito final de Deus, então, tem de ser despojado de muito do que tem sido bom, necessário e de Deus numa forma preparatória, e deve ser encarcerado para o que é final . O cativeiro não é uma verdade concebida ou uma aceitação doutrinária imposta. Ele é operado em cada fibra do ser pela experiência que segue à revelação, e a revelação interpreta a experiência. Não é a vitória de alguma interpretação defendida: é a própria vida dos instrumentos, e o instrumento é aquilo em seu próprio ser. Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.

2. A importância e o valor de ver e aceitar as coisas na luz de Deus

Isso se aplicava a Paulo e àqueles que estavam com ele. Para o apóstolo, estar confortável na soberana ordenação de Deus em sua prisão resultava em iluminação crescente que levava à emancipação espiritual.

Ninguém pode deixar de reconhecer o enorme enriquecimento do ministério como o contido nas que são chamadas de “epístolas da prisão”: [ Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom]. Se ele tivesse sido obstinado, ressentido, rebelde ou amargo, não teria havido o céu aberto, e um espírito de controvérsia com o Senhor teria fechado e selado a porta para as mais plenas revelações e aclaramentos divinos.

Quando tudo foi aceito de acordo com a mente do Senhor, logo “os lugares celestiais” se tornaram as extensões eternas de sua caminhada sobre a terra, e servidão terrena deu lugar à liberdade celestial. Assim deve ser com cada instrumento separado para os interesses superiores do testemunho do Senhor.

A leitura de certas passagens em suas cartas e o registro de sua prisão mostra como isso se aplicava aos outros. Considere as seguintes:

“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu” (2Tm 1.8).

“E Paulo ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara, e recebia todos quantos vinham vê-lo […] e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28.30,31).

“O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo, porque muitas vezes me recreou, e não se envergonhou das minhas cadeias. Antes, vindo ele a Roma, com muito cuidado me procurou e me achou” (2Tm 1.6,7).

É evidente que essas passagens indicam que tinha de haver uma compreensão divina e não apenas uma apreciação humana da posição de Paulo. Níveis humanos de mentalidade teriam produzido uma atmosfera de dúvida, desconfiança, questionamentos, e teriam deixado elementos de falsa imputação. Considerada em linhas meramente naturais, a associação com o prisioneiro teria envolvido tais associados em suspeita e preconceito. A dúvida sobre o servo do Senhor era muito difundida, e até mesmo muitos do povo do Senhor não tinham certeza sobre ele. Mas o Senhor estava fechando uma revelação muito importante para esse canal, e para os que estavam realmente em necessidade espiritual; estes que tinham de permanecer em uma relação viva com a plenitude do testemunho da identificação com Cristo na morte e na ressurreição, na união no trono com Ele, o poder sobre principados e potestades, e para o ministério “nos séculos vindouros”, tinham de ser postos de lado de todas considerações humanas, pessoais e diplomáticas, e permanecer bem ali com o instrumento com que Deus os colocou na prisão honrosa. Para a posse do que estava por vir por meio do vaso, tinha de haver uma ida ao lugar em que o vaso1 estava, sem consideração por reputação, influência ou popularidade.

Dessa forma, o Senhor peneira Seu povo e encontra quem realmente é inteiramente para Ele e para Seus testemunho, e quem age em qualquer medida por outras considerações e interesses. O instrumento nessa posição de rejeição popular é, portanto, a ferramenta de busca do Senhor pelos realmente necessitados e pobres de espírito. Eles serão encontrados e terão suas necessidades satisfeitas.

A outra verdade que permanece aqui, então, é que

3. Vergonha, desprezo e limitação são muitas vezes formas de Deus enriquecer todo o Corpo de Cristo.

Tem sido sempre assim. A medida de aproximação à plenitude da revelação tem sido sempre acompanhado por um custo relativo. Cada instrumento do testemunho tem sido colocada sob suspeita e desprezo em uma medida proporcional ao grau de valor para o Senhor, e isso fez com que, humanamente, eles sejam limitados a esse ponto. Muitos têm apostatado, caído, se afastado, duvidado, temido e questionado. Mas, como Paulo pôde dizer: “Portanto, vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, que são a vossa glória” (Ef 3.13.), ou: “Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (v. 1), então, a medida de limitação no Senhor é a medida de enriquecimento de Seu povo. Quanto mais completa a revelação, menos aqueles que a apreendem ou maior o número daqueles que permanecem ao longe. Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação, e tê-los experimentalmente significa compartilhar o custo de alguma forma. Mas essa é a maneira divina de garantir para Deus um lote2 de semente espiritual.

Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação.

Um lote de sementes é uma coisa intensiva. Ali as coisas são reduzidas a dimensões muito limitadas. Não é algo visível de grande extensão que está imediatamente em vista, mas as coisas são consideradas, em primeiro lugar, à luz da semente. O verdadeiro significado das coisas não é sempre reconhecido , mas você pode viajar por todo o mundo e encontrar um grande número de jardins que são a expressão daquele intensivo e restrito lote de sementes. Se alguma vez houve tal lote de semente, foi a prisão de Paulo em Roma.

Tudo isso pode se aplicar a vidas individuais em relação ao testemunho do Senhor. Muitas vezes pode haver um atrito contra a limitação, o confinamento, e um desejo inquieto por aquilo que chamaríamos de algo mais amplo ou menos restrito. Se o Senhor nos quer no lugar em que estamos, nossa aceitação disso em fé pode provar que isso se torna uma coisa muito maior do que qualquer avaliação humana pode julgar. Gostaria de saber se Paulo tinha alguma idéia de que sua prisão significaria sua contínua expansão de valor para o Senhor Jesus ao longo 1.900 anos? O que se aplica a indivíduos também se aplica aos ajuntamentos, assembléias ou grupos do povo do Senhor espalhados na terra, mas um em sua comunhão com respeito ao testemunho pleno do Senhor.

Que o Senhor esteja graciosamente agradado de fazer com que o aspecto meramente humano dos muros da prisão sejam expulso e nos dê a percepção de que, longe de ser limitada por homens e circunstâncias, é prisão no Senhor, e isso significa que todas as era e todos os reinos entram por essa prisão.

(De Toward a Mark (Em direção à marca), jan-fev 1980, vol. 9-1.)

(Traduzido por Francisco Nunes. Original aqui. A maior parte dos textos de Austin-Sparks é transcrição de suas mensagens orais. Os irmãos que as transcrevem não fazem nenhuma edição ou aprimoramento. Por isso, o texto conserva bastante de sua oralidade, o que, em muitas circunstâncias, não permite uma tradução mais apurada. Se houver qualquer sugestão para aprimoramento deste trabalho, por favor, deixe um comentário. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria, tradução e fonte e seja exclusivamente para uso gratuito.)

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1Instrumento e vaso, como visto neste artigo, são termos normalmente usados por Austin-Sparks para se referir aos servos de Deus. (N.T.)

2No sentido de um canteiro, um terreno pequeno. (N.T.)

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Um pensamento sobre a comunhão cristã

Recentemente, num domingo à tarde, rodeado de muitos amados irmãos, enquanto eu lavava louça me vieram dois pensamentos.

1) Nosso ajuntamento cristão não tem aquilo que o mundo tem.
Quando cristãos – e aqui me refiro a cristãos sérios, bíblicos, que levam a santidade a sério, que têm temor do Senhor, que honram Seu nome por meio do viver prático que têm – estão juntos, em ambiente informal (num almoço ou numa convivência, por exemplo), não há aquilo que caracteriza eventos mundanos semelhantes: bebedeira, palavrões, insinuações maldosas, piadas de baixo calão, fofocas, adultérios, crianças largadas a si mesmas, etc. Cristãos que honram a Deus em todos os aspectos da vida, começando com a linguagem, reúnem-se e conversam amenidades, trocam idéias sobre as questões mundiais, dicas sobre educação de filhos, riem de si mesmos, buscam orientação profissional, trocam receitas, dicas de tratamento médico, corujices sobre os filhos… É aquilo que chamam de ambiente saudável.

Isso é, sem dúvida, para quem teme a Deus, mil vezes melhor do que um ambiente mundano. (Infelizmente, sei de muitos cristãos que se sentem completamente à vontade em ambientes mundanos, que os preferem àqueles “crentes”, que estão plenamente conformados a este mundo, pensando, falando, rindo e vivendo como se a ele pertencessem.) Há ali segurança, respeito mútuo, alegria saudável, domínio próprio, ambiente propício para as crianças e tantas outras vantagens. É muito bom, é muito vantajoso estar em um lugar assim. E eu estava alegre com essa percepção e grato a Deus por estar ali.

