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A casa, o nome e a glória (T. Austin-Sparks)

(Notas1 de uma mensagem proferida por Austin-Sparks na Conferência de dezembro)

 

Publicado pela primeira vez na revista A Witness and A Testimony, abril de 1927, Vol 5-4.

 

“Glorifica a teu Filho, para que também o teu Filho te glorifique a ti […] Para que vejam a minha glória que me deste: porque tu me amaste antes da fundação do mundo […] E todas as minhas coisas são tuas, e as tuas coisas são minhas; e nisso sou glorificado” (Jo 17.1,24,10).

“Pai, glorifica o teu nome. Então, veio uma voz do céu, que dizia: Já o tenho glorificado, e outra vez o glorificarei” (Jo 12.28).

“O zelo da tua casa me devorará” (Jo 2.17).

“Jesus Cristo, filho de Davi” (Mt 1.1).

E há de ser que, quando forem cumpridos os teus dias, para ires a teus pais, suscitarei a tua descendência depois de ti, um dos teus filhos, e estabelecerei o seu reino. Este me edificará casa; e eu confirmarei o seu trono para sempre. Eu lhe serei por pai, e ele me será por filho; e a minha benignidade não retirarei dele, como a tirei daquele que foi antes de ti” (1Cr 17.11-13).

“Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, hoje te gerei; e mais uma vez: Eu lhe serei Pai, e ele será para mim um Filho?” (Hb 1.5).

 

Salomão tornou-se um tipo de Cristo ao construir a casa e ao ter um trono. Lembre-se sempre de que a casa e o trono são combinados em Cristo. O templo espiritual, ou Igreja, e a soberania de Cristo entronizado e eterno: essas duas coisas sempre andam juntas. Em 2Crônicas 6 lê-se que Salomão construiu seu templo e dedicou-o ao Senhor, e em sua oração ele pede que (o Senhor tinha dito que Seu nome estaria lá) sempre que a oração fosse dirigida àquela Casa e qualquer homem, em qualquer parte da terra, se voltasse para lá com olhos de desejo e fome espirituais, pois o nome do Senhor estava lá, que esse homem percebesse a bondade amorosa do Senhor e experimentasse o poder do Senhor e libertação. Você verá, sem que eu precise apontar isso, muito naturalmente, a associação de três coisas nessas passagens:

 

A casa, o nome, a glória

“O zelo da tua casa me devorará”, disse Aquele que construiu uma casa mais gloriosa do que a de Salomão, um templo mais maravilhoso do que aquele que maravilhou a rainha de Sabá por sua beleza incrível. “Cristo, como Filho, sobre a sua própria casa; a qual casa somos nós, se tão somente conservarmos firme a confiança e a glória da esperança até ao fim” (Hb 3.6). Sobre a casa, que é mais familiarmente conhecida por nós como a Igreja, que é Seu Corpo, está Seu nome. E o nome é o objeto da glória: “Pai, glorifica o Teu Nome” (Jo 12.28). Você pode conectar essas coisas mais plenamente, mas tomamos a sugestão inclusiva delas na mensagem desta noite: que, de eternidade a eternidade, o objeto e a base da glória de Deus é Seu nome. E essa glória, por causa do nome, deve ser revelada e manifestada na Casa sobre a qual repousa o nome. Perceba o resumo proposto:

 

A glória antes dos tempos eternos e a glória encarnada

Agora coloque essas duas coisas juntas: “O zelo da tua casa me devorará”. Não é notável que imediatamente associado [à declaração “Manifestou a sua glória” (Jo 2.11)]2 haja esta declaração: “O zelo da tua casa me devorará” após os fariseus dizerem: “Dê-nos um sinal, nos mostre Suas credenciais: qual é Sua autoridade para fazer isto: usar essas cordas e expulsar do templo os que compram e vendem? Dê-nos um sinal de autoridade para fazer isso.” Isso foi perguntado na base deste dito: “O zelo da tua casa me devorará.” A resposta de Jesus foi: “Destruam este templo, e em três dias eu o levantarei”, falando a respeito de Seu corpo. A vindicação da soberania de Cristo está no corpo da ressurreição, no triunfo sobre a morte no corpo da ressurreição. E quando você chega ao terreno da ressurreição e fala sobre o Corpo, sempre lembre que – tanto quanto este mundo está em vista para propósitos presentes, e além deles, é claro, mas imediatamente para propósitos presentes – corpo é um Corpo coletivo, composto por todos os que foram unidos a Cristo na vida de ressurreição. Lembre-se de 1Coríntios 10:11.

Em primeiro lugar, o versículo 16: “O pão que partimos não é porventura a comunhão do corpo de Cristo?” Este é o pão que representa inclusivamente Cristo e Seus membros como um pão.

Em 11.24 lemos: “Isto é o meu corpo que é partido por vós”.

Agora, aqui você tem esse fato de que Ele imediatamente se refere a Sua ressurreição corporal corporativamente como a vindicação de Suas atividades e do estabelecimento de Sua soberania. “Destruam esse santuário, esse lugar de morada divina, e em três dias Eu o levantarei. Este é Meu sinal e esta é Minha vindicação: o Santuário de ressurreição, o Corpo de Cristo.” Deus vindica Cristo, justifica-O, e sobre aquele Corpo Seu nome repousa. Como o nome do Senhor simbolicamente pousou sobre o templo de Salomão, assim o Nome em realidade repouso sobre esse Corpo de ressurreição, e o nome é a base da glória divina. “Glorifica o Teu Nome.”

Se tivéssemos tempo e estivéssemos dispostos, poderíamos percorrer a Palavra e seguir as frases “o nome do Senhor” ou “Meu nome” ou “Meu santo nome”. Encontraríamos muita luz lançada sobre isto: que a única coisa sobre a qual Deus é ciumento é Seu nome, e é na sustentação de Seu nome que Ele mostra Sua Glória.

Tudo isso é básico. Acho que está perfeitamente claro, mas isso nos leva de volta para o princípio de coisas que tiveram início antes dos tempos eternos3. Lembremo-nos de que o nome não representa necessariamente um título humano. É aquele valor intrínseco que é consagrado dentro do mome do Senhor. Senhor: é o que o nome representa. Weymouth4 dá uma tradução esplêndida que nos ajuda aqui. Ao traduzir a expressão “nome que é sobre todo o nome” (Fp 2.9), ele verte: “Título de soberania acima de qualquer título de soberania”. Para fins de definição, eu faria uma melhoria e diria: “O título para soberania acima de todos os títulos para soberania”, pois é aí que você começa. Você percebe que foi o título da soberania suprema e todo-inclusiva e indivisível no Universo que foi atacado, vituperado. Ele foi atacado no céu. A igualdade do Filho com o Pai no título de soberania foi – como tantas vezes dissemos – desafiado e atacado por alguém que buscou ter a mesma igualdade – o ser igual a Deus – e, assim, entrar e dividir e ocupar um lugar ao qual não tinha direito, e tomar esse nome para si mesmo ilegalmente, para ser adorado como Deus. Seu último esforço todo-inclusivo será buscado no Templo de Deus ao ser adorado como Deus no anticristo.

Quando digo todo-inclusivo, quero dizer que ele vai reunir todas as formas ao longo dos séculos de sua tentativa de conseguir a posse. Toda forma em que ele veio ao longo dos tempos, em diferentes épocas e lugares, para tomar o lugar de Deus na raça humana e capturá-la para si mesmo. Nos deuses dos egípcios, você tem a coisa por trás de um sistema com toda sua parafernália. Na adoração cananéia, você tem um sistema de demonologia, a adoração de demônios e o rito de iniciação de passar pelo fogo. Esse aspirante à posição do Filho de Deus tem procurado capturar a raça humana, e no anticristo você vai ver que todos esses métodos são somados, em espiritismo e culto ao demônio, velado, coberto e glorificado, tanto quanto ele pode revesti-las com as coisas que capturarão a imaginação e a alma do homem, e ele será adorado como Deus. Contra o nome do Senhor essa coisa foi organizada e projetada e afirmada.

