“Pregamos a Cristo crucificado […] escândalo” (1Co 1.23).
Um grande clamor subiu dos judeus zombeteiros, insultuosos, o qual chegou ao Redentor crucificado: “Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz, e crê-Lo-emos”. Nós lemos que “o mesmo Lhe lançaram também em rosto os salteadores que com Ele estavam crucificado” (Mt 27.42,44).
Nos últimos anos, um grande clamor, um eco dessa antiga súplica, tem subido da Igreja. “Se Cristo tão somente descesse da cruz!” Nós queremos o Cristo do monte, cremos no Cristo do ministério de cura, amamos o Cristo do exemplo sublime, pregamos o Cristo do evangelho social – mas o Cristo da cruz é uma ofensa. “Desça Ele agora da cruz, e creremos Nele”.
Mas o Rei não desceu. Seu direito à realeza nunca esteve mais divino do que naquela terrível hora. Seria do madeiro amaldiçoado que Ele reinaria. Foi ali que Ele lavrou a redenção. Foi quando dali Ele clamou “Está consumado” (Jo 19.30), que “fenderam-se as pedras e abriram-se os sepulcro” (Mt 27.51,52). Foi quando Ele provou a morte ali por todos os homens que o véu do templo foi partido, como símbolo da abertura do caminho de acesso imediato à presença de Deus para todos os filhos dos homens. Foi nessa ocasião que soou a hora de Deus, o alvorecer da era cristã. Foi nessa ocasião que o grilhões de uma humanidade escravizada foram quebrados. É desse vergonhoso madeiro, por mais mortificante que seja a ofensa da cruz, que o Rei ainda reina. De nenhum outro trono estabelecerá Ele Seu reino.
Um vulcão em convulsão pode representar bem a inquietação do mundo de hoje. Será que não há um caminho de saída? Não há esperança? Não há algum fundamento seguro para a alegria humana? Não existe algum remédio para os males da ordem social?
É melhor que sejamos honestos quanto a essas questões e admitamos que, humanamente falando, não há um caminho de saída. Um otimismo tolo que se recusa a encarar os fatos somente aprofunda a vergonha e a dor. É como tocar violino sobre Roma em chamas. Não há caminho algum de saída a não ser o caminho de Jesus. E o caminho de Jesus é o caminho da cruz.
Mais cedo ou mais tarde, a experiência leva a pessoa a reconhecer este fato: ou é a cruz ou o orgulho com todos os seus males conseqüentes.
Que são as guerras, as antipatias raciais, o insano acúmulo de riqueza diante da miséria de milhões, os conflitos em todas as formas, as injustiças sociais que levam a terra a gemer e a lamentar-se, senão os frutos inevitáveis dessa amaldiçoada árvore que chamamos de orgulho do homem? Não há mal que não tenha o orgulho, em alguma forma, como sua raiz. Não há mal que não tenha brotado do fato do homem depender de si mesmo, em vez de depender de Deus.
Qualquer tentativa de curar as feridas de nossa ordem social leprosa que não atinja as raízes do orgulho conduz a um beco sem saída.
O golpe desferido pelo Filho de Deus ao morrer na cruz do Calvário, atingindo a “vida do eu” do homem – o machado de Deus colocado à raiz da árvore do orgulho –, foi universal. Foi suficiente para demolir o universo de pecado. Foi suficiente para engolir dez mil oceanos de leviandade. Nada mais pode matar o monstro do orgulho humano.
Nós, porém, não temos desejado nos submeter ao veredito do Gólgota. Não temos desejado expor o câncer do pecado e do orgulho à radioterapia da cruz. Temos evitado o desfecho supremo que nosso Senhor crucificado deu ao mundo. Entretanto, a Igreja ainda tem a chave de ouro para tal situação. É a cruz de Cristo.
Quando Jesus falou a Seus discípulos da necessidade de Seus sofrimentos e da morte sobre a cruz, Pedro procurou dissuadi-Lo. Jesus se voltou para ele com ardente reprovação: “Arreda! Satanás, porque não cogitas as cousas de Deus, e, sim, das dos homens”. Em nossos dias, quanto do serviço, do ministério e da mensagem cristãos vêem sob essa ardente condenação! São uma ofensa. Cogitam das coisas da “carne”. Não são de Deus. Está faltando a cruz. Não brotam de unidade com o Cristo crucificado e ressurreto. O Calvário não está em seu âmago. Deus não aprova tal serviço.
No meio de um longo e duro combate, serei muito estúpido se subestimar meus inimigos. Existem muitos, mas todos servem sob as ordens de uma tríade de comandantes perversos.
1. “Se alguém ama o mundo”, escreve João, “o amor do Pai não está nele” (1Jo 2.15). O mundo é meu inimigo jurado e constante – um inimigo muito perigoso, pois ele alega ser algo tão diferente: o melhor dos companheiros e o mais fiel dos amigos.
Eu preciso entender minha posição nos negócios deste mundo, e isso com prudência. Mas é grande o risco dele absorver meus pensamentos dia e noite! Se isso acontecer, eu me tornarei egoísta, materialista (não espiritual) e mundano.
Preciso conhecer a literatura do mundo, e muito dessa literatura é bela e boa. Mas minha tendência é dar-lhe atenção exagerada, e esquecer a livraria divina que o dedo de Deus escreveu.
Eu preciso envolver-me com os cidadãos do mundo, e muitos deles são dignos de amar e encantadores. Mas, quando eu os valorizo demais, eles me separam do Pai e do Filho e do Espírito Santo.
Por trás desse rosto agradável, o mundo é uma força inimiga!
2. “O diabo, vosso adversário”, escreve Pedro (1Pd 5.8). Eis aqui outro antagonista poderoso. O acusador dos irmãos anda à espreita, invisível e mal-intencionado, conspirando sem parar contra mim! Eu não devo nunca despir minha armadura espiritual.
3. “A carne cobiça [milita] contra o Espírito”, escreve Paulo (Gl 5.17). Afinal, meus inimigos mais sutis e fortes estão dentro de mim mesmo! O velho pecado volta, tentando conquistar o governo outra vez. E há em mim muita coisa que gosta dele e lhe sai ao encontro para abraçá-lo. É aí que reside, na verdade, meu maior perigo – essa é a armadilha mais mortal!
“Miserável homem que eu sou!” Faço eco ao grito de outrora: “Quem me livrará do corpo desta morte?” (Rm 7.24). Sim, meus piores inimigos estão entrincheirados dentro da cidadela de Almahumana,¹ dentro do meu próprio coração!
“Meus Deus, eu não tenho força nenhuma contra esses inimigos, nem sei o que devo fazer! Mas meus olhos estão fixos em Ti!”
“Ora, Àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a Sua glória, ao único Deus sábio, Salvador nosso, seja glória e majestade, domínio e poder, agora e para todo o sempre. Amém!” (Jd 24,25).