Mas algo mais me veio ao coração:

2) Mas será que nosso ajuntamento cristão tem aquilo que o mundo não tem?
Isso me foi um choque instantâneo. O que há de distintivo, único, exclusivo dos cristãos? O que há nos cristãos que não há, de modo algum, naqueles que não obedecem à fé? A presença do Senhor Jesus, por meio do Espírito; a vida de Cristo Jesus habitando naqueles que Lhe pertencem. E é isto que faz a verdadeira e prática comunhão cristã: Cristo ser “servido” pelos cristãos uns aos outros. Quando Cristo é nosso centro e a esfera de nossa comunhão, podemos dizer que, de fato, estamos em comunhão. Do contrário, teremos, talvez, apenas um bom ajuntamento cristão (que, repito, é muito melhor do qualquer ambiente mundano).

Mas, tenho de reconhecer, é tão difícil termos genuína comunhão! É tão difícil sairmos da esfera natural, das coisas desta vida, e partilharmos das celestiais, daquilo que é nossa rica herança em Cristo, das riquezas insondáveis Daquele que nos salvou! Parece pouco espontâneo (perdoem-me se generalizo; falo, em primeiro lugar, de mim mesmo) voltar-se de um assunto desta vida para a Bíblia, como se fosse possível mantê-los separados, como se fossem antagônicos.

Como cristãos, temos algo único: um relacionamento vivo e real com Deus por meio de Seu Filho, Jesus Cristo! Isso nenhum ajuntamento secular tem. No entanto, é possível que um ajuntamento de cristãos também não o tenha, caso não falemos entre nós “com salmos, e hinos e cânticos espirituais”, que é modo de nos enchermos do Espírito (Ef 5.19); se não tivermos um falar que denuncie que estivemos com Jesus (At 4.13). Os primeiros discípulos não podiam deixar de falar do que tinham visto e ouvido (4.20). E nós, cristãos do século 21, por que deixamos tão facilmente? É possível que seja resultado de vermos e ouvirmos pouco nosso Senhor, de termos pouca comunhão com Ele, por Sua Palavra não habitar em nós ricamente (Cl 3.16), e como a boca fala do que está cheio o coração…

Os primeiros cristãos caíram na graça de todo o povo (At 2.47), pois seu viver diário e prático não tinha aquilo que o mundo tinha, era distinto, atraente. No entanto, “dos outros [os não-cristãos], porém, ninguém ousava ajuntar-se a eles” (5.13), certamente porque naquele ajuntamento havia algo que no mundo não havia: Deus mesmo, real, manifestado palpavelmente por meio de Seus filhos – um Deus tão santo que não tolerava mentira entre eles (vv. 1-11). As pessoas de fora viam, naquele novo grupo, características que as atraíam, mas viam que havia também uma realidade interior, um padrão dela derivado, que impedia que qualquer um se achegasse e por ali ficasse se não fosse um “deles”, um discípulo, um nascido do alto, um filho de Deus.

No que depender de mim e de você, que tipo de ajuntamento cristão o mundo verá?

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Evangelho Irmãos Testemunho

Uma grande missão (E. A. Bremicker)

“E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura” (Mc 16.15).

Essa missão data de quase dois mil anos, mas não perdeu nada de sua atualidade. Por meio dessas palavras, o Senhor ressurreto põe no coração de Seus discípulos levar a mensagem do Evangelho por todo o mundo. Poderia haver uma missão mais importante?

Os discípulos haviam vivido três anos com o Senhor Jesus. Haviam ouvido como o Perfeito profeta de Deus falou às multidões. Viram como curou e salvou a muitos. Foram testemunhas de Sua crucificação; a seguir O viram ressuscitado no meio deles. Seu Senhor era o Vencedor sobre a morte. Inicialmente, não quiseram crer em Sua ressurreição, e o Senhor teve até mesmo de reprovar-lhes a incredulidade e a dureza de coração (Mc 16.14). Apesar de tudo, agora recebem esta grande missão: ir por todo omundo a fim de anunciar a mensagem da cruz.

Nenhum de nós viu o Senhor Jesus com os próprios olhos. E, no entanto, todos aqueles que O aceitaram pela fé tiveram um encontro pessoal com Ele. Nós O conhecemos como aquele que morreu, foi sepultado e ressuscitou vitorioso. Nós nos apropriamos de tudo isso pela fé e com o coração. E, com os olhos de nosso coração, podemos vê-Lo agora no céu, à destra de Deus.

Aquele cujo coração está cheio da pessoa de seu Senhor também fala disso. Se nosso privilégio é abrir a boca diante Dele para expressar-Lhe nosso agradecimento pelo que fez de nós, não esqueçamos que nos deu a missão de ir ao mundo a fim de levar aos homens as boas-novas. Vamos tratar desse tema agora.

Quem dá esta missão?
O próprio Senhor Jesus. Aquele que, na Terra, falou aos homens da parte de Deus. Aquele que, como prova de Seu amor por cada um de nós, deu a vida na cruz, entrou na morte, foi sepultado, ressuscitou vitorioso e ascendeu ao céu. Ele não teria o direito de dar essa missão? E aqueles a quem redimiu não devem cumpri-la? Poderíamos rejeitá-la?

A quem foi dada?
Quando o Senhor pronunciou essas palavras, dirigiu-se primeiramente aos onze discípulos. Que tipo de homens eram? Todos haviam abandonado a seu Senhor diante do perigo. Pedro até O negou. Quando chegou o momento de sepultar o Senhor, nenhum deles teve coragem de pedir Seu corpo. E quando lhes foi anunciada Sua ressurreição, não creram (Mc 16.11-13). O Senhor teve de repreendê-los por sua incredulidade. Era possível que uma missão tão importante fosse dada a mensageiros tão imperfeitos? Apesar de tudo, o Senhor o fez. Nós não somos melhores que os discípulos! E, apesar disso, Jesus quer empregar hoje pessoas fracas e insignificantes como nós. Não temos em nós mesmos nenhuma qualificação para o serviço e para o testemunho, mas o Senhor quer fazer-nos capazes.

Ide
O Senhor disse expressamente: “Ide”. Isso significa que devemos levantar-nos e mover-nos. Não devemos esperar que as pessoas venham a nós nem contentar-nos com fazer com que venham. Somos nós os que devemos tomar a iniciativa e ir. O cristão tem um campo de atividade no exterior, sobre o terreno. Esse serviço começa ali onde o Senhor nos colocou. Ir significa ser ativo. A esse respeito, tenhamos cuidado de não confundir atividade com ativismo. Quando a atividade se converte em um fim em si mesma, não fazemos mais do que dar voltas em vão ou golpear o ar. Se desejamos ser ativos, deve ser por amor ao Senhor e em obediência a Ele, que fez tudo por nós, e não para satisfazer o desejo carnal de aparecer.

Por todo o mundo
O Senhor disse: “Ide por todo o mundo”. Para os discípulos isso era uma nova dimensão. Estavam acostumados a pensar nos limites de Israel, e o serviço do próprio Jesus não havia passado desses limites até aquele momento. Mas a grande missão que lhes era dada agora acabava com esses limites. No entanto, notemos que “todo o mundo” começa em nossa casa. O primeiro lugar onde devemos dar testemunho do Senhor Jesus é o lugar em que vivemos. Ali começa nosso “campo misionário”. O Senhor usa somente aqueles que são fiéis nas pequenas coisas e dirigirá a cada um como melhor Lhe parecer, segundo Sua sabedoria.

Pregai
O “meio” pelo qual se difunde o evangelho é a pregação. O Senhor disse “Ide […] pregai”. Paulo, mais tarde, disse que “a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus” (Rm 10.17). Disso procede a exortação a Timóteo: “Prega a palavra” (2Tm 4.2). Não devemos levar aos homens um evangelho adaptado ao século em que vivemos, mas a Palavra de Deus. E, para isso, não é necessário ser um pregado profissional. Às vezes temos ocasião de levar o evangelho a alguém com quem temos um encontro pessoal. Esse é sempre um meio muito bom. Também há “pregadores silenciosos”, que são um folheto ou uma revista evangélica. Enfim, não esqueçamos de que todas as nossas atitudes, nossos atos e gestos devem ser uma pregação visível (veja Fp 2.15).

O evangelho
As boas-novas são “o evangelho da […] salvação” (Ef 1.13), pois elas trazem libertação ao homem perdido. É o “evangelho da graça de Deus” (At 20.24) porque revela que Deus está cheio de graça para o pecador. Por ele, o homem sabe que, se o Deus justo e santo pode lhe oferecer a salvação e a vida, é porque deu Seu próprio Filho em propiciação pelos pecados. A expressão “evangelho de Deus” (1Ts 2.9) nos mostra que Deus é a origem; e é o “evangelho de Jesus Cristo” porque Ele é o centro. E, uma vez que o Senhor Jesus está glorificado no céu, o evangelho inclui não somente a mensagem dirigida aos perdidos, mas também proclama todas as riquezas que Deus deu a quem crê em Cristo (veja Rm 1.15). Quão ricas são estas boas-novas de Deus que nos são anunciadas! E é precisamente esta a mensagem que devemos transmitir.