O título para a soberania por parte do Filho é o que o nome representa, e é para a santificação desse nome que o Filho saiu do seio do Pai, e entrou nessa tremenda obra e, por meio de Sua cruz, ganhou por herança um nome mais excelente que anjo e arcanjo, e esse nome é o símbolo de Sua justa autoridade e soberania no universo, nos céus e na terra. É o que Deus deseja glorificar, e o diabo deseja caluniar.

Agora talvez você entenda, se olhar para esse assunto sob essa luz, por que é que cada armadilha e laço e recurso diabólico está instituído e é contra aqueles que levam o nome do Senhor, pois, amados, temos de cumprir o que ninguém mais tem para fazê-lo nesses esforços do adversário, simplesmente porque o Nome está sobre nós, para caluniar e desantificar esse nome em nós e por meio de nós. Na medida em que o Senhor determinou que Seu nome deveria repousar sobre uma casa espiritual, um templo não feito por mãos, e que esse nome será a única coisa que Ele fará glorioso na casa, por meio da casa e para a casa, assim, no mesmo grau e medida, o adversário determinou, se puder, por qualquer meio desonrar o Nome que está sobre nós conforme o sustentamos, e cada vez que ele ganha uma vantagem sobre nós, ele é capaz de, em algum grau, de macular o nome e, portanto, roubar de Deus a glória. Então, a glória de Deus está envolta com a santificação do Nome. O objetivo do Senhor é trazer um povo para Seu nome, que seja consumido com o zelo de Sua casa e que, ao mesmo tempo, seja enviado daquela casa: “Pelo seu Nome saíram” (3Jo 7).

Naqueles primeiros dias, o Senhor sempre glorificou o Nome conforme ele era usado corporativamente contra as tentativas do adversário de assumir a soberania e desafiar a autoridade divina. Onde quer que iam os homens sobre para quem o nome descansava, o inimigo se opunha ao nome e Deus vindicava o nome. Em seu ato de testemunha e testemunho para sua identificação com Cristo, o nome do Senhor era invocado sobre eles. Tiago diz: “Porventura não blasfemam eles o bom nome que sobre vós foi invocado?” (Tg 2.7; cf. Dt 28.10; At 15.17). O nome não é apenas um rótulo; é um título ou direito e, por fim, a confissão universal deverá ser feita do direito a reinar.

Então, o Senhor diz, a fim de que ele não seja caluniado, para que não haja nenhum motivo para que ele seja profanado: “Qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniqüidade” (2Tm 2.19). Pois, imediatamente, se você tomar esse nome e a iniqüidade for encontrada em você, o nome é profanado e desonrado e a glória é presa, pois há terreno sobre o qual o inimigo pode operar para destruir as obras do Senhor.

Eu posso ver em tudo isso uma explicação para os assaltos do inimigo contra o Corpo de Cristo e seus membros, em particular. Como se tem dito muitas vezes a você, isso não é simplesmente por causa de sua importância individual ou de minha importância individual. Nós não contamos para nada em nós mesmos, mas é porque o santo Nome tem sido invocado sobre nós que nos tornamos, fora da eternidade, o objeto de interesse e da malícia do inimigo. Antes dos tempos eternos, mas começando em um plano muito mais elevado do que nós mesmos, do que a raça humana, ele começou contra o próprio Filho de Deus, que carregava o nome, o título de soberania igual a Deus.

E isso, amados, por outro lado, é o motivo para nossa permanência firme e recusa, não importa o que custar, de ceder à pressão do inimigo e cair. Não podemos, por causa do nome, falhar com o Senhor. Não podemos ceder porque esse nome está sobre nós. Não podemos desonrar esse nome por dar lugar ao inimigo sob sua pressão. O motivo é o Nome; por causa do Nome devemos permanecer firmes. Assim, a glória de Deus vai se manifestar onde Seu nome está, e a glória, sem dúvida, é mais ampliada pela intensidade dos ataques do adversário sobre nós, se permanecermos no poder do Nome. Cristo, como sabemos, era o centro dos ataques e assaltos. Todo o inferno se jogou sobre Ele por ser quem Ele era e o que era, mas, na presença do ataque mais cruel do inferno, como veio sobre Ele imediatamente sob a sombra do Getsêmani e da cruz, Ele disse: “Agora a minha alma está perturbada; e que direi eu? Pai, salva-me desta hora; mas para isto vim a esta hora. Pai, glorifica o teu nome.” Então, o Pai respondeu: “Já o tenho glorificado, e outra vez o glorificarei” (Jo 12.27,28).

Amados, creiam nisto: a hora do ataque mais feroz e terrível ao Nome pode ser a hora em que ele é mais glorificado. Quando você sente que todo o inferno se abriu para engoli-lo, então, o Senhor é mais glorificado. Conhecemos que é assim: na hora da mais terrível e profunda angústia por causa da pressão, temos apelado para a honra desse Nome, e o Senhor tem vindo e sido glorificado naquela hora – naquela hora!, em que a cruz estava sendo compartilhada em seu significado mais profundo, Ele veio e foi glorificado no que Ele tem feito.

O Senhor é muito zeloso de Seu nome, pela santificação de Seu nome5. Ele disse: “Vós orareis” – não dizer essa oração – “assim”, mas orar desta maneira, de acordo com estas leis eternas: “Pai, santificado seja o teu nome”. Essa é a busca, essa é a luta de oração, que é a questão no campo de batalha de oração: a santificação do Nome em uma esfera na qual o adversário está tentando profaná-lo. E acreditem em mim, amados: somos chamados para a luta e o fogo, para o conflito, para o próprio sangue de Cristo e para a angústia de Cristo em benefício do Nome. Estamos nessa coisa por causa do Nome, estamos sendo batizados6 na honra do Nome. Honrar o Nome nesta era é uma tarefa tremenda, você sabe disso. Você reconhece que ele está registrado em sua vida, você sabe que de centenas de maneiras todos os dias o Nome pode ser facilmente profanado. Oh!, as armadilhas – nunca poderemos mencionar todas elas. Não podemos catalogar as armadilhas que o diabo põe para o povo de Deus. Se ele conseguir tão-somente obter uma aliança profana, alguma pequena ligação carnal, algum movimento por mesmos na força da carne, algo que ele possa fazer-nos dizer ou fazer de qualquer forma que seja, se ele conseguir tocar no Nome que carregamos, o Nome será profanado e desonrado.

Esse é, portanto, o clamor pela santificação do Nome pela santificação de nós mesmos, os que carregam o Nome, a consagração de nossa vida aos interesses daquele Nome, para que Deus seja glorificado onde Seu nome for honrado. A vida tem de ser ajustada pela graça de Deus mediante a cruz – o cortar fora a carne – para a santificação desse nome, e você aparece em Sua presença por causa do Nome que está entre nós. Ser santificado! “Santificai-vos”, e há apenas um meio de santificação: a cruz.

A cruz é o meio de santificação, e, portanto, o meio de santificação do Nome e, portanto, o meio da glorificação de Deus em Cristo. Isso, então, é a ênfase sobre a necessidade da cruz ser aceita e plantada profundamente em nossa vida para o corte de tudo aquilo sobre o que o inimigo pode, na menor medida, atingir os fins que tinha em vista na eternidade para tomar a glória do Filho de Deus. A cruz deve cortar toda a carne. Então, o Senhor é glorificado em nós.

Mas há o outro lado, mais positivo e prático, no trabalho intenso para que o Senhor seja glorificado por meio de nós: mover-nos Nele pelo Espírito para o bem do nome. Essa é uma confiança e uma esperança. Qual é a nossa garantia de que, quando seguirmos, algo vai acontecer, algo vai ser feito, algo vai ser cumprido? Que garantia temos de que, quando sairmos, não haverá um problema? Bem, nós não temos nenhuma garantia em nós mesmos. Não é o valor de nossa oração em si mesma, nem de nossa pregação em si mesma nem de todos os nossos esforços em si mesmos. Não é nada que possamos fazer, da forma que for, que pode nos dar garantia de qualquer eficácia, mas apenas o Nome. Essa é uma base suficientemente sólida. Ele é reconhecido no céu, na terra e no inferno, nas coisas acima e nas debaixo da terra.