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¹ Referência ao livro de John Bunyan As guerras da famosa cidade de Almahumana. Ele é também autor de O peregrino.
O amor que tenho por Cristo não é senão uma faísca fraca e débil, mas é uma emanação Dele mesmo: Ele a acendeu e a mantém viva; e, porque é obra Sua, tenho certeza de que as muitas águas não poderão apagá-lo.
(John Newton)
Quanto mais vejo de Jesus, mais Ele abre para mim Seu amoroso coração – mais profunda é minha tristeza pelo pecado. Prostro-me no pó a Seus pés mais próxima do que nunca antes. Posso verdadeiramente dizer que me abomino em pó e cinzas diante Dele. Meu coração parece pronto para se enternecer em contrição em vista dos dez mil milhares de pecados, que eu, intencional e exacerbadamente, cometi contra Aquele que me amou com amor eterno e com bondade me atraiu para Si mesmo.
Tão eterno e profundo, tão soberano e sem limites é o amor de Jesus, que os anjos não podem sondá-lo! Ele não é nada além de amor sincero, constante e inabalável pelos mais fracos, os mais indignos de todo o Seu pequenino rebanho.
Oh! Ter um amigo como Jesus, que sente todas as nossas tristezas, carrega todos os nossos fardos e prometeu conduzir-nos em segurança através deste mundo que nos atormenta, e, por fim, nos colocar a Sua direita, onde nem doença nem tristeza jamais chegaram!
Oh, Deus! Nada mais satisfará minha alma ansiosa, a não ser a visão Daquele a quem ela ama.
Jesus é tudo em tudo para mim, e Ele será tudo em tudo pela eternidade!
Louvai ao Senhor, ó minha alma; todo o meu ser louve Seu santo nome!
(Mary Wilson)
Deus tem sabiamente nos mantido no escuro com relação a eventos futuros e reservou para Si o conhecimento deles, a fim de que possa nos treinar com respeito à dependência Dele mesmo e a uma prontidão contínua para cada evento.
(Matthew Henry)
Deus governa tudo! Embora Ele esteja oculto pelo véu das segundas causas para os olhos comuns, de modo que eles percebam apenas os meios, os instrumentos e as contingências pelas quais Ele trabalha e, por isso, pensem que Ele não faz nada, na realidade, Ele faz tudo de acordo com Seu próprio conselho e segundo Seu prazer, nos exércitos do céu e entre os habitantes da terra.
(John Newton)
Tenha cuidado para em sua oração, acima de tudo, não limitar a Deus, não somente pela incredulidade, mas por imaginar que sabe o que Ele pode fazer.
(Andrew Murray)
Fé é descanso, não labuta. É desistir de todos os fracos esforços anteriores para fazer ou sentir algo de bom, a fim de induzir Deus a amar e a perdoar. É a calma recepção da verdade, rejeitada por tanto tempo, de que Deus não está esperando por esses incentivos, mas ama e perdoa por Sua própria boa vontade, e está mostrando essa boa vontade a qualquer pecador que venha a Ele deste modo, rejeitando seus próprios pobres desempenhos ou suas bondades, e confiando implicitamente no livre amor Daquele que amou o mundo de tal maneira que deu Seu Filho unigênito.
(Horácio Bonar)
O cristão deve ser consumido com a infinita beleza da santidade e a infinita condenação do pecado.
“Guarda com toda a diligência o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida” (Pv 4.23 – IBB-Rev.).
O dever de guardar o coração é sempre obrigatório; não existe hora nem condição na vida em que sejamos dispensados dessa tarefa, mas existem algumas ocasiões especiais e horas críticas que requerem mais vigilância do que aquela que comumente mantemos sobre o coração.
Quer saber como um cristão pode guardar o coração de sentimentos vingativos quando é alvo das maiores ofensas e maus tratos dos homens?
Uma dessas ocasiões é quando somos ofendidos e maltratados pelos outros. A depravação e a corrupção do homem é tão grande, que um trata o outro como lobo ou tigre. E, como os homens são cruéis por natureza e oprimem uns aos outros, assim os ímpios conspiram para maltratar e ofender o povo de Deus. “O ímpio devora aquele que é mais justo do que ele” (Hc 1.13). Quando somos ofendidos e maltratados dessa forma, é difícil guardar o coração de impulsos vingativos; com mansidão e quietude passar a situação para Aquele que julga retamente; evitar todo e qualquer sentimento pecaminoso. O espírito que está em nós deseja vingança, mas não deve ser assim. Nós temos opções de ajuda no evangelho para guardar nosso coração de sentimentos pecaminosos contra os inimigos e para abrandar nosso espírito amargurado. Quer saber como um cristão pode guardar o coração de sentimentos vingativos quando é alvo das maiores ofensas e maus tratos dos homens? Eu explico.
Quando você começar a perceber o coração inflamar-se de sentimentos vingativos, reflita imediatamente nas seguintes coisas:
Recomende com insistência a seu coração as severas proibições da Palavra de Deus contra a vingança. Por mais gratificante que seja a vingança a suas propensões corruptas, lembre-se de que ela é proibida. Ouça a Palavra de Deus: “Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira [de Deus]; porque está escrito: ‘A Mim Me pertence a vingança; Eu é que retribuirei, diz o Senhor’. Pelo contrário, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas vivas sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem” (Rm 12.19-21). Este sempre foi um argumento apresentado pelos cristãos para provarem que sua religião é sobrenatural e pura: ela proíbe a vingança, que é tão agradável à natureza humana. Intimide seu coração, então, com a autoridade de Deus nas Escrituras; e, quando a razão carnal disser: “Meus inimigos merecem ser odiados!”, faça a consciência replicar: “Mas será que Deus merece ser desobedecido?” “Isso e aquilo foi feito contra mim, eu fui injustiçado”; “Mas o que é que Deus fez para que eu cometa alguma coisa contra Ele? Se meu inimigo se atreve a perturbar minha paz, devo eu ser tão perverso ao ponto de transgredir o mandamento de Deus? Se meu inimigo não teme fazer o mal contra mim, será que não devo temer fazer mal contra Deus?” Dessa forma, faça com que o temor de Deus restrinja e acalme seus sentimentos.
Coloque diante de seus olhos os mais altos padrões de mansidão e perdão, para você sentir o vigor desses exemplos. Essa é a forma de acabar com os argumentos normais da carne e sangue em busca de vingança, como estes: “Homem nenhum suportaria esse tipo de ofensa!” Sim, há homens que suportaram ofensas tão grandes e até maiores do que as que você sofreu! “Mas eu vou ser tido por covarde, por estúpido, se deixar isso passar!” Isso não deve preocupar você, desde que siga o exemplo de homens mais sábios e santos. Ninguém nunca sofreu mais ou maiores ofensas por parte dos homens do que o Senhor Jesus, nem jamais suportou insultos e acusações e todo tipo de abuso de forma mais pacífica e perdoadora. Quando Ele foi insultado, não devolveu os insultos; quando sofreu, não fez ameaças; quando Seus assassinos O crucificaram, Ele pediu ao Pai que lhes perdoasse. Com isso, Ele nos deu exemplo para que sigamos Seus passos. Seus apóstolos O imitaram: “Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos; quando caluniados, procuramos conciliação; até agora, temos chegado a ser considerados lixo do mundo, escória de todos” (1Co 4.12,13). Eu já ouvi falar de um santo homem de Deus, o sr. Dod. Quando uma pessoa enfurecida por causa de sua pregação penetrante e convincente o atacou, socou-lhe o rosto e lhe quebrou dois dentes, esse humilde servo de Cristo cuspiu os dentes e o sangue na mão e disse: “Veja só, você me arrancou dois dentes, isso sem nenhuma provocação legítima. Mas, se você permitir que eu o abençoe e faça bem a sua alma, deixo que arranque o resto de meus dentes”. Aqui temos um exemplo da excelência do espírito cristão. Faça o que os outros não podem fazer, conserve ativo esse espírito, e você preservará a paz em sua alma e obterá a vitória sobre os inimigos.
Considere o caráter de quem lhe fez mal. Ou é um homem piedoso ou é um ímpio. Se é um homem piedoso, existem luz e sensibilidade na consciência dele, que, mais cedo ou mais tarde, lhe trarão uma percepção do mal que cometeu. Se é um homem piedoso, Cristo lhe perdoou ofensas maiores do que as que ele cometeu contra você; e por que você não o perdoaria? Cristo repreenderá a ele pelas ofensas, mas liberalmente perdoará todas elas; e você o pegará pelo pescoço por causa de uma pequena ofensa que cometeu contra você?
Mas, se foi um ímpio que ofendeu ou insultou você, na verdade há ainda mais razão para você exercer misericórdia em vez de vingança contra ele. Ele se encontra numa situação de engano e miséria; é escravo do pecado e inimigo da justiça. Se ele algum dia se arrepender, estará pronto para reparar o erro; se continuar impenitente, está chegando o dia em que será punido como merece. Você não precisa planejar nenhuma vingança; Deus executará a vingança contra ele.
Lembre-se de que, por meio da vingança, você só conseguirá gratificar uma paixão pecaminosa, paixão essa que, por meio do perdão, você pode subjugar. Lembre que, por meio da vingança, você pode destruir um inimigo; mas, pelo exercício da moderação cristã, pode subjugar três inimigos de uma só vez: sua própria paixão, a tentação de Satanás e o coração de seu inimigo. Se, por meio da vingança, você dominar seu inimigo, a vitória será infeliz e sem glória, pois, ao conquistá-la, você será vencido por sua própria corrupção; mas, pelo exercício da moderação mansa e perdoadora, você sempre sairá com honra e sucesso. A pessoa em que a mansidão e o perdão não operam é, de fato, muito perversa. É de pedra o coração que não se deixa derreter por esse fogo. Foi assim que Davi obteve vitória sobre Saul, seu perseguidor: “E chorou Saul em voz alta. Disse a Davi: Mais justo és do que eu” (1Sm 24.16,17).
Com seriedade, pergunte a seu coração: “Será que aproveitei alguma coisa para minha própria alma por meio das ofensas e injustiças que sofri?” Se elas não lhe fizeram nenhum bem, volte sua vingança contra si mesmo. Você tem todos os motivos para se encher de vergonha e tristeza por ter um coração que não consegue extrair nenhum bem desse tipo de aflição e por ter uma disposição mental tão diferente da atitude de Cristo. A paciência e a mansidão de outros cristãos fizeram com que as ofensas dirigidas a eles lhes fossem de bom proveito! Eles louvaram a Deus quando o mundo os acusou e repreendeu. Jerônimo disse: “Dou graças a meu Deus que eu seja considerado digno de ódio do mundo”. Mas, se você tem recebido algum beneficio das acusações e injustiças que recebeu, se elas o levaram a examinar o próprio coração, se fizeram com que você conduzisse a vida com mais prudência, se elas o convenceram do valor de um temperamento santificado – não vai perdoá-las? E que importa se essas coisas foram feitas com más intenções? Se, pela bênção de Deus, sua felicidade tem sido promovida por aquilo que lhe foi feito – por que você deveria sequer dispensar um pensamento desagradável a respeito do autor dessas coisas?
Pondere em quem ordena todas as suas tribulações. Isso será de grande ajuda para guardar seu coração da vingança; isso de imediato aquietará e suavizará seu ânimo. Quando Simei cercou Davi e o amaldiçoou, o espírito desse homem piedoso não se deixou envenenar pela vingança. Quando Abisai se ofereceu para arrancar a cabeça de Simei, o rei disse: “Deixai-o amaldiçoar; pois, se o Senhor lhe disse: ‘Amaldiçoa a Davi’, quem diria: ‘Por que assim fizeste?’?” (2Sm 16.10). “Pode ser que Deus o use como Sua vara para castigar-me, pois, por causa de meu pecado, eu dei ocasião a que os inimigos de Deus blasfemassem; e deveria eu ficar irado com o instrumento? Como isso seria irracional!” Dessa mesma forma Jó se aquietou; ele não xingou nem planejou vingança contra os caldeus e sabeus – mas considerou que Deus tinha ordenado as suas tribulações, e disse: “O Senhor o tomou; bendito seja o nome do Senhor!” (Jó 1.21).
Considere em como você está diariamente e a toda hora ofendendo a Deus – e não será tão facilmente inflamado com a ideia de represália contra aqueles que ofendem você. O tempo todo você está afrontando Deus – mas Ele não se vinga contra você; antes, tolera e perdoa; e mesmo assim você quer se levantar e se vingar contra os outros? Reflita nesta cortante repreensão: “Servo malvado, perdoei-te aquela dívida toda porque me suplicaste; não devias tu, igualmente, compadecer-te do teu conservo, como também eu me compadeci de ti?” (Mt 18.32,33). As pessoas que mais devem estar cheias de paciência e misericórdia com respeito aos que as prejudicam devem ser aquelas que experimentaram por si mesmas as riquezas da misericórdia! A misericórdia de Deus conosco deve enternecer nosso coração com misericórdia em relação aos outros. É impossível sermos cruéis para os outros – só se esquecermos o quanto Deus tem sido bom e compassivo para nós. E, se a bondade não prevalece em nós, temos de ouvir isto: “Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai perdoará as vossas ofensas” (Mt 6.15).
Que a lembrança da proximidade do dia do Senhor refreie você de antecipá-lo com atos de vingança. Por que tanta pressa? Não está o Senhor perto para vingar todos os Seus servos maltratados? “Sede vós também pacientes e fortalecei o vosso coração, pois a vinda do Senhor está próxima. Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para não serdes julgados. Eis que o juiz está às portas” (Tg 5.8,9). A vingança pertence a Deus, e você vai se equivocar ao ponto de tomar sobre si o que é prerrogativa Dele?!
Muitos anos atrás, o Senhor me ensinou uma verdade, até onde sei sem a instrumentalidade humana, cujo benefício conservo até hoje, mais de quarenta anos depois.
O caso é o seguinte: eu vi mais claramente do que nunca que a principal e fundamental ocupação a que eu precisava me dedicar todos os dias era que minha alma sentisse prazer na presença e no favor de Deus. A primeira coisa com que me preocupar não era o quanto eu devia servir ao Senhor, como eu deveria glorificar o Senhor, mas como eu conseguiria levar minha alma a um estado de alegria e como meu homem interior podia ser alimentado. Porque eu poderia apresentar a verdade aos não-convertidos, poderia tentar beneficiar os crentes, procurar socorrer os aflitos, poderia de outras maneiras tentar comportar-me como convém a um filho de Deus neste mundo, mas, não estando alegre no Senhor e não estando alimentado e fortalecido em meu homem interior dia a dia, tudo isso poderia ser desempenhado sem um espírito correto.
Antes desse tempo, pelo menos nos últimos dez anos, minha prática habitual havia sido dedicar-me à oração depois de me levantar pela manhã. Agora eu via que a coisa mais importante que eu devia fazer era entregar-me à leitura da Palavra de Deus e meditar nela para meu coração ser confortado, alertado, encorajado, reprovado, instruído, e que, assim, ao meditar, meu coração fosse trazido a uma comunhão prática com o Senhor.
Comecei, então, a meditar no Novo Testamento cedo de manhã. A primeira coisa que fiz, depois de pedir em poucas palavras a bênção do Senhor sobre Sua preciosa Palavra, foi começar a meditar na Palavra de Deus, investigando por assim dizer cada versículo para extrair dele alguma bênção – não com a finalidade de ministrar publicamente a Palavra, não para pregar com base no que eu tinha meditado, mas com a finalidade de conseguir comida para minha própria alma. O resultado que tenho obtido quase sempre é o seguinte: depois de poucos minutos, minha alma tem sido levada a confessar, dar graças, interceder ou suplicar; de forma que, embora eu não tenha me entregado à oração e sim à meditação, mesmo assim ela se voltou quase que de imediato à oração, às vezes com mais, às vezes com menos intensidade. Depois de algum tempo em confissão, intercessão ou súplica ou ações de graças, prossigo para as próximas palavras ou o próximo versículo, transformando tudo, à medida que avanço, em oração por mim mesmo ou pelos outros, conforme a Palavra oriente, mas sempre tendo diante de mim que o objetivo da minha meditação é obter alimento para minha própria alma.
O resultado disso é que sempre tenho, misturados com minha meditação, bons motivos para fazer confissão, dar graças, suplicar ou interceder – e que meu homem interior quase invariavelmente é alimentado e fortalecido, e por volta da hora do café da manhã, com raras exceções, eu encontro meu coração cheio de paz e alegria.
Dessa forma, o Senhor também se agrada em dar-me aquilo que, logo depois, se torna alimento para outros crentes, embora não tenha sido por causa da ministração pública da Palavra que eu tenha me entregado à meditação, mas sim para o benefício de meu próprio homem interior.
A diferença, então, entre minha prática anterior e a de agora é que anteriormente, quando me levantava, eu começava a orar assim que me fosse possível, e geralmente gastava em oração todo ou quase todo o tempo antes do café da manhã. De todo jeito, eu quase sempre começava com oração, exceto quando sentia minha alma seca mais do que o normal, casos em que eu lia a Palavra de Deus em busca de alimento, ou de refrigério, ou de reavivamento e renovação de meu homem interior, antes de entregar-me à oração.
Mas qual era o resultado disso? Muitas vezes, eu gastava quinze minutos ou meia hora ou mesmo uma hora de joelhos, antes de perceber que tinha recebido algum conforto, encorajamento, humilhação de alma, etc.; e, muitas vezes, depois de sofrer muito nos primeiros dez, quinze ou trinta minutos com pensamentos que se dispersavam, somente então eu realmente começava a orar.
Raramente eu tenho dificuldades com isso agora. Por ter sido meu coração despertado pela verdade e trazido à comunhão experimental com Deus, eu falo com meu Pai e com meu Amigo (por mais vil que eu seja e indigno de disso tudo!) a respeito das coisas que Ele trouxe diante de mim em Sua preciosa Palavra.
Muitas vezes, fico admirado de não ter visto isso antes. Não li isso em livro nenhum. Não ouvi nenhuma pregação a respeito desse assunto. Não conversei com ninguém que me incentivasse quanto a isso. Mas agora, uma vez que Deus me ensinou esse ponto, para mim ficou mais claro do que nunca:
a primeira coisa que o filho de Deus deve fazer todos os dias de manhã é conseguir alimento para seu homem interior.
Assim como o homem exterior não está pronto para trabalhar sem se alimentar, e assim como essa é uma das primeiras coisas que fazemos de manhã, assim deve ser com o homem interior. Não há como negar que precisamos alimentar nosso homem interior.
Mas o que é esse alimento para o homem interior? Não é a oração, mas sim a Palavra de Deus. E também não é a simples leitura da Palavra de Deus, de forma que passe pela nossa mente assim como a água passa por um cano. Mas devemos considerar e meditar aquilo que lemos, ponderar na Palavra e aplicá-la ao nosso coração.
Quando oramos, nós falamos com Deus. Mas a oração, para durar algum tempo que não seja cheio de formalidades, requer, falando-se de forma geral, uma medida de vigor ou de desejo piedoso. Por isso, o momento em que esse exercício da alma pode ser executado de forma mais efetiva é depois que o homem interior foi alimentado pela meditação na Palavra de Deus, na qual o Pai fala conosco, nos encoraja, conforta, instrui, humilha e reprova. Por essa razão é que podemos meditar de forma proveitosa nas Escrituras com a bênção de Deus, por mais fracos que estejamos espiritualmente. Pelo contrário, quanto mais fracos estamos, mais precisamos meditar para o fortalecimento do nosso homem interior. Teremos muito menos dificuldade com pensamentos dispersos se orarmos depois da meditação do que quando nos dedicamos à oração sem gastar antes algum tempo meditando.
Insisto tanto nesse assunto porque sei o proveito e o alívio que recebi dessa prática, e carinhosa e solenemente imploro aos meus companheiros cristãos que considerem-na. Pela bênção de Deus, atribuo a esse costume a ajuda e a força que obtive de Deus para atravessar em paz profundas provações, mais do que eu tinha anteriormente. E, depois de provar esse caminho por mais de quarenta anos, posso recomendá-lo de forma mais plena, no temor de Deus.
Como é grande a diferença quando a pessoa é refrigerada e se alegra cedo de manhã, da situação em que ela, sem preparação espiritual, já se depara com o serviço, as provações e as tentações do dia!
Considerarei que é misericórdia com minha alma se minha fé vigiar toda essa noite de inverno e não oscilar ou adormecer até a aurora do dia de verão de meu Senhor sobre mim.
(Samuel Rutherford)
Se algum de vocês me perguntasse pelo epítome da vida cristã, eu diria que é, em uma palavra: oração.
(Charles Spurgeon)
É um pensamento vaidoso fugir da obra que Deus nos designa, com o objetivo de encontrar uma bênção maior, em lugar de buscá-la onde ela é encontrada: em amorosa obediência.
(George Eliot)
[Senhor], dize a minha alma: “Eu sou a tua salvação!”
(Salmos 35.3)
Não tenha medo de haver desassossego ou perturbação no Reino dos céus. Ele começou na eternidade, continuará ao longo da eternidade; não há pânico na Personalidade divina. Deus é paz, Deus dá paz, Deus dá descanso.
(Joseph Parker)
Deus, que alimenta os pardais, não deixará Seus santos passarem fome! Deus controla todas as coisas que preocupam Seu povo, mesmo aquelas que são mais minúsculas e menos consideradas. Isso é um encorajamento para vivermos em dependência contínua do cuidado providencial de Deus! Se Deus conta nossos cabelos, Ele conta muito mais nossa cabeça. Ele cuida de nossa vida, de nossas necessidades, de nossas preocupações e de nossa alma. A providência universal de Deus se estende a todas as criaturas e a todas as ações delas, mesmo as menores e mais minúsculas!
(Matthew Henry)
Um Salvador crucificado nunca se contentará em ter um povo auto-satisfeito, egoísta e com mentalidade mundana!
A realidade final e o fato último de nossa situação total, à qual precisamos ser ajustados, é Deus. Esta, na verdade, seria a minha definição de Deus: Deus é Aquele a quem temos, por fim, de prestar contas, a realidade final a que temos de enfrentar e a Quem temos, em último caso, de considerar.
(John Baillie)
Você pode conhecer a Deus, mas não compreendê-Lo.
(Richard Baxter)
Tudo o que precisamos é conhecer mais e mais o Senhor Jesus. Tudo vai se tornando pequeno à medida que conhecemos Cristo. Tudo o que se restringe ao tempo e ao espaço se desvanecerá quando virmos Cristo e, em nosso íntimo, haverá algo que nos sustentará através das dificuldades e nos dias maus. Veremos a grandeza de Cristo e a grandeza de nossa salvação Nele “conforme Seu propósito eterno”.
(T. Austin-Sparks)
O Senhor dos Exércitos jurou, dizendo: “Como pensei, assim sucederá, e como determinei, assim se efetuará.” […] Porque o Senhor dos Exércitos o determinou; quem o invalidará? E a Sua mão está estendida; quem, pois, a fará voltar atrás?
(Isaías 14.24,27)
Deus sempre age como Ele mesmo: como Deus! Quando Ele mostra misericórdia, é como o Deus de toda a graça que é rico em misericórdia e ama com um grande amor. Da mesma forma, quando Ele executa ira e vingança, Ele desnuda Seu braço e golpeia como Deus!
(Ralph Venning)
Quanto mais afetados somos por nossa miséria pecaminosa, mais aptos somos para a maravilhosa misericórdia de Cristo.
(Thomas Manton)
Se esperarmos em Deus, não há perigo. Se nos apressarmos, Ele deve nos deixar ver as conseqüências disso.
Nenhum medo das consequências deve nos levar a fazer algo errado. É melhor sofrer qualquer perda, pagar qualquer preço, fazer qualquer sacrifício do que ser devorado pelo remorso! Melhor ser atirado de um lugar alto por fazer o que é certo do que ganhar honra mundana fazendo o que é errado. Melhor perder a mão direita do que perder a pureza da alma. Melhor apodrecer na prisão do que pecar contra Deus!
(J. R. Miller)
A fé é uma confiança viva e ousada na graça de Deus. Ela é tão certa e segura que um homem poderia apostar sua vida nela mil vezes.
(Martinho Lutero)
Deus está em todos os lugares por meio de Seu poder ― sustentando, mantendo, suprindo todas as coisas, e realizando com as próprias mãos as obras de Seu propósito eterno em todo o universo. Deus está em todos os lugares por meio de Sua providência ― cuidando de todas as Suas criaturas e a elas governando, executando em todos os lugares ao mesmo tempo Seus decretos eternos. Deus está em todos os lugares por meio de Sua onisciência ― contemplando todas as coisas, todos os lugares, todos os eventos, todas as pessoas, até os segredos do coração de todos os homens ao mesmo tempo.
(Don Fortner)
O proveito da oração constante não está no fato de que Deus nos ouça, mas em que nós O ouçamos.
(William McGill)
A verdadeira cura para a justiça própria é o autoconhecimento. Uma vez que os olhos de nossa compreensão forem abertos pelo Espírito, não falaremos mais de nossa própria bondade. Uma vez que vejamos o pecado que existe em nosso coração e o que a santa lei de Deus exige, a presunção pessoal morrerá. Colocaremos a mão na boca e clamaremos como o leproso: “Imundo, imundo!” (Lv 13.45).
(J. C. Ryle)
Esta é nossa grande necessidade: sermos mais semelhantes a Cristo, a fim de Sua semelhança seja vista em nossa vida. E é exatamente isso que nos é prometido quando nos rendemos em total entrega à obra de Seu Espírito. Então, quando nos aproximarmos de Cristo, seremos atraídos para Seu povo; e, em nossa busca pela unidade com os membros, seremos atraídos para mais perto da Cabeça.
(G. T. Manley)
Aqui está o tremendo mistério: que Deus é todo-poderoso, mas se recusar a coagir. Ele nos convoca à cooperação. Somos honrados com a oportunidade de participar de Suas boas ações. Lembre-se de como Ele pediu ajuda para realizar Seus milagres: encher as talhas, estender a mão e distribuir os pães.
Contra mim, a terra e o inferno tramam,
mas do meu lado está o Poder do céu.
Jesus é tudo, tudo, e Ele é meu.
(W. T. Matson)
Meu caminho não é nada fácil. Nunca estive mais feliz em Jesus e estou certo de que Ele não nos falhará. […] As dificuldades oferecem uma plataforma sobre a qual Ele se pode revelar. Sem elas, nunca nos seria possível saber como é terno, fiel e onipotente o nosso Deus.
(Hudson Taylor)
Sim, em mim habita Ele,
eu em Cristo, Ele em mim!
E minha alma tão vazia
satisfaz-se até o fim.
(Horácio Bonar)
Todo o meu tempo, minha força e meu serviço eu os dedico à honra do Senhor Jesus ― e até mesmo minhas ações mais comuns. É minha expectativa, minha esperança e meu desejo mais sinceros, meu constante objetivo e esforço: que Jesus Cristo seja engrandecido em mim.
(Matthew Henry)
Deus nunca fez uma promessa que fosse boa demais para ser verdade.
(Dwight L. Moody)
Os cristãos estão sendo indistintamente guiados para ver que nada é mais natural e belo e abençoado do que serem nada, a fim de que Deus seja tudo.
(Andrew Murray)
O mundo vence o não-regenerado cativando suas afeições e capturando sua vontade. Mas o cristão vence o mundo porque suas afeições estão fixadas em Cristo e sua vontade é rendida a Ele.
Um elemento essencial de toda a verdadeira oração é a submissão final de todos os pedidos à vontade de Deus. No entanto, esse aspecto da oração é muitas vezes esquecido ou negligenciado em nossas petições. Muitas vezes oramos fervorosamente ― mas pedimos para que nossa própria vontade seja feita, não para que se faça a vontade de nosso Pai. No entanto, é muito claro [na Escritura] que nenhuma oração é aceitável para Deus se, apesar de toda a sua intensidade e importunação, ela não é dirigida a Deus e submetida a Sua sabedoria superior.
(J. R. Miller)
As providências de Deus são muitas vezes sombrias e misteriosas. Não é fácil determinar por que o Senhor age como Ele o faz ou descobrir o objetivo preciso que Ele tem em vista. Ele prossegue em Sua obra de acordo com Seu plano eterno e pré-ordenado ― e Ele cumpre Seus propósitos muitas vezes pelos meios mais improváveis. Ele opera todas as coisas segundo o conselho de Sua própria vontade ― e Ele opera vagarosamente, não tendo nenhum motivo para se apressar. Somos naturalmente precipitados e queremos saber, de imediato, o que Deus quer dizer. Mas Ele diz: “Aquieta-te. Espera. Observa. Deixa a paciência realizar sua obra perfeita”.
(James Smith)
O hipócrita tem Deus na boca, mas o mundo no coração.
(William Gurnall)
A graça provada é melhor do que a graça, e é mais do que graça: é a glória em sua infância. Agora vejo que a piedade é mais do que o exterior e os ornamentos deste mundo e suas vestes suntuosas. Quem conhece a verdade da graça sem uma provação? Oh! Quão pouco Cristo tem de nós a não ser que Ele ganhe (por assim dizer) com muita labuta e dores! Em quão pouco tempo a fé congelaria sem uma cruz?
(Samuel Rutherford)
Para os filhos de Deus, as aflições são enviadas em misericórdia. Elas são dirigidas pelo amor. Elas são projetadas…
para nos aproximar mais do Salvador,
para mortificar o pecado que em nós habita,
para purificar nosso coração,
para nos afastar da terra,
para elevar nossos afetos àquele mundo bendito onde não haverá mais dor.
(David Harsha)
Se guardardes o vosso coração e ouvirdes a voz de Deus e aprenderdes Dele, em uma breve hora podereis aprender mais com Ele do que aprenderíeis com o homem em mil anos.
(Tauler Johannes)
A fé não é apenas um compromisso com as promessas de Cristo; a fé é também um compromisso com as exigências de Cristo.
Uma missionária quase abandonada em uma aldeia solitária é maravilhosamente usada por Deus para instruir uma geração de jovens obreiros na China
Margaret E. Barber é um nome pouco conhecido, não só no mundo, mas também entre os cristãos.
Ela foi missionária, mas muito diferente de David Livingstone e de Hudson Taylor, que realizaram grandes coisas para o Senhor. A área de sua obra foi restrita a apenas uma pequena vila na China. Ela escreveu, mas não foi como Isaac Watts e Charles Wesley, cujos hinos aparecem em quase todos os hinários. Ela amava o Senhor, mas, apesar de ter alcançado grande maturidade espiritual, não era como Madame Guyon, Andrew Murray ou F. B. Meyer, que deixaram muitas publicações edificantes para as gerações futuras. Assemelhava-se a uma passageira solitária, que veio a este mundo silenciosamente em 1869, em Peasenhall, Suffolk (Inglaterra), e, 61 anos depois, também partiu silenciosamente. Durante a vida, ela respondeu ao chamado do Senhor duas vezes para deixar a família, sua terra natal e viajar para a China, um país bastante desconhecido e atrasado naquela época. Ela silenciosamente entregou o melhor período de sua vida ao Senhor e foi fiel até a morte.
Não foi em vão
Quando a Margaret Barber foi sepultada, um irmão citou a história de Maria de Betânia (Jo 12.1-8), dizendo que ela tinha feito tudo o que podia. Mais tarde, o irmão Watchman Nee, que não estava presente no funeral, mas fora muito influenciado por ela em sua vida espiritual, fez a seguinte observação: “Ela realmente se desperdiçou para o Senhor”.
Alguns jovens irmãos da China, que foram muito ajudados por ela, preocupavam-se com o procedimento dela e se admiravam porque ela não saía a realizar reuniões e trabalhar ativamente em outros lugares. Pelo contrário, ela vivia naquela pequena aldeia onde nada acontecia. Aquilo realmente parecia um desperdício.
Até mesmo o irmão Nee, que mais tarde se “desperdiçou” por cerca de vinte anos em uma prisão, naquela época a visitava e quase gritava para ela: “Ninguém conhece tanto o Senhor como você, e seu conhecimento da Bíblia também é profundo e vivo. Você não vê as necessidades ao seu redor? Por que você não faz alguma coisa? Você parece viver aqui sentada de braços cruzados; você está gastando seu tempo, sua energia, seu dinheiro, tudo em vão.” Hoje, muitos anos depois, podemos entender a atitude dela. Deus estava plantando uma semente de vida na China, uma semente solitária, humilde e oculta. O Senhor fez com que brotasse e frutificasse abundantemente. Porém, a coisa mais maravilhosa é que Deus fez com que desse fruto mais tarde, quando ela não poderia saber.
Luz forte
Aqueles que conhecem o livro A vida cristã normal, de Watchman Nee, sabem que ele muitas vezes se refere a uma irmã mais velha que exerceu a maior influência sobre sua vida. É precisamente a irmã Margaret E. Barber. Quando ele soube que o Senhor a tinha tomado, ele disse: “Ela era uma pessoa muito profunda no Senhor. Sua comunhão com o Senhor e sua fidelidade a Ele, em minha opinião, são muito difíceis de encontrar no mundo.” Mais tarde, em suas mensagens, em comunhão e em conversas privadas, muitas vezes ele a mencionava. Ele a descreveu como “uma cristã brilhante. Qualquer pessoa que entrava em seu quarto sentia a presença de Deus.”
Em 1933, quando o irmão Nee visitou a Inglaterra e os Estados Unidos, encontrou muitos cristãos famosos. No entanto, mais tarde ele disse: “É difícil encontrar uma pessoa como irmã Margaret.” Em 1936, quando conversava com um colega sobre o serviço e a obra de Deus, ele suspirou e disse: “Se a irmã Margaret ainda estivesse aqui, nossa situação seria muito diferente.”
Quando o irmão Nee começou a servir ao Senhor, ele decidiu que de alguma forma tinha de obedecer à vontade de Deus. Ele pensou que o estivesse fazendo; no entanto, sempre que ele estava com a irmã Margaret e conversavam um pouco, ou lia um pouco a Bíblia com ela, descobria que estava muito longe do alvo. Quando Barber estava morando em Pai Tan Yan, ela sempre falava com o Senhor, mas o Senhor não falava apenas por meio das palavras dela, mas também por meio de sua pessoa. O irmão Nee uma vez deu o seguinte testemunho: “Eu tinha ouvido muitas vezes as pessoas falarem sobre a santidade; então, decidi saber mais sobre essa doutrina. Eu peguei um Novo Testamento e encontrei uns 200 versos sobre o assunto. Eu os escrevi e os classifiquei sem, todavia, conseguir saber o que era santidade. Eu me sentia vazio. Mas, um dia, eu encontrei uma irmã mais velha que era uma pessoa santa. A partir desse dia, meus olhos se abriram e eu vi o que era a santidade. Aquela luz era realmente forte. Aquela luz me fez sofrer, e eu não pude deixar de ver o que era a santidade.”
“Nada para mim”
Em 1922, a irmã Margaret tinha 53 anos (não é possível saber com precisão), e o irmão Nee era muito jovem, convertido fazia apenas dois anos. Ele tinha em seu coração muitos planos que esperava que Deus aprovasse. Pensou como seria maravilhoso se eles se realizassem, um por um. Quando ele levava esses planos à irmã Margaret, tentava convencê-la de que deviam ser realizados. Mas, depois ele testemunhou: “Antes de eu abrir a boca para explicar meus planos, ela falava um pouco, e tudo parecia muito para mim. A luz que se irradiava dela me fazia sentir vergonha. Descobri que minha maneira de fazer as coisas estava cheia de elementos naturais do homem, e era muito carnal. Quando a luz chegava, algo acontecia, e eu era levado a uma posição onde tinha a dizer a Deus: ‘Senhor, minha vida está concentrada em atividades carnais, mas aqui está uma pessoa que não vive assim. Ela só tem um motivo e um desejo: viver para Ti’.”
A srta. Barber anotou estas palavras em uma página: “Eu não quero nada para mim mesma; eu quero tudo para meu Senhor”. Realmente, toda a sua vida esteve de acordo com sua oração.
Dificuldades e injustiças
Margaret Barber foi enviada à China em 1899, e ensinou durante sete anos em uma escola anglicana para meninas, enquanto trabalhava para o Senhor. Mas os colegas tinham ciúmes dela e falsamente a acusaram perante os líderes da missão. Durante essa experiência, ela aprendeu a lição de viver silenciosamente na sombra da cruz. Ela preferiu sofrer a ofensa e não se defendeu até que o chefe da missão a chamou de volta para a Inglaterra e lhe disse: “Eu ordeno que você não esconda nada”. Somente então ela contou toda a verdade.
Ela admitiu ter sido ajudada espiritualmente por David Morrieson Panton, um irmão famoso por seu conhecimento sobre as profecias, que muito a influenciou, a ponto de levá-la a anelar pela vinda do Senhor. Nessa ocasião, ela esperou três anos na Inglaterra, até que o Senhor abriu um novo caminho para retornar à China. Ela passou por dificuldades econômicas. Ela disse que até para conseguir um pedaço de sabão necessitava exercitar sua fé no Senhor.
Com 42 anos regressou à China, dessa vez sem uma missão que a sustentasse. Ela aprendeu, como Abraão, a esperar que Deus se responsabilizasse por ela. Por causa do Senhor, ela foi para o interior da China. Quase chegou ao desespero por causa das pressões, mas o Senhor esteve a seu lado fortalecendo-a.
Certa vez, na maior dificuldade financeira, a srta. Barber tinha a bolsa vazia e precisava pagar muitas contas. Então, alguém lhe ofereceu certa quantia para ajudá-la, porém, quando lhe entregou a oferta, aconselhou-a a que não fosse fanática.
Embora realmente precisasse muito do dinheiro naquele momento de angústia, ela o recusou. Ela sentiu a responsabilidade de ser fiel a Deus, e Deus tinha de assumir a responsabilidade por ela. No dia seguinte, uma coisa maravilhosa aconteceu. O irmão Panton enviou-lhe, da Inglaterra, uma oferta urgente por telegrama. Barber entrou em contato com ele, perguntando porque ele havia enviado um telegrama com aquele valor. Ele respondeu que não sabia, mas, durante a oração, sentira que precisava enviar aquele valor e devia ser por telegrama.
Lições para jovens obreiros
Margaret Barber era realmente uma pessoa de oração, que sabia buscar o Senhor não só para suas necessidades diárias, mas orava também para que Ele abrisse as portas para sua obra. O Senhor lhe enviou uma companheira de trabalho e de oração, vinte anos mais jovem que ela, M. L. S. Ballord, sua sobrinha. Humanamente falando, eram duas mulheres fracas que não tinham o forte apoio de uma missão. O que elas poderiam fazer para o Senhor? Felizmente, do ponto de vista espiritual, elas não eram de forma alguma fracas.
Embora, naquela época, parecesse muito difícil ganhar a vasta China para Cristo, as duas missionárias sabiam que, para alcançar esse objetivo, era necessário que Deus levantasse muitos irmãos jovens. Então, elas começaram a orar especificamente por isso durante dez anos, e o Senhor de fato enviou um grande reavivamento a um lugar próximo de onde elas viviam e levantou alguns jovens irmãos que amavam a Deus. Um deles foi Watchman Nee.
Durante um ano e meio, possivelmente em 1922, quase todos os sábados, o irmão Nee, em companhia de outros jovens, visitavam a srta. Barber para serem orientados por ela. Mas alguns foram desistindo, pois ela exercia a disciplina de modo tão severo que não podiam suportar sua repreensão. O irmão Nee disse: “Ela repreende fortemente e sem razão. Mas, depois de ser repreendido por ela, a pessoa fica mais aliviada.” Cada vez que ele ia vê-la, preparava-se para receber uma repreensão.
Houve uma época em que sete jovens se encontravam todas as sextas-feiras. Na reunião, o irmão Nee e outro jovem responsável discutiam ardentemente. O outro era cinco anos mais velho que Nee. Cada um deles pensava que sua idéia era a melhor e criticava o ponto de vista do outro. Às vezes, o irmão Nee estava com raiva e não confessava seu erro. Então, ele foi ver a irmã Margaret no dia seguinte e contou a ela o que aconteceu, esperando que ela fosse resolver o problema corrigindo o irmão. Ela, no entanto, inesperadamente repreendeu o irmão Nee, com base no que a Bíblia diz sobre o irmão mais novo ter de respeitar o mais velho. Ao ouvir isso, o irmão Nee se defendeu, dizendo: “Eu não posso fazer isso. O cristão deve fazer todas as coisas por uma razão”. Então, a srta. Barber lhe disse que a questão não era a razão, mas o que a Bíblia ensina. “O mais jovem deve obedecer ao mais velho.” Às vezes, depois de uma acalorada discussão, o irmão Nee não conseguia dormir e chorava a noite toda. No sábado, recorria a srta. Barber para contar-lhe o motivo de sua tristeza, na esperança de que ela fosse agir com justiça. Mas, depois de ouvi-la, ele voltava para casa e chorava novamente. Estava triste e com raiva por não ter nascido antes, pois assim não teria de obedecer ao irmão, e o irmão teria de obedecer-lhe.
Uma vez, durante uma discussão, o irmão Nee concluiu acertadamente que tinha muita razão e tentou convencer a srta. Barber que seu companheiro estava errado. Dessa vez, ele pensou que iria vencer. Mas, depois de ouvi-lo, Barber disse: “Se o outro irmão está certo ou errado, é outra questão. Você acha que você se parece com uma pessoa que está carregando a cruz, acusando seu irmão diante de mim? Você se parece com um cordeiro fazendo isso?” O irmão Nee disse mais tarde: “Essas poucas palavras me envergonharam muito e eu nunca as esqueci.” Ele cria que, durante aquele ano e meio, recebera a lição mais preciosa de sua vida. Era assim que Margaret Barber orientava os jovens.
“Você deve aceitar ser quebrado”
Mais tarde, quando o irmão Nee decidiu trabalhar para o Senhor, ele visitou a irmã Barber. Ela perguntou: “Você quer trabalhar para o Senhor, mas o que o Senhor quer que você faça?” Ele respondeu: “Eu quero trabalhar para ele.” Mas a irmã Barber disse: “Se Deus não quiser que você trabalhe, o que você fará?” Ele respondeu: “Sei que o Senhor quer que eu trabalhe para Ele.”
Então, ela leu Mateus 15, sobre a multiplicação dos pães. E lhe perguntou: “O que você pensa sobre isso?” Ele respondeu: “Naquele tempo, cinco pães e dois peixes foram colocados nas mãos do Senhor, mas, depois da bênção, aquele alimento satisfez mais de quatro mil pessoas.” Então, a irmã Barber lhe disse: “Todos os pães nas mãos do Senhor foram partidos e distribuídos, e, aqueles que não foram partidos, não puderam suprir vida para os outros. Irmão, lembre-se que frequentemente somos como um pão, falando ao Senhor: ‘Senhor, eu me entrego a Ti.’ Porém, temos um desejo oculto no coração, como se estivéssemos dizendo: ‘Ó Senhor, entregar é entregar, oferecer é oferecer, porém, não me quebres.’ Nós sempre esperamos que o pão seja colocado de lado, intocado, sem ser movido, e isso é muito agradável aos olhos. Mas todo pão nas mãos do Senhor está destinado a ser quebrado. E, se você não quer ser quebrado, então, não se coloque nas mãos do Senhor.”
Um dia, ela estava orando com o irmão Nee em uma montanha, e depois de ler Ezequiel 44, disse: “Irmão, vinte anos atrás eu li este capítulo; depois fechei a Bíblia, ajoelhei-me em oração a Deus e disse: ‘Senhor, não me deixe servir à casa, mas a Ti.” A razão que a levou a orar dessa maneira é porque houve uma classe de levitas, conforme Ezequiel 44, que serviam ativamente no templo, porém não serviam ao Senhor.
Esses conselhos da irmã Barber, dados a muitos irmãos, foram mais eficazes do que milhares de conferências e mensagens.
Deixou que Deus trabalhasse nela
Não podemos deixar de perguntar: por que Deus usou essa irmã? Qual foi o segredo de seu ministério? Por que tantas pessoas receberam ajuda dela?
Obviamente, seu ministério estava baseado em sua vida espiritual. Provavelmente, os seguintes lemas do irmão Nee podem oferecer-nos uma explicação melhor: “O que Deus enfatiza é o que somos, mais do que o que fazemos.” “A verdadeira obra emana da vida.” “O serviço que tem valor é sempre a manifestação da vida de Cristo.” “Consagrar-se a Deus não é trabalhar para Deus, mas ser trabalhado por Deus.” “Aqueles que não permitem que Deus trabalhe neles, nunca poderão trabalhar para Deus.”
A razão pela qual ela podia trabalhar para o Senhor foi porque deixou que o Senhor trabalhasse nela e realizasse nela Sua obra educativa. O coração dela era como o de Maria Madalena, completamente voltado para o Senhor.
Poucos meses depois que senhorita Barber partiu para estar com o Senhor, alguém enviou um pacote que pertencia a ela para o irmão Nee. Dentro, havia um papel com estas palavras: “Ó Deus, eu Te agradeço porque há um mandamento que diz: ‘Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, com toda tua alma e com toda tua mente’ (Mt 22.37)”.
Ocasionalmente, ela enfrentava situações difíceis, e o preço requerido exigia tudo o que possuía, quase a própria vida. Então, ela levantava o rosto banhado em lágrimas e dizia ao Senhor: “Senhor, para que eu possa conhecer todo o Teu coração, quero que meu próprio coração seja quebrantado.” Uma vez, o irmão Nee lhe perguntou: “Qual é a sua experiência na obediência à vontade de Deus?” Ela respondeu: “Toda vez que Deus demora em mostrar Sua vontade, imediatamente concluo que dentro de mim ainda tenho um coração que não quer obedecer a ela. Eu ainda tenho um desejo errado dentro de mim. Isso pode ser comprovado por muitas experiências.” Ela perguntava muitas vezes ao irmão Nee: “Você ama a vontade de Deus?” Não perguntava se ele obedecia à vontade de Deus.
Certa vez, ela discutiu com Deus sobre determinado assunto. Ela sabia o que Deus queria e, no coração, queria a mesma coisa, mas aquilo lhe era muito difícil. O irmão Nee a ouviu orar pelo assunto do seguinte modo: “Senhor, eu confesso que eu não gosto, mas, por favor, não Te rendas a mim. Espere um pouco, e certamente eu me renderei a Ti”. Não queria que Deus se rendesse a ela, diminuindo Sua exigência. Nada era importante para ela, a não ser alegrar seu Mestre.
Com toda a razão, ela disse: “O segredo para entender a vontade de Deus é: 95% querer obedecer a Deus, e 5% entender”. Isso revela que ela compreendia profundamente a vontade de Deus.
A casa está cheia de seu perfume
Sem dúvida, a irmã Barber foi desperdiçada para o Senhor, como o óleo precioso mencionado em João 12.3. Qual foi o resultado? “A casa se encheu com o cheiro do perfume”. Você também pode sentir a fragrância desse perfume e ser atraído pelo mesmo Senhor a quem ela buscou e amou de todo o coração, com toda a alma e com todo o entendimento.