“Pregamos a Cristo crucificado […] escândalo” (1Co 1.23).
Um grande clamor subiu dos judeus zombeteiros, insultuosos, o qual chegou ao Redentor crucificado: “Se é o Rei de Israel, desça agora da cruz, e crê-Lo-emos”. Nós lemos que “o mesmo Lhe lançaram também em rosto os salteadores que com Ele estavam crucificado” (Mt 27.42,44).
Nos últimos anos, um grande clamor, um eco dessa antiga súplica, tem subido da Igreja. “Se Cristo tão somente descesse da cruz!” Nós queremos o Cristo do monte, cremos no Cristo do ministério de cura, amamos o Cristo do exemplo sublime, pregamos o Cristo do evangelho social – mas o Cristo da cruz é uma ofensa. “Desça Ele agora da cruz, e creremos Nele”.
Mas o Rei não desceu. Seu direito à realeza nunca esteve mais divino do que naquela terrível hora. Seria do madeiro amaldiçoado que Ele reinaria. Foi ali que Ele lavrou a redenção. Foi quando dali Ele clamou “Está consumado” (Jo 19.30), que “fenderam-se as pedras e abriram-se os sepulcro” (Mt 27.51,52). Foi quando Ele provou a morte ali por todos os homens que o véu do templo foi partido, como símbolo da abertura do caminho de acesso imediato à presença de Deus para todos os filhos dos homens. Foi nessa ocasião que soou a hora de Deus, o alvorecer da era cristã. Foi nessa ocasião que o grilhões de uma humanidade escravizada foram quebrados. É desse vergonhoso madeiro, por mais mortificante que seja a ofensa da cruz, que o Rei ainda reina. De nenhum outro trono estabelecerá Ele Seu reino.
Um vulcão em convulsão pode representar bem a inquietação do mundo de hoje. Será que não há um caminho de saída? Não há esperança? Não há algum fundamento seguro para a alegria humana? Não existe algum remédio para os males da ordem social?
É melhor que sejamos honestos quanto a essas questões e admitamos que, humanamente falando, não há um caminho de saída. Um otimismo tolo que se recusa a encarar os fatos somente aprofunda a vergonha e a dor. É como tocar violino sobre Roma em chamas. Não há caminho algum de saída a não ser o caminho de Jesus. E o caminho de Jesus é o caminho da cruz.
Mais cedo ou mais tarde, a experiência leva a pessoa a reconhecer este fato: ou é a cruz ou o orgulho com todos os seus males conseqüentes.
Que são as guerras, as antipatias raciais, o insano acúmulo de riqueza diante da miséria de milhões, os conflitos em todas as formas, as injustiças sociais que levam a terra a gemer e a lamentar-se, senão os frutos inevitáveis dessa amaldiçoada árvore que chamamos de orgulho do homem? Não há mal que não tenha o orgulho, em alguma forma, como sua raiz. Não há mal que não tenha brotado do fato do homem depender de si mesmo, em vez de depender de Deus.
Qualquer tentativa de curar as feridas de nossa ordem social leprosa que não atinja as raízes do orgulho conduz a um beco sem saída. O golpe desferido pelo Filho de Deus ao morrer na cruz do Calvário, atingindo a “vida do eu” do homem – o machado de Deus colocado à raiz da árvore do orgulho –, foi universal. Foi suficiente para demolir o universo de pecado. Foi suficiente para engolir dez mil oceanos de leviandade. Nada mais pode matar o monstro do orgulho humano.
Nós, porém, não temos desejado nos submeter ao veredito do Gólgota. Não temos desejado expor o câncer do pecado e do orgulho à radioterapia da cruz. Temos evitado o desfecho supremo que nosso Senhor crucificado deu ao mundo. Entretanto, a Igreja ainda tem a chave de ouro para tal situação. É a cruz de Cristo.
Quando Jesus falou a Seus discípulos da necessidade de Seus sofrimentos e da morte sobre a cruz, Pedro procurou dissuadi-Lo. Jesus se voltou para ele com ardente reprovação: “Arreda! Satanás, porque não cogitas as cousas de Deus, e, sim, das dos homens”. Em nossos dias, quanto do serviço, do ministério e da mensagem cristãos vêem sob essa ardente condenação! São uma ofensa. Cogitam das coisas da “carne”. Não são de Deus. Está faltando a cruz. Não brotam de unidade com o Cristo crucificado e ressurreto. O Calvário não está em seu âmago. Deus não aprova tal serviço.
Nenhuma pergunta é mais fundamental, mais crítica ou mais persistente, nenhuma pode ser feita que seja mais carregada com irrevogável destino. O que pensam os homens? O ateu absolutamente não pensa sobre Ele; pois, como não há Deus, não pode haver Filho de Deus. O mundano, entregue ao prazer e ao amor ao dinheiro, é cuidadoso em não pensar sobre Ele, pois pensar sobre Cristo é pensar sobre santidade. O unitariano[1] pensa que Ele é o mais nobre de todos os homens, um revelador – ou o revelador – de Deus, mas somente um homem. O seguidor do swedenborgianismo[2] pensa que Ele é Deus, a única Pessoa na Divindade, e agora de modo nenhum um homem. O ariano [3](tal como os auroristas, membros da Aurora do Milênio, agora chamados Testemunhas de Jeová) pensa que Ele é um deus criado, um arcanjo poderoso e divino, que veio ao mundo. O gnóstico[4] (tal como o Novo Teólogo[5], o cientista cristão[6] e o teosofista[7]) pensa em Jesus como o filho de José, mas peculiar e misticamente habitado pelo Cristo. O maometano pensa que Ele é um profeta real, mas inferior a Maomé. Os judeus pensaram que Ele era o filho de um carpinteiro, e os fariseus pensaram que Ele era um endemoninhado. O cristão – e apenas o cristão – vê Nele o homem Jesus Cristo, nascido de uma mulher, “o qual é sobre todos, Deus bendito eternamente” (Rm 9.5)
Abraão
Ninguém em toda vida de Cristo duvidou que Ele fosse um homem. Aqueles que O viram e ouviram, e até mesmo tocaram Nele (Lc 24.39; Jo 1.1) nunca duvidaram, e não podiam duvidar de Sua humanidade – isso foi deixado à invenção de uma era posterior. Mas que posição Ele tomou entre os homens? Essa era a pergunta, e ela começou com Abraão. Abraão despontava incomparavelmente como a maior figura no horizonte de Israel: ele era a personificação das promessas, o pai de toda fé, o amigo de Deus. “És Tu maior do que o nosso pai Abraão?”, os judeus perguntaram a Ele. “Quem Te fazes Tu ser?” (Jo 8.53). A franqueza e a intensidade do desafio provocaram uma declaração tão surpreendente como nosso Senhor mesmo nunca havia dado de Si mesmo: “Antes que Abraão existisse” – antes que houvesse um Abraão – “Eu sou”. O maior dos patriarcas era apenas uma estrela no amanhecer, engolida e perdida no dia que ele previu, pois EU SOU é o tremendo título da Deidade. Então, quão maior? Tão maior quanto Jeová é daquele que é amigo de Jeová.
Jacó
“És Tu maior”, novamente Jesus é desafiado, “do que o nosso pai Jacó?” (4.12). Jacó, aquele que lutou com o Anjo de Jeová, foi “um príncipe com Deus” – que título! Jesus respondeu: “Se tu conheceras o dom de Deus, e quem é o que te diz: ‘Dá-me de beber’, tu Lhe pedirias, e Ele te daria água viva” (v. 10). Jacó cavou o poço e deu água terrena; Jesus diz que Ele dá água diretamente da mão de Deus aos lábios da alma. Então, quão maior? Tão maior quanto é a água viva do que a terrena, tão maior quanto é o Doador de uma do que o doador da outra.
Salomão
Salomão, no esplendor exterior, foi incomparavelmente o maior dos reis e dotado com um dom de sabedoria possivelmente nunca superado. “E era ele ainda mais sábio do que todos os homens […] e correu o seu nome por todas as nações em redor” (1Rs 4.31), pois era uma iluminação sobrenatural e abraçou toda natureza (v. 33). “És Tu, ó Senhor, maior que Salomão?” Ouça Jesus: “A rainha do sul se levantará no juízo com os homens desta geração e os condenará, pois até dos confins da terra veio ouvir a sabedoria de Salomão; e eis aqui está quem é maior do que Salomão.” (Lc 11.31). Jesus é o Logos divino (Jo 1.1). Então, quão maior? Tão maior quanto é o Doador da sabedoria maior do que a sabedoria que Ele dá.
Jonas
Passemos aos profetas. Talvez nenhum milagre maior (além do Dilúvio) se sobressai no Antigo Testamento do que a descida de Jonas ao seol (inferno, Jn 2.2), um homem que literalmente voltou do lugar dos mortos. “És Tu, ó Senhor, maior do que Jonas?” Jesus responde: “Os homens de Nínive se levantarão no juízo com esta geração e a condenarão, pois se converteram com a pregação de Jonas; e eis aqui está quem é maior do que Jonas” (Lc 11.32). Jonas ressurgiu da morte, mas ele não estava morto. Jesus esteve morto; contudo, venceu a morte. Então, quão maior? Tão maior quanto a ressurreição é maior do que a vida natural.
O templo
Os sacerdotes permanecem. Um ponto da terra sozinho mantém a manifestação local de Deus, um santo dos santos consagrado à Deidade, um sagrado mantém o único sacerdócio divino em todo o mundo. Jesus era maior do que Salomão, o construtor do templo; Ele era maior do que o templo? Novamente Ele responde: “Eu vos digo que está aqui quem é maior do que o templo” (Mt 12.6); “porque Nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl 2.9). Deus estava mais em Cristo do que esteve no templo, o corpo consagrado à Divindade como nenhum templo jamais pode – Ele foi mais santo do que o santo dos santos. Então, quão maior? Tão maior quanto o filho é maior do que a casa em que seu pai habita.
Os anjos
Posição sobre posição elevam-se as hierarquias do Céu: tronos, domínios, principados, potestades. “És Tu, ó Senhor, maior lá?” Ouça o testemunho do Altíssimo. “Feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles” (Hb 1.4). “E” – agora ouça a voz de Deus – “quanto aos anjos, diz: Faz dos Seus anjos” – anjos são feitos – “espíritos, e de Seus ministros, labareda de fogo. Mas, do Filho, diz: Ó Deus” – incriado, da eternidade –, “o Teu trono subsiste pelos séculos dos séculos” (vv. 7,8). Então, quão maior? Tão maior quanto o Criador é maior do que a criatura, tão maior é Cristo do que todos os tronos, domínios, principados e potestades que circundam o trono de Deus. “Do Filho, [Ele] diz: Ó Deus”!
[1] Defensor do unitarismo (ou unitarianismo), corrente teológica que afirma a unidade absoluta de Deus. Os unitários não devem ser confundidos com os unicistas. Os primeiros entendem que Deus é um e único, o Pai de Jesus Cristo, e negam que o Espírito Santo seja uma Pessoa divina, considerando-O apenas como a mente de Deus; os unicistas, por sua vez, entendem que o Pai, o Filho e o Espírito são apenas manifestações diferentes do mesmo Deus. Ambos grupos negam a Trindade divina. (N. do R.)
[2] Doutrina criada por Emanuel Swedenborg (1688–1772) e também chamada de Igreja Nova. Afirmando ter recebido uma nova revelação de Jesus Cristo por meio de contínuas visões celestiais, sustenta que o Pai, o Filho e o Espírito Santo são três elementos essenciais de um Deus, como frações de um inteiro, nenhum deles sendo totalmente Deus. (N. do R.)
[3] Defensor do arianismo, doutrina de Ário, padre cristão de Alexandria (Egito), que afirmava ser Cristo a essência intermediária entre a divindade e a humanidade, negando-lhe o caráter divino e, portanto, rejeitando a Trindade divina. (N. do R.)
[4] Crê que, do Deus original, que não se pode conhecer, uma série de divindades menores tinham sido geradas, entre elas um Deus mau, criador do Universo e identificado com o Deus do Antigo Testamento, e que Cristo, o espírito divino, habitou o corpo do homem Jesus, mas não morreu na cruz. (N. do R.)
[5] Título dado a Simão (ou Simeão), o último dos três santos da Igreja Ortodoxa que teve o título de Teólogo (os outros dois são João, o Apóstolo, e Gregório de Nazianzo). Escreveu que os seres humanos podem e devem experimentar Deus diretamente (a chamada theoria). (N. do R.)
[6] A Ciência Cristã foi fundada por Mary Baker Eddy (1821–1910). Essa seita ensina que um Deus impessoal é Pai-Mãe de todos e que Jesus é apenas uma idéia espiritual ou verdadeira de Deus. (N. do R.)