Temos muitas vezes citado esta passagem muito útil, que sempre nos ajuda, em que o apóstolo enfrentou uma situação relativa ao Nome (cf. At 19.1-12), e ele efetivamente o usou, mas alguém veio e tentou usá-lo de segunda mão: “Esconjuro-vos por Jesus, a quem Paulo prega” (v. 13). E foi tudo muito diferente! Em vez de sucesso, fracasso total, e, mais do que fracasso, um desastre horrível! Sair no Nome, não apenas usá-lo de segunda mão, adotando-o como fraseologia, mas sair experimentalmente no Nome por estarmos cortados pela cruz das coisas que desonram o Nome – sair naquele Nome –: esta é a base de nossa certeza de que algo deve acontecer. Deus é zeloso de Seu nome, muito zeloso, e sempre glorificará Seu nome onde ele é verdadeira e profundamente proclamado no Espírito e posto em prática sob a liderança do Espírito Santo. Essa é a nossa garantia.

Amados, você tomam o nome de Jesus, cada um de vocês, e vêem que é uma coisa tremenda carregar o Nome, tomar o Nome. Isso os liga com algo de significado e de importância infinitos, que teve início antes do mundo ser. Liga vocês com a batalha das eras, e liga com a glória da eternidade, quando Ele vier para ser glorificado em Seus santos, que é Sua igreja, onde Seu nome está. Estamos ligados com essa coisa eterna, à glória de Deus associada com o Nome que está para ser estabelecido pelo “Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13.8), e nós, no tempo, unimo-nos a ele em Sua cruz. Mesmo assim, será a glória de Deus revelada, e de mil maneiras a glória do Senhor pode ser revelada a cada dia. Não tenho certeza de que o Senhor esteja ansioso para fazer uma demonstração de Sua glória para os mortais – “lançar pérolas aos porcos”–, mas há um reino em que a glória do Senhor tem uma significação que transcende a deste mundo por dimensões infinitas. Oh!, entre principados e potestades a glória do Senhor significa alguma coisa, não é um espetáculo vazio. É o estabelecimento de Seu título infinito à soberania e a manifestação do poder daquela soberania. Estamos em algo enorme, e, por isso, nossos triunfos diários, pela graça, percorrem um longo caminho para além da situação local, um longo caminho para além de nossa própria gratificação por não termos falhado; eles têm registrado algo para a glória de Deus em um universo, cuja altura, largura e profundidade você nunca imaginou.

A glória de Deus é manifestada em cada vitória ganha, em cada permanecer firme, em cada recusa a desistir; o Nome é salvo da desonra, e o próprio Senhor, o Cristo de Deus, que leva esse nome, é vindicado diante de anjos e demônios. […] É a revelação da Palavra que é assim; por isso, nossa união com Ele é uma união com Seu nome a fim de que Ele seja glorificado. E porque Ele nos chamou sob Seu nome para encararmos, com Ele, o desafio com toda a fúria, veemência e implacabilidade, e sentimos também o impacto desse desafio e do ódio ao Nome. Ele nos assegurou que, se sofremos com Ele, seremos glorificados com Ele. E se fomos escolhidos antes da fundação do mundo Nele – isso é a verdade –, como diz a Palavra, se fomos escolhidos para Sua glória eterna, vamos chegar à glória, experimentar a glória, conhecer a glória, assim como agora. Por causa do nome suportamos as dificuldades. Fique firme. Que esse nome saia das mãos dos inimigos de Cristo e seja vindicado como o título de toda a soberania sobre todo o título de soberania nesta era e na que está por vir.

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1Ao ler o texto, deve-se ter em mente que ele é o resultado de anotações feitas por alguém presente à mensagem dada por TAS. Por isso, há frases curtas ou sem o devido contexto; algumas de difícil compreensão; outras, assertivas demais, sem a necessária explicação ou o detalhamento acerca do ponto de vista do autor. O público para quem ele falou já o conhecia, conhecia sua forma de expor as Escrituras, suas ênfases, etc. Além da limitação das anotações, isso deve ser lembrando também. Como o texto original traz essas dificuldades, com certeza, a tradução sofrerá com elas também. No entanto, o encargo espiritual de Austin-Sparks é profundo e necessário. Creio que as possíveis falhas não impedirão que, quem tem um coração de busca pelas verdades de Deus, encontre pedras preciosas aqui. (N.T.)

2No original, está: “à oração ‘Glorifica’”, referindo-se a Jo 12.28. No entanto, no texto bíblico, evidentemente, essa passagem não está imediatamente associada ao texto de Jo 2. Não há como precisar se Austin-Sparks estava mencionando a ordem dos versículos que ele selecionou para a mensagem ou se foi falha de quem fez as anotações. Tomei a liberdade de fazer a alteração acima para tornar a mensagem coerente com o texto bíblico. Creio que isso em nada altera a importância do que o autor está apresentando. (N.T.)

3O autor, usando um jogo de palavras e a informalidade de uma apresentação oral, fala de coisas eternas, sem início, por serem antes do tempo, como tendo princípio antes dos tempos eternos, no caso, o nome do Senhor. Ele pode estar também falando em termos comparativos, entre o nome do Senhor, que é eterno, e o nome de outras soberanias ou poderes. A pontuação no original dá margem a diferentes leituras. (N.T.)

4Richard Francis Weymouth (1822-1902) editou The Resultant Greek Testament [O testamento grego resultante] que formou a base para sua tradução. Ele morreu antes que ela fosse impressa. A primeira edição é de 1903.

5Como o autor explicou antes, o Pai e o Filho partilham do nome em seu aspecto de direito soberano sobre todas as coisas, de vindicação desse direito. (N.T.)

6O autor não advoga aqui um novo tipo de batismo, mas usa o termo no sentido de imersão total, de completo envolvimento, de participação. (N.T.)

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(Traduzido por Francisco Nunes de The House, The Name, and The Glory, original aqui. Se houver qualquer sugestão para aprimoramento desse trabalho, por favor, deixe um comentário.)

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A atitude do Senhor em relação a Seus filhos em adversidade (T. Austin-Sparks)

Publicado pela primeira vez na revista A Witness and A Testimony, mar/abr de 1948, vol. 26-2

Em toda a angústia deles ele foi angustiado, e o anjo da sua presença os salvou; pelo seu amor e pela sua compaixão ele os remiu; e os tomou e os conduziu todos os dias da antiguidade” (Isaías 63.9).

A primeira cláusula deste versículo é o que vai nos ocupar por uns poucos minutos, e será na mais correta tradução encontrada como nota marginal em algumas Bíblias. Apesar de haver alguma autoridade para a tradução comum das palavras aqui, a verdadeira redação do original é: “Em toda a adversidade deles, Ele não foi adversário”1. Você pode escolher entre as traduções aquela de que mais gosta, e você não estará errado se preferir uma à outra. Mas essa tradução alternativa para o texto usual transmite uma mensagem por si mesma, a qual penso deveria ser grande ajuda, encorajamento e força para nós.

 

O fato da adversidade

Em primeiro lugar, notamos que a adversidade contra o povo de Deus é reconhecida e aceita, isto é, é dada como certa. É desnecessário dizer que, entre o povo de Deus, a adversidade é um fato. Nenhum de nós precisa dizer isso. Aqui a Palavra de Deus destaca o fato de que o povo do Senhor conhece a adversidade e a sofre, e que ela está sob os olhos de Deus. Só resta dizer que ninguém deve pensar que a adversidade significa que as coisas estão erradas. Talvez, às vezes, sintamos que, por causa da severa e contínua adversidade, deve haver alguma coisa errada. Embora possa haver uma esfera na qual a adversidade é o resultado de alguma coisa errada que foi feita, e o inimigo tem um terreno legítimo, no entanto não é a isso que se refere aqui. Em primeiro lugar, não era adversidade por causa do mal ou do erro; era a adversidade que é a experiência comum do povo de Deus que está se movendo com Ele. E, quando é assim, conforme podemos ver em um momento, não há nada errado de modo algum. É isso, a propósito, quanto ao fato da adversidade.

 

A natureza da adversidade

Então, sigamos para a natureza da adversidade referida aqui. A palavra “angústia” ou “adversidade” é a palavra “aperto” [em sentido físico ou figurado]: “Em todo o aperto deles, Ele não foi adversário”. E a idéia de aperto é apta para múltiplas aplicações. Qual é o aperto referido aqui? Bem, Israel é aqui visto como no deserto. Você nota que todas as frases que se seguem levam você de volta à vida de Israel no deserto, e é a essa vida com suas muitas formas de aperto que a palavra se refere.

