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Vida cristã

Os decretos eternos de Deus

Dr. Martin Lloyd-Jones

Em nossa consideração destas doutrinas bíblicas, chegamos agora a uma nova seção da doutrina particular com que estivemos tratando, ou seja, a doutrina sobre Deus. Vocês se lembrarão de que temos considerado o que a Bíblia nos diz sobre o ser, a natureza e o caráter de Deus, como aprouve a Ele nos revelar essas particularidades nas Escrituras. Consideramos, igualmente, os nomes que Deus aplicou a Si próprio como uma parte desta revelação de Seu ser essencial, bem como Sua relação com a criação. E isso, por sua vez, nos trouxe à consideração da grande, poderosa e inescrutável doutrina da bem-aventurada santíssima Trindade.

Agora, considerando ainda a doutrina sobre Deus, chegamos à próxima seção, que é obviamente a seguinte: as obras de Deus; a atividade de Deus; o que Deus fez. Esta é uma espécie de subseção ou ramo da doutrina geral concernente a Deus. E a pergunta é: o que vem a seguir? Que é que vamos considerar? Estamos para considerar as obras de Deus; portanto, se lhes fosse formulada a seguinte pergunta: “O que vocês pensam vir a seguir na seqüência bíblica e na ordem lógica?” Sinto-me curioso em saber a resposta que vocês dariam. Posso estar equivocado, mas acredito que, se eu fosse fazer a pergunta, muitos provavelmente diriam que obviamente nos dirigiremos imediatamente à doutrina da Criação.

Ora, é evidente que há um sentido em que essa seria a resposta correta, mas, francamente, a minha impressão é que não é, embora descobrirão, se examinarem certos livros que tratam destes assuntos, que é precisamente isso o que eles fazem. Vocês poderiam citar um bom número de autoridades que vão diretamente da doutrina da natureza e caráter de Deus à questão da Criação. Mas tal procedimento parece-me completamente errôneo. E antibíblico, e portanto não é a coisa certa e própria a fazer.

Antes de abordarmos a doutrina sobre a Criação, há algo que devemos considerar primeiro, e procedemos assim porque a Bíblia nos fala sobre ele, ou seja, a Bíblia, antes mesmo de dizer-nos o que Deus fez, nos conduz ao caráter de todas as atividades de Deus. Há muito na Bíblia, como pretendo mostrar-lhes, sobre o modo como Deus faz as coisas, e é importante que consideremos isso antes de considerarmos exatamente o que Deus fez.

Há seguramente grandes princípios que sublinham e caracterizam todas as obras de Deus. Noutras palavras, antes de Deus criar o mundo e o homem, Ele ponderou, Ele intentou e determinou certas coisas. Daí, esta abordagem deve entrar neste ponto. Certas coisas foram decididas na mente e no conselho eterno de Deus, antes que Ele fizesse qualquer coisa no âmbito da Criação, e a impressão que tenho, portanto, é que esta é a seqüência obviamente cronológica (se podemos usar tal termo), certamente a seqüência obvia e lógica que deve ser seguida.

Ora, a descrição que é apresentada na Bíblia referente ao modo ou ao método de Deus operar consiste no que comumente se chama a doutrina dos decretos eternos de Deus. Essas são coisas que Deus determinou e ordenou antes que tivesse feito qualquer coisa. Ora, quero admitir muito francamente que estou chamando sua atenção outra vez para um tema extremamente difícil. Não peço desculpas por isso porque, como lhes mostrarei, esta não é uma questão de escolha. A obrigação de alguém, ao expor a Bíblia, é a de expor toda a Bíblia. Todavia admito que este é um tema muito difícil, e creio que é por isso que muitos dos livros não o incluem. Mas ele é tão escriturístico, que precisa ser encarado. É como a doutrina sobre a santíssima Trindade – em certo sentido, se acha além de nossas mentes. Entretanto, segundo vimos acerca dessa doutrina, não devemos evitá-la só pelo fato de ser difícil.

Para o encorajamento de vocês, contudo, creio poder prometer-lhes que algumas destas doutrinas primárias e preliminares são mais difíceis em razão de estarmos tratando com a mente do Eterno, e de estarmos, portanto, considerando algo que se acha além do nosso finito entendimento e da apreensão de nossos débeis e ínfimos intelectos. De certo ponto de vista, as doutrinas do homem, da criação e da salvação são, necessariamente, muito mais fáceis.

“Mas”, alguém poderá dizer, “em vista da dificuldade e inescrutabilidade dela, por que é preciso considerá-la? Por que não entramos diretamente nas doutrinas da Criação, do homem e da Queda? É nisso que estamos realmente interessados; é isso que queremos saber.” Muito bem, é preciso que apresentemos algumas respostas a uma objeção como essa. Minha primeira razão para chamar sua atenção para esta doutrina, como já me expressei, é que ela se acha revelada na Bíblia; e diante desse fato, ela exige obviamente a nossa consideração e estudo.

Posso colocá-lo assim: não seria bastante surpreendente observar e considerar quão inclinados somos nós a ler apenas certas porções da Bíblia? Gostaria de saber se vocês lêem o nono capítulo da Epístola aos Romanos com tanta freqüência como lêem o oitavo. Se porventura vocês são daqueles que lêem a Bíblia a esmo, então não o fazem. Ora, não temos o direito de escolher e selecionar somente o que queremos da Bíblia. Já concordamos que ela é a Palavra inspirada de Deus. Se creio nisso acerca da Bíblia, do começo ao fim, então devo levar em conta toda a minha Bíblia. O fato de haver porções que me deixam perplexo, não é motivo para afastar-me delas. Devo lê-la inteiramente, apegar-me a ela toda; devo tentar compreendê-la totalmente. E desde que esta eminente doutrina dos decretos de Deus está na Bíblia, então é minha obrigação estudá-la.

Eis outra razão – e creio que vocês concordarão comigo quando tivermos concluído: ela nos revelará inusitados aspectos da glória do próprio Deus. Ela nos oferecerá, por assim dizer, uma maior e mais excelente concepção de Deus, o que, por sua vez, promoverá nossa adoração a Deus. jamais me canso de dizer que a real dificuldade da evangelização moderna é que não empregamos tempo suficiente com a doutrina a respeito de Deus.

Sentimo-nos tão interessados numa experiência subjetiva, e numa salvação subjetiva, que nos esquecemos desta doutrina do próprio Deus; e tal fato é responsável por muitos de nossos conflitos e problemas. Quanto mais conhecermos sobre Deus e Sua infinitude, tanto mais O adoraremos.

Outra razão, portanto, para considerarmos esta doutrina está no fato de que ela nos poupará de muitos erros. A maioria dos erros em que homens e mulheres têm caído ao longo dos séculos, e em muitas outras questões que se tem suscitado, tem sido em razão do fato de nunca terem chegado a compreender, como deviam compreender, o ensino da Bíblia no tocante aos decretos eternos de Deus.

E minha última razão para chamar sua atenção para ela é que, quanto a mim, não conheço nada que me transmite maior consolação do que esta doutrina particular. Não hesito em dizer que nada me transmite conforto mais Profundo do que saber que por trás de mim, ínfima criatura que sou, transitando por este mundo momentâneo, existe esta doutrina dos decretos eternos do próprio Deus.

Muito bem, se essa é a razão por que a estamos considerando, então deixem-me dizer apenas uma palavra sobre como a consideraremos, e como tal coisa é tão importante. A primeira coisa que temos a fazer, quando estamos considerando esta doutrina, consiste em livrar-nos de nossos preconceitos e de todo e qualquer gênero de espírito partidário. Pelo termo “espírito partidário” quero dizer que todos nós somos inclinados a assumir certas posições e, inconscientemente, estamos às vezes muito mais preocupados em defender o que pensamos ser aquilo em que temos sempre crido, do que em descobrir a verdade.

A outra forma negativa é que não devemos aproximar-nos deste tema filosoficamente. Sei que continuo falando sobre isso! A filosofia é uma grande maldição na esfera da fé cristã porque, por implicação, a filosofia é sempre algo que se inclina a entender todas as coisas como um todo. Esse é o intento da filosofia -avaliar tudo com a mente humana. Mas estamos agora tratando de algo para o qual a mente é completamente inadequada.

Portanto, devemos compreender que, quando nos aproximamos deste tema, há aspectos dele que, por implicação, não conseguiremos entender.

E então, positivamente, devemos aproximar-nos deste tema com humildade; devemos aproximar-nos dele com reverência; devemos aproximar-nos dele pela fé e com uma pronta admissão de nossas próprias limitações. Devemos aproximar-nos dele com uma mente aberta, buscando e inquirindo pelo ensino das Escrituras. Devemos achegar-nos num espírito infantil, prontos a receber o que nos é revelado, e prontos, devo acrescentar, a não fazer perguntas que vão
além da revelação das Escrituras.

Aliás, estou cada vez mais convencido de que fé é a disposição de alguém submeter-se aos limites bíblicos. É a disposição de não fazer perguntas sobre coisas que não se acham reveladas nas Escrituras. Fé consiste em dizer: “Muito bem, levarei em conta tudo quanto é registrado na Bíblia, e não quero saber de nada mais além disso. Estou satisfeito com a revelação.” Devemos aproximar-nos desta grande doutrina dessa forma.

Acima de tudo, é preciso que compreendamos que há certas coisas que, com nossas mentes finitas, não seremos capazes de conciliar umas com as outras. Ora, estou tentando evitar o uso de termos técnicos o quanto posso, todavia aqui devo introduzir a palavra antinomia – não antimônio. O que é uma antinomia? E aquela posição em que nos são dadas duas verdades, as quais, por nós mesmos, não podemos conciliar. Há certas antinomias finais na Bíblia, e, como pessoas de fé, devemos estar dispostos a aceitar tal fato. Quando alguém diz: “Oh, mas você não pode conciliar esses dois”, você deve prontamente dizer: “É verdade, não posso. Não presumo ser capaz de fazê-lo. Eu não sei. Só creio no que me é dito nas Escrituras.”

Pois bem, aproximamo-nos desta grande doutrina assim: à luz das coisas que já consideramos sobre o ser, a natureza e o caráter de Deus, esta doutrina dos decretos eternos deve ser deduzida como uma necessidade suprema e absoluta. Devido Deus ser quem é e o que Ele é, Ele tem de operar da maneira como Ele opera, Como temos visto, todas as doutrinas na Bíblia são consistentes umas com as outras, e quando estamos considerando alguma doutrina específica, devemos lembrar que ela deve ser sempre consistente com todas as demais. Portanto, quando decidimos estudar o que a Bíblia nos afirma sobre o modo como Deus age, devemos tomar cuidado para não dizermos algo que contradiga o que já afirmamos sobre Sua onisciência, Sua onipotência e todas as demais coisas, que juntos temos concordado estarem nas Escrituras.

Ora, tendo dito tudo isso, permitam-me fazer uma afirmação positiva da doutrina e, a fim de torná-la clara, pô-la-ei na forma de uma série de princípios.. O primeiro é que, desde a eternidade, Deus tem tido um plano imutável com referência às Suas criaturas. A Bíblia está constantemente fazendo uso de uma frase como esta: “Antes da fundação do mundo” (Vejam Ef 1:4). Como o apóstolo Paulo disse sobre o nascimento de nosso Senhor: “Mas, vindo a plenitude dos tempos…” (Gl 4:4).

Podemos colocá-lo em termos negativos: Deus jamais faz algo com indiferença. Nunca há algo incerto em Suas atividades. Poderia pô-lo ainda noutra forma: Deus jamais tem uma segunda reflexão. Lembrem-se de que já concordamos que Ele é onisciente e onipresente, que Ele conhece tudo desde o princípio ate o fim, Portanto Ele não pode ter uma segunda reflexão. Nada é acidental, casual, incerto ou fortuito. Deus tem um plano, um propósito definido sobre a criação, sobre os homens e as mulheres, sobre a salvação, sobre a vida neste mundo na sua totalidade, sobre o fim de tudo, sobre o destino final. Tudo o que Deus tem feito e causado é segundo o Seu próprio plano eterno, e esse é fixo, certo, imutável e absoluto. Essa é a primeira afirmação.

