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Sobre a encarnação: evitando heresia e buscando humildade (Mike Riccardi)

Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. (Filipenses 2.5-7)

A frase “Ele se esvaziou de si mesmo” é destacada entre as várias questões nesta passagem que tem levado muitos estudantes das Escrituras a tropeçarem nas mais infelizes maneiras. Muitos teólogos têm se perguntado: “Do que Cristo se esvaziou?” E, infelizmente, as respostas para essa pergunta quase sempre apontam que Cristo de alguma forma se esvaziou da sua divindade – que de alguma maneira ele deixou de ser plenamente Deus na sua encarnação. Alguns acreditam que Cristo se esvaziou na sua igualdade essencial com Deus, de tal forma que durante a encarnação ele era verdadeiramente homem, mas limitado na sua divindade em um grau que ele não era nada além de um homem. Outros acreditam que Cristo manteve seus “atributos essenciais” da divindade, como santidade e graça, mas abriu mão do que eles chamam de seus “atributos relativos”, como onisciência, onipotência, onipresença e imutabilidade. Esses são exemplos do que é chamado de “teologia kenótica” (da palavra kenóō, do Grego, traduzida como “se esvaziou” no verso 7).

Evitando a Teologia Kenótica

Não só é impossível, por definição, para o eterno, auto-existente, imortal e imutável Deus deixar de existir como Deus, mas também o Novo Testamento nos leva a rejeitar qualquer tipo de teologia kenótica. No tempo dele aqui na Terra, o Senhor Jesus nunca deixou de ser plenamente Deus ou deixou de ser igual, em essência, com o Pai. Ao longo do seu ministério Ele só reafirmou essas coisas. Ele disse aos judeus, simples como pode ser dito: “Eu e o Pai somos Um” (João 10.30). E os judeus entenderam a mensagem, porque eles pegaram pedras para mata-lo por blasfêmia: “Você, sendo homem, se fez como Deus!”. E  o próprio Jesus afirmava isso por todos os lugares. Ele diz a Filipe, “se viu a mim, você viu o Pai” (Joao 14.9). Mesmo como homem, o Filho tem autoridade sobre toda carne (Joao 17.2). Quando Tomé se curva diante dele em João 20.28 e o confessa como Senhor e Deus, Jesus aceita aquela adoração. E claro, no Monte da Transfiguração, a divindade de Jesus é revelada de forma visível, quando ele se desfaz do véu da humanidade, como ele era, e deixa sua essência da Glória Divina interior brilhar (Mateus 17.2). Assim, Cristo não esvazia a si mesmo de sua divindade. Ele não renuncia seus atributos divinos.

Um esvaziamento por adição

Então do que ele se esvaziou? Bom, primeiro nós temos que entender corretamente o termo kenóō. Embora o verbo signifique “esvaziar”, por todo lado no Novo Testamento é usado em um sentido metafórico. No uso do Novo Testamento, kenóō não significa “derramar”, como se Jesus tivesse colocando alguma coisa para fora de si mesmo. Existe outra palavra grega, ekchéo, que é usada nesse sentido (ver Lucas 22.20; João 2.15; Tito 3.6). Ao invés disso, kenóō significa “invalidar”, “anular”, “tornar sem efeito”. Paulo usa nesse sentido em Romanos 4.14, quando diz, “Para aqueles que são da Lei são herdeiros, fé é feita inválida e a promessa é anulada.”  Nesse texto, ninguém pergunta “do que a fé se esvaziou?”. Claramente, a ideia é que, se a justiça pode vir pela lei, a fé seria anulada, ela não daria em nada. Sendo assim “do que Cristo se esvaziou?” é a pergunta errada. Cristo esvaziou a si mesmo – Ele se anulou a si mesmo. Ele tornou a si mesmo sem nenhum efeito. A versão King James adota essa ideia em sua tradução. Ela diz que Cristo “fez-se sem reputação.” A NIV também fica com essa ideia, e traduz: Ele “se fez nada”.

A palavra seguinte nos diz como ele se fez nada: “… [Ele] se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens”. Cristo se fez sem nenhum efeito ao assumir a natureza humana em sua encarnação. Este é um esvaziamento por adição. É uma subtração por adição.

O Senhor se torna escravo

Nós podemos ter dificuldades para entender a gravidade desse esvaziamento porque já estamos aqui embaixo. Mas precisamos lembrar do que ele abriu mão. O Criador do Universo, o possuidor de toda majestade divina, o Senhor e Mestre tomou a forma de um servo.  E é surpreendente ler sobre o que significava ser um escravo no primeiro Século. Peter O’Brien diz: “Escravidão apontava para a extrema privação dos direitos de alguém”. Gerald Hawthorne escreve que um escravo é “ a pessoa sem vantagens, que não possui direitos ou privilégios, para o expresso propósito de se colocar a serviço de todos”. E para ter uma boa ideia, Walter Hansen diz, “Um escravo tem a mais baixa posição; ele é impotente; ele não tem direitos. Ele não tem glória, nem honra, só vergonha”.

Apesar de todas as analogias passarem longe da realidade, um livro de Mark Twain, O Príncipe e o Mendigo, talvez ajude a ilustrar. O Príncipe e o Mendigo é uma história sobre Edward, filho do Rei Henrique VIII, que temporariamente trocou de lugar com Tom, um rapaz pobre de Londres. Os garotos trocam as roupas. Tom vai para Corte Real e o Príncipe Edward vai para casa de Tom e tenta lidar com pai bêbado e abusivo de Tom, junto com outras misérias da vida de mendicância. Mas, durante esse tempo, o jovem príncipe não entregou sua identidade. De fato ele ainda era o Príncipe de Gales, e poderia ter exercido seu poder como tal em qualquer momento que ele quisesse. Mas sua realeza, que ele tinha total posse por todo o tempo, não poderia ser totalmente expressada enquanto ele escolhesse se submeter à vida como um miserável.

Da mesma forma, mesmo colocando sobre si a natureza de um escravo, Cristo possuía totalmente Sua natureza, atributos e prerrogativas divinas. Mas pelo objetivo de se tornar verdadeiramente humano – para ser feito como seus irmãos em todas as coisas, no objetivo de ser misericordioso e fiel sumo sacerdote (Hebreus 2.17) – Ele não expressou totalmente sua natureza, atributos e prerrogativas divinas. Eles foram velados. Houve certos momentos que ele as expressou, como quando leu a mente das pessoas (Mateus 9.4) e operou milagres divinos. Mas o Príncipe se submeteu voluntariamente à vida de um Mendigo. Ele não era o que ele era na glória do Céu. Ele agora era totalmente humano. Não apenas colocou um disfarce humano; era humano no seu sentido mais amplo. Mas não era nem um pouco menos do que totalmente Deus ao mesmo tempo.

Da Teologia para a Doxologia

O problema da kenosis e das complexidades da Cristologia ensinadas em Filipenses 2, mesmo que intelectualmente estimulantes, não estão na Bíblia porque Paulo decidiu que os Filipenses precisavam de um sermão sobre a união hipostática. Essa teologia sublime quer nos elevar à exaltada doxologia. Esta doutrina gloriosa deve nos colocar de joelhos em adoração.

Precisamos  nos maravilhar com a humildade do Senhor Jesus, antes mesmo dele se tornar homem. Deus, o Filho, contemplou todas as riquezas da sua glória antes da encarnação, e no entanto, submissamente escolheu assumir a natureza humana e a fraqueza da carne humana para viver e morrer como um escravo de todos. Na linguagem de Filipenses 2.3-4, ele não fazia nada por egoísmo, mas considerando os outros como mais importantes do que a si mesmo. Ele não estava simplesmente à procura de seus próprios interesses, mas dos interesses de outros. Jesus poderia ter se apegado à Sua igualdade com o Pai? Claro. Como Deus eterno, Ele tinha todo o direito de fazê-lo. Mas por causa de sua obediência amorosa ao seu Pai, seu prazer na vontade do Pai, e do seu amor pelos pecadores, ele considerou esses abençoados privilégios como algo a ser entregue.

Da Doxologia para Obediência

E da mesma forma, no meio de um conflito com um irmão ou irmã em Cristo, ou com um membro da família, ou mesmo com um cônjuge – embora possamos estar certos sobre alguma coisa, e termos um bom argumento, nós podemos pensar sobre o Único que já teve o direito de fazer valer os seus direitos e não o fez, e podemos considerar o outro como mais importante do que nós mesmos, e dar preferência à honra do outro (Romanos 12.10) em nome da unidade. Você vê? Nossa doxologia – nossa adoração e admiração por Cristo por Sua humildade – deve se traduzir em obediência fiel. Deve “haver em nós a mesma atitude que houve em Cristo Jesus”, e nos humilharmos.

Calvino disse: “Ele abriu mão do seu direito: tudo o que é exigido de nós é que não nos assumamos além do que devemos”. Aquele que sustenta todas as coisas pela palavra do seu poder se submeteu a ser mantido pelo amamentar de uma jovem hebreia solteira.

Se o Filho de Deus desceu até esse ponto, a qual o nível de humildade você vai se recusar a descer?

Traduzido por Débora Batista | iPródigo.com | Original aqui

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Um pensamento solto sobre Davi

Hoje fui levado a pensar no fim da vida de Davi, conforme o registro de 1Reis.

O último versículo do livro anterior, 2Samuel, fala de algo glorioso: “E edificou ali Davi ao SENHOR um altar, e ofereceu holocaustos, e ofertas pacíficas. Assim o SENHOR se aplacou para com a terra e cessou aquele castigo de sobre Israel”. Sem dúvida, é uma bela cena. Davi, arrependido de ter ordenado o censo do reino, arrependido por seu erro ter resultado na morte de setenta mil homens do povo, oferece holocaustos ao Senhor na eira de Araúna, que agora lhe pertence, pois ele não ofereceria ao Senhor, seu Deus, holocaustos que não lhe custassem nada (2Sm 24.20).

É uma bela cena para nossa visão das coisas espirituais: temos arrependimento, holocausto, louvor, perdão de Deus… Mas falta algo, não só nessa cena como em muitas outras da vida de Davi: sua família. Davi, mais uma vez, está desacompanhado de sua família: nem uma esposa (havia tantas que podiam estar com ele…), nem um filho (dos tantos…). Por quê?

O resumo de tudo é: Davi foi um fracasso como pai, como marido, como chefe de família. Como este é uma consideração rápida sobre ele, não há como aprofundar isso. Mas basta ler a história do rei de Israel, especialmente depois de 2Samuel 11: o adultério com Bate-Seba trouxe conseqüências, especialmente sobre sua família, da qual a espada nunca se apartou (12.10). Isso significaria que haveria guerras, lutas, desencontros, intrigas, mortes dentro da família, mas isso não explica a omissão de Davi como pai e como marido. Os capítulos 13 a 15 exemplificam isso vergonhosamente: sua omissão no caso de estupro de sua filha Tamar por Amnom, meio-irmão dela (portanto, filho de Davi), sua incapacidade de lidar com a rebelião de Absalão, preferindo fugir covardemente a enfrentá-lo e pô-lo em seu lugar.