Em primeiro lugar, os israelitas estavam confinados com respeito a muitas coisas que o mundo tinha e que o mundo pode fazer, as quais constituem toda a vida do mundo e dão ao mundo seu prazer e, tanto quanto ele pode, sua satisfação. Eles foram cortados de tudo aquilo, e por vezes essa forma de aperto veio para eles de forma dura e severa. Você sabe que, quando eles passaram por um tempo especialmente difícil, o coração deles quis voltar para o Egito e eles pensaram nos alhos e cebolas e em tudo o mais que havia lá e os desejaram. No Egito, nós temos isso e também as outras coisas de sentimos falta agora, e é difícil ser separado, como fomos, dessas coisas. Havia um elemento de certeza no Egito, mas fora dali você nunca sabe para onde está indo, tendo de viver um dia após o outro, ou o que vai acontecer com você – tudo o que as evidências atuais conseguem é fazer você se preocupar por não saber o que vai comer amanhã. Isso é uma vida de fé, e fé é uma vida de aperto muito freqüente, separado de muitas coisas e confinado a esse deserto em as coisas são, para a mente natural, “reduzidas” a Deus. (Sabemos que essa é a maneira errada de apresentar isso. Para a mente espiritual, as coisas são expandidas a Deus, mas quem foi plenamente levado para esse lugar, onde o aperto terreno é sempre um alargamento celestial?) Naturalmente, era assim com Israel: confinado, reduzido, enclausurado, apertado no que diz respeito às muitas coisas deste mundo. Porque eles eram o povo de Deus, não podiam fazer nem ter nada. Havia uma esfera inteira de coisas cortadas deles; naturalmente, na alma, isso era aperto.

 

A adversidade não prova que o Senhor é nosso adversário

Quando você e eu começamos a sentir isso – e há dias em que a alegria pura e sem mácula do próprio Senhor e das coisas celestiais se tornam nubladas, veladas e remotas, e percebemos estar mais sensíveis ao aperto e a como estamos confinados –, quão rapidamente o inimigo vem e diz: “O Senhor está contra você! Isso não é a bondade do Senhor, isso não é a beneficência e a graciosidade do Senhor, esse tipo de vida realmente não é a vida que o Senhor prometeu a você.” Ele tenta fazer com que, em nosso coração e em nossa mente, o Senhor seja nosso adversário por causa da consciência da presente situação de dificuldade. Ele deturpa o Senhor; ele pinta o Senhor com as cores de nossa provação, de nossa dificuldade, e diz: “O Senhor é assim; Ele é um mestre difícil de servir. Essa vida cristã não é tudo que disseram que seria. O Senhor enganou você, Ele falhou com você. E mais…”. Ele mistura tudo para maldizer o Senhor.

O que a Palavra está dizendo aqui é definitivamente isto: em todo esse aperto, essa privação, esse confinamento, o Senhor não estava contra os israelitas; por mais que pareça, o Senhor não estava mesmo contra eles. Então, temos de encontrar outra explicação. Os fatos são muito reais, aquelas condições são muito verdadeiras. Adversidade, provação, sofrimento são muito reais, e se eles não significam que o Senhor está contra nós, qual é a explicação?

 

A intenção do Senhor para o bem

A única alternativa, com certeza, é que o Senhor está pretendendo o bem, que Sua intenção não é, em última instância, nossa limitação e privação, mas nosso alargamento, nosso enriquecimento. Evidentemente, o Senhor pode dizer algo diferente do que aquilo que as circunstâncias parecem indicar que ele quer dizer. Em todos esses apertos, Ele não é contra você. “Se Deus é por nós…” (Rm 8.31). Na adversidade, no aperto, no privar de muitas coisas, no dizer “Não” muitas vezes, o Senhor não é contra você, Ele não está roubando você de qualquer coisa realmente boa, tirando de você qualquer prazer real, Ele não está trabalhando contrariamente a seus interesses, Ele não é o adversário. Mas em tudo isso, Ele é por você enquanto você estiver no caminho da vontade Dele, seguindo com Ele.

Eu disse que a palavra “aperto” tem múltiplas aplicações. Eu não vou detalhar de que modo ela pode ser aplicada. Eu conheço o aperto. Quantas vezes o inimigo chuta as portas e, então, diz que o Senhor as chutou porque Ele é contra você! Quão freqüentemente o inimigo leva você ao sofrimento, coloca sobre você alguma coisa, e, então, diz: “Isso é o Senhor!” Quantas vezes o inimigo tenta anuviar sua segurança e trazer condenação e acusação sobre você, e colocar você sob uma sensação de julgamento e, depois, dizer: “É o Senhor!” Não é nenhum pouco!

Essa não é necessariamente a explicação ou a interpretação para tudo. Você percebe que a primeira fase dessas coisas encontra o povo fora e se movendo com o Senhor, e, conforme isso acontecia, os membros do povo iam entrando nessa adversidade de várias formas. E a declaração é que isso não significa que o Senhor era contra eles. Se quisermos, podemos acrescentar muitas outras passagens para mostrar como o Senhor era, na verdade, a favor deles exatamente naqueles dias de dificuldade e de adversidade. Eu só quero dar a você algo sobre o que firmar os pés.

 

O Senhor é o adversário dos rebeldes

A passagem segue para outro e escuro estágio. “Mas eles foram rebeldes […] por isso se lhes tornou em inimigo” (Is 63.10), seu adversário. Mas mesmo quando afirmamos o aspecto negro da coisa, isso amplia o outro. Você se rebelou contra o Senhor? Pode realmente ser dito que você tomou a mesma atitude tomada por aquele povo? Você conhece algumas das perversas e terríveis coisas que eles disseram em sua rebelião, quando o coração deles se afastou do Senhor. Eles, de fato, disseram: “Não queremos mais esse Senhor. Não queremos mais ter esse Senhor.” Isso pode ser dito de você? Bem, então, nessa situação, o Senhor se torna o inimigo daqueles, e será seu inimigo enquanto você estiver naquela posição; Ele não pode estar a seu favor enquanto você estiver lá. Mas se não é assim com você, e, a despeito de todas as fraquezas, falhas, faltas, imperfeições (sim, nós nunca estaremos sem alguma coisa que possa ser condenada em nós), não obstante tudo isso, seu coração é para o Senhor, é seu desejo seguir com Ele, então, Ele não é adversário. Sim, há muitas imperfeições, mas Ele não é adversário. Ele será quando nós, como aquele povo, deliberada e positivamente nos voltarmos e nos rebelarmos contra o Senhor e dissermos: “Não obedeceremos, não seguiremos!”. Então, Ele será nosso adversário. Isso significa que Ele tem de nos levar a julgamento.

 

O amor do Senhor pelos rebeldes

Mas, mesmo assim, a terceira fase é muito abençoada: “Todavia se lembrou […]” (v. 11). Mesmo quando Ele tem de ser adversário dos israelitas por causa da atitude que eles adotaram, o fim disto é que Ele “se lembrou […] de Moisés”. Ele lembrou de Sua Palavra, e a última fase é que Ele volta em amor para restaurar. No final, o Senhor alcança até mesmo os rebeldes. “[…] e até para os rebeldes […]” (Sl 68.18), diz a Palavra. “Ele conhece a nossa estrutura; lembra-se de que somos pó” (103.14). Você é um daqueles que, às vezes, de fato desviou-se no coração, com dureza, amargura e ácida indisposição, contra o Senhor por causa da dificuldade do caminho e você se tornou realmente rebelde contra ele, e o inimigo disse: “A coisa toda é sem esperança. Veja que você chutou a porta, e isso é fim!” Oh, como esse inimigo irá tomar o controle de tudo para usar para sua destruição! Mas, mesmo que tenha feito isso, o fim é: Ele “se lembrou”. É uma maravilhosa abertura outra vez de Seu amor para os rebeldes.