A toda criatura
A mensagem de Deus se dirige ao mundo inteiro, a todos os seres humanos. Não há nenhum homem na Terra ao qual não se dirija essa mensagem. Todos podem e devem vir. Todos estão convidados. “A graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens” (Tt 2.11). Não importa sua raça, nacionalidade ou posição social, as boas-novas de Deus são para todos. Ele quer salvar a todos. A única condição é que reconheçam que estão perdidos. O Senhor Jesus disse: “Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento” (Mc 2.17).

Levamos a sério, pessoalmente, a missão que o Senhor confiou a Seus discípulos? Não se trata do que meu irmão ou minha irmã faz, mas do que eu mesmo devo fazer. Depois de ter confiado essa missão a Seus discípulos, “o Senhor, depois de lhes ter falado, foi recebido no céu, e assentou-se à direita de Deus” (16.19). O Evangelho de Marcos termina mostrando-nos os discípulos obedecendo à ordem recebida: “E eles, tendo partido, pregaram por todas as partes, cooperando com eles o Senhor, e confirmando a palavra com os sinais que se seguiram. Amém” (v. 20).

Para terminar, vamos recordar as palavras dos quatro homens leprosos de Israel que, depois de chegar ao acampamento dos sírios e ver a grande libertação que Deus havia operado a favor de todo o povo, primeiro guardaram para eles o espólio e “então disseram uns para os outros: Não fazemos bem; este dia é dia de boas novas, e nos calamos; se esperarmos até à luz da manhã, algum mal nos sobrevirá” (2Rs 7.9). Alguns dias depois da ascensão do Senhor, dois dos discípulos disseram: “Não podemos deixar de falar do que temos visto e ouvido” (At 4.20). Que estas palavras nos animem a cumprir fielmente a missão que o Senhor entregou a Seus discípulos há muito tempo!

(Traduzido por Francisco Nunes do artigo “Una grand misión”, revista Creced, n. 2/2014, marzo-abril, publicada por Ediciones Bíblicas, Perroy, Suíça.)

(O leitor tem permissão para divulgar e distribuir esse texto, exclusivamente de forma gratuita, desde que não altere seu formato, conteúdo e / ou tradução e que informe os créditos tanto de autoria como de tradução.)

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Felicidade (A. W. Tozer)

Quanto a mim, há muito tomei a decisão de que preferiria conhecer a verdade a ser feliz na ignorância. Se não posso ter a verdade e a felicidade ao mesmo tempo, prefiro a verdade. Teremos muito tempo para sermos felizes no céu.

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Apologética Bíblia Casamento Cristo Disciplina Família Ministério Serviço cristão Testemunho William Lane Craig

Sete hábitos de um filósofo altamente eficaz (Nathan Schneider)

Lições de vida do apologista cristão William Lane Craig.

William Lane Craig, de seu boletim de julho de 2013.

 

Ninguém – ou quase ninguém, dependendo de a quem você perguntar – bate William Lane Craig em um debate sobre a existência de Deus, ou a ressurreição de Jesus ou qualquer outro assunto desse tipo. Durante o debate em Notre Dame, em abril do ano passado, o neo-ateísta Sam Harris referiu-se a Craig como “o único apologista cristão que parece ter colocado o temor de Deus em muitos de meus companheiros ateus”.

Durante o desenvolvimento do trabalho em meu livro sobre como as pessoas procuram por provas da existência de Deus, tive a oportunidade de passar bastante tempo com Craig, tanto na área de Atlanta, onde ele vive, como na Universidade Biola, uma escola evangélica nos arredores de Los Angeles, onde ele ensina algumas semanas por ano. Para o livro, eu comecei a escrever sobre idéias como seu “argumento cosmológico Kalam”, uma das ideias mais citados de sua geração em filosofia da religião, que funde os muçulmanos medievais com a cosmologia moderna. Eu também falei de sua habilidade empreendedora em tornar a Sociedade Filosófica Evangélica em uma organização acadêmica que tem um trabalho extra de uma plataforma apologética lisa-como-uma-banana para mudar corações, como o seu e o meu. Mas nada disso capta o papel do homem como um sábio e exemplar, no qual ele torna algo como o serviço de apoio que Oprah oferece às mulheres americanas que ficam em casa, exceto que os acólitos de Craig são um grupo de precoces conservadores, evangélicos, jovens adultos. Ele quase me faz desejar ser esse tipo de evangélico conservador – o que é, para ele, o ponto.

Craig se veste impecável e professoralmente, muitas vezes com camisa abotoada e blazer, ou suéter ou colete e suéter. Suas covinhas sugerem uma inocência básica que pode ser surpreendente quando ela rompe a fachada da lógica. Vejo em Craig a decência associada a uma época em relação à qual sou muito jovem para ser nostálgico, época que fui ensinado a imaginar como imperialista, sexista, homofóbica, intolerante, ou retrógrada por outro lado. Suas racionalizações de certas partes da Bíblia hebraica podem soar como se ele concordasse com o genocídio. No entanto, nenhuma dessas acusações se apegam a ele; nenhuma é mesmo compreensível no cósmico globo de neve1 dentro do qual ele habilmente pensa seu caminho pela vida, cujo único e constante enredo é trazer mais e mais almas a um conhecimento salvífico do único e verdadeiro Senhor e Salvador, Jesus Cristo.

Eu moro em um globo de neve diferente de Craig. No entanto, ganhei muito com as lições que aprendi com ele, e de seus conselhos cuidadosamente elaborados e de suas respostas a minhas perguntas. (“Eu posso não responder, mas você pode perguntar”, avisou-me uma vez.) Eles melhoraram minha produtividade, minha relação com os entes queridos e minha aptidão física. Seria egoísta se eu não passasse algumas dessas lições, de forma sintetizada e praticável, para você.

 

1. Fazer tudo como um ministério

Craig começa com uma breve reflexão devocional cada dia de seu curso de duas semanas, no inverno, em que ensina os mestrandos de filosofia os alunos de apologética em Biola. Em meu primeiro dia na classe, o texto que ele recitou veio de Howard Hendricks, professor famoso do Seminário Teológico de Dallas: “Homens, não estudem para uma classe, estudem para uma vida de ministério”. Isso ter sido dirigido para “homens” era quase apropriado, pois, das quinze ou mais pessoas na classe naquele dia, apenas duas eram mulheres: uma visitante representando outra e uma dona de casa aposentada. Mas, para qualquer um, a mensagem é a mesma: Perseguir o elevado chamamento de servir a Deus, e o sucesso se seguirá.

O que, porém, devemos pensar como sucesso? Esse foi o tema de outras reflexões devocionais durante aquela quinzena do mês de aulas. Craig citou Bill Gothard, ministro e fundador do Instituto de Princípios Básicos de Vida, como tendo dito: “O sucesso não é medido pelo que você é comparado aos outros; sucesso é o que você é comparado com o que poderia ser”. Embora se possa ser tentado a tomar essa máxima como licença para baixas expectativas, a interpretação de Craig era, naturalmente, mais sábia. Considere essa “humildade para o orgulhoso”, disse ele – pois onde muito é dado, mais é esperado – e “encorajamento para desencorajado”.

A reflexão em outra manhã ofereceu ainda outro ponto de vista sobre o sucesso, dessa vez a partir de 1Coríntios: “A loucura de Deus é mais sábia do que os homens”. Craig estava certamente falando de sua própria experiência, quando advertiu seus alunos a não esperar respeitabilidade acadêmica acima de tudo. “Não busquem o louvor dos homens, mas o louvor de Deus.” E: “Vocês não estão realmente prontos para serem usados de Deus”, ele avisou, numa sintaxe tipicamente antiga, “até que estejam pronto para ser visto loucos por Cristo”. Aqui ele fala da experiência. “Meu encargo é evangelismo”, disse-me certa vez durante o almoço. Pregar seu evangelho tem muitas vezes conflitado com as tendências atuais das expectativas acadêmicas, mas, pelos padrões de ministério, ele tem sido um servo eminentemente fiel.

Certamente, devemos usar cada repreensão que pudermos contra o carreirismo e todo o incentivo para fazer do serviço nossa ocupação. É tarefa de cada um de nós discernir os ministérios que temos a oferecer e realizá-los – como loucos, se necessário.

 

2. Faça uma aliança com sua esposa

Essa lição não é nenhuma surpresa vinda de um evangélico da estirpe de Craig. Mas, entre os filósofos, que são notoriamente criaturas solitárias, sem dúvida vale a pena repeti-las. “Eu não sou um filósofo da mente; então, não tenho nenhuma grande percepção sobre as características das pessoas”, ele observou certa vez, enquanto driblava uma questão esotérica de um aluno em sala de aula. Mais do que isso, porém, é sua esperança “de você não se tornar tão orientado para o trabalho que deixará o outro ser negligenciado, e não colocar a carreira antes dessa pessoa a quem você se comprometeu amar e cuidar.” O título da primeira seção em seu currículo é Família, em que são listados sua esposa, Jan, e os dois filhos.