A segunda consiste em que o plano de Deus compreende e determina todas as coisas e eventos, de toda espécie, que acontecem. Se vocês crêem que Deus determinou certos fins, então precisam crer que Ele determina tudo o que conduz a esses fins. Se crêem que Deus decidiu criar num dado ponto, que Ele decidiu que o fim do mundo, de acordo com o tempo, deve suceder num dado ponto, seguramente, se o fim é determinado, tudo o que conduz a esse fim deve ser também determinado; e vocês compreendem que há também uma espécie de interrelação entre todos os eventos e coisas que acontecem, e que todos estão se dirigindo para esse fim. Desse modo, a doutrina dos decretos eternos de Deus declara que todas as coisas são finalmente determinadas e decretadas por Ele.

Por conseguinte, se tudo está determinado por Deus, devem-se incluir, necessariamente, as ações livres, as ações voluntárias de agentes livres e voluntários. Ora, essa é uma afirmação fundamental.. Deixem-me fragmentá-la um pouco e apresentar-lhes a evidência escriturística. Com respeito ao sistema como um todo, isso é colocado muito claramente pelo apóstolo Paulo. Diz ele: “De tornar a congregar em Cristo todas as coisas, na dispensação da plenitude dos tempos, tanto as que estão nos céus como as que estão na terra; nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade” (Ef 1:10,11). Com efeito, isso se aplica a todas as coisas. Paulo está falando ali do cosmo como um todo sendo unido em Cristo, e ele diz que Deus irá realizar isso dessa maneira.

Em seguida temos mais evidência escriturística a demonstrar que Deus, dessa maneira, governa, controla e determina os eventos que aparentam aos nossos olhos ser totalmente fortuitos. No livro de Provérbios, lemos: “A sorte se lança no regaço, mas do Senhor procede toda a sua disposição” (Pv 16:33). Chamamos “sorte” uma questão de probabilidade e casualidade, não é verdade? Vocês “lançam” a sorte. Sim, diz essa passagem das Escrituras: “mas do Senhor procede toda a sua disposição”. Também no Novo Testamento lemos que nosso Senhor diz: “Não se vendem dois passarinhos por um ceitil? E nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai” (Mt 10:29). Um pequeno pardal estatela-se morto e cai por terra. Acidente, diz você. Casualidade. Absolutamente, não! “Nenhum deles cairá em terra sem a vontade de vosso Pai.” A vida de um pequeno pardal está nas mãos de Deus. Ele, porém, prossegue: “E até mesmo os cabelos da vossa cabeça estão todos contados” (v. 30). Há eventos que parecem ser totalmente acidentais, no entanto são controlados por Deus.

Em seguida, tomem nossas ações livres. Leiam Provérbios 21:1: “Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; a tudo quanto quer o inclina.” O rei parece estar livre, porém Deus está controlando-o como controla os próprios rios. Efésios 2:10 nos declara: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas.” E Filipenses 2:13 nos diz: “Porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.”

Não obstante, chegamos a algo mais extraordinário e surpreendente: as Escrituras nos ensinam que até mesmo as ações pecaminosas estão nas mãos de Deus. Ouçam Pedro pregando no dia de Pentecoste, em Jerusalém: ‘A este que vos foi entregue pelo determinado conselho e presciência de Deus, tomando-o vós, o crucificastes e matastes pelas mãos de injustos” (At 2:23). Em seguida, Pedro o coloca nestes termos: “Porque verdadeiramente contra o teu santo Filho Jesus, que tu ungiste, se ajuntaram, não só Herodes, mas Pôncio Pilatos, com os gentios e os povos de Israel” – prestem atenção – “para fazerem tudo o que a tua mão e o teu conselho tinham anteriormente determinado que se havia de fazer” (At 4:27,28). O terrível pecado daqueles homens fora determinado de antemão, pelo conselho de Deus.

Temos também um tremendo exemplo disso no livro de Gênesis, aquela famosa declaração de José a seus irmãos. José, rememorando os fatos de sua história, virou para seus irmãos e disse: “Assim não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus…” (Gn 45:8). Do nosso ponto de vista, foram eles que o fizeram. Eles haviam agido perversamente, haviam feito algo muito ímpio, movidos por motivos mercenários e como resultado de sua própria inveja. “Mas”, disse José, “não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus”. Estas ações pecaminosas emanaram deste grande e eterno decreto de Deus.

Ora, sejamos bem explícitos sobre isto. Em vista do que já concordamos sobre a santidade de Deus, devemos uma vez mais dizer o seguinte: Deus não causa o mal em nenhum sentido, em nenhum grau. Deus não aprova o mal. Ele, porém, permite que os agentes perversos o realizem, e então o administra para Seus próprios fins sábios e santos.

Ou avaliem-no assim, se o preferirem: o mesmo decreto de Deus que ordena a lei moral, que proíbe e pune o pecado, também permite sua ocorrência. Limita-o, porém, e determina o canal específico ao qual ele será restringido, bem como a finalidade exata para a qual ele será dirigido, e controla suas conseqüências para o bem. A Bíblia nos ensina isso claramente. Ouçam novamente aquele relato sobre José e seus irmãos em Gênesis 50:20. Disse José: “Vós bem intentastes mal contra mim, porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida a um povo grande.” E creio que, em muitos aspectos, o exemplo mais chocante de todos se encontra na traição de Jesus por Judas: uma ação livre e voluntária, e no entanto um componente do grande e eterno propósito e plano de Deus.

Assim sendo, isso me conduz à minha terceira proposição geral, ou seja: todos os decretos de Deus são incondicionais e soberanos. Eles não dependem, em nenhum sentido, das ações humanas. Não são determinados por alguma coisa que a pessoa possa ou não fazer. Os decretos de Deus não são nem ainda determinados à luz do que Ele sabe que as pessoas irão fazer. Eles são absolutamente incondicionais. Não dependem de nada, a não ser da própria vontade e da própria santidade de Deus.

Entretanto – quero deixar isto bem claro – não significa que não exista o que se chama causa e efeito na vida. Isso não significa que não exista o que se chama ações condicionais. Sim, existe aquilo a que se chama, na natureza e na vida, causa e efeito. O que a doutrina afirma, porém, é que cada causa e efeito, bem como as ações espontâneas, são componentes do decreto do próprio Deus. Ele determinou agir dessa maneira particular. Deus decretou que o fim que Ele tem em vista será cumprido, certa e inevitavelmente, e que nada poderá impedi-lo nem frustrá-lo.

Deixem-me apresentar-lhes agora a minha evidência para tudo isso. Tomem a profecia de Daniel: “E todos os moradores da terra são reputados em nada; e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra: não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: que fazes?” (Dn 4:35). Nada pode impedir a mão de Deus, nem mesmo questioná-la. Ou então ouçam a nosso Senhor afirmar este mesmo fato em Mateus 11:25,26: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos. Sim, ó Pai, porque assim te aprouve.” Por que Deus tem escondido estas coisas aos “sábios e entendidos” e as revelado aos “pequeninos”? Só existe uma resposta – “porque assim te aprouve”, porque assim pareceu bem aos Seus olhos.

Paulo também afirma a mesma coisa: “E nos predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo, segundo o beneplácito de sua vontade” (Ef 1:5). Recomendo-lhes um cuidadoso estudo da primeira metade do primeiro capítulo da Epístola aos Efésios. Atentem bem para tudo o que ela diz, e saberão que tudo o que Deus tem feito é sempre “segundo o beneplácito de Sua vontade”. Nada mais, absolutamente. E inteiramente pela graça.

Mas, naturalmente, vocês encontrarão esta doutrina afirmada ainda mais claramente naquele grande e poderoso capítulo nove da Epístola aos Romanos. Desejo, neste momento, enfatizar especialmente o versículo 11. Vocês descobrirão que ele é um versículo entre parênteses; porém, que grandioso versículo! Que declaração! “Porque, não tendo eles ainda nascido, nem tendo feito bem ou mal (para que o propósito de Deus, segundo a eleição, ficasse firme, não por causa das obras, mas por aquele que chama).” O argumento de Paulo consiste em que Deus decretara que o mais velho servisse ao mais jovem, porque, mesmo antes que houvessem nascido, Ele havia dito: ‘Amei Jacó, e aborreci Esaú” (v. 13).

“Por que”, vocês perguntam, “Deus amou Jacó, porém odiou Esaú? Foi em razão do que eles fizeram?” Não. Antes que nascessem, antes mesmo que fossem concebidos, Deus escolheu Jacó e não Esaú. Não tinha nada a ver com suas obras, em sentido algum.

O propósito de Deus é incondicional e absolutamente soberano. Ouçam a Paulo dizer novamente: “Que diremos, pois? Que há injustiça da parte de Deus? de maneira nenhuma” (Rm 9:14). Que Deus os livre de chegarem a tal conclusão! É impossível – “Pois diz a Moisés: compadecer-me-ei de quem me compadecer, e terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia. Assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece. Porque diz a Escritura a Faraó: para isto mesmo te levantei; para em ti mostrar o meu poder, e para que o meu nome seja anunciado em toda a terra. Logo, pois, compadece-se de quem quer, e endurece a quem quer” (Rm 9:15-18).

Deixem-me apresentar o quarto princípio, o qual é que: os decretos de Deus são eficazes. Ora, isso, naturalmente, se deduz necessariamente. Visto que Deus é um Senhor soberano, em virtude de Sua onipotência e de Sua grandeza, Seus propósitos jamais podem fracassar. O que Deus determina e decreta, infalivelmente devera ser cumprido. Nada pode impedi-lo. Nada pode frustrá-lo.

E isso me traz ao quinto princípio: os decretos de Deus são em todos os aspectos perfeitamente consistentes com Sua própria natureza muitíssimo sábia, benevolente e santa. Creio que não é necessário que eu argumente tal fato. Noutras palavras, não existe contradição em Deus. Nem pode haver. Deus é perfeito, como temos visto, e Ele é absoluto, e tudo quanto estou expressando agora se entrosa perfeitamente com tudo quanto já consideramos antecipadamente. Conforme já os adverti na introdução, vocês e eu, aqui na terra, com nossas mentes finitas e pecaminosas, somos confrontados com um problema. Ei-lo: por que Deus decretou permitir o pecado? E há somente uma resposta a essa pergunta: simplesmente não sabemos. Sabemos que Ele decretou permitir o pecado, do contrário o pecado jamais teria acontecido. Por quê, não sabemos. Eis aqui um problema insolúvel. Veremos, porem, tudo claramente quando estivermos na glória e face a face com Deus.

De duas coisas podemos estar certos e devemos sempre asseverar: primeira, Deus jamais é a causa do pecado. Em Habacuque 1: 13, vocês encontrarão expresso: “Tu és tão puro de olhos, que não podes ver o mal.” Tiago diz: “… Deus não pode ser tentado pelo mal, e a ninguém tenta” (Tg 1: 13). Segunda, o propósito de Deus é, em todas as coisas, perfeitamente consistente com a natureza e o modo de agir de Suas criaturas. Noutras palavras, ainda que não possamos conciliá-lo, há uma conciliação final. Os decretos de Deus não negam a existência de agentes livres. Tudo o que sabemos é isto: ainda que Deus concedeu esta liberdade, Ele, não obstante, a tudo governa a fim de que Seus fins determinados possam ser concretizados.

Como pode Deus decretar tudo e ainda manter-nos responsáveis pelo que fazemos? Eis a resposta:

“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: porque me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou” (Rm 9:20-23).

“Mas”, talvez vocês perguntem, “como você concilia estas duas coisas?”

Respondo: não posso. Sei que a Bíblia me afirma as duas coisas: que o homem, em certo sentido, é um agente livre, e, em contrapartida, que os decretos eternos de Deus governam todas as coisas.

Em seguida, devo apresentar minha última proposição, ou seja, a salvação dos homens e das mulheres e dos anjos em particular foi determinada por Deus antes da fundação do mundo. Isso Ele faz inteiramente de acordo com o Seu beneplácito e de Sua graça. Devo remetê-los novamente a Mateus 11:25,26. E em João 6:37, lemos: “Todo aquele que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.” E no versículo 44 nosso Senhor diz: “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer.” Em Atos 13:48, leio o seguinte: “e creram todos quantos estavam ordenados para a vida eterna.”

Em 2 Tessalonicenses 2:13, vocês encontram: “Mas devemos sempre dar graças a Deus por vós, irmãos amados do Senhor, por vos ter Deus elegido desde o princípio para a salvação, em santificação do Espírito, e fé da verdade.” Em seguida, em sua carta a Timóteo, Paulo diz: “Que nos salvou, e chamou com uma santa vocação; não segundo as nossas obras, mas segundo o seu próprio propósito e graça que nos foi dada em Cristo Jesus antes dos tempos dos séculos” (2Tm 1:9).