Eles estão seguindo com o Senhor; eles sofrem adversidade, mas isso não significa que Ele esteja contra eles. Eles se rebelaram contra Ele, e Ele os tem de levar à disciplina, e naquele momento Ele poderia ser contra eles. Mas aquilo não precisa ser a situação estabelecida e permanente. “A sua misericórdia dura para sempre” (106.1). Se em nosso coração, vez por outra, temos nos tornado amargos, temos sentido que o Senhor foi muito duro e que o caminho não pode ser o caminho de Seu amor, se nós temos nos detido em pensamentos amargos e rebeldes, Satanás vem para tentar consolidá-los numa situação inalterável, que fechará para sempre a porta nos termos do pecado imperdoável. No entanto, o Senhor lembrará Sua Palavra, e Seu amor é manifestado, o qual, na verdade, nunca mudou. Eu espero que não haja muitos que tenham deserdado e se rebelado. Se você é um desses, esta é uma palavra de conforto e encorajamento para você.

O aspecto principal da palavra, no entanto, é para a maioria de nós que, enquanto o coração é para o Senhor, encontra muito aperto, muitos caminhos fechados, muita redução, muita privação, muito do que para a vida natural parece ser um caminho de trevas; porém, isso não significa que o Senhor é contra nós, mas exatamente o oposto. O Senhor está após um alargamento que é muito mais do que um alargamento da vida aqui. Pois, se tivermos tudo aqui, e ainda formos pequenos na medida de Cristo, o que teríamos ganho? Ganhamos nada. Assim, se o alargamento de Cristo parece significar a redução do ego e do mundo, isso é evidência de que o Senhor é por nós, e não contra nós. “Em toda a adversidade deles, Ele não foi seu adversário.” Em todo aperto deles, Ele não era contra eles.

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1Antes da palavra hebraica tsâr, “adversário, problema, angústia, etc.”, בכל צרתם לא, (a terceira da direita para a esquerda) não há verbo. A Young’s Literal Translation of the Holy Bible, de 1898, e a Literal Translation of the Holy Bible, de 1976, vertem o versículo como indicado por Austin-Sparks. (N.T.)

(Traduzido por Francisco Nunes do livreto The Lord’s Attitude To His Children In Adversity, de T. Austin-Sparks, publicado pela Emmanuel Church, Tulsa, Oklahoma. A maior parte dos textos de Austin-Sparks são transcrições de suas mensagens orais. Os irmãos que as transcrevem não fazem nenhuma edição ou aprimoramento. Por isso, o texto conserva bastante de seu caráter oral, o que, em muitas circunstâncias, não permite uma tradução mais apurada. Se houver qualquer sugestão para aprimoramento desse trabalho, por favor, deixe um comentário.)

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Providência (Jerry Bridges)

Não é fácil crer na doutrina da providência de Deus, especialmente nesses dias em que parece que ela caiu sob os tempos difíceis…

Todas as pessoas – os cristãos e os não cristãos – experimentam ansiedade, frustração, mágoas e desapontamentos. Algumas sofrem intensa dor física e tragédias catastróficas. Mas o que deve distinguir o sofrimento dos cristãos do daqueles que não crêem é a confiança de que nosso sofrimento está sob o controle de um Deus todo-poderoso e todo-amoroso. Nosso sofrimento tem significado e propósito no plano eterno de Deus, e Ele traz ou permite que venha a nós somente aquilo que é para Sua glória e para nosso bem.

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Soberania (Jerry Bridges)

Ninguém pode agir fora da vontade de Deus ou contra ela. Séculos atrás, Agostinho disse: “Nada, portanto, acontece a menos que o Onipotente deseja que aconteça: Ele ou permite que aquilo aconteça ou Ele mesmo a causa”. Philip Hughes disse: “Sob Deus, portanto, todas as coisas sem exceção são plenamente controladas, a despeito de todas as aparências em contrário”. Nada é tão grande ou tão pequeno que escape à mão governante de Deus. A aranha tecendo sua teia num canto e Napoleão marchando com seu exército pela Europa estão sob o controle de Deus.

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Simulação, exagero e predomínio (T. Austin-Sparks)

Da revista A Witness and A Testimony de jan/fev de 1970, pp. 15-18

 

Intérpretes da Bíblia estão convencidos de que as palavras ostensivamente dirigidas ao “rei de Babilônia” em Isaías 14 têm um contexto mais amplo que só pode ser exaurido se visto como referência a um antigo ser angélico. Essa convicção é fortemente apoiada por outras declarações e alusões em diferentes partes da Bíblia, como Judas 6, 2Pedro 2.4 e Lucas 10.18.

Se isso é verdade, então, o que é dito torna claro os três passos que levaram à queda de Satanás. Eles também indicam a queda de muitas coisas que tiveram um bom começo. Há um ensinamento muito solene e valioso aqui, apesar do assunto não ser agradável.

1. Simulação

“Serei semelhante ao Altíssimo” (Isaías 14.14)

Há muitas passagens nas Escrituras que mostram que um dos principais métodos de Satanás é a imitação de Deus e da verdade de Deus. Tanto é assim que ênfase e importância tremendas são colocadas no discernimento espiritual como dom e marca do ungido. De fato, isso é uma característica daquele que é espiritual, do homem espiritual. Podemos dizer que uma obra e função primária do Espírito Santo é o discernimento. É dito que o Espírito Santo tem, ou Ele é representado tendo, “sete olhos”, que significa a perfeição da visão espiritual. Podemos aqui introduzir outro parágrafo de muito peso de Tozer:

 

Poderia ser essa nossa mais crítica necessidade?

“Quando vemos o cenário religioso hoje, somos tentados a nos fixar em uma ou outra fraqueza e dizer: ‘É isso que está errado com a Igreja. Se isso for corrigido, poderemos recapturar a glória da Igreja primitiva e ter tempos pentecostais de volta conosco outra vez.’

“Essa tendência de supersimplificar é, em si mesma, uma fraqueza, e devemos nos guardar sempre dela… Por essa razão, estou hesitante em apontar para qualquer defeito na cristandade de hoje e fazer todos os nossos problemas saírem dele apenas. Que a assim chamada “religião da Bíblia” está sofrendo rápido declínio em nosso tempo é tão evidente que não é preciso prová-lo; mas exatamente o que está trazendo esse declínio não é fácil de descobrir. Somente posso dizer que tenho observado significativa falha entre cristãos evangélicos que podem se mostrar como a causa real da maioria de nossos problemas espirituais; e, sem dúvida, se isso for verdade, então, o atendimento daquela falha deve ser nossa mais crítica necessidade.

“A maior deficiência a que me refiro é a falta de discernimento espiritual, especialmente entre nossos líderes. Como pode haver tanto conhecimento bíblico e tão pouca percepção, assim como influência moral, é um dos enigmas do mundo religioso hoje. Eu penso que seja completamente acurado dizer que nunca houve um tempo na história da Igreja em que pessoas estivessem engajadas no estudo da Bíblia como estão hoje. Se o conhecimento da doutrina bíblica fosse alguma garantia de piedade, essa seria, sem dúvida, conhecida na história como a era da santidade. Em lugar disso, poderá bem ser conhecida como a era do cativeiro babilônico da Igreja ou a era do mundanismo, em que a Noiva de Cristo professa permitiu-se ser, de modo bem-sucedido, cortejada por incontáveis caídos filhos dos homens. O corpo dos crentes evangélicos, sob influências malignas, tem, durante os últimos 25 anos1, ido mais para o mundo em completa e abjeta sujeição, evitando apenas um pouco dos pecados mais grosseiros, como bebedice e promiscuidade sexual.