Ele conta histórias sobre os tempos em que teve problemas com Jan nessa área. Quando era estudante de pós-graduação, ele costumava comprar um monte de livros para si, mesmo que a família não tivesse muito dinheiro. Jan viu que já era demais quando ele chegou em casa com um exemplar de O ser e o nada, de Sartre. Ela o repreendeu por aquele provável desperdício. A partir de então, ele se comprometeu a comprar apenas livros que foram indicados para a aula, e até hoje ele compra muito poucos desses.

Ele recomenda aos alunos: “Façam uma aliança com sua esposa.” Prometam-lhe que você não vai “sacrificar seu relacionamento no altar do sucesso acadêmico”. Certifiquem-se de que ela sabe que você está disposto a desistir da carreira por completo, se ela precisar que você o faça. Uma vez que prometeu aquilo a Jan, explica Craig, ela se tornou muito mais tolerante com sua necessidade de se concentrar no trabalho, por agora saber que, em última instância, suas necessidades importavam mais para ele. Craig instrui também a que “fala a uma mulher é muito diferente de falar com outros caras”. Ao fazer a aliança, olhe-a longa e firmemente nos olhos.

Um dos estudantes esse ano tinha acabado de noivar e, ao longo da aula, ele e Craig tiveram um vibrante diálogo, em termos filosóficos, claro, sobre se Deus escolhe uma pessoa em particular com que nós deveríamos casar ou se, nas palavras do aluno, Deus quer que nós “apenas escolhamos uma mulher e a amemos”. Craig, que é um defensor de uma teoria do século 16 sobre a presciência de Deus conhecida como Molinismo, argumentou que Deus sabe exatamente o que é certo para cada um de nós. O critério de Deus para essa determinação, além disso, não está ligado apenas à questão da pessoa que vai fazer você mais feliz – Deus não está aí para fazer da vida “uma tigela de cerejas” –, mas, sim, a encontrar a pessoa com quem você vai trazer à salvação mais almas.

Para esse fim, Craig especialmente incentiva seus alunos a pensar em casar com uma missionária. Ele, por exemplo, conheceu Jan enquanto eles estavam trabalhando juntos na Campus Crusade for Christ. “Aquelas solteiras na equipe do Campus Crusade for Christ são realmente mulheres escolhidas”, ele me explicou. “Elas são jovens, solteiras, inteligentes, graduadas, muito atraentes, independentes e capazes de gerir as próprias finanças e um ministério.” Se tudo é para um ministério, afinal, essa é sua parceria.

 

3. Organize o dia

Houve um tempo, diz Craig, quando começou a se preocupar por estar perdendo sua habilidade com a filosofia. “Querida”, lembra-se de ter dito a Jan, “não sei o que se passa comigo. Eu simplesmente não consigo mais me concentrar. Eu conseguia estudar o dia todo, sem nenhum problema, e agora simplesmente não consigo mais me concentrar. Minha mente divaga, e eu estou cansado.” Ele foi tentado a se desesperar.

“Não, não, não seja ridículo!”, ela lhe disse. “Você só precisa organizar seu dia.”

Como de costume, ela estava certa. Ela o colocou em um novo cronograma: começar o dia de trabalho com a tarefa filosófica mais difícil na parte da manhã, depois materiais mais leves, como seus textos para públicos populares, após o almoço. Ele não olha a caixa de e-mail até o final da tarde, “quando meu cérebro está realmente frito”. (Por medo de ser bombardeado com e-mail, ele nem sequer partilha seu endereço eletrônico com os alunos de pós-graduação.) Pouco depois de tentar este regime, ele recuperou seus poderes filosóficas completamente.

A vida do casal, em uma casa nos subúrbios de Atlanta, é uma imagem de (certo tipo de) trabalho em equipe. Craig acorda todos os dias às 5h30 e começa o dia com um tempo devocional, lendo os Pais da Igreja e o Novo Testamento em grego; depois, ora pela propagação do evangelho em alguma parte não-alcançada do mundo, com o ajuda do manual Operation World (Operação Mundo). Logo, Jan está de pé. Eles tomam café2 juntos (o que ele não gosta, mas recomenda para a saúde e por benefícios sociais); depois, ele desce para a sala de musculação para uma hora de exercício. Quando ele sai de lá, ela tem um café da manhã quente pronto e esperando – por vezes, tão elaborado, diz ele, como presunto e ovos e waffles de abóbora com chantilly e morangos. (“Ela é uma cozinheira fabulosa.”) Ele desce novamente, para uma manhã intensa de atividades escolares, e ressurge para o almoço quente que Jan preparou. Então, ele desce outra vez para o trabalho mais leve da tarde, culminando nos e-mails, que ele responde à mão e ela muitas vezes é quem digitar e envia, uma vez que sua rara doença neuromuscular, muito seguidamente, o torna incapaz de digitar. Entre as refeições e sessões de digitação, Jan mexe com o mercado de ações. Pouco tempo depois, o jantar está pronto, e eles comem e passam a noite juntos, assistindo TV e bebendo vinho tinto (de que ele também não gosta, mas também recomenda para a saúde e por benefícios sociais).

“Ela não é uma intelectual”, diz Craig da esposa, “mas ela aprecia o valor do que eu faço, e isso é o que importa.” Seria de esperar que isso fosse verdade, porque ela digitou todos os seus artigos, livros e ambas dissertações de doutorado. Seria bom se todos nós tivemos essa devotada ajuda, embora possa ser insustentável no atual clima econômico para os estudiosos entre nós, incapazes de acumular valores de cinco dígitos por palestrar. Podemos, pelo menos, adiar o e-mail por algumas horas, o que eu tenho feito desde então, com um enorme benefício.

 

4. Transforme fraqueza em força

Um dos fatos que definem a vida de William Lane Craig é a síndrome de Charcot-Marie-Tooth, acima mencionada, que tem afligido o seu sistema nervoso, desde o nascimento, causando atrofia nas mãos e nos pés. Seu caso é relativamente leve, mas debilitante, sem dúvida. Quando era menino, ele não podia correr normalmente, impedindo-o de distinguir-se nos esportes.

“As crianças podem ser muito cruéis, e zombarem e chamar-lhe de nomes”, ele me disse, enrugando a testa com sinceridade, mas sem perder o equilíbrio emocional. “Isso faz você se sentir como lixo, alguém inútil.”

No início da década de 1980, Craig trocou com um amigo lições de apologética por algumas sessões de aconselhamento matrimonial com Jan, e foi só então que ele percebeu o efeito que essas memórias da infância tiveram sobre ele. “Emoções brotaram de dentro de mim, e eu comecei a chorar”, disse ele. “Eu não sabia quão mal eu ainda me sentia. Eu ainda tinha os sentimentos dentro de mim.” Essas sessões o ajudaram a entender que sua impulsividade e determinação como adulto também são resultado daquelas primeiras frustrações.

“Bem, eu vou mostrar pra eles”, imaginava-se pensando, sob a superfície. “Eu vou fazer alguma coisa da minha vida, e eles não vão zombar de mim.”

É por isso que ele começou a debater no ensino médio. “Eu não era bom em atletismo”, ele me disse, “mas eu poderia representar minha escola por estar na equipe de debate.” Lá, ele se destacou, e viajou por todo Illinois para competições, debatendo os quatro anos do ensino médio e também nos quatro anos na Faculdade Wheaton também. “O Senhor tem usado isso em minha vida para me ajudar”, Craig agora pode dizer sobre sua doença. E agora, no início dos sessenta anos, exercitar-se seis manhãs por semana (exceto domingo) significa que ele está em melhor forma do que quando na casa dos vinte anos.

“O exercício corporal para pouco aproveita”, foi o texto de uma das devoções matinais em sua classe, 1Timóteo 4.8. “Mas isso não quer dizer que não é proveitoso!” Craig continuou, como se aliviado, e, então, começou a delinear seu programa de exercícios para os alunos, recomendando boletins informativos da Clínica Mayo e o programa Body for Life, do fisiculturista Bill Phillips.

Craig observou certa vez que ele realmente gosta da idéia de como as placas tectônicas, vulcões e terremotos são parte do que Deus usou para fazer a vida na Terra possível, lançando os elementos necessários a partir de debaixo da crosta. É a mesma lógica que aplica a própria vida: um trauma transformado por um propósito maior. Mesmo o tsunami de Natal de 2004 “seria ótimo”, disse ele, se Deus pudesse usá-lo para trazer mais pessoas para Cristo. Nesse caso, “graças a Deus pelo sofrimento”.

