Existem Igrejas do Novo Testamento?
Ao lado da pessoa de Jesus Cristo, a Igreja foi, e continua a ser, o grande campo de batalha da História. Tanto é verdade que um número sempre crescente de livros, jornais, periódicos, “Concílios”, “Convocações”, discursos, etc. se ocupa dessa questão como uma preocupação primária. No entanto, a maior parte de todos eles é sujeito à controvérsia, assim justificando a frase “o campo de batalha”. Tudo isso é muito significativo, indicando que é uma questão primária e algo que ocupa uma posição de destaque em termos de nossa responsabilidade. Isso é certo e, talvez, muito mais do que tudo o que se escreve e se fala a respeito encerra. Trata-se de uma preocupação primária no campo cósmico como um todo, a esfera sobremundana, se formos levar a sério tanto a evidência prática como as afirmações definidas do Novo Testamento, como, por exemplo, toda a carta escrita aos efésios e, em particular, Efésios 3.10 e 6.12.
Pode parecer arrogante e ambicioso para nós, que somos de tão pequeno valor em nós mesmos e tão insignificantes como um pequeno pedaço de papel, pensar que podemos tratar dessa imensa questão a fim de obter alguma vantagem pessoal. Tendo essa como uma preocupação primária por tantos anos e tendo visto a Igreja e as igrejas em tantos lugares, do Extremo Oriente ao Extremo Ocidente, exercitando a oração sobre a questão, talvez nos possa ser dado algo para dizer que lance um pouco de luz nas sombras ou na escuridão da imensa confusão existente com relação à Igreja. Nossa principal preocupação é a questão das expressões da assembléia local da Igreja, pois somente nela o verdadeiro significado da Igreja pode ser levado ao imediatismo.
Temos de começar fazendo a pergunta que inclui tudo o mais e realmente expressa o problema segundo a opinião de muitos:
Podemos agora aceitar a possibilidade de haver verdadeiras expressões locais da Igreja do Novo Testamento?
Essa pergunta — e não são poucos, mas muitos, os motivos pelos quais ela tem sido feita — tem recebido, em razão de sua agudez, muitas respostas ou tem sido criticada de muitas maneiras. Algumas delas são as seguintes:
1. Uma grande facção de cristãos tem respondido com um definitivo “NÃO”, e eles tomam como base o que chamam de “a posição de total ruína”. Eles dizem que a Igreja está em ruínas irremediáveis e, conseqüentemente, uma expressão corporativa não é mais possível. Sem dúvida, eles relacionam isso principalmente à Igreja em seu aspecto universal; no entanto, eles colocam o assunto da expressão local bem próximo disso, argumentando que no fim dos tempos tudo será individual. Eles baseiam sua argumentação em Apocalipse 2–3, onde o Senhor se dirige “ao vencedor”.
2. Depois, há aqueles cuja resposta é que a única possibilidade agora é uma expressão aproximada da Igreja. Ou seja, pode não existir uma expressão plena e completa, mas algo que se compare a ela, provisório e parcial. Pode haver algumas características e devemos nos basear em algumas coisas que percebemos estar no Novo Testamento. Dentre os maiores exemplos, as principais denominações representam essa posição. Os presbiterianos, por exemplo, baseiam sua posição em uma interpretação da ordem da igreja do Novo Testamento, segundo a concepção deles. O mesmo acontece com os luteranos, congregacionalistas, batistas, metodistas, irmãos unidos, etc. Para cada um deles, emprega-se o termo “igreja”. No entanto, trata-se de um conceito que é uma solução conveniente para o problema da expressão local, a saber, uma aproximação parcial do que ela é.
3. Em seguida, há a resposta expressa pelo que se pode chamar de “sublimidade”. Ou seja, a Igreja é uma concepção e idéia sublime. Ela é idealista e devemos viver no campo abstrato de uma concepção sublime e não tentar trazê-la “para a terra” nem sermos práticos e exigentes em demasia na realidade. Essa resposta e interpretação são expressas no termo “a Igreja mística”, mas não prática.
4. Existem aqueles que acabaram com toda a idéia de Igreja, dando-a tanto por impossível como por desnecessária. Elas são definitivamente instituições e organizações cristãs, mas não uma Igreja ou igrejas. A esta categoria pertencem os quacres, o Exército da Salvação e um vasto número de grupos de missões e “Missões”.
5. Finalmente, para nosso objetivo, existem aqueles cuja resposta é bastante positiva! Sim, devemos voltar ao padrão do Novo Testamento e “ter igrejas do Novo Testamento”! Eles acreditam que o Novo Testamento contém um projeto definido para igrejas locais e estão comprometidos com a “formação” dessas igrejas onde for possível. Infelizmente, eles variam muito quanto a ensinamentos, ênfases e práticas, e alguns deles são caracterizados por excessos, anormalidades e exclusivismo.
O que diremos diante de todas estas coisas? Como observamos, todos estão mais ou menos errados ou certos (destacamos o termo “mais ou menos”, mas diríamos que alguns estão completamente errados) porque a verdadeira natureza da Igreja se perdeu ou não pode mais ser vista.
