Quando Moisés se aproximou da sarça ardente, ouviu a voz de Deus que dizia: “Tira os sapatos de teus pés; porque o lugar em que tu estás é terra santa” (Êx 3.5). Quanto mais o horto [jardim] do Getsêmani é para nós uma terra santa, da qual só podemos nos aproximar até certa distância, com toda reverência e adoração!
Às margens do Jordão, Jesus, olhando para ele, disse a Seu futuro discípulo: “Tu és Simão […] tu serás […] Pedro” (Jo 1.42). E, desde aquela pesca miraculosa, durante a qual reconheceu ser um pecador, Simão, transformado em Pedro, seguiu a Jesus (Lc 5.8-11).
“Como havia amado os Seus, que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13.1). Jesus ia lavar os pés de Seus discípulos, mas Pedro se opôs a isso. Então, Jesus teve de dizer-lhe: “O que Eu faço não o sabes tu agora, mas tu o saberás depois. […] Se Eu te não lavar, não tens parte Comigo. […] Não podes agora seguir-me” (vv. 7,8,36). Pedro não estava disposto a reconhecer sua ignorância nem sua incapacidade: “Por que não posso seguir-Te agora? Por Ti darei a minha vida” (v. 37), disse ele.
Jesus “saiu com os Seus discípulos para além do ribeiro de Cedrom, onde havia um horto” (18.1). Tal como havia feito no momento da ressurreição da filha de Jairo e no monte da transfiguração, Ele tomou Consigo apenas três discípulos: Pedro, Tiago e João. Naquela noite, com certeza eles lembraram do quarto onde a jovem havia sido devolvida a seus pais ou da montanha onde Moisés e Elias haviam falado com o Senhor Jesus acerca da morte que ia sofrer a seguir em Jerusalém. Desta vez, porém, não era o poder de ressurreição nem a visão da glória futura que estava diante dos três discípulos, mas um homem afligido e angustiado: “Minha alma está profundamente triste até a morte” (Mc 14.32,33). Jesus lhes pediu que vigiassem e orassem; enquanto isso, Ele “apartou-se deles cerca de um tiro de pedra” (Lc 22.41), ou seja, a distância da qual um pastor pode lançar uma pedra até a ovelha que se desgarra, para fazê-la voltar ao rebanho.
Era a noite da Páscoa; havia, portanto, lua cheia. Sob sua luz, os discípulos puderam distinguir seu Mestre de joelhos, orando. Depois, dormiram. Como antes, no Moriá, o Pai e o Filho estavam a sós (cf. Gn 22).
Não obstante, o Espírito de Deus desejou fazer-nos entrar, mesmo que só um pouquinho, na angústia do combate que a alma do Salvador teve que sofrer nessa hora suprema. Primeiramente, Ele pediu ao Pai: “Meu Pai, se é possível, passe de Mim este cálice; todavia, não seja como Eu quero, mas como Tu queres” (Mt 26.39). Depois de ter voltado aos discípulos e encontrá-los dormindo, afastou-se uma vez mais e orou de novo: “Pai Meu, se este cálice não pode passar de Mim sem Eu o beber, faça-se a Tua vontade” (v. 42). A seguir, voltou aos Seus, que continuavam dormindo, mas não lhes disse nada. Orou pela terceira vez, pronunciando as mesmas palavras.
Pedro havia sido despertado pela voz que dizia: “Simão, dormes? Não podes vigiar uma hora?” (Mc 14.37). Mas voltou a dormir. Depois da terceira oração, Jesus lhes disse: “Basta; é chegada a hora. Eis que o Filho do homem vai ser entregue nas mãos dos pecadores” (v. 41). O único momento em que Pedro poderia ter vigiado junto a seu Mestre no horto havia sido desperdiçado para sempre.
Podemos ter estado “no horto com Ele” e, apesar disso, pouco depois, esquecê-Lo e até mesmo negá-Lo.
Um instante depois, o Getsêmani foi invadido por Judas à frente de “grande multidão com espadas e varapaus, enviada pelos príncipes dos sacerdotes e pelos anciãos do povo” (Mt 26.47). Pedro viu o traidor beijar Jesus. Ouviu a voz amada dizer com tristeza a Judas: “Amigo, a que vieste?” (v. 50). Querendo livrar seu Mestre, o discípulo desembainhou sua espada e cortou a orelha de Malco, um servo do sumo sacerdote. Por isso, recebeu a repreensão do Salvador, que, em seguida, tocou a orelha do escravo e a curou (Jo 18.10,11; Lc 22.50,51).
A partir de então, Pedrou seguiu ao Senhor Jesus de longe. Foi introduzido no palácio do sumo sacerdote por João, a quem conheciam (Jo 18.16). Que outra coisa ele podia fazer senão aquecer-se ao lado dos empregados, próximo do fogo que haviam preparado? E ali, um escravo, parente de Malco, perguntou a Pedro: “Não te vi eu no horto com Ele?” (v. 26).
O Senhor queria confiar a Pedro um trabalho importante depois de Sua ressurreição; mas, para que pudesse cumpri-lo, Pedro tinha de aprender a conhecer-se e a perder toda confiança em si mesmo.
Satanás havia pedido que lhe fosse permitido cirandar os discípulos (Lc 22.31). O Senhor havia orado por eles, especialmente por Pedro, que sua fé não desfalecesse. Apesar disso, nesse momento decisivo, todas as lembranças do horto haviam desaparecido da memória de Pedro. Ele só pensava em si mesmo, e negou seu Mestre três vezes.
Especialmente durante o culto e a celebração da Ceia, memorial da morte do Senhor, podemos ter estado “no horto com Ele” e, apesar disso, pouco depois, esquecê-Lo e até mesmo negá-Lo.
Não confiemos em nossas próprias forças! O Senhor disse: “Vigiai e orai, para que não entreis em tentação; o espírito, na verdade, está pronto, mas a carne é fraca” (Mc 14.38).
(G. André)
O Senhor queria confiar a Pedro um trabalho importante depois de Sua ressurreição; mas, para que pudesse cumpri-lo, Pedro tinha de aprender a conhecer-se e a perder toda confiança em si mesmo. Apesar de seu zelo e de seu grande amor, todo o poder de que necessitava para seu trabalho tinha de vir do Senhor. Ele devia ter-se dado conta disso quando Jesus o advertiu, mas não entendeu assim e teve de passar por uma lição dolorosa. Uma vez que a aprendeu, Pedro pôde ser útil a seus irmãos. Pôde fortalecê-los, mostrando-lhes, por experiência própria, que, ainda que tivessem as melhores intenções, alguém só pode estar no serviço de Cristo e fazer frente ao poder do inimigo se desconfia completamente de si mesmo. É preciso buscar a força e a sabedoria do Senhor.
(Extraído de Pregações Simples – Lucas, de S. Prod’hom)
(Traduzido por Francisco Nunes de Un mensaje bíblico para todos, 04/2015, publicado por Ediciones Bíblicas Para Todos (Suíça). Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria e de tradução e seja exclusivamente para uso gratuito. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
O mais alto tribunal em nosso país estabeleceu um acórdão. As manchetes proclamam que uma pequena maioria de juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos considera a liberdade de orientação sexual um direito para todos os americanos. Essa troca de um conjunto de valores em favor de outro não é uma surpresa para nós, que já sabemos que o deus deste século cegou a mente daqueles que não crêem (2Co 4.4). O dia 26 de junho de 2015 permanece como um marco significativo na demonstração americana desta realidade antiga.
Nenhum tribunal humano tem autoridade para redefinir o casamento.
Nos próximos dias, é esperado que você, como pastor, forneça comentários e conforto para seu rebanho. Esse é um momento crítico para os pastores, e fica como mais um lembrete de porque uma formação adequada é crucial.
Estou escrevendo esta mensagem curta como um pastor para outro. Os meios de comunicação estão apressando-se com as atualizações, e não preciso ajudar com minha voz para a briga geral. Em vez disso, quero ajudá-lo a pastorear sua igreja nesse momento confuso. Além dos artigos úteis em Preaching and Preachers Blog (Blog Pregação e Pregadores), também quero comunicar os pensamentos abaixo, que, espero, vá ajudar você a considerar a questão de uma maneira bíblica.
Nenhum tribunal humano tem autoridade para redefinir o casamento, e o veredito de ontem [dia 26] não muda a realidade ordenada por Deus com relação ao casamento. Deus não foi derrotado com essa decisão, e todo casamento será julgado, no último dia, de acordo com os fundamentos bíblicos. Nada irá prevalecer contra Ele (Pv 21.30) e nada vai impedir o avanço de Seu Reino (Dn 4.35).
A Palavra de Deus pronunciou julgamento sobre qualquer nação que queira reclassificar mal como bem, escuridão como luz e amargo como doce (Is 5.20). Como nação, os Estados Unidos continuam a colocar-se na mira do juízo [divino]. Como proclamador da verdade, você é responsável por nunca ajustar-se a essas questões. Você deve se manter firme em todos os aspectos.
Essa decisão prova que [nós, cristãos] estamos claramente em minoria e somos um povo separado (1Pe 2.9-11; Tt 2.14). Como escrevi no livro Why Government Can’t Save You (Por que o governo não pode salvar você), os padrões que moldaram a cultura ocidental e a sociedade americana deram lugar ao ateísmo prático e ao relativismo moral. Essa decisão simplesmente acelerou a velocidade do declínio. Um país não consegue ir além da moralidade de seus cidadãos, e a maioria dos americanos não têm uma cosmovisão bíblica.
A liberdade religiosa não é prometida na Bíblia. Nos Estados Unidos, a igreja de Jesus Cristo tem desfrutado de uma liberdade sem precedentes. Isso está mudando, e o novo normal pode incluir a perseguição do que é novo para nós. Nunca houve um momento mais importante para os homens talentosos ajudarem a liderar a igreja por manejar competentemente a espada do Espírito (Ef 6.17).
O casamento não é o campo de batalha final, e nossos inimigos não são os homens e mulheres que procuram destruí-lo (2Co 10.4). O campo de batalha é o evangelho. Tenha cuidado para não substituir paciência, amor e oração por amargura, ódio e política. Enquanto você guia cuidadosamente seu rebanho em torno das armadilhas perigosas à frente, lembre-o do poder indomável do perdão por meio da cruz de Cristo.
Romanos 1 identifica claramente a evidência a ira de Deus sobre uma nação: a imoralidade sexual seguida pela imoralidade homossexual culminando em uma disposição mental reprovável. Essa etapa mais recente nos lembra que a ira de Deus virá plenamente. Vemos agora mentes reprováveis em todos os níveis de liderança: no Supremo Tribunal Federal, na presidência, nos gabinetes, na legislatura, na imprensa e na cultura. Se nosso diagnóstico está alinhado com Romanos 1, então, também devemos seguir a prescrição encontrada em Romanos 1: não nos envergonharmos do evangelho, pois é o poder de Deus para a salvação! Nesse dia, é nosso dever e nosso chamamento divinos fortalecer a igreja, as famílias e o testemunho do evangelho por dissipar o absurdo pragmático que distrai a igreja de sua missão dada por Deus. Homossexuais, como todos os outros pecadores, precisam ser avisados do juízo eterno iminente e da amorosa oferta de perdão, graça e vida nova mediante o arrependimento e a fé no Senhor Jesus Cristo.
Em última análise, sua maior contribuição para seu povo será a de mostrar paciência e uma confiança inabalável na soberania de Deus, no senhorio de Jesus Cristo e na autoridade das Escrituras. Volte os olhos para o Salvador, e lembre seu povo de que, quando Ele voltar, tudo será colocado no lugar.
Estamos orando por sua firme proclamação da verdade e por seu posicionamento inegociável por Cristo.
(Traduzido por Francisco Nunes de “An Open Letter to TMS Alumni”. Esta é uma carta aberta de John MacArthur para os alunos do The Master’s Seminary (O Seminário do Mestre), o qual é “comprometido em equipar homens para uma vida inteira de serviço na igreja para a glória de Cristo”. O nome ao artigo foi dado pelo tradutor. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
Onde há aparente contradição em qualquer doutrina em particular das Escrituras, é possível tomar a preponderância de passagens em favor de um ponto de vista ou de outro. Mas a contradição deve ser apenas aparente (certamente em referência às escrituras originais, que nós não temos agora1), aparente, provavelmente devido à interpretação falha ou possivelmente a erros na transcrição ou na tradução; mais provavelmente, à interpretação defeituosa. Esse é o caso da doutrina da eterna segurança do crente (a grande linha divisória e a divergência de opinião entre calvinistas e arminianos), em que a preponderância das Escrituras parece esmagadoramente a favor. O Evangelho de João, sem qualquer outra Escritura, é por si só suficiente para prová-la; e temos a repetida garantia de nosso Senhor, desprovida de qualquer declaração Sua do contrário, de que Suas ovelhas estão eternamente seguras.
Comecemos com o bem conhecido texto de João 3.16, “o evangelho em poucas palavras”, como tem sido chamado: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, repetido por João, o Batista, no versículo 36. Se é eterna não pode, eventualmente, ter um fim.
A seguir, 5.24: “Quem […] crê […] tem” – uma posse imediata e presente, enfatizada, no verso seguinte, pelas palavras “Em verdade, em verdade” – “a vida eterna e não entrará em condenação, mas passou da morte para a vida” – e certamente não passará de volta para a morte2. Não há nem mesmo uma sugestão disso!
Em João 4.14, Jesus diz à mulher samaritana: “Aquele que beber da água que Eu lhe der nunca” – nunca! – “terá sede”, mas se tornará “nele uma fonte de água que salte para a vida eterna”.
Em 6.39: “E a vontade do Pai, que Me enviou, é esta: que nenhum de todos aqueles que Me deu se perca, mas que o ressuscite no último dia”. Isso é repetido nos versos 44 e 54: é uma promessa que Ele deve e seguramente vai cumprir.
Mais uma vez, em 10.28,29: “E dou-lhes a vida eterna, e nunca hão de perecer, e ninguém” – nem homem nem diabo – “as arrebatará da Minha mão […] e ninguém pode arrebatá-las da mão de Meu Pai” – a todo-poderosa mão daquele que é “maior do que tudo”: segurança absoluta!
A seguir, para Marta, Jesus disse: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em Mim […] nunca morrerá. Crês tu isto?” (11.25,26). Uma pergunta que Ele faz a todo crente que duvida de Suas garantias. E, por último, em Sua oração sacerdotal, Ele pede para que o Pai dê a vida eterna a todos quantos deu ao Filho (17.2).
Algo pode ser mais claro ou mais explícito do que essas passagens das Escrituras? Certamente podemos descansar na reiterada garantia de nosso precioso Salvador, apesar de quaisquer expressões aparentemente contrárias nas Escrituras? Isso é o que vimos apenas no Evangelho de João, mas queremos referir-nos a uma ou duas outras passagens à guisa de confirmação.
Em Efésios 1:4, aprendemos que os cristãos foram escolhidos “antes da fundação do mundo” e pré-ordenados como filhos por meio de Jesus Cristo para Ele mesmo. É possível que eles, ao final, se percam? Em 1Coríntios 3.14, vemos que, se a obra de alguém, que ele construiu sobre as bases estabelecidas por Deus em Cristo Jesus, é queimada, essa pessoa sofrerá perda, mas ela mesma será salva, todavia como pelo fogo, escapando, por assim dizer, de um edifício em chamas apenas com a vida. Mas por que multiplicar textos para provar ainda mais o que já é tão abundantemente comprovado? “Um filho de Deus é eterno como Deus, pois compartilha a vida de Deus, e quando o mundo for totalmente dissolvido em labareda de fogo, ele estará entre as estrelas da manhã ao redor do Trono” (D. M. Panton).
Podemos agora olhar para algumas Escrituras que parecem contradizer essa afirmação, reconhecidamente de difícil interpretação; mas, apesar de difíceis, podemos estar certos de que não contradizem a declaração explícita de nosso Senhor. Os dois principais obstáculos para o crente calvinista estão na Epístola dos Hebreus, 6.4-8 e 10.26-31, as quais tem levado alguns expositores a acreditar que eles se referem especialmente à economia judaica e não se referem à salvação em Cristo, mas isso não parece defensável. Outros estão certos de que – e esta é a explicação mais comum – as pessoas ali referidas nunca foram salvas, mas são apenas professantes. Outros fiam-se, em 6.6, em uma variante que indica uma ação contínua em lugar do texto que diz que aqueles homens crucificaram de novo o Filho de Deus. Outros explicam que o arrependimento nunca mais pode ser repetido, e note-se que julgamento e punição – não morte eterna – são os resultados de tais transgressões. Alguns expositores, não muitos, afirmam que ambas as passagens se referem a apóstatas3 – mais do que desertores, aqueles que esconjuraram e definitivamente rejeitaram Cristo. Se essa hipótese está correta e isso significa castigo eterno, então, o caso de um apóstata é a única exceção à regra de que todo crente está eternamente salvo; mas é uma questão de ação de graças que haja, tanto quanto se sabe, tão poucos apóstatas4. O próprio fato de haver nessas passagens tantas e diversas explicações e tantas diferenças de interpretação torna impossível que elas sejam usadas para contradizer as declarações explícitas de nosso Senhor.
Se, então, a eterna segurança dos crentes é a verdadeira interpretação da Escritura, a pergunta surge naturalmente quanto à posição dos crentes frios, mornos e infiéis, que se provaram indignos de entrar no Reino, e de todos os apóstatas – alguns dos quais têm grosseiramente apostatado – mortos em seu estado apóstata, embora Deus, em Sua infinita misericórdia, tenha tornado possível para eles confessarem e arrependerem-se. Deve haver algum tempo e lugar onde eles serão tratados, pois “nosso Deus é fogo consumidor” (12.29) e “justiça e juízo são a base do Seu trono” (Sl 97.2); e o apóstolo Pedro, pelo Espírito Santo, nos adverte de que o julgamento deve começar pela casa de Deus (1Pe 4.17). Nosso próprio senso de justiça exige nesta vida que aos que infringem a lei sejam impostas as penas da lei, e “não faria justiça o Juiz de toda a terra?” (Gn 18.25). Não pode ser que os cristãos indignos e apóstatas, morrendo sem terem se arrependido e não-perdoados, entrem imediatamente na na bem-aventurança e reinem com Cristo! O coríntio incestuoso de 1Coríntios 5 é um caso em vista.
Não! É o “pequeno rebanho”, a quem foi do agrado do Pai dar o Reino (Lc 12.32). Os vencedores são os únicos a quem é dada a promessa de partilha do trono de Cristo (Ap 3.21). “Seguramente, o Reino Milenar, esse poder sobre as nações, ser dado como um galardão àqueles que vencerem é muito claro” (Sten). “Embora os dons não sejam salário, ainda dependem de vencer uma batalha. Há algo além da mera salvação” (Dr. Horatius Bonar). Não há nenhum indício na Escritura de os crentes ressuscitados serem súditos no Reino Milenar; os súditos do Reino são as nações da terra vivendo na época do começo do Reino. Para os crentes, é uma questão de reinarem ou serem excluído do Reino. Ser um reinante é uma honra tão alta que nosso Senhor declara: “Entre os nascidos de mulheres, não há maior profeta do que João, o Batista; mas o menor no reino de Deus é maior do que ele” (Lc 7.28).
Quanto ao tempo e lugar, rejeitamos a idéia do purgatório (uma invenção puramente romanista), se não por outra razão, pelo fato de que nenhum julgamento o precede5. “Aos homens está ordenado morrerem uma só vez, vindo depois disso o juízo” (Hb 9.27) – não o purgatório –, e ninguém é condenado por Deus sem ser julgado. Do grande trono branco está escrito: “Foram julgados cada um segundo as suas obras” (Ap 20.13). A dispensação da graça termina com a vinda de Cristo para Seus santos e com o arrebatamento deles nos ares. Durante a presença de Cristo nos ares – a parusia –, o bema, ou trono do julgamento [ou tribunal] de Cristo (Rm 14.10; 2Co 5.10) tem lugar. Embora não seja explicitamente declarado nas Escrituras, não há outra ocasião em que ele possa ser realizado, e é ali que a posição de cada crente será determinada em relação ao reino de Deus. Se considerado indigno de entrar e reinar com Cristo, então, como estabelecido na parábola dos talentos, o servo inútil será lançado nas trevas exteriores (Mt 25.30) – um lugar não-especificado na Escritura – ou será cortado em pedaços (lit.) e terá sua parte com os hipócritas (24.51). Mas, graças a Deus, por fim, ao final da era do Reino, será admitido na bem-aventurança eterna.
Outrora parecia abominável na mente do escritor que qualquer filho de Deus deveria receber alguma punição; agora, é um pensamento reconfortante, que leva à esperança: um grande número de cristãos que vivem agora para o mundo serão, por fim, salvos, apesar de sofrerem perda e serem privados de galardão, e, em alguns casos, receberem punição, mas, graças a Deus, apenas temporária, não eterna. Para os incrédulos, nós “pregamos o inferno para fazê-los pessoas do céu”; para o crente pregamos, não só o amor de Deus, mas Sua justiça e possível punição.
Podemos concluir com esta maravilhosa explosão de louvor e de certeza do apóstolo Paulo: “Estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade nem qualquer outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38,39).
Notas
1 Ao contrário do autor do texto, este tradutor, ao lado de muitos outros cristãos, crê que, sim, temos hoje a Escritura inspirada por Deus, por meio do Texto Recebido (Textus Receptus). Não é coerente pensar que o Deus que inspirou, moveu homens para escreverem Sua Palavra – pela qual devemos pautar nossa vida, na qual o menor jota ou til é importante e imutável, da qual é proibido tirar-se qualquer coisa ou à qual é proibido adicionar qualquer coisa, a qual é capaz de discernir os propósitos do coração e tantas outras características – não tenha sido capaz de preservá-la ao longo dos séculos e por meio das cópias. Os possíveis erros de tradução ou de transcrição, se existem, não contradizem, não destroem nem enfraquecem as verdades fundamentais da Bíblia. Podemos, portanto, confiar que temos em nossas mãos a inspirada Palavra de Deus se usamos uma tradução baseada no Texto Recebido (em português, a Almeida Corrigida e Fiel, publicada pela Sociedade Bíblica Trinitariana). Esse comentário do autor, com o qual o tradutor não concorda, no entanto, não depõe contra o conteúdo de seu texto. (N. do T.)
2 Isto é, a “segunda morte”, a separação eterna de Deus no “lago de fogo” (Ap 20.15). (N. do E.)
3 Em minha mente, não há dúvida de que Hebreus 6.4-8 lida com apóstatas; e se alguém quiser saber quais ações qualificam um crente nessa categoria, deve ler Números 14. (N. do E.)
4 É um fato que existem mais apóstatas do que o autor e a maioria dos cristãos imagina: o apóstata sabe o que ele tem rejeitado e depois sai para provocar a queda de outros cristãos, usando doutrinas antimilenaristas.
5 Há um julgamento de Deus e Seu governo sobre os assuntos humanos que está em andamento em todos os momentos. Exemplos proeminentes disso são mostrados em Jó 1; 2; em Acabe (1Rs 22) e em Nabucodonosor (Dn 4). “O primeiro caso mostra os procedimentos judiciais que efetuam aperfeiçoamento; o segundo, morte; o terceiro, reforma. Jó era um homem piedoso sob disciplina para seu bem: um homem íntegro foi feito um homem santo. Ainda assim Deus castiga Seus filhos a fim de que eles se tornem participantes de sua santidade (Hb 12.10,11)” (G. H. Lang). Essa administração judicial contínua pode ter lugar antes e depois da morte. “Cristãos em pecado foram disciplinados até com morte prematura, e é explicado que isso foi feito a fim de salvá-los da responsabilidade de condenação no momento em que Deus irá lidar com o mundo em geral.” O Senhor fez muitas declarações temíveis e mui graves com respeito a Seus tratos com Seu povo redimido à época de Seu retorno. Algumas delas são as seguintes: Lc 12.22-53; 17.11-27; Mt 24.42–25.30). “Se parecia inconcebível que o Senhor pudesse descrever algum dos Seus comprados por sangue e amados como um “servo mau” (Mt 25.26), deve ser ponderado que Ele tinha aplicado o termo antes a um servo cuja dívida havia sido totalmente perdoada: “Servo malvado [ou mau; mesma palavra grega de 25.26], perdoei-te toda aquela dívida” (18.32) Assim, alguém que, como resultado de um ato de compaixão do Senhor, tenha sido totalmente perdoado de todas as suas falhas como servo, pode revelar-se um “servo mau”, cuja maldade [ou malignidade] consiste no fato de que, embora perdoado, ele não perdoa. Negar que um filho de Deus pode ser não-perdoador é cegar os olhos por negar esse fato triste e severo. O Senhor não deixou espaço para dúvida de que os membros da família divina estavam em Sua mente pela aplicação da parábola que Ele fez na ocasião: “Assim vos [Pedro, cuja pergunta sobre perdoar tinha provocado a parábola e os outros discípulos (v. 21)] fará, também, Meu Pai celestial se do coração não perdoardes, cada um (hekastos) a seu irmão” (v. 35). São o Pai e os irmãos que estão em vista, não aqueles que estão fora do círculo familiar” (G. H. Lang). O julgamento pode ocorrer na morte ou imediatamente após ela (Hb 9.27). Ele pode ter lugar antes da morte, ou Paulo não poderia ter certeza de que ganharia sua “coroa da justiça” (2Tm 4.6-8). A expressão “acabei a carreira” é tomada do mundo do atletismo, que ocupava um lugar muito grande na vida e no interesse dos gregos e é muito freqüentemente usada por Paulo como imagem de esforço espiritual Em 1Co 9.24-27, é usada como um aviso claro de que o cobiçado prêmio pode ser perdido. Em Fp 3.12-14, ela a emprega para exortar ao intenso e incessante esforço a fim de ganhar esse prêmio O Senhor é o justo Juiz, sentado para julgar cada concorrente [isto é, cada crente regenerado] na corrida ou competição. Agora, é de necessidade inevitável que o juiz dos jogos tome automaticamente sua decisão conforme cada corredor ou lutador individualmente termina o percurso ou a disputa. A entrega dos prêmios era efetivamente adiada para o final de toda a série de eventos – a coroa de Paulo seria realmente dada “naquele dia” –, mas o juiz não adiava sua decisão sobre cada item ou concorrente. Para os mais célebres dos jogos gregos, os Olímpicos, isso durava cinco dias. A figura, tomada de Paulo, e à luz do rico e de Lázaro (Lc 16), sugere uma decisão do Senhor, como a cada crente, antes ou no momento da sua morte. Essa decisão resulta na determinação do local e da experiência do homem no estado intermediário [no Hades] e pode se estender à garantia de que ele ganhou a coroa, “o prêmio da soberana vocação” (Fp 3.14). Em Ap 6.9,11 lemos sobre o quinto selo. Esses mártires “debaixo do altar” ainda não foram ressuscitados dentre os mortos, pois outros ainda têm de ser mortos por causa de Cristo, e só então estes vão ser vindicados e vingados. Mas para cada um deles separadamente uma túnica branca é dada. A túnica branca é o sinal visível, conferido pelo Senhor, da dignidade deles em serem companheiros do Senhor em Sua glória e reino. Isso, mais uma vez, torna evidente que para esses o julgamento do Senhor foi formado e anunciado. Nenhum julgamento posterior é necessário ou concebível; apenas o que dá a coroa “naquele dia”. Ao reunir esses fatos e considerações, parece bastante claro que o julgamento do Senhor sobre os mortos de Seu povo não é adiado para uma sessão, mas é atingido e declarado (a) imediatamente antes da morte (como com Paulo), quando não há mais risco de ser desclassificado na corrida, ou (b) imediatamente após a morte (como Lázaro), ou (c) pelo menos no estado intermediário da morte: “as almas [no Hades] debaixo do altar”. Portanto, Deus exerce julgamento sobre Seu próprio povo agora; este é o período adequado para isso, mas o juízo geral do mundo é protelado: “Já é tempo que comece o julgamento pela na casa de Deus” (1Pe 4.17), e outra vez: “Se nós nos julgássemos [estabelecêssemos julgamento rigoroso sobre] a nós mesmos, não seríamos julgados. Mas, quando [falhando nesse santo auto-julgamento] somos julgados, somos repreendidos pelo Senhor, para não sermos condenados com o mundo” (1Co 11.31,32). E essa correção pode se estender à fraqueza física, à doença positivo ou até mesmo à morte. Foi o que ocorreu com Ananias e Safira (At 5.1-11; ver Tg 5.19,20; 1Jo 5.16,17; Mt 5.21-26; 18.28-35).” (G. H. Lang). (N. do A.)
(Traduzido por Francisco Nunes de “The Eternal Security of the Believer“, de W. P. Clarke. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
Uma lição que é terrivelmente urgente que todos nós aprendamos hoje é uma lição para a qual não só existe um livro inteiro da Bíblia dedicado a ela, Jó, mas que esse livro foi, supostamente, o primeiro da Bíblia a ser escrito. Em um desafio de Deus a Satanás, e no desafio de Satanás em resposta a Deus, o Altíssimo seleciona um homem, um dos maiores patriarcas na aurora do mundo, a fim de resumir para sempre um único fato: que um filho de Deus, do mais elevado caráter, pode sofrer perda indescritível – propriedades, família, saúde, tudo dizimado exatamente como um ataque aéreo pode fazê-lo – e isso não ser nenhum julgamento sobre o pecado em caráter ou serviço, mas simplesmente ser o plano profundo do Altíssimo servindo a propósitos de que esse filho de Deus é totalmente ignorante.
Um homem perfeito
O livro se inicia com uma definição de Jó dada pelo próprio Deus. “Observaste tu a meu servo Jó? Porque ninguém há na terra semelhante a ele” – o Senhor escolheu o caráter mais elevado que podia ser encontrado, então, sobre a terra –, “homem íntegro e reto”. Homem íntegro, perfeito no sentido bíblico: não sem pecado, mas totalmente maduro, não um botão, mas uma flor plenamente desabrochada – “temente a Deus e que se desvia do mal” (1.8). Deus, então, entrega Jó ao poder1 de Satanás, impedindo-o de matar o homem, e as aflições caem como relâmpagos. Rapidamente, sua riqueza desaparece, seus filhos e filhas são eliminados e, em seguida, uma doença desagradável destrói seu corpo. Jó instantaneamente se torna um dos homens que mais tristemente sofre na Bíblia, exceto os do martírio2.
Fé em agonia
Agora nós encaramos, como Satanás fez e foi planejado que fizesse, a reação de um fiel servo de Deus à infinita tristeza. Após o esmagamento de sua casa e de seus entes queridos, Jó exclama: “O Senhor deu e o Senhor tirou: bendito seja o nome do Senhor” (v. 21). A fé repousa, não sobre o que Deus faz neste momento ou naquele, mas no que Ele é: Deus é amor; e a fé de ouro de Jó triunfa sobre todas as trevas, o mistério e a morte. Assim, Jeová desafia Satanás desafia: “Observaste o meu servo Jó? […] Ainda retém a sua sinceridade [integridade], havendo-me tu incitado contra ele, para o consumir sem causa” (2.3). No final, Jó tinha perdido todas as coisas que Satanás dissera serem o único fundamento de sua lealdade a Deus; mas, mesmo com aquela perda, sua lealdade a Deus permaneceu um halo dourado em volta da testa do homem doente. E isso é mais maravilhoso porque, tanto quanto sabemos, Jó não tinha tais revelações claras como nós temos. “Nossa leve e momentânea tribulação produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; não atentando nós nas coisas que se vêem, mas nas que não se vêem; porque as que se vêem são temporais, e as que não se vêem são eternas” (2Co 4.17,18). “Porque para mim tenho por certo que as aflições deste tempo presente não são para comparar com a glória que em nós há de ser revelada” (Rm 8.18).
Permissão
No entanto, ao mesmo tempo, Jó é para sempre um alerta para nós. Fundamentalmente, ele nunca vacilou em sua confiança em Deus, como é belamente provado quando sua esposa disse: “Amaldiçoa a Deus e morre”, e ele respondeu: “Receberemos o bem de Deus e não receberíamos o mal?” (Jó 2.9,10). No entanto, ele afundou em um pessimismo por se ressentir amargamente de suas aflições. “Ele consome ao perfeito e ao ímpio” (9.22). Nunca brilhou para Jó que a enormidade de seus infortúnios revelava a estimativa que Deus havia colocado sobre a força de seu caráter. Era como Paulo disse: “Não veio sobre vós tentação, senão humana [ou seja, que um homem pode suportar]; mas fiel é Deus, que não vos deixará tentar acima do que podeis” (1Co 10.13). Assim, todas as palavras de Jó de desgosto e desespero nunca precisariam ter cruzado seus lábios de acordo com a estimativa divina sobre seu caráter. “Jó nunca poderia ter apresentado uma paciência [perseverança] que soa ao longo dos séculos, até nós ouvirmos falar dela, se ele não tivesse conhecido aflição extraordinária” (C. H. Spurgeon).
Culpa
Chegamos agora ao coração do problema no erro gigantesco (embora muito natural) feito pelos amigos de Jó. [Para eles], toda a pressão daqueles sofrimentos pessoais tinham apenas uma explicação: culpa pessoal. “Sabe, pois, que Deus exige de ti”, disse Zofar, “menos do que merece a tua iniqüidade” (11.6). No entanto, ao final, Jeová diz: “Não falastes de mim o que era reto” (42.7). O princípio pelo qual eles contenderam, que o pecado traz julgamento sobre os servos de Deus, é absolutamente verdadeiro e se aplica a inúmeros crentes. Porém, o enorme erro que eles cometeram, que é igualmente perigo para nós nesses dias em que crescente tribulação se aproxima, é que o sofrimento é, necessariamente, julgamento3. Ao longo de sua fala, Jó nunca hesitou por um momento em afirmar sua integridade, pois sabia que ela era um fato; contudo, seus amigos nunca especificaram com exatidão um único pecado em sua vida passada, nem sequer tentaram fazê-lo, enquanto atribuíam todo o sofrimento dele a uma vida tão pecadora que merecia esse julgamento esmagador4.
Deus
O próprio Jeová agora intervém nesse tremendo drama; e responde a Jó com uma palavra apenas: Deus. Na mais maravilhosa descrição da criação já dada, Ele desafia Jó: “Onde estavas tu quando Eu fundava a terra? […] Quando as estrelas da alva juntas alegremente cantavam e todos os filhos de Deus jubilavam?” (38.4,7). Você é competente para criticar Deus? Nossa profunda ignorância das maravilhas da criação e, portanto, dos planos e propósitos insondáveis ainda mais maravilhosas que repousam, invisíveis, por trás da criação, faz todo o julgamento das ações de Deus nada menos do que um absurdo. Deus reina em meio à confusão, ao terror e à morte tão completamente como quando tudo está em perfeita ordem. Mesmo quando Jeová estava falando a Jó, a causa de seu sofrimento ainda era totalmente desconhecida para o patriarca: Jó era totalmente ignorante do drama do qual ele era a figura central e o ator principal. Menos ainda poderia ele saber que, visto por céu e inferno, esse drama, registrada no livro de abertura da Bíblia5, era provar para sempre que um filho de Deus, despojado de tudo, pode ser como o ouro purificado pelo fogo.
Penitência
Então, agora conhecemos a reação de Jó. Embora fosse “perfeito”, na medida em que os seres humanos podem ser, ele exigiu uma experiência espiritual nova. Repetidamente, e de modo quase desafiador, Jó tinha pedido ao Altíssimo que lhe concedesse uma entrevista, na qual ele poderia pleitear sua causa. Agora que ele está cara a cara com Deus, exclama: “Relatei o que não entendia […] Com o ouvir de meus ouvidos ouvi, mas agora te vêem os meus olhos” (42.3,5). Por fim, brilhou para Jó que suas aflições era apenas um dos pensamentos primorosamente planejados de Deus, assim como Ele tinha feito a maravilhosa beleza da criação. Agora ele viu Deus em tudo, e que essa visão resolve todos os problemas. E uma revelação muito mais profunda de si mesmo acompanha a visão celestial. “Por isso”, Jó exclama, “me abomino e me arrependo no pó e na cinza” (v. 6). O desespero com que ele conheceu o mistério do Senhor ao lidar com ele e a maldição sobre o dia de seu nascimento revelaram a esse nobre servo de Deus o que Paulo tinha aprendido: “Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum” (Rm 7.18.). E, assim, a própria tragédia de sua agonia completava a santidade do santo de Deus.
Recompensa
Por fim, chegamos ao que é sempre o objetivo de Deus: “E o Senhor virou o cativeiro de Jó […] e o Senhor acrescentou em dobro a tudo quanto Jó antes possuía” (42.10,12)6. Jó não tinha sido alguém que ensinava que só deve buscar a Deus quando tudo está bem, mas um fiel seguidor de seu Senhor, a despeito da catástrofe terrível, assim confundindo Satanás completamente; e, apesar de sua paixão e dos discursos precipitados de desespero, ele não tinha perdido o favor de Deus, e agora tinha confessado e abandonado seu pecado. Nas palavras do apóstolo Tiago: “Eis que temos por bem-aventurados os que sofreram. Ouvistes qual foi a paciência de Jó e vistes o fim que o Senhor lhe deu, porque o Senhor é muito misericordioso e piedoso [compassivo]” (5.11). O resumo que Deus dá a Jó, séculos depois, está em Ezequiel: “Quando uma terra pecar contra mim […] ainda que estivessem no meio dela estes três homens: Noé, Daniel e Jó, eles pela sua justiça livrariam apenas a sua alma” (14.14). Então, aqui, no primeiro livro da Bíblia, toda a doutrina do galardão desponta. Como nosso Senhor a expressa, embora muito mais amplamente do que uma recompensa em dobro: “Em verdade vos digo que ninguém há, que tenha deixado casa, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe, ou mulher, ou filhos ou campos, por amor de Mim” – Jó tinha perdido tudo por amor a Deus, na divina controvérsia com Satanás – “e do evangelho, que não receba cem vezes tanto, já neste tempo, em casas, e irmãos, e irmãs, e mães, e filhos e campos, com perseguições, e no século futuro a vida eterna7” (Mc 10.29,30) –, na glória do reino8.
(Traduzido por Francisco Nunes de “Tribulation that is not judgment”, de D. M. Panton, M. A. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
1Ele se encaixa apropriadamente a nosso próprio dia, em que nos lembramos de que, ao passo que o poder original de Satanás é descrito como dunamis, um poder inerente (Lc 10.19), desde o Calvário, quando seu poder foi paralisado (Hb 2.14), ele é exousia, uma autoridade puramente concedida (Ef 2.2; At 26.18). (N. do A.)
2O autor não quer significar que os mártires ou mesmo Jó estavam tristes por sofrer (talvez, em alguma medida, isso possa ser dito de Jó), mas que seu sofrimento inspirava tristeza em quem os via (veja o exemplo dos amigos de Jó). (N. do T.)
3Embora essa inculpabilidade possa ser aplicada aos convertidos durante a Grande Tribulação, ela não se aplica aos cristãos que entraram nela, uma vez que estes, se dignos, teriam escapado (Lc 21.36; Ap 3.10). (N. do A.)
4Eles justamente manchado críticas de coração partido de Jó da Providência, mas este pecado foi após o desastre, e, portanto, não poderia ser causa do mesmo.]
5Não no sentido de ser o primeiro que o leitor encontra na Bíblia, mas o primeiro escrito, como o autor já afirmou no primeiro parágrafo do texto. (N. do T.)
6É belo notar que seus filhos e filhas também foram exatamente em dobro, na medida em que os cinco anteriores ainda eram dele, embora no Paraíso (isto é, no Hades/Sheol) com seu Senhor. (N. do A.)
7A palavra grega aionios, traduzida por “eterna”, também pode ser traduzida como “duradoura pelas eras”, se o contexto assim o indica, como nesse versículo. A vida deve seguir a morte e a ressurreição. Portanto, Jó deve ser ressuscitado ao tempo da “primeira ressurreição” a fim de ser capacitado a desfrutar a vida na era por vir” (Ap 20.6). E assim está escrito: “Eu sei que o meu Redentor vive e que por fim se levantará sobre a terra. E depois de consumida minha pele [isto é, depois da minha morte], contudo ainda em minha carne [isto é, em meu corpo ressuscitado], verei Deus. Vê-lo-ei por mim mesmo, e meus olhos, e não outros, O contemplarão [isto é, sobre a terra, na era vindoura, depois da ressurreição dos justos]” (Jó 19.25-27). (N. do E.)
8É intensamente proveitoso notar que na aurora da Bíblia, o drama se encerra sobre a terra de modo que todo pecado tem apenas um perdão: sacrifício de sangue. Jeová diz a Elifaz: “A minha ira se acendeu contra ti, e contra os teus dois amigos […] oferecei holocaustos por vós” (Jó 42.7). Ira e sangue: o sangue do Cordeiro é o único refúgio para o qual, se não-salvos, podemos fugir da ira vindoura. (N. do A.)
Lançando sobre Ele toda a vossa ansiedade, porque Ele tem cuidado de vós” (1Pd 5.7).
O Senhor conhece todos os que são de Seu povo, todas as necessidades e todas as provações deles.
O Senhor pensa neles: para abençoá-los, libertá-los e supri-los.
O Senhor mantém Seus olhos sobre eles, em todos os lugares, em todos os momentos e em todas as circunstâncias.
Ele os tem em Sua mão, e não irá afrouxá-la.
Ele olha para eles sempre como Sua própria “propriedade peculiar”… os objetos de Seu amor eterno, a aquisição do sangue de Seu Filho, os templos de Seu Espírito Santo.
Eles são preciosos a Sua vista!
Ele sabe que eles são fracos e medrosos – e que eles têm muitos inimigos. Ele lhes ensina a lançarem a si mesmos e a todos os cuidados em Suas mãos! E Ele lhes deu Sua promessa: que irá cuidar deles.
Ele exerce os cuidados de um Pai. É um cuidado sábio, santo, terno e constante. Por isso, tudo estará bem com você se tão-somente confiar Nele.
Creia que Ele cuida de você neste dia. Leve todas as suas preocupações a Ele, nos braços da fé! Deixe tudo com Ele, certo de que Ele irá controlar tudo por meio de Sua infinita sabedoria e trará tudo a um bom resultado por meio de Seu poder onipotente.
Não se preocupe com nada. Lance todas as suas preocupações sobre Ele, tão rapidamente quanto elas vierem.
“Lança o teu cuidado sobre o Senhor, e Ele te susterá. Não permitirá jamais que o justo seja abalado” (Sl 55.22).
(Traduzido por Francisco Nunes do livro The Pastor’s Morning Visit [A visita matinal do Pastor]. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
A hora não avisada do retorno de nosso Senhor torna imperativa a constante prontidão.
Como um profeta predizendo Seu próprio advento, nosso Senhor dá a Seus discípulos advertências enfáticas e incisivos alertas para a prontidão vigilante (Mt 24; 25). “Vigiai […] para que, vindo de improviso, não vos ache dormindo. E as coisas que vos digo, digo-as a todos: Vigiai” (Mc 13.36,37). Falando como alguém com autoridade, nosso Senhor começa e termina esse solene alerta sobre Sua vinda com a ordem simples e explícita para vigiar!
Cristãos que estão realmente se preparando para a vinda iminente do Senhor estão vivendo hoje na atitude sempre vigilante de coração, de vida e de conduta que brota de um constante e predominante objetivo: poderem ser considerados dignos de escapar do julgamento de ira que virá rapidamente no fim desta era.
Lucas 21.34-36 torna surpreendente e evidente que a transladação é um escape do julgamento. Muitos estão dando como certo que estão prontos para fugir. Quão presunçosa é sua suposição quando contrastada com o exemplo na Escritura apresentado por Paulo! Em antecipação, ele escreve aos filipenses: “Não que já a tenha alcançado, ou que seja perfeito; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus […] Prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus” (3.12,14).
Paulo viveu sua experiência cristã diária como um homem em uma corrida com o propósito em vista de ganhar o prêmio. Na corrida, ele se despojou de si mesmo por causa da coroa reservada para todos os que venceram e viveram piedosamente em Cristo Jesus (Ap 12.11). Assim, Paulo pôde dizer: “Graças a Deus, que sempre nos faz triunfar em Cristo” (2Co 2.14). Para que pudesse ser um vencedor e não uma vítima de suas circunstâncias, Paulo colocou coração e alma em sua experiência cristã. Ele forçou cada nervo, dispôs cada músculo para alcançar aquilo para o que Cristo o havia ganho. Não muito tempo antes de partir, ele evidentemente atingiu a soberana vocação de Deus em Cristo, pois disse: “O tempo da minha partida está próximo. Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia” (2Tm 4.6-8). Que certeza arrebatadora Paulo tinha! E ela pode ser nossa, se nós, como Paulo, buscarmos as superações que nos fazem mais do que vencedores sobre o mundo, a carne e Satanás.
As palavras vigiar e orar estão constantemente nos lábios de nosso Senhor quando alerta sobre Sua súbita volta como ladrão.
Enoque foi trasladado porque tinha o testemunho de que agradara a Deus. “A inclinação da carne [ou mente carnal] é inimizade contra Deus” (Rm 8.7). Podemos, portanto, esperar andar com Deus e agradá-Lo enquanto temos qualquer carnalidade, liberdade da carne, mundanismo em nós? “E eu, irmãos, não vos pude falar como a espirituais, mas como a carnais […] Porque ainda sois carnais; pois, havendo entre vós inveja, contendas e dissensões, não sois porventura carnais, e não andais segundo os homens?” (1Co 3.1,3).
As palavras vigiar e orar estão constantemente nos lábios de nosso Senhor quando alerta sobre Sua súbita volta como ladrão. Todo o ensino, toda a pregação, toda a atividade que anula o aviso solene do Senhor a Seu povo de que deve cuidar de si mesmo e vigiar e orar sempre tornam o povo perigosamente desavisado. Essa é a razão pela qual muitos cristãos hoje estão caminhando despreocupadamente, como se estivessem indo a um piquenique, quando, como uma questão de fato, estamos na própria hora da vinda e do julgamento começar em Seu Santuário. O arrebatamento em si é um sinal do julgamento sobre aqueles que foram deixados. Daí, toda a estratégia de Satanás é impedir a vigilância e a atitude de alerta que o Senhor tão solenemente aconselhou.
“E não o perceberam, até que veio o dilúvio e os levou a todos. Assim será também a vinda do Filho do homem. Então, estando dois no campo, será levado um e deixado o outro […] Vigiai, pois, porque não sabeis a que hora há de vir o vosso Senhor” (Mt 24.39-42).
Tem sido dito que a única diferença entre os que o Senhor toma na transladação e os que são deixados para os últimos julgamentos sobre Terra é a diferença de prontidão vigilante. Em seus últimos discursos, nosso Senhor procurou despertar com exortações a vigilância do discípulo não-vigilante, o o pai de família roubado e o mordomo infiel (caps. 24 e 25).
“Vigiai, pois, porque não sabeis o dia nem a hora em que o Filho do homem há de vir” (25.13). Cristo sempre ressaltou muito a necessidade de estarmos sempre prontos. “Estejam cingidos os vossos lombos, e acesas as vossas candeias. E sede vós semelhantes aos homens que esperam o seu senhor […] Bem-aventurados aqueles servos, os quais, quando o Senhor vier, achar vigiando!” (Lc 12.35-37).
Estamos às portas da volta de Cristo. Cada tique-taque do relógio nos aproxima disso. A escuridão da meia-noite da terra está espalhando. A vinda do Noivo está próxima. Então, Sua noiva está se aprontando. O espírito do anticristo está espalhado pelo mundo. A grande tribulação está lançando suas sombras diante de nós. Cristãos, olhem para cima! Estejam imediatamente prontos, vigilantes, atentos. “Já é hora de despertarmos do sono, porque a nossa salvação está agora mais perto de nós do que quando aceitamos a fé. A noite é passada, e o dia é chegado” (Rm 13.11,12).
Um movimento espiritual quase imperceptível está operando no coração de todos os verdadeiros crentes que separam o ouro da escória, o real do irreal, o precioso do vil, o joio do trigo. Ele vem como um silêncio sagrado sobre a alma, a sombra da Presença que se aproxima.
Ele vem quando não esperamos. Não haverá nenhum aviso.
Cristo está vindo! Esteja pronto para quando Ele vier. Separe-se da indulgência do mundo. Desembarace-se de sua imersão nos negócios dessa vida. Vigie e ore sempre! Um cristão carnal não pode ser vigilante. Nós só podemos vigiar se nos mantivermos despertados espiritualmente. A palavra vigiar significa ser espiritualmente despertado, estar em alerta constante. “Eu dormia, mas o meu coração velava. E eis a voz do meu amado que está batendo: ‘Abre-me, minha irmã, meu amor, pomba minha, imaculada minha, porque a minha cabeça está cheia de orvalho, os meus cabelos, das gotas da noite’” (Ct 5.2).
Ele vem quando não esperamos. Não haverá nenhum aviso. “Porque, assim como o relâmpago sai do oriente e se mostra até ao ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem” (Mt 24.27). Um rápido e cegante refulgir, e o vigilante vai estar com o Senhor. O não-vigilante, de acordo com as próprias palavras de nosso Senhor, não vai escapar dos últimos julgamentos sobre a terra (Lc 21.34-36).
“O espírito do homem é a lâmpada do Senhor” (Pv 20.27). Em Sua parábola das virgens, nosso Senhor revela que haverá um reavivamento de preparar as lâmpadas às vésperas de Sua volta. Quanto tempo leva para preparar-se uma lâmpada? O sábio só tem tempo para preparar sua lâmpada, não para enchê-la, antes que a porta seja fechada. Encher exige constante e vigilante preparação do coração, da vida e dos lábios a fim de fazer-nos e manter-nos prontos para encontrar e saudar o Amado de nossa alma quando Ele, todo glorioso, vier para receber os “aceitos no Amado”.
“Um não-abandonado pecado conhecido, uma ordem conhecida desobedecida, uma conhecida verdade não-crida, uma parte da vida conscientemente não-submetida, e nós estamos em perigo. As últimas sombras estão caindo sobre o mundo e, portanto, em sua vida. No entanto, você não está pronto. Mas há tempo para alcançar a vitória antes do sol se por. Seu Juiz vindouro é seu Salvador hoje” (The Midnight Cry).
(Traduzido por Francisco Nunes de “Constant Readiness”. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
A cena transcorre na casa de Simão, o fariseu. Um homem que se considerava justo havia convidado Jesus para uma refeição. No entanto, o acontecimento central dessa cena não é o encontro do Senhor Jesus com seu hóspede, mas o que Ele tem com uma mulher que não havia sido convidada, uma pecadora notória. Ela havia ouvido sobre o Senhor Jesus e venho ao lugar onde Ele se encontrava. Sofrendo por sua culpa, aproveitou a ocasião para descarregar o peso que tinha sobre seu coração. Empurrada por sua angústia interior e atraída pela graça do Senhor, veio à casa do fariseu, pôs-se aos pés de Jesus e chorou.
Suas lágrimas davam mostra de sua coração quebrantado. Reconheceu que era pecadora, foi sensível às riquezas da benignidade de Deus e se deixou levar ao arrependimento por essa benignidade que se revelou em Jesus (cf. Rm 2.4). O Salvador não deixou esse coração quebrantado sem resposta. Todo aquele que vem a Ele dessa maneira experimenta ter o coração curado. A mulher escutou as palavras benfazejas: “Os teus pecados te são perdoados. […] A tua fé te salvou; vai-te em paz” (Lc 7.48,50).
Todo pecador tem necessidade disto: do perdão e da paz. E obtém isso pela fé. Ainda hoje, o Senhor deseja curar o coração ferido dos que vivem sem Deus e sem perspectiva. O caminho que essa mulher tomou é ainda hoje o único caminho pelo qual se pode obter o perdão e a paz. Todos os demais são caminhos de erro que não conduzem à salvação. Aquele que vem ao Senhor consciente de sua culpa e de seus pecados, e crê Nele e em Sua obra redentora, recebe Suas palavras: “Vai-te em paz!”
O coração quebrantado dos crentes provados (Lc 7.11-15)
Com o coração oprimido pela tristeza, uma viúva conduzia seu filho único à tumba. Uma angústia indizível, e provavelmente numerosas perguntas sem resposta, enchiam seu coração. Mas diante dos muros da cidade de Naim, a vida veio ao encontro da morte. O cortejo fúnebre teve de se deter quando o Autor da vida se aproximou.
Com um olhar cheio de amor, o Senhor viu o que havia no coração quebrantado dessa mãe, e foi comovido por uma profunda simpatia. “E, vendo-a, o Senhor moveu-se de íntima compaixão por ela.” A angústia da mulher não O deixou indiferente. “E disse-lhe: Não chores” (v. 13). Foi uma palavra de consolo para o coração ferido dela.
O Senhor Jesus nos compreende quando passamos por dificuldades, quando estamos enfermos, quando estamos abatidos e temos o coração oprimido.
Depois, Jesus se revelou como o Senhor da vida e da morte. Ele tocou o esquife, e todos os que estavam ali puderam ouvir Suas palavras: “Jovem, a ti te digo: levanta-te!” (v. 14). A morte devia soltar sua presa. O coração quebrantado da mãe foi curado, seu filho lhe foi devolvido.
Em um mundo onde tudo passa, a sombra da morte plana sobre cada um e é inevitável. O mundo é o “vale da sombra da morte”. Mas precisamente a esse mundo nosso Senhor e Salvador veio. Ele mesmo experimentou o que é viver aqui; soube o que significa a perda de um ser amado. Diante da tumba de Seu amigo Lázaro também verteu lágrimas.
Por isso, Ele nos compreende quando passamos por dificuldades, quando estamos enfermos, quando estamos abatidos e temos o coração oprimido. É uma grande coisa saber que nosso Senhor tem o poder para ajudar-nos. Mas não é apenas isso: Ele nos faz desfrutar primeiro de Sua simpatia, nos ama, entra em nossas circunstância e nos consola: “Não chores!” Pode secar as lágrimas e curar os corações quebrantados.
O Mestre trabalha de maneira divinamente perfeita. Primeiro, seca as lágrimas; depois, traz a libertação. Nós, talvez, tivéssemos agido de maneira inversa. Mas o Senhor quer que aprendamos primeiro a conhecer a doçura de Suas compaixões e depois Seu poder que dá o socorro. Em Sua sabedoria, Ele mesmo decide quando e como nos ajudará. Deixemo-Lhe trabalhar. O certo é que Ele cura os corações quebrantados e fecha as feridas; Ele quer que Sua paz encha nosso coração e nos sustenha em nossas circunstâncias difíceis.
Ninguém tem o poder de trazer os mortos de volta à vida, mas o Senhor quer usar-nos para ajudar as outras pessoas. Quando encontrarmos pessoas que têm o coração quebrantado, busquemos ajudá-las no mesmo espírito que o Senhor o fez.
O coração quebrantado do crente caído (Lc 22.54-62)
Uma cena totalmente diferente se abre agora diante de nós. Homens maus, inimigos do Senhor Jesus, o conduziram ao pátio do sumo sacerdote. Pedro O seguia à distância. Pouco tempo antes, ele havia declarado, muito seguro de si mesmo, estar disposto a morrer por seu Mestre. Mas agora, uma distância entre ele e o Senhor está estabelecida. Ele entrou no pátio da casa onde se encontrava Jesus, mas se sentou entre os inimigos de seu Mestre e se aquecia ao fogo. O que aconteceu? A tentação não perdeu por esperar. Uma criada lhe dirigiu a palavra, e o medo o invadiu. Com insistência, se desassociou Daquele sobre quem se concentrava o ódio de todos. “Não O conheço” (v. 57).
Somos melhores que Pedro? Com certeza, não. Por acaso, não temos negado o Senhor em situações muito mais insignificantes? Na escola, no trabalho, entre os vizinhos? Um pouco de distância interior em relação ao Senhor basta para que caiamos diante da menor tentação.
O Senhor também não nos abandonará. Seu amor não muda.
E Jesus? Tinha tempo de pensar em Seu discípulo? Aquilo que O fazia sofrer poderia reter toda a Sua atenção, mas… maravilhoso Salvador! Seu coração estava ocupado com Pedro. Ele sabia de antemão o que ia acontecer, e esta negação O afetou profundamente, mas Ele não deixou Seu discípulo de lado. “E, virando-se o Senhor, olhou para Pedro” (v. 61). Essa olhada entristecida e, ao mesmo tempo, cheia de amor foi como uma flecha que alcançou o coração de Pedro e o quebrantou. Esse homem corajoso e enérgico saiu e chorou amargamente sua falha.
O Senhor também não nos abandonará. Com Seu olhar de amor, sempre se dedica a pôr-nos na luz a fim de alcançar nosso coração. Seu amor não muda. Ele não só quer sacudir-nos e fazer-nos compreender onde falhamos, mas quer também curar-nos. Na manhã da ressurreição, Ele encontrou Pedro e falou-lhe ao coração. Pouco depois, reabilitou-o diante dos demais discípulos. Este é sempre o objetivo do Senhor: Ele quer fazer-nos voltar a uma feliz comunhão com Ele e fazer de nós servos úteis para Ele.
O coração quebrantado do Salvador
Não podemos terminar essas breves considerações sobre corações humanos quebrantados sem pensar no coração Daquele que, justamente no Evangelho de Lucas, é-nos apresentado como o “Filho do Homem”.
Seus sentimentos se descrevem profeticamente em Salmos: “Afrontas me quebrantaram o coração, e estou fraquíssimo. Esperei por alguém que tivesse compaixão, mas não houve nenhum; e por consoladores, mas não os achei” (69.20). Havia curado os corações quebrantados, mas no caminho da cruz esteve sozinho com Seus próprios sofrimentos. Sempre esteve presente quando alguém necessitou de ajuda. Manifestou Sua simpatia aos que estavam consumidos de dor. Mas no momento em que Ele mesmo passou pela mais vasta angústia, o coração dos demais se fechou para Ele.
Ele havia semeado apenas amor, e na maioria das vezes colheu uma amarga hostilidade. Até mesmo reprovavam Sua confiança em Seu Deus. E Seus discípulos? O Senhor não esperava o consolo da parte dele? Haviam fugido. Jesus devia seguir esse caminho doloroso inteiramente só.
O salmo 22 expressa Seus sentimentos quando estava na cruz: “Como água Me derramei, e todos os Meus ossos se desconjuntaram; o Meu coração é como cera, derreteu-se no meio das Minhas entranhas” (v. 14).
Quem de nós poderia sondar o que foi, naquele momento, a angústia do Salvador? A Ele sejam eternamente o louvor e as ações de graças!
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(Traduzido por Francisco Nunes de “Corazones quebrantados”, da revista Creced 3/2015, publicada por Ediciones Bíblicas, da Suíça. Você pode usar esse artigo desde que não o altere, não omita a autoria, a fonte e a tradução e o use exclusivamente de maneira gratuita. Preferencialmente, não o copie em seu sítio ou blog, mas coloque lá um link que aponte para o artigo.)
Essas passagens colocam diante de nós várias coisas bem precisas. Elas nos trazem uma série de dísticos, de duplas.
Dois homens
Em primeiro lugar, elas apresentam dois homens, Adão e Cristo, e os apresentam como dois homens raciais, ou seja, dois homens que são a cabeça e o representante inclusivo de duas raças diferentes. E elas tornam perfeitamente claro que é impossível estar em ambos os homens ao mesmo tempo ou pertencer a ambas raças. Se você está vivo em Adão, está morto para Cristo. Se você está vivo em Cristo, está morto para Adão. Esses dois, portanto, são definidos por nenhum fato menor, menos importante, do que vida e morte, e essas duas coisas são bem separadas, pois é muito diferente, no sentido divino, estar vivo de estar morto no sentido divino.
Dois homens – e a Palavra de Deus diz que estamos em um ou em outro. Por natureza, não podemos mudar isso por nós mesmos, não temos escolha. Nós nascemos em e de Adão. Ele é nossa cabeça natural, o progenitor de nossa raça e de nossa ordem naturais. Estamos nele por natureza, e não podemos deixar de estar. E, ainda assim, Deus fez provisão para que saíssemos de Adão, para que não tivéssemos mais de estar em Adão, mas pudéssemos estar em Cristo. Ele diz: “Todos morrem em Adão” (1Co 15.22) ou: “Todos estão mortos”. A morte reina sobre toda a raça de Adão. Em Cristo, todos estão vivos, pois Cristo está vivo e vive no pleno sentido divino. Mas surge a pergunta: “Como podemos sair de Adão e entrar em Cristo?” E esse é o ponto sobre o qual vamos concentrar nossa meditação hoje, quando passamos pelas outras verdades que se apresentam naquelas passagens.
Há dois homens, para começar, e eles são totalmente separados. Eles não têm nenhuma amizade, nenhum relacionamento, nenhuma comunhão, nada em comum. Adão e Cristo são dois tipos distintos e pertencem a dois mundos e reinos distintamente diferentes, e, fora de Cristo, estamos em Adão. Em Adão, estamos fora de Cristo. Em Cristo, não estamos mais em Adão. É isso que a Escritura torna perfeitamente claro e é assim que temos perfeita clareza sobre isso. Há um grande empenho sendo feito hoje para, de alguma forma, criar uma ponte sobre essa separação, a fim de atravessá-la, para torná-la menos diferente e distinta do que é. Você encontra pessoas trabalhando com o objetivo de tentar levar outras pessoas para Cristo indo à terra delas, considerando onde elas estão e tentando encontrá-las em seu próprio território. Isso é apresentado numa frase muito comum: “É preciso encontrar as pessoas em seu próprio território1”, mas isso é um erro fatal quando você está procurando trazer as pessoas para o terreno de Cristo. Muitas vezes ouvimos de coisas sendo feitas e de métodos sendo adotados a fim de tentar ganhar pessoas para Cristo por considerar cuidadosamente o que preocupa as pessoas ou tendo as pessoas em vista. Por exemplo, considere uma turma de estudantes. Para ganhá-los, você deve ir ao território dos estudantes, assumir uma posição intelectual e lidar com eles segundo uma linha intelectual. Isso é tomar uma base natural, e nunca resulta realmente em uma posição definida e real em Cristo. E em muitas outras áreas esse tipo de coisa é feita.
Eles não têm nenhuma amizade, nenhum relacionamento, nenhuma comunhão, nada em comum.
O Senhor Jesus sabia muito bem, como alguém que sabia de tudo, que esse tipo de coisa não pode funcionar. Aproximou-se Dele aquele que era um bom homem: Nicodemos. Nicodemos era, em primeiro lugar, um homem naturalmente religioso e, sem dúvida, um homem educado, e, por fim, um homem de posição social e de influência, um homem que tinha conquistado muitas coisas em seu próprio lado da natureza, as quais lhe deram uma base e feito dele alguém. Ele veio ao Senhor Jesus e começou a falar sobre seu próprio procedimento, de seu próprio caminho. “Bem sabemos que és Mestre, vindo de Deus” (Jo 3.2). “Pare, Nicodemos! Você não pode ir mais longe. Se você veio para obter ajuda de Mim, Eu não posso ajudá-lo enquanto você não ver para Meu terreno. Você está em um reino, Eu estou em outro. Você pertence a um homem; Eu sou totalmente outro homem. Eu não posso seguir com você em seus passos. Nicodemos, se quiser ter alguma coisa de Mim, você deve nascer de novo, você deve nascer de cima. Você deve vir para Meu terreno, sair de seu próprio terreno. Eu não posso encontrar você .” Ele parou a coisa toda de uma vez e colocou a questão: “Somos dois homens diferentes. Você pertence a uma raça, Eu pertenço a outra. Você pertence a um mundo, Eu pertenço a outra. Há muitas coisas boas sobre você para seu mundo, mas, no Meu mundo, elas não têm importância. Você tem de sair de um para o outro e reconhecer que nada do que está em Adão tem qualquer valor quando se trata de salvação. Não, há uma grande lacuna entre nós e nada pode preenchê-la. Você tem de sair desse terreno e ir para outro antes que possa haver um real começo em entender as coisas de Cristo.”
Dois nascimentos
Dois homens que representam dois reinos e duas naturezas tão absoluta e completamente diferentes tornam fazer a comunhão entre si completamente impossível. Bem, dois homens: isso é o que está estabelecido, e temos de ser muito francos sobre isso. Vamos reconhecer isso e sempre apresentá-lo para as pessoas e nunca tentar ir para o terreno delas e tomar a posição delas, na esperança de ganhá-las para o nosso ou para o de Cristo. Não vai funcionar. Temos de estar no terreno de Cristo e dizer: “Você precisa nascer de novo antes que possa ter um começo, antes que possa ter o primeiro vislumbre da luz ou da vida no que diz respeito ao céu”. Assim, os dois homens, como essas palavras deixam claro, representam dois nascimentos: “O que é nascido da carne”, como o Senhor Jesus disse a Nicodemos, “é carne, e o que é nascido do Espírito é espírito” (v. 6) – dois nascimentos distintos. O nascimento em Adão é o nascimento segundo a carne. O nascimento em Cristo é o nascimento do Espírito. “Você deve nascer de novo.”
Duas hereditariedades
Depois, por causa dos diferentes nascimentos certamente haverá duas hereditariedades: a que o Novo Testamento chama de “o velho homem” e a que é chamada de “o novo homem”. Sabemos muito bem que temos nosso homem velho por hereditariedade; temos a hereditariedade de Adão. Nós não estamos apenas em Adão pelo nascimento, mas Adão está em nós pelo nascimento. Quando os filhos de Israel estavam no Egito, eles estavam no Egito, e então Deus os tirou do Egito, mas por 40 anos ficou bastante claro que o Egito não havia saído deles. Este era o problema: durante 40 anos no deserto, o Egito que neles estava foi sendo tratado. O coração deles estava sempre ligado com o Egito. A única coisa que se tornou tão manifestamente necessária era que o Egito no coração tinha de ser suplantado pela Terra da Promessa, e aquelas pessoas que não tinham a terra no coração pereceram no deserto porque o Egito ainda estava em seu coração, mas a nova raça, a nova geração, em cujo coração a terra estava, entrou e a possuiu. Estamos em Adão, mas Adão está em nós também. Temos a hereditariedade de Adão e sabemos disso muito bem. Mas há também outro aspecto.
Quando estamos em Cristo, quando nascemos de novo do Espírito, então, temos a nova hereditariedade. Nós herdamos o que há em Cristo. Pedro fala de nos tornarmos “participantes da natureza divina” (2Pe 1.4). É implantada em nós no novo nascimento a hereditariedade do Senhor Jesus Cristo. Nós herdamos algo por nascermos Dele, e isso está em Cristo como está em nós, que é a esperança de tudo. Como Paulo afirmou: “Cristo em vós, a esperança da glória” (Cl 1.27). Agora, não somente em Cristo, mas Cristo em nós pelo novo nascimento, de modo que não é só que viemos para o reino do cristianismo, uma esfera chamado “Cristo”, mas que entraram em nós as poderosas energias da própria vida de Cristo e da própria disposição e natureza de Cristo a crescer. Assim como o que nasce no corpo se manifesta mais cedo ou mais tarde em natureza – e toda nossa vida natural nada mais é do que o desdobramento gradual do que está em nós por natureza, e quanto mais velhos ficamos, mais consciente de que somos como certas pessoas que existiram antes de nós, quantos vestígios de nossos antepassados somos capazes de descobrir –, assim é em Cristo. Conforme avançamos, se de fato seguimos em Cristo, o que herdamos Dele cresce e se torna cada vez mais evidente.
Então, há dois cursos. Há o curso de Adão e o curso de Cristo. O curso de Adão é chamado, ou denominado, de “terreno, da terra”. Uma vez que Adão pecou e caiu, seu curso foi inteiramente terreno. Tudo relativo a ele – todos os seus interesses, sua visão toda, todas as suas energias – aponta para baixo e é da terra, é terreno. Paulo fala disso, como você observa na passagem em 1 Coríntios 15: “O primeiro homem, da terra, é terreno […] Assim como trouxemos a imagem do terreno […]” (vv. 47-49). Gosto do modo como isso é colocado. O Espírito Santo sabe o que está fazendo quando usa palavras. Ele poderia facilmente ter usado “terrestre” aqui, mas usou “terreno”. Você pode pensar que há muito pouca diferença. Se você diz “terrestre”, isso significa que você pertence a certo reino e sua associação é com esse reino. Mas se diz “terreno”, isso significa que você é da própria natureza desse reino, e essa é uma grande diferença. Você pode estar no mundo no que diz respeito a seu ser físico, mas não é de todo necessário para você ser um com o mundo em sua natureza e disposição. O Senhor Jesus disse: “Eles estão no mundo, mas não são do mundo” (Jo 17.14), e “terreno” significa que não somos apenas ligados à terra, mas que participamos de algo que é chamado de “terra”, de uma natureza, e nosso curso é este – um curso terreno – e não há céu aberto para nós.
Em Cristo, o que herdamos Dele cresce e se torna cada vez mais evidente.
Mas, então, há o curso de Cristo, e você sabe que, sempre em conexão com Cristo, está a palavra “celestial”. “Vós sois de baixo, Eu sou de cima” (Jo 8.23). “Eu desci do céu” (6.38). O homem celestial, o último Adão, é o Senhor do céu, e o curso em Cristo significa que nosso curso é celestial, nossos interesses são celestiais, nossos recursos são celestiais, nosso objetivo é celestial, nossas obras são celestiais. Nossa vida é celestial em natureza, substância e força. “Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de cima, onde Cristo está […] A vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3.1,3). O curso de Cristo é celestial.
Não se esqueça que o único objetivo do grande inimigo, Satanás, é criar uma ligação entre os filhos de Deus e aquilo que é terreno. Ele tem tentado e conseguido com a Igreja quase como um todo ao longo de séculos, tornando-a algo terreno, algo aqui de baixo, pertencente à terra, enquanto ela, em seus primórdios, era inteiramente e só celestial – muito simples. Seus locais de reunião eram muito simples, não considerados pelo mundo; todas as suas formas e seus caminhos eram muito simples, na verdade. Não havia nada aqui nesta terra e no mundo para ganhar o favor dela, sua reputação ou seu reconhecimento, mas sua vida era celestial. A única coisa que ela tinha aqui embaixo era um testemunho, e era um testemunho de um Cristo celestial e reinante. Satanás triunfou tremendamente ao fazer da Igreja algo terreno, e ele está sempre tentando fazer isso com você e comigo, a fim de obter uma ligação entre nós e o que está aqui e roubar-nos de nossa vida essencialmente celestial. Se ele não pode fazê-lo de uma maneira, tentará fazê-lo de outra. Inconscientemente, imperceptivelmente, a coisa opera até que nosso coração seja afastado do Senhor celestial e tenha um interesse no que está aqui.
Dois destinos
Então, finalmente, temos dois destinos. Em Adão: juízo de condenação. Este é o destino para a raça de Adão, para a vida de Adão: condenação, julgamento, morte, morte eterna. O outro destino, em Cristo, é um destino glorioso, a vida eterna, honra e glória eternas.
Estou falando muito brevemente sobre essas coisas, mas esse é o grande divisor de águas em todos os aspectos.
O caminho para fora de Adão e para dentro de Cristo
Agora, como sair de um e entrar no outro? Como sair de Adão e entrar em Cristo? Como sair do velho nascimento para o novo nascimento? Como sair da hereditariedade do velho homem para a do novo homem? Como afastar-se desse velho curso terreno e ir para o novo curso celestial? Como sair do destino de julgamento e morte e ir para o destino de vida e glória? Como? Bem, as Escrituras deixam isso perfeitamente claro. Como sair de Adão? Você nunca poderá lutar para sair de Adão e entrar em Cristo. Você nunca poderá, por qualquer força de vontade, sair de Adão e entrar em Cristo. Se sua vontade é mais forte do que a de Satanás, então, você pode controlá-la, mas todos os que têm tentado descobriram que isso não acontece. Satanás é muito inteligente e muito poderoso, e ele não deixa o que é dele ir facilmente. Como, então?
Há apenas um caminho. Deus encontrou uma maneira e Deus determinou um caminho. “Como posso sair de Adão?” Bem: morra – isso é tudo. “Se eu morrer…” Bem, isso é o fim de tudo. Para sair de Adão, somente pela morte. E como entrar em Cristo? Pela ressurreição. Por isso, somos apresentados como tendo morrido em Cristo. Como podemos morrer? Não podemos cometer suicídio, não podemos nos matar, não podemos pôr fim a essa relação miserável de vida com Adão por qualquer meio a nosso alcance. Deus providenciou um caminho, e Ele fez Seu Filho nosso representante a morrer uma morte poderosa e inclusiva como nossa morte. Ele morreu como nós aos olhos de Deus, e a morte de Cristo é uma coisa poderosa. Ela é tornada eficaz pelo Espírito Santo. Então, o que temos de fazer é ver, em primeiro lugar, Cristo como nosso representante morrer em nosso lugar como nós. Então, pela fé, aceitara a Ele e a Sua morte como nossos e nos considerar como tendo morrido em Cristo, e, em seguida, pela mesma fé na ressurreição do Senhor Jesus, ver que Ele é ressuscitado por nós e como nós para nossa justificação, e na fé tomá-Lo como o Senhor ressuscitado, como nossa nova vida, para ser em nós a nova vida. Nós morremos Nele, somos ressuscitados Nele, e contamos com o Espírito Santo para tornar isso real.
Então, o Senhor diz3: “Aqui está uma maneira que projetei para que você possa testemunhar a todas as inteligências visíveis e invisíveis sobre a posição que tomou. Eia aqui água, eis aqui um túmulo. Desça a ele e, ao fazê-lo, declare na terra e diante do céu e diante do inferno que, na morte de Cristo, você morreu, e que isso é o fim de Adão e de tudo o que pertence a Adão. Em Cristo, você vive de novo, mas não mais em Adão”. “De agora em diante, Nele” e em tudo o que Ele representa. Essa é a sua maneira de fazer uma declaração, e o Senhor aplica Seu selo sobre esse testemunho. Isso não é o fato, mas provê uma maneira de nosso testemunho dele, e Deus a ordenou.
Tudo isso é muito elementar, mas é muito importante que haja muita clareza sobre as coisas que são claras, e que coloquemos as coisas em seu lugar e vejamos que há reinos e relacionamentos distintamente diferentes separados por Deus, sem qualquer comunhão um com o outro, e estamos em um ou estamos em outro, e nunca podemos estar em ambos ao mesmo tempo. Estamos em Adão ou estamos em Cristo. Se estamos em Adão, não estamos em Cristo. Se estamos em Cristo, não estamos em Adão; Cristo é a nossa vida. Espero que você tenha feito essa distinção e se posicionado no território divino.
1Talvez no Brasil se diga algo como: “É preciso ir onde o povo está.” (N. do T.)
2No sentido de fluir, de corrente, como o curso de um rio. (N. do T.)
3Evidentemente, o autor está fazendo uma paráfrase de várias declarações do Senhor Jesus e do significado delas, não citando uma passagem específica. (N. do T.)
“Que é a verdade?” (Jo 18.38). Pilatos, com a consciência intranqüila, tendo feito essa pergunta a Jesus e sem esperar pela resposta, saiu para tentar desviar o povo de suas intenções homicidas. Todos estavam sob o poder de Satanás, pai da mentira e homicida desde o princípio (8.44). Pouco depois, o povo gritou: “Crucifica-o! Crucifica-o!”
A pergunta permanece. Em todos os tempos, os sábios da terra têm tentado em vão respondê-la apenas com os recursos de sua mente. Essa pergunta deveria atormentar cada vez mais o mundo, se seu chefe não o seduzisse a fim de arrastá-lo para o juízo eterno.
Mas há uma resposta para toda alma que se inclina, pela fé, diante da tríplice declaração de Jesus:
“Eu sou […] a verdade” (14.6).
“Tua Palavra é a verdade” (17.17).
“O Espírito é a verdade” (1Jo 5.6).
Aquele que crê em Jesus Cristo, por quem veio a verdade:
é libertado do domínio de Satanás e dos enganos dos homens: “Para que não sejamos mais meninos inconstantes, levados em roda por todo o vento de doutrina, pelo engano dos homens que com astúcia enganam fraudulosamente” (Ef 4.14).
conhece a verdade, e esta o liberta: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32).
está no Verdadeiro: “Sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para conhecermos o que é verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1Jo 5.20).
a verdade está nele e ele está na verdade: “Por amor da verdade que está em nós, e para sempre estará conosco” (2Jo 2). “Disse-lhe, pois, Pilatos: ‘Logo, tu és rei?’ Jesus respondeu: ‘Tu dizes que eu sou rei. Eu para isso nasci e para isso vim ao mundo, a fim de dar testemunho da verdade. Todo aquele que é da verdade ouve a minha voz’.” (Jo 18.37).
anda na verdade: “Muito me alegrei quando os irmãos vieram e testificaram da tua verdade, como tu andas na verdade” (3Jo 3).
escuta a voz de Jesus, a voz da verdade: “As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem” (Jo 10.27).
Que graça, portanto, crer na verdade! Todos os que não crêem na verdade, mas se comprazem com a mentira, serão condenados (2Ts 2.12).
Como comprar a verdade?
Essa compra exclui, é importante dizer, a idéia de um preço que há de ser pago, de uma soma que se há de desembolsar. A prata não é pesada para comprar a verdade (Jó 28.15); nenhum recurso humano permite sua aquisição. Só a fé permite possuí-la, com a salvação que Deus dá em Jesus, seu dom inefável (2Co 9.15).
Então, nenhum sacrifício é necessário para essa bem-aventurada aquisição? Por certo que é! Primeiramente, uma renúncia de todo o ser, que se submete, segundo a obediência da fé (Rm 16.26), à ação do Espírito da verdade. Então, por Sua própria vontade, Deus opera na alma esse nascimento pela palavra da verdade (Tg 1.18). É a conversão.
Pensemos no apóstolo Paulo, interpelado por Cristo no caminho para Damasco. Se conhecemos nosso coração um pouco, compreenderemos o sentido da frase do Senhor: “Dura coisa te é recalcitrar contra os aguilhões” (At 26.14). Paulo deveria abandonar toda a justiça própria, que exalta o homem, na qual se deleitava (Fp 3.4-9).
Esse é o preço que todos devemos aceitar para que nos seja possível comprar a verdade. Quantas pessoas tropeçam diante da necessidade de considerar como escória (v. 8) o que produz orgulho de sua vida, reta aos próprios olhos! Não é nada mais que escória! Que menosprezo por seu esforço por fazer o bem, por sua conduta digna, pela consideração dos demais, em que até agora estavam satisfeitas!
Mas, ao considerarmos como escória, concordamos com o Deus justo e santo, o qual nos mostra nosso estado de morte em nossos delitos e pecados. Essa convicção de pecado é ainda o trabalho de Sua graça em nosso coração. Essa é a primeira condição para a aquisição da verdade. Vamos, sem recursos próprios, despojados de toda pretensão, desprovidos de todo bem segundo Deus, e aceitamos o que Deus declara: “Não há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; não há ninguém que busque a Deus” (Rm 3.10,11).
Quantas pessoas tropeçam diante da necessidade de considerar como escória o que produz orgulho de sua vida, reta aos próprios olhos!
Então, também se faz ouvir a voz de Jesus: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Nesse momento, Deus pode nos dizer: “Dá-me, filho meu, o teu coração” (Pv 23.26). É como uma segunda condição que Ele estabelece. Essa única coisa que Ele nos pede deixa de lado todo o atrativo que o mundo apresenta a nosso coração, pois acrescenta: “E os teus olhos observem os meus caminhos”.
Dar o coração… Freqüentemente essa expressão de Provérbios é usada para falar da conversão. Mas uma verdadeira conversão não é somente a adesão a um ensinamento bíblico; não pode acontecer de uma simples aproximação do coração produzida pelo evangelho. Não, pois dar o coração a Deus, ao Salvador, implica o que o Senhor disse ao jovem rico: “Falta-te uma coisa: vai, vende tudo quanto tens, e dá-o aos pobres, e terás um tesouro no céu; e vem, toma a cruz e segue-me” (Mc 10.21). É a renúncia àquilo que até agora dominou o coração; é a obediência à verdade. Assim se compra a verdade. Todo o ser é agarrado por Cristo e, desde então, deseja apegar-se a Ele, aceitando também o peso de Seu opróbrio e do desprezo do mundo.
Dar o coração é mais do que a intenção de nutrir a imaginação ou de progredir no conhecimento religioso. Se não damos verdadeiramente todo o nosso coração a Jesus, para conhecer a verdade Nele e andar na verdade, podemos estar certos de que ficaremos entre os que sempre aprendem sem, contudo, chegar ao conhecimento da verdade (2Tm 3.7). É um estado de alma enganoso e cheio de perigos.
Não vender a verdade!
Mas Provérbios 23.23 também apresenta um dever com respeito à verdade: “Não a vendas”. Essa ordem se refere unicamente ao fato do Senhor ter dito: “De graça recebestes, de graça dai” (Mt 10.8) e: “Mais bem-aventurada coisa é dar do que receber” (At 20.35)? O apóstolo apresentava “de graça o evangelho de Cristo” (1Co 9.18). Por acaso, era para fechar a boca dos incrédulos, inclinados a dizer: “O cristianismo é uma religião de dinheiro; sempre nos é pedido para dar, até mesmo para ter um lugar no céu”? Não, pois seria anular o que Deus disse e repetiu: “Vinde […] os que não tendes dinheiro […] vinde, comprai, sem dinheiro e sem preço” (Is 55.1). A salvação é o dom [presente] de Deus em Jesus, o qual é, Ele mesmo, o dom de Deus.
Portanto, qual é o sentido desta ordem relacionada com a verdade: “Não a vendas”? No campo das coisas terrenas, alguém não se desprende, nem mesmo por um grande preço, daquilo que quer muito; freqüentemente, o coração se apega mesmo aos objetos materiais como se eles tivessem alma. Evocam-se tantas recordações, o querido passado tem tanto valor para o coração… Vender a verdade? Instintivamente, o fiel se nega a fazê-lo. No entanto, tenhamos cuidado, porque há tantas maneiras de manifestar que a verdade, ao final das contas, não nos é tão preciosa como o afirmamos com palavras.
A esse respeito, lembremos dos mais humilhantes exemplos da Palavra.
Esaú vendeu sua primogenitura por um prato de lentilhas. Naquele momento de cansaço produzido pela tarefa de caçar, que lhe importavam as promessas feitas a Abraão e a espera “da cidade que tem fundamentos”? Perdeu todo direito à bênção, pelo que foi rejeitado, ainda que a tenha buscado com lágrimas (Hb 11.10; 12.16,17).
Judas, em quem Satanás ia entrar, já havia concluído com os homens religiosos e os chefes do povo o trato abjeto: por trinta peças de prata vendeu o Justo (Am 2.6) e entregou o sangue inocente. Por trezentos denários teria vendido o perfume de Maria, que era de um valor incalculável para o coração do Salvador.
Esses são os solenes descarrilhamentos do incrédulo ou do coração manchado com a horrível lepra do amor ao dinheiro. Nós, cristãos, estamos igualmente expostos a falhar, ainda que em menor grau; e isso seria um real menosprezo à verdade e às riquezas que ela contém em Jesus.
Podemos estar inclinados a vendê-la muito barato quando, por exemplo, desconhecendo o valor de congregar-nos em torno do Senhor, menosprezamos Seu dia santo ao andar em nossos próprios caminhos (Is 58.13,14), buscando distrações e prazeres mundanos em lugar dos benefícios de Sua presença no meio dos Seus. “Não deixando a nossa congregação, como é costume de alguns, antes admoestando-nos uns aos outros; e tanto mais, quanto vedes que se vai aproximando aquele dia”, é a exortação apostólica (Hb 10.25).
Temamos que nosso coração se aparte da verdade que está em Cristo Jesus. Manifestar indiferença a Seu respeito ou abandonar a verdade ainda que em pequena medida seria vendê-la. Mantenhamos nossa alma purificada “pelo Espírito na obediência à verdade” (1Pe 1.22).
“Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração” (Pv 4.23). Querido irmão, não esqueça dessa exortação. Se você entregou verdadeiramente seu coração ao Senhor, você permitiria que ele se unisse, quer aos incrédulos – o que seria a pior maneira de vender a verdade em lugar de estar a ela submisso –, quer mesmo a cristãos, os quais lhe levariam para fora da senda da fé traçada por Deus, no meio da confusão que reina na cristandade professante, ou seja, sem a vida?
Quantas vidas malogradas existem por falta da comunhão em Deus e com Deus e quantos problemas no lar, dia após dia! Que o Senhor guarde você. Não venda a verdade, à qual você deve estar submisso, quando a Palavra lhe ordena a não se unir em “jugo desigual” (2Co 6.14,15).
Temamos que nosso coração se aparte da verdade que está em Cristo Jesus.
Além disso, para nós, hoje, é grande o perigo de conceder à verdade menos valor do que teve para os que nos precederam no caminho da fé. Aqueles, por sua fidelidade, trabalharam para edificar “um muro” (Ez 13.5) para salvar sua alma e a nossa. Em seu tempo, eles compraram a verdade, pondo o conhecimento da verdade segundo Deus acima dos laços, ainda que muito estreitos, que os uniam a outros. Com verdadeira dor no coração, esses crentes fiéis se afastaram da cristandade professante, por obediência ao Senhor, para encontrar-se com Ele fora do arraial (Hb 13.13).
Agora nos compete fechar as brechas nesse muro que deixamos que fossem abertas no tocante a nossa segurança, com respeito a esse testemunho que devemos dar ao Senhor. Todos temos de velar sobre nossa alma. Não vendamos a verdade que era tão preciosa para aqueles cristãos fiéis no princípio do século 19.
Podemos compreender um pouco que o coração daqueles crentes foi agarrado pela verdade, ao constatar quão pouco havia, em sua época, do verdadeiro ensinamento evangélico. Que pobreza espiritual no que era pregado! Um evangelho privado de toda a sua substância divina, carente da pregação da cruz! Essas almas despertadas tinham fome da Palavra de Deus e sede da verdade!
Então, Deus levantou irmãos piedosos, mentes esclarecidas pelas quais Ele operava, afastando-os de toda organização humana, consagrando-os ao bem do rebanho, apresentando aos irmãos Cristo como alimento. Então, todas as verdades que emanam de Sua obra e dizem respeito a Sua pessoa, na expectativa de Seu regresso, foram recebidas com alegria e diligência por esses corações cujo caminhar na senda da verdade é-nos proposto como exemplo (Hb 13.7). E ainda hoje nos beneficiamos de sua fidelidade.
Não cedamos a um pessimismo que faz esquecer a graça do Deus fiel. Talvez nos oprima o sentimento dos esforços redobrados do adversário para prejudicar-nos. Ele sempre tentará fazer-nos desprezar a Palavra, nosso verdadeiro tesouro. Portanto, ponhamos cada vez mais atenção ao mandamento divino: “Compra a verdade e não a vendas”.
O supremo motivo pelo qual todas as coisas cooperam para o bem é o íntimo e carinhoso interesse que Deus tem por Seu povo
O Senhor fez uma aliança com os membros de Seu povo. “Eles serão o meu povo, e eu serei o seu Deus” (Jr 32.38). Em virtude desse pacto, todas as coisas cooperam, e devem mesmo cooperar, para o bem deles. “Eu sou Deus, o teu Deus” (Sl 50.7). Esta expressão, “o teu Deus”, é a mais doce expressão em toda a Bíblia; ela revela as melhores relações, e é impossível haver tais relações entre Deus e Seu povo e, ainda assim, todas as coisas não cooperarem para o bem deles. Esta expressão, “Eu sou o teu Deus”, implica:
1. A relação com um médico: “Eu sou o teu Médico”.
Deus é um Médico habilidoso. Ele sabe o que é melhor. Deus observa os diferentes temperamentos dos homens, e sabe o que irá funcionar com mais eficácia. Alguns são de uma disposição mais dócil e são conduzidos pela misericórdia. Outros são vasos mais ríspidos e complicados; com esses, Deus trata de uma maneira mais forçosa. Algumas coisas se conservam em açúcar; outras, em salmoura. Deus não trata com todos de maneira indistinta; Ele tem provações para o forte e consolos para o fraco. Deus é um Médico fiel, e portanto usará todas as coisas para o melhor. Se Deus não lhe dá aquilo de que você gostaria, Ele dará aquilo de que você precisa. Um médico não estuda tanto tempo para satisfazer os gostos do paciente, mas para curá-lo de sua enfermidade. Nós nos queixamos de que provações muito dolorosas vêm sobre nós; lembremo-nos de que Deus é nosso Médico; portanto, Seu trabalho é para nos curar, em vez de para nos entreter. A maneira de Deus tratar com Seus filhos, embora seja severa, é uma maneira segura e que visa nos curar; ” para te humilhar, e para te provar, e, afinal, te fazer bem” (Dt 8.16).
Deus é nosso Médico; portanto, Seu trabalho é para nos curar, em vez de para nos entreter
2. Esta expressão, “o teu Deus”, implica a relação com um Pai.
Um pai ama seu filho; portanto, seja um sorriso, seja uma palmada, tudo é para o bem da criança. “Eu sou o teu Deus, o teu Pai; portanto tudo o que Eu faço é para teu bem”. “Sabe, pois, no teu coração, que, como um homem disciplina a seu filho, assim te disciplina o SENHOR, teu Deus” (v. 5). A disciplina de Deus não é para destruir, mas para aperfeiçoar. Deus não pode causar dano a Seus filhos, pois Ele é um Pai de terno coração: “Como um pai se compadece de seus filhos, assim o SENHOR se compadece dos que o temem” (Sl 103.13). Acaso um pai buscará a ruína de seu filho, do filho que veio dele mesmo e que carrega sua imagem? Todo o seu cuidado e disposição são para o filho. A favor de quem ele deixa sua herança, senão para o filho? Deus tem um terno coração e é o “Pai de misericórdias” (2Co 1.3). Ele derrama todas as misericórdias e toda a bondade nas criaturas.
Deus é um Pai eterno (Is 9.6). Ele era nosso Pai desde a eternidade; antes que nós fôssemos crianças, Deus era nosso Pai, e Ele será nosso Pai por toda a eternidade. Um pai provê para o filho enquanto vive; mas o pai morre, e então o filho pode ser exposto a danos. Mas Deus nunca cessa de ser Pai. Você, que é cristão, tem um Pai que nunca morre; e, se Deus é seu Pai, você nunca ficará desamparado. Todas as coisas devem cooperar para o seu bem.
3. Esta expressão, “o teu Deus”, implica a relação com um Marido.
Essa é uma relação íntima e doce. O marido busca o bem da esposa; seria antinatural que ele vagueasse para destruir sua mulher. “Porque ninguém jamais odiou a própria carne” (Ef 5.29). Há uma relação marital entre Deus e Seu povo. “Porque o teu Criador é o teu marido” (Is 54.5). Deus ama plenamente Seu povo. Ele o tem gravado na palma das mãos (49.16). Ele o põe como um selo sobre o coração (Ct 8.6). Ele dará reinos por seu resgate (Is 43.3). Isso mostra quão próximo ele está do coração de Deus. Se Ele é um Marido cujo coração é pleno de amor, então, Ele irá buscar o bem de Sua esposa. Ou Ele a protegerá de um dano ou Ele o converterá para um fim melhor.
4. Esta expressão, “o teu Deus”, implica a relação com um Amigo.
“Tal [é] o meu amigo” (Ct 5.16, ARC). Um amigo é, como diz Agostinho, metade do nosso eu. Ele é atento e desejoso acerca de como pode fazer bem a seu amigo; ele promove o bem-estar dele como se fosse o seu próprio. Jônatas enfrentou o aborrecimento do rei por seu amigo Davi (1Sm 19.4). Deus é nosso Amigo; portanto, Ele converterá todas as coisas para nosso bem. Existem falsos amigos; Cristo foi traído por um amigo; mas Deus é o melhor Amigo.
Ele é um Amigo fiel. “Saberás, pois, que o SENHOR, teu Deus, é Deus, o Deus fiel” (Dt 7.9). Ele é fiel em Seu amor. Ele deu Seu próprio coração a nós, quando entregou o Filho de Seu amor. Ali estava um padrão de amor sem paralelo. Ele é fiel em Suas promessas. “O Deus que não pode mentir prometeu” (Tt 1.2). Ele pode mudar Sua promessa, mas não pode quebrá-la. Ele é fiel em Seu proceder; mesmo quando está afligindo, Ele é fiel. “Bem sei, ó SENHOR, que os teus juízos são justos e que com fidelidade me afligiste” (Sl 119.75). Ele está nos peneirando e nos refinando como a prata (66.10).
Deus é nosso Amigo; portanto, Ele converterá todas as coisas para nosso bem. Existem falsos amigos; Cristo foi traído por um amigo; mas Deus é o melhor Amigo.
Deus é um Amigo imutável. “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5). Amigos às vezes falham numa emergência. Muitos procedem com os amigos como as mulheres, com as flores: enquanto estas estão frescas, elas as põem junto ao peito, mas, quando começam a murchar, elas as jogam foram. Ou como um viajante faz com o relógio de sol: se o sol brilha sobre o relógio, o viajante sai da estrada para consultar o relógio; mas se o sol não brilha sobre ele, ele segue dirigindo, sem sequer se lembrar do relógio. Assim, se a prosperidade brilha sobre um homem, então, os amigos atentam para ele; mas, se uma nuvem de adversidade paira sobre ele, eles não se aproximarão. Mas Deus é um Amigo para sempre; Ele disse: “De maneira alguma te deixarei”. Embora Davi andasse pelo vale da sombra da morte, ele sabia que tinha um Amigo a seu lado. “Não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo” (Sl 23.4). Deus nunca afasta completamente Seu amor de Seu povo. “Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até ao fim” (Jo 13.1). Sendo Deus tal Amigo, Ele fará todas as coisas cooperarem para nosso bem. Não há amigo que não busque o bem do amigo.