Especialmente, porém, gostaria de enfatizar novamente aquela grande afirmação, a qual já citei, de Romanos 9:20-23. O apóstolo Paulo, pregando esta grande doutrina dos decretos eternos de Deus, imagina alguém em Roma dirigindo-lhe uma pergunta e dizendo: eu não entendo isso. A mim soa contraditório, injusto. Se o que você me diz sobre estes decretos é verdadeiro, então a impressão que fica é que Deus é injusto. O questionador diz a Paulo: “Por que se queixa ele ainda? Porquanto, quem resiste à sua vontade?” (Rm 9:19).

E a réplica de Paulo é:

“Mas, ó homem, quem és tu, que a Deus replicas? Porventura a coisa formada dirá ao que a formou: por que me fizeste assim? Ou não tem o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa fazer um vaso para honra e outro para desonra? E que direis se Deus, querendo mostrar a sua ira, e dar a conhecer o seu poder, suportou com muita paciência os vasos da ira, preparados para perdição; para que também desse a conhecer as riquezas da sua glória nos vasos de misericórdia, que para glória já dantes preparou)”

Eis aí a resposta do apóstolo. Eis aí a resposta das Escrituras. Eis aí, portanto, a resposta de Deus, a nós e por nós, enquanto estamos neste mundo passageiro. Ela se acha além de nós. Não podemos apreender o supremo funcionamento da mente de Deus. Não adianta perguntar: por que isso? e, por que aquilo? Por que Deus levantou Faraó? Por que Ele escolheu Jacó e não Esaú? Por que Ele nos castiga, se todas as coisas estão determinadas e decretadas? A resposta é: “Mas, ó homem, quem és tu?” Vocês estão opondo sua própria mente contra a de Deus. Estão ignorando quão ínfimos vocês são, quão finitos vocês são, quão pecaminosos em resultado da Queda. Vocês têm que abrir mão do entendimento até chegarem à glória. Tudo o que vocês têm a fazer aqui, no momento, é crer que Deus é sempre consistente consigo mesmo, e aceitar o que Ele explícita e abertamente nos revelou sobre Seus decretos eternos, sobre o que Ele determinou e decidiu antes mesmo que criasse o mundo.

E, acima de tudo, compreendam que, se vocês são filhos de Deus, é em razão de Deus o ter determinado, e o que Ele determinou a seu respeito é indiscutível, seguro e certo. Nada e ninguém pode jamais tirá-los de Suas mãos, nem tampouco levá-lo a renunciar Seu propósito com relação a vocês. A doutrina dos decretos eternos de Deus existiu antes da fundação do mundo. Ele me conheceu. Conheceu a vocês. E os nossos nomes foram escritos no “livro da vida do Cordeiro” antes mesmo que o mundo fosse criado, antes mesmo que vocês e eu, ou algum outro, entrássemos nele.

Curvemo-nos diante de Sua Majestade. Humilhemo-nos em Sua augusta presença. Submetamo-nos à revelação que Ele tão graciosamente Se agradou em nos comunicar.

(Extraído do livro Deus o Pai, Deus o Filho, Dr. Martyn Lloyd-Jones, Editora PES)

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Governo e ministério (G. H. Lang)

George Henry Lang (20/11/1874 – 20/10/1958)

O Dr. S. P. Tregelles deixou informação preciosa e de primeira mão sobre a prática dos irmãos em diversas localidades, incluindo Plymouth (a primeira assembléia na Inglaterra), Exeter, Bath e London.

Ele se uniu à Assembléia em Plymouth em 1835, e no ano de 1849 escreveu:

“Ministério Estabelecido1, mas não Ministério Exclusivo, tem sido o princípio no qual temos atuado até aqui (…) Por Ministério Estabelecido damos a entender que tais e tais pessoas são consideradas como mestres e espera-se que uma ou mais delas ministrem(…) Elas mesmas são responsáveis pelo dom que possuem. Mas isso não é um Ministério Exclusivo, pois existe uma porta aberta para outros que, de tempo em tempo, poderão receber outros dons, a fim de poderem exercitar também os dons que porventura tenham recebido. Liberdade de ministério era o seguinte: todos aqueles que haviam sido capacitados pelo Espírito Santo podiam ministrar, mas era necessário que estes mostrassem primeiro sua capacidade.

“Estou ciente de que, há alguns anos, posições muito democráticas com respeito ao ministério (da Palavra) foram introduzidas em Londres(…) posições totalmente subversivas à ordem piedosa, opostas ao senhorio de Cristo e contraditórias a toda doutrina bíblica dos dons do Espírito, concedidos aos indivíduos(…)”.

Na ocasião em que tais pontos de vista estavam circulando, G. V. Wigram publicou um folheto (ano de 1844) de quatro páginas com o seguinte título: Sobre o Ministério da Palavra. Vou mencionar duas das perguntas e respostas encontradas no referido folheto, dirigidas ao Sr. G. V. Wigram:

O SENHOR ADMITE UM MINISTÉRIO METÓDICO?

“Se por Ministério Metódico (regular ministry) você quer dizer Ministério Estabelecido (stated ministry), isto é, que em cada assembléia aqueles que são dotados por Deus para falar para a edificação são EM NÚMERO LIMITADO E CONHECIDOS DO RESTANTE DA ASSEMBLÉIA, eu concordo. Mas, se por Ministério Estabelecido (regular) você quer dizer Ministério Exclusivo, eu discordo. Por Ministério Exclusivo eu dou a entender o reconhecimento de certas pessoas que monopolizam de forma exclusiva o lugar de mestres, de tal modo que o exercício de um dom real por qualquer outra pessoa seja considerado irregular.”

EM QUE O SENHOR SE FUNDAMENTA PARA FAZER TAL DISTINÇÃO?

“Em Atos 13.1. Observo que em Antioquia havia cinco irmãos que o Espírito Santo reconheceu como mestres: Barnabé, Simeão, Lúcio, Manaem e Saulo. Sem dúvida, os santos (a assembléia) esperavam que estes cinco irmãos ministrassem a Palavra, somente eles, um ou mais deles, conforme fosse do agrado do Espírito Santo. Isso é o que chamamos de Ministério Estabelecido (fixo, regular, reconhecido). Mas não era um Ministério Exclusivo, pois quando Judas e Silas chegaram (Atos 15.32), os demais profetas e mestres os receberam entre eles e o número de mestres ficou maior (nessa ocasião).”

O Dr. Rendle Short, numa grande reunião de professores e obreiros da Escola Dominical, em novembro de 1924, disse o seguinte:

“Danificamos as operações de Deus e matamos de fome nossa alma quando deixamos de lado este princípio (…). Por favor, vocês não devem pensar que as reuniões que chamamos de abertas signifiquem que os irmãos podem ficar à mercê de qualquer orador inútil , alguém que pensa ter algo para falar e se compraz em se impor sobre eles (isto é, sobre os irmãos e irmãs). A chamada “reunião aberta” é aberta sim, ao Espírito Santo e não ao homem!

Existem alguns cuja boca precisa ser fechada. Algumas vezes tais vozes devem ser fechadas pela oração, e, em outras, pela admoestação piedosa daqueles que Deus estabeleceu sobre a assembléia (os presbíteros). Paulo deu instruções a Tito dizendo que a boca de alguns “mestres” devia ser fechada (Tito 1.10-14). O termo “fechar” é bem forte e o significado é colocar um freio ou focinheira. Na prática, seria repreendê-los asperamente; sem dúvida que em particular, desde que possível, mas publicamente se fosse necessário, e sempre de forma graciosa. Essa era a prática dos Irmãos (Brethren) bem no início.

A idéia democrática de que todos têm direito de ministrar (a Palavra) é falha numa direção, e tem concedido oportunidade desnecessária a todos aqueles que compartilham a Palavra, mas não edificam.

O Sr. Tregelle diz:

“A liberdade de ministério era reconhecida entre aqueles que possuíam capacidade vinda de Deus. Mas o ministério considerado sem utilidade, que não recomendava a si mesmo à consciência dos outros, devia ser reprimido. Era nesse sentido que a liberdade de ministério era posta em prática. Numa ocasião o Sr. Newton precisou parar um ministério durante a reunião da assembléia por considerá-lo impróprio, na presença do Sr. Darby e de G. V. Wigram e com o apoio deles. Havia restrição ao ministério; não ao que edificava, mas ao que não edificava. Os conselhos e advertências eram dados em particular, mas, se fosse necessário, eram dados em público.”

Alguém que esteve presente numa reunião da igreja em Salem Chapel, Bristol, me contou que um irmão sem treinamento anunciou que ia ler dois capítulos da Bíblia. Depois de cometer alguns “erros na leitura”, o Sr. George Muller se interpôs dizendo: “Querido irmão, visto ser muito importante ler a Palavra de Deus corretamente, eu vou ler esses capítulos para você”. E assim ele fez. Recordo que, numa grande conferência, um bom homem abordou certo texto de modo tão errado que a assembléia ficou logo impaciente. Depois de dez minutos, o Sr. W. H. Bennet se levantou e disse: “Amado irmão, acho que o sentimento geral da assembléia é que você já falou o suficiente sobre este assunto”. O pregador logo desistiu.

Mas, tarefa tão delicada e odiosa exige para sua realização homens de sabedoria, peso e autoridade espiritual; homens que, por causa da unção do Espírito Santo neles, leva os demais a se submeterem a eles. Ultimamente os Irmãos têm se desviado consideravelmente desse princípio. A idéia democrática de que todos têm direito de ministrar (a Palavra) é falha numa direção, e tem concedido oportunidade desnecessária a todos aqueles que compartilham a Palavra, mas não edificam.

Digno de honra é o aguçado comentário do irmão Charles Haddon Spurgeon:

‘ONDE O TODO É BOCA, O RESTO É VÁCUO”.

1 A palavra stated pode significar e inclui também a idéia de “declarado, regular, fixo, exposto”.

(Extraído da extinta revista Alimento Sólido, número 5, agosto de 1996, publicada por Edições Parousia. Escaneada por Penélope Watanabe.)

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Vida cristã

O caldo mortífero do legalismo

Malcolm Smith

Quando o profeta Eliseu foi visitar alguns estudantes das Escrituras em Gilgal, havia fome na terra de Israel.

Chegou a hora do jantar e, enquanto a panela fervia, um dos estudantes saiu à procura de alguns vegetais a fim de preparar um caldo. Visto não haver por ali fazendas onde pudesse comprar provisões, o estudante pesquisou os pastos silvestres ao redor da comunidade.
Ele encontrou o que acreditava serem pepinos. Na verdade, deveria ser o que se denomina “colocíntidas”, que parecem pepinos comestíveis, porém são venenosos.
O estudante regressou e, satisfeito por haver encontrado tão depressa bastante alimento para todos, começou imediatamente a preparar o caldo. Todos viram à mesa a sopeira cheia de rodelas do que lhes pareceu ser pepino.
Enquanto Eliseu ensinava, a sopa borbulhava; nenhum aroma indicava que o caldo fosse venenoso. É claro que ninguém estava procurando indício de que algo estava errado. Por que haveriam de ficar procurando? Um dos companheiros colhera os vegetais e havia preparado a refeção; ele mesmo, o cozinheiro-mor, estava disposto a saboreá-la!
Só quando a comida já estava na boca deles é que alguém descobriu o gosto de veneno, o sabor da morte. E esse pessoa gritou:
– Há morte na panela!
A reação de Eliseu foi tomar um pouco de farinha e atirá-la no caldo. Miraculosamente, a sopa tornou-se comestível, deixou de ser venenosa.