A História de Israel
A história de Israel possui muitos fatos para iluminar essa questão da Igreja. O Israel histórico foi constituído sobre os mesmos princípios eternos que a Igreja cristã. Na verdade, eles eram chamados de “a igreja1 no deserto” (At 7.38) e foram denominados eleitos de Deus. Pretendia-se que eles representassem no tempo, na terra, um conceito eterno e celestial, que, em tipos e símbolos, figurativa e temporalmente, engloba princípios espirituais e pensamentos divinos. Para o objetivo de nosso estudo, temos de limitar toda a questão aos principais princípios envolvidos na história de Israel. Dividimos essa história em duas fases. A primeira se deu antes do cativeiro na Babilônia, os setenta anos, e para lá os levou. A razão desse cativeiro foi pura e definitivamente idolatria. O cativeiro tratou com a idolatria e, depois disso, não houve mais idolatria do mesmo gênero em Israel. Mas, então, veio — e ainda existe — a segunda, ainda pior e mais longa, fase de juízo. Essa é revelada no segundo aspecto do ministério dos profetas. É óbvio que os profetas profetizaram com relação ao futuro imediato do cativeiro na Babilônia e na Assíria, e também com relação ao futuro. Esse segundo aspecto é freqüentemente discutido no Novo Testamento e aplicado, ou apresentado para que seja aplicado, àqueles tempos e eventos, com uma característica adicional de que os tempos pós-Novo Testamento (até os nossos dias) foram vistos. Mas, por que essa segunda mais longa e mais terrível relegação ao juízo? Por que a confusão, fraqueza e perda da presença e poder imediatos de Deus por parte de Israel e apenas a soberania de Deus por trás de sua história? A resposta está em uma frase: cegueira espiritual. “O endurecimento veio em parte sobre Israel” (Rm 11.25). Há uma grande quantidade de referências a esse fato nos Evangelhos, e tanto os ensinamentos como os milagres de Jesus estavam voltados para essa cegueira e contra ela. A visão dada aos cegos foi um testemunho para Israel, bem como para o mundo. Essa cegueira, no entanto, estava relacionada principalmente à Pessoa, ao significado e ao propósito de Cristo. Aquela intervenção na história foi uma missão para a remissão, restauração e restabelecimento daquele conceito eterno no coração de Deus, que era como “o mistério” em Israel. Ou seja, os princípios e propósitos espirituais ocultos em sua eleição e constituição temporal, e para expressar tudo isso em uma Pessoa que devia ser reproduzida pela igreja, como o Grão de Trigo, por meio da morte, sendo reproduzido na ressurreição em um corpo de muitos membros.
Nesse ponto atingimos a essência da verdadeira natureza da Igreja. A pedra de toque da Igreja é uma percepção, por meio da revelação e iluminação divina, sobrenatural, do Espírito Santo, da verdadeira importância e significado de Jesus Cristo e Sua missão. É óbvio que o notável apóstolo do “mistério”, a Igreja, veio a conhecer e compreender a verdadeira Igreja mediante a revelação de Cristo para ele e nele (Gl 1.16).
Ter uma visão real de Cristo é ver a Igreja, e somente desse modo uma verdadeira igreja pode vir a existir. Foi somente logo após o Senhor poder dizer a respeito de Pedro que carne e sangue não revelaram a verdade de Sua Pessoa (de Cristo) que, Ele, Cristo, fez a primeira declaração pública definida sobre a Igreja: “Sobre esta pedra edificarei a Minha Igreja” (Mt 16.18). Tudo isso significa que, fundamentalmente, uma verdadeira expressão da Igreja, em termos locais, não é mais, nem menos, nem outra senão a compreensão espiritual de Cristo por parte dos cristãos. A igreja, local ou universal, não é tradicional. Isso a faria perder seu caráter original e, conseqüentemente, tornar-se artificial. A Igreja não pode ser vista pelos olhos de outras pessoas2, quer seja pelos daqueles do passado (apóstolos, etc.) ou do presente (mestres).
Temos conhecimento de pessoas que vivem na presença de ensinamento por anos e se alegram nele, repetem-no e pensam que estão no melhor nível e, então, por fim, prova-se que elas não viram, na verdade, com seus próprios olhos espirituais ao contradizerem e descartarem tudo isso de modo tão fácil. Elas o viram mentalmente pela perspectiva de outra pessoa, o mestre ou o pregador. Quando Paulo viu, sua visão provocou um efeito nele que se tornou ele mesmo, e nenhuma parcela ou forma de sofrimento e frustração visível poderia fazê-lo desistir da “visão celestial” (At 26.19). Repetimos que todo o seu entendimento valioso e pleno da Igreja não veio, em primeiro lugar, de uma revelação de algo chamado “a Igreja”, mas de uma visão de Cristo no conselho eterno de Deus. Como o próprio fundamento, essa colocação responde, e de modo compreensivo, os cinco pontos que mencionamos anteriormente. É possível haver expressões locais da Igreja? A resposta é afirmativa, dadas a existência dessa visão e a compreensão de Cristo, e teremos de rejeitar o Espírito Santo e Sua obra caso digamos que essa visão não é possível agora (Ef 1.17,18).
No entanto, feita essa declaração, é necessário dizer algo mais quanto aos princípios essenciais de uma igreja local como um microcosmo da Igreja universal.
O primeiro fato (incluído no que dissemos acima) e o mais difícil de explicar, apesar de não o ser de experimentar, está naquela palavra mal-compreendida, detestada e não vista com bons olhos: espiritualidade. Não deve ser difícil entender porque qualquer cristão verdadeiramente nascido de novo sabe que há algo a seu respeito que não é apenas natural. Uma mudança na mentalidade, disposição, conceito e direção aconteceu nele. Ele apenas ficou diferente desde que aconteceu o novo nascimento. (O que estamos falando sobre a Igreja não tem sentido se não houve esta mudança fundamental.) No entanto, ainda temos de definir espiritualidade.
Como uma palavra e uma idéia, espiritualidade não é peculiar à Bíblia e aos cristãos. O mundo a utiliza. Na ida à uma galeria de arte, por exemplo, o visitante observa alguns quadros e continua andando. No entanto, outro quadro prende-lhe a atenção, pois há algo que transcende a tela, a pintura e um objeto retratado. Aquele quadro possui uma “atmosfera” que fala a seu respeito, que lhe toca as emoções, que instiga uma sensação de admiração — não se trata apenas de um quadro. Há algo mais a seu respeito do que o próprio quadro. A observação deste fator complementar é que há algo “espiritual” sobre ele. O mesmo pode ser dito de uma canção, da execução de uma peça musical, de uma construção adornada e formosa, de uma forma de culto, e assim por diante. Isso é o que o mundo chama de espiritual, mas o que eles realmente deveriam dizer é misticismo. Isso pode ser particularmente encontrado na literatura, e há uma categoria de escritores conhecida como místicos. A religião é um campo especial do misticismo.
Digamos de uma vez por todas, e com ênfase, que misticismo e verdadeira espiritualidade, de acordo com a Bíblia, são duas coisas completamente diferentes. Elas pertencem a dois campos diferentes. A primeira é temperamental ou uma questão de temperamento. Possui seus graus. A simples reação à beleza ou emoção, ou, em formas mais intensas, pode ser psíquica, fanática. Pode ser induzida por apelos patéticos e trágicos. Pode ser instigada pelo estímulo e paroxismos por meio de repetições, como as de refrões e encantamentos. Dessa forma, quer seja de modo suave ou extravagante, outro elemento pode aparecer ou dar caráter. A religião se presta particularmente para o místico nessas várias formas e graus.
No entanto, a espiritualidade da Bíblia da qual estamos falando é diferente. É o resultado de um novo nascimento por intermédio do Espírito Santo. Representa uma mudança de natureza e constituição, não a libertação e intensificação do que já existe. Na verdade, é um “totalmente outro”, assim como Cristo era, na realidade mais profunda de Sua pessoa, um totalmente outro. Nesse “outro”, Ele não era conhecido, entendido e explicável. Ele era inescrutável, não apenas misterioso, mas de outra ordem. Havia outra inteligência e consciência, outra capacidade e habilidade. Havia outra relação. Tudo isso é verdade no que se refere a cada cristão por ser “nascido do alto”3 (Jo 1.13; 3.6,7). A Igreja é o agregado desses cristãos em que o que é verdade a respeito de Cristo é verdade a seu respeito, com exceção da divindade.
Cristo e a Igreja são o significado espiritual de todos os símbolos, e Ele disse definidamente que, com Sua vinda, a antiga ordem de representações materiais e simbólicas havia cedido todo o lugar para aquilo que eles representavam. Não havia mais coisas para representar, senão aquilo que eles representavam sem essas coisas (Jo 4.20-24), e observe que o Evangelho de João e a Epístola aos Hebreus são dois notáveis documentos da principal transição do histórico, temporal e tangível para o espiritual. Os apóstolos foram movidos pelo Espírito Santo para aquela transição. Foi necessário que padecessem para que nascessem de novo4; contudo, eles venceram por meio da energia divina.
Portanto, espiritualidade, que é uma natureza e um atributo de caráter diferente e celestial, é o primeiro princípio básico da Igreja. Repetimos que a Igreja é o vaso e a incorporação “do mistério” tantas vezes mencionados no Novo Testamento, principalmente por Paulo. O mistério era e é o significado oculto das coisas e de Israel, mas agora é revelado para e na nova ordem, o novo Israel, a Igreja. O “mistério de Cristo” é o significado de Cristo, inescrutável para todos, exceto para aqueles que têm o espírito de sabedoria e de revelação no conhecimento Dele.
Local e Sobrenatural
Quando fez a notável declaração sobre Sua Igreja: “Edificarei a Minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16.18), nosso Senhor anunciou três coisas. Primeiro, que Ele estabeleceria uma entidade definida chamada de Sua Igreja. Segundo, que essa Igreja encontraria uma força de oposição com sua hostilidade total e final. Terceiro, que esse poder seria levado ao nível máximo e seria destruído, ou seja, se tornaria incapaz de prevalecer contra a Igreja. Nessa afirmação plena, há uma indicação muito definida da natureza fundamental de Sua verdadeira Igreja. Dissemos anteriormente que a Igreja é algo essencialmente espiritual e que a espiritualidade é seu princípio básico. Mas podemos ser ainda mais claros quanto ao que pretendemos dizer com espiritualidade? Podemos, utilizando uma palavra alternativa: sobrenatural.
A Igreja é Essencialmente Sobrenatural
A Igreja é a personificação do verdadeiro cristianismo, e o verdadeiro cristianismo é sobrenatural ou não é coisa alguma! É apenas no momento e no local em que a Igreja é completamente percebida e aceita que ela realmente existe e pode ser o poder que se pretende que ela seja.
Sobrenatural na Origem
Em primeiro lugar, o cristianismo5 e a Igreja (na verdade, termos idênticos) vieram do céu e ainda têm de ser continuamente recebidos e revelados a partir de lá. Essa é a própria verdade fundamental do próprio Cristo e da Igreja em todo indivíduo incorporado a ela. Esse é o ensinamento do Novo Testamento em todas as partes. A origem e a moradia de Cristo estavam no céu. O Evangelho de João e a carta de Paulo aos efésios constituem um argumento específico e enfático para essa afirmação e compreendem todo o Novo Testamento nessa verdade. No primeiro, a afirmação repetitiva de Cristo quanto à Sua origem celestial é a base de todas as coisas no Evangelho como um todo. São expressões do tipo “na verdade, na verdade”, “mais verdadeiramente”, e tudo o que está no Evangelho tem a finalidade de sustentar e evidenciar essa verdade.
Contudo, quando isso é reconhecido, o Evangelho e o restante do Novo Testamento voltam para afirmar do mesmo modo que a Igreja incorpora essa verdade e fato de Cristo. O capítulo 3 do Evangelho de João empregará a mesma linguagem — “na verdade, na verdade” — em conexão com qualquer indivíduo que entra na Igreja. Esse indivíduo, não importando se ele é o melhor exemplo e representante de Israel do Antigo Testamento (como Nicodemos) simplesmente não pode percorrer a linha do horizonte dessa nova criação; ele não pode atravessar a porta da natureza humana, da tradição, da “religião”; ele “deve nascer do alto”. Por meio desse nascimento, ele é constituído um ser sobrenatural na mais íntima realidade de seu ser — a isso Paulo chama de “nova criação”.
Então, de modo equivalente, a Igreja nasce do alto, no dia de Pentecostes. A diferença entre as mesmas pessoas antes e depois desse evento e a natureza corporativa da nova entidade são evidentes para todos os que têm olhos para ver. É sobrenatural.
Sobrenatural na Base
O que era, e é, verdade sobre a origem e moradia de Cristo e de Sua Igreja mostra-se ser, com fascinante evidência, a verdade sobre Sua sustentação e sobrevivência. “Pão do céu” (Jo 6.32, 51) apenas significa o poder que os recursos celestiais têm de sustentar e apoiar. Isso é visto em relação a dois fatos. Primeiro, na lei de total dependência de Deus e do céu, que é o próprio princípio da encarnação: “Aniquilou-se a Si mesmo” (Fp 2.7). Novamente, o Evangelho de João é uma constante declaração enfática disso. A repetição “na verdade, na verdade” é empregada para afirmar isso: “Na verdade, na verdade vos digo que o Filho por Si mesmo não pode fazer coisa alguma” (5.19), e assim por diante. Pois em toda obra, toda palavra e todo tempo, Ele declarou que dependia de Seu Pai que está no céu. O Evangelho explica Seu humilde nascimento, Sua humilde criação, Seu último desamparo. Explica o fato de Ele ser “desprezado e rejeitado pelos homens”. No entanto, existiu uma vida e uma obra tão poderosa como a Dele?
O outro fato é em relação à Igreja. Quando consideramos o material humano do primeiro núcleo e, principalmente, seu crescimento; quando levamos em conta sua falta de bens e apoio deste mundo e quando pensamos em tudo o que estava contra ela de todo modo concebível, empenhando-se para aniquilá-la; e, em seguida, observa-se sua sobrevivência como uma entidade, há uma única palavra para descrevê-lo: sobrenatural! Reconheço que me admirei com a fé provada e triunfante de um homem como o apóstolo Paulo quando o vejo sofrendo como sofreu e quando leio seus próprios relatos de sofrimentos. A mente natural diria: “Este não é o apoio do céu”, mas temos o veredito de muitos séculos, e é a evidência e o veredito do sobrenatural.
Tudo isso inclui-se naquela repetição da expressão “na verdade” de João 6, onde, com uma alusão à vida de Israel no deserto, Jesus declara ser Ele mesmo o pão de Deus que veio do céu. Na verdade, Sua mente é tão forte, significativa e imperativa sobre essa questão que naquele capítulo Ele utiliza a repetição da expressão “na verdade” quatro vezes. O deserto sempre foi o símbolo ou imagem de um lugar fora do mundo, e o socorro e sustento em condições tão adversas à vida exigem recursos de outra esfera. A história da vida espiritual é a história do sustento sobrenatural secreto. Em silêncio e sem alarde, garantida e sem falta, suficiente e sem pobreza o maná descia, e o Senhor celestial da vida tem sustentado Sua igreja da mesma forma. Sim, embora fosse silenciosa e muitas vezes quase imperceptível aos sentidos naturais, ainda, na verdade, constitui-se uma obra de imenso poder. O Novo Testamento nos ensinará que o nascimento e sustentação da Igreja são réplicas da emancipação de Israel do Egito. Agora e naquela ocasião, o poder de Deus se estendeu e consumiu todo o poder do Egito e de seus deuses e, depois, anulou a própria morte.
A passagem do Novo Testamento que evidencia a Igreja de modo mais específico utiliza palavras como: “A suprema grandeza do Seu poder para com os que cremos” (Ef 1.19). Estamos longe de entender a terrível coisa que estava envolvida na morte e ressurreição de Cristo para guardar a Igreja em Deus!
Sem dúvida, já dissemos o suficiente para destacar a extrema importância de uma ou duas coisas: primeiro, mostrar no que a verdadeira Igreja está de acordo com a revelação do Novo Testamento. Se esse não é um equívoco dessa revelação, deve ser algo muito distinto. Ou seja, deve revelar uma diferença muito grande entre a verdadeira Igreja, por um lado, e aquela imensa coleção de coisas que leva o nome de Igreja, por outro; uma coleção sob a qual concentraram-se tantas instituições e concepções conflitantes.
A afirmação de que a verdadeira Igreja tem de estar de acordo com a revelação do Novo Testamento deve ser um corretivo para dois extremos. Um extremo é o de uma abrangência tão grande que negligencia a natureza fundamental e essencial do sobrenatural, da qual temos falado: o sobrenatural no novo nascimento de todos os indivíduos na Igreja. Também um corretivo para o extremo oposto de um exclusivismo não-bíblico que torna Cristo menor do que Ele realmente é por excluir da comunhão cristãos verdadeiramente nascidos de novo usando como base para isso alguma técnica particular de “proteção” ou alguma interpretação específica da verdade.
Além disso, se o que temos dito é uma verdadeira definição da Igreja e de sua natureza, então, sem dúvida, isso explica a perda de poder, impacto e influência sobrenatural. Isso também explica a confusão, a escassez de alimento espiritual para ovelhas famintas e a dispersão que é a estratégia especial de Satanás para roubar da Igreja sua vocação para receber o reino e reinar!
A explicação é que o grande poder da dependência total de Deus, que é a exigência categórica de Deus para a revelação de Sua própria glória, tem sido abandonado para buscar-se recursos no mundo por meios, métodos, modas, etc. a fim de fazer com que a obra de Deus tenha “sucesso”. Satanás não está nem um pouco preocupado com qualquer coisa que use seu próprio reino para a glória desses métodos! Ele até protegerá qualquer coisa que lhe dará um lugar. A maldição que está sobre ele e sobre este mundo sempre significará frustração, confusão e eventual vaidade para tudo que faz parte do seu reino; conseqüentemente, muitas destas coisas estão em uma igreja que é, com todo o respeito, deste mundo. A Igreja tem falhado grandemente em perceber o motivo pelo qual, em relação essencial com a missão e ministério de Cristo, a tentação de Jesus no deserto ocupou lugar em três dos Evangelhos; e nessa relação específica com o Evangelho de João que temos apresentado, o assunto ali revelado concentrou-se no capítulo 17, onde a ênfase de Jesus está no fato de Ele não ser deste mundo, e o mesmo com relação à Sua Igreja!
A igreja, tanto em seu aspecto universal como no local, que está constituída sobre princípios espirituais e celestiais terá alimento suficiente para suas próprias necessidades e para distribuir para o mundo todo6. Os famintos correrão em sua direção. Ela será um ímã espiritual que reunirá o povo de Deus em uma comunhão espiritual. Será, por essa razão, um objeto de atenção especial por parte de Satanás para desfazê-la. Mas, mesmo que ele tenha sucesso em destruir seus aspectos temporais, por meio do martírio, fogo, dissensões, dispersões, posições, etc., essa Igreja terá conquistado valores espirituais indestrutíveis e eternos, “porque as (coisas) que se vêem são temporais (transitórias, passageiras) e as que se não vêem são eternas” (2Co 4.18). O teste definitivo é o eterno!
Dissemos no início que, embora estejamos preocupados com a natureza da verdadeira Igreja universal, temos uma preocupação especial com a expressão local. Portanto, agora concentraremos nossa atenção nessa expressão.
Se levarmos a sério os três primeiros capítulos do livro de Apocalipse (e, sem dúvida, devemos fazer isso) ficaremos impressionados com a seriedade da preocupação do Senhor com as expressões locais. Uma incomparável apresentação do próprio Senhor é dada por meio de Ele julgar as igrejas de acordo Consigo mesmo. Cada aspecto dessa apresentação é um fator de julgamento. Então, é dado às igrejas uma definição simbólica de duas partes: a das estrelas e a dos castiçais. Deixando muitos detalhes para depois, observaremos agora que a característica comum a esses dois símbolos é a do poder do testemunho. É o elemento positivo de um desafio para as trevas do mundo. Tudo o que se segue com relação às igrejas, o aspecto e fator positivos da vida e influência espiritual é dominante e primordial. Toda controvérsia do Senhor com as igrejas, em qualquer aspecto específico, se concentra nesta última questão definitiva: o efeito positivo da igreja onde ela está. Existe um impacto no aspecto interior (candeeiro) e no exterior (estrelas)? Elas, as igrejas, estão dizendo algo explicável, eficaz e inconfundível? Elas causam um impacto que exerce influência sobre o que as cerca? Existe um poder espiritual dotado de efeitos? Enfim, a continuação de sua posição na economia divina — ser mantida ou “movida” — se encontra nessa questão. Muitas coisas são detalhadas como a causa da perda de poder, mas é essa perda que resulta no julgamento.
Tendo observado a questão inclusiva que determina todas as coisas em um testemunho local, continuamos a perguntar e a responder à questão: Quais são
As Características Essenciais de Uma Verdadeira Igreja Local?
Estamos tentando permanecer próximos e fiéis ao princípio geral de que a Igreja, tanto universal como local, é chamada para ser uma expressão de Cristo. É impossível ler o Novo Testamento sem observar que a presença de Cristo em qualquer lugar era a presença de:
Luz e Poder Celestiais
Temos mostrado que esse fato é a base do julgamento de Cristo sobre as igrejas. Em relação a Ele, não se tratava apenas da luz do ensinamento ou da doutrina: tratava-se do ensinamento personificado. Havia o ensinamento encarnado na raça humana. O ensinamento e as obras de Cristo formavam uma coisa única. Era uma luz muito prática! Era a luz de outro mundo. Se a lua governa a noite, ela o faz por meio da luz refletida do sol. Se as igrejas devem ter o poder da verdade, elas devem tê-lo porque propiciam um reflexo de Cristo nas trevas humanas. Uma expressão local de Cristo deve significar que há luz efetiva, tanto para o povo de Deus (os candelabros) como para o mundo (as estrelas)7. O povo que tem contato com essa igreja local deve sentir o poder do ensinamento, ser afetado por ele e dar frutos nele. Não se trata apenas de um teste, mas de um testemunho daquilo que o Senhor tem suprido. Por meio daquele vaso, recebe-se um povo que vive na luz celestial? O pecado é repreendido ou exposto? Os pecadores são convencidos? Os perplexos conseguem entender aquela apresentação de Cristo?
Vida Celestial
O Senhor disse que Sua vinda a este mundo era para “que eles tivessem vida” (Jo 10.10). Portanto, Sua presença em um lugar por meio da Igreja deve significar que todos os que vêm e vão registram haver ali uma existência celestial. Não apenas estímulo, barulho, atividades, etc., mas uma vida que não é deste mundo. [Onde Cristo está,] não existem formas e costumes sem vida. Não há coisa alguma monótona. A vida é mediada por tudo que tem um lugar e uma parte. Há uma elevação espiritual como a da vida de ressurreição, não depressão!
Alimento Celestial
Como vimos anteriormente, a presença de Cristo significava pão para os famintos. A compaixão de Cristo significava que Ele não suportava ver as pessoas vindo com fome e partindo na mesma situação. Uma verdadeira expressão local de Cristo significará que aquela reunião do Seu povo terá, não apenas para si mesma, mas terá superabundância para todos os espiritualmente famintos. Aquela será uma casa que oferecerá pão onde ninguém jamais deixará de ser suprido. Não apenas se encontrará alimento, mas este será ministrado para muitos que estão distantes.
Comunhão Celestial
Uma característica impressionante de Cristo, quando Ele estava presente fisicamente entre os homens, foi o modo como Ele transcendia as coisas que dividem os homens neste mundo. Ele não tentou fazer com que todas as pessoas e coisas fossem iguais por organização, instituição, denominação, classe, categoria, formas, sistemas, etc. Todo tipo e temperamento, se despojado de preconceito e hipocrisia, de coração aberto e consciente da necessidade espiritual, encontrou um terreno comum de comunhão e unidade em Cristo. Ele apenas se colocou acima do que servia de divisão e, em resposta a Ele, as pessoas perceberam que as coisas que as separavam simplesmente desapareceram. Cristo tornou-se o terreno comum a todas elas.
Assim deve acontecer em qualquer expressão local corporativa de Cristo. Questões de associação, denominação, seita, tradição, etc., não devem se levantar, mas simplesmente desaparecer na presença do ardor da comunhão e da inteira ocupação com Cristo. O único caminho efetivo para a verdadeira unidade e comunhão celestial é aquele que é mais elevado do que o campo do mundo: o amor do céu.
Ordem Celestial
Todas as quatro coisas que mencionamos como características de uma verdadeira expressão local da Igreja e de Cristo serão ajudadas pela presença ou ocultadas pela ausência de uma ordem celestial e espiritual. Todas as ordenações, posições, departamentos, devem acontecer pelo testemunho definido do Espírito Santo, não pela escolha de um homem, seja pela ambição de outros ou dele mesmo. Como resultado de muita oração por parte da igreja, isso deve ser manifesto onde a unção e os dons estão para que a função daqueles em qualquer posição de liderança definitivamente signifique que a igreja é inspirada, fortalecida e edificada. Não cumprir esta ordem celestial possibilitará a existência de um elemento de artificialidade, uma força para criar algo e fazer com que esse algo continue em andamento. O nível mais alto de genialidade sempre ficará muito longe da menor medida de inspiração divina. É essa inspiração divina que determina toda a obra e funções divinas. Não há esforço ou força onde a unção repousa, mas espontaneidade, liberdade e unção. O óleo sempre foi um símbolo do Espírito Santo, e onde Ele está as coisas devem-se mover como no óleo.
Este não é um modelo de todo impossível, mas é a expressão normal do senhorio e governo de Cristo. O que Deus requer Ele torna possível.
A Igreja: O Vaso Ungido
Nas Escrituras, há muitas maneiras pelas quais se fala da obra do Espírito Santo. Há o “recebimento”, o “enchimento”, o “batismo”, o “cumprimento” e o “dom”. Não é nosso objetivo considerar o significado dessa variedade de expressões, mas dar ênfase em uma: a unção. A unção, tanto no Antigo como Novo Testamento, é apresentada como geral e particular, compreensiva e específica.
O primeiro fato sobre o aspecto geral da unção é que, em virtude de o Espírito de Deus ser o Espírito que unge, a unção é Deus juntando e unindo e comprometendo a Si mesmo com qualquer coisa ou pessoa que seja ungida. Significa que sempre e onde quer que esteja a unção, ali Deus deve ser considerado. Tocar no que é ungido é tocar em Deus. Para obtermos um conhecimento verdadeiro dessa verdade e desse fato, temos apenas de ler aquelas passagens do livro de Números que tratam dos levitas, do tabernáculo e dos vasos nele usados. Vida e morte estavam ligadas a todos esses ungidos porque, por meio da unção, Deus estava ligado a eles. No Novo Testamento, este aspecto compreensivo relaciona-se em primeiro lugar a Cristo e, em seguida, à Igreja.
A própria palavra ou nome “Cristo” significa ungido: “Como Deus ungiu a Jesus de Nazaré” (At 10.38). Deus estava comprometido com Ele. Tocar Nele era tocar em Deus, como a história tem provado. No final, todos serão julgados e seu destino determinado de acordo com sua atitude e decisão com relação a Jesus Cristo. Quantos detalhes tremendos essa verdade inclusiva compreende!
Quando passamos para a Igreja, descobrimos que, de acordo com o Novo Testamento,
A Igreja é o Vaso Ungido
No dia de Pentecostes, um grupo de mais de quinhentos homens e mulheres foi constituído como a Igreja de Deus pela unção do Espírito Santo (At 2.1-4). Aquele grupo era controlado pela liderança ungida do Senhor Jesus exaltado, pois a unção inclusiva sempre estava sobre a cabeça Dele. Daquele tempo em diante, a Igreja levou para o mundo a implicação de Deus: e soberanos, impérios e pessoas tiveram de se acertar com Deus na Igreja. Tudo o que era verdade sobre Cristo como o Ungido passou Dele, como Cabeça, para a Igreja, o Seu Corpo, não por causa do que as pessoas eram, ou são, nelas mesmas, mas pela unção, pois as pessoas ungidas são assim porque não permanecem em seu próprio terreno, mas no terreno de Cristo.
É certo no Novo Testamento que os cristãos verdadeiramente nascidos do alto e batizados têm a unção, e surpresa é manifestada se a evidência não se faz presente (At 19.2,3). Coloque ao lado dessa referência 2 Coríntios 1.21, entre outras. O lugar dos cristãos ser “em Cristo” os coloca sob Sua unção, ou Nele, como o Ungido.
No entanto, embora o Espírito Santo seja compreensivo e multi-facetado em significado, a unção é, em toda parte na Bíblia, o termo que apresenta o significado específico de posição e função, ofício e propósito. Diz-se que Satanás (Lúcifer) em sua posição caída foi o “querubim ungido para proteger” (Ez 28.14). É óbvio que se tratava de uma posição e função específicas. Assim, os profetas, sacerdotes e reis eram ungidos para sua posição e vocação. Do mesmo modo, o tabernáculo e todos os seus vasos e instrumentos eram ungidos para cumprimento de um propósito específico, e nada poderia ocupar um lugar ou cumprir um propósito divino sem a unção. Todas as coisas e pessoas tinham de ser ungidas para um uso e propósito específico e nenhum instrumento podia escolher sua função e posição ou realizar a obra de outro. Tudo isso fazia parte da lei de Deus de eficiência, eficácia, harmonia e bênção. A vida e a morte estavam ligadas a esse princípio.
A unção sempre esteve na soberania divina e nunca na escolha, poder ou nas mãos de homens. É muito sério receber ou ser colocado em uma posição que não tenha sido designada por Deus pela unção.
Quando vamos ao Novo Testamento, essa lei da unção é claramente reconhecível no que diz respeito tanto a Cristo como à Igreja. Primeiro, o ato de soberania, depois as muitas e diversas funções. O Novo Testamento é muito claro tanto nas principais ordenações, tais como apóstolos e profetas — que se relacionam principalmente à Igreja universal —, como nas funções específicas na expressão local da Igreja. O Espírito Santo é considerado aquele que retém os dons, funções, ordenações e realizações nas igrejas. É ordem de Deus; negligenciar, ignorar, violar e ultrapassar essa lei significa uma afronta ao Espírito Santo. Isso resultará em confusão, restrição e divisões. Onde os homens colocam as mãos em uma obra de Deus, a história subseqüente tem invariavelmente se dividido em duas partes: divisões e a relegação desses homens para um lugar onde impera o descrédito sobre eles e onde perderam a posição de utilidade plena. Por outro lado, não há outra verdade mais animadora e inspiradora revelada nas Escrituras do que que, por meio da unção, todos os membros de Cristo têm uma função e valor específicos. A unção é diferente da capacidade e qualificação naturais. O que tem menos dons naturais não está, por isso, desqualificado para o uso de Deus, e o que tem mais dons ou qualificações naturais não tem vantagem nesse caso. A unção é única. Vemos isso ao juntar 2 Coríntios 1.21, 1 Coríntios 1.26-30 e todo o capítulo 2 de 1 Coríntios.
No tabernáculo de Israel, houve grandes vasos sob a unção e havia instrumentos simples como os apagadores, mas até os últimos eram ungidos. Agora, tenha cuidado! Eram apagadores ungidos. Há muitas pessoas que tomam para si a função de apagadores. Elas apagarão qualquer coisa e acabarão com qualquer coisa. Os apagadores do tabernáculo não serviam para reduzir ou extinguir a luz do testemunho, mas para mantê-la viva e impedi-la de criar uma atmosfera desagradável. É necessário unção para esse ministério.
Há outra coisa de que devemos sempre nos lembrar: é que todo vaso, função e posição deriva-se do valor de sua relação com todos os outros. Na verdade, nenhum vaso, por mais que seja importante, tem significado ou valor separado dos outros. A unção é única, embora em uma diversidade de operações. As lâmpadas pedem os apagadores que, por sua vez, não têm sentido sem as lâmpadas.
Tudo o que dissemos aqui é apenas uma alusão e indicação de uma esfera muito ampla e importante da verdade divina; muitos volumes seriam necessários para esgotá-la e explicá-la. No entanto, sem dúvida, se esta é a verdade de Deus, basta – pelo menos – indicar
1. a verdadeira natureza da Igreja, das igrejas e sua função;
2. o motivo pelo qual há tanta fraqueza, confusão e perda do impacto divino;
3. o motivo pelo qual o inimigo está tão preocupado em imitar o Espírito Santo e, desse modo, acabar com a unção da qual uma vez foi privado.
Essa última questão será uma característica específica dos últimos tempos. Esse é o motivo pelo qual, nas Escrituras, a unção ocupava uma posição sempre próxima e decisiva junto com a guerra. Pense nisso!
A Expressão Local da Igreja
Antes de concluir nossa consideração sobre a Igreja, sinto fortemente que devo dizer algumas coisas de vital importância quanto à verdadeira expressão local da Igreja. Sei muito bem como é difícil encontrar uma expressão verdadeira e assegurar que ela o é, mas não há motivo para abandonarmos todo esse assunto. Antes de ser um indicador de seu valor, a história e experiência têm mostrado que essa é a única coisa de grande importância com a qual o adversário de Cristo se preocupa. Impedir ou destruir essas expressões sempre foi uma preocupação maior dos poderes do mal. A verdadeira Igreja, universal e local, é uma ameaça muito grande para o reino de Satanás. Enfatizamos isso nos primeiros capítulos. Contudo, resumamos:
1. A importância da Igreja em expressões locais
Em primeiro lugar devemos lembrar que uma seção sólida do Novo Testamento foi escrita especificamente para igrejas locais, as quais constituíram o primeiro resultado do ministério apostólico. Esse ministério, e todo o sofrimento envolvido, foi vindicado em grupos de reunião locais de cristãos. Foi por essas igrejas que os apóstolos padeceram, trabalharam, oraram e lutaram. A essência do Novo Testamento tem sua preocupação suprema com essas assembléias que conheceram grandes sofrimentos em sua origem e estavam em “uma grande batalha de aflição” por sua continuação e sobrevivência.
Por isso, devemos lembrar que a própria preocupação e avaliação pessoal do Senhor com relação às igrejas locais se fizeram muito evidentes por meio de Suas mensagens diretas para as sete igrejas na Ásia com as quais o livro do fim (Apocalipse) se inicia. Não há como interpretar mal a importância das igrejas locais para o Senhor exaltado quando lemos essas mensagens, cujo enfoque é uma oração que se encontra em uma delas: “Isto diz o Filho de Deus”. O salmista diria “Selá”, “Pense nisso”.
2. Essa importância deve ser vista nos valores específicos de uma reunião local, quando estiver em correto funcionamento
a) Aqui, o princípio de que “nenhum de nós vive para si, e nenhum morre para si” (Rm 14.7) é enunciado com relação à igreja local e deve ser aplicado às mensagens para as igrejas na Ásia. Diz-se da igreja em Éfeso que, por meio dela, “todos os que habitavam na Ásia ouviram a palavra do Senhor Jesus” (At 19.10; veja 1Ts 1.8). Deve ser impossível a existência de uma assembléia local do povo de Deus sem que seja conhecida por uma região muito maior do que sua própria localidade. Um grupo vivo, mais cedo ou mais tarde, será conhecido no exterior pelo que ele tem da parte do Senhor.
b) Para ampliar a questão, uma igreja local deve ter não apenas pão espiritual suficiente para si, mas cestos cheios para distribuir, e muitos além de suas fronteiras devem estar sendo enriquecidos por sua saúde espiritual. A história não mostra quão evidente isso é? O povo de Deus não tem sido alimentado por anos até o dia de hoje com o pão ministrado para – e por meio de – aquelas igrejas do Novo Testamento? Não é verdade que multidões foram e ainda estão sendo alimentadas com o alimento ministrado em igrejas locais em muitos lugares no último século? Do mesmo modo teria feito o Senhor. A igreja que apenas ministra para si e não o faz para a Igreja como um todo está cometendo um pecado contra o direito da vida; ela se tornou uma via de mão única, não uma rodovia. Sem dúvida, é particularmente importante que o ministério em uma igreja local seja um ministério verdadeiramente ungido, não por qualquer ordenação, seleção ou decisão do homem, não pelos discursos instruídos e arranjados, mas pela iluminação e inspiração vinda de um céu aberto, não apenas fazendo com que algo continue em andamento como um dever, mas pela revelação de Jesus Cristo. Deve ser óbvio para todos que aqueles que lideram e ministram estão sob um encargo genuíno do Senhor, e a evidência disso é a vida!
c) A igreja local deve, e pode, ser um refúgio, um abrigo, uma proteção para seus próprios membros. Uma das principais táticas de Satanás é isolar os cristãos e depois derrotá-los. Isso pode ser feito por ações imprudentes e independentes e por escolhas, passos e decisões frutos da falta de conselho. A igreja por meio de suas orações, conselho e comunhão é uma provisão divina contra as tragédias que se encontram no caminho da independência e isolamento. Assim como a cooperação e a coordenação no corpo físico são uma provisão e uma lei contra muitas doenças, o mesmo acontece com os membros do corpo espiritual.
d) A igreja local deve fornecer ministérios pessoais para o povo de Deus e para os não-salvos, próximos e distantes, e oferecer uma proteção e apoio abrangente para a realização desses ministérios. Aqueles que se apresentam para o ministério da igreja devem saber que estão sendo defendidos e sustentados por aqueles com os quais andaram. Na verdade, eles devem prosseguir como enviados pela igreja!
A falta e ausência dessas características em organizações locais são a causa de tanta fraqueza na Igreja universal.
e) Por fim, uma igreja local que funciona corretamente é uma provisão maravilhosa para o treinamento de seus membros para a obra. O treinamento é principalmente uma questão de ser capaz de trabalhar corporativamente. O modo de viver e trabalhar com outras pessoas e afundar o individualismo na comunhão é uma parte verdadeira da disciplina que torna frutífero um ministério!
Há um perigo real no departamentalismo: a separação em grupos isolados de modo que esses grupos não alcancem uma vida e função corporativa da Igreja. É possível termos grupos associados à uma igreja local que realmente não possuem uma verdadeira vida da igreja. Isso significa fraqueza e perda. Além disso, a igreja local deve ser sua própria escola bíblica, para instrução sistemática na Palavra de Deus.
A leitura cuidadosa da Bíblia, principalmente do Novo Testamento, mostrará que tudo o que dissemos acima está contido nela como exortação, admoestação, advertência, instrução e exemplo.
Se eu tivesse de acrescentar outra coisa vital e todo-inclusiva, eu diria que o essencial absoluto para essas igrejas é uma verdadeira obra da cruz em todos os a ela relacionados.
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1 Em grego, a palavra usada nesse versículo é eclésia (que significa “chamados para fora”) traduzida, na maior parte dos versículos em que aparece, como igreja.
2 Ou seja, a visão, a percepção da realidade espiritual acerca da Igreja, é individual e deve ser buscada individualmente.
3 A palavra grega traduzida como “do alto” pode também ser corretamente traduzida para “de cima”. Ela é traduzida com esse sentido nos seguintes versículos: Mt 27.51; Mc 15.38; Jo 3.31; 19.11,23; Tg 1.17; 3.15,17.
4 O autor não está se referindo à regeneração; entendemos que o “nascer de novo” aqui refira-se ao processo pelo qual os apóstolos passaram na transição da velha aliança, com suas figuras e símbolos, para a nova aliança, na qual Cristo é a realidade de todas as coisas.
5 No sentido de fé cristã, não de organizações e movimentos cristãos ou da religião cristã.
6 O autor trata especificamente deste assunto no livro O Testemunho do Senhor e a Necessidade do Mundo, publicado por esta editora.
7 No sentido de que os candelabros representam a igreja em uma cidade, portanto, um testemunho coletivo do povo de Deus, enquanto as estrelas representam membros da igreja, indicando um testemunho individual diante do mundo.
(Extraído da extinta revista O Chamamento Celestial ano 2, n. 6, publicada por CCC Edições, janeiro de 2001. Traduzido por Valéria Lamim Delgado Fernandes. Os artigos que compõem esta edição foram originalmente publicados na revista A Witness and a Testimony, vol. 47, números 1-5, em 1969. Em sua forma original, o texto é uma transcrição das mensagens faladas. Por isso, quando necessário, fez-se adaptações no texto, procurando conservar, quanto possível, o estilo original. Nesses artigos, os termos “Igreja universal” e “igreja local” não são nomes próprios, ou seja, eles não identificam grupos cristãos, denominações, movimentos ou qualquer outra instituição que se utilize de algum destes termos. “Igreja universal” significa o Corpo de Cristo que inclui todos os membros, em todos os tempos e lugares, enquanto “igreja local” é a expressão desse Corpo em uma cidade.)