5. Esta expressão, “o teu Deus”, implica uma relação ainda mais íntima, a relação entre a Cabeça e os membros.
Há uma união mística entre Cristo e os santos: Ele é chamado “o Cabeça da igreja” (Ef 5.23). Não é verdade que a cabeça delibera pelo bem do corpo? Todas as partes da cabeça estão dispostas para o bem do corpo. O olho é posto como se estivesse numa torre de guarda; ele fica a postos para vigiar qualquer perigo que possa advir ao corpo, e preveni-lo. A língua serve tanto para provar como para discursar. Se o corpo fosse um microcosmo, ou um pequeno universo, a cabeça seria o sol desse universo, da qual procederia a luz da razão. A cabeça está posta para o bem do corpo. Cristo e os santos compõem um único corpo místico. Nossa Cabeça está nos céus, e certamente Ele não irá permitir que Seu corpo sofra dano, mas irá deliberar para a segurança dele e fará com que todas as coisas cooperem para o bem do corpo místico.
O ponto é este: ou nós devemos morrer eternamente ou o Filho de Deus deve derramar Seu sangue; ou nós ou o próprio Filho de Deus deve sofrer a ira de Deus, um dos dois: ou vermes miseráveis do pó que mereceram isso ou o Filho glorioso, amável, belo e inocente de Deus.
A queda do homem trouxe a esse ponto. Uma ou outra forma tem de ser determinada, e foi determinado, pela graça estranhamente livre e sem limites de Deus, que Seu próprio Filho deveria morrer para que os ofensivos vermes pudessem ser libertados, e postos em liberdade de sua punição, e que a justiça poderia fazê-los felizes. Aqui é a graça de fato; bem podemos gritar: “Graça, graça!” para isso.
E, ademais, Deus não fez isso pelos amigos, mas por Seus inimigos e por quem O odiava. Ele não fez isso por súditos leais, mas pelos rebeldes; ele não fez isso por aqueles que eram Seus filhos, mas pelos filhos do diabo. Ele não fez isso por aqueles que eram excelentes, mas por aqueles que eram mais odiosos do que sapos ou víboras. Ele não fez isso por aqueles que poderiam ser, de alguma maneira, rentáveis ou vantajosos para Ele, mas por aqueles que eram tão fracos que, em vez de dar lucro para Deus, não eram capazes de nem ao menos ajudarem a si mesmos.
Deus deu ao homem caído um presente tal que Ele não deixou nada para o homem fazer a fim de poder ser feliz, mas apenas receber o que lhe é dado. Embora o homem tenha pecado, Deus não requer reparações a serem feitas por ele. Deus não exige dele nenhuma restituição. Se os homens vão receber Seu Filho, Ele não exige dinheiro nem preço, nem que faça qualquer penitência a fim de ser perdoado. Deus oferece-se para salvá-los a troco de nada, apenas que eles recebam a salvação como ela é oferecida, ou seja, livremente por meio de Cristo, pela fé Nele.
“Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (Ef 3.1).
“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados” (4.1).
“Sofro trabalhos e até prisões, como um malfeitor; mas a palavra de Deus não está presa” (2Tm 2.9).
“Não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu; antes participa das aflições do evangelho segundo o poder de Deus” (2Tm 1.8).
Há um sentido muito real em que o apóstolo Paulo, em sua pessoa e experiência, foi uma corporificação da história da Igreja nesta era. Na verdade, parece ser um princípio na economia divina que aqueles a quem uma revelação foi confiada devem tê-la tão trabalhada em seu próprio ser e em sua história que sejam capazes de dizer: “Eu sou um sinal para vocês”. Ao considerar os trechos citados, vemos que o fim da vida de Paulo experimentou um processo de estreitamento e limitação operando por meio de “uma grande apostasia”, por um lado, e um confinamento do geral para o específico, em que ele, Paulo, representou o testemunho do outro. Isso é precisamente o que está predito quanto às condições relativas ao “fim”, e não é sem importância que seja especialmente mencionado nas declarações proféticas a Timóteo, na carta final. Desse modo, a ocorrência da expressão “o prisioneiro do [no] Senhor” nos últimos escritos é profética em seu significado, e maravilhosamente explicativa da forma final da soberania do Senhor.
O que temos aqui, então, é
1. O instrumento do testemunho do Senhor em um lugar de limitação, pela vontade de Deus.
Ao lermos o registro dos incidentes que levaram Paulo a Roma como prisioneiro – especialmente quando lemos as palavras de Agripa: “Bem podia soltar-se este homem, se não houvera apelado para César” (At 26.32) –, não podemos deixar de sentir que houve erros e acidentes, mas para os quais poderia ter havido um resultado muito mais propício, e o ministério geral do apóstolo poderia ter-se estendido. Pode ter havido momentos de estresse, quando o próprio Paulo foi tentado a se perguntar se não tinha sido impulsivo ao apelar ao imperador. Mas, conforme avançava, e quando o Senhor falou com ele, ocasionalmente, dando-lhe luz, ficou claro que, apesar da coisa ter sido humanamente realizada, havia o governo soberano de Deus em tudo e que ele estava na prisão, não como prisioneiro do imperador, mas como o prisioneiro no Senhor.
Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.
Talvez Paulo não tenha aceito isso tudo de uma vez. Possivelmente ele não tenha percebido como isso iria operar. Um julgamento e uma libertação mais ou menos rápidas podiam ter estado em sua mente. Alguma esperança de um ministério posterior entre os amados santos parece não estar ausente de sua correspondência. (Provavelmente, havia decorrido um curto período desde a libertação da primeira prisão.) Por fim, no entanto, ele aceitou totalmente que estava se tornando cada vez mais claro como o caminho do Senhor, e cresceu nele a certeza de que esse caminho estava de acordo com os maiores interesses do Corpo de Cristo. Assim, vemos que, quando vem o momento do povo do Senhor ser colocado face a face com as coisas últimas e supremas da revelação de Jesus Cristo – coisas além da salvação pessoal, coisas que se relacionam com a mente de Deus desde os tempos eternos e bem além de ser salvo –, então, tem de haver um estreitamento, um confinamento, um limitante. Muita atividade que foi feita, e tudo que foi feito a fim de trazer coisas para determinada posição e estado, agora cessam para levá-los mais adiante, e algo mais intensivo é necessário.
O que representa o testemunho em sua aproximação mais completa e mais próxima do propósito final de Deus, então, tem de ser despojado de muito do que tem sido bom, necessário e de Deus numa forma preparatória, e deve ser encarcerado para o que é final . O cativeiro não é uma verdade concebida ou uma aceitação doutrinária imposta. Ele é operado em cada fibra do ser pela experiência que segue à revelação, e a revelação interpreta a experiência. Não é a vitória de alguma interpretação defendida: é a própria vida dos instrumentos, e o instrumento é aquilo em seu próprio ser. Não está relacionado com querer ser ou não querer ser, mas a não poder ser nada a não ser um prisioneiro, algo feito pela soberania de Deus.
2. A importância e o valor de ver e aceitar as coisas na luz de Deus
Isso se aplicava a Paulo e àqueles que estavam com ele. Para o apóstolo, estar confortável na soberana ordenação de Deus em sua prisão resultava em iluminação crescente que levava à emancipação espiritual.
Ninguém pode deixar de reconhecer o enorme enriquecimento do ministério como o contido nas que são chamadas de “epístolas da prisão”: [ Efésios, Filipenses, Colossenses, Filemom]. Se ele tivesse sido obstinado, ressentido, rebelde ou amargo, não teria havido o céu aberto, e um espírito de controvérsia com o Senhor teria fechado e selado a porta para as mais plenas revelações e aclaramentos divinos.
Quando tudo foi aceito de acordo com a mente do Senhor, logo “os lugares celestiais” se tornaram as extensões eternas de sua caminhada sobre a terra, e servidão terrena deu lugar à liberdade celestial. Assim deve ser com cada instrumento separado para os interesses superiores do testemunho do Senhor.
A leitura de certas passagens em suas cartas e o registro de sua prisão mostra como isso se aplicava aos outros. Considere as seguintes:
“Portanto, não te envergonhes do testemunho de nosso Senhor, nem de mim, que sou prisioneiro seu” (2Tm 1.8).
“E Paulo ficou dois anos inteiros na sua própria habitação que alugara, e recebia todos quantos vinham vê-lo […] e ensinando com toda a liberdade as coisas pertencentes ao Senhor Jesus Cristo” (At 28.30,31).
“O Senhor conceda misericórdia à casa de Onesíforo, porque muitas vezes me recreou, e não se envergonhou das minhas cadeias. Antes, vindo ele a Roma, com muito cuidado me procurou e me achou” (2Tm 1.6,7).
É evidente que essas passagens indicam que tinha de haver uma compreensão divina e não apenas uma apreciação humana da posição de Paulo. Níveis humanos de mentalidade teriam produzido uma atmosfera de dúvida, desconfiança, questionamentos, e teriam deixado elementos de falsa imputação. Considerada em linhas meramente naturais, a associação com o prisioneiro teria envolvido tais associados em suspeita e preconceito. A dúvida sobre o servo do Senhor era muito difundida, e até mesmo muitos do povo do Senhor não tinham certeza sobre ele. Mas o Senhor estava fechando uma revelação muito importante para esse canal, e para os que estavam realmente em necessidade espiritual; estes que tinham de permanecer em uma relação viva com a plenitude do testemunho da identificação com Cristo na morte e na ressurreição, na união no trono com Ele, o poder sobre principados e potestades, e para o ministério “nos séculos vindouros”, tinham de ser postos de lado de todas considerações humanas, pessoais e diplomáticas, e permanecer bem ali com o instrumento com que Deus os colocou na prisão honrosa. Para a posse do que estava por vir por meio do vaso, tinha de haver uma ida ao lugar em que o vaso1 estava, sem consideração por reputação, influência ou popularidade.
Dessa forma, o Senhor peneira Seu povo e encontra quem realmente é inteiramente para Ele e para Seus testemunho, e quem age em qualquer medida por outras considerações e interesses. O instrumento nessa posição de rejeição popular é, portanto, a ferramenta de busca do Senhor pelos realmente necessitados e pobres de espírito. Eles serão encontrados e terão suas necessidades satisfeitas.
A outra verdade que permanece aqui, então, é que
3. Vergonha, desprezo e limitação são muitas vezes formas de Deus enriquecer todo o Corpo de Cristo.
Tem sido sempre assim. A medida de aproximação à plenitude da revelação tem sido sempre acompanhado por um custo relativo. Cada instrumento do testemunho tem sido colocada sob suspeita e desprezo em uma medida proporcional ao grau de valor para o Senhor, e isso fez com que, humanamente, eles sejam limitados a esse ponto. Muitos têm apostatado, caído, se afastado, duvidado, temido e questionado. Mas, como Paulo pôde dizer: “Portanto, vos peço que não desfaleçais nas minhas tribulações por vós, que são a vossa glória” (Ef 3.13.), ou: “Eu, Paulo, sou o prisioneiro de Jesus Cristo por vós, os gentios” (v. 1), então, a medida de limitação no Senhor é a medida de enriquecimento de Seu povo. Quanto mais completa a revelação, menos aqueles que a apreendem ou maior o número daqueles que permanecem ao longe. Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação, e tê-los experimentalmente significa compartilhar o custo de alguma forma. Mas essa é a maneira divina de garantir para Deus um lote2 de semente espiritual.
Revelação só vem por meio de sofrimento e limitação.
Um lote de sementes é uma coisa intensiva. Ali as coisas são reduzidas a dimensões muito limitadas. Não é algo visível de grande extensão que está imediatamente em vista, mas as coisas são consideradas, em primeiro lugar, à luz da semente. O verdadeiro significado das coisas não é sempre reconhecido lá, mas você pode viajar por todo o mundo e encontrar um grande número de jardins que são a expressão daquele intensivo e restrito lote de sementes. Se alguma vez houve tal lote de semente, foi a prisão de Paulo em Roma.
Tudo isso pode se aplicar a vidas individuais em relação ao testemunho do Senhor. Muitas vezes pode haver um atrito contra a limitação, o confinamento, e um desejo inquieto por aquilo que chamaríamos de algo mais amplo ou menos restrito. Se o Senhor nos quer no lugar em que estamos, nossa aceitação disso em fé pode provar que isso se torna uma coisa muito maior do que qualquer avaliação humana pode julgar. Gostaria de saber se Paulo tinha alguma idéia de que sua prisão significaria sua contínua expansão de valor para o Senhor Jesus ao longo 1.900 anos? O que se aplica a indivíduos também se aplica aos ajuntamentos, assembléias ou grupos do povo do Senhor espalhados na terra, mas um em sua comunhão com respeito ao testemunho pleno do Senhor.
Que o Senhor esteja graciosamente agradado de fazer com que o aspecto meramente humano dos muros da prisão sejam expulso e nos dê a percepção de que, longe de ser limitada por homens e circunstâncias, é prisão no Senhor, e isso significa que todas as era e todos os reinos entram por essa prisão.
(De Toward a Mark (Em direção à marca), jan-fev 1980, vol. 9-1.)
(Traduzido por Francisco Nunes. Original aqui. A maior parte dos textos de Austin-Sparks é transcrição de suas mensagens orais. Os irmãos que as transcrevem não fazem nenhuma edição ou aprimoramento. Por isso, o texto conserva bastante de sua oralidade, o que, em muitas circunstâncias, não permite uma tradução mais apurada. Se houver qualquer sugestão para aprimoramento deste trabalho, por favor, deixe um comentário. Este artigo pode ser distribuído e usado livremente, desde que não haja alteração no texto, sejam mantidas as informações de autoria, tradução e fonte e seja exclusivamente para uso gratuito.)
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1Instrumento e vaso, como visto neste artigo, são termos normalmente usados por Austin-Sparks para se referir aos servos de Deus. (N.T.)
2No sentido de um canteiro, um terreno pequeno. (N.T.)