[7] A teosofia é “um corpo de ensinamentos misteriosos revelados somente a poucas pessoas mais avançadas”. Declara que já houve cinco cristos, ou seja, cinco encarnações do Supremo Mestre do Mundo: Buda, Hermes, Zoroastro, Orfeu e Jesus. Segundo ela, Cristo usou o corpo de Jesus; assim, Jesus não é o único Filho de Deus, o Deus-homem, mas uma das muitas manifestações ou aparições de Deus. (N. do R.)
A primeira e tão bem-vinda palavra Dele para nós foi: “Vinde a Mim todos os que estais cansados” (Mt 11.28). Aquela labuta do fútil Adão estava sobre nós, tanto no pecado como na canseira das obras.
Deixamos isso na cruz do Senhor ou ainda o estamos suportando, em parte? Marta estava atarefada com muitas coisas, ainda que pensasse estar servindo seu Senhor! Estranho que tal serviço trouxesse tensão e irritação, ressoasse nos nervos e trouxesse um julgamento errado dos outros; contudo, essa dualidade que vemos em Betânia ainda não acabou; ainda a encontramos no serviço a Deus. E muitas “separações”, muitos afastamentos devem-se a isso, e muita é a perplexidade que vem desta outra palavra sobre o supremo serviço do Senhor: “Meu jugo é suave e Meu fardo é leve” (v. 30). Em face de algumas experiências [dos cristãos], essa frase soa irônica.
O Senhor não nos chama para tal labor, mas para o descanso. “Aqueles que crêem de fato entram no descanso” (cf. Hb 4.3) e: “Eu te darei descanso” (cf. Js 1.13). Ele promete descanso, não apenas do pecado, mas do trabalho inútil e desapontador. A maldição do trabalho de Adão em todas as suas formas gera nada além de um infrutífero cansaço, uma exaustão de esforço sem recompensa, e certamente “o suor da testa”. As energias da carne, a mera intensidade da alma, as chamas de uma paixão auto-criada, tudo isso causa febre, geralmente uma grande febre que nos torna desequilibrados para servir nosso Senhor quando Ele verdadeiramente necessita de nosso ministério.
Tão insistentemente o Salvador diz para a sinceridade e o impulso carnais: “Uma coisa é necessária: que você se aquiete e ouça Meu conselho, pois Eu sou seu Senhor”. Busque a quietude.
Pois as obras estão consumadas desde a fundação do mundo, e nada podemos fazer para torná-las mais perfeitas ou adicionar algo a elas. À parte Dele, nada há do que se fez.
E então? Há o lado bom, que é a boa parceria. Ele e nós devemos agora trabalhar juntos por meio de Seu Espírito que habita interiormente, assim como Ele e o Pai trabalharam juntos na terra mediante essa habitação. É o grande jugo, o eterno propósito de Deus; mas ele é fácil e leve, pois a carga está sobre o Espírito, dentro de nosso espírito, e não é uma pressão em algum lugar na alma: nem os nervos nem o cérebro são tentados por ele, nem a carne conhece seu peso. Porém o pilar interior de Sua força é o suporte, uma pressão de cima vinda do soberano amor.
Mas agora trabalhemos e nos alegremos em trabalhar. Existe labuta e talvez haja um feliz cansaço, mas não tensão.
Para concluir, eis aqui o segredo contido em uma experiência exultante: “Trabalhei muito mais do que todos eles; todavia, não eu, mas a graça de Deus que está comigo” (1Co 15.10). Paulo enfatizou grandemente estas últimas palavras, “a graça Deus que está comigo”, por toda a vida, pois o derradeiro toque sútil do “velho homem” que busca servir a Deus é dizer “eu” no templo de Sua glória. Como disse Andrew Murray: “Onde a carne busca servir a Deus há a força do pecado”.
“Levanta-Te, Senhor, ao Teu repouso, Tu e a arca da Tua força” (Sl 132.8).
“Se alguém vier a Mim, e não aborrecer a seu pai, e mãe, e mulher, e filhos, e irmãos, e irmãs, e ainda também a sua própria vida, não pode ser Meu discípulo” (Lc 14.26).
A palavra grega traduzida para “aborrecer” significa “amar menos em comparação a”. Jesus está nos chamando para ter um amor por Ele que é tão totalmente inclusivo, fervoroso e absoluto que todas as nossas afeições terrenas não podem chegar perto disso. Se nós tivéssemos esse inflamado, todo-consumidor, intenso e jubiloso amor por Cristo, não precisaríamos de esboços, diagramas e instruções nos dizendo como orar; nós oraríamos porque nosso coração estaria queimando de amor por Ele. Nós não ficaríamos entediados tentando preencher uma hora orando ambiguamente por necessidades de todo o mundo; Cristo seria o objeto de nossas orações, e nosso tempo de oração seria precioso. Nós gastaríamos horas atrás de portas fechadas, expressando a transbordante admiração e o doce amor que flui de nosso coração por Ele. Ler Sua Palavra jamais seria um fardo; nós não precisaríamos de fórmulas de como terminar a Bíblia em um ano.
Sabemos o que é buscá-Lo apenas porque somos gratos por Ele nos amar tão completamente?
Se nós amássemos a Jesus apaixonadamente, seríamos magneticamente atraídos a Sua Palavra a fim de aprender mais sobre Ele. E nós não nos atolaríamos com genealogias intermináveis e especulações sobre o fim dos tempos. Nós quereríamos somente conhecê-Lo melhor, ver mais de Sua beleza e glória para que pudéssemos nos tornar mais parecidos com Ele. Pense sobre isto: nós sabemos o que é semelhante a estar em Sua doce presença e não pedir nada? Buscá-Lo apenas porque somos gratos por Ele nos amar tão completamente? Nós temos nos tornado egoístas e egocêntricos em nossas orações: “Dá-nos, encontra-nos, ajuda-nos, abençoa-nos, usa-nos, protege-nos”. Tudo isso pode ser bíblico, mas o foco permanece em nós. Nós vamos até Sua Palavra buscando respostas para os nossos problemas, buscando orientação e conforto, e isso também é correto e recomendável. Mas onde está a alma motivada pelo amor de quem busca as Escrituras diligentemente, de quem quer apenas descobrir mais e mais sobre seu amado Senhor?
O Homem fiel do salmo 1 se torna o Homem desamparado do salmo 22, para que o homem corrompido do salmo 14 possa ser o homem perdoado do salmo 32.
No salmo 1, temos uma descrição de nosso bendito Senhor. Ele é o Homem fiel que sempre seguiu um curso reto, sem se desviar para a direita ou para a esquerda. Do lado negativo, Ele não andou, não se deteve, não se assentou no caminho dos pecadores. Do lado positivo, Ele se deleitou na lei do Senhor, na qual meditava dia e noite.
O Homem fiel do salmo 1 é desamparado no salmo 22, levando sobre Si o castigo que nós merecíamos. Ele foi desamparado para que nós fôssemos recebidos. Ele sofreu para que nós pudéssemos cantar. Ele foi ferido para que nós pudéssemos ser sarados. Ele entrou nas trevas para que nós pudéssemos viver em eterna luz.
O homem corrompido (Sl 14) que encontra o perdão se transforma no homem do salmo 32, que pode declarar do fundo do coração: “Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, cujo pecado é coberto” (v. 1).
Lembremos sempre do elevado custo de nossa redenção, e, como o salmista, exclamemos: “Bem-aventurados todos aqueles que Nele confiam” (Sl 2.12).
É natural seguir a multidão e ir com a correnteza; é espiritual seguir a verdade e conter a correnteza. É natural ferir sua consciência e seguir a moda por ganho ou prazer; é espiritual sacrificar tudo no altar da verdade e do compromisso com Deus.
O velho e cansado apóstolo escreveu: “Ninguém me assistiu […] todos me desampararam” (2Tm 4.16). Ele compareceu sozinho diante de Nero, defendendo a verdade do Evangelho.
Noé construiu a arca e foi salvo só com sua família; seus vizinhos riram de sua “esquisitice” e morreram sem crer.
Abraão peregrinou e adorou sozinho. Seus vizinhos em Sodoma desprezaram o simples pastor, seguiram a própria carne e pereceram no fogo e enxofre.
Daniel comia e orava sozinho.
Elias sacrificou e testemunhou sozinho.
Jeremias profetizou e chorou sozinho.
O Senhor Jesus Cristo amou e morreu sozinho!
No deserto, Israel louvou Abraão e perseguiu Moisés. Nos dias dos reis, louvou Moisés e perseguiu os profetas. Nos dias de Caifás, louvou os profetas e perseguiu o Senhor Jesus. E multidões hoje, dentro e fora do cristianismo, aplaudem a coragem e o compromisso de patriarcas, profetas, apóstolos e mártires, mas chamam de teimosia ou exagero qualquer manifestação semelhante de fé.
Procuram-se homens e mulheres, jovens e velhos, que estejam dispostos a sacrificar fortuna, amizades, e a própria vida, por amor da verdade e do Deus da verdade.
1. O que será quando toda labuta da vida tiver terminado,
E nós tivermos entrado em nosso eterno descanso;
Quando a noite de choro tiver passado para sempre,
E contigo, Senhor, nós formos para sempre abençoados!
2. O que será quando todas as contendas terminarem
E todos os Teus santos, agora por toda parte espalhados,
Serão, sem qualquer sombra de variação,
Todos como Tu, Senhor, unidos a Teu lado!
3. O que será quando o dia da tristeza tiver findado,
E dor e aflição para sempre tiverem passado;
Quando contigo, Senhor, nós compartilharmos o resplendor eternamente
Em perfeita paz durante todo o dia perfeito!
4. O que será? Em bendita antecipação
Mesmo agora nosso coração se derrama em louvor a Ti;
Mas, quando nós Te virmos, face a face, em glória,
Então, mais puros e mais doces nossos louvores serão.
Senhor, no passado e nas eras distantes,
Muito antes daquilo que o homem pudesse ver,
Palavras de criação foram ditas,
Os céus e a terra começavam,
Tu estavas ali em toda a Tua glória –
Bendito Senhor, pomo-nos de joelhos –
Habitando, então, no amor irrestrito:
Com reverência agora nos rendemos a Ti.
Naquele amor nenhum pensamento pode penetrar;
Nem lábios humanos podem definir
Aqueles relacionamentos eternos,
Tão inescrutáveis, divinos!
Mas, no tempo, Tu irias, na humanidade,
Aqui o nome de Deus declarar,
Em uma maravilhosa, bendita relação
Que Tu poderias com outros compartilhar.
Toda a vontade Dele foi cumprida,
Toda a obra que Ele Te entregou foi feita;
Um em pensamento, plano e propósito:
Ele, o Pai, Tu, o Filho.
E na manhã da ressurreição,
Para Ti mesmo declaraste
Que Teu Pai era o Pai deles,
E de Teu amor eles agora poderiam partilhar.
Um dia escutei duas linhas, nada mais,
Enquanto viajava ocupado numa vida falaz;
Aquilo, ao coração, trouxe certeza presente,
E nunca mais sairia do pensar de minha mente:
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
Uma vida só, isto mesmo, apenas só uma.
Cujas horas, fugazes, são como a bruma;
Então estarei com o Senhor no dia previsto,
Ali, em pé, diante do Tribunal de Cristo.
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
Só uma vida, ecoa uma voz no pensamento,
Rogando: “Escolha o melhor a cada momento”;
Insistindo que eu deixe minhas metas egoístas,
E me apegue a Deus, em meus atos e m’ia vista.
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
Só uma vida de anos breves na balança,
Cada um com fardos, temores e esperanças;
Todos com vasos que preciso encher,
Com o que é de Cristo ou com o meu querer.
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
Quando o mundo e as miragens vierem me tentar,
E Satanás quiser de minha meta desviar;
Quando um ego inflado quiser tomar o meu ser,
Ajuda-me Senhor, a sempre alegre dizer:
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
Dá-me, ó Pai, um só propósito eu ter:
Na alegria ou tristeza, a Tua Palavra viver;
Fiel e constante em qualquer tentação,
A Ti somente eu dedicar meu serão:
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
Que Teu amor atice a chama de fervor
E me leve a fugir deste mundo vil de dor;
Vivendo para Ti, e para Ti somente,
O teu prazer seja minha meta frequente.
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
Só uma vida eu tenho, sim, só uma, é verdade,
Pra poder dizer: “Seja feita a Tua vontade”;
E quando ouvir Teu chamado, finalmente,
Eu possa dizer que a vivi intensamente.
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
—
Só uma vida, que logo vai passar,
Só o que for pra Cristo irá ficar.
E se eu morrer, quão grande gozo terei ali,
Se minha chama de vida foi consumida só pra Ti.
“Portanto, quer comais, quer bebais ou façais outra coisa qualquer, fazei tudo para a glória de Deus […] remindo o tempo, porque os dias são maus” (1Co 10.31; Ef 5.16).
Charles Studd foi um milionário britânico e famoso jogador de críquete do século 19, que gastou seus bens e a vida servindo a Cristo na China, na Índia e em outros lugares.
Senhor, prendeste-me na estrada de Damasco; transformaste a autoconsciência em humildade. Lancei-me à jornada transbordando de confiança em mim mesmo; não teria qualquer obstáculo, não experimentava qualquer dificuldade. De repente, numa volta do caminho minha alma paralisou-se. A confiança feneceu. O mundo não mais se me apresentava campo de prazer. Uma sombra estendeu-se sobre a cena, e eu não podia mais encontrar o caminho. Tudo aconteceu por causa de um encontro com um homem – um homem de Nazaré. Antes de encontrá-Lo, meu orgulho pessoal era incomensurável. Meu coração clamava “Escreverei meu próprio destino!” Mas um simples olhar ao Homem de Nazaré me prostrou. Minha glória imaginária transformou-se em cinzas; minha pretensa força tornou-se fraqueza; bati em meu peito e gritei: “Imundo!” Devo queixar-me por ter encontrado aquele Homem? Devo chorar porque um raio de luz numa esquina lançou toda a minha grandeza na sombra? Não, Pai, pois a sombra é o reflexo do resplendor. Foi por ter visto Tua beleza que a humanidade se ofuscou. Foi o crescimento que me tornou humilde. Contemplei por um momento um ideal perfeito, e seu brilho eclipsou minha lâmpada. Não é a noite, mas o dia que me torna cego quanto àquilo que possuo. É a luz que me faz odiar a mim mesmo. É o sol que revela minha imundície. É a aurora que me fala de minhas trevas. É a manhã que descobre minhas vestes insignificantes. É o brilho que mancha meus trajes. É a claridade que enumera minhas nuvens.
Ó Deus, meu Deus, só perco meu caminho quando iluminado por Ti!
Todas as bênçãos do Espírito nos foram dadas nas regiões celestiais em Cristo (Ef 1.3), do lado celestial da cruz. Ele “nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus” (2.3). Porque você foi plantado na morte de Cristo, agora você é unido a Ele na vida Dele. Assim, não é somente “Cristo em você” como sua vida interior, mas “você em Cristo” como sua circunferência, seu meio ambiente, sua esfera. Se você vive na esfera de Cristo, as pessoas com as quais você tem contato se encontram com Ele, pois Ele está envolvendo você. Freqüentemente usamos a expressão “no Senhor”, mas será que sabemos o que ela significa? Em Cristo nos tornamos novas criaturas, as coisas velhas passam e tudo se faz novo; todas as coisas são de Deus. Nós nunca lutamos para entrar nessa vida abençoada nem a aprendemos por nossos próprios esforços. A verdade é que Cristo já concluiu a obra. Somos nós que precisamos cessar com nossos esforços próprios e esconder-nos Nele por fé, dizendo: “Daqui em diante eu estou em Cristo. Ele é meu esconderijo. Estou disposto a deixar as coisas velhas passarem, e a confiar Nele dia a dia para tornar novas todas as coisas”.
(Jessie Penn-Lewis)
A melhor ferramenta de Deus em nossa vida é a ferramenta do sofrimento.
(Corrie ten Boom)
A oração é o pulsar da alma renovada, e a constância desse pulsar é o teste e a medida da vida espiritual.
(Octavius Winslow)
Deus pode encontrar sentido em uma oração confusa.
(Richard Sibbes)
Agora, eu concentro todas as minhas orações em uma, que é esta: que eu morra para mim mesmo e viva somente para Cristo.
(Charles H. Spurgeon)
É teu amigo aquele que te impulsiona para que estejas mais perto de Deus.
(Abraham Kuyper)
As Escrituras nos ensinam a melhor maneira de viver, a maneira mais nobre de sofrer e o modo mais confortável de morrer.
Algumas partes das vestes do sumo sacerdote descritas por Moisés eram meros “memoriais”, ou lembretes das maiores e eternas coisas por vir. As doze pedras preciosas do peitoral do sumo sacerdote eram meramente “pedras de memória”. Elas testificavam sobre os fundamentos de doze pedras preciosas (Ap 21.19,20) da cidade eterna na qual os santos ressurretos de Deus habitarão (Êx 28.12,29; 39.7). O testemunho de Moisés sobre Melquisedeque, o sacerdote-rei, é a base do argumento sobre a intenção de Deus de deixar de lado o sacerdócio de Arão. E, por fim, o argumento sobre o descanso futuro do sétimo dia do Altíssimo se volta para o testemunho de Moisés em relação à obra da criação e à observância do descanso do sétimo dia sob a lei. O testemunho de Moisés, como afirma o Espírito de Deus, é incontestável – e os judeus estavam prontos para confessar isso. Nesta base, então, o apóstolo1 enquadraria seu argumento aos hebreus. Como poderiam eles se recusar a ouvir Moisés, sua testemunha confiável, quando ele testificou de um Mestre, Líder e Sumo Sacerdote maior?
Na afirmação “Cristo, como Filho, sobre a Sua própria casa” (Hb 3.6) não se destaca Sua fidelidade a um superior, e esse é o ponto agora diante de nós. “Tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus” (10.21; 1Pd 2.5; 4.17). De Moisés fora dito: “Fiel em toda a Minha casa”. Mas Cristo está sobre ela (10.21). Jesus estava aqui tipificado por José, tanto em sua humilhação como em sua exaltação. “José achou graça em seus olhos [de Potifar], e servia-o; e ele o pôs sobre a sua casa, e entregou na sua mão tudo o que tinha” (Gn 39.4). Deus “me tem posto [diz José novamente] por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa e como regente em toda a terra do Egito” (45.8). Faraó, diz Estêvão, “o constituiu governador sobre o Egito e toda a sua casa” (At 7.10).
“Cuja casa somos nós.”
Aqui, o sentido de “casa” é estreitado para significar “família”. Deus não está agora habitando “em templos feitos por mãos de homens” (17.24), pois qual edifício na terra poderia o homem construir que servisse à grandeza Daquele que enche o céu e a terra? Mas, enquanto isso, Deus olha para os redimidos de Cristo e habita neles, e a Igreja é a “morada de Deus em Espírito” (Ef 2.22), uma casa de pedras vivas (1Pe 2.5). É a nova criação espiritual, na qual o Altíssimo tem prazer. Os que crêem constituem o povo e a casa de Deus, sobre os quais Cristo preside. Mas é sob esta condição que habitam Nele: se retiverem firmemente o que já possuíam como crentes (e Paulo inclui a si mesmo, pois usa o pronome nós; Hb 3.14).
Eles deviam conservar “firmes a confiança e a glória da esperança até ao fim”. Qual é a esperança em questão? É aquela ligada ao chamamento celestial: a vinda de Cristo para reinar em Sua glória, e a associação de Sua fiel irmandade a Ele naquele dia. O esplendor dessa esperança foi ofuscada na mente deles devido à longa demora e pela pressão da perseguição. Esqueceram que “se sofrermos [com Cristo], também com Ele reinaremos” (2Tm 2.12). A vida de Cristo é o modelo a que os cristãos devem se moldar: primeiro sofrer; então, entrar na glória.
Que essa é a esperança é estabelecido por muitas provas. Esse é o propósito dos prévios dois capítulos de Hebreus, que apresentam Cristo como um segundo período a ser trazido à terra habitável. É o reino de justiça que alguém deve, como Seu seguidor, desfrutar com Cristo, no dia em que a perversidade dos inimigos de Cristo for abatida com mão forte e as obras de Deus forem postas em sujeição ao homem; é a grande salvação, o descanso de Deus, a primeira ressurreição (Hb 2.3; 4.1,3,10; Ap 20.5,6). É a vinda do reino milenar de Deus, de que Cristo tão frequentemente testificou. Porém nossa esperança é somente uma (Ef 4.4): sermos apreciados por patriarcas e profetas, e pelos aceitos por Deus mediante a Lei, assim como por aqueles julgados dignos mediante o Evangelho. É a esperança originada na liderança do Senhor. O desfrute da boa terra era a esperança ligada à missão de Moisés; a nossa é a glória de mil anos. Em Cristo “os gentios esperarão. Ora, o Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pelo poder do Espírito Santo” (Rm 15.12,13). “A graça salvadora de Deus se há manifestado a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo” (Tt 2.11-13).
Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.
Vislumbres daquele dia foram dadas por Moisés nos descansos ligadas aos setes da Lei. Vemos isso também anunciado na promessa de Moisés ao subir a montanha; e após o banquete dos setenta anciãos na presença de Deus, quando ele os manda ficar onde estavam, pois retornaria para eles (Êx 24.14). Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.
Quando no início creram, eles retiveram com alegre confiança interior a expectativa do breve retorno e reino de Cristo; e todo coração transbordava para os outros com exultação da glória a ser manifesta, e sua própria participação nela. “Venha, junte-se ao povo do Senhor! Ele virá brevemente para nos fazer Seus companheiros na glória!” Mas, com a demora de ano após ano, a confiança interior decaiu e o testemunho exterior, em conseqüência, enfraqueceu (Pv 13.12).
Em quarenta dias, a expectativa do reaparecimento de Moisés se foi, e, com sua extinção, despontou a idolatria; enquanto Arão, que deixara o alto posto que lhe fora dado e descera para a planície, tornou-se o culpado fabricante de um ídolo e seu sumo sacerdote.
O Espírito de Deus, então, nos ordena a nos mantermos firmes interiormente e a, exteriormente, testificar com ousadia aos demais acerca do retorno e do reino de nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos ter firmeza até o fim – não até a nossa morte, mas até Seu reaparecimento. O enfraquecimento e o abalo dessa esperança produziram, quanto a seus efeitos, o endurecimento, a esterilidade e a desobediência dos cristãos hebreus, dos quais Paulo reclama.
“Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a Sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me tentaram, me provaram e viram por quarenta anos as minhas obras” (Hb 3.7-9).
O argumento que segue a 4.12 é uma exortação aos crentes buscarem o descanso milenar e a se guardarem de provocar Deus, como fez Israel, pois o mesmo Deus que excluiu Israel da terra da promessa excluirá os ofensores no dia da recompensa, quando Cristo tomar o reino. Paulo aplica a esse propósito as advertências de Salmos 95. Assim, essa passagem corre paralelamente com as advertências do Sermão do Monte, que foi também endereçado aos crentes, e com outras passagens que tratam da entrada no reino da glória. Muitas são as passagens que tratam da recompensa vindoura, que testificam da necessidade de diligência a fim de obtê-la e da probabilidade de ser perdida.
O apóstolo caracteriza a passagem que está prestes a dar como decisiva, pois é inspirada pelo Espírito Santo, o qual fala em Salmos e em toda a Santa Escritura. Então, nosso Senhor ensina: “O próprio Davi disse pelo Espírito Santo” (Mc 12.36). “A Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35).
A presente dispensação é descrita como hoje. É um período especial, (1) do chamado de Deus para a obediência a Cristo e (2) do julgamento de Seu povo a caminho da glória. Com a fé no sangue de Cristo, como o Cordeiro da verdadeira Páscoa, começa nosso resgate de Satanás, do mundo e da maldição. Então, vem a passagem pelas águas do batismo, após as quais o deserto tem início. Mas multidões de crentes preferem continuar no Egito, a despeito da ordem de avançar.
“Se ouvirdes […] a Sua voz”
Jesus é nosso Moisés, o Líder para a glória. “E o lugar do Seu repouso será glória” (Is 11.10, lit.). “Por que Me chamais ‘Senhor, Senhor’, e não fazeis o que Eu digo?” (Lc 6.46). “Este é o Meu amado Filho […] escutai-O” (Mt 17.5). A obediência ao Filho é obediência também ao Pai. Essa foi a palavra que veio de Deus, quando o quadro em miniatura do reino da glória foi dado [no monte da transfiguração]. “Nem todo o que Me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus” (7.21). Hoje é o convite e o dia do julgamento; amanhã, a glória.
Não obstante, no deserto Israel desobedeceu às ordens de provas de Deus. Jeová disse aos israelitas: “Eis que tenho posto esta terra diante de vós; entrai e possui-a” (Dt 1.8). Moisés reitera a palavra: “Eis aqui o Senhor, teu Deus, tem posto esta terra diante de ti; sobe, toma posse dela” (v. 21). Eles se recusaram, afirmando que não poderiam entrar por causa dos perigos.
“Não endureçais o vosso coração”
O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus. Porém aqueles que são rebeldes desprezam as promessas, contestam as ameaças, não obedecerão às ordens. Eles se fortalecem em sua resistência ao Altíssimo. Quantos crentes vêem o batismo, no entanto, com vários pretextos desprezam a ordem e se recusam a confissão de Cristo que ele carrega consigo!
Quem, a não ser os crentes professos, desobedecem a Cristo?
“Como na provocação, durante o dia da tentação no deserto”
Logo após deixar o Mar Vermelho, e antes de chegar ao Sinai, Israel começou a provocar Deus pela murmuração por causa da necessidade de comida no deserto. Em Refidim, os israelitas murmuraram novamente. Estavam quase prontos a apedrejar Moisés, pois pensavam que a culpa fosse dele. O Senhor ajuda em ambos os casos, mas o lugar é chamado “Tentação” e “Luta” (Êx 17). Outra vez há um clamor por água, em Cades, e o lugar também é chamado de “Luta” (Nm 20). Moisés é conduzido a fazer menção disso, mesmo em sua palavra de bênção diante da morte: “E de Levi disse: Teu Tumim e teu Urim são para o teu amado, que tu provaste [tentaste] em Massá, com quem contendeste junto às águas de Meribá” (Dt 33.8).
Contudo parece, na passagem de que estamos tratando, que o Senhor considerou todo o tempo da jornada no deserto como um tempo de provocação e tentação. A maior crise ocorreu como registrada em Números 13 e 142, que analisaremos agora.
“Eles viram as Minhas obras por quarenta anos”
As obras da criação de Deus já haviam há muito sido completadas, e Seu repouso ali foi quebrado. Na criação, os anjos romperam em louvores e cantando hinos de alegria. Mas agora Deus trabalhava no interesse de novas obras de redenção para os israelitas: eles eram livres, eram povo de Deus. Ele os sustentou por quarenta anos, ainda que murmurassem contra Ele. Sua punição, então, seria que, quando o descanso de Deus chegasse, assim como com Seu antigo descanso na criação, eles não teriam parte nele.
Por quarenta anos o Senhor fora provocado; apesar de Suas obras maravilhosas a favor do povo, este não confiou e desobedeceu. Deus realizou as maravilhas da criação por apenas seis dias. Seus sinais redentores foram feitos por quarenta anos: sinais de poder contra os inimigos dos israelitas; sinais de favor para os israelitas, misturados com juízos contra os desobedientes que havia entre eles. As maravilhas da redenção são relatadas muito mais amplamente do que as da criação, pois elas diziam respeito a nós mais de perto, e são consideradas por nosso Deus como mais importantes e de maior glória para Ele. Mas Israel não percebeu seu significado; ele não se sujeitou ao Grande Governador.
O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus.
Então, finalmente temos o efeito dessa contínua provocação ao Altíssimo. Ele foi ofendido. O mau comportamento de Seu próprio povo O tocou mais intimamente do que o dos egípcios. Ele descobre a fonte das provocações dos ofensores: “Estes sempre erram em seu coração” (Hb 3.10). Pois o coração por natureza é “inimigo de Deus” (Rm 8).
Eles não conheceram os caminhos de Deus
Os “caminhos” de uma pessoa significam sua conduta como consequência de seu caráter. Suponhamos que haja alguém que foi muito gentil para com um pobre homem em sua doença. Desse ato afirmo sua disposição permanente. Diria que é de um caráter benevolente. Então, de observarmos os efeitos afirmamos a natureza das coisas. […] Assim, os israelitas deveriam ter aprendido sobre o caráter de Jeová, sobre Seus atos com respeito a eles. Eles deveriam tê-Lo amado por Sua bondade e O temido por Sua impressionante justiça.
Eles não viram Sua razão nas várias provas acontecidas pelo caminho. Pensaram que, se Deus os guiasse, não haveria problemas. Porém, essa não era a mente divina. Ele condescendeu explicar-lhes Suas razões nessas provações. “E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os Seus mandamentos ou não” (Dt 8.2). Eles prometeram obediência perfeita; porém eram ignorantes a respeito de seu orgulho, de sua perversidade e de sua inimizade conta Deus, e o Altíssimo exibiria o mal do coração deles, o mal em suas palavras e ações. “Sabes, pois, no teu coração que, como um homem castiga a seu filho, assim te castiga o Senhor, teu Deus” (v. 5). Moisés, no fim, assume o mesmo procedimento. “Tendes visto tudo quanto o Senhor fez perante vossos olhos, na terra do Egito, a Faraó, e a todos os seus servos e a toda sua terra; as grandes provas que os teus olhos têm visto, aqueles sinais e grandes maravilhas; porém não vos tem dado o Senhor um coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje” (Dt 29.2-4).
“Assim, jurei na Minha ira que não entrarão no Meu repouso”
Eis aqui – aquilo em que muitos não acreditarão – a ira de Deus contra Seu povo por causa da contínua desobediência. Não pode nem mesmo um pai estar de modo justo zangado com a desobediência e a provocação de um filho? Por fim, ocorreu Seu juramento de exclusão.
Olhemos um pouco mais de perto para a crise que suscitou esse juramento.
O povo propôs enviar doze espias para ver a terra antes de entrar nela. A proposta emergiu em parte da descrença; mas Moisés e o Senhor a sancionaram. Os espias retornaram após quarenta dias, trazendo testemunho da fertilidade da terra, e também exemplares de uvas, romãs e figos encontrados nela. “Vamos possuir a boa terra”, disse Calebe. Então, os espias sem fé se opuseram a ele. Tão gigantescos eram os habitantes, tão fortificadas e grandes eram as cidades que eles não poderiam possuí-la. Todo o povo tomou o partido da descrença. Pesaram seus próprios poderes contra os obstáculos a serem superados, e deixaram o poder de seu Deus. Cada um encorajou o outro a não crer, até imaginaram e disseram que Jeová somente os havia guiado pelo deserto com o propósito de entregá-los à espada dos cananeus! Calebe e Josué foram encorajá-los. “A terra é boa! Se nosso Deus for conosco, os cananeus não poderão se opôr a nós. Não se rebelem contra o Senhor!” “Mas toda a congregação disse que os apedrejassem; porém a glória do Senhor apareceu na tenda da congregação a todos os filhos de Israel. E disse o Senhor a Moisés: Até quando Me provocará este povo? E até quando não crerá em Mim, apesar de todos os sinais que fiz no meio dele?” (Nm 16.10,11). Moisés intercedeu, ou toda a congregação seria destruída. Em resposta, “disse o Senhor: Conforme à tua palavra lhe perdoei. Porém, tão certamente como Eu vivo e como a glória do Senhor encherá toda a terra,3 e que todos os homens que viram a Minha glória e os Meus sinais, que fiz no Egito e no deserto, e Me tentaram estas dez vezes e não obedeceram à Minha voz, não verão a terra de que a seus pais jurei, e nenhum daqueles que Me provocaram a verá” (vv. 20-23).
Agora segue uma íntima aplicação dessa história para os crentes hoje.
“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo” (Hb 3.12).
Três vezes a expressão “qualquer de vós”4 é trazida para alertar os crentes hebreus daquele tempo. “Para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (v. 13). “Pareça que algum de vós fica para trás” (4.1). O Espírito Santo previu que a objeção seria feita: “Apliquem todo tipo de advertência aos professos: eles não são dos nossos! Como podem os crentes ser acusados de incredulidade no coração?” Mas como poderiam crentes apartarem-se, no coração, do Deus vivo? Vejamos um exemplo. “Por que o Senhor nos traz a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por presa? Não nos seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Era o voltar atrás do coração, não realizado em ato porque Deus chegou para impedir.
Ao ouvir isso, deveríamos supor que uma negativa deve ter, por algum acidente, caído do texto, e que deveríamos ler: “Vede, irmãos, que não há em qualquer de vós um coração mau e infiel”. “Nenhum de vós se endureceu pelo engano do pecado”. Mas não: é endereçado aos descrentes entre os crentes! Em qual coração não há um pouco desse velho fermento? Os israelitas deixaram o Egito por fé na mensagem de Deus dada por Moisés, mas a alma deles recuou quando foram colocados face a face com os obstáculos na terra. “Então eu vos disse: Não vos espanteis nem os temais. O Senhor, vosso Deus, que vai adiante de vós, Ele pelejará por vós, conforme a tudo o que fez convosco, diante de vossos olhos […] Mas nem por isso crestes no Senhor, vosso Deus“ (Dt 1.29,30,32).
“Mas por que comparar um povo que anda segundo a carne com o agora povo regenerado de Deus?”
Porque assim Deus faz aqui! Porque, mesmo no regenerado, estão os remanescentes do velho Adão.
“Mas a igreja de Cristo não está debaixo da lei, mas debaixo da graça, e nenhum perigo pode ameaçá-la.”
Se é assim, esta epístola é um erro, pois é baseada no princípio oposto: que, embora os crentes estejam agora salvos pela graça, eles, no aspecto do galardão, devem, como o antigo povo de Deus, ser tratados “de acordo com as obras”. A Epístola aos Hebreus é de Deus?
“Um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo”
O “Deus vivo” desta passagem é o Senhor Jesus. Foi declarado que Ele é o Criador e o Sustentador de tudo. [No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.1-3).] “Eis que Deus é grande, e nós não O compreendemos, e o número dos Seus anos não se pode esquadrinhar” (Jó 36.26). Pedro assim confessou Cristo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16). E o Filho é da mesma natureza de Seu Pai. Assim Jesus, em ressurreição, descreve a Si mesmo: “Eu sou o primeiro e o último, e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.17,18). Ele é o Senhor da vida; provou assim ser na ressurreição; [Aquele que irá] introduzir outros no reino pela primeira ressurreição, por meio de Seus méritos (5.9,10). O Novo Testamento nos diz também que os israelitas no deserto tentaram a Cristo (1Co 10.9).
“Não seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Esse foi o afastamento de coração entre eles e Jeová. E um risco semelhante estava assaltando os cristãos hebreus. Eles foram tentados a retornar a Moisés e à Lei, deixando Jesus, o Senhor, por causa da perseguição e dos perigos do caminho para Seu reino milenar.
A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece.
“Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3.13).
O remédio a ser oposto a esse perigo é uma constante exortação de uns aos outros. Quanto quer que dure o perigo da queda, esse é o período que Deus chama de Hoje. “Hoje não endureçais vosso coração”. Estamos em constante perigo; apliquemos constantemente essa arma da exortação. Vigiemos para não deixar de confiar em Deus e para não retrocedermos com medo dos inimigos a serem encontrados, assim perdendo o dia de especial glória para o qual fomos chamados. Busquemos o prêmio de nosso chamado. Busquemos “em primeiro lugar o reino de Deus e sua [ordenada] justiça” como o meio para isso (Mt 6.33).
Aquele que ouve a Palavra de Deus não deve endurecer o coração. A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece. A fé nos faz tremer de Sua Palavra; a incredulidade faz pouco das promessas e dos avisos do Senhor. “Desprezaram a terra aprazível; não creram na Sua palavra” (Sl 106.24). Quando os israelitas foram mandados a subir, eles não foram, apesar de Deus estar com eles. Quando foram proibidos, eles subiram, ainda que Deus estivesse contra eles. Tudo vai bem conosco quando reverenciamos a autoridade de Deus manifestada em Sua Palavra. Mas permanecer em oposição a toda ordenação Dele é perigoso. O pecado se espalha pela alma como um câncer. Nós podemos nos fazer de surdos às ameaças de Deus, mas, por fim, elas se provarão verdadeiras. Podemos nos encorajar ou consolar com o número daqueles que, como nós, desobedecem; mas a multidão dos desobedientes em Israel era teve desculpa. Seiscentos mil homens, e um igual número de mulheres, pereceram: foram apenas dois que entraram.
Essa palavra de advertência é também como um espelho para nós na história apresentada. Calebe acalma os murmúrios dos israelitas diante de Moisés, e exorta-os a subirem de uma vez e possuírem a terra. Mais tarde, Calebe e Josué exortam o povo a obedecer; mas a multidão furiosamente resiste ao apelo e clama que os dois fiéis sejam apedrejados. Então, toda esperança de restauração do povo se vai, quando a exortação é rejeitada e o coração está endurecido a ponto de procurar a morte dos servos fiéis. O pacto de Deus, assim, vai adiante contra os descrentes e rebeldes, e, enquanto eles tentam, presunçosamente, subir, são abatidos diante do inimigo, pois o Senhor não estava com eles. Quantos estão agora endurecendo-se contra o batismo, “o Reino Pessoal”, e a recompensa segundo as obras!
Notas
1O autor acredita que Paulo, chamado de “o apóstolo”, é o autor de Hebreus. Essa é a opinião mais comum entre os cristãos, mas não é unânime. (N. do R.)
2É notável que a referência aos capítulos 13 e 14 ocorra logo após a referência, em Hb 2.2, a Moisés como o “servo fiel” em Nm 12. (N. do E.)
3Eis aqui uma pista de “Meu descanso”. Eis aqui uma intimação do dia milenar, quando toda a terra será cheia da glória de Deus e o “Filho do homem” será seu centro (Sl 8). (N. do E.)
4Nos três versículos citados, as mesmas palavras gregas são usadas, apesar da diferente tradução em cada um deles. (N. do R.)