E foi esse Davi, o solitário homem cheio de esposas e de filhos, que adorou a Deus na eira de Araúna. Linda cena, mas… vazia. O rei está acompanhado apenas de seus escravos (24.20). Somente os servos ouviram aquela declaração, sobre o preço dos holocaustos, mas nenhum filho, nenhuma esposa. Nenhum deles teve oportunidade de ouvir este princípio tão importante acerca do dar-se ao Senhor, do ser totalmente Dele em Seu serviço. O pai de muitos filhos não tem filhos. O marido de muitas esposas não tem esposa. Só escravos: pessoas que apenas obedecem, que não precisam aprender ou praticar nada. Só seguir seu dono.

Na página seguinte da Bíblia está 1Reis, que inicia dizendo: “Sendo, pois, o rei Davi já velho, e entrado em dias, cobriam-no de roupas, porém não se aquecia” (1.1). Do holocausto à velhice, do sacrifício ao frio, das ofertas ao não se aquecer. O que aconteceu nesse meio tempo? Segundo esse registro, nada. Nada da importante. Nenhum fato digno de nota. Agora há um rei velho, decrépito, cheio de roupas, que não se aquece. A cena deveria ser patética: um velho entrouxado de roupas, cercado de roupas, e tremendo de frio, batendo queixo.

É comum os velhos sentirem mais frio. Lembro-me de meu pai, antes de partir para o Senhor, sempre com seu casacão ou com seu pala de lã, com frio. Mas a cena de Davi era patética por ele ser o rei, uma figura imponente, que deveria inspirar respeito e admiração, e por estar cheio de roupas, exageradamente vestido.

Então, seus escravos tiveram uma idéia:

“Disseram-lhe os seus servos: Busquem para o rei meu senhor uma moça virgem, que esteja perante o rei, e tenha cuidado dele; e durma no seu seio, para que o rei meu senhor se aqueça. E buscaram por todos os termos de Israel uma moça formosa, e acharam a Abisague, sunamita; e a trouxeram ao rei. E era a moça sobremaneira formosa; e tinha cuidado do rei, e o servia; porém o rei não a conheceu” (vv. 2-4).

Quantas coisas há a se considerar nesses poucos versículos!

1. De onde os escravos tiraram essa idéia? Uma mulher que aquece mais que banhos quentes ou lareira ou aquecimento no quarto? Seria isso decorrência da fama de mulherengo de Davi, de sua lascívia, até agora, incontrolável? Seria esta a impressão final que Davi, o da eira de Araúna, passava a seus escravos: “Só uma mulher resolve meu problema”?

2. Por que os escravos se preocuparam com isso, não uma das tantas esposas ou um dos tantos filhos? Onde estão elas? Onde estão eles? Ninguém se preocupa com Davi? A preocupação deles é apenas com o reino (como se vê nos versículos seguintes). O que Davi fez para ser assim desprezado, deixado de lado, no fim da vida. É um velho! Merecia um pouco de atenção. Merecia? Não estaria ele colhendo o que semeou na família: desinteresse, omissão, ausência, destempero emocional…? Um velho friorento entregue pela família às idéias sem pé nem cabeça de seus escravos, que uma vez o viram apresentar holocaustos, mas muitas vezes o viram com mulheres, muitas e variadas.

3. Se a intenção era mesmo apenas encontrar um cobertor humano para Davi, por que procurar “por todos os termos de Israel uma moça formosa” (v. 3)? Ela vai aquecer Davi por ser formosa? Ela não precisava ter outras habilidades para resolver a constante hipotermia do rei? Ou seria mais um enfeite do palácio de Davi como eram as outras esposas? Troféus expostos para ressaltar a virilidade de Davi? E escolheram uma “moça sobremaneira formosa” (v. 4). Uma modelo, uma miss, uma “uau!”. Era preciso mesmo isso? Parece-me apenas um conceito mundano, caído, de que beleza é o principal.

Não são muitos seduzidos (com trocadilho) por essa idéia? Não é imposto, a homens e a mulheres, um padrão, um conceito de beleza? Não são tantas as jovens escravizadas pela anorexia das modelos, pelo raquitismo das que desfilam nas passarelas? Não são tantas as mães que moldam suas filhas desde muito pequenas no padrão adulto de beleza artificial: maquilagem, roupas, erotismo precoce, músicas idiotas sobre “com quem será…”? Não são tantos os jovens cristãos atraídos pela falsa aparência exterior, ignorando a piedade, o “incorruptível traje de um espírito manso e quieto, que é precioso diante de Deus” (1Pe 3.4)?

Voltemos a Davi.

O que me assombrou pela primeira vez, como se a tinta da página ainda estivesse secando, nessa antiga passagem foi a ausência da família. “Davi, o que você fez com sua família?” Agora, o velho Davi tem nos braços uma mulher linda – imagino que a mais linda que ele já viu –, mas ele é velho e friorento. E a Bíblia registra, talvez como um louvor a ele, mas, ao mesmo tempo, para envergonhar sua virilidade, sua fama de conquistador: “Porém o rei não a conheceu” (1Rs 1.4).

Ah, se fosse em outros tempos! Davi, que não respeitou a mulher do próximo, ao preço de matá-lo para ficar com ela, que a fez deitar-se com ele (provavelmente usando sua autoridade imperial sobre os súditos), não teria deixado passar incólume uma moça sobremaneira formosa. Mas agora ele está velho e friorento. Seu corpo está impotente. Sexo, que nunca o satisfez, agora não o satisfaz mais. Mulheres, que eram sua busca, seu alvo, sua certeza de satisfação, agora de nada lhe servem. Ele só queria um banho quente permanente.

Há um detalhe curioso: a Bíblia não registra que Abisague, a tal moça linda, conseguiu aquecer o rei. Diz apenas que ela o servia e cuidava dele (vv. 4, 15). Trocava suas roupas? Trocava-lhe as fraldas geriátricas? Levava-o para o banho? Dava comida na boca? A pergunta surge de novo: “Davi, o que você fez de sua família? Por que nenhuma esposa cuida de você? Por que nenhum de seus filhos cuida de você? Em que você se tornou aos olhos de sua família, Davi? O que sua família se tornou a seus olhos, Davi?” Davi parece sentir-se indigno de pedir o socorro a qualquer de suas esposas ou de seus filhos. É minha inferência, minha leitura do quadro todo. Davi foi rei, com a dignidade real, até o fim, mas, em algum lugar do passado, ele perdeu a dignidade como marido e pai. Agora, está com frio.

Ainda há mais. Por causa da preocupação com o reino, não com o rei, Bate-Seba (sim, aquela com quem ele adulterara e cujo marido ele mandou matar) vai a Davi interceder por Salomão (filho legítimo do casal, pois gerado depois de Davi ter casado com ela). Mas a cena é… desagradável, na falta de outro adjetivo: “E foi Bate-Seba ao rei na sua câmara; e o rei era muito velho; e Abisague, a sunamita, servia ao rei” (v. 15).

Imagine a cena toda: aquele homem havia adulterado com a mulher e matado o marido (honesto, leal, decente, patriótico) dela. Depois, por culpa de seu pecado, o primeiro filho deles morre. Talvez ela tenha pensado que, dada a loucura toda feita em nome do amor (da lascívia é mais exato), Davi a trataria como única, como a preferida, como a especial. Que nada! Em pouco tempo, por onde vai passando, Davi coleciona mais e mais mulheres. Bate-Seba era apenas mais uma, importante, talvez, por ser a mãe de Salomão, o futuro rei. Aquele homem agora é um velho, mas ainda está no comando. Bate-Seba não tem opção: tem de ir a ele. Ao chegar lá, o vê com Abisague, a mulher linda que o serve. Bate-Seba agora é idosa, enrugada; não é mais a mulher bonita que, ao se banhar, atraiu o rei com sua beleza nua. Talvez tivesse sido tão bonita quanto Abisague. Agora é velha e Davi é velho. E seu marido está, mais uma vez, com outra mulher.

E ela não se dirige ao marido: ela fala com o rei, com seu senhor (vv. 16-20). Ela não é a esposa: é a serva (v. 17), não mãe do filho, já que o filho, um servo, é filho apenas do rei (vv. 17, 19).

Com certeza, algumas dessas expressões são justificadas pela cultura palaciana, pelo protocolo real. No entanto, a cena toda é vazia de relacionamentos de amor, de laços de família, de ternura. (Compare com o relacionamento entre Jacó e José.) Davi é um rei só, só numa numerosa família, abandonado por aqueles a quem abandonou.

Por isso, o maravilhoso e incomparável rei Davi termina a vida em um versículo: “E Davi dormiu com seus pais, e foi sepultado na cidade de Davi” (2.10). Ninguém o pranteou, ninguém sentiu falta dele, nenhuma esposa de luto, nenhum filho entristecido. Davi morreu. E ponto.

Ao ler 1Reis e pensar nisso tudo, vieram-me ao coração pensamentos assustadores: “Quem vai cuidar de mim em minha velhice? Quem fará questão de cuidar de mim? O que semeio hoje em minha família? Que colheita vou ter?” O princípio é imutável: colhemos exclusivamente o que semeamos. Davi semeou solidão, omissão, abandono, desinteresse; colheu frio e tremedeira nos braços de uma linda estranha (e nem ela foi chorar sua morte).

O que eu semeio?
O que você semeia?

Ainda é tempo de iniciar uma nova semeadura.

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© Campos de Boaz 2013.

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Pena de morte: o que a Bíblia diz? (Ewerton B. Tokashiki)

(via Bereianos)

A impunidade aumenta a criminalidade. Isto é um fato! Será que as nossas leis são suficientemente duras a ponto de corrigirem, ou inibirem a desordem social? Seria a pena de morte uma punição justa e até necessária em nosso contexto brasileiro? Este é um assunto polêmico que apresenta dificuldades, e algumas questões precisam ser levantadas e respondidas em nosso estudo sobre o assunto. Primeiro, a Bíblia proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Segundo, a pena de morte seria justamente aplicável e promoveria a segurança em nosso contexto social? E terceiro, quem seria responsável pelo julgamento e aplicação da pena capital?
 
A proposta desta lição é de estudarmos o tema, assumindo que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo, e que ela amenizaria a criminalidade em nossa sociedade.
 
Esclarecendo o fundamento
 
A Bíblia, como nossa única regra de fé e prática proíbe, ordena ou autoriza a pena de morte? Mesmo numa leitura superficial do Antigo Testamento encontraremos a ordenança de matar pessoas seguindo alguns critérios da lei civil de Israel entregue por Deus a Moisés. Não há proibição contra a pena de morte na antiga Aliança. Encontramos no Antigo Testamento o 6º mandamento “não matarás”. Todavia, esta lei não significava a proibição de toda morte como sentença penal. Pode-se perceber que a palavra hebraica rasah traduzida por “matar”, não expressa a força e significado do verbo original, seria melhor vertê-la por “não assassinarás”. Assim, deve-se considerar que a proibição do 6º mandamento é contra o assassinato, ou a vingança pessoal, e não uma proibição da execução penal de um criminoso pelo governo instituído por Deus.
 
O Catecismo Maior de Westminster quanto à significação do 6º mandamento esclarece que a sua proibição envolve “Quais são os pecados proibidos no sexto mandamento? Resposta: Os pecados proibidos no sexto mandamento são: o tirar a nossa vida ou a de outrem, exceto no caso de justiça pública, guerra legítima, ou defesa necessária; a negligência ou retirada dos meios lícitos ou necessários para a preservação da vida; a ira pecaminosa, o ódio, a inveja, o desejo de vingança; todas as paixões excessivas e cuidados demasiados; o uso imoderado de comida, bebida, trabalho e recreios; as palavras provocadoras, a opressão, a contenda, os espancamentos, os ferimentos e tudo o que tende à destruição da vida de alguém. (At 16.28; Gn 9.6; Nm 35.31,33; Hb 11.32-34; Êx 22.2; Mt 25.42,43; Mt 5.22; 1 Jo 3.15; Pv 14.30; Rm 12.19; Tg 4.1; Mt 6.31,34; Lc 21.34; Êx 20.9.10; 1 Pe 4.3,4; Pv 15.1; Pv 12.18; Is 3.15; Nm 35.16; Pv 28.17).”[1] Assim, desde o suicídio, o assassinato, a guerra justa, a defesa pessoal, a negligência da segurança, sentimentos maus, palavras ferinas, a intemperança e a agressão física são todos aspectos implícitos ordenados ou proibidos no 6º mandamento.
 
Lemos algumas vezes no Antigo Testamento a ordenança de executar pessoas, famílias, ou os habitantes de Canaã (Êx 21:23-24; Js 7:1-26; Dt 21:18-21). A pena de morte foi socialmente sancionada por Deus nos casos de “assassinato premeditado (Êx 21:12-14); sequestro (Êx 21:16; Dt 24:7); adultério (Lv 20:10-21; Dt 22:22); incesto (Lv 20:11-12, 14); bestialidade (Êx 22:19; Lv 20:15-16); desobediência aos pais (Dt 17:12; 21:18-21); ferir ou amaldiçoar os pais (Êx 21:15; Lv 20:9; Pv 20:20; Mt 15:4; Mc 7:10); falsas profecias (Dt 13:1-10); blasfêmia (Lv 24:11-14; 16:23); profanação do sábado (Êx 35:2; Nm 15:32-36); e sacrifícios aos falsos deuses (Êx 22:20).”[2] A intenção da pena de morte no Antigo Testamento era de frear pecados sociais de um povo que viveu mais de 400 anos como escravo, influenciado pela cultura pecaminosa egípcia e sem uma referência clara da justiça divina. Deus ordenou a pena de morte na Lei, porque Ele é o soberano sobre tudo e sempre justo juiz em punir.
 
O processo e a aplicação da pena não era arbitrária, mas criteriosamente estabelecida por Deus. D.W. Van Ness escreve que “lendo o AT revela que se aplicavam proteções evidenciais e processuais para abordar casos que mereceriam a pena de morte. Estas medidas incluem a proporcionalidade (Êx 21:23-35); a certeza da culpa estabelecida por duas testemunhas (Dt 17:6; Nm 35:30); a intencionalidade (Nm 35:22-24); as provisões processuais incluíam as cidades refúgio que protegiam o acusado até o momento do seu julgamento (Nm 35); a responsabilidade individual (Dt 24:16); a justiça do procedimento legal, independentemente do status econômico do acusado dentro da comunidade (Êx 23:6-7); e, a limitação da hora de se aplicar a pena de morte (Ez 33:11).”[3] Aqui vemos Deus estabelecendo a ordem e a sua santidade e justiça no meio do seu povo. Ao matar ou causar dano grave o assassino perderia o direito à vida. Moisés declarou que “quem ferir o outro, de modo que este morra, também será morto” (Êx 21:12), e este é o mesmo princípio básico para a aplicação da pena de morte anteriormente ordenado por Deus à Noé após o dilúvio (Gn 9:6).
 
A lei civil e cerimonial entregue a Israel não é válida para hoje, embora o princípio moral, ou a lei moral tem a sua continuidade no Novo Testamento. Isso significa que não podemos interpretar as ordens de execução como estão no Antigo Testamento e aplicá-las literalmente hoje. As leis civis regularam Israel enquanto nação teocrática, e as leis cerimoniais tiveram validade até a morte de Cristo. Mas, a lei moral que são os Dez Mandamentos tem plena validade para hoje. Assim, os juristas brasileiros poderiam, como no passado o fizeram, se valer dos princípios absolutos da Escritura Sagrada para formular as doutrinas penais, decidindo por um sistema judiciário por princípios bíblicos e menos antropocêntrico. O princípio moral para se criar uma lei que exija a morte do criminoso é atual, e teria autorização tanto no Antigo Testamento, como no Novo Testamento.
 
No Novo Testamento a pena de morte continua como uma prática comum, no entanto, aplicada pelo império romano e não mais pelos juízes de Israel. O Sinédrio de Jerusalém participava do processo de condenação levantando as provas, fazendo a denúncia e entregando o criminoso às autoridades romanas para a sentença final e execução do criminoso. A partir daí dentro da hierarquia do governo romano, desde a administração municipal até o governador da província, se fosse um nativo julgado a sentença terminaria na opinião do governador. Se o réu fosse cidadão romano poderia recorrer à última instância apelando a César, ou seja, seria julgado pela república, ou pelo próprio imperador. Por exemplo, Jesus valida a pena de morte, com a sua própria morte (At 2:22-24; At 4:26-30), bem como Paulo, em Rm 13:1-5, fala do uso da espada pelo magistrado em punir com morte, e ele mesmo durante o seu julgamento se sujeita à pena capital, caso a merecesse (At 25:8-11). Sabemos pelos relatos históricos que o apóstolo foi executado sob a ordem do imperador Nero. Segundo a tradição todos os apóstolos, com exceção de João, foram executados. A pena de morte produziu os mártires da Igreja, e o seu sangue foi a semente missionária para a expansão do Cristianismo primitivo.
 
Não há na Escritura Sagrada qualquer proibição ou oposição à pena de morte. Entretanto, ela não exige o seu uso incondicional. A Bíblia autoriza a pena capital, caso algum país queira aprová-la, e sanciona a sua aplicação como legítima diante de Deus.
Conclusão
 
Concluímos que a Bíblia nem ordena, nem proíbe a pena capital, mas a permite como dispositivo punitivo caso o nosso país decida adotá-lo. Assim, podemos protestar a seu favor, caso entendamos que seja necessário a aplicação de penas mais rígidas, como a pena de morte em nossos tribunais.
 
A pena de morte promove a vida de quem quer viver. O “não matarás” é uma advertência para quem não quer se tornar um assassino. Isto significa que se o indivíduo matou, perdeu o direito de viver. A autoridade instituída por Deus tem o dever de proteger com a espada, e com este mesmo instrumento punir o criminoso impedindo-o de ser uma possível ameaça aos cidadãos de bem.
 
A pena capital não é algo realizado por vingança familiar, nem sem critérios objetivos da gravidade do crime em que se dará a condenação. A sentença será dada pelo Estado, um juiz especializado, leis específicas, e sobre um crime doloso e hediondo em que envolve assassinato ou a desonra com dano irreparável do indivíduo, como por exemplo, o estupro.
 
Talvez, alguém seja contra a pena de morte no Brasil argumentando que sempre é possível um inocente morrer injustamente. De fato, este é a melhor objeção à pena capital. Todavia, a resposta a este argumento é satisfatoriamente dada por Gordon H. Clark quando ele questiona “a pena de morte é inviável pela possibilidade de erro judiciário ou o erro do judiciário deve ser minimizado ao máximo? A continuidade de crimes deve ser garantida por lei?”[4] O sistema legal brasileiro deve ser aperfeiçoado e corrigido e não afrouxar as penas por ter falhas.
 
Três motivos deveriam nos levar a considerar como necessária a aplicabilidade da pena de morte em nosso sistema judiciário. Primeiro, a influência geral, ou seja, a teoria de que quando uma pessoa é castigada outros criminosos em potencial estariam menos dispostos a cometer os mesmos crimes. Segundo, a influência específica, que é a teoria de que o criminoso castigado não cometerá mais crimes estando morto. E terceiro, a retribuição legal, isto é, a teoria de que o crime exige um castigo com uma pena que lhe seja proporcional. A pena de morte supre perfeitamente a estas exigências. Quando o Estado não castiga o criminoso com uma punição equivalente ao seu crime, ele penaliza a vítima, protege o criminoso, e fomenta a insegurança na sociedade.
Perguntas para reflexão:
 
1. Se um ladrão entrasse em sua casa, estuprasse e matasse os seus familiares, seria uma pena suficientemente justa a sentença de alguns anos de prisão?
2. Aceitando que o Estado como autoridade é instituído por Deus (Rm 13:1-7) e que ele é portador de espada, isto é, instrumento de pena de morte “pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13:4b), ele não se torna injusto ao negar-se executar a pena capital sobre os que a merecem?
3. Se existisse a aplicação da pena de morte em nosso sistema penal seria possível que houvesse menos grupos de extermínios, execução por parte da polícia, vinganças entre famílias e outros efeitos colaterais causados pela omissão e impunidade?
 
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NOTAS:
[1] Catecismo Maior de Westminster pergunta/resposta 136.
[2] Hans Ulrich Reifler, A ética dos dez mandamentos (São Paulo, Edições Vida Nova, 1992), p. 116.
[3] D.W. Van Ness, “pena capital” in: David J. Atkinson, org., Diccionario de Ética Cristiana y Teologia Pastoral (Barcelona, CLIE, 2004), pp. 894-896.
[4] Gordon H. Clark, “pena de morte” in: Carl F.H. Henry, org., Dicionário de ética cristã (São Paulo, Editora Cultura Cristã, 2007), p. 441.

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Observação: Concordo com a exposição geral do autor. No entanto, não uso como argumento a favor da pena de morte em alguns casos (como pedofilia) a possibilidade de que ela diminua a criminalidade. Não é essa sua função. A pena de morte tem o objetivo de fazer justiça ao que foi vítima de um crime hediondo, já que nenhuma outra pena pode fazer com que ele “pague” sua dívida com a sociedade.

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A importância teológica da historicidade de Adão (Bruce Ware)

A Importância Teológica

da Historicidade de Adão

Bruce A. Ware

Bruce Ware obteve seu mestrado em teologia (Th.M) pelo Western Conservative Baptist Seminary e (M.A.) pela University of Washington;  obteve seu doutorado (Ph.D.) pelo Fuller Theological Seminary. Ele é professor de Teologia Cristã no Southern Baptist Theological Seminary. Serviu como professor na Trinity Evangelical Divinity School, onde foi presidente do departamento de Teologia Bíblica e Sistemática. Anteriormente, lecionou no Western Conservative Baptist Seminary e no Bethel Theological Seminary. Dr. Ware tem escrito inúmeros artigos e livros.
A historicidade literal de Adão como o primeiro ser humano, criado por Deus, do pó da terra, é teologicamente importante? Ou seja, alguém poderia negar a historicidade de Adão como o primeiro ser humano criado e, ainda assim, sustentar todos os ensinos essenciais da teologia evangélica?As respostas para estas perguntas centralizam-se em (1) se a Bíblia apresenta Adão como o primeiro ser humano histórico e literal, (2) se há uma conexão bíblica entre o Adão histórico, em sua criação e queda, e certas doutrinas associadas normalmente com o Adão histórico, e, (3) se isso é verdade, quais seriam estas doutrinas e qual seria a natureza da conexão. Quero sugerir duas linhas de resposta que tencionam abordar estas três perguntas.

Primeiramente, a historicidade de Adão como o primeiro ser humano literal é ensinada e admitida em toda a Bíblia. A linguagem e as descrições de Adão em Gênesis 5.3-5 – número de anos que ele viveu depois do nascimento de Sete, o fato de que ele teve outros filhos e o número total de anos que ele viveu – são idênticos à linguagem e as descrições usadas a respeito de outros personagens históricos em Gênesis e em outras partes da Bíblia (cf. o resto de Gn 5; Gn 11.10-26; Gn 25.7-11; 1 Cr 1-9). O cronista inicia a sua extensa genealogia de Israel com “Adão”, que dá início a toda a raça humana. Jó contrasta a sua fraqueza diante de Deus com Adão, que encobriu a suas transgressões (Jo 31.33). Oseias compara a desobediência de Israel com Adão, que transgrediu a aliança com Deus (Os 6.7). Lucas alicerça a genealogia de Jesus no primeiro homem, Adão, o filho de Deus (Lc 3.38). Jesus entendeu Adão e Eva como pessoas humanas literais, criadas por Deus e, depois, unidas no primeiro casamento de um homem com uma mulher (Mt 19.4-6; Mc 19.6-9). As referências de Paulo a Adão como o primeiro ser humano em Romanos 5.12-18, 1 Coríntios 11.7-9. 1 Coríntios 15.21-22 e 2 Timóteo 2.13-14 são, inconfundivelmente, a respeito desta pessoa histórica que foi criada à imagem de Deus (1 Co 11.7), antes da mulher, que procedeu dele (1 Co 11.8; 1 Tm 2.13), e que pecou, trazendo o pecado e a morte para todos os seus descendentes (Rm 5.12-18; 1 Co 15.21-22). Por último, Judas 14 se refere à pessoa histórica de Enoque, o sétimo depois de Adão, que também seria entendido como histórico. Uma leitura atenta destes textos apoia a conclusão de que a própria Bíblia trata, repetidas vezes e sem exceção, Adão como uma pessoa histórica literal, o primeiro humano criado por Deus.

Em segundo lugar, a historicidade de Adão é teologicamente importante? Sim, ela é importante pela simples razão de que a teologia conectada com Adão é teologia arraigada na história e impossível de ser explicada sem essa história. Ou seja, há claramente uma conexão bíblica entre o Adão histórico e a teologia associada com ele, e a conexão é tal que a teologia depende dessa história e não existiria sem ela. Ou, dizendo-o em outras palavras, essa história gera a teologia. Como você não pode ter um filho sem uma mãe, também não pode ter esta teologia sem a história que a traz à existência.

Considere, por exemplo, algumas áreas cruciais da teologia associadas com a historicidade verdadeira e literal de Adão. Primeira, a criação do homem à imagem de Deus envolve a criação literal do primeiro ser humano à imagem de Deus, o ser humano que se torna, por assim dizer, a fonte de todos os outros seres humanos que são, igualmente, à imagem de Deus. Gênesis 5.3 faz a notável observação de que Adão, aos 130 anos de idade, “gerou um filho à sua semelhança, conforme a sua imagem, e lhe chamou Sete” (Gn 5.3). A linguagem neste versículo é, inconfundivelmente, a mesma de Gênesis 1.26. Embora a ordem das palavras “imagem” e “semelhança” esteja invertida, parece que tudo que se diz antes a respeito de o homem ser criado à imagem e semelhança de Deus é dito aqui, quando Sete é gerado à imagem e à semelhança de Adão (Gn 5.3). O paralelismo desta linguagem nos leva a concluir que Sete nasceu à imagem de Deus (o que ele realmente era, cf. Gn 9.6) somente porque nasceu à imagem e à semelhança de Adão. Sem a conexão histórica e literal, de fato, biológica, entre Adão e Sete, o status de imagem de Deus em relação a Sete não existiria. E, se isso era verdade quanto a Sete, é verdade também quanto a nós. Não somente a nossa identidade biológica remonta ao Adão histórico, mas também o nosso estado como seres criados à imagem de Deus remonta ao primeiro homem, o primeiro ser humano histórico, Adão.

Segunda, a queda do homem no pecado é um ensino teológico central fundamentado precisamente no que aconteceu na história. Paulo resumiu o argumento nestes termos: “Visto que a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos. Porque, assim como em Adão todos morrem, assim também todos serão vivificados em Cristo” (1 Co 15.21-22). Considere quatro observações: (1) Adão trouxe a morte ao mundo (15.21a). (2) Todos os humanos que procedem de Adão estão sujeitos à morte (15.22a). (3) A reversão do pecado e da morte de Adão acontece na realidade histórica do triunfo de Cristo por meio de sua ressurreição dos mortos (15.21a). (4) Todos os humanos unidos a Cristo serão vivificados (15.22b). A realidade histórica da ressurreição de Cristo, pela qual os que estão em Cristo são ressuscitados para viverem para sempre, é correspondente, nesta passagem, à realidade histórica do pecado de Adão, que trouxe pecado e morte para todos em Adão. A linha histórica não pode ser cortada sem eliminar a teologia correspondente. O pecado original em Adão e a vida eterna em Cristo estão ligados intrínseca e necessariamente à história.

Terceira, nossa teologia de gênero e sexualidade está intrinsecamente ligada à criação do primeiro casal humano e à natureza da união conjugal designada por Deus para eles. Quando Jesus se referiu a Gênesis 2, e quando Paulo aludiu a aspectos de Gênesis 2 e 3, ambos entenderam Adão e Eva como pessoas históricas reais que exemplificavam a união vitalícia, em uma só carne, de macho e fêmea que Deus planejou e trouxe à existência. Por sua queda histórica, Adão e Eva apartaram-se do desígnio de Deus e produziram distorções pecaminosas tanto das relações de gênero como da sexualidade humana. Nossa teologia de gênero e sexualidade não é dissociada da história. Pelo contrário, o desígnio criado por Deus foi exemplificado, inicialmente, no primeiro homem e na primeira mulher originais. E tanto Jesus como Paulo se referiram a este desígnio trazido à existência por Deus e vivenciado realmente no Éden. De modo semelhante, as perversões do bom desígnio de Deus estão arraigadas na rebelião histórica contra Deus e contra seus caminhos que aconteceu na história, registrada para nós em Gênesis 3. Tanto neste como em outros assuntos, a teologia e a história estão entretecidas de tal modo que a historicidade de Adão é essencial à esta teologia. Esta teologia depende dessa história e não existiria sem ela.

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O fundamento da Igreja e a fé (Mauro Meister)

Em Mateus 16 temos a narrativa de um diálogo entre Jesus e seus discípulos durante um “retiro espiritual” que fizeram pelas “bandas de Cesaréia de Filipe” (v. 13). Afastado das multidões, das controvérsias com os fariseus e outros adversários, das tremendas demandas diárias que recebia de todos à volta, o Senhor chama aqueles que estavam mais próximos à reflexão, para lhes mostrar alguns dos fundamentos sobre os quais a “sua igreja” seria continuada e firmada na face da terra.
Com a excelência da pedagogia que sempre é evidente nos Evangelhos, nosso Senhor começa a sua lição sobre os fundamentos da Igreja com uma pergunta que vai levar a uma outra: “Quem diz o povo ser o Filho do Homem?”.  Certamente, o simples invocar do nome “Filho do Homem” já faria com que os discípulos refletissem a respeito das mais diversas conversas e discussões acaloradas, tidas depois das leituras dos textos da Torá aos sábados na Sinagoga. Quem é o “Filho do Homem” segundo os Salmos ou o Daniel, ou mesmo na forma como a expressão é empregada para chamar o profeta Ezequiel?  Quem é esse a quem tanto esperamos, era a pergunta no ar?
A resposta estava pronta, mostrando que havia algumas principais correntes de interpretação entre os doutos, correntes essas que se espalhavam na opinião do povo: João Batista, Elias, Jeremias ou algum dos profetas… (v. 14). Mal sabia o povo que o Filho do Homem já andava entre eles a cerca de 30 anos, e pouquíssimos o reconheceram, dentre eles, alguns cegos, exatamente para mostrar que o real problema da humanidade não é a cegueira física, mas a cegueira espiritual.
Continuando com a sua sutil e certeira pedagogia, Jesus faz, então, a pergunta que realmente interessa: “Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?” (v. 15). Observe que a associação é imediata: “o Filho do Homem” e quem “eu sou”.  Aqui está a primeira lição direta: Jesus é o Filho do Homem anunciado no Antigo Testamento.
Como é usual, Pedro sai na frente ao dar a resposta. É peculiar de Pedro adiantar-se em falar e agir. E a resposta de Pedro é direta: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (v. 16). A resposta é carregada de conceitos teológicos fundamentais que são trazidos pelos textos da Lei, dos Salmos e dos Profetas. Em resumo, Pedro faz uma associação teológica dizendo que o Filho do Homem é o mesmo Messias, que é o Cristo e que este mesmo é o Filho do Deus vivo, e, afinal, era este homem que estava diante dos seus próprios olhos na região de Cesaréia de Filipe. A partir desta realidade, aprendemos alguns importantes princípios no diálogo que se desenvolve.
Princípio da Revelação
Na resposta do diálogo, Jesus mostra, então, o primeiro grande fundamento sobre o qual a sua igreja está firmada: a iluminação do Espírito Santo sobre a Revelação, ou como chamarei aqui, o Princípio da Revelação.  O Senhor Jesus diz que não foi carne ou sangue que fizeram Pedro reconhecer esta verdade revelada nas Escrituras e agora exposta diante de seus próprios olhos, mas o próprio Deus. Esta é uma das fundamentais diferenças entre o cristianismo e outras religiões. A revelação que vem da parte de Deus e que corresponde à realidade dos fatos. Jesus é aquele que a Escritura diz que ele é. Jesus é aquele que ele mesmo diz ser. Jesus é aquele que Deus diz ser! Temos aqui três ideias básicas. Primeiro, que a revelação passada se cumpre em Cristo, afinal, ele é o Messias prometido. Segundo, que a revelação presente, na encarnação do Filho do Deus vivo, é superior. Não no sentido de que a revelação anteriormente dada fosse imperfeita, mas agora, ela é completa e plena. Tudo o que Deus quis revelar, mostrou-nos no seu Filho (Hb 1.3; Jo 1.18). E terceiro, aprendemos que a iluminação individual é fundamental. O verso 17 nos ensina que Deus revelou a Pedro esta verdade. Os escribas, fariseus e todos os estudiosos da época tinham as mesmas fontes que Pedro tinha, mas foi Pedro quem conectou os pontos da revelação passada com a revelação presente diante dos seus olhos. Esta mesma verdade é viva hoje quando, pela iluminação do Espírito Santo, percebemos na Escritura a verdade de Deus. Crer na revelação da Palavra de Deus é uma bem-aventurança: “Bem-aventurado és, Simão Barjonas”. Sobre esta revelação é que a fé da Igreja deve ser fundamentada.
Princípio da Edificação
A resposta de Jesus a Pedro começou com uma troca de palavras: você disse que eu sou o Cristo, e eu digo, Simão Barjonas (Simão filho de Jonas), que você é pedra (o significado do apelido de Simão, Pedro). Jesus usa deste trocadilho para trazer à luz uma das mais importantes verdades a respeito da fé da Igreja: “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (v. 18).
O catolicismo romano imediatamente interpretou o jogo de palavras, Pedro e pedra, como sendo a mesma palavra e nisto construiu a doutrina do papado, sendo Pedro o primeiro desta suposta sucessão. Mas há aí uma falácia. Quando Jesus diz “esta pedra”, não refere-se a Pedro, mas à verdade pronunciada por Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. É sobre esta verdade que a Igreja irá subsistir, a obra do Filho de Deus. O próprio Pedro, refletindo sobre esta verdade, fala-nos em sua primeira epístola: “Por isso, na Escritura se diz: Eis que ponho em Sião uma principal pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido” (1Pe 2.6).
A grande lição aprendida aqui é que a Igreja de Jesus nunca poderá ser edificada sobre fundamentos humanos. Sempre que interferimos e nos colocamos no lugar do fundamento verdadeiro encontramos diante de nós uma igreja falsificada, trasvestida e irreconhecível como igreja de Cristo.
Princípio da Propriedade
Da mesma forma como a igreja não pode ter fundamentos lançados por homens, ela não pode ter homens como seus proprietários! No final do verso 18, o Senhor Jesus usa a expressão “minha igreja”. A igreja é dele, sua noiva, pela qual ele tem verdadeiro zelo e compromisso. Com base nesta verdade é que são feitas muitas promessas à Igreja e a respeito da Igreja, dentre elas, a de que vai ele apresentá-la sem mancha, ruga ou mácula.
O Senhor sabe que é necessário cumprir toda a sua obra pela Igreja, para que possa resgatá-la de forma completa. Por isto mostra aos seus discípulos:  “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (v. 21). Ele diz “minha igreja”  porque ele é o único dono dela, trabalhou até a morte para que pudesse comprá-la com seu sangue e ninguém mais pudesse clamar posse sobre ela e seus membros. A Igreja de Jesus não existiria como tal sem a sua morte e ressurreição, o que lhe dá completa posse dela.
Princípio da Autoridade
Por último, podemos perceber o princípio da autoridade de Cristo sobre a sua Igreja. Para demonstrar este princípio temos, em primeiro lugar, a afirmação desta autoridade: “E as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (v.18b). O conceito é, de certa forma, muito simples: o fato da Igreja ter a autoridade da revelação de Deus, ser a propriedade e a edificação de Cristo, não há nada neste mundo, nem o próprio inferno, que possa se colocar contra ela e vencer. Assim, a verdadeira Igreja de Cristo não tem o que temer; não há poderes que possam terminá-la, porque ela pertence a Cristo. Aliás, opor-se à obra de Cristo na Igreja é obra de Satanás e é por isto que Pedro é repreendido severamente ao opor-se, quando foi dito que era necessária a morte e ressureição do Senhor.
Por outro lado, a verdadeira Igreja trabalha como uma agência do céu aqui na terra. O Senhor afirma: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus” (v.19). Veja que o texto é muito claro em dizer que a ordem da ação de ligar e desligar começa no céu e é implementada na terra pela Igreja. Acredito que aqui temos o ensino claro, somado ao contexto de Mateus 18.15-18, onde aparece a mesma expressão, que a Igreja tem a obrigação de admitir e demitir aqueles que não cogitam das coisas de Deus. A Igreja tem a responsabilidade de abrir e fechar a porta para que as “portas do inferno” não operem dentro dela mesma. Logo, a Igreja na terra deve viver na busca de realizar a vontade soberana do Pai do céu.
E como, afinal, esta fé deve ser vivida aqui na terra?
“Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.  Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á.  Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?  Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras.  Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino” (16.24-28).
O que o texto nos mostra é que a vida de fé na igreja deve ser vivida em torno da cruz! É, com certeza, uma vida de negação dos padrões da individualidade egoísta para viver os padrões da vida do bem-aventurado. Da mesma forma como era necessário que o Senhor fosse a Jerusalém para passar pela cruz, o cristão toma a sua cruz e segue a Jesus nos passos da ressurreição.
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Sobre o autor: Mauro Meister é graduado pelo Seminário Presbiteriano do Sul. Fez mestrado em Teologia Exegética do Antigo Testamento no Covenant Theological Seminary e doutorado em Línguas Semíticas, com especialização em hebraico, na Universidade de Stellenbosch, na África do Sul. É pastor da Igreja Presbiteriana Barra Funda, em São Paulo, presidente do Conselho de Educação Cristã e Publicações da Igreja Presbiteriana do Brasil e membro do Conselho Editorial da Cultura Cristã (Casa Editora Presbiteriana). Atua no campo da educação básica como Diretor Executivo da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI). É autor do livro “Lei e Graça” (2003) e de artigos na revista Fides Reformata, da qual é co-editor.
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O verdadeiro amor (John MacArthur)

John MacArhtur, autor de mais de 150 livros e conferencista internacional, é pastor da Grace Comunity Church, em Sum Valley, Califórnia, desde 1969; é presidente do Master’s College and Seminary e do ministério “Grace to You”; John e sua esposa Patrícia têm quatro filhos e quatorze netos.
“Tudo o que você precisa é de amor”, assim cantavam os Beatles. Se eles tivessem cantado sobre o amor de Deus, a frase revelaria uma certa verdade. Mas aquilo que a cultura popular diz ser amor, não se trata, na verdade, de um amor autêntico, é antes uma verdadeira fraude. Longe de ser “tudo o que precisa”, é algo que deve evitar a todo o custo.

O apóstolo Paulo fala-nos sobre esse tema em Efésios 5:1-3. Ele escreveu: “Sede, pois, imitadores de Deus, como filhos amados. E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave. Mas a prostituição, e toda a impureza ou avareza, nem ainda se nomeie entre vós, como convém a santos”.

A simples ordem do verso 2 (“E andai em amor, como também Cristo vos amou”) resume toda a obrigação moral do cristão. No fundo, o amor de Deus é o único princípio que define completamente o dever do cristão, e este tipo de amor é exatamente “tudo o que você precisa”. Romanos 13:8 diz, “porque quem ama aos outros cumpriu a lei”. Os mandamentos resumem-se a estas palavras: “Amarás o próximo como a ti mesmo, já que o amor é o cumprimento da lei.” Gálatas 5:14 ecoa a mesma verdade: “Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo.” Da mesma maneira Jesus ensinou que toda a lei e profetas dependem de dois princípios básicos sobre o amor – o primeiro e o segundo mandamentos (Mt. 22:38-40). Em outras palavras: “e, sobre tudo isto, revesti-vos de amor, que é o vínculo da perfeição.” (Cl 3:14).

Quando o apóstolo Paulo nos diz para caminhar no amor, o contexto revela-se em aspectos positivos, pois ele fala-nos sobre sermos bons uns para os outros, misericordiosos e que nos perdoemos uns aos outros (Ef. 4:32). O modelo de tal amor, mais centrado nos outros que em si próprio, é Cristo, que se entregou para nos salvar dos nossos pecados. “Ninguém tem maior amor do que este, de dar alguém a sua vida pelos seus amigos.” (João 15:13). E “amados, se Deus assim nos amou, também nós devemos amar uns aos outros.” (1 João 4:11).

Em outras palavras, o amor verdadeiro é sempre um sacrifício, uma entrega de nós mesmos, é misericordioso, compassivo, compreensivo, amável, generoso e paciente. Estas e muitas outras qualidades positivas e benignas (ver 1 Co. 13:4-8) são as que as Sagradas Escrituras associam ao amor divino.

Mas reparemos no lado negativo, também visto no contexto de Efésios 5. Aquele que ama os outros verdadeiramente, como Cristo nos ama, deve recusar todo o tipo de amor falso. O apóstolo Paulo nomeia algumas destas falsidades satânicas. Elas incluem a imoralidade, a impureza e a ganância. A passagem continua: “Nem torpezas, nem parvoíces, nem chocarrices, que não convêm; mas antes, ações de graças. Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus. Ninguém vos engane com palavras vãs; porque por estas coisas vem a ira de Deus sobre os filhos da desobediência. Portanto, não sejais seus companheiros.” (Ef 5:4–7).

A imoralidade é, talvez, o substituto favorito do amor na nossa atual geração. O apóstolo Paulo usa o termo grego porneia, o qual significa todo o tipo de pecado sexual. A cultura popular tenta desesperadamente desvanecer a linha que separa o amor verdadeiro da paixão imoral. Mas tal imoralidade é uma perversão total do amor verdadeiro, porque procura a autogratificação em vez do bem aos outros. A impureza é outra perversão diabólica do amor. O apóstolo Paulo emprega aqui o termo akatharsia, o qual se refere a todo o tipo de imoralidade sexual e impureza. Especificamente, ele refere-se à sujidade, à impureza e à ganância, que são as características particulares do companheirismo com mal. Este tipo de companheirismo não tem nada a ver com o amor verdadeiro, e o apóstolo afirma claramente que não tem lugar para ele no caminho do cristão.

A ganância é outra corrupção do amor que tem origem no desejo narcisista de autogratificação. É exatamente o oposto do exemplo que Cristo deu quando “se entregou por nós” (v. 2). No verso 5, o apóstolo Paulo compara a ganância à idolatria. Também isto não tem lugar no caminho do cristão e, de acordo com o verso 5, a pessoa culpada de tal pecado “não tem herança no Reino de Cristo e de Deus.”

E tais pecados, diz o apóstolo Paulo, “nem ainda se nomeie entre vós, como convém a santos.” (v. 3). “Portanto, não sejais seus companheiros”, ou seja, daqueles que praticam tais coisas, diz-nos o verso 7.

Em outras palavras, não demonstraremos amor verdadeiro a não ser que sejamos intolerantes com todas as perversões populares do amor.

Hoje em dia, a maioria das conversas sobre o amor ignora este princípio. “O amor” foi redefinido como uma ampla tolerância que ignora o pecado e que abraça o bem e o mal de igual forma. Mas isso não é amor, é apatia.

O amor de Deus não tem nada a ver com isso. Lembra-te que a mais suprema manifestação do amor de Deus é a Cruz, sinal que Cristo “vos amou, e se entregou a si mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave.” (V. 2). A Sagrada Escritura explica o amor de Deus em termos de sacrifício, de arrependimento pelos pecados cometidos e de reconciliação: “Nisto está o amor, não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou a nós, e enviou seu Filho para propiciação pelos nossos pecados.” (1 João 4:10). Em outras palavras, Cristo converteu-se em sacrifício para desviar a ira de um Deus ofendido. Longe de perdoar os nossos pecados com uma tolerância benigna, Deus deu o seu Filho como uma oferta pelo pecado para satisfazer a sua própria ira e justiça na salvação dos pecadores. Este é o coração do Evangelho. Deus manifesta o seu amor de uma forma que confirma a sua santidade, justiça e misericórdia sem compromisso. O amor verdadeiro “não folga com a injustiça, mas folga com a verdade.” (1 Co. 13:6). Este é o tipo de amor, no qual fomos chamados para caminhar. É um amor que primeiro é puro e depois, harmonioso.

Fonte: The Gospel Coalition

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Como se conduzir na caminhada cristã (Jonathan Edwards)

Carta de Jonathan Edwards a uma jovem, escrita no ano de 1741

Minha querida jovem amiga,

Como era do seu desejo que eu a mandasse, por escrito, algumas diretrizes em como conduzir-se a si mesma em sua Caminhada Cristã, agora o faço. As doces lembranças das coisas maravilhosas que vi em sua igreja inspiram-me a fazer qualquer coisa que estiver a meu alcance, contribuindo para a alegria e prosperidade espirituais do povo de Deus que aí está.

1. Aconselho-te a manter o esforço e o fervor na religião, como se estivesse em seu estado natural, procurando converter-se. Aconselhamos pessoas com convicção a serem fervorosas e violentas para o Reino dos Céus; mas elas não devem ser menos vigilantes, trabalhadoras e fervorosas na seara quando já convertidas, porém, ainda mais, pois há infinitas coisas a mais a se fazer. Por ser esta uma característica que nos falta, muitas pessoas, em poucos meses de conversão, começam a perder seu doce e vivo senso das coisas espirituais, crescendo geladas e em trevas, “desviando-se da fé e a si mesmos se atormentando com muitas dores” (1 Tm 6; 10), enquanto se tivessem atentado às palavras do apóstolo em Filipenses 3; 12-14, seus caminhos seriam como “a luz da aurora, que vai brilhando mais e mais até ser dia perfeito” (Pv 4; 18)

2. Não deixe de procurar a Deus, de jejuar e orar pelas mesmas coisas que exortamos a pessoas não-convertidas a orar e jejuar, tendo você já passado por este processo. Ore para que seus olhos estejam abertos, para que receba a visão correta, conhecendo-te a ti mesma, e para seus pés descansem em Deus. Que você veja a glória de Deus e Cristo, e tenha o amor de Cristo derramado em todo o teu coração. Aqueles quem tem a muitas destas coisas, ainda assim precisam orar por elas, pois ainda há tanta cegueira, dificuldade, orgulho e corrupção, que necessitam ter o trabalho de Deus sobre eles a fim de receber luz e vida, sendo trazidos da escuridão para a maravilhosa luz de Deus, recebendo como que uma nova conversão e ressurreição dos mortos. Há poucos deveres convenientes a um não-convertido que também não o são, de certa maneira, para o povo de Deus.

3. Quando ouvir a um sermão, ouça por si mesma. Mesmo que provavelmente o que está sendo pregado seja para não-convertidos ou para aqueles que, de outras maneiras, estão em diferentes circunstâncias que você. Assim, deixe com que a principal intenção de sua mente seja a ponderação: em quais aspectos isto é aplicável a mim? E em que posso melhorar para o próprio bem de minha alma?

4. Apesar de Deus ter perdoado e esquecido seus pecados, não os esqueça: lembre-se sempre deles, de como era uma escrava sem esperança na terra do Egito. Traga à memória suas ações de pecado antes de sua conversão, assim como o apóstolo Paulo está sempre mencionando sua antiga atitude de blasfêmia, em que perseguia o Espírito e maltratava o povo de Deus, humilhando seu coração, dizendo ser “o menor dos apóstolos”, indigno de “ser chamado apóstolo”, “menor dos santos” e “o maior dos pecadores”. Confesse sempre seus pecados a Deus e deixe com que este texto esteja sempre em sua mente: “para que te lembres e te envergonhes, e nunca mais fale a tua boca soberbamente, por causa do teu opróbrio, quando eu te houver perdoado tudo quanto fizeste, diz o SENHOR Deus.” (Ez 16; 63)

5. Lembre-se que você tem muito mais motivos para lembrar-se e humilhar-se dos seus pecados agora, desde que se converteu, do que antes. Tudo isso se deve a suas muitas obrigações para com a vida com Deus, olhando para os escolhidos de Cristo, amando sempre sua amabilidade, apesar de toda a sua falta de valor desde sua conversão.

6. Esteja sempre vigilante para com seu contínuo pecado e não pense que você se preocupa muito com ele. Ainda sim, não esteja desencorajada nem permita que ele anule seu coração, pois, apesar de sermos exageradamente pecadores, temos um Advogado com o Pai, a saber, Jesus Cristo, o Santo. O sangue cuja preciosidade, o mérito cuja retidão, a grandeza cujo amor e fé infinitamente sobrepujam as mais altas montanhas de nossos pecados!

7. Quando começar a orar, ou tomar parte na Ceia do Senhor, ou participar de qualquer outra atividade de adoração, venha a Cristo como Maria Madalena fez!  Venha, e coloque-se aos Seus pés, e os beije, derrame perante Ele o doce óleo perfumado de amor oriundo de um coração puro e quebrantado, como ela derramou o perfume precioso de sua jarra de alabastro! “E eis que uma mulher da cidade, pecadora, sabendo que ele estava à mesa na casa do fariseu, levou um vaso de alabastro com unguento e, estando por detrás, aos seus pés, chorando, regava-os com suas lágrimas e os enxugava com os próprios cabelos; e beijava-lhe os pés e os ungia com o unguento.” (Lc 7; 37-38)

8. Lembre-se que orgulho é a pior víbora do coração, o grande distúrbio da paz da alma e da doce comunhão com Cristo: foi o primeiro pecado e se encontra bem baixo na fundação da obra de Satanás, sendo muito dificilmente arrancado fora, pois é o mais escondido, secreto e arruinador de todas as luxúrias, inserindo insensibilidade no meio da religião e até mesmo sob a desculpa de humildade. “O temor do SENHOR consiste em aborrecer o mal; a soberba, a arrogância, o mau caminho e a boca perversa, eu os aborreço.” (Pr 8:13)

9. Que você faça um correto julgamento de si mesma, vendo sempre nos outros as melhores descobertas, o melhor conforto, pois têm esses dois lados: uns te fazem menor e insignificante, como uma criança. Outros, animam e consertam seu coração em uma disposição firme em negar-se a Deus, passar tempo com Ele e por Ele.

10. Se em algum momento você se encontrar em dúvidas sobre o estado de sua alma, em partes escuras e sem sentido, é necessário rever sua experiência passada. Mas não invista muito tempo e esforços neste caminho. Ao contrário, disponha-se com todo o seu ser a procurar ardentemente uma nova experiência, nova luz, novas ações de fé e amor. Uma nova descoberta da gloriosa face de Cristo fará mais sobre aterrorizadoras nuvens negras do que examinar experiências passadas durante um ano, sob as melhores nuances que podem dar.

11. Quando pouco se exercita a graça e a corrupção prevalece juntamente com o medo, não tente tirar isto de seu coração de qualquer outra maneira além de reviver o amor a Deus. Assim, o medo será efetivamente expulso, como a escuridão desaparece de um quarto quando os deliciosos raios de sol penetram-no.

12. Quando aconselhar e alertar as pessoas, o faça com vontade e afeição, com firme convicção. Lembre-se que estará falando ao seu próximo deixando que suas palavras contenham expressão de sua própria pequenez, mas também da graça soberana que te faz diferente.

13. Se você organizar encontros devocionais com jovens mulheres como você, uma vez a cada certo tempo, além de participar de outros encontros gerais, será muito proveitoso e útil.

14. Em quaisquer dificuldades, necessidades ou longos períodos de escassez, qualquer caso específico, para você ou outros, separe um dia para oração secreta e jejum. Gaste o dia, não tão somente pelas petições que faz, mas procurando seu coração olhando para sua vida, confessando seus pecados perante Deus. Não como se costuma fazer quando se ora publicamente, mas como um resumo a Deus de todos os pecados de sua vida, desde a infância, antes e depois da conversão, incluindo as circunstâncias e decaídas em relação a eles, apresentado diante d’Ele todas as particulares abominações de seu coração da maneira mais completa possível.

15. Não permita que os adversários da cruz reprovem a verdadeira religião. Quão retamente deveriam se comportar os filhos remidos e amados do Filho de Deus! Ainda, “caminhem como filhos da luz e do dia” e “adquira a doutrina de Deus seu Salvador”. E, especialmente, pondere sobre as virtudes cristãs que te fazem parecida com o Cordeiro de Deus. Seja humilde e submissa de coração, pura, celestial, amando a todos. Faça atos de amor aos outros e auto-negação pelos outros. Que haja em você uma disposição em pensar sobre os outros maior do que em você mesma.

16. Na sua vida, caminhe com Deus e siga a Cristo como uma pequena, pobre e desprotegida criança tomando a mão de Cristo. Mantenha seus olhos nas marcas das feridas em Suas mãos e lado, donde veio o sangue que te purifica do pecado, escondendo sua nudez nas vestes brancas celestiais.

17. Ore frequentemente pelos ministros da igreja de Deus, especialmente para que Ele continue seus glorioso trabalho que tem começado, até o dia da terra estar cheia de Sua glória.

FONTE: http://gracegems.org/26/Edwards_letter.htm

Tradução: Projeto Castelo Forte

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As gêneses do Gênesis

Apreciação da estrutura e da teologia do primeiro livro do cânon veterotestamentário

I.    Introdução
Gênesis (palavra grega que significa origem) é o nome dado pelos tradutores da Septuaginta (versão grega do Antigo Testamento, conhecida como LXX) ao primeiro livro da Bíblia.  Na Bíblia Hebraica, o livro de Gênesis (que está nessa mesma ordem, sendo o primeiro – o que não acontece com outros como Malaquias, por exemplo, que não é o último como nas nossas Bíblias) recebe como título a primeira palavra do livro: “No princípio” (bereshith).  Nele, temos o relato da origem do Universo e do ser humano, da obra criativa de Deus, da drástica queda do homem, contendo biografias que tecem a origem do povo de Deus.

Gênesis possui uma extensão histórica que começa com a criação do Universo e do homem e termina com a morte de José, filho de Jacó.  Geograficamente, o livro abrange desde o vale da Mesopotâmia, o “berço” da raça humana, até o vale do Nilo no Egito, o “berço” da raça hebraica.  Essa área, com uma configuração crescente, é conhecida e chamada de “Crescente Fértil”.

O fato mais antigo do Gênesis, a criação, conforme cálculo feito pelo rabino José ben Halafta em cerca de 125 d.C., é remontado ao ano 3.760 a.C. (Louis Finkelstein, “The Jews” – Os Judeus – Vol II, p. 1786).  Porém, o Arcebispo James Ussher, data a criação em 4.004 a.C. Já mais recentemente, Stanley A. Ellisen estruturou a cronologia de Gênesis a partir de 4.173 a.C. Tal variedade de sistemas cronológicos deve-se a questões exegéticas, das quais não temos tempo para tratar aqui e nem seriam relevantes para nossa reflexão.

II.    Estrutura de Gênesis
O material literário de Gênesis está acomodado em dez partes ou seções, que são introduzidas pela palavra hebraica tôledôt, traduzida como “história das origens” ou “descendentes” ou “gênese” ou “genealogia” etc. Com exceção do primeiro relato, que é o das “origens do céu e da terra”, os outros nove levam o nome das pessoas, contando suas histórias subseqüentes, sem se preocupar necessariamente com a origem das mesmas.  Derek Kidner diz que essa expressão em Gênesis sempre visa o futuro, introduzindo um novo estágio do livro.  Contudo, P.J. Wiseman argumenta que é sempre uma conclusão.  Não se deve ser tão rígido nesta questão, pois tôledôt pode ser aplicável em Gênesis tanto ao passado (parece ser o caso de 2.4) quanto ao futuro (parece provocar menos anomalia nos outros nove casos).

Trata-se de pequenas histórias, que às vezes se estendem em função de detalhes como no caso da de Jacó expressa em José que ocupa desde o capítulo 37 até o 50.  Essas histórias são de pessoas que fazem parte de famílias que, num dado momento histórico, obtém a atenção do relato revestindo-se de importância no meio em que estão vivendo por estarem também inseridas no programa histórico da aliança divina.  No entanto, essa diversidade de relatos não deve ofuscar nossa visão com respeito à unidade do livro. Observar essa estrutura com base no tôledôt é útil para a correta interpretação do Gênesis, pois revela o “desenho do texto”, mas não se deve desprezar o todo composto por essas partes.  Portanto, vamos a elas:

1. A Gênese dos céus e da terra:
A expressão aparece a em 2.4 e o relato vai até 4.26.  Se partirmos do pressuposto de que tôledôt pode ser flexível entre introdução e conclusão, essa parte começa em 1.1.  Essa porção narrativa descreve a criação do Universo em seis dias, a formação do homem e, posteriormente, da mulher.  O capítulo 3 revela como o mal, na figura da serpente sagaz, entrou na criação de Deus e tentou o homem a se rebelar contra a vontade do Criador.  O capítulo 4 demonstra como a maldade se espalhou rapidamente a ponto de Caim e Abel, os dois irmãos filhos de Adão e Eva, travarem um conflito que culminou com o assassinato de Abel. Não se deve deixar de notar que essa parte termina informando que “nessa época começou-se a invocar o nome do Senhor” (4.26 – conforme tradução da NVI).

2.  A Gênese de Adão:
Essa parte vai desde 5.1 (introduzido com a expressão tôledôt) até 6.8, traçando as gerações desde Adão até Noé.  Um tema notável desse relato é a “morte”, pois todos os homens aqui nomeados morreram, com exceção de um que “andou com Deus”: Enoque (5.22-24).  O desfecho do relato registra a corrupção na qual gradativamente os descendentes de Sete se envolveram.  É a maldade inicial que continua a se expandir. O mal incipiente foi encontrando recipiente favorável para se proliferar. Todavia, em 6.8, Noé é apontado como um que achou graça diante de Deus!

3.    A Gênese de Noé:
Começando em 6.9 (tôledôt) até 9.29, esse relato nos dá uma dupla e surpreendente mensagem concernente à justiça e a graça de Deus.  Fora da Arca o dilúvio destruía toda vida, mas dentro da Arca uma família era preservada, porque “Noé andava com Deus” (6.9).  O mesmo dilúvio universal, que trouxe o juízo divino sobre o pecado e a dura incredulidade, revelou também a graça de Deus ao salvar da morte e da destruição a Arca com sua carga preciosa: um homem, acompanhado de sua família, que alcançou graça diante de Deus.

4.    A Gênese dos filhos de Noé:
Com início em 10.1 (tôledôt) e se estendendo até 11.19, descreve a distribuição dos três filhos de Noé em várias nações e idiomas.  Este quadro examina o mundo das nações que foram conhecidas do antigo Israel. Aquelas nações que o povo escolhido de Deus teve maior contato são descritas com detalhes.  Concluindo esse relato, aparece a dispersão em Babel demonstrando que aqueles que buscaram sua própria glória em lugar de glorificar o nome de Iahweh (Javé) caíram outra vez no juízo de Deus.

5.    A Gênese de Sem:
Esse curto relato que vai de 11.10 (tôledôt) ao verso 26, traz a genealogia de Sem a Terá, pai de Abrão.  Sua importância está fora dele mesmo e se dá ao apontar para a origem do pai de Abrão e fazer a ligação deste com Sem e, conseqüentemente, com Noé e sua ascendência. Abrão será uma figura importante no relato seguinte de Gênesis e colocá-lo em “cena” sem revelar seu “berço” seria a criação de um hiato na história dos patriarcas.

6.    A Gênese de Terá:
Constitui um dos maiores relatos, ocupando o espaço entre 11.27 (tôledôt) e 25.11, cobrindo quase um quarto do livro de Gênesis.  Registra a história da escolha de Abrão e da promessa feita a ele de que seria uma grande nação.  Abraão é desafiado a confiar completamente na promessa de Deus, mas concorda com Sara, sua esposa, e tem um filho com Hagar – a quem chama Ismael – por causa da aparente demora de Deus em cumprir sua promessa. Dentro desse relato há a descrição do nascimento de Isaque e da prova a qual Deus submeteu Abraão, pedindo-lhe que lhe oferecesse seu filho em sacrifício (Gn 22).  O relato encerra-se com a morte do agora chamado “Abraão” demonstrando que, após sua morte, a promessa da benção é passada ao seu filho Isaque (25.11).

7.    A Gênese de Ismael:
Um curto relato de 25.12 (tôledôt) a 25.18; na verdade, o mais curto dos dez relatos.  O verso 12 deixa claro que este filho de Abraão é com Hagar “a serva egípcia de Sara”.  Trata-se de uma linha secundária na história da graça salvadora de Iahweh.  Esses sete versículos documentam como Deus cumpriu a sua promessa de que multiplicaria a descendência de Ismael (cf. 16.10).

8.    A Gênese de Isaque:
Razoavelmente extenso esse relato, que se inicia em 25.19 (tôledôt) e se estende até 35.19, apresenta as gerações que se seguiram a Abraão, através da família de Isaque.  Diferente de seu ilustre pai, Isaque foi de uma natureza tranqüila e introvertida e sua esposa, Rebeca, embora estéril fora agraciada com filhos gêmeos: Esaú e Jacó.  Desde antes do nascimento, o relato aponta para um conflito existente entre eles.  No desenrolar da história (de uma forma intrigante e atraente), Jacó – que seria o mais novo, pois nascera minutos após Esaú – obtém o direito de primogenitura e a benção de Isaque, tendo seu nome trocado para Israel.

9.    Gênese de Esaú:
Esse relato que começa em 36.1 (tôledôt) e se encerra em 37.1, concentra sua atenção nos descendentes de Esaú e, aparentemente, quer justificar a existência de Edom ao revelar a origem deste povo vizinho de Israel, que reaparecerá em outras partes da literatura do Antigo Testamento.

10.    Gênese de Jacó:
Este é o último e o maior de todos os relatos.  Começa em 37.2 (tôledôt) e vai até o último versículo de Gênesis em 50.26.  A história é de Jacó, mas quem ocupa boa parte da cena (quase toda!) é José, um de seus doze filhos.  Este é o registro da forma misteriosa como Deus usou a maldade dos irmãos de José para levar adiante seu plano para a nação que havia escolhido e que paulatinamente vai surgindo no cenário da história.  Aqui se tem a explicação de como o povo de Deus se estabeleceu no Egito e arma o cenário para o livro do Êxodo.

III.    Teologia do Gênesis
Em Gênesis encontramos material suficiente para discorrer acerca de vários pontos da teologia sistematizada.  No entanto, analisemos aqui as contribuições de Gênesis para a Teologia Própria – Deus, a Antropologia – o homem e a Soteriologia – a salvação.

1.    Teologia Própria
O Livro do Gênesis começa apresentando Deus sem, contudo, justificar sua origem ou existência.  Em Gênesis, Deus existe e o que não existe Ele vai criar!  O Livro não se propõe a responder todas as perguntas humanas acerca do Criador, mas O revela como pessoal, enfatizando o persistente interesse de Deus por relações pessoais com os seus servos.  Ele é único, Criador e Senhor Soberano sobre tudo o que existe.  Em Gênesis a questão de outras divindades não aparece, exceto no episódio de Labão (31.19,30,34; 35.4) onde há breves menções à ídolos ou deuses. Ele é responsável pelas “macro-ações”, como a criação de todas as coisas e o surgimento dos povos, mas também pelas “micro-ações” como a concepção de uma criança ou a chamada de um seguidor.  Deus é o regente capaz de pôr em ordem as situações mais intratáveis (cf. 45.5-8), sendo juiz amoroso cujos juízos são suavizados pela misericórdia (hesed) (cf. 3.21; 4.15; 6.8; 18.32, 19.16,21) e, às vezes, tarda para sobrevir (cf. 15.16).  Sua justiça contém amor e seu amor inclui exigência e excelência morais.  Em Gênesis, Deus é sempre Aquele que se dá, em alguma medida.  Neste livro, Ele é conhecido por muitos nomes: Iahweh; Elohim; El.  Alguns são títulos que exprimem facetas de seu ser como Altíssimo (14.18-22), Todo-poderoso (17.1), etc. Outros comemoram um momento especial de encontro, como Deus que vê (16.13), Deus de Israel (33.20), Deus de Betel (35.7).  Ainda outros declaram uma idéia de relação como Deus de Abraão (28.13); Temor de Isaque (31.42, 53), Poderoso de Jacó (49.24).

2.    Antropologia:
Gênesis apresenta a formação do homem, sua vocação, sua queda e sua situação em conseqüência da queda.  Na literatura de Gênesis o homem é um ser social que vive dentro de certo padrão de responsabilidade, isto é: na dimensão das coisas – onde seu dever é cultivar e guardar seu meio ambiente imediato e dominar e encher a terra; na dimensão das pessoas – onde o companheirismo é visto como uma necessidade primária do homem e alvo da atenção de Deus ao prover companhia complementar para o homem, bem como demonstrar as relações familiares ameaçadas por tensões motivadas pelo egoísmo e inveja; e na dimensão da autoridade – onde a responsabilidade de governar confiada ao homem tem por finalidade a ordem e o bom andamento de todas as coisas.

3.    Soteriologia:
Gênesis aponta a graça que, longe de ser mera resposta ao pecado, é fundamental para a própria criação.  A entrada do pecado põe em cena muitos aspectos da graça, ao revelar os meios e os modos que Deus se utilizou para preservar a humanidade e levar certos homens a entrarem em aliança com Ele, por meio dos quais abençoaria finalmente o mundo todo (cf. 18.18).  Deus, em Gênesis, restringe a corrupção e a anarquia produzidas pelo pecado, como no caso do dilúvio, da Torre de Babel e na decadência de Sodoma.  Num livro considerado tão antigo e com características primitivas, a obra salvadora de Deus não é menos completa nem menos variada.  É Ele, e não o homem, quem busca.  Aquela expressão pós queda “Adão, onde estás” (3.9) ecoa por todo o livro.  A salvação é muito mais que simples aceitação, é uma intimidade com o céu, de matizes tão variados como os personagens que a desfrutam; uma relação assumida e firmada numa aliança, na qual Deus prometia ser o Deus da descendência deles.

IV.    A Relevância de Gênesis para o Corpo Literário Neo e Veterotestamentário
O relato de Gênesis é de extrema relevância para a compreensão do Antigo e Novo Testamentos.  Há contribuições singulares como as que se seguem:

1. A apresentação de Deus como Soberano:
Deus é o criador e nada revela sobre sua origem ou passado, apenas surge da eternidade misteriosa para iniciar a sua obra de criação. A soberania de Deus é uma grande tônica no livro.

2.    Um registro específico das Origens:
Embora se tenha encontrado documentos antigos com vagos relatos sobre a criação do homem, nenhum deles, remotamente, pode ser comparado ao registro simples, específico e majestoso do Gênesis.   Sem esse registro não teríamos uma visão objetiva de como o mundo começou, de como as várias formas de vida tiveram seu início, da verdadeira origem do homem, de como entrou o pecado na história da humanidade, de como as várias raças foram formadas e por que os idiomas são variados.

3.    O Pecado original:
Gênesis demonstra claramente que Deus não criou o pecado e o mal, e o pecado não ficou inativo nem permaneceu apenas como um defeito de menor importância.  O livro descreve como o pecado foi se multiplicando e o resultado descrito em 6.11-12 é demonstrado em vidas e famílias no decorrer do relato (cf. 19.31-36 – as filhas de Ló).

4.    Julgamentos sobrenaturais:
A revelação de Deus como justo juiz em Gênesis é indiscutivelmente relevante para as Teologias veterotestamentária e neotestamentária.Os vários julgamentos, como a maldição após a queda, o dilúvio, a confusão de idiomas em Babel, a destruição de Sodoma e Gomorra, retratam a intolerância de Deus para com o pecado e a rebelião.

5.    O proto-evangelho:
A promessa divina de redenção descrita em 3.15 é uma descrição resumida do plano divino para resgatar a humanidade.  Isso é plenamente compreendido no Novo Testamento, onde entendemos que a vinda de Jesus não é um “arranjo” divino para uma situação que fugiu do seu controle, mas o cumprimento de promessas tão primevas quanto a criação do próprio homem.

6.    O conceito de Aliança:
A Chamada aliança Abraâmica é a base de todo o programa divino para a humanidade e reportam-se a ela vários autores da literatura canônica. Traria sérias dificuldades à exegese das outras alianças descritas nos relatos bíblicos se houvesse a inexistência do relato desta aliança.

7.    Cristologia:
Ainda que veladas à mente secular, há referências cristológicas sutis no relato do Gênesis.  A referência ao descendente da mulher (3.15), a semente de Abraão (12.3) e a um “Leão” da tribo de Judá (49.9-10) apontam para o Jesus do Novo Testamento, além das referências ao Anjo do Senhor que precisam ser intensamente estudadas e analisadas para ser corretamente identificadas como manifestações de Deus na terra, o que confirmaria o Jesus pré-existente (ou pré-encarnado).

Assim sendo, Gênesis constitui-se de suma importância para o estudo das Escrituras Sagradas em função de suas informações cósmicas, étnicas, históricas, religiosas e proféticas.

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Referências Bibliográficas:
ELLISEN, Stanley A. “Conheça Melhor o Antigo Testamento” – Editora Vida, São Paulo.SP, 1991. 371p.
JESKE, John C. “Gênesis” – Editorial Northwestern, Milwaukee, Wisconsin USA, 1996. 402 p.
KIDNER, Derek “Gênesis: Introdução e Comentário” – Edições Vida Nova e Mundo Cristão, São Paulo.SP, 1991. 208p.
RAD, Gerhard Von. “Gênesis: A Commentary” – SCM Press LTD. USA, 1972. 440 p.
SCHMIDT, Werner H. “Introdução ao Antigo Testamento” – Editora Sinodal, São Leopoldo.RS, 1994. 395p.

(Fonte)

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Estudo bíblico J. I. Packer Vida cristã

Os Pecados Não São Todos Iguais

Essa pergunta nos conduz para dentro do que tem sido, para muitos evangélicos, um território inexplorado. Pensamos na conversão como o momento em que a culpa de todos os nossos pecados – do passado, do presente e do futuro, são lavados pelo  sangue remidor de Cristo. Como pecadores justificados pela fé e herdeiros de sua glória prometida, nos regozijamos na salvação e não atinamos mais para as subsistentes deficiências e como Deus pode ainda “pesá-las”.

Se questionados, explicamos nossa posição é a da verdadeira segurança evangélica. Mas o que é isso?

Os puritanos históricos também eram evangélicos, mas divergiam de nós nesse ponto  consideravelmente. Lembravam que Cristo nos havia ensinado a orar diariamente por perdão. Um dos exercícios de disciplina espiritual deles (que ainda não é nosso, geralmente) era o auto-exame toda a noite a fim de discernir quais atos em particular, praticados ou omitidos, pelos quais eram passiveis de pedido de perdão.

Em primeiro plano em suas mente estava a santidade de Deus, o temor diante de sua ira, e da sua maravilhosa longanimidade em educar e corrigir seus irresponsáveis e recalcitrantes filhos. Nessa realidade se contextualizava a certeza que tinham de que o  sangue precioso de Cristo de fato limpava os arrependidos de todos os pecados. A maioria dos evangélicos posteriores não chega ao pé deles. Estamos quase todos fora do passo marcado por eles.

A Escritura ensina que na avaliação de Deus alguns pecados são piores e implicam em maior culpa do que outros. Alguns pecados nos causam maior dano. Moisés classifica a derrocada do bezerro de ouro como um grande pecado (Ex. 32:30). Ezequiel em sua terrível alegoria disse que depois de que Aolá (Samaria) arruinou-se pela sua infidelidade a Deus, Aolibá (Jerusalém) “tornou-se mais corrupta … e sua luxúria e lascívia eram piores do que as de sua irmã” (Ez 23:11). João distingue pecados que não são dos que são irremediavelmente para a morte (1Jo 5:16). Isso tudo sem contar a advertência de Jesus acerca do pecado imperdoável (Mc 3:28-30).

As perguntas nºs 151 e 152 do Catecismo Maior de Westminster, de produção puritana, trazem clareza à matéria quando analisa os agravantes dos pecados, assim provendo meios de discernir a gravidade e a culpa deles. Sobre um prisma, todos os pecados são iguais por mais triviais que nos pareçam. Eles são dignos da “ira e maldição de Deus, tanto nessa vida como na vindoura e não podem ser expiados senão pelo sangue de Cristo.” Nenhum pecado é pequeno quando é cometido contra o grande e benevolente Deus. Por outro lado, porém, a gravidade de cada transgressão depende uma série de fatores.

Primeiro na medida em que os transgressores são mais conhecidos, aos olhos do público e são considerados dignos de fé pública, “guia para os outros, e que serves de modelo para serem seguidos por outros.” Por exemplo, Salomão em 1 Reis 11:9-10 e o servo negligente em Lucas 12:48-49- pessoas reconhecidamente confiáveis flagradas em pecado; Natã descrevendo o pecado de Davi com Bete-Seba em 2 Samuel 12:7-10; e os judeus apresentados como guias portadores da luz do céu em Romanos 2:17-23.

Segundo, as transgressões são categorizadas em função das pessoas ofendidas, ou seja, numa graduação que vai do Pai, Filho e Espírito Santo para “qualquer dos santos, particularmente o irmão mais fraco”. Por exemplo, ha os que publicamente desonram a Cristo, em Hebreus 10:28-29; e os que levam as pessoas a tropeçarem em Mateus 18:6, Romanos 14:13-15, e 1 Coríntios 8:9-12.

Terceiro, na medida em que se desfia a consciência e a censura impostas pelos outros, os transgressores agem “deliberadamente, intencionalmente, presunçosamente, impudentemente, orgulhosamente, maliciosamente, freqüentemente, obstinadamente, com gáudio, contumácia, ou reincidência após o arrependimento”. Assim temos um desafio cumulativo a Deus em Jeremias 5:8 e Amos 4:8-11; indiferença à consciência e correção em Romanos 1:32 e Mateus 18:15-17; e recaída da graça em 2 Pedro 2:20-22.

Quarto, as “circunstâncias dos tempos e lugares,” fazem o mal ser pior – por exemplo, a junção de pecado com a religiosidade hipócrita em Ezequiel 23:37-39, e envolvimento de outros no pecado de alguém em 1 Samuel 2:22-24.

Finalmente, há o pecado imperdoável, a resistência obstinada à luz do Espírito acerca da divindade e graça de Jesus Cristo, que leva a retirada de qualquer possibilidade de fé e arrependimento, e sua conseqüência letal. Sua natureza está evidente em Mateus 12:31-32 e Marcos 3:28-30.

Precisamos aprender a ver o pecado de forma translúcida, tratar a nós mesmos de forma realista e repudiá-lo e odiá-lo de todo o coração.

J. I. Packer is Board é da Junta de Dirigentes e Professor de Teologia do Regent College e Editor Executivo de Christianity Today.

Tradução de Anamim Lopes Silva

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A. W. Pink Bíblia Estudo bíblico Vida cristã

O método de estudo bíblico de A. W. Pink

“Nos meus primeiros anos eu assiduamente segui este triplo caminho:

  • Em primeiro lugar, eu lia toda a Bíblia três vezes por ano (oito capítulos do Antigo Testamento, e dois do Novo Testamento diariamente). Eu constantemente perseverei nisso durante dez anos, a fim de me familiarizar com o conteúdo, que só pode ser alcançado por meio de consecutivas leituras.
  • Em segundo lugar, eu estudei uma porção da Bíblia a cada semana, concentrando-me por dez minutos (ou mais) todo dia na mesma passagem, pensando na ordem dela, na ligação entre cada afirmação, buscando uma definição dos termos importantes, olhando todas as referências marginais, procurando seu significado típico.
  • Terceiro, eu meditei sobre um versículo a cada dia, escrevendo-o sobre um pedaço de papel na parte da manhã, memorizando-o, consultando-o em alguns momentos ao longo do dia; pensando separadamente em cada palavra, pedindo a Deus para revelar para mim o seu significado espiritual e para escrevê-la no meu coração. O versículo era o meu alimento para aquele dia. Meditação é para a leitura como a mastigação é para o comer.

Quanto mais alguém seguir o método acima mais deve ser capaz de dizer:

‘A tua palavra é lâmpada que ilumina os meus passos e luz que clareia o meu caminho’ Sl 119: 105’”

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Estudo bíblico

Os nomes de Deus

Os títulos atribuídos a Deus revelam Seu caráter

Antes da crucificação, Jesus orou no Getsêmani, chamando Deus de “Aba”, forma hebraica carinhosa para “pai” – poderíamos traduzir, livremente, por “papai”. Os cristãos também têm o direito de se dirigirem a Deus dessa forma. E este é apenas um dos nomes ou títulos dentre os 585 encontrados nas Escrituras! Há ainda os “Eu Sou” e os “Aquele” referentes a Deus. Quem coletou essas informações foi o responsável pela página The Names of God. Segundo ele, aprender esse nomes tem aumentado seu entendimento do caráter de Deus e expandido sua capacidade de adorá-Lo. Na página, você encontra também um link (www.ldolphin.org/Names.html) para um estudo mais aprofundado sobre o assunto. Em inglês.

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Christian Chen Estudo bíblico Stephen Kaung

Mensagens de Christian Chen, Stephen Kaung e Lance Lambert

Christian Chen, Stephen Kaung e Lance Lambert não são muito conhecidos dos cristãos brasileiros. O site Atos2 é uma excelente oportunidade para quem ver e ouvir o rico ministério desses irmãos. Há mensagens em áudio e vídeo de conferências com versão para português ou espanhol. Há também alguns estudos e, futuramente, haverá também livros e hinos cristãos. O site não é atualizado com muita freqüência (para não dizer que está abandonado), mas o material já disponível garantirá muitas horas de pregação bíblica profunda.

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