“Essa desgraçada traição que tomou lugar em plena luz do dia com o pleno consentimento de nossos mestres da Bíblia e evangelistas é um dos mais terríveis adultérios na história espiritual do mundo. No entanto, eu não posso crer que a grande sujeição tenha sido negociada por homens de coração mau que estabeleceram deliberadamente destruir a fé que herdamos de nossos pais. Muitas pessoas boas e de viver correto colaboraram com os colaboracionistas que nos traíram. Por quê? A resposta só pode ser: por falta de visão espiritual. Algo como uma névoa se estabeleceu sobre a Igreja como “a face da cobertura com que todos os povos andam cobertos, e o véu com que todas as nações se cobrem” (Isaías 25.7). Tal véu uma vez desceu sobre Israel… Aquela foi a hora trágica de Israel. Deus levantou a Igreja e temporariamente deixou de lado Seu antigo povo. Ele não podia confiar Sua obra a homens cegos. Certamente precisamos de um batismo de visão clara se quisermos escapar do destino de Israel… certamente uma das maiores necessidades é do surgimento de líderes cristãos com visão profética2. Nós desesperadamente precisamos daqueles que sejam capazes de ver pela névoa. A menos que eles venham logo, será muito tarde para essa geração. E, se eles vierem, iremos, sem dúvida, crucificar alguns deles em nome de nossa ortodoxia mundana. Mas a cruz é sempre o prenúncio da ressurreição. Mero evangelismo não é nossa necessidade presente. Evangelismo não faz mais do que estender a religião, seja ela do tipo que for. Ele produz aceitação para a religião entre grande número de pessoas sem dar muita reflexão à qualidade daquela religião. A tragédia é que o evangelismo atual aceita a corrente forma de cristandade como a verdadeira religião dos apóstolos e se ocupa em fazer convertidos a ela sem questionar nada. E, a todo tempo, estamos nos afastando mais e mais do padrão do Novo Testamento. Precisamos ter uma nova reforma. É preciso vir um violento rompimento com a pseudo-religião irresponsável, de louca diversão paganizada que se passa hoje pela fé de Cristo e que está sendo espalhada por todo o mundo por homens não-espirituais usando métodos não-escriturísticos para alcançar seus objetivos.” (A. W. Tozer)

 

Há várias coisas no Novo Testamento que foram estabelecidas para uma testemunha de Cristo, para a edificação do Corpo de Cristo, para a glória de Cristo, as quais, pelas mesmas razões, têm sido tomadas por Satanás e simuladas, imitadas e sendo dadas como substituto para as verdadeiras, mas isso tem sido feito, no final, para desacreditar Cristo e fazer o oposto a Sua divina intenção. Parece ser muito real que muitos queridos do povo de Deus estão enganados, perplexos e sendo levados para o erro. Mistura de erro com verdade tem sido sempre um método muito bem-sucedido de sedução, desde o início. Deus é imitado na idolatria, na adoração falsa. Cristo é imitado no anticristo. O Espírito Santo é imitado na liderança e nos dons. O homem é enganado por simulação física daquilo que é espiritual. Pessoas, sob a pressão de colapso nervoso, neurose, esgotamento, acusações e condenações espirituais correm para o psiquiatra. O método é levá-las a se libertarem de suas tensões por meio da auto-expressão, divulgando coisas ocultas e, em casos extremos, pela hipnose. Isso tem um efeito psicológico e o paciente se sente “maravilhosamente livre”. Expressão; expressão! Auto-expressão! Um homem disse ao autor [deste texto] que viera do psiquiatra sentindo que ele havia “nascido de novo”, alguma coisa melhor ainda que sua conversão! Mas – sim, mas! – tudo o que ele sentia regrediu, e ficou pior do que antes.

Psicologia, a ciência da psiquê, pode ser3 a obra-prima de Satanás na simulação do espiritual e, então, mergulha a alma nas mais profundas profundezas do desespero.

Ao lado de que uma liberação do espírito em oração e louvor, e algumas vezes ela pode ser experimentada por esses meios, e a comunhão é um grande instrumento para essa bênção, há a falsificação do canto coral barulhento e almático4 e da repetição desequilibrada. A música é, frequentemente, a maior bênção e o maior perigo. “No Espírito” é a máxima divina.

2. Exagero

Subirei sobre as alturas das nuvens” (Isaías 14.14).

Este parágrafo todo – Isaías 14.9-15 – é um exagero, se o termo significa “acumular, ir além do normal, levar ao excesso”, etc.

Subirei sobre…” tem este significado: “Eu vou exceder”. É a ambição correndo em delírio. É o orgulho em abundância. É algo não restringido por modéstia, humildade e dependência. É a extravagância. É algo adicionado ao que é correto e verdadeiro. É ultrapassar o limite. É a inflar-se. Isso é o perigo da alma apaixonada. Se Satanás não pode deter uma pessoa, ele vai derrubá-la. Se ele encontra devoção honesta, ele vai fazer com que ela se exceda. Se ele encontrar uma mente ativa, vai fazer com que um extra seja adicionado à verdade, para que a verdade se torne não-verdadeira.

No “rei da Babilônia” nós temos o exagero da personalidade. “Não é esta a grande Babilônia que eu edifiquei […]?” (Dn 4.30). O eu, o ego, é assertivo, pronunciado, sobrepujante. A liderança e a habilidade natural e o dom se tornam autocracia, ditadura, mesmo tirânica. Há muitas vezes uma linha fina entre autocracia e liderança espiritual, e é aqui que o discernimento é necessário. A primeira força, compele e se faz legal. A última vem de uma profunda história de sofrimento com Deus, estabelece um alto padrão e mantém-se nele. Isso pode ser difícil para a carne nos outros de aceitar, e eles podem interpretar isso erroneamente. Liderança é um dom divino e de grande importância. Ninguém irá muito longe sem isso. Por esse motivo, Satanás tem sempre marcado essa função e quem a possui com especial atenção para exagerá-la, e a derrota é seu verdadeiro objetivo. Dependência é o refúgio do líder espiritual, e o Senhor atenta muito plenamente para isso!

Há muitos movimentos exagerados em nosso tempo. O ensino é puxado até muito além de seu verdadeiro significado. Alguma coisa correta e boa e, então, a pitada de exagero. O propósito é ser muito espiritual, ter ensino avançado, mas a linha do real significado disso tem sido cruzada, e a confusão se segue por causa de uma ênfase desequilibrada. Isso tem sido muito freqüentemente a causa de seitas e grupos exóticos e excêntricos, e seu número é uma legião. A propensão ateniense era por “alguma novidade”, a qual normalmente significa alguma nova sensação. Quão poderosamente Satanás apoia tais exageros e faz o erro crescer sem proporções! Ele sabe muitíssimo bem que segue esse caminho para encher o mundo com pessoas desiludidas que em breve não creram em nada, principalmente na verdade. Foi exatamente isso que fez o apóstolo João apontar, de modo tão forte, quase veemente, a verdade com as expressões, repetidas de maneira constante: “Este é… Esta é… Isto é…”. Veja suas cartas e note a ênfase sobre a unção que ensina todas as coisas. O contexto é o anticristo e seus enganos.

3. Predomínio

Acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono […]” (Isaías 14.13).

Exaltar”. “Acima”. O objetivo, o alvo, o clímax da aspiração de Satanás. Isso soa fantástico e remoto. Mas não é tão remoto e impensável como parece à primeira vista. Não é esse o motivo e o estímulo de todos os poderes políticos? Se tão-somente percebermos isto: o colocar abaixo esta pretensão foi a razão para a Encarnação, pois todo pecado tem florescido dessa raiz. O nascimento, a infância, a vida adulta, o ensino e a cruz de Jesus Cristo foram um positivo contrabalanço para o poder e a glória mundanos. Ele nunca procurou “causar uma boa impressão”, atrair pessoas para Si ou para Sua causa por meio de prestígio, artifícios, glamor ou por mostra de glória natural.

Mesmo de sua glória e posição corretamente celestial Ele se esvaziou. Seu reino e Seu reinado não eram deste mundo.

Tudo isso foi para refazer algo que havia sido distorcido. Esse algo está em todos nós. Nós adoramos o ídolo do sucesso. Nós temos uma concepção totalmente falsa de força, poder e importância. Jesus veio para corrigir isso em Sua própria pessoa. “Fazes com [a fim de] que ele tenha domínio” (Sl 8.6).Sim, mas não auto-centrado. “Trazendo muitos filhos à glória” (Hb 2.10). Sim, mas à glória de Sua infinita graça, favor sem qualquer mérito! Nós reinaremos com Ele, sim, mas como adoradores do Cordeiro (cf. Ap 20.6)!

O teste para qualquer coisa é se ela realmente exalta Cristo. Não só em palavras, que podem ser uma forma de simulação e de exagero. A garota do templo possuída por demônios em Filipos podia patrocinar e pregar o evangelho, mas aquilo era uma coisa profunda de Satanás, e o apóstolo não estava barateando o evangelho para o diabo a fim de ganhar popularidade. A santidade de Cristo é o critério!