 

5. Esteja preparado

Confrontar sofrimentos horríveis assim filosoficamente, e também espiritualmente, requer prática. Parte do curso de duas semanas concentrou-se no assim chamado problema do mal, que lida com o fato de que Deus pode ser consistente com a experiência de tanta dor e crueldade do mundo. “O estudo da filosofia pode ajudar a preparar uma pessoa para o sofrimento”, disse Craig a sua classe. Esse estudo ajuda a ver a obra de Deus no mundo, ou pelo menos a confiar na insondável providência divina. Ele prometeu: “Isso tem um aspecto devocional real.”

A arena em que a inclinação de Craig para estar preparado é especialmente vista, é claro, é o debate. Ao longo de determinado debate, muitas vezes contra um valoroso desafiante ateu, ele nunca parece perder sua confiança inabalável, exceto se aventurar no ridículo. Ele tem uma resposta pronta para todas as objeções, com uma citação relevante em suas notas para deixar bem claro, como se algum dos pré-conhecimentos molinistas de Deus acerca dos movimentos do adversário estivesse passando sobre ele.

Realmente, porém, o processo é muito simples: é que ele aprendeu na equipe de debate do ensino médio e praticou por anos, mesmo antes de, mais tarde, ir ao debate sobre religião. Antes de um debate, às vezes por meses antes do tempo, Craig faz questão de ler a obra do oponente, e “explorar a Internet” por vídeos do estilo de fala e dos maneirismos que ele vai enfrentar. Em alguns casos, ele contrata assistentes para ler os escritos do adversário e preparar sinopses que ele possa refinar. Ele metodicamente estabelece o que acha que o oponente vai tentar argumentar e que objeções podem ser levantadas contra seus próprios argumentos e, em seguida, prepara réplicas de acordo, fazendo anotações para cada uma, a fim de que elas estejam prontas durante o debate. Caso contrário, ele diz, “eu tenho grande dificuldade de lembrar essas coisas.”

Note bem: se você está se preparando para enfrentá-lo, pode, de alguma forma, transformar a meticulosidade dele em vantagem para você. É difícil imaginar como, no entanto, exceto que vamos ter ainda mais do mesmo. Mesmo o mais inteligente cara com réplicas rápidas não consegue acompanhá-lo.

 

6. Lembre-se de que tempo é tudo – e nada

Não há arma que Craig maneje de forma mais eficaz em um debate do que o relógio. Quando eu perguntei sobre seus segredos, ele me disse: “A capacidade de saber como dizer algo de forma sucinta, chegar ao ponto e passar para o próximo ponto, é muito, muito importante.” Ele planeja exatamente o que pretende dizer e avança metodicamente, certificando-se de que pode ir do início ao fim sem apressar ou saltar de um ponto para outro e ter de voltar. Quando seu oponente começa a ir para a frente e para trás em algumas objeções e não responde a cada um dos pontos Craig apresenta, Craig pode lembrar o público ao final que muitos de seus pontos permanecem em pé, sem contestação.

Ele faz isso em quase todos os debates, e é tão eficaz que as pessoas se queixam. Defendeu-se para mim: “Acho que agora você pode ver, Nathan, que isso não é um truque de retórica! Isso não é um dispositivo inteligente!” É apenas uma técnica, e ela funciona.

O tempo, porém, nem sempre está do lado de William Lane Craig. Durante as discussões da classe sobre temporalidade, ele citou a passagem de Macbeth sobre a brevidade da vida humana como “um conto contado por um idiota, cheia de som e fúria, significando nada”.

“Isso realmente repercute em mim”, disse ele.

Em seu sugestivo artigo “On the Argument for Divine Timelessness from the Incompleteness of Temporal Life” (Sobre o argumento para a intemporalidade divina a partir da incompletude da vida temporal), ele sugere: “Está longe de ser óbvio que a experiência da passagem temporal é só uma melancólica atração por um Deus onisciente, como é para nós. De fato, há alguma evidência de que a consciência do fluxo do tempo pode realmente ser uma experiência enriquecedora.” Repita-se: É “óbvio” que o próprio fluxo do tempo é “melancolia […] para nós”, exceto, talvez, por “alguma evidência” de que pode “realmente” existir ao contrário.

A pesquisa pelo infinito e o eterno, e a insatisfação com nada menos, é um tema constante no ensino de Craig e em sua retórica. Ou algo é eternamente significativo, ou valioso, ou não é nada. Ao contrário do que as legiões de filósofos não-religiosos (e outros), que parecem achar benefício na reflexão sobre a ética e a moral, em um debate com o filósofo Louise Antony, Craig descreveu o pensar sobre a moralidade no contexto do ateísmo como sendo “cadeiras sendo arrastadas no convés do Titanic”. O que fazemos com nossa vida na terra não vale nada para ele a não ser que ela seja notado por um Deus infinito e eterno.

O amor é uma possível exceção. Na sala de aula, ele às vezes fala (como um exemplo filosófico, é claro) sobre os momentos em que você está com a pessoa a quem ama, e está gostando tanto que o momento parece durar para sempre. Mesmo assim, porém, o valor de tais momentos passageiros só vem de sua semelhança com a eternidade.

Alguns dos alunos discordaram. Eles tentaram argumentar que o amor só é possível dentro do tempo. O que o amor será sem memória, ou envelhecimento ou a possibilidade de perda? Em uma discussão sobre o amor sentido entre as pessoas da Trindade antes da criação do universo, os estudantes afirmaram que a Trindade deve ter existido no tempo, a fim de que Seus membros amassem um ao outro. Mas o Deus de Craig, pelo contrário, está muito mais em casa na intemporalidade.

 

7. Amar a Deus e a autoridade

Bill e Jan Craig mudou-se para o condado de Cobb, na Georgia, graças a um processo de dedução: é o mais adequado a cada um dos vários critérios que eles procuraram satisfazer. Agora Bill não pode imaginar uma escolha melhor. Ele ama o condado, que é um subúrbio ao norte de Atlanta. Ele também ama os Estados Unidos em geral, um amor que, por vezes, se expressa pelo uso de sua gravata com uma águia voando, assim como no ensino médio ele desejava trazer honrar a sua escola pela guerra de debates. Seu patriotismo se estende a todos as áreas da vida, e sua filosofia defende, de modo devido, as autoridades corretamente ordenadas que ele reconhece: Deus, família, país, igreja, escola.

A razão, como ele a brande, apoia cada uma delas e, assim, é também apoiada por elas. Ao defender o Deus do cristianismo histórico, ele tem atrás de si dois milênios da verdade cristã em toda seu poder e majestade acumulados. Por amar a família, ele ganha a provisão material e as proezas de digitação de Jan. Por amar seu país, ele pode manter a cabeça erguida no condado de Cobb, uma das capitais do complexo militar-industrial, onde o maior empregador é a fábrica da Lockheed Martin, onde é construído o desastroso caça F-22. (Até meu motorista de táxi lá, um africano que recentemente migrou, me acusou de ser comunista por questionar a utilidade do caça.) Por amar sua igreja, a Batista Johnson Ferry, ele tem uma grande e bem organizada congregação na qual lota uma classe apologética semanal semi-litúrgica; prestando os cultos no santuário, vislumbrando o batistério por trás de portas retráteis, a comunidade reforça as atividades acadêmicas solitárias dele. Por amar a instituição em que trabalha, a Universidade Biola, suas idéias tornam-se a munição para os esforços estratégicos a fim de preparar um grande número de estudantes inteligentes para a conquista acadêmica e cultural.

Cada um desses poderes estão por trás de Craig, em perfeita ordem, com cada palavra que ele pronuncia, incutindo nele, por sua vez, a autoridade e a gravidade dele. Apesar da aparência de ser principalmente um acadêmico independente, ele está sempre enredado na nobre submissão a eles [os poderes, as autoridades que reconhece], e eles o defendem. Sua filosofia não é só dele, mas a deles também, o que a torna muito mais formidável. Como seu campeão, ele a carrega de modo dominante e bem-sucedido, com a disposição de ajudá-lo, se você aceitar, a subir ao patamar dele. Mas, se você preferir não fazer isso, a perda será sua.

Não há ninguém como Craig, com certeza, mas tudo o que ele faz é inseparável dos poderes a que ele serve. Em uma conversa em sala de aula em Biola, sobre noção de Saul Kripke de “designadores rígidos”, a dona de casa aposentada, por exemplo, perguntou: “O que faz Bill Craig ser Bill Craig?”

Craig, como um monte de filósofos, eu descobri, tem uma maneira de dizer coisas reveladoras em pronunciamentos técnicos, inconsciente da frase com seus próprios significados quando tomados por si sós, fora de contexto, e interpretada literalmente. Toda a filosofia, penso às vezes, pode ser considerada um grande ato falho.

Para o estudante, ele respondeu: “Eu não sei bem como responder a uma pergunta como essa.”

 

(Traduzido por Francisco Nunes de 7 Habits of a Highly Effective Philosopher (original aqui).

1Snow-globe, enfeite de mesa comum nos Estados Unidos, em que a reprodução de alguma construção famosa ou uma cena natalina está dentro de um globo de acrílico, envolvida por um líquido, no qual há um material em suspensão, que imita neve. O girar desse globo faz a “neve” cair. (N.T.)

2É apenas café mesmo, não o café da manhã. (N.T.)

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Biografia T. Austin-Sparks Testemunho

Uma consideração sobre T. Austin-Sparks (Harry Foster)

Publicado pela primeira vez na revista A Witness and A Testimony, jul/ago de 1971, vol. 49-4.

 

Depois de quarenta anos de associação ativa com o irmão Austin-Sparks nas coisas de Deus, coube a mim liderar o laudatório culto funeral em 19 de abril de 1971, quando um grande número de irmãos se reuniu em Honor Oak1 para magnificar ao Senhor pela vida longa e serviço frutífero de nosso irmão. Durante a maior parte desses anos, fui um colaborador de A Witness and A Testimony; assim, aceitei com gratidão a oportunidade de escrever uma pequena consideração sobre nosso irmão e seu trabalho para Deus.

Aqueles que estão familiarizados com seus livros vão lembrar que um deles é intitulado The School of Christ (A Escola de Cristo, disponível gratuitamente aqui). O próprio título sugere sua concepção do que a vida cristã é, pois ele ensinou que o principal propósito de Deus para todos nós é direcionado para a eternidade e direcionado para nos conformar à imagem de Seu Filho. O irmão Sparks foi capaz de ajudar muitos discípulos na escola de Cristo, pois, ao longo de seus muitos anos de serviço, ele estava pronto para assumir o lugar do aluno bem como do professor.

Seu discipulado começou quando, com dezessete anos, ele andava desanimado por uma rua de Glasgow, em uma tarde de domingo, e parou para ouvir alguns jovens testemunhando ao ar livre. Naquela mesma noite, ele entregou a vida ao Salvador, e no domingo seguinte encontrou-se com os mesmos ávidos jovens cristãos em sua reunião ao ar livre. Ele continuou com eles e, em pouco tempo, abriu a boca para falar algumas palavras simples de testemunho, entrando, assim, em uma vida de pregação do Evangelho que durou 65 anos.

Aqueles anos foram preenchidos com muitas atividades para Deus, mas a pregação era seu maior dom e sua maior alegria. Ele lia avidamente em seu desejo de compreensão espiritual e, acima de tudo, estudava a Bíblia, sempre em uma busca ansiosa pelos tesouros novos e antigos que podem ser encontrados lá por aqueles que são instruídos no reino dos céus. Uma de suas primeiras escolhas para o hinário suplementar que ele preparou para o uso no Honor Oak Christian Fellowship Centre foi o hino que tem como refrão o famoso lembrete do pastor John Robinson aos peregrinos do Mayflower: que “o Senhor ainda tem mais luz e verdade para irromper de Sua Palavra”2. Quantas vezes cantamos essas palavras inspiradoras no início de uma conferência em Honor Oak! E quantas vezes elas provaram ser verdadeiras aos ouvintes que as apreciavam!

O irmão Sparks sempre atribuiu grande importância à “revelação”, não se referindo ao desvendamento original de verdade pelos escritores inspirados das Escrituras, mas à iluminação e percepção dada pelo Espírito sobre o que a Palavra realmente ensina. Por essa razão, a maioria de seus livros, e quase todos os artigos publicados nesta revista, eram transcrições de mensagens faladas que haviam sido dadas com algum sentimento real de capacitação divina: pareciam-lhe ser mais aptas a ter um impacto espiritual se viessem não só do estudo, mas também do envolvimento em alguma situação prática. Provavelmente, sua maior utilidade foi quando ele estava falando de suas próprias experiências, tirando lições do que havia aprendido, não só do estudo, mas do que tinha acontecido com ele na escola de Cristo, onde o Pai trata Seus filhos com aquela correção, ou treinamento de filhos, pela qual somente pode prepará-los para a verdadeira filiação de acordo com o padrão do Filho perfeito. Ele foi muitas vezes capaz de interpretar para as pessoas o significado do que elas vinham atravessando, mostrando-lhes a importância e o propósito dos tratamentos, do lidar de Deus com eles.

Especialmente em seus primeiros anos, o irmão Sparks costumava dar grande ênfase sobre a necessidade da aplicação interior da Cruz na vida do crente. Ele pregou um evangelho da plena salvação pela fé simples no sacrifício de Cristo, mas ele ressaltou adicionalmente que o homem que conhece a purificação pelo sangue de Jesus deve também permitir que a mesma cruz trabalhe nas profundezas de sua alma, a fim de libertá-lo de si mesmo e levá-lo para um caminhar menos carnal e mais espiritual com Deus. Ele próprio havia passado por uma crise de auto-ruína por sua aceitação do veredito da Cruz sobre sua velha natureza, e viu nessa crise a introdução a um desfrute completamente novo da vida de Cristo, tão grande que ele só conseguia descrevê-lo como “um céu aberto”. Na igreja, a vida de pessoas entre as quais ministrava, ele também viu uma transformação impressionante produzida por essa mensagem da Cruz para o crente. Não é de admirar, portanto, que ele tenha aproveitado cada oportunidade de afirmar que não há outro caminho para a experiência plena da vontade de Deus a não ser pela união com Cristo em Sua morte. Repetidamente ele voltava ao ensino de Romanos 6, não apenas como um tópico favorito, mas com a convicção de que tal união era o meio seguro de conhecer o poder da ressurreição de Cristo.

A Cruz é sempre dolorosa; assim, podemos compreender que o irmão Sparks freqüentemente considerou os tratos de Deus com ele difíceis de suportar. Até 1950, ele era seguidamente prostrado com dor e incapaz de continuar seu trabalho; no entanto, vez após vez ele foi erguido [ressuscitado]3, às vezes literalmente do leito de doença, e ninguém podia deixar de reconhecer o impacto espiritual adicional que veio de tal situação. Nós oramos muito por ele durante esses anos, mas sem alívio duradouro, até que ele pôde ter o tratamento cirúrgico, que provou ser um meio da graça de Deus para responder a nossas orações, a fim de que, a partir de então, ele tivesse mais vinte anos de atividade em muitos países, e até sua última doença foi um exemplo notável de como a vida divina pode energizar o corpo mortal.

Por várias razões, padeceu de muitos outros sofrimentos, mas isso era coerente com seu próprio ensino de que, na Escola de Cristo, a pessoa aprende mais pelo sofrimento do que pelo estudo ou por ouvir mensagens. Se, no entanto, a Cruz envolve sofrimento, é também o segredo da graça abundante, como ele certamente provou. Seu último lema anual, elaborado para 1971, foi dedicado ao tema da suficiência da graça de Deus. Em novembro, ele escreveu um editorial nesta revista, registrando o fato de que, para ele, 1970 tinha sido um ano de pressão e dificuldade incomuns. Talvez como um espectador, pode-me ser permitido comentar que, aos olhos daqueles mais próximo a ele, também foi um ano de nova e mais plena evidência da graça de Deus, e que, de minha parte, me foram deixadas abençoadas lembranças de comunhão em conversa e oração que nunca teria sido possível entre nós sem o triunfo da graça divina. A Deus seja a glória!

A Cruz não é apenas dolorosa, é unificadora. O irmão Sparks cria e pregava que, por meio dela, o crente não é apenas levado a um mais amplo gozo pessoal da vida de ressurreição, mas também a uma verdadeira integração na comunhão da Igreja, que é o Corpo de Cristo. Ele nunca poderia pensar em si mesmo como um cristão isolado, nem nas assembléias como grupos isolados, mas tentou manter diante de si o propósito divino da redenção, que é a incorporação de todos os crentes numa membresia vital de um só corpo. Tem acontecido algumas vezes que cristãos muito ansiosos para expressar essa unidade têm, no entanto, contradito o espírito dela por traírem-na em uma atitude de superioridade em relação aos outros cristãos, assim se permitindo estar erradamente divididos de seus companheiros em Cristo. Nós aqui tivemos de confessar nossas próprias falhas a esse respeito, percebendo que nossa própria ânsia de ser fiel à revelação bíblica do que a Igreja deveria ser pode ter produzido intencionalmente uma espécie de separação entre o povo de Deus. Se o irmão Sparks, por vezes, tendeu nessa direção, ele certamente se moveu cada vez mais para longe disso conforme se aproximava da eternidade, aumentando progressivamente seu cuidado de mostrar uma apreciação adequada por todos os verdadeiros crentes, independentemente da conexão deles.

Ele deve ter sido tentado, por vezes, a afastar-se da comunhão prática com a igreja aqui em Honor Oak, pois talvez nós o limitássemos e, ocasionalmente, o irritávamos, mas Deus lhe deu a graça de nunca sucumbir a essa compreensível tentação. Ele ficou conosco até o final, mantendo o vínculo de comunhão intacto, mostrando um interesse amoroso pela próxima geração e participando conosco em adoração e oração, enquanto tinha condições físicas. Devemos muito a suas orações para nós, e ele apreciava profundamente o apoio em oração que pudemos lhe dar, especialmente nas conferências que ministrou em muitos lugares. Suas últimas mensagens à igreja, que me foram confiadas em seu leito, foram de grande gratidão por nossas orações. Nos últimos dias de grande fraqueza, quando muitas vezes ele parecia incapaz de lidar com qualquer tipo de comunicação, ele nunca deixou de dar um sussurrado “Amém” quando orações eram feitas, mostrando que, enquanto tudo o mais estava se tornando cada vez mais irreal, ele ainda poderia responder à grande realidade da oração “no Nome”.

Na verdade, a oração tinha sido sua vida, mais do que a pregação. Nesse assunto, ele estabeleceu um fundamento para o trabalho e estabeleceu um padrão que, pela graça de Deus, vamos procurar manter. Enquanto ainda era pastor da igreja batista local, ele costumava viajar toda terça-feira a fim de passar a hora do almoço orando com seus dois colegas, George Paterson e George Taylor, que trabalhavam secularmente na cidade naquela época. Após a igreja haver se mudado para as atuais instalações em 1926, primeiro Paterson e, em seguida, o Taylor renunciaram a seus cargos, a fim de serem totalmente livres para o trabalho espiritual, o que deixou ainda mais oportunidades para a oração unida, que se tornou uma característica proeminente tanto na vida da igreja como também na vizinha Guest House4.

Para o irmão Sparks, a oração tinha muitos aspectos, como é demonstrado por seu livro In Touch with the Throne (Em contato com o trono; disponível gratuitamente aqui). Ele nos deu o exemplo da oração que é adoração, não pedindo ou intercedendo, mas apenas oferecendo a Deus a adoração e o amor que Lhe são devidos. Frisou constantemente a importância do que chamou de “oração executiva”, que significava não apenas um pensamento anelante com o carimbo de “Amém” no final, mas a reivindicação ousada das promessas de Deus em nome do Senhor. Ele introduziu muitos de nós na realidade da “batalha de oração”, pois sabia que, só por chegar ao confronto com os inimigos invisíveis da vontade de Deus, é que a Igreja pode aplicar a vitória de Cristo a situações reais. Porque a oração é uma batalha, às vezes ele ficava muito triste quando nossas reuniões de oração tendiam a enfraquecer, mas ele nos reunia de novo para a luta e estava sempre pronto para se alegrar quando parecíamos romper na vitória da fé e estar “em contato com o trono”.

Talvez um de seus primeiros livros possa melhor nos dar uma indicação real para toda a sua vida e ministério. Ele é chamadoThe Centrality and Supremacy of the Lord Jesus Christ (A centralidade e a supremacia do Senhor Jesus Cristo). Foi aí onde ele começou, e foi aí onde ele terminou, pois se tornou perceptível em seus anos finais que perdeu o interesse em assuntos e concentrou sua atenção na pessoa de Cristo. Cristo é central! Nenhum de nós vai alegar ter estado sempre “no centro”, e ele certamente não faz tal afirmação, mas era o objetivo de sua vida e o alvo de toda a sua pregação e ensino reconhecer aquela centralidade e reverenciar [e submeter-se à]5 aquela supremacia. Em seu funeral, havia centenas que responderam plenamente à sugestão de que o irmão Sparks os tinha ajudado a conhecer Cristo de forma mais plena e mais satisfatória. Se alguém pode fazer homens perceberem algo mais do valor e da maravilha de Cristo, de modo que O amem mais e O sirvam melhor, então, tal pessoa não viveu em vão. Muitos no mundo inteiro podem dizer sinceramente que, por meio das palavras escritas ou faladas de “T. A-S.” [ou TAS], foi isso que lhes aconteceu e, especialmente com aqueles que vieram à fé em Cristo como Salvador graças a seu ministério, serão sua alegria no dia de Jesus Cristo. Além disso, algumas das verdades, que não eram de forma alguma aceitas quando proclamou-as anos atrás, já se tornaram amplamente aceitas entre os cristãos evangélicos. Por isso, é possível que, no longo prazo, seu ministério possa provar ter sido mais frutífero do que pareceu para ele ou para outros. É função do mordomo ser fiel, e isso ele buscou ser: apenas o Mestre é competente para julgar seu sucesso.

A primeira mensagem que eu o ouvi dar, em 1924, foi um apelo aos presentes para se apressarem em direção ao alvo para o prêmio, e concluiu com uma referência à entrada abundante no reino eterno que é prometida em 2Pedro 1:11. Agora, depois de mais de 47 anos de alegrias e provações por viver para Cristo, ele terminou sua carreira, e nós confiamos que sua entrada tenha sido de fato rica e abundante. Embora ele tenha ido embora, sua mensagem ainda traz o desafio para nós, que fomos deixados para trás, e, embora seus lábios estejam agora em silêncio, suas orações por nós ainda serão respondidas.

Parece algo significativo o fato de que ele foi para estar com Cristo imediatamente após o feriado da Páscoa, pois o culto de encerramento de nossas Conferências de Segunda-feira da Páscoa sempre foram um destaque, como muitos dos que estavam presentes concordarão. O irmão Sparks poderia dar mensagens longas, e muitas vezes o fez, mas sua mensagem de encerramento na ocasião era invariavelmente breve e direta ao ponto. O ponto era freqüentemente a Segunda Vinda de Cristo, e, à medida que nos reuníamos em grande número ao redor da mesa do Senhor e concluíamos com uma música triunfante sobre “A esperança da vinda do Senhor”, realmente o céu desceu e a glória encheu nossa alma. Naquela segunda-feira de Páscoa não houve essa reunião, mas na manhã seguinte cedo, nosso irmão passou tranquilamente para a presença de Cristo, a fim de aguardar ali o momento em que a esperança se tornará uma realidade gloriosa e vamos todos juntos encontrar o Senhor “nos ares”.

A voz do irmão Sparks não é mais ouvida entre nós, mas no culto de sepultamento a voz de seu Senhor e a nossa pareciam soar pelas salas, gritando: “Certamente, venho sem demora!” Como um só homem, toda a multidão respondeu: “Vem, Senhor Jesus.” Nesse ambiente, nós saímos para a luz do sol a fim de colocar o corpo de nosso irmão para descansar e cantar triunfantemente em torno de seu túmulo aberto: “Um dia Ele virá. Oh, glorioso dia!”

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(Traduzido por Francisco Nunes de An Appreciation of T Austin-Sparks by Harry Foster, original aqui. Se houver qualquer sugestão para aprimoramento deste trabalho, por favor, deixe um comentário.)

1The Honor Oak Christian Fellowship & Conference Centre, geralmente chamado de Christian Fellowship Centre ou Honor Oak, era uma construção para conferências cristãs e treinamento localizada na rodovia Honor Oak, na região sudeste de Londres. O centro foi a base para o ministério de seu fundador, o evangelista e escritor britânico T. Austin-Sparks, que havia sido anteriormente o ministro da igreja batista Honor Oak, de 1921 a 1926. Mais informações aqui. (N.T.)

2Este é o refrão do hino We limit not the truth of God (Não limitemos a verdade de Deus), letra de George Rawson. A letra completa e a melodia estão aqui.

3Raised up, no original, permite ambas traduções. (N.T.)

4Local de hospedagem junto ao Honor Oak. (N.T.)

5Bow, no original, permite ambas traduções. (N.T.)

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Eficácia no testemunho (Charles Malik)

Por uma maior eficácia no testemunho de Jesus Cristo, bem como em favor de Sua causa, os evangélicos não podem se dar ao luxo de continuar vivendo na periferia da existência intelectual responsável.

Uma entrevista com ele:

Para saber mais sobre Malik, clique aqui.

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O fundamento da Igreja e a fé (Mauro Meister)

Em Mateus 16 temos a narrativa de um diálogo entre Jesus e seus discípulos durante um “retiro espiritual” que fizeram pelas “bandas de Cesaréia de Filipe” (v. 13). Afastado das multidões, das controvérsias com os fariseus e outros adversários, das tremendas demandas diárias que recebia de todos à volta, o Senhor chama aqueles que estavam mais próximos à reflexão, para lhes mostrar alguns dos fundamentos sobre os quais a “sua igreja” seria continuada e firmada na face da terra.
Com a excelência da pedagogia que sempre é evidente nos Evangelhos, nosso Senhor começa a sua lição sobre os fundamentos da Igreja com uma pergunta que vai levar a uma outra: “Quem diz o povo ser o Filho do Homem?”.  Certamente, o simples invocar do nome “Filho do Homem” já faria com que os discípulos refletissem a respeito das mais diversas conversas e discussões acaloradas, tidas depois das leituras dos textos da Torá aos sábados na Sinagoga. Quem é o “Filho do Homem” segundo os Salmos ou o Daniel, ou mesmo na forma como a expressão é empregada para chamar o profeta Ezequiel?  Quem é esse a quem tanto esperamos, era a pergunta no ar?
A resposta estava pronta, mostrando que havia algumas principais correntes de interpretação entre os doutos, correntes essas que se espalhavam na opinião do povo: João Batista, Elias, Jeremias ou algum dos profetas… (v. 14). Mal sabia o povo que o Filho do Homem já andava entre eles a cerca de 30 anos, e pouquíssimos o reconheceram, dentre eles, alguns cegos, exatamente para mostrar que o real problema da humanidade não é a cegueira física, mas a cegueira espiritual.
Continuando com a sua sutil e certeira pedagogia, Jesus faz, então, a pergunta que realmente interessa: “Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?” (v. 15). Observe que a associação é imediata: “o Filho do Homem” e quem “eu sou”.  Aqui está a primeira lição direta: Jesus é o Filho do Homem anunciado no Antigo Testamento.
Como é usual, Pedro sai na frente ao dar a resposta. É peculiar de Pedro adiantar-se em falar e agir. E a resposta de Pedro é direta: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (v. 16). A resposta é carregada de conceitos teológicos fundamentais que são trazidos pelos textos da Lei, dos Salmos e dos Profetas. Em resumo, Pedro faz uma associação teológica dizendo que o Filho do Homem é o mesmo Messias, que é o Cristo e que este mesmo é o Filho do Deus vivo, e, afinal, era este homem que estava diante dos seus próprios olhos na região de Cesaréia de Filipe. A partir desta realidade, aprendemos alguns importantes princípios no diálogo que se desenvolve.
Princípio da Revelação
Na resposta do diálogo, Jesus mostra, então, o primeiro grande fundamento sobre o qual a sua igreja está firmada: a iluminação do Espírito Santo sobre a Revelação, ou como chamarei aqui, o Princípio da Revelação.  O Senhor Jesus diz que não foi carne ou sangue que fizeram Pedro reconhecer esta verdade revelada nas Escrituras e agora exposta diante de seus próprios olhos, mas o próprio Deus. Esta é uma das fundamentais diferenças entre o cristianismo e outras religiões. A revelação que vem da parte de Deus e que corresponde à realidade dos fatos. Jesus é aquele que a Escritura diz que ele é. Jesus é aquele que ele mesmo diz ser. Jesus é aquele que Deus diz ser! Temos aqui três ideias básicas. Primeiro, que a revelação passada se cumpre em Cristo, afinal, ele é o Messias prometido. Segundo, que a revelação presente, na encarnação do Filho do Deus vivo, é superior. Não no sentido de que a revelação anteriormente dada fosse imperfeita, mas agora, ela é completa e plena. Tudo o que Deus quis revelar, mostrou-nos no seu Filho (Hb 1.3; Jo 1.18). E terceiro, aprendemos que a iluminação individual é fundamental. O verso 17 nos ensina que Deus revelou a Pedro esta verdade. Os escribas, fariseus e todos os estudiosos da época tinham as mesmas fontes que Pedro tinha, mas foi Pedro quem conectou os pontos da revelação passada com a revelação presente diante dos seus olhos. Esta mesma verdade é viva hoje quando, pela iluminação do Espírito Santo, percebemos na Escritura a verdade de Deus. Crer na revelação da Palavra de Deus é uma bem-aventurança: “Bem-aventurado és, Simão Barjonas”. Sobre esta revelação é que a fé da Igreja deve ser fundamentada.
Princípio da Edificação
A resposta de Jesus a Pedro começou com uma troca de palavras: você disse que eu sou o Cristo, e eu digo, Simão Barjonas (Simão filho de Jonas), que você é pedra (o significado do apelido de Simão, Pedro). Jesus usa deste trocadilho para trazer à luz uma das mais importantes verdades a respeito da fé da Igreja: “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (v. 18).
O catolicismo romano imediatamente interpretou o jogo de palavras, Pedro e pedra, como sendo a mesma palavra e nisto construiu a doutrina do papado, sendo Pedro o primeiro desta suposta sucessão. Mas há aí uma falácia. Quando Jesus diz “esta pedra”, não refere-se a Pedro, mas à verdade pronunciada por Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. É sobre esta verdade que a Igreja irá subsistir, a obra do Filho de Deus. O próprio Pedro, refletindo sobre esta verdade, fala-nos em sua primeira epístola: “Por isso, na Escritura se diz: Eis que ponho em Sião uma principal pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido” (1Pe 2.6).
A grande lição aprendida aqui é que a Igreja de Jesus nunca poderá ser edificada sobre fundamentos humanos. Sempre que interferimos e nos colocamos no lugar do fundamento verdadeiro encontramos diante de nós uma igreja falsificada, trasvestida e irreconhecível como igreja de Cristo.
Princípio da Propriedade
Da mesma forma como a igreja não pode ter fundamentos lançados por homens, ela não pode ter homens como seus proprietários! No final do verso 18, o Senhor Jesus usa a expressão “minha igreja”. A igreja é dele, sua noiva, pela qual ele tem verdadeiro zelo e compromisso. Com base nesta verdade é que são feitas muitas promessas à Igreja e a respeito da Igreja, dentre elas, a de que vai ele apresentá-la sem mancha, ruga ou mácula.
O Senhor sabe que é necessário cumprir toda a sua obra pela Igreja, para que possa resgatá-la de forma completa. Por isto mostra aos seus discípulos:  “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (v. 21). Ele diz “minha igreja”  porque ele é o único dono dela, trabalhou até a morte para que pudesse comprá-la com seu sangue e ninguém mais pudesse clamar posse sobre ela e seus membros. A Igreja de Jesus não existiria como tal sem a sua morte e ressurreição, o que lhe dá completa posse dela.
Princípio da Autoridade
Por último, podemos perceber o princípio da autoridade de Cristo sobre a sua Igreja. Para demonstrar este princípio temos, em primeiro lugar, a afirmação desta autoridade: “E as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (v.18b). O conceito é, de certa forma, muito simples: o fato da Igreja ter a autoridade da revelação de Deus, ser a propriedade e a edificação de Cristo, não há nada neste mundo, nem o próprio inferno, que possa se colocar contra ela e vencer. Assim, a verdadeira Igreja de Cristo não tem o que temer; não há poderes que possam terminá-la, porque ela pertence a Cristo. Aliás, opor-se à obra de Cristo na Igreja é obra de Satanás e é por isto que Pedro é repreendido severamente ao opor-se, quando foi dito que era necessária a morte e ressureição do Senhor.
Por outro lado, a verdadeira Igreja trabalha como uma agência do céu aqui na terra. O Senhor afirma: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus” (v.19). Veja que o texto é muito claro em dizer que a ordem da ação de ligar e desligar começa no céu e é implementada na terra pela Igreja. Acredito que aqui temos o ensino claro, somado ao contexto de Mateus 18.15-18, onde aparece a mesma expressão, que a Igreja tem a obrigação de admitir e demitir aqueles que não cogitam das coisas de Deus. A Igreja tem a responsabilidade de abrir e fechar a porta para que as “portas do inferno” não operem dentro dela mesma. Logo, a Igreja na terra deve viver na busca de realizar a vontade soberana do Pai do céu.
E como, afinal, esta fé deve ser vivida aqui na terra?
“Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.  Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á.  Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?  Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras.  Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino” (16.24-28).
O que o texto nos mostra é que a vida de fé na igreja deve ser vivida em torno da cruz! É, com certeza, uma vida de negação dos padrões da individualidade egoísta para viver os padrões da vida do bem-aventurado. Da mesma forma como era necessário que o Senhor fosse a Jerusalém para passar pela cruz, o cristão toma a sua cruz e segue a Jesus nos passos da ressurreição.
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Sobre o autor: Mauro Meister é graduado pelo Seminário Presbiteriano do Sul. Fez mestrado em Teologia Exegética do Antigo Testamento no Covenant Theological Seminary e doutorado em Línguas Semíticas, com especialização em hebraico, na Universidade de Stellenbosch, na África do Sul. É pastor da Igreja Presbiteriana Barra Funda, em São Paulo, presidente do Conselho de Educação Cristã e Publicações da Igreja Presbiteriana do Brasil e membro do Conselho Editorial da Cultura Cristã (Casa Editora Presbiteriana). Atua no campo da educação básica como Diretor Executivo da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI). É autor do livro “Lei e Graça” (2003) e de artigos na revista Fides Reformata, da qual é co-editor.
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