Entendo que as palavras: “Para que todo aquele que Nele crê não pereça” (Jo 3.16) declaram que todo o que crê no Senhor Jesus Cristo não vai perecer, ainda que esteja pronto a perecer. Seus pecados o levariam à perdição, mas ele nunca se perderá. Sua fé não perecerá, pois esta promessa a cobre: “Para que todo aquele que Nele crê não pereça”.
O penitente creu em Jesus e, portanto, tornou-se um cristão e começou a viver como tal. “Oh!”, grita um inimigo, “deixe-o sozinho; ele logo estará conosco outra vez. Logo será tão descuidado como antes”. Mas ouça: “Para que todo aquele que Nele crê não pereça” – portanto, quem crê não retornará a seu estado anterior. Isso prova a salvação eterna dos santos, pois, se o crente deixasse de ser crente, ele pereceria; e, como ele não perece mais, é óbvio que continuará sendo crente.
Se você creu em Jesus, nunca deixará de crer Nele, pois isso seria perecer.
Se crê Nele, você nunca perderá sua vida espiritual, pois como pode alguém perder alguma coisa que é eterna? Se pudesse perdê-la, isso demonstraria que ela não é eterna, e você pereceria, tornando, assim, a Palavra de Deus sem efeito. Quem um dia creu em Cristo é uma pessoa salva, não só hoje, mas em todos os dias da vida e por toda a eternidade. Todo aquele que Nele crer não perecerá, mas terá uma vida que não acaba e uma aceitação da parte de Deus que nunca cessará.
Nosso fruto procede da união com nosso Deus. O fruto do galho está diretamente ligado à raiz. Cortando-se a conexão, o galho morre, e nenhum fruto é produzido. Em virtude de nossa união com Cristo nós produzimos frutos. Cada cacho de uvas esteve primeiro na raiz, passou pelo caule, fluiu através dos vasos condutores e se moldou exteriormente no fruto, mas esteve antes no caule. Assim também, toda boa obra [do cristão] esteve primeiro em Cristo e, depois, é produzida em nós. Ó cristão, dê valor a essa preciosa união com Cristo, pois ela deve ser a fonte de toda frutificação que você espera conhecer. Se não estivesse ligado a Jesus Cristo, você seria, sem dúvida, um ramo estéril.
Nosso fruto provém da providência espiritual de Deus. Quando as gotas de orvalho caem do céu, quando a nuvem parece cair do alto e está a ponto de destilar seu tesouro líquido, quando o brilho do Sol faz reluzir os frutos nos cachos, cada bênção celestial parece sussurrar à árvore e dizer: “De Mim procede o teu fruto.” O fruto deve muito à raiz – que é essencial à frutificação –, mas ele deve muito também às influências externas. Quanto nós devemos à graciosa providência de Deus, pois nela Ele nos provê constantemente ânimo, ensino, consolação, força, ou qualquer coisa de que necessitarmos. A isso nós devemos toda a nossa utilidade ou virtude.
Nosso fruto provém de Deus como sábio agricultor. A faca de lâmina afiada do jardineiro auxilia a árvore a dar frutos ao diminuir os cachos e podar os galhos excedentes. Que seja assim, cristão, com relação à poda que o Senhor faz em você. “Meu Pai é o lavrador. Toda a vara em Mim que não dá fruto, [Ele] a tira; e limpa toda aquela que dá fruto, para que dê mais fruto” (Jo 15.1,2). Uma vez que nosso Deus é o autor de nossas graças espirituais, vamos dar a Ele toda a glória por nossa salvação.
(Publicado em 17.11.07. Revisado e atualizado em 20.7.19.)
A hora não avisada do retorno de nosso Senhor torna imperativa a constante prontidão.
Como um profeta predizendo Seu próprio advento, nosso Senhor dá a Seus discípulos advertências enfáticas e incisivos alertas para a prontidão vigilante (Mt 24; 25). “Vigiai […] para que, vindo de improviso, não vos ache dormindo. E as coisas que vos digo, digo-as a todos: Vigiai” (Mc 13.36,37). Falando como alguém com autoridade, nosso Senhor começa e termina esse solene alerta sobre Sua vinda com a ordem simples e explícita para vigiar!
Cristãos que estão realmente se preparando para a vinda iminente do Senhor estão vivendo hoje na atitude sempre vigilante de coração, de vida e de conduta que brota de um constante e predominante objetivo: poderem ser considerados dignos de escapar do julgamento de ira que virá rapidamente no fim desta era.
Lucas 21.34-36 torna surpreendente e evidente que a transladação é um escape do julgamento. Muitos estão dando como certo que estão prontos para fugir. Quão presunçosa é sua suposição quando contrastada com o exemplo na Escritura apresentado por Paulo! Em antecipação, ele escreve aos filipenses: “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus […] Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (3.12,14).
Paulo viveu sua experiência cristã diária como um homem em uma corrida com o propósito em vista de ganhar o prêmio. Na corrida, ele se despojou de si mesmo por causa da coroa reservada para todos os que venceram e viveram piedosamente em Cristo Jesus (Ap 12.11). Assim, Paulo pôde dizer: “Graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo” (2Co 2.14). Para que pudesse ser um vencedor e não uma vítima de suas circunstâncias, Paulo colocou coração e alma em sua experiência cristã. Ele forçou cada nervo, dispôs cada músculo para alcançar aquilo para o que Cristo o havia ganho. Não muito tempo antes de partir, ele evidentemente atingiu a soberana vocação de Deus em Cristo, pois disse: “O tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (2Tm 4.6-8). Que certeza arrebatadora Paulo tinha! E ela pode ser nossa, se nós, como Paulo, buscarmos as superações que nos fazem mais do que vencedores sobre o mundo, a carne e Satanás.
As palavras vigiar e orar estão constantemente nos lábios de nosso Senhor quando alerta sobre Sua súbita volta como ladrão.
Enoque foi trasladado porque tinha o testemunho de que agradara a Deus. “A inclinação da carne [ou mente carnal] é inimizade contra Deus” (Rm 8.7). Podemos, portanto, esperar andar com Deus e agradá-Lo enquanto temos qualquer carnalidade, liberdade da carne, mundanismo em nós? “E eu, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais […] Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens?” (1Co 3.1,3).
As palavras vigiar e orar estão constantemente nos lábios de nosso Senhor quando alerta sobre Sua súbita volta como ladrão. Todo o ensino, toda a pregação, toda a atividade que anula o aviso solene do Senhor a Seu povo de que deve cuidar de si mesmo e vigiar e orar sempre tornam o povo perigosamente desavisado. Essa é a razão pela qual muitos cristãos hoje estão caminhando despreocupadamente, como se estivessem indo a um piquenique, quando, como uma questão de fato, estamos na própria hora da vinda e do julgamento começar em Seu Santuário. O arrebatamento em si é um sinal do julgamento sobre aqueles que foram deixados. Daí, toda a estratégia de Satanás é impedir a vigilância e a atitude de alerta que o Senhor tão solenemente aconselhou.
“E não o perceberam, até que veio o dilúvio e os levou a todos. Assim será também a vinda do Filho do homem. Então, estando dois no campo, será levado um e deixado o outro […] Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor” (Mt 24.39-42).
Tem sido dito que a única diferença entre os que o Senhor toma na transladação e os que são deixados para os últimos julgamentos sobre a Terra é a diferença da prontidão vigilante. Em Seus últimos discursos, nosso Senhor procurou despertar com exortações a vigilância do discípulo não-vigilante, do pai de família roubado e do mordomo infiel (caps. 24 e 25).
“Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há de vir” (25.13). Cristo sempre ressaltou muito a necessidade de estarmos a todo tempo prontos. “Estejam cingidos os vossos lombos, e acesas as vossas candeias. E sede vós semelhantes aos homens que esperam o seu senhor […] Bem-aventurados aqueles servos, os quais, quando o Senhor vier, achar vigiando!” (Lc 12.35-37).
Estamos às portas da volta de Cristo. Cada tique-taque do relógio nos aproxima disso. A escuridão da meia-noite da terra está espalhando. A vinda do Noivo está próxima. Então, Sua noiva está se aprontando. O espírito do anticristo está espalhado pelo mundo. A grande tribulação está lançando suas sombras diante de nós. Cristãos, olhem para cima! Estejam imediatamente prontos, vigilantes, atentos. “Já é hora de despertarmos do sono, porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé. A noite é passada, e o dia é chegado” (Rm 13.11,12).
Um movimento espiritual quase imperceptível está operando no coração de todos os verdadeiros crentes que separam o ouro da escória, o real do irreal, o precioso do vil, o joio do trigo. Ele vem como um silêncio sagrado sobre a alma, a sombra da Presença que se aproxima.
Ele vem quando não esperamos. Não haverá nenhum aviso.
Cristo está vindo! Esteja pronto para quando Ele vier. Separe-se da indulgência do mundo. Desembarace-se de sua imersão nos negócios dessa vida. Vigie e ore sempre! Um cristão carnal não pode ser vigilante. Nós só podemos vigiar se nos mantivermos despertados espiritualmente. A palavra vigiar significa ser espiritualmente despertado, estar em alerta constante. “Eu dormia, mas o meu coração velava. E eis a voz do meu amado que está batendo: ‘Abre-me, minha irmã, meu amor, pomba minha, imaculada minha, porque a minha cabeça está cheia de orvalho, os meus cabelos, das gotas da noite’” (Ct 5.2).
Ele vem quando não esperamos. Não haverá nenhum aviso. “Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem” (Mt 24.27). Um rápido e cegante refulgir, e o vigilante vai estar com o Senhor. O não-vigilante, de acordo com as próprias palavras de nosso Senhor, não vai escapar dos últimos julgamentos sobre a terra (Lc 21.34-36).
“O espírito do homem é a lâmpada do Senhor” (Pv 20.27). Em Sua parábola das virgens, nosso Senhor revela que haverá um reavivamento de preparar as lâmpadas às vésperas de Sua volta. Quanto tempo leva para preparar-se uma lâmpada? O sábio só tem tempo para preparar sua lâmpada, não para enchê-la, antes que a porta seja fechada. Encher exige constante e vigilante preparação do coração, da vida e dos lábios a fim de fazer-nos e manter-nos prontos para encontrar e saudar o Amado de nossa alma quando Ele, todo glorioso, vier para receber os “aceitos no Amado”.
“Um não-abandonado pecado conhecido, uma ordem conhecida desobedecida, uma conhecida verdade não-crida, uma parte da vida conscientemente não-submetida, e nós estamos em perigo. As últimas sombras estão caindo sobre o mundo e, portanto, em sua vida. No entanto, você não está pronto. Mas há tempo para alcançar a vitória antes do Sol se pôr. Seu Juiz vindouro é seu Salvador hoje” (The Midnight Cry).
(Publicada em 21.6.15. Revisada e atualizada em 18.7.19)
Que conforto é saber que Deus pensa em nós e prepara tudo para nós, embora falhemos em pensar Nele! Não há um dia, nem um momento, em que Deus não esteja pensando em nós, e que Ele esteja acima de toda a conspiração de Satanás. Ele cuidará de Seu povo.
Eles querem comida? Ele lhes envia maná. Orientação? Há uma coluna indo diante deles. Eles vêm para o Jordão? Existe a arca lá. Eles têm inimigos na terra? Há Josué para vencer por eles.
Deus lida com os de Seu povo por meio da disciplina quando eles precisam, como fez com Jacó. Ele o humilhou, mas deu-lhe a bênção no final.
Que conceito isso deve nos dar do amor de Deus, quando assim vemos Sua atividade em bondade para conosco todo o tempo!
Que conforto saber que Ele é por nós, e que isso brota de Seu amor e nele principia.
“Há um amigo mais chegado do que um irmão” (Pv 18.24).
Quem será este Amigo? Jesus! Isso mesmo. Sabia que você não hesitaria: é, de fato, o homem Cristo Jesus. “Debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens” ao qual essa personalidade se ajuste tão adequadamente (cf. At 4.12). Homens elevados são sinônimo de vaidade; homens inferiores são sinônimo de mentira; homens de qualquer posição são canas quebradas – de nenhum deles se pode depender. Falam com cortesia e quase se passam por honestos, mas acabam por falhar. Seja pela inconstância ou pela fragilidade, por não serem sinceros ou por não serem hábeis, falham conosco quando mais precisamos de sua ajuda. Mas não nosso “irmão mais velho”, nosso Amigo divino. Ele é Cristo Jesus, o mesmo ontem, hoje e para sempre (Hb 13.8).
Diga, cristão: poderia eu ter mencionado alguém cuja companhia você desejaria mais? Sei que Ele é precioso para você; precioso o tempo todo.
Jesus Cristo é o amigo mais antigo. Este é um fato que, por si só, já O aproxima de nós. “Não deixes o teu amigo, nem o amigo de teu pai” (Pv 27.10), indicando que alguém assim, que tem sido um amigo próximo de nossa família por muito tempo, deve, de fato, ser valorizado.
Aqui, Cristo supera infinitamente o amigo mais antigo que tivermos. Veja o que Ele diz sobre Si mesmo: “Quando [Deus] compunha os fundamentos da terra, então Eu estava com Ele, e era Seu arquiteto; era cada dia as Suas delícias, alegrando-Me perante Ele em todo o tempo; regozijando-Me no Seu mundo habitável e enchendo-Me de prazer com os filhos dos homens” (Pv 8.30,31). Eis aqui uma inigualável amizade altruísta!
No Antigo Testamento, nós O vemos freqüentemente como “Anjo do Senhor” e “Anjo da aliança” transmitindo mensagens de amor para Seu povo. Mas nenhuma expressão é mais enfática que Sua própria palavra. “Em toda a angústia deles Ele foi angustiado, e o anjo da Sua presença os salvou; pelo Seu amor, e pela Sua compaixão Ele os remiu; e os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade” (Is 63.9).
Se um completo estranho viesse em nosso favor em meio à angústia e nos oferecesse alívio, não saberíamos ao certo se confiar nele é seguro. “Como posso saber quem ou o que ele é? Talvez só queira zombar de minha dor. Se ele fizer o que diz, vou agradecer-lhe; mas não é seguro acreditar antes de ver se faz o que promete.”
Agora, a respeito de Cristo, essa refutação não existe. Ele não é um estranho. Ele é alguém com quem estamos familiarizados há muito tempo. Tem sido um amigo da família há mais dias do que conseguimos nos lembrar; e pelos dias posteriores também. Nós “temos ouvido e sabido, e nossos pais nos têm contado” (Sl 78.3) quão amável Ele lhes foi, além de termos recebido milhares de provas de Sua gentileza para conosco. Deveria eu deixar de confiar Nele agora? Não! Embora minha provação presente seja mais difícil que qualquer outra pela qual tenha passado antes, posso confiar Nele. “Eu me lembrarei dos anos da destra do Altíssimo, lembrarei das Tuas maravilhas da antiguidade” (Sl 77.10,11), e não tenho a menor dúvida de que Ele, que tem sido meu amigo e amigo de meu pai por tantos anos, continuará a ser um amigo para mim, quando e o quanto eu precisar Dele.
Jesus Cristo é um amigo carinhoso. Encontramos pessoas que falam com muita gentileza e respeito; nada além de expressões como “querido amigo” a cada palavra e afirmações sobre “como estariam felizes em nos servir” – embora, ao mesmo tempo, tenhamos razão para pensar que não há sinceridade real em sua consideração, mas um desgosto verdadeiro. Preferiam, furtivamente, agir com grosseria para conosco.
No entanto, Jesus não é um desses. Jamais engano algum foi ouvido em Sua boca.
Sempre que professa amor, Seu coração e Suas mãos acompanham o que diz. Teste-O acerca dessas coisas, das expressões comuns de consideração entre amigos, e verá como Cristo tem supremacia em todas elas.
Por exemplo: amigos sinceros compadecem-se mutuamente um do outro e compartilham alegrias e pesares. Cristo o faz: “Porque não temos um sumo sacerdote que não possa compadecer-se das nossas fraquezas; porém, um que, como nós, em tudo foi tentado, mas sem pecado. Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (Hb 4.15,16).
Amigos sinceros amam a companhia uns dos outros e aproveitam cada oportunidade de estarem juntos. E, quando forçados a se separarem, planejam encontrar-se outra vez o mais rápido possível. Cristo age assim. Ele “anda no meio dos sete castiçais de ouro” (Ap 1.13) e “ama as portas de Sião, mais do que todas as habitações de Jacó” (Sl 87.2).
Amigos sinceros preocupam-se com os interesses uns dos outros. Faça uma gentileza a um, e o outro a valorizará como se tivesse sido feito a si. Prejudique a um, e o outro se ressentirá como se tivesse sido feito a ele. Cristo sentiu a ira de Saulo contra a Igreja: “Saulo, Saulo, por que Me persegues?” (At 9.4).
Amigos sinceros abrem o coração com liberdade uns aos outros. São atenciosos uns para com os outros, ainda que distantes. Em tudo isso, e de várias outras formas, Jesus mostra-se o Amigo mais carinhoso e mais cheio de afeto.
Jesus Cristo é um amigo leal. Alguns seriam considerados amigos muito bons por não fazerem nada além de nos elogiar, aplaudir nossas palavras e ações – mesmo quando são erradas – e nos divertir em nossas folias e vícios. Contudo, não há amizade em nada disso. Às vezes, é muito difícil ser o lado que age com lealdade, bem como é difícil ser o lado que recebe a lealdade.
Mas Cristo é um amigo leal. “Eu repreendo e castigo a todos quantos amo” (Ap 3.19).
Jesus Cristo é um amigo poderoso. Talvez tenhamos muitos amigos sinceros – e, ainda assim, nunca sermos o melhor amigo para eles. Eles podem nos desejar o bem, mas isso é tudo o que podem fazer. São pobres, fracos e também precisam de ajuda. Mas, se tivermos um Amigo tão rico quanto amável, então, nos consideramos favorecidos; e, se algum dia estivermos em uma situação difícil, saberemos a que fonte recorrer.
E quem é rico como Cristo? Ele é o herdeiro de todas as coisas. “Porque foi do agrado do Pai que toda a plenitude Nele habitasse” (Cl 2.19).
Ele é um amigo constante. “Como havia amado os Seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13.1). Não é o que costuma acontecer em amizades humanas. Às vezes, uma mera bobeira pode dissolvê-las. Aqueles que uma vez foram amigos sinceros por anos podem tornar-se inimigos amargos um do outro.
Mas, uma vez que Cristo estabelece Seu amor, Ele nunca mais o toma. Sua afeição não muda por causa de nossa condição. Ele nunca se envergonha de nós por sermos pobres e estarmos em sofrimento.
A amizade de Cristo não somente se estende por todas as mudanças da vida, como também pela morte e pela eternidade. Permita que amigos terrenos caminhem o mais perto possível; partirão após a morte. Se nos acompanharem até a beira do túmulo, ali deverão partir e despedirem-se. Mas Cristo é um amigo que estará ainda mais próximo quando todo o conforto terreno for deixado.
Se temos um tal amigo como Jesus, mostremo-nos gratos e carinhosos a Ele. Ele se compadece de nós em nossos pesares e em nossas alegrias. Será que fazemos o mesmo com Ele? Preferimos a Ele a nossa maior alegria terrena?
“Eu sou do meu amado, e o meu amado é meu” (Ct 6.3).
“Não temas, porque Eu te remi; chamei-te pelo teu nome, tu és Meu. Quando passares pelas águas estarei contigo, e, quando pelos rios, eles não te submergirão; quando passares pelo fogo, não te queimarás, nem a chama arderá em ti. Porque Eu sou o Senhor, teu Deus, o Santo de Israel, o teu Salvador” (Is 43.1-3).
“Quem tenho eu no céu senão a Ti? E na terra não há quem eu deseje além de Ti. A minha carne e o meu coração desfalecem; mas Deus é a fortaleza do meu coração, e a minha porção para sempre” (Sl 73.25,26).
“E assim para vós, os que credes, [a Pedra principal, que é Cristo] é preciosa” (1Pd 2.7).
“Porque do pó não procede a aflição, nem da terra brota o trabalho” (Jó 5.6).
“Sabes, pois, no teu coração que, como um homem castiga a seu filho, assim te castiga o Senhor, teu Deus” (Dt 8.5).
“Bem sei eu, ó Senhor, que os Teus juízos são justos e que segundo a Tua fidelidade me afligiste” (Sl 119.75).
“Eu repreendo e castigo a todos quantos amo” (Ap 3.19).
“Porque o Senhor corrige o que ama e açoita a qualquer que recebe por filho” (Hb 12.6).
“Emudeci; não abro a minha boca, porquanto Tu o fizeste” (Sl 39.9).
Amado leitor, entro, por assim dizer, no quarto em que você está deitado, enfermo, e gostaria de dizer-lhe algumas coisas para seu conforto e proveito.
Deus resolveu pará-lo no meio de sua vida atarefada, fazendo com que fique de lado por um tempo. Não é por acaso que a mão Dele desceu sobre você com aflição. Não é a esmo que Ele resolveu castigá-lo. Pode parecer mero acaso que seja você, e não outra pessoa, que esteja sendo afligido.
Mas não; Deus fez isso de propósito!
Aprenda isto, então: sua doença ou aflição vem de Deus. Isto é obra Dele. Foi Ele quem trouxe esse castigo sobre você. Nem mesmo um pardal cai sobre a terra sem que nosso Pai celestial o determine, e Ele valoriza Seus filhos redimidos muito mais do que os pardais.
A doença normalmente vem como mensageira do amor de Deus – ela é enviada para ser uma bênção e pode tornar-se, pela graça de Deus, uma tremenda bênção para a alma. Deus aflige os Seus filhos porque deseja fazer-lhes um grande bem.
O jardineiro corta e poda as árvores para fazê-las crescerem melhor, para produzirem mais fruto precioso. Da mesma forma, Deus muitas vezes usa Sua faca afiada com vistas a algum propósito gracioso.
O pai sábio e amoroso frustra seus filhos, e às vezes os açoita para o próprio bem deles. Assim Deus também usa sua vara de correção com essa mesma finalidade.
Às vezes, o médico prescreve remédios de gosto horrível para restaurar a saúde dos pacientes. Dessa mesma forma, Deus nos faz ingerir Seus remédios amargos, mesmo que na ocasião nos pareçam muito desagradáveis.
Por que, então, Deus nos aflige?
Porque Ele nos ama e deseja nos fazer santos como Ele é santo e felizes como Ele é feliz. Pois, como alguém já disse muito bem: “As provas de fogo produzem cristãos de ouro”! Deus teve um Filho sem pecado, mas jamais teve algum filho que não provasse a tristeza.
Deus corrige com objetivo e amor. As aflições vêm Dele; e Ele aflige, não como um juiz severo, mas como Pai e como Amigo.
Então, antes de avançar mais um passo, peça a Deus que o convença dessa preciosa verdade: “É meu Pai que me corrige – Aquele que me ama! Eu vou receber, então, esse castigo da parte Dele, e lembrar que é uma mão amorosa que bate em mim. Eu beijarei a própria vara que me açoita”. “Pai, que não seja feita a minha vontade, mas que a Tua vontade seja feita!”
O cristão verdadeiro recebe a aflição com submissão.
É obra de seu Pai e, por isso, a ela se submete em silêncio. A coisa vem Dele, e por isso está tudo bem. O filho sente que esse castigo é necessário. Que travesseiro macio é esse, em que podemos repousar a cabeça!
“Sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o Seu propósito” (Rm 8.28).
“Filho meu, não menosprezes a correção do Senhor, e não desmaies quando por Ele fores repreendido” (Hb 12.5).
Nem todo castigo traz benefício àquele que o sofre. Algumas pessoas são endurecidas pelo castigo; já outras são esmagadas por ele. Depende muito do espírito com que as aflições são recebidas. Não há mérito nas provações e tribulações em si mesmas; é somente por serem abençoadas por Deus que o cristão tira proveito delas. Conforme nos diz Hebreus 12.11, apenas aqueles que são “exercitados” pela vara de Deus produzem “fruto pacífico de justiça”. Uma consciência sensível e um coração tenro são os acessórios necessários.
Em nosso texto, o cristão é advertido contra dois perigos inteiramente diferentes: não desprezar e não desmaiar. Esses são dois extremos contra os quais é sempre necessário manter estrita vigilância. Assim como qualquer verdade da Escritura tem seu equivalente de equilíbrio, assim todo mal tem seu oposto. Por um lado, há o espírito arrogante que ri da vara, uma vontade teimosa que se recusa a humilhar-se debaixo da vara. Por outro, há um abatimento que, sob a vara, se afunda completamente e dá lugar ao desespero. Spurgeon disse: “O caminho da justiça é uma passagem difícil entre duas montanhas do erro, e o grande segredo da vida cristã é serpear seu caminho ao longo desse vale estreito”.
I. Menosprezar a vara
Há diversas maneiras pelas quais os cristãos podem “menosprezar” os castigos de Deus. Citaremos quatro delas:
Pela insensibilidade. Agir de forma estoica é o plano de ação a partir do entendimento carnal: “Faça do limão uma limonada”. O homem deste mundo não conhece plano melhor do que cerrar os dentes e encarar as dificuldades. Como não tem nenhum Consolador, nenhum Conselheiro, nem Médico Divino, ele precisa valer-se dos próprios pobres recursos. É muito triste ver um filho de Deus portando-se como os filhos do diabo. Pois, quando o cristão resiste abertamente às adversidades, ele “despreza” o castigo. Em vez de se endurecer, agüentando estoicamente a situação, ele deveria quebrantar o coração.
Pela reclamação. Foi isso que os hebreus fizeram no deserto; e ainda há muitos murmuradores nos campos de Israel. Uma pequena enfermidade, e ficamos tão mal-humorados que nossos amigos ficam com medo de chegar perto. Alguns poucos dias na cama, e nos irritamos e nos enfurecemos como um touro desabituado à canga. De forma impertinente, perguntamos: “Por que essa aflição? O que é que eu fiz para merecê-la?” Olhamos a nossa volta, invejosos e descontentes porque o fardo dos outros é mais leve. Tome cuidado, leitor: murmurar custa caro. Deus sempre castiga outra vez se não nos humilharmos na primeira. Lembre-se de quanto refugo existe ainda no meio do ouro. Contemple as depravações de seu coração, e maravilhe-se de que Deus não o tenha castigado duas vezes mais severamente. “Filho meu, não menosprezes a correção do Senhor”.
Pelas críticas. Quantas vezes colocamos em dúvida a utilidade do castigo. Como cristãos, parece que não temos bom senso espiritual em quantidade maior do que a sabedoria natural que tínhamos quando crianças. Como meninos, pensávamos que a vara era a última coisa necessária em casa. Assim acontece também com os filhos de Deus. Quando as coisas acontecem como gostamos, quando recebemos alguma bênção material inesperada, não temos dificuldade nenhuma em atribuir tudo à bondosa Providência. Mas, quando nossos planos são frustrados, quando sofremos perdas, a coisa é muito diferente. Mas não está escrito: “Eu formo a luz e crio as trevas; Eu faço a paz e crio o mal; Eu, o Senhor, faço todas estas coisas” (Is 45.7)? Quantas vezes a coisa criada reclama: “Por que me fizeste desta forma”? Dizemos: “Não vejo como isto pode ser útil para minha alma. Se minha saúde fosse melhor, eu poderia ir à casa de oração com mais freqüência! Se eu tivesse sido poupado dessas perdas em meus negócios, teria mais dinheiro para o trabalho do Senhor! Qual é o bem que pode resultar desta calamidade”? À semelhança de Jacó, exclamamos: “Todas essas coisas vieram sobre mim!” (Gn 42.36). O que é isso senão “desprezar” a vara? Sua ignorância vai desafiar a sabedoria de Deus? Sua miopia vai censurar a onisciência?
Pela indiferença. Há muitos que não emendam seus caminhos. Todos nós precisamos muito da exortação vinda de nosso texto. Há muitos que têm “desprezado” a vara, e como consequência não têm se beneficiado com ela. Muitos cristãos têm sido corrigidos por Deus, mas em vão. Doenças, contratempos, perdas vêm, mas eles não têm sido santificados por meio de um sincero e cuidadoso auto-exame.
Ó irmãos e irmãs, tomem cuidado! Se Deus os está castigando, “considerai os vossos caminhos” (Ag 1.5), “pondera a vereda de teus pés” (Pv 4.26). Descubram a razão do castigo. Muitos cristãos não teriam sido castigados nem com a metade do rigor se tivessem, com diligência, investigado a causa de seus castigos.
II. Desmaiar sob a vara
Depois de sermos advertidos contra “menosprezar” a vara, somos agora alertados a não dar lugar ao desespero quando estivermos sob a ação dela. Existem, pelo menos, três maneiras pelas quais o cristão pode “desmaiar” sob as repreensões do Senhor:
Quando ele desiste. Isso acontece quando nos afundamos em desânimo. A pessoa castigada conclui que não consegue agüentar mais. Seu coração enfraquece; as trevas a engolem; o sol da esperança se obscurece, e se cala a voz das ações de graças. “Desmaiamos” quando nos tornamos incapazes de executar os deveres que nos dizem respeito. Quando uma pessoa desmaia, ela fica inerte. Quantos cristãos desistem por completo da luta quando a adversidade se apresenta em sua vida! Quantos se tornam totalmente inertes quando a tribulação aparece em seu caminho! Quantos, por sua atitude, dizem: “A mão de Deus se fez pesada sobre mim: eu nada consigo fazer”! Ah, meus amados, “não vos entristeçais, como os demais, que não têm esperança” (1Ts 4.13). “Não desmaies quando por Ele fores reprendido” (Hb 12.5). Dirija-se ao Senhor a respeito do assunto: reconheça a mão Dele em toda a situação. Lembre-se de que suas aflições fazem parte de “todas as coisas” que cooperam juntamente para seu bem.
Quando ele duvida de sua filiação. Não são poucos os cristãos que, quando a vara desce sobre eles, concluem que, no final das contas, não são filhos de Deus. Eles esquecem que está escrito: “Muitas são as aflições do justo” (Sl 34.19), e que “por muitas tribulações nos importa entrar no reino de Deus” (At 14.22). Talvez alguém argumente: “Mas se eu fosse filho de Deus, não estaria em pobreza, miséria e dor”. Preste atenção em Hebreus 12.8: “Mas, se estais sem disciplina, da qual todos são feitos participantes, logo, sois então bastardos, e não filhos”. Aprenda, então, a ver as provações como provas do amor de Deus limpando, podando, purificando você. O pai de família não se preocupa muito com os que não pertencem a sua casa; são aqueles que pertencem a ela que ele guarda e dirige, alimenta e conforma a sua vontade. O mesmo acontece com Deus.
Quando ele se desespera. Algumas pessoas cedem diante da ideia de que sua tribulação nunca mais terá fim. Uns dizem: “Eu já orei e orei, mas as nuvens não se vão”. Console-se, então, com o seguinte pensamento: É sempre a hora mais escura que antecede o amanhecer. Por isso, não desmaie quando for repreendido por Deus. “Mas”, diz outro, “eu me apeguei a Sua promessa, e as coisas não melhoram. Eu pensei que Ele livrasse aqueles que O invocam; eu O invoquei, e Ele não me atendeu, e eu temo que Ele nunca vá me responder”. Por que, filho de Deus, você fala dessa maneira de seu Pai?! Você diz que Ele não vai parar nunca de feri-lo pelo fato de tê-lo ferido por tanto tempo?! Em vez disso, diga: “Ele tem-me ferido há tanto tempo que, logo, logo, devo ser liberto!”
Não menospreze nem desmaie. Que a graça divina preserve desses dois extremos tanto este autor como o leitor.
“Sucedeu que, ouvindo isto todos os reis que estavam aquém do Jordão, nas montanhas, e nas campinas, em toda a costa do grande mar, em frente do Líbano, os heteus, e os amorreus, os cananeus, os perizeus, os heveus e os jebuseus, se ajuntaram eles de comum acordo para pelejar contra Josué e contra Israel” (Js 9.1,2).
Esses dois versículos nos apresentam um assunto de profunda importância, algo que deve ser levado em conta especialmente pelos ministros que querem ser fiéis a seu chamado. O fato de o Espírito Santo mencionar essa confederação dos reis cananeus para combaterem Josué e Israel logo depois de descrever aquilo que tinha ocorrido nos montes Ebal e Gerizim (veja 8.30-35) obviamente tem o propósito de nos fornecer uma ilustração simbólica e um exemplo solene da inerente hostilidade humana contra a Lei de Deus. A expressão “ouvindo isto” (9.1) indica que, imediatamente após chegar aos ouvidos desses reis que Josué havia levantado um altar em Ebal e inscrito nas pedras desse altar o Decálogo de Deus – o qual, daí por diante, seria a Lei daquela terra –, eles juntaram forças contra o povo de Deus e se propuseram a usar de violência contra ele. A necessidade de reconhecer os direitos e a autoridade do Deus Supremo e de submeter-se a Sua vontade revelada é algo que ofende os não-regenerados e eles se opõem a isso. Seu desejo é serem senhores de si mesmos e estão decididos a seguir seu próprio caminho. A linguagem expressa pelas ações de todos eles, e pela boca de muitos, é a mesma do obstinado e arrogante faraó: “Quem é o Senhor, cuja voz eu ouvirei?” (Êx 5.2). Estão decididos a agradarem a si mesmos.
Aqui está a própria essência da depravação humana. O pecado é uma revolta contra Deus, uma recusa de sujeitar-se a Ele. O pecado não é apenas uma decisão de seguir nossas próprias inclinações, mas é uma luta contra nosso Criador e Governador. A mente carnal é inimiga de Deus. Essa declaração é terrivelmente séria, e é uma das mais detestáveis aos melindres humanos. Apesar disso, é um fato que não há como desconsiderar. A prova disso aparece na seguinte declaração: “Não é sujeita à lei de Deus [a mente do homem natural], nem, em verdade, o pode ser” (Rm 8.7). Não há nada que evidencie de forma tão clara a inveterada hostilidade contra Deus da pessoa não-regenerada do que sua insubordinação e oposição contra a Lei de Deus. Na verdade, são poucos os que admitem abertamente que odeiam a Deus, e menos ainda aqueles que estão conscientes desse fato terrível, pois o pecado é muito enganoso (Hb 3.13) e cega o entendimento (Ef 4.18).
A idolatria é o campo onde mais claramente se demonstra essa realidade. Se os homens estivessem satisfeitos com o Deus verdadeiro, não teriam fabricado tantos deuses falsos. Eles querem um Deus e um sistema religioso condizentes com suas inclinações depravadas. Existem milhões de pessoas que não se inclinam diante de alguma imagem de madeira ou de pedra; no entanto, crêem num Deus inventado por seus próprios sentimentos e imaginações, e contra esse deus (ou essa coisa) eles não sentem nenhuma inimizade!
Mas, assim que o Deus verdadeiro e vivo é apresentado de acordo com Seu caráter que nos é mostrado nas Escrituras, essa inimizade se torna evidente. Basta que Ele seja apresentado como o Deus Soberano que faz um vaso para honra e outro para desonra segundo Sua própria vontade, como o Santo que não pode contemplar a iniquidade e que odeia aqueles que a praticam e como o justo Juiz de todos que de forma alguma inocenta o culpado, e o ódio das criaturas decaídas contra Ele aparecerá sem disfarces.
Basta que Ele dê a essas criaturas a Sua Lei e requeira irrestrita obediência, que elas imediatamente se rebelam.
Se Deus renunciasse a Seus direitos soberanos, elas reprimiriam a oposição; se Ele pusesse de lado Seu cetro, os homens parariam de lutar contra Ele. Mas, pelo fato Dele não fazer isso, a vontade da criatura se opõe à vontade do Criador e se recusa a sujeitar-se a Seu trono. Podemos ver uma prova conclusiva de que a natureza do pecador é diametralmente oposta à de Deus na mortal oposição daquele ao governo divino. A lei moral é tanto uma revelação do caráter de seu Autor como também uma expressão de Sua vontade, e o repúdio do homem a essa lei mostra o antagonismo do pecado à santidade.
Aquilo que expusemos acima foi exemplificado de maneira clara e solene quando o Legislador se encarnou e habitou aqui no mundo, pois a má vontade dos religiosos e também dos não-religiosos se levantou contra Ele. Não só foi desprezado e rejeitado pelos homens, mas Ele declarou abertamente: “Odiaram-me sem causa” (Jo 15.25). Eles nem se esforçavam para disfarçar suas más intenções. Enquanto Ele curava os doentes e alimentava a multidão com pães e peixes, suspenderam a hostilidade; mas, quando Ele lhes impôs as exigências de Seu senhorio, quando especificou os termos do discipulado e tornou conhecido o caráter e as exigências de Seu reino, os pecadores imediatamente manifestaram indignação contra Ele. Ele não só “veio para o que era Seu, e os Seus não O receberam” (Jo 1.11), mas também “Seus concidadãos odiavam-no, e mandaram após Ele embaixadores dizendo: ‘Não queremos que este reine sobre nós’” (Lc 19.14). Não esqueçamos que foi como “Rei dos Judeus” que Cristo foi crucificado! “Os reis da terra se levantam e os governos consultam juntamente contra o Senhor e contra o Seu ungido, dizendo: ‘Rompamos as Suas ataduras e sacudamos de nós as Suas cordas’” (Sl 2.2,3; cf. At 4.25-27) – irritando-se contra a Lei de Deus, recusando submeter-se à autoridade Dele.
Nesse ajuntamento dos reis de Canaã “para pelejar contra Josué e contra Israel”, imediatamente após a promulgação da Lei de Deus nos montes Ebal e Gerizim, temos uma solene descrição daquilo que aconteceu nas horas que precederam a crucificação de nosso Senhor, e temos também uma figura da oposição do homem contra a Lei. Até esse momento, os cananeus tinham estado na defensiva, mas em Josué 9.1,2 nós os vemos preparando-se para assumir a ofensiva e desferir um ataque conjunto contra o povo de Deus. Os reis mencionados nesse texto pertenciam a nações diversas, tinham interesses variados e ocupavam territórios amplamente espalhados, mas aqui nós os vemos deixando de lado suas diferenças e juntando-se “de comum acordo”!
Exatamente como os sacerdotes e os escribas, os fariseus e os saduceus se uniram em oposição ao Legislador que assumiu forma humana. E exatamente como acontece hoje, pois tanto arminianos dispensacionalistas como calvinistas antinomianos repudiam o Decálogo como regra de vida do cristão. Todo servo verdadeiro de Cristo vai descobrir isso. Basta que ele conceda à Lei, em seu ministério, o lugar que ela ocupa nas Escrituras, basta que seja fiel no desempenho da comissão que recebeu de Deus (e lembre-se de que “todo o conselho de Deus” abrange bem mais do que aquilo que se chama de “doutrinas da graça”!), e imponha a descrentes e crentes as exigências do Reino de Cristo, e o rigor e a espiritualidade do Decálogo, e ele também será desprezado e injuriado.
No meio de um longo e duro combate, serei muito estúpido se subestimar meus inimigos. Existem muitos, mas todos servem sob as ordens de uma tríade de comandantes perversos.
1. “Se alguém ama o mundo”, escreve João, “o amor do Pai não está nele” (1Jo 2.15). O mundo é meu inimigo jurado e constante – um inimigo muito perigoso, pois ele alega ser algo tão diferente: o melhor dos companheiros e o mais fiel dos amigos.
Eu preciso entender minha posição nos negócios deste mundo, e isso com prudência. Mas é grande o risco dele absorver meus pensamentos dia e noite! Se isso acontecer, eu me tornarei egoísta, materialista (não espiritual) e mundano.
Preciso conhecer a literatura do mundo, e muito dessa literatura é bela e boa. Mas minha tendência é dar-lhe atenção exagerada, e esquecer a livraria divina que o dedo de Deus escreveu.
Eu preciso envolver-me com os cidadãos do mundo, e muitos deles são dignos de amar e encantadores. Mas, quando eu os valorizo demais, eles me separam do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Por trás desse rosto agradável, o mundo é uma força inimiga!
2. “O diabo, vosso adversário”, escreve Pedro (1Pd 5.8). Eis aqui outro antagonista poderoso. O acusador dos irmãos anda à espreita, invisível e mal-intencionado, conspirando sem parar contra mim! Eu não devo nunca despir minha armadura espiritual.
3. “A carne cobiça [milita] contra o Espírito”, escreve Paulo (Gl 5.17). Afinal, meus inimigos mais sutis e fortes estão dentro de mim mesmo! O velho pecado volta, tentando conquistar o governo outra vez. E há em mim muita coisa que gosta dele e lhe sai ao encontro para abraçá-lo. É aí que reside, na verdade, meu maior perigo – essa é a armadilha mais mortal!
“Miserável homem que eu sou!” Faço eco ao grito de outrora: “Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). Sim, meus piores inimigos estão entrincheirados dentro da cidadela de Almahumana,¹ dentro do meu próprio coração!
“Meus Deus, eu não tenho força nenhuma contra esses inimigos, nem sei o que devo fazer! Mas meus olhos estão fixos em Ti!”
“Ora, Àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória, ao único Deus sábio, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, agora e para todo o sempre. Amém!” (Jd 24,25).
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¹ Referência ao livro de John Bunyan As guerras da famosa cidade de Almahumana. Ele é também autor de O peregrino.
“Guarda com toda a diligência o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23 – IBB-Rev.).
O dever de guardar o coração é sempre obrigatório; não existe hora nem condição na vida em que sejamos dispensados dessa tarefa, mas existem algumas ocasiões especiais e horas críticas que requerem mais vigilância do que aquela que comumente mantemos sobre o coração.
Quer saber como um cristão pode guardar o coração de sentimentos vingativos quando é alvo das maiores ofensas e maus tratos dos homens?
Uma dessas ocasiões é quando somos ofendidos e maltratados pelos outros. A depravação e a corrupção do homem é tão grande, que um trata o outro como lobo ou tigre. E, como os homens são cruéis por natureza e oprimem uns aos outros, assim os ímpios conspiram para maltratar e ofender o povo de Deus. “O ímpio devora aquele que é mais justo do que ele” (Hc 1.13). Quando somos ofendidos e maltratados dessa forma, é difícil guardar o coração de impulsos vingativos; com mansidão e quietude passar a situação para Aquele que julga retamente; evitar todo e qualquer sentimento pecaminoso. O espírito que está em nós deseja vingança, mas não deve ser assim. Nós temos opções de ajuda no evangelho para guardar nosso coração de sentimentos pecaminosos contra os inimigos e para abrandar nosso espírito amargurado. Quer saber como um cristão pode guardar o coração de sentimentos vingativos quando é alvo das maiores ofensas e maus tratos dos homens? Eu explico.
Quando você começar a perceber o coração inflamar-se de sentimentos vingativos, reflita imediatamente nas seguintes coisas:
Recomende com insistência a seu coração as severas proibições da Palavra de Deus contra a vingança. Por mais gratificante que seja a vingança a suas propensões corruptas, lembre-se de que ela é proibida. Ouça a Palavra de Deus: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira [de Deus]; porque está escrito: ‘A Mim Me pertence a vingança; Eu é que retribuirei, diz o Senhor’. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12.19-21). Este sempre foi um argumento apresentado pelos cristãos para provarem que sua religião é sobrenatural e pura: ela proíbe a vingança, que é tão agradável à natureza humana. Intimide seu coração, então, com a autoridade de Deus nas Escrituras; e, quando a razão carnal disser: “Meus inimigos merecem ser odiados!”, faça a consciência replicar: “Mas será que Deus merece ser desobedecido?” “Isso e aquilo foi feito contra mim, eu fui injustiçado”; “Mas o que é que Deus fez para que eu cometa alguma coisa contra Ele? Se meu inimigo se atreve a perturbar minha paz, devo eu ser tão perverso ao ponto de transgredir o mandamento de Deus? Se meu inimigo não teme fazer o mal contra mim, será que não devo temer fazer mal contra Deus?” Dessa forma, faça com que o temor de Deus restrinja e acalme seus sentimentos.
Coloque diante de seus olhos os mais altos padrões de mansidão e perdão, para você sentir o vigor desses exemplos. Essa é a forma de acabar com os argumentos normais da carne e sangue em busca de vingança, como estes: “Homem nenhum suportaria esse tipo de ofensa!” Sim, há homens que suportaram ofensas tão grandes e até maiores do que as que você sofreu! “Mas eu vou ser tido por covarde, por estúpido, se deixar isso passar!” Isso não deve preocupar você, desde que siga o exemplo de homens mais sábios e santos. Ninguém nunca sofreu mais ou maiores ofensas por parte dos homens do que o Senhor Jesus, nem jamais suportou insultos e acusações e todo tipo de abuso de forma mais pacífica e perdoadora. Quando Ele foi insultado, não devolveu os insultos; quando sofreu, não fez ameaças; quando Seus assassinos O crucificaram, Ele pediu ao Pai que lhes perdoasse. Com isso, Ele nos deu exemplo para que sigamos Seus passos. Seus apóstolos O imitaram: “Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos” (1Co 4.12,13). Eu já ouvi falar de um santo homem de Deus, o sr. Dod. Quando uma pessoa enfurecida por causa de sua pregação penetrante e convincente o atacou, socou-lhe o rosto e lhe quebrou dois dentes, esse humilde servo de Cristo cuspiu os dentes e o sangue na mão e disse: “Veja só, você me arrancou dois dentes, isso sem nenhuma provocação legítima. Mas, se você permitir que eu o abençoe e faça bem a sua alma, deixo que arranque o resto de meus dentes”. Aqui temos um exemplo da excelência do espírito cristão. Faça o que os outros não podem fazer, conserve ativo esse espírito, e você preservará a paz em sua alma e obterá a vitória sobre os inimigos.
Considere o caráter de quem lhe fez mal. Ou é um homem piedoso ou é um ímpio. Se é um homem piedoso, existem luz e sensibilidade na consciência dele, que, mais cedo ou mais tarde, lhe trarão uma percepção do mal que cometeu. Se é um homem piedoso, Cristo lhe perdoou ofensas maiores do que as que ele cometeu contra você; e por que você não o perdoaria? Cristo repreenderá a ele pelas ofensas, mas liberalmente perdoará todas elas; e você o pegará pelo pescoço por causa de uma pequena ofensa que cometeu contra você?
Mas, se foi um ímpio que ofendeu ou insultou você, na verdade há ainda mais razão para você exercer misericórdia em vez de vingança contra ele. Ele se encontra numa situação de engano e miséria; é escravo do pecado e inimigo da justiça. Se ele algum dia se arrepender, estará pronto para reparar o erro; se continuar impenitente, está chegando o dia em que será punido como merece. Você não precisa planejar nenhuma vingança; Deus executará a vingança contra ele.
Lembre-se de que, por meio da vingança, você só conseguirá gratificar uma paixão pecaminosa, paixão essa que, por meio do perdão, você pode subjugar. Lembre que, por meio da vingança, você pode destruir um inimigo; mas, pelo exercício da moderação cristã, pode subjugar três inimigos de uma só vez: sua própria paixão, a tentação de Satanás e o coração de seu inimigo. Se, por meio da vingança, você dominar seu inimigo, a vitória será infeliz e sem glória, pois, ao conquistá-la, você será vencido por sua própria corrupção; mas, pelo exercício da moderação mansa e perdoadora, você sempre sairá com honra e sucesso. A pessoa em que a mansidão e o perdão não operam é, de fato, muito perversa. É de pedra o coração que não se deixa derreter por esse fogo. Foi assim que Davi obteve vitória sobre Saul, seu perseguidor: “E chorou Saul em voz alta. Disse a Davi: Mais justo és do que eu” (1Sm 24.16,17).
Com seriedade, pergunte a seu coração: “Será que aproveitei alguma coisa para minha própria alma por meio das ofensas e injustiças que sofri?” Se elas não lhe fizeram nenhum bem, volte sua vingança contra si mesmo. Você tem todos os motivos para se encher de vergonha e tristeza por ter um coração que não consegue extrair nenhum bem desse tipo de aflição e por ter uma disposição mental tão diferente da atitude de Cristo. A paciência e a mansidão de outros cristãos fizeram com que as ofensas dirigidas a eles lhes fossem de bom proveito! Eles louvaram a Deus quando o mundo os acusou e repreendeu. Jerônimo disse: “Dou graças a meu Deus que eu seja considerado digno de ódio do mundo”. Mas, se você tem recebido algum beneficio das acusações e injustiças que recebeu, se elas o levaram a examinar o próprio coração, se fizeram com que você conduzisse a vida com mais prudência, se elas o convenceram do valor de um temperamento santificado – não vai perdoá-las? E que importa se essas coisas foram feitas com más intenções? Se, pela bênção de Deus, sua felicidade tem sido promovida por aquilo que lhe foi feito – por que você deveria sequer dispensar um pensamento desagradável a respeito do autor dessas coisas?
Pondere em quem ordena todas as suas tribulações. Isso será de grande ajuda para guardar seu coração da vingança; isso de imediato aquietará e suavizará seu ânimo. Quando Simei cercou Davi e o amaldiçoou, o espírito desse homem piedoso não se deixou envenenar pela vingança. Quando Abisai se ofereceu para arrancar a cabeça de Simei, o rei disse: “Deixai-o amaldiçoar; pois, se o Senhor lhe disse: ‘Amaldiçoa a Davi’, quem diria: ‘Por que assim fizeste?’?” (2Sm 16.10). “Pode ser que Deus o use como Sua vara para castigar-me, pois, por causa de meu pecado, eu dei ocasião a que os inimigos de Deus blasfemassem; e deveria eu ficar irado com o instrumento? Como isso seria irracional!” Dessa mesma forma Jó se aquietou; ele não xingou nem planejou vingança contra os caldeus e sabeus – mas considerou que Deus tinha ordenado as suas tribulações, e disse: “O Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!” (Jó 1.21).
Considere em como você está diariamente e a toda hora ofendendo a Deus – e não será tão facilmente inflamado com a ideia de represália contra aqueles que ofendem você. O tempo todo você está afrontando Deus – mas Ele não se vinga contra você; antes, tolera e perdoa; e mesmo assim você quer se levantar e se vingar contra os outros? Reflita nesta cortante repreensão: “Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti?” (Mt 18.32,33). As pessoas que mais devem estar cheias de paciência e misericórdia com respeito aos que as prejudicam devem ser aquelas que experimentaram por si mesmas as riquezas da misericórdia! A misericórdia de Deus conosco deve enternecer nosso coração com misericórdia em relação aos outros. É impossível sermos cruéis para os outros – só se esquecermos o quanto Deus tem sido bom e compassivo para nós. E, se a bondade não prevalece em nós, temos de ouvir isto: “Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.15).
Que a lembrança da proximidade do dia do Senhor refreie você de antecipá-lo com atos de vingança. Por que tanta pressa? Não está o Senhor perto para vingar todos os Seus servos maltratados? “Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração, pois a vinda do Senhor está próxima. Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para não serdes julgados. Eis que o juiz está às portas” (Tg 5.8,9). A vingança pertence a Deus, e você vai se equivocar ao ponto de tomar sobre si o que é prerrogativa Dele?!