Estamos vivendo em dias de fome espiritual; e o alimento não se encontra prontamente disponível onde esperaríamos que estivesse. Os famintos espirituais têm de sair e providenciar provisões, quaisquer mantimentos, onde quer que os encontrem.
Na maioria dos casos, tais pessoas saem sem ter qualquer conhecimento das Escrituras, mas apenas com o desejo ardente de conhecer a Deus. Espantam-se quando vêem quanta coisa está crescendo nos terrenos baldios, a saber, nas livrarias evangélicas, e que uma montanha quase infinita de “pepinos” viceja nas encontas montanhosas dos programas de rádio e televisão.
A verdadeira colheita parece estar nas fitas gravadas – plantas que parecem crescer por toda a parte! E sempre há um pregador especial no culto carismático de uma igreja local.
Nessa procura, há pouca ou nenhuma análise das coisas que são ditas ou da maneira como as Escrituras estão sendo interpretadas. Se o pregador ou o escritor menciona o nome de Jesus ou usa a Bíblia como base daquilo que está dizendo, sua mensagem é aceita.
E ninguém observa que muitas vezes um pregador contradiz o outro! Como acontece nas épocas de fome, come-se qualquer coisa que parece alimento para o espírito. Se o pastor é nascido de novo, e cheio do Espírito, qualquer coisa que ele disser do púlpito deve necessariamente ser verdadeiro. Se o livro está à venda numa livraria evangélica, só pode ser de Deus!
Muitos pastores acham muito difícil estudar a Bíblia. Em conseqüência, enfrentam dificuldade imensa no preparo de um sermão dominical que contenha alimento espiritual. Estão constantemente procurando, apanhando qualquer coisa com que alimentar suas ovelhas. Chega o domingo – lá vêm eles com seus sermões. Será que não estão carregando nos braços montes e montes de colocíntidas?
Porém, os circunstantes não notarão que aquilo que está sendo dito vai envenenar os ouvintes. Por que deveriam notar? Confiam em seu pastor e muito corretamente presumem que ele vai aplicar a si mesmo aquilo que está ensinando.

Certa ocasião, eu pregava numa cidade de Connecticut, e perguntei ao atendente do posto de gasolina qual seria o melhor restaurante da cidade. Estávamos famintos, e desejávamos comer alguma coisa antes do culto. Foi-nos recomendado o “Joe’s Kitchen”.
Em condições normais, eu não comeria ali de modo nenhum. Mas estávamos famintos e dispúnhamos de pouco tempo. Durante toda a noite, fiquei rolando na cama em agonia, com dores estomacais. De manhã, estava fraco demais para sair da cama.
Voltei àquela cidade muitas vezes, mas preferiria ficar com fome do que cruzar de novo as portas do ” Joe’s Kitchen”! Entendi que a comida que me foi servida era responsável pela minha doença e fraqueza total.
Quando as pessoas estão exaustas e espiritualmente doentes, é preciso que primeiramente lhes pesquisemos a dieta espiritual. Em geral, a morte principia no prato em que comem, no alimento que usualmente é preparado por um pastor ou evangelista sincero que come, ele próprio, dessa comida envenenada. No fim, estarão todos esgotados espiritualmente, juntos.
Os problemas da igreja hoje não são primordialmente falta de oração, de estudo bíblico, de fé ou de dedicação. O problema é mais profundo do que estas coisas. Alguma coisa nos tornou tão fracos que não queremos orar nem ler a Bíblia… eliminou-se de nós todo o entusiasmo pelas coisas de Deus.
Que é que está fazendo com que o exercício da fé se transforme numa verdadeira batalha, quando sabemos que, na verdade, ali está o portal do descanso eterno em Deus? Por que é que nosso culto entusiástico veio a tornar-se tão frio a tal ponto que ficamos cansados de cultuar? Por que é que tantos crentes acabaram cansando-se de estudar a Bíblia? Por que é que nossas grandes palavras de vitória falham quando mais precisamos delas?
Os crentes estão queimando-se e caindo de exaustão porque o alimento espiritual que estão ingerindo é venenoso. Há morte na panela!
Um fato incontestável é que as Boas-Novas de Jesus Cristo não exaurem nem podem exaurir a pessa que Nele crê. O evangelho é chamado de “todas as palavras desta vida” (At 5.20), “palavras da vida eterna” (Jo 6.68), que nos asseguram “que passamos da morte para a vida” (1Jo 3.14).
O evangelho nos traz “a paz de Deus, que excede todo o entendimento [humano]” (Fp 4.7), “gozo inefável e glorioso” (1Pe 1.8) e nos dá “o amor de Deus (…) derramado em nossos corações pelo Espírito Santo” (Rm 5.5). Estas certamente não são expressões que descrevem o estado da pessoa que se queimou espiritualmente, que se tornou cínica, prostrada e exausta.
O crente é tentado, e às vezes cai. Experimenta épocas de escuridão que só podem ser comparadas ao vale da sombra da morte. Há ocasiões em que se vê perto do desespero e pode, realmente, sentir que está desistindo de lutar. Mas não desiste!
É assim que Paulo descreve sua vida de crente: “Como morrendo, e eis que vivemos; como castigados, e não mortos; como contristados, mas sempre alegres” (2Co 6.9,10). Ele não se sente “morto” por causa da revelação de Deus que recebeu em Cristo, contida no evangelho.
Enquanto a pessoa estiver vivendo segundo as verdades que nos foram trazidas por Cristo, não pode queimar-se espiritualmente! Aquele que cai exausto só cai porque acreditou numa distorção das Boas-Novas (que não é, portanto, evangelho!), ou porque se esqueceu do cerne do evangelho em que creu, numa ocasião, e se deixou extraviar.
Se é esse o caso, podemos afirmar que a melhor coisa que tal pessoa pode fazer é tombar exausta à beira da estrada da vida. Se aquilo em que ela está crendo não é o evangelho da verdade, quanto mais cedo determinar que suas crenças são incapazes de fornecer-lhe vida espiritual e saúde, melhor será.
Quando estudamos o ministério de Jesus, é significativo ver que ele não apenas ensinou a verdade, mas também atacou o erro… e fê-lo em todas as oportunidades.
Ele veio para livrar o povo das falsidades em que criam, porque estas estavam matando as pessoas.
Jesus anunciou bem cedo com que propósito tinha vindo:

O Espírito do Senhor é sobre mim, Pois que me ungiu para evangelizar os pobres. Enviou-me a curar os
quebrantados do coração, a pregar liberdade aos cativos, E restauração da vista aos cegos, a pôr em
liberdade os oprimidos, a anunciar o ano aceitável do SENHOR.
(Lc 4.18,19)

Os ensinamentos, os milagres e a morte, ressurreição e ascensão de Cristo quebraram o poder de tudo que mantinha a humanidade em cativeiro.
Costuma-se esquecer que, ao fazer aquelas declarações, Jesus estava dispondo-se a livrar o povo de certo sistema de crença. Seria corretor afirmar que, durante todo o seu ministério terreno, ele esteve engajado numa guerra sem tréguas contra o sistema de crenças mantido pela seita religiosa chamada farisaísmo.
É importante ressaltar que Jesus nunca investiu contra as prostitutas, contra os ladrões, os bêbados e os cobradores de impostos (a forma mais aproximada que Israel conheceu de crime organizado). Na verdade, Ele transformou aquelas pessoas em Seus amigos. Todavia, Seu ministério integral foi uma cruzada contra os ensinos dos fariseus.
Que tipo de sistema doutrinário era esse que atraía sobre si as palavras mais fortes e severas de Jesus? O fato é que os fariseus orientavam as pessoas a buscarem a aceitação da parte de Deus por meio de seus méritos pessoais, mencionando diante Dele as boas obras que cada um tivesse praticado; era a mensagem da busca da benevolência divina mediante o desempenho pessoal. Ora, coincidentemente, esta é a mensagem que se encontra no cerne de todas as religiões, e é também o que deixa as pessoas exaustas, em seus esforços no sentido de desempenhar seu papel de modo aceitável perante Deus.
Webster define a palavra religião da seguinte forma: “Piedade, consciência aguda, escrúpulos; vem de religare, emendar; re e igare, unir de novo; estado mental ou maneira de vida em que se expressa amor a Deus e confiança Nele, e a vontade da pessoa e seus esforços no sentido de agir de acordo com a vontade de Deus”1.
A religião leva a pessoa a unir-se fortemente a um voto de guardar as regras que governam a conduta, os ritos e fórmulas pelos quais pode aproximar-se de Deus. Isso exige o constante exercício de sua vontade, e a completa obediência aos preceitos. A finalidade principal de tudo isto é Deus ser agradado e a pessoa ser aceita por Ele.
A religião começou no jardim do Éden, quando o homem caiu. A primeira reação do homem em sua condição decaída foi fugir da presença de Deus e esconder-se atrás de algumas árvores. Desde esse dia, o homem sem Cristo sente medo de Deus. E expressa esse medo mediante o ateísmo, que é a esperança de que Deus não está mais lá, ou nunca esteve; e o materialismo, por meio do qual o homem se esconde nas coisas materiais desta vida, na esperança de que Deus vá embora ou jamais se interesse por ele!
Religião é a expressão última daquele mesmo medo. Ela apresenta Deus como estando zangado com a humanidade e procura meios de apaziguá-lo e ganhar sua atenção. Todas as religiões do mundo são o resultado das especulações do homem decaído, cuja mente pecaminosa procura o significado da vida, suas origens e objetivos, o caráter da divindade e que é que se deve fazer para tornar-se aceitável perante Deus.
Todas as religiões do mundo, em suas bases, são iguais: enxergam um Deus distante, nem um pouco amigo, e severo distribuidor de leis pelas quais se pode aproximar dele. Tais leis são confiadas à elite dos religiosos, usualmente sob a forma de livro, e essa elite interpreta as leis para os adoradores. Todas as religiões, onde quer que as encontremos, resumem-se no homem estirando o braço, erguendo-o para encontrar um meio de agradar a Deus, de Quem sente tanto medo.
Os gregos definiam o amor humano com a palavra eros que, em português, expressa a idéia: “desejo para mim mesmo o mais elevado, o melhor e o mais belo.”
Eros é o útero onde se concebem todas as tentativas do homem para alcançar Deus. Todas as regras e rituais que, conforme acredita o homem, agradam a Deus, iniciam-se em eros. Nele está também o alicerce da crença humana concernente à natureza de Deus.
Eros é a emoção mais elevada e mais bela do homem, que almeja apenas o melhor, que o conduz sempre para cima e para longe dos padrões mais baixos, na direção dos mais sublimes. É muito natural, pois, que a mente do homem caído defina Deus afirmando que “Ele é eros em última instância”.
Basta, pois, apenas um passo mais para afirmar-se que Deus quer que as pessoas mais belas, o melhor da humanidade, as pessoas que alcançaram e conseguiram o mais elevado plano possível de vida a quem um ser humano possa atingir.
Religião é escada que garante a aceitação da parte de Deus, da pessoa que galgou o degrau máximo. A religião reivindica ser a revelação do caminho montanha acima, até as estonteantes alturas da perfeição e da familiaridade com a divindade perfeita.
Embutido nas entranhas desse sistema teológico está o orgulho. Quem se dispõe a galgar a escada acredita que tem o único sistema de regras que finalmetne agrada a Deus e, por isso, considera os outros como tendo menos valor do que o dele próprio. Acha, além disso, que é seu dever destruir todos quantos não acatam tais leis e não desejam recebê-las de suas mãos.
Eros constitui a base de todas as guerras religiosas, quer se tenham travado em campos de batalha, quer nos anfiteatros da teologia. Eros sempre traça círculos ao seu redor, excluindo todos quantos não se obrigaram a guardar e observar as leis reveladas.
A conduta religiosa dos fariseus era a pior de todas, devido a sua sutileza. Em suas origens, o movimento farisaico edificava-se sobre a Palavra de Deus, de modo que, considerando-se seus objetivos, torna-se difícil incriminar o sistema farisaico.
Fariseu era a pessoa que se havia dedicado a observar minuciosamente a lei de Moisés, chamada Torá (os primeiros cinco livros da Bíblia) na língua hebraica. O juramento dedicatório era denominado “tomar o jugo da Torá”. A partir desse dia, consideravam-se separados para Deus, Sua lei e para uns com os outros. Formavam círculo bem fechado, dentro do qual só eram bem-vindos os devotos, círculo que os separava do mundo de pecadores lá fora.
Na realidade, as exigências da lei eram simples: amor a Deus e ao próximo. Mas a religião sente-se perturbada pela simplicidade. Em vez de perguntar como é que a lei de Deus deveria ser observada, eles perguntavam: “Como é que vamos deixar de quebrá-la?” A partir desta pergunta, todas as formas de debates e questionamentos foram surgindo, finalizando nas determinações legalísticas dos fariseus que objetivavam evitar que a pessoa sequer se aproximasse do ponto em que poderia quebrar a lei de Deus.
Estas leis feitas pelo homem eram denominadas “leis da cerca”, a saber, leis que circundavam a lei de Deus, tentando evitar que o devoto corresse o risco de quebrá-la. Nunca perceberam que se se apegassem ao amor, teriam guardado toda a lei e mais ainda. Em vez disso, enterraram-se num pantanal de preceitos sem fim e sem sentido.
As “leis da cerca” procuravam circundar todas as áreas da vida. Havia leis sobre como a pessoa devia vestir-se, sobre o que podia comer ou beber, os lugares onde podia ir ou não, o que podia fazer, as pessoas com quem se podia relacionar e, mais importante do que tudo, o que não podia fazer no sábado, e outras centenas de pequenos rituais que precisvam ser observados quando a pessoa ia comer, orar ou jejuar.
Até mesmo o israelita secular era constantemente lembrado pelos fariseus quanto aos preceitos da lei, e sentia freqüentes beliscões de consciência culpada por não estar vivendo à altura dos padrões de santidade que os intérpretes legais haviam declarado ser a verdade final.
O mal do sistema não estava naquilo que a lei proibia ou ordenava (embora a maior parte do sistema fosse exercício tolo de futilidade), mas na raiz de eros. A guarda das regras pelos fariseus seria aceitável por Deus; o nível de sua obediência à lei seria indicação de onde ficavam na escada que galgavam com tanto esforço, na direção de Deus. Entretanto, não obstante a retidão dos objetivos, Deus não pode ser alcançado mediante a observância de mandamentos e pelo desempenho de rituais.
Foi contra esta forma de religião que Jesus proferiu Suas palavras mais duras. Quando viu o que esse sistema doutrinário estava fazendo às pessoas, Ele se moveu de compaixão:

E, vendo as multidões, teve grande compaixão delas, porque andavam cansadas e desgarradas, como ovelhas
que não têm pastor.
(Mt 9.36)

A essas ovelhas, cansadas e exaustas devido aos constantes jugos pesados colocados sobre elas pela religião, disse Jesus:

Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo, e
aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas.
Porque o Meu jugo é suave e o Meu fardo é leve.
(Mt 11.28-30)

A palavra “cansado” significa: “exausto, ter trabalhado até que não resta força alguma”. Hoje, no contexto em que Jesus estava falando, poderíamos traduzir o texto assim: “Queimados espiritualmente, esgotados de toda força espiritual, exaustos na tentativa de agradar a Deus”. Aquelas pessoas estavam sobrecarregadas, esmagadas pelo peso de todas as leis e preceitos que a religião jogara em cima delas. Jesus convidou as pessoas a virem a Ele e, ao agir assim, atirou a luva desafiadora no rosto da religião.
Ele usou esta expressão: “Tomai sobre vós o Meu jugo” (v. 29), frase que descrevia o juramento de fidelidade à religião com todos os seus preceitos.
Jesus estava afirmando que Ele próprio é a nova Torá, a nova Lei, não uma lista de mandamentos, mas uma Pessoa viva; e diz mais: que a aceitação do jugo de Cristo propicia descanso. A versão chamada Bíblia Ampliada diz o seguinte: “E encontrareis descanso – alívio, consolo, refrigério, recreação e abençoado sossego – para as vossas almas”.
A religião trouxe a queima espiritual. Jesus prometeu que vir a Ele resultaria em recreação, com um período de férias… vida em que a pessoa estaria gozando de contínuo refrigério e renovação em seu relacionamento com Ele.
Queimar-se espiritualmente é alternativa que só pode ocorrer quando há má compreensão fundamental do cerne do evangelho, ou quando a pessoa falha em aplicá-lo em sua vida e ministério. Um crente espiritualmente exausto está exibindo sintomas de um problema muito mais grave.

1 Noah Webster, Webster’s New 20th Century Dictionary of the English Language (Dicionário do Século 20 da Língua Inglesa, de Webster), segunda edição rev. (Nova York: Simon and Schuster, 1983).

 

(Extraído, com autorização da Editora Vida, de Esgotamento Espiritual, de Malcolm Smith, capítulo 2. © 1991, Editora Vida.)

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Autores J. C. Metcalfe Vida cristã

A vida que agora vivo

Um lado da verdade de nossa união com Cristo é a necessidade de contar, momento após momento, com o fato da nossa morte com Ele, mas também precisamos examinar o outro lados dessa verdade: nossa união com o Senhor ressurreto em Sua vida.

Você está lembrado de como Romanos 6.11 divide-se naturalmente em duas partes, ambas necessárias uma a outra? “Assim também vós considerai-vos mortos para o pecado.” Essa é a primeira parte, porém não é tudo: “mas vivos para Deus, em Cristo Jesus”.

Antes de um homem nascer de novo, ele está “em Adão” (1Co 15.22), isto é, ele herdou de Adão uma natureza pecaminosa e vive e se move nos pensamentos e caminhos de um mundo caído. Quando o Senhor Jesus Cristo veio a este mundo, Ele foi “achado na forma de homem” (Fp 2.8-VRC) e como o “segundo Adão” (1 Co 15.45). Ele, antes de tudo, venceu a luta contra o mal e Satanás – luta que Adão perdeu – e viveu uma vida sem pecado. Depois, ele morreu em nosso lugar e, fazendo assim, deu fim a uma velha raça, e quando ressuscitou da morte, Ele foi o primeiro de uma nova raça. Quando, então, um homem nasce de novo e, por ser “plantado na semelhança da Sua morte” (Rm 6.5 –VRC) é ressuscitado pelo pode de Deus “em (…) ressurreição” (VRA). Ele está “em Cristo”. Isso significa que tão logo a nova vida é concebida – e aquela nova vida tem de ser vivida aqui, neste mundo -, ele passa a viver e a se mover nos pensamentos e caminhos dos céus, do qual se tornou um cidadão (Fp 3.20), e herda do segundo Adão a nova natureza, que é a natureza de Deus.

Vamos ver, então, algumas das coisas que são nossas “em Cristo”, palavras que são usadas repetidas vezes nas epístolas [de Paulo]. Enquanto escrevo, tenho a Epístola aos Efésios aberta a minha frente, e penso que não podemos fazer nada melhor do que listar as bênçãos e graças que podemos contar como nossas por estarmos “em Cristo”, alegres na novidade de vida de nosso Senhor ressurreto.

A epístola é escrita “aos santos que vivem em Éfeso e fiéis (significando aqueles que são cheios de fé) em Cristo Jesus” (1.1).

É-nos dito que Deus nos abençoou com “toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo” (v.3) e é-nos dito também que fomos “escolhidos Nele” (v.4), o que significa que os eleitos são aqueles que, por meio do novo nascimento, não estão mais em Adão, mas em Cristo, o Escolhido de Deus.

Fomos adotados como filhos1 de Deus através de Cristo Jesus por causa do nosso ser Nele e unido a Ele (v.5).

Somos aceitos Nele (v.6).

Temos redenção através do Seu sangue Nele (v.7).

Está-se aproximando o dia quando “todas as coisas (…) nos céus e na terra” serão convergidas Nele (v.10).

Temos “uma herança” Nele (v.11).

Temos o selo do “Espírito Santo da promessa” Nele (v.13).

Fomos “unidos com Cristo” (2.5)

Fomos “ressuscitados juntamente com Ele, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (v.6), o que significa que Nele somos possuidores de uma vida que reina, maior e mais poderosa do que qualquer padrão terreno.

Fomos “criados para boas obras em Cristo Jesus” (v.10), o que significa que há algo a ser feito por você e por mim neste mundo, que não pode ser feito por mais ninguém, e pode ser feito somente em união com Ele.

Fomos aproximados de Deus “em Cristo Jesus” (v.13).

Somos edificados juntamente com nossos companheiros cristãos em uma casa na qual Deus é visto neste mundo através do Espírito Nele (vs. 20-22).

Todos os propósitos eternos de Deus para as bênçãos e enriquecimento dos homens estão em Cristo Jesus (3.8-11).

Podemos ter ousadia Nele para ir direto à presença do próprio Deus (v.12).

Glória é trazida ao nosso Deus na igreja “e em Cristo Jesus” (v.21).

Somos fortalecidos Nele para enfrentar e vencer todos os adversários (6.10).

Quantas riquezas já encontramos! Imagine uma mina de diamante. Naquela mina podem ser encontradas riquezas que são absolutamente impossíveis de serem achadas em qualquer outro lugar. Se você deseja diamantes, é lá que você tem que ir. Se você necessita de qualquer coisa em sua vida cristã, há uma mina em que você pode encontrar o que precisa, e somente uma; mas lá você certamente achará: em Cristo Jesus. Nele, você pode contar com todas as coisas que o farão ser verdadeiramente como Ele. “porque quantas são as promessas de Deus, tantas têm Nele o sim; porquanto também por Ele é o amém para glória de Deus” (2 Co 1.20).

Não é difícil ler as epístolas procurando por estas duas palavras – em Cristo ou por meio de Cristo – e depois pegar uma folha de papel e escrever as coisas que são nossas em Cristo, como fiz com a Epístola aos Efésios. não exige considerável grau de instrução, mas somente um coração faminto que anela por Deus e está preparado para receber Sua Palavra, e busca que isso se torne real em [sua própria] vida. Algumas vezes, penso que um dos maiores triunfos que Satanás está tendo nestes dias é impedir os cristãos de olhar para a Bíblia dessa forma.

Deus trabalha na graça como Ele o faz na natureza. Ele pôs no mundo a semente necessária para termos o trigo, que pode se tornar pão, mas se o homem não plantar, colher, moer e assar, ele continuará faminto. Deus colocou em Sua Palavra tudo o que o cristão pode, possivelmente, necessitar para manter sua nova vida, mas o cristão tem de ler, orar e aplicar em sua própria vida a verdade que encontra ou viverá num deserto estéril, nunca crescendo na graça nem sendo regozijo para ele mesmo ou para outros. “Para fazeres atento à sabedoria o teu ouvido”, clama o escritor do livro de Provérbios, “e para inclinares o teu coração ao entendimento, e, se clamares por inteligência, e por entendimento alçares a voz, se buscares a sabedoria como a prata e como a tesouros escondidos a procurares, então entenderás o temor do Senhor e acharás o conhecimento de Deus” (2.2-5). Pregar é necessário, testemunho é válido, comunhão uns com outros tem seu lugar, mas não há nada que possa edificar a nova vida em Cristo a não ser um conhecimento pessoal da Palavra de Deus e um espírito humilde de aplicação pessoal à vida de tudo o que é encontrado na Palavra.

Agora, olhemos juntos Gálatas 2.19,20: “Estou crucificado com Cristo, (…) logo já não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim”. A nova vida, dada a nós quando nascemos de novo, está em Cristo, e se torna nossa quando Ele habita dentro de nós por Seu Espírito.

Agora, vamos à prática exterior desses fatos maravilhosos – e não estamos falando de algo estranho e misterioso, mas de algo que faz de nossa vida neste mundo uma vida rica e alegre para nós mesmos, e também enriquece aqueles em nossa casa, aqueles com quem trabalhamos e nos encontramos diariamente e aqueles da igreja a que pertencemos.

E a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé do Filho de Deus, o qual me amou e se entregou a si mesmo por mim” (2.20b – VRC). Em outras palavras, nossa vida diária, que vivemos entre os homens, é, agora, uma vida de fé. Alguns estudiosos da Bíblia dizem que a fé pela vivemos é a fé do Filho de Deus, o qual está vivendo em nós pelo Seu Espírito. Outros traduzem estas palavras como “Vivo pela fé no Filho de Deus”. Em ambos os casos, o princípio é o mesmo. Nossa vida neste mundo, por sermos filhos de Deus, não é vivida por nossos próprios esforços e empenho, mas por extrair [o que precisamos], para qualquer necessidade, dos recurso que Deus nos deu em Cristo Jesus.

O que isso Significa? deixe-me ilustrar, usando um versículo da Escritura. Em 1 Coríntios 1.30 lemos: “Mas vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se nos tornou da parte de Deus sabedoria, e justiça, e santificação, e redenção”. Suponha que eu me depare com uma situação em que não sei o que fazer e que direção tomar. O que faço? Antes de qualquer coisa, deixo de lado meu próprio entendimento (Pv 3.5). Então confesso a Deus que diante de mim há um problema que me é muito difícil, e O lembro de que fui crucificado com Cristo e agora creio que Ele é minha sabedoria, e que posso enfrentar meu problema sem medo, pois, uma vez que tenho uma necessidade, Ele irá dar a direção quanto ao que dizer e quanto ao que fazer. Em tempos de tentação, devo, da mesma maneira, desviar-me do meu próprio poder para resistir, e tomar Cristo como minha justiça. Quando consciente de que posso estar afastado de Deus e fora de Seu plano e vontade para mim, devo também me lançar sobre Ele como minha santificação e me deixar ser levado, acima de todas as coisas, a amar e desejar o anelo de Deus. No dia em que não puder fazer nada por mim mesmo e for chamado a passar do tempo para eternidade, ou através da sepultura ou em Sua vinda, posso também olhar para Ele e dizer “Ele é a minha redenção; estou salvo agora, na presença de Deus, para sempre”.

Considerai como crescem os lírios do campo”, disse o Senhor Jesus, tendo feito primeiro uma pergunta – “Qual de vós, por ansioso que esteja, pode acrescentar um côvado ao curso da sua vida?” – para a qual todos temos de responder: “Eu não posso!” A figura de um homem sentado com ar solene, pensando seriamente para se ver crescendo bastante, sempre me diverte. E isso e a única coisa que muitos cristãos tentam fazer em sua vida espiritual. Depois, Jesus continua: “Eles não trabalham nem fiam. Eu, contudo, vos afirmo que nem Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles” (Mt 6.27-30). A razão é que seu crescimento e sua beleza são dadas pelo poder de Deus. É somente desta maneira que você e eu poderemos viver dia a dia: extraindo do que Deus nos deu em Cristo. devemos considerar-nos “vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 6.11b).

Essa é a simplicidade deste considerar de fé, que é a principal dificuldade de muitos de nós. Nós gostamos de coisas difíceis e complicadas, mas o Senhor Jesus disse: “Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas cousas aos sábios e instruídos e as revelaste aos pequeninos” (Mt 11.25). Depois, quase imediatemente, Ele fez o maior e mais maravilhoso convite jamais dado ao homem: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração; e achareis descanso para a vossa alma. Porque o meu jugo é suave, e o meu fardo é leve” (vs. 28-30). A aceitação habitual deste convite é, com toda certeza, o único caminho para o viver cristão saudável e útil.


1 A palavra grega “huiotesia” significa “em lugar de filho”. apesar de conservarmos a expressão original do autor, entendmos que o mais acurado biblicamente seria dizer que “fomos feitos filhos”. Essa alteração, porém, não tida de modo nenhum o valor espiritual e a revelação de tudo o que o autor escreve em seu artigo.

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Vida cristã

A cruz: a base do ministério de vida

Watchman Nee

A segunda Carta aos Coríntios é, acima de tudo, um livro de sofrimento. Ali vemos o servo de Deus, Seu vaso escolhido, passando por terríveis provas de fogo e sofrendo como, talvez, nenhum outro apóstolo ou servo do Senhor jamais tenha experimentado. O sofrimento está gravado no livro todo: sofrimento físico, mental e espiritual; alguns foram passageiros e outros, permanentes. Mas ele mostra o motivo para esses sofrimentos ao dizer: “Levando sempre no corpo o morre de Jesus, para que também Sua vida se manifeste em nosso corpo” (4.10). Essa é a base de todo ministério em vida. É preciso haver sofrimento e dor; é preciso haver a cruz, se a vida de Cristo tiver de ser manifestada. “De modo que, em nós, opera a morte, mas, em vós, a vida”.

Sempre que houver um afastamento da cruz, uma fuga do Calvário, uma recusa do caminho da dor e do sofrimento, uma indisposição para pagar o preço e sofrer dor e perda, então, haverá pobreza, morte, superficialidade e vazio que nada nos dará para ministrarmos aos filhos de Deus. “Que a morte nunca cesse de operar em mim, para que a vida também nunca cesse de fluir para os outros.”[1]

Qual é a explicação para a superficialidade e pobreza tão marcantes no ministério nestes dias? É porque os ministros mesmos experimentaram muito pouco. Eles deram um jeito de escapar da cruz sempre que Deus a ofereceu ou designou a eles. Sempre existe um meio de escape, outro caminho cujo preço não seja tão alto, um caminho inferior e não o caminho da cruz. Quão raros e poucos são os realmente ricos espiritualmente. E por quê? Porque seus sofrimentos não foram abundantes.

Os arranjos de Deus são perfeitos. Ele sabe que tipo de sofrimento cada um precisa: se é físico, material, mental ou espiritual. Quando Deus em Sua sabedoria os faz chegar a nós, porque vê que precisamos deles, regozijemo-nos e procuremos ver o Senhor neles. Vamos aceitá-los com alegria, reconhecendo que somos totalmente fracos e incapacitados para eles, mas que Ele é graciosamente capaz. Ele realmente é, e, na circunstância, nós O encontramos em Sua plenitude e suficiência. Conhecemos a Deus de forma real porque O encontramos fazendo em nós e por nós o que não podemos fazer. Assim somos capacitados a ministrá-Lo em vida aos outros, a edificar o Corpo, a espalhar vida – Sua vida – onde quer que formos. Sempre que a morte estiver realmente operando em nós, então, e só então, é que a vida pode verdadeiramente fluir para os outros.


O Quebrantamento Produz o Ministério

Isaque representa aquele que tinha tudo por meio dos dons. Observe que tudo o que recebeu veio do seu pai. Era algo objetivo para ele, algo fora dele. Até mesmo quando Isaque abençoou os filhos, ele ficou bastante confuso, pois estava quase cego e confundiu os rapazes.. Não foi assim com Jacó, pois este havia sido quebrado e realmente foi espatifado pelo Senhor; e o Espírito de Deus trabalhou interiormente a própria vida de Deus nele, até que ele disse: “A Tua salvação espero, ó Senhor!” (Gn 49.18). Quando abençoou seus filhos, ou melhor, os filhos de José, Jacó sabia exatamente o que estava fazendo. Ele o fez com inteligência. Ele disse: “Eu sei meu filho, eu o sei” (Gn 48.19). Jacó tinha luz , Jacó tinha revelação, porque havia sido quebrado.

Muitos perguntam: “Por que muitos servos bastante usados por Deus falham ou terminam sendo colocados de lado, isto é, não são mais usados por Ele? Quem pode dizer que Deus já os havia usado? e se Ele usou, foi apenas concedendo dons. Deus, em Seu direito soberano, escolheu alguém para lhe conceder um dom temporário, para ser usado por Ele durante algum tempo, porque o homem não era interiormente digno de qualquer outro ministério.

“Temos porém, este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus e não de nós” (2Co 4.7). O Senhor nos conduz através de provas de fogo, as quais não poderíamos suportar nem por elas passar, situações em que não seríamos vitoriosos e nas quais seríamos terminados; todavia, é exatamente aí que descobrimos que aquilo que é precioso em nosso interior funciona. Por causa daquilo que é precioso dentro do vaso, por causa da vida de Cristo no interior de nós seguimos até o fim. Somos vitoriosos onde não poderíamos ser. Levamos no corpo o morrer de Jesus e, consequentemente, a vida de Jesus se torna manifesta.

Você só pode ajudar as pessoas na proporção em que você mesmo tenha sofrido. Quando maior o preço paga, mais você pode ajudar os outros; quanto menor o preço, menos você pode ajudar os outros. À medida em que você passa por provas de fogo, teste, aflições, perseguições e conflitos, e à medida em que você permite ao Espírito Santo operar o morrer de Jesus em você, a vida, a vida de Cristo, fluirá para os outros.



[1] Palavras de despedida do irmão Nee, quando seu navio partiu de Xangai para a Inglaterra em 1938 (N.E. em inglês)

Extraído da extinta revista O Chamamento Celestial, Ano 2 – Nº 5 – Julho de 2000

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Livros

Para passar o resto da vida lendo…

Eu amo livros! Todos os que convivem comigo (online e offlinemente) sabem disso. E penso que essa deveria ser uma característica comum a todos os cristãos. Afinal, somos o povo do Livro, e precisamos de bons livros para entendê-lo.

Em outra oportunidade, vou listar várias fontes de literatura cristã gratuita. Por ora, apenas uma lista muito resumida de sítios com excelente material cristão gratuito para baixar, imprimir (quem agüenta ler livros no monitor?) e ser edificado. Nessa primeira relação, vou me deter aos escritos dos “brethren”.

Eu queria apresentar todas essas indicações na parte de links, com explicações de cada um. Mas para ganhar tempo e alimentar o povo com alimento celestial, coloco todos aqui. Depois, se for preciso, especifico lá.

Bom proveito!

Vamos lá!
http://www.presenttruthpublishers.com/
http://graciayverdad.tripod.com/
http://www.chaptertwobooks.org.uk/assets/own/download.html
http://www.verdadespreciosas.com.ar/
http://www.lecturasbiblicas.org/eepArticulosFrameset.asp
http://www.revistafe.org/
http://www.sedin.org/librosgen.html
http://www.creced.ch/
http://www.biblecentre.org/ (clique em e-books)
http://www.foolforhim.com/periodicals/periodicals.asp (a quantidade de material neste endereço é assombrosa!)
http://www.acts2.com/thebibletruth/ARCHIVES.htm
http://rylibweb.man.ac.uk/data2/spcoll/cba/index.html (informações sobre material produzido pelos “brethren. Talvez aqui você consiga vislumbrar mais claramente a inigualável contribuição que eles deram para a Igreja, contribuição esta tão pouco conhecida e valorizada entre os cristãos brasileiros.)
http://www.stempublishing.com/authors/kelly/ (escritos de William Kelly. Compre muitos cartuchos de reserva para sua impressora e muitos pacotes de A4!)

Penso que, por ora, seja suficiente!

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Vida cristã

Uma pérola

A lei mostra aquilo que o homem deveria ser.
A graça mostra aquilo que Deus é.

(C.H. Mackintosh)

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Vida cristã

O que escolherei neste dia?

Ainda me lembro de uma noite, há vários anos, quando visitava uma igreja em Queens, Nova York. Na ocasião, uma carta acabara de chegar da China. Uma irmã de Watchman Nee enviara uma carta que Nee lhe escrevera pouco antes de sua morte. Aqueles que a leram disseram que a grafia dos caracteres era forte, bem como o tom das poucas palavras que escrevera: “Aprendi como manter minha alegria.”
Quão freqüentemente nos dias que se seguiram, ao passar uma nuvem negra sobre meu espírito, lembrei-me que quando aquilo ocorreu Nee já estivera na prisão por mais de 20 anos. Ainda que estivesse fisicamente fraco, ele se regozijava em seu espírito. Ele aprendeu o segredo de manter a alegria no Senhor.
Alegria ou depressão — a escolha é sempre minha. A cada dia, posso esclher submergir minha raízes em Teu rio de graça, de forma que minha expressão será de gozo. Vejo, então, que minha escolha é o segredo para manter minha alegria diária.

A vida pode parecer difícil, mas Deus é tão bom e misericordioso;
A vida pode parecer injusta, mas Deus é tão justo e amoroso;
A vida pode parecer imprevisível, mas Deus é tão soberano;
A vida pode parecer temporária, mas Deus é eterno.

Isso me ajuda a reconhecer que manter uma perspectiva correta faz toda a diferença. Se fitar meus olhos naquilo que terei de enfrentar hoje, sucumbirei em depressão. Somente quando contemplo além de hoje para ver o que Deus planejou na eternidade é que posso dizer: “Alegria indizível e cheia de glória” (1Pe 1.8).

Hoje você tem a escolha de ser um infeliz, deprimido e viver ao sabor das circunstâncias, de forma que essa atmosfera não apenas lhe envolverá, como também envolverá outros. Mas você pode escolher ser alegre, de tal maneira contagiante, que outros serão contaminados por sua alegria. Entendo que Jesus era um varão de dores, que conhecia a tristeza por causa da condição ao Seu redor. Mas também estou convicto de que Ele viveu segundo uma perspectiva de longo prazo: “Em troca da alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz” (Hb 12.2).

Jesus considerou o corredor do tempo para ver o que agradaria Seu Pai, e assim Ele ignorou o que era temporal para viver por aquilo que é eterno.

“Pai, somente pela Tua graça é que posso fazer essa mesma escolha.”

(DeVern Fromke, Histórias que Abrem a Janela Mais Ampla de Deus, Edições Tesouro Aberto)

Pense nisso e faça a escolha mais sábia.

Tenha um bom dia!

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Igreja

Apascentando ovelhas ou entretendo bodes?

Charles Spurgeon
Tradução: Walter Andrade Campelo

Um mal está no declarado campo do Senhor, tão grosseiro em seu descaramento, que até o mais míope dificilmente deixaria de notá-lo durante os últimos anos. Ele se tem desenvolvido em um ritmo anormal, mesmo para o mal. Ele tem agido como fermento até que toda a massa levede. O demônio raramente fez algo tão engenhoso quanto sugerir à Igreja que parte de sua missão é prover entretenimento para as pessoas, com vistas a ganhá-las.

Da pregação em alta voz, como faziam os Puritanos, a Igreja gradualmente baixou o tom de seu testemunho, e então tolerou e
desculpou as frivolidades da época. Em seguida ela as tolerou dentro de suas fronteiras. Agora as adotou sob o argumento de atingir as massas.

Meu primeiro argumento é que prover entretenimento para as pessoas não está dito em parte nenhuma das Escrituras como sendo uma função da Igreja. Se este é um trabalho Cristão, porque Cristo não falou dele? “Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura.” (Marcos 16:15). Isto está suficientemente claro. Assim teria sido se Ele tivesse adicionado “e proporcionem divertimento para aqueles que não tem prazer no evangelho.” Nenhuma destas palavras, contudo, são encontradas. Não parecem ter-lhe ocorrido.

Então novamente, “E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores… para a obra do ministério” (Efésios 4:11-12). Onde entram os animadores? O Espírito Santo silencia no que diz respeito a eles. Foram os profetas perseguidos porque divertiram o povo ou porque o rejeitaram? Em concerto musical não há lista de mártires.

Além disto, prover divertimento está em direto antagonismo com o ensino e a vida de Cristo e de todos os seus apóstolos. Qual foi a atitude da Igreja quanto ao mundo? “Vós sois o sal” (Mateus 5:13), não o doce açucarado – algo que o mundo irá cuspir e não engolir. Curta e severa foi a expressão: “deixa os mortos sepultar os seus mortos.” (Mateus 8:22) Ele foi de uma tremenda seriedade.

Se Cristo introduzisse mais brilho e elementos agradáveis em Sua missão, ele teria sido mais popular quando O abandonaram por causa da natureza inquiridora de Seus ensinos. Eu não O ouvi dizer: “Corra atrás destas pessoas, Pedro, e diga-lhes que nós teremos um estilo diferente de culto amanhã, um pouco mais curto e atraente, com pouca pregação. Nós teremos uma noite agradável para as pessoas. Diga-lhes que certamente se agradarão. Seja rápido Pedro, nós devemos ganhar estas pessoas de qualquer forma.” Jesus se compadeceu dos pecadores, suspirou e chorou por eles, mas nunca procurou entretê-los.

Em vão serão examinadas as Epístolas para se encontrar qualquer traço deste evangelho de entretenimento! A mensagem delas é: “Saia, afaste-se, mantenha-se afastado!” É patente a ausência de qualquer coisa que se aproxime de uma brincadeira. Eles tinham ilimitada confiança no evangelho e não empregavam outra arma.

Após Pedro e João terem sido presos por pregar o evangelho, a Igreja teve uma reunião de oração, mas eles não oraram: “Senhor conceda aos teus servos que através de um uso inteligente e perspicaz de inocente recreação possamos mostrar a estas pessoas quão felizes nós somos.” Se não cessaram de pregar a Cristo, não tiveram tempo para arranjar entretenimentos. Dispersos pela perseguição, foram por todos lugares pregando o evangelho. Eles colocaram o mundo de cabeça para baixo (Atos 17:6). Esta é a única diferença! Senhor, limpe a Igreja de toda podridão e refugo que o diabo lhe tem imposto, e traga-nos de volta aos métodos apostólicos.

Finalmente, a missão de entretenimento falha em realizar os fins desejados. Ela produz destruição entre os novos convertidos. Permita que os negligentes e escarnecedores, que agradecem a Deus pela Igreja os terem encontrado no meio do caminho, falem e testifiquem. Permita que os oprimidos que encontraram paz através de um concerto musical não silenciem! Permita que o bêbado para quem o entretenimento dramático foi um elo no processo de conversão, se levante! Ninguém irá responder. A missão de entretenimento não produz convertidos. A necessidade imediata para o ministério dos dias de hoje é crer na sabedoria combinada à verdadeira espiritualidade, uma brotando da outra como os frutos da raiz. A necessidade é de doutrina bíblica, de tal forma entendida e sentida, que coloque os homens em fogo.

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Vida cristã

Meu Amado é meu…

A alma vê também que Jesus é um Salvador completo, perfeito, que oferece ao pecador, não apenas perdão, mas perdão abundante e sem medida; que não apenas lhe dá justiça, mas uma justiça maior que a justiça humana, uma justiça completamente divina; não apenas lhe dá o Espírito, mas dá rios de água viva e inundações sobre o sedento e árido terreno da alma dele. A alma descobre isso em Jesus, e nada pode fazer a não ser escolhê-Lo e deleitar-se Nele com um novo e particular amor, que diz: ‘Meu Amado é meu!’ E se alguém lhe pergunta: ‘Como tu te atreves, verme vil, a dizer que o Salvador é teu?’, a resposta é esta: ‘Porque eu sou Dele. Ele me escolheu desde antes da fundação do mundo, mesmo que eu nunca O houvesse escolhido; Ele derramou Seu sangue por mim, apesar de eu, por Ele, jamais ter derramado nem uma única lágrima; Ele clamou por mim, apesar de eu nunca ter-me preocupado com Ele; Ele me viu a mim, mesmo quando eu jamais houvesse me preocupado em conhecê-Lo. Ele me amou primeiro; por isso, eu O amo. Ele me escolheu; por isso eu O escolhi para sempre.’ ‘Meu Amado é meu, e eu sou Dele’.

(Robert McCheyne, em Mensajes Bíblicos, publicado por The Banner of Truth Trust. Traduzido por Francisco Nunes.)

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O Verdadeiro Sentido da Páscoa

Lance Lambert

Em algum lugar na eternidade passada, antes da fundação do mundo, antes mesmo que o homem caísse, o clamor de Deus ecoou através dos céus: ‘A quem enviarei e quem irá por nós?’ (Is 6.8). Era o clamor do coração do Pai quando anteviu e deparou com o complexo problema do pecado e vergonha humanos; o problema aparentemente insolúvel de uma humanidade ‘satanizada’.
A resposta ao problema não era a destruição dos homens, embora, se não fosse pelo amor de Deus, aquela teria sido uma solução simples. A resposta seria a reconciliação dos homens, trazê-los de volta ao plano e propósito originais de Deus, em eterna união com ele. Foi o Filho quem respondeu, tanto ao chamado como ao problema – ‘Eis-me aqui, envia-me a mim’.
Estas maravilhosas palavras: ‘Então disse eu: eis aqui venho; no rolo do livro está descrito a meu respeito: deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu’, cumpriram-se quando o Messias Jesus veio a este mundo (Sl 40.8; cf. Hb 10.5-10).
É claro que desde o princípio, Jesus, como homem, sabia exatamente qual era a sua obra. Desde o momento em que Pedro fez sua grande confissão: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo’ (Mt 16.16), Jesus começou a revelar aos seus discípulos qual era sua suprema obra. Toda a sua vida, até este momento, havia sido tão somente uma preparação para isto. O dia da sua grande obra, que representa o foco central de todo o tempo e história, e do qual depende o divino propósito da salvação e redenção, chegou com a sua crucificação.

Quanto Custou a Jesus
Contudo, não devemos nunca cair na armadilha de pensar que, pelo fato de a obra da nossa salvação ter-se completado no curso de um breve dia, foi fácil para o Messias. Custou-lhe tudo! Naquelas poucas horas condensou-se um mundo de sofrimento e angústia que supera toda a imaginação humana.
A linguagem é totalmente inadequada, mesmo quando divinamente inspirada, para descrever ou interpretar aquela espécie de sofrimento. Nenhum dos escritores dos evangelhos tentou descrever os REAIS sofrimentos do Messias. Eles registraram pura e simplesmente os fatos. Mesmo os apóstolos declararam apenas suas conseqüências espirituais e sua interpretação – que ele levou nossos pecados, que ele sofreu em nosso lugar, que ele foi feito pecado por nós. Em momento algum, tentaram descrever o custo e o sofrimento. É como se todos estivessem cientes de que isso estava além dos limites da linguagem e da compreensão humana; que era algo tão santo, tão maravilhoso, tão misterioso e inescrutável, tão imenso e eterno em sua significação, que a mais eloqüente oratória do mundo fracassaria em descrevê-lo e a mais refinada mente teológica falharia em defini-lo.
A história real de como aquele que não tinha pecado foi feito pecado por nós, de como o Cordeiro de Deus se tornou, naquelas terríveis horas, a ‘serpente levantada’ (2 Co 5.21; Jo 1.29; Jo 3.14), nunca poderá ser contada. Tudo o que temos são indícios que revelam profundezas impenetráveis de angústia e sofrimento. Vemos os atos; observamos a humilhação, a tortura, o escárnio. Ouvimos suas palavras e seu clamor; vemos suas reações, a dor física e a morte.
Assistimos a tudo e estamos cônscios de que esta é uma parte mínima da história. Porque os sofrimentos físicos do Messias não foram os reais sofrimentos pelos quais passou. Eram apenas indícios exteriores de uma infinita e inexprimível dor. Seu verdadeiro serviço foi oferecido e realizado no domínio do invisível. O servo do Senhor passa, como passou, fora do alcance da nossa visão dentro da escuridão; além desse ponto não podemos penetrar. Chegamos ao limite da nossa finita habilidade de entender e apenas podemos curvar nossas cabeças e nossos corações.
Lá, naquele lugar de escuridão, sua alma tornou-se a oferta pelos nossos pecados; ele foi ferido, traspassado pelas nossas transgressões, moído pelas nossas iniqüidades. Lá, ele sofreu pelo nosso bem-estar, pela nossa paz; foi castigado, para que as nossas infelizes e torturadas consciências pudessem conhecer paz com Deus. Lá, nossas tristezas e pesares foram levados por ele; nossos males e enfermidades acharam nele seu alvo (ver Is 52.13-53.12).
Ele tomou sobre si tanto a raiz como o fruto de todo o pecado, pois toda a nossa iniqüidade foi colocada sobre ele. Foi o pecado de todo o mundo que ele levou sobre si – toda a sua maldade e impiedade, toda a sua incessante odiosidade, a dor de toda a história. Naquelas poucas horas tudo isso foi ajuntado e colocado sobre aquela querida estrutura humana.

O Cordeiro de Deus
Não foi por alguma estranha coincidência que o Messias morreu por ocasião da Páscoa. Aquela festa comemorava a gloriosa libertação por Deus de um povo em escravidão e miséria. Além disso, no centro daquela comemoração estava um cordeiro imolado, um cordeiro sem mancha, macho de um ano, cujo sangue fora colocado sobre a verga e sobre os umbrais das portas de cada família crente.
João Batista disse de Jesus: ‘Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!’ (Jo 1.29). Não foi portanto, por acaso que o Messias morreu quando os cordeiros estavam sendo imolados para a comemoração. Ele era a realização daquele antigo simbolismo.
Para os poderes satânicos das trevas, foi a sua hora. Quando, no Getsêmani, eles se acharam impotentes para impedir que a obra do Messias fosse completada, seu ódio e furor não conheceram limites. Foram tão terríveis aquelas horas finais que até mesmo a criação retrocedeu em horror.
Colossenses 1.17 declara que ‘nele subsistem todas as coisas’. Quando o Messias foi feito pecado por nós e tornou-se uma ‘maldição’, foi como se a criação natural, toda contida nele, entrasse em choque. A terra tremeu, as pedras se fenderam (Mt 27.51) e a luz da natureza mergulhou em trevas (Mc 15.33). Foi como se o próprio ser de Deus fosse envolvido por uma insuportável dor e, em conseqüência, o próprio universo fosse afetado.
Mesmo que não compreendamos o mistério desta questão, ela revela algo da realidade e profundidade dos sofrimentos do Messias. Vindo daquelas negras e impenetráveis profundezas de dor e escuridão ouvimos, ecoando pelos séculos, o temível brado do coração partido do Messias: ‘Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?’ (Mc 15.34).
O Messias foi feito pecado por nós e ‘foi da vontade do Senhor esmagá-lo’; era o próprio Deus que submetia o Messias ao sofrimento. Jesus estava sozinho, não apenas no nível humano; foi desamparado pelo próprio Pai por causa do nosso pecado.
Toda a extensão do que ele fez, precisamente como sofreu, como se tornou nosso pecado, o imensurável preço envolvido – tudo está muito além da nossa capacidade de compreensão. O que nós sabemos e conhecemos por experiência, se realmente cremos nele, é que ele nos salvou. De algum modo, além da nossa limitada compreensão, um vasto universo de pecado, de dor e infelicidade, de sofrimento e morte, foi concentrado nessa experiência. O Senhor depositou sobre ele a iniqüidade de todos nós e ele as levou embora para o esquecimento.
Ele pagou o derradeiro preço, à custa da sua própria vida, e sofreu pelos nossos pecados, o justo pelo injusto, de maneira a trazer-nos para Deus. O Messias provou a morte por cada homem, para daí em diante trazer muitos filhos à glória (Hb 2.9-10).

Por Que Ele o Fez?
Por estranho que possa parecer, é na zombaria cruel dos principais sacerdotes e escribas que deparamos com a verdade. Eles, inconscientemente, profetizaram quando disseram: ‘A outros salvou; a si mesmo não pode salvar’ (Mc 15.31).
Eles nunca proferiram palavra mais verdadeira. Toda a sua vida foi gasta para a salvação dos outros da morte, da corrupção, da escravidão e da doença, do pecado e de Satanás. Agora, contudo, no sentido mais profundo, ele não podia salvar a si próprio.
Não que não tivesse poder para fazê-lo. Todo o poder do universo estava ao seu comando, mas ele o usaria tão somente para sacrificar-se, não para salvar-se. Foi o seu amor por nós que aboliu qualquer possibilidade de autopreservação! Não foram os cravos que o prenderam ao madeiro, nem a presença dos rudes soldados que o guardavam lá, mas um amor Divino. Aquele amor o cravou na cruz com mais eficácia que qualquer outra coisa no universo.
Verdadeiramente, o amor de Jesus ultrapassa o conhecimento. É inteiramente inexplicável. Havia muitas coisas que o Servo do Senhor poderia ter feito, mas para que servisse a Deus verdadeiramente, o amor ao Pai e o amor por nós o fez rejeitá-las. Há nisso uma profunda lição para todos os que desejam servir a Deus. Há muitas coisas que poderíamos fazer mas, se verdadeiramente servimos a Deus, descobriremos que não poderemos fazê-las, por amor a Deus e por amor aos outros. O amor Divino sempre nos prenderá à vontade de Deus; sempre nos tornará prisioneiros do Senhor Jesus.
Os principais sacerdotes e escribas estavam totalmente cegos ao que acontecia naquela cruz. O Messias não podia salvar-se a si próprio, porque estava nos salvando e seria impossível fazer os dois ao mesmo tempo. Ele tinha de escolher entre salvar-se e salvar ao homem caído – por infinito amor e graça, escolheu salvar o homem caído. Na verdade, seu amor era tão grande, que através de sua morte, estava abrindo as portas da salvação até mesmo aos principais sacerdotes e escribas. Anás e Caifás, Pilatos e a multidão que zombou e escarneceu dele naquele dia – todos podiam encontrar vida, se tão somente se voltassem para Deus e cressem nele.
Eles pensavam que Jesus estava acabado, que o seu ‘estranho’ poder e influência estavam quebrados e os seus lábios finalmente silenciados. Não poderiam estar mais enganados. Porque exatamente ali, onde aquelas mãos e pés estavam pregados à cruz, onde aparentemente nenhum grande milagre foi realizado, nenhum poder dinâmico demonstrado, nenhuma poderosa mensagem pregada – ali o milagre dos milagres foi efetuado, o mais poderoso e eficaz poder na história das eras foi manifestado e a maior mensagem a ser pregada na terra foi pronunciada. Quando Jesus morreu com aquele grande brado: ‘Está consumado’, o véu do Templo rasgou-se em dois, de alto a baixo (Jo 19.30; Mc 15.37-38). O Messias nunca proferiu uma mensagem mais poderosa e significativa do que aquela que foi contida nesta palavra, ‘consumado’, nem jamais exerceu poder mais eficaz do que quando consumou a obra da nossa salvação e nos reconciliou com Deus.
Quando Jesus morreu, o véu do santuário se rasgou em dois, de alto a baixo, porque a condição para reconciliar a humanidade caída com Deus fora cumprida através do Messias. Aquele véu simbolizava a alienação do homem caído da presença de Deus, estando ele aquém da glória de Deus por causa do pecado. Representava o fechamento dos portões da Cidade Eterna, o lugar da habitação de Deus, para aquela espécie de homem, barrando-o de toda aquela ordem de vida.
Mas agora aquele véu fora rasgado pelo próprio Deus; ele mesmo destrancou e abriu aqueles portões. O que ninguém mais poderia fazer, o Messias fez. Ele não somente ganhou para nós uma eterna salvação, por mais tremenda e maravilhosa que seja, por si só, este fato! Porém, ele também pôs fim à antiga ordem, à velha criação, ao velho homem e à velha natureza! E, como o Servo de Deus, assentou uma sólida e eterna base para uma nova ordem, uma nova criação, um novo céu e uma nova terra, onde há justiça. Um novo homem veio através dele. Toda esta ordem das coisas que foi instituída através de Satanás, por causa da queda do homem, foi julgada e extirpada no Messias; nele foi crucificada, sepultada e lançada fora para sempre.
Além disso, naquele mesmo lugar de julgamento, uma porta de esperança foi aberta. Um novo dia raiou na noite que, humanamente falando, parecia ser a mais negra de todas. Para todos os que temiam ao seu nome, o Sol da Justiça levantou-se com cura nas suas asas. Para estes, um novo e eterno dia, com nova vida, novo poder e novo propósito, estava chegando. Para o Servo do Senhor, Jesus, os portais eternos estavam levantando suas cabeças. Ele adentrou-os triunfantemente e juntamente, somente pela graça de Deus, todos aqueles que criam nele também entraram.
Cada aspecto do Messias Jesus é singular. Seja o mistério da sua pessoa, ao mesmo tempo, Deus e homem; seja o fato das muitas profecias que predisseram sua vinda, seu nascimento, sua obra suprema e a glória que se seguiria; ou seja a beleza do seu caráter – ele é único. E se isso o coloca muito acima de tudo e de todos, sua obra apenas acrescenta mais à sua singularidade. Pois ninguém mais poderia ter feito o que o Senhor Jesus fez.
Como está escrito de maneira simples e profunda na Enciclopédia Judaica: ‘Se, como os cristãos crêem, o mártir Jesus foi ao mesmo tempo o Messias, então sua morte tem uma importância cósmica’.
Em tudo isso, vemos um pouco do que custou ao Messias realizar a obra que Deus lhe confiou. Foi um preço além da imaginação humana, porém ele, voluntariamente, pagou aquele preço e a si mesmo se ofereceu. Desde que somos tão não merecedores, levanta-se a questão sobre o porquê ele entregaria sua vida por nós. Há somente uma resposta adequada. Ele não morreu por amor ao dever, nem por satisfação e glória próprias. Nem mesmo poderíamos dizer, em um nível mais elevado, que morreu somente para a honra e glória de Deus, sem qualquer consideração por nós, como povo. Ele se tornou o Cordeiro de Deus e levou sobre si nossos pecados por causa do seu imensurável e imortal amor. Como colocou o apóstolo Paulo: Ele ‘me amou e a si mesmo se entregou por mim’ (Gl 2.20). Tal amor é tão inescrutável quanto inexplicável.

O Rei dos Reis
Nisto vemos o coração de Rei e Messias. Ele não é o Rei messiânico meramente pela sua linhagem, ainda que esta fosse tanto autêntica quanto pura; realmente era da descendência direta do rei Davi. Nem é o Rei messiânico só porque foi predestinado para o ser, ainda que este fato estivesse predito desde o princípio e divinamente pré-ordenado. Ele é Rei primordialmente porque é digno de ser Rei e de assumir o trono. Nele vemos a espécie de caráter e natureza que não pode fazer outra coisa senão reinar. Através desse caráter interior, ele transformou uma coroa de espinhos na mais inestimável e radiante coroa jamais usada por alguém.
Nele vemos um conceito de realeza, liderança e autoridade, que não tem par. Este conceito se baseia em caráter, em altruísmo, em uma obra sacrificial e em uma vida inteiramente dedicada aos outros. Seu reinado está fundado em amor divino, em absoluta verdade e em transparente realidade.
Isto, por si só, é razão suficiente para chamá-lo digno. O apóstolo João, em sua visão do céu e da eternidade, viu no centro de tudo o trono de Deus e no trono um ‘Cordeiro, como havendo sido morto’ (Ap 5.5,6). No glorioso coração de uma vasta e triunfante multidão de adoradores num novo céu e nova terra, está o crucificado Messias. O ‘Cordeiro, como havendo sido morto’ é o Messias entronizado, levando para sempre as cicatrizes do seu sofrimento, as marcas dos cravos em suas mãos e pés e a marca da lança no seu lado.
João viu o Messias tomar o livro selado com sete selos, representando a mente e a vontade de Deus, a qual ninguém, judeu ou gentio, fora capaz de compreender, e assistiu-o romper os selos e abri-los. O Messias Jesus cumprira o eterno propósito de Deus, redimindo uma inumerável multidão de cada nação na terra e trazendo muitos filhos à glória. Ninguém mais, em tempo algum, foi achado digno de herdar o trono de Deus, para poder restaurar todas as coisas ao Pai e realizar toda a sua vontade, durante todas as eras por vir.
No ‘Cordeiro, como havendo sido morto’, a chave para a história judaica foi finalmente encontrada, desvendando tudo o que antes era inexplicável e tornando em glória seus infortúnios. Pois o propósito de Deus não foi frustrado, mas cumprido através da queda do povo judeu; nem o seu amor por esse povo desvaneceu com a sua queda, pelo contrário, provou-se, através dos anos, imortal. No fim, todo o Israel, o verdadeiro povo eleito de Deus, judeus e gentios, será salvo para não mais pecar e a terra será cheia com o conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar.
Deus declarou solenemente, desde o princípio: ‘Tão certo, porém, como eu vivo, e como a glória do Senhor encherá toda a terra…’ (Nm 14.21).
Naquele dia, as palavras proféticas de Isaías se cumprirão: ‘Todo vale será levantado, e será abatido todo monte e todo outeiro; e o terreno acidentado será nivelado e o que é escabroso, aplanado. A glória do Senhor se revelará; e toda a carne juntamente a verá; pois a boca do Senhor o disse’ (Is 40.4,5).
Da destra de Deus o Messias Jesus, Cordeiro de Deus e Leão de Judá, reinará para sempre. O Rei dos Judeus tornou-se o Rei dos reis e Senhor dos senhores e ‘do aumento do seu governo e da paz não haverá fim, sobre o trono de Davi e no seu reino, para o estabelecer e o fortificar em retidão e em justiça, desde agora e para sempre; o zelo do Senhor dos Exércitos fará isso’ (Is 9:7).
As palavras proféticas do Rei Davi concernentes ao Messias, proferidas tanto tempo atrás, finalmente se concretizarão (ver Sl 72.17-20): ‘Permaneça o seu nome eternamente; continue a sua fama enquanto o sol durar, e os homens sejam abençoados nele; todas as nações o chamem bem-aventurado. Bendito seja o Senhor Deus, o Deus de Israel, o único que faz maravilhas. Bendito seja para sempre o seu nome glorioso, e encha-se da sua glória toda a terra.Amém e amém.’

(Extraído do livro The Uniqueness of ISRAEL, por Lance Lambert, 1980; páginas 246-254. Publicado originalmente na revista À Maturidade.

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Vida cristã

O cristão

O cristão, o genuíno cristão, percebe que é, de fato, uma alma solitária em meio a um mundo que não lhe oferece comunhão. Penso que se sucumbir de vez em quando e entregar-se às lágrimas, o cristão não deve sentir que é fraco. Trata-se de uma solidão normal em meio a um mundo que o repudia. Ele tem de ser um homem solitário! (…) Esse sentimento de não pertencer ao mundo é uma parte de nossa herança cristã. Esse sentimento de pertencer a outro mundo — e não a este — esconde-se no coração do cristão e o distingue das pessoas à sua volta. Muitos de nossos hinos vieram à tona graças a essa mesma solidão, esse sentimento de pertencer a uma cidadania diferente e superior!

(A. W. Tozer)

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