Assim, nós – muito brevemente, claro – notamos o caminho da maldição de Satanás, o caminho de sua queda. O julgamento sobre sua simulação, seu exagero e seu predomínio é: “E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo” (Is 14.15).

Que contra o que é falso, o Senhor produza a verdadeira similitude de Cristo, o verdadeiro magnificar de Cristo, a verdadeira exaltação e supremacia de Cristo!

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(Traduzido por Francisco Nunes de Simulation – Exaggeration – Predomination, publicado por Emmanuel Church, Tulsa, Oklahoma, EUA, 1995.)

1Como Tozer faleceu em 1963, e considerando-se que ele tenha escrito isso no último ano de vida, a afirmação se refere ao estado dos cristãos por volta do final da década de 1930! Infelizmente, a situação apenas piorou nos últimos 80 anos, incluindo os pecados que Tozer dizia serem ainda evitados. (N.T.)

2Com certeza, Tozer não estava se referindo àquilo que hoje é chamado de “profético”: dança, pintura, atos, declarações e outros tantos absurdos “proféticos”. A visão profética é de acordo com a Escritura: a denúncia de tudo aquilo que não é de acordo com a completa verdade Escriturística, que rouba o lugar de Deus como Senhor absoluto, que rouba o lugar de Sua Palavra como verdade absoluta, que entroniza o homem em lugar de Cristo, que desvia os filhos de Deus para homens em lugar de levá-los à submissão a Cristo. As “coisas proféticas” modernas são muito mais ocultismo e mundanismo do que a mínima prática profética bíblica. Tozer e Austin-Sparks podem ser considerados como profetas neste sentido bíblico. (N.T.)

3É importante notar que o autor não afirma que ela é, mas que pode ser. A psicologia desvinculada da verdade bíblica ignora a realidade do pecado, a natureza pecaminosa do homem, de sua inclinação espontânea para o mal, sua incapacidade de curar sua incapacidade de fazer somente o bem, etc. Ela propõe, grosso modo, que o homem faz o que faz mais por influência externa e que, por isso, tem condições de se curar, “reprogramando-se”, tomando novas atitudes e disposições. Isso, sem dúvida, é uma falsificação da obra profunda e única do Espírito Santo. (N.T.)

4Neologismo para traduzir o termo soulical, indicando o que tem origem na alma, procede da alma, diz respeito apenas à alma. (N.T.)

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O esconderijo da Sua força

Há não muito tempo, encontramos uma carta numa antiga revista A Witness and A Testimony1, que foi escrita em janeiro de 1945; e, mesmo sabendo o que, na Inglaterra, as pessoas haviam sofrido nos intensos anos da II Guerra Mundial, parece que a tinta ainda está úmida e isto foi escrito para o Corpo de Cristo ontem.

Amados de Deus,

Que tempo de testes para a fé os santos enfrentam exatamente agora! E que tempo de fúria satânica! O que isso tudo significa? Parece haver somente duas respostas. Ou o Senhor está preparando movimento novo, e talvez final, para a consumação de Seu propósito na terra – o qual requer um estado que irá garantir profundidade, força e permanência, de modo que aquela plenitude real deverá marcar a recolha das colheitas para a glória em Sua manifestação – ou este é o fim de uma fase e o Senhor está vindo para os frutos maduros. Se Apocalipse 12 representa uma situação do fim dos tempos, então há muita coisa aqui que se ajusta com aquilo. As palavras aqui são, sem dúvida, proféticas, pois Apocalipse não foi escrito como história, mas como profecia em sua maior parte, isto é, não o que era passado, mas o que era naquele momento e o que viria a ser. O grande tema desse capítulo é: “Agora é chegada a salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado” (v. 10; grifos do autor).

Salvação aqui é “livramento de cada calamidade, vitória sobre inimigos, recuperação de doença e libertação do cativeiro”. O reino e a autoridade [poder] aqui referidos são resistidos pelo grande acusador, e uma grande batalha nos céus é travada para lograr o estabelecimento deles [o reino e a autoridade] pela emancipação dos eleitos tirados da esfera do poder de Satanás. Isso não joga luz sobre o teste de fé e o intenso conflito pelo qual os santos estão passando? Aqui está a explicação para as manifestações de resposta à oração há tanto tempo esperadas, as libertações postergadas, a passagem do poder de Deus da esfera temporal para a espiritual em nossa experiência: “O esconderijo da Sua força”.

A combinação de fé testada em relação às coisas visíveis e o intenso conflito na vida espiritual é muito verdadeiro em relação a esse assunto. Conforme clamamos por “salvação” em um ou outra de suas formas, e temos ficado apenas conscientes do conflito e da demora, o acusador vem e levanta perguntas sérias sobre nosso relacionamento com Deus e do relacionamento de Deus conosco. É a velha pergunta: “Se és Filho de Deus…” Assim, nós somos derrubados, ele acusa e busca fazer-nos aceitar que fomos colocados de lado, que fomos dispensados, que Deus não tem mais o que fazer conosco. O triunfo sobre isso é por testemunhar contra ele por meio do sangue do Cordeiro, pela declaração de nosso testemunho e pela eliminação do interesse próprio e de não amar-preocupar-se com a vida até a morte. O resultado é que ele é derrubado, e isso é a natureza e o objetivo da provação e da batalha. Que imensa questão está amarrada a uma pequena palavra: se. “Se… então, por quê?” Essa foi a pergunta de Gideão. Que foi apresentado a Cristo.

Mas, louvado seja Deus, o fim é revelado: o acusador é derrubado e o reino, o poder, a autoridade de Deus e de Seu Cristo são vistos chegando. Apesar de não querermos sugerir que um complexo-de-satanás deva ser desenvolvido, queremos instar que uma olhada para além das coisas, para a parte e o lugar dele nelas, será uma grande libertação da paralisia das próprias coisas. Quer estejamos vivos para isso ou não, “temos que lutar […] contra as hostes espirituais da maldade” (Ef 6.12; grifo do autor), e somente quando atacarmos as forças espirituais por trás das coisas, na infinita virtude do sangue do Cordeiro, poderemos permanecer de posse da chave da situação. Mas vamos lembrar do valor do “eles” (Ap 12.11). É necessária uma ação coletiva, e nós precisamos tomar com muito mais seriedade a oração unida contra as forças espirituais. Assim, qualquer que seja o significado imediato da presente experiência, a necessidade é a mesma: um povo com força espiritual para levar à derrubada de Satanás, ou em situações e posições específicas ou na sua expulsão final das regiões celestiais.

Que o Senhor nos fortaleça com poder para essa batalha que, conforme Ele desejar que enfrentemos, teremos no novo ano.

Vosso, em Sua vida e esperança
T. Austin-Sparks

Irmãos, ao lermos essa carta, a frase “O esconderijo de Sua força” destaca-se, e nós só a encontramos uma vez na Escritura, em Habacuque 3.4. Quando uma frase ou palavra é mencionada somente uma vez na Palavra de Deus, usualmente se refere a algo que é importante para Deus e para Seu povo. Habacuque é um pequeno livro profético que foi, provavelmente, escrito ao mesmo tempo em que Jeremias profetizou e a nação de Israel, como um todo, estava em um estado de idolatria e apostasia, como “aconteceu nos dias de Ló”.

Pouco se sabe de Habacuque além do que está em seus escritos, que nos permitem imediatamente reconhecer que era um guerreiro de oração, profundamente comprometido com o propósito de Deus. Ele era um homem que devia ter uma comunhão sem sombras com seu Senhor, pois três capítulos de seu livro são escritos em forma de colóquio, o que significa um discurso mútuo entre os que são íntimos e familiarizados um com o outro.

Assim, Habacuque e o Senhor estão mantendo uma comunhão recíproca, Espírito a espírito, alma a alma, profundeza a profundeza. Quando o discurso mútuo começa, vemos que Habacuque está desencorajado por não poder ver na esfera temporal que Deus estava trabalhando nas coisas de acordo com Seu plano: os ímpios governavam e pareciam não sofrer julgamento e os justos estavam sofrendo grandemente.

Habacuque ora (1.1-4):

“Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? […] Por que razão me mostras a iniqüidade [problemas, com referência especial à natureza e às conseqüências da malignidade], e me fazes ver a opressão [injustiça que vem para o justo e o honesto]?”

“Até quando, Senhor! Até quando!” Habacuque perguntou isso como muitos de nós o fazem em tempos de tribulação. No entanto, algo que precisamos saber é que o clamor de Habacuque não é por seus desejos pessoais, mas está orando em nome de todos aqueles que sofrem nos tempos maus.

Deus responde a Habacuque (vv. 5-11):

“Vede entre os gentios e olhai, e maravilhai-vos, e admirai-vos; porque realizarei em vossos dias uma obra que vós não crereis, quando for contada. […]” O Senhor menciona do julgamento que estava por vir. Ele diz a Habacuque que, não importa quão ruins as coisas possam parecer no reino natural, Ele está trabalhando nelas de acordo com o conselho de Sua própria vontade.

Habacuque continua o discurso com seu Senhor, por vezes ainda desencorajado, mas também encorajado, pois diz (vv. 12-17; 2.1):

“Sobre a minha guarda estarei e sobre a fortaleza me apresentarei e vigiarei, para ver o que falará a mim, e o que eu responderei quando eu for argüido.”

Deus lhe responde e lhe diz que Seu propósito e conselho certamente virá no tempo que Ele determinou (2.2-20):

“A visão é ainda para o tempo determinado, mas se apressa para o fim e não enganará; se tardar, espera-o, porque certamente virá, não tardará.” E diz que, durante o tempo da espera, a fé do fiel será provada! “O justo pela sua fé viverá.”

Esta é a única ordem que o Senhor dá a Habacuque: “Mas o justo pela sua fé viverá”. Nessa escritura, a palavra “mas” é muito importante. É uma conjunção adversativa, marcando geralmente um contraste distintivo, uma contradistinção em relação a tudo que o cerca. Em outras palavras, o Senhor está dizendo: “Quando as coisas parecem piorar, quando o inimigo parece estar conseguindo vencer, o justo deve viver por sua fé”. O Senhor está dizendo a Habacuque que a vida dele deve ser um contraste distinto, deve ser diametralmente oposta a tudo que Satanás instiga no mundo ou no meio do povo de Deus. Habacuque deve viver e se mover e ter seu ser na esfera da fé.

Então, o Senhor continua a falar do julgamento, bem como muitas palavras proféticas que seriam (e são) muito difíceis para os fiéis entenderem. No entanto, bem no meio de todo esse julgamento, Ele espantosamente declara:

“Porque a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas cobrem o mar. […] Mas o Senhor está no seu santo templo; cale-se diante dele toda a terra.” (2.14,20)

Quando Deus partilha isso com Habacuque, o profeta irrompe numa gloriosa oração que é um salmo de louvor bem como uma oração de guerra do Espírito. Pois, mesmo que possa parecer que todas as coisas não estejam funcionando de acordo com o propósito de Deus, Habacuque vem a perceber que o exato oposto é verdadeiro: Deus está de fato ocultando Seu poder, e no reino invisível o inimigo está sendo derrotado e os eleitos de Deus estão sendo libertados para a gloriosa liberdade dos filhos de Deus.

“[…] e ali estava o esconderijo da sua força. […] e os montes perpétuos foram esmiuçados; ou outeiros eternos se abateram, porque os caminhos eternos lhe pertencem” (3.4,6).

Amados, vamos nos tornar guerreiros de oração, tal como Habacuque, por unir-nos aos justos de todas as eras que, no meio de suas provações, viveram pela fé no Filho de Deus, e vamos, no Espírito, abraçar o encargo de nosso Senhor para Seu povo (o nome Habacuque implica “aquele que abraça o encargo”) e cantar como Habacuque:

“Porque ainda que a figueira não floresça
nem haja fruto na vide;
ainda que decepcione o produto da oliveira
e os campos não produzam mantimento;
ainda que as ovelhas da malhada sejam arrebatadas
e nos currais não haja gado;
todavia eu me alegrarei no Senhor,
exultarei no Deus da minha salvação.
O Senhor Deus é a minha força,
e fará os meus pés como os das cervas
e me fará andar sobre as minhas alturas”
(vv. 17-19).

Amém! Amém! Amém!

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1 Essa revista, Uma Testemunha e um Testemunho, cujo editor era T. Austin-Sparks, não é mais publicada. Ele partiu para o Senhor na primavera de 1971.

(Traduzido por Francisco Nunes do livreto The hiding of His power, publicado em 1994 por Emmanuel Church, Tulsa, Oklahoma, EUA, sem indicação de autoria.)

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Controle (Jerry Bridges)

Nada é tão pequeno ou trivial que escape à atenção do controle soberano de Deus; nada é tão grande que esteja além de Seu poder para controlá-lo. O insignificante pardal não pode cair no chão sem a vontade de Deus; o poderoso império romano não pode crucificar Jesus Cristo a menos que o poder para isso lhe seja dado por Deus (veja Mt 10.29; Jo 19.10,11). E o que é verdadeiro em relação ao pardal e a Jesus é verdadeiro para você e para mim. Nenhum detalhe de sua vida é insignificante demais para a atenção de seu Pai celestial; nenhuma circunstância é grande demais que Ele não possa controlá-la.

(Traduzido por Francisco Nunes. Original aqui.)

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Deus, o Criador (Stephen J. Wellum)


Por Stephen J. Wellum
 
 
É difícil superestimar a importância da doutrina da criação.  Nas Escrituras, Deus se identifica, primeiramente, como o soberano Criador e, por isso, o Senhor do universo. Muitos cristãos são naturalmente interessados na doutrina da salvação, mas, sem o Deus de criação e providência, não há cristianismo como a Bíblia o descreve. Na verdade, as bases teológicas para a doutrina da salvação estão arraigadas no fato de que o Deus que existe – o Senhor pessoal, soberano e trino que existe desde toda a eternidade – em um momento, falou e trouxe este universo à existência, a partir do nada. E, como tal, tudo e todos são completamente dependentes dele e responsáveis a ele.
 
A doutrina da criação, juntamente com a providência, deve ser vista como o resultado e a execução do plano e do decreto eterno de Deus. A Escritura mostra com clareza que o plano de Deus é o seu plano eterno pelo qual, antes da criação do mundo, ele preordenou fazer acontecer todas as coisas que chegam a acontecer (ver, por exemplo, Sl 139.16; Is 14.24-27; 37.26; 46.10-11; At 2.23; 4.27-28; 17.26; Rm 8.28-29; 9.1-33; Gl 4.4-5; Ef 1.4, 11-12; 2.10). A criação é a realização desse plano eterno no que diz respeito à origem do universo e de tudo que existe, incluindo os seres angelicais e humanos. A providência, por outro lado, é a realização do eterno plano de Deus, no tempo, em relação ao mundo que ele criou, em termos de sua preservação e governo de todas as coisas para cumprirem os propósitos a que foram designadas, para a sua própria glória (ver, por exemplo, Sl 103.19; 136.25; 145.15; Dn 4.34-35; At 17.28; Rm 11.36; Ef 1.11; Cl 1.17; Hb 1.3). Deus, ao identificar-se a si mesmo como o Deus soberano de criação e providência, deixa bastante claro que somente ele é Deus e que nenhum outro é Deus, que ele não compartilhará sua glória com nenhuma coisa criada e que merece toda a nossa adoração, louvor e obediência (ver, por exemplo, Is 40-48; Jr 10.1-16; Jo 17.3; 1 Tm 1.17).
 
Além disso, quando afirmamos que Deus é o Criador, estamos enfatizando, pelo menos, três verdades. Primeira, estamos ressaltando o fato de que Deus criou o universo a partir do nada (creatio ex nihilo). As Escrituras começam com a afirmação de que, “no princípio, criou Deus os céus e a terra” (Gn 1.1). Antes de o universo ser criado, nada existia, exceto o Deus trino. Entretanto, em um momento, o Deus eterno falou e trouxe este universo de espaço e tempo à existência, “a partir do nada”, ou seja, sem o uso de quaisquer materiais previamente existentