“Sucedeu que, ouvindo isto todos os reis que estavam aquém do Jordão, nas montanhas, e nas campinas, em toda a costa do grande mar, em frente do Líbano, os heteus, e os amorreus, os cananeus, os perizeus, os heveus e os jebuseus, se ajuntaram eles de comum acordo para pelejar contra Josué e contra Israel” (Js 9.1,2).
Esses dois versículos nos apresentam um assunto de profunda importância, algo que deve ser levado em conta especialmente pelos ministros que querem ser fiéis a seu chamado. O fato de o Espírito Santo mencionar essa confederação dos reis cananeus para combaterem Josué e Israel logo depois de descrever aquilo que tinha ocorrido nos montes Ebal e Gerizim (veja 8.30-35) obviamente tem o propósito de nos fornecer uma ilustração simbólica e um exemplo solene da inerente hostilidade humana contra a Lei de Deus. A expressão “ouvindo isto” (9.1) indica que, imediatamente após chegar aos ouvidos desses reis que Josué havia levantado um altar em Ebal e inscrito nas pedras desse altar o Decálogo de Deus – o qual, daí por diante, seria a Lei daquela terra –, eles juntaram forças contra o povo de Deus e se propuseram a usar de violência contra ele. A necessidade de reconhecer os direitos e a autoridade do Deus Supremo e de submeter-se a Sua vontade revelada é algo que ofende os não-regenerados e eles se opõem a isso. Seu desejo é serem senhores de si mesmos e estão decididos a seguir seu próprio caminho. A linguagem expressa pelas ações de todos eles, e pela boca de muitos, é a mesma do obstinado e arrogante faraó: “Quem é o Senhor, cuja voz eu ouvirei?” (Êx 5.2). Estão decididos a agradarem a si mesmos.
Aqui está a própria essência da depravação humana. O pecado é uma revolta contra Deus, uma recusa de sujeitar-se a Ele. O pecado não é apenas uma decisão de seguir nossas próprias inclinações, mas é uma luta contra nosso Criador e Governador. A mente carnal é inimiga de Deus. Essa declaração é terrivelmente séria, e é uma das mais detestáveis aos melindres humanos. Apesar disso, é um fato que não há como desconsiderar. A prova disso aparece na seguinte declaração: “Não é sujeita à lei de Deus [a mente do homem natural], nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8.7). Não há nada que evidencie de forma tão clara a inveterada hostilidade contra Deus da pessoa não-regenerada do que sua insubordinação e oposição contra a Lei de Deus. Na verdade, são poucos os que admitem abertamente que odeiam a Deus, e menos ainda aqueles que estão conscientes desse fato terrível, pois o pecado é muito enganoso (Hb 3.13) e cega o entendimento (Ef 4.18).
A idolatria é o campo onde mais claramente se demonstra essa realidade. Se os homens estivessem satisfeitos com o Deus verdadeiro, não teriam fabricado tantos deuses falsos. Eles querem um Deus e um sistema religioso condizentes com suas inclinações depravadas. Existem milhões de pessoas que não se inclinam diante de alguma imagem de madeira ou de pedra; no entanto, crêem num Deus inventado por seus próprios sentimentos e imaginações, e contra esse deus (ou essa coisa) eles não sentem nenhuma inimizade!
Mas, assim que o Deus verdadeiro e vivo é apresentado de acordo com Seu caráter que nos é mostrado nas Escrituras, essa inimizade se torna evidente. Basta que Ele seja apresentado como o Deus Soberano que faz um vaso para honra e outro para desonra segundo Sua própria vontade, como o Santo que não pode contemplar a iniquidade e que odeia aqueles que a praticam e como o justo Juiz de todos que de forma alguma inocenta o culpado, e o ódio das criaturas decaídas contra Ele aparecerá sem disfarces.
Se Deus renunciasse a Seus direitos soberanos, elas reprimiriam a oposição; se Ele pusesse de lado Seu cetro, os homens parariam de lutar contra Ele. Mas, pelo fato Dele não fazer isso, a vontade da criatura se opõe à vontade do Criador e se recusa a sujeitar-se a Seu trono. Podemos ver uma prova conclusiva de que a natureza do pecador é diametralmente oposta à de Deus na mortal oposição daquele ao governo divino. A lei moral é tanto uma revelação do caráter de seu Autor como também uma expressão de Sua vontade, e o repúdio do homem a essa lei mostra o antagonismo do pecado à santidade.
Aquilo que expusemos acima foi exemplificado de maneira clara e solene quando o Legislador se encarnou e habitou aqui no mundo, pois a má vontade dos religiosos e também dos não-religiosos se levantou contra Ele. Não só foi desprezado e rejeitado pelos homens, mas Ele declarou abertamente: “Odiaram-me sem causa” (Jo 15.25). Eles nem se esforçavam para disfarçar suas más intenções. Enquanto Ele curava os doentes e alimentava a multidão com pães e peixes, suspenderam a hostilidade; mas, quando Ele lhes impôs as exigências de Seu senhorio, quando especificou os termos do discipulado e tornou conhecido o caráter e as exigências de Seu reino, os pecadores imediatamente manifestaram indignação contra Ele. Ele não só “veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam” (Jo 1.11), mas também “Seus concidadãos odiavam-no, e mandaram após Ele embaixadores dizendo: ‘Não queremos que este reine sobre nós’” (Lc 19.14). Não esqueçamos que foi como “Rei dos Judeus” que Cristo foi crucificado! “Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o Senhor e contra o Seu ungido, dizendo: ‘Rompamos as Suas ataduras e sacudamos de nós as Suas cordas’” (Sl 2.2,3; cf. At 4.25-27) – irritando-se contra a Lei de Deus, recusando submeter-se à autoridade Dele.
Nesse ajuntamento dos reis de Canaã “para pelejar contra Josué e contra Israel”, imediatamente após a promulgação da Lei de Deus nos montes Ebal e Gerizim, temos uma solene descrição daquilo que aconteceu nas horas que precederam a crucificação de nosso Senhor, e temos também uma figura da oposição do homem contra a Lei. Até esse momento, os cananeus tinham estado na defensiva, mas em Josué 9.1,2 nós os vemos preparando-se para assumir a ofensiva e desferir um ataque conjunto contra o povo de Deus. Os reis mencionados nesse texto pertenciam a nações diversas, tinham interesses variados e ocupavam territórios amplamente espalhados, mas aqui nós os vemos deixando de lado suas diferenças e juntando-se “de comum acordo”!
Exatamente como os sacerdotes e os escribas, os fariseus e os saduceus se uniram em oposição ao Legislador que assumiu forma humana. E exatamente como acontece hoje, pois tanto arminianos dispensacionalistas como calvinistas antinomianos repudiam o Decálogo como regra de vida do cristão. Todo servo verdadeiro de Cristo vai descobrir isso. Basta que ele conceda à Lei, em seu ministério, o lugar que ela ocupa nas Escrituras, basta que seja fiel no desempenho da comissão que recebeu de Deus (e lembre-se de que “todo o conselho de Deus” abrange bem mais do que aquilo que se chama de “doutrinas da graça”!), e imponha a descrentes e crentes as exigências do Reino de Cristo, e o rigor e a espiritualidade do Decálogo, e ele também será desprezado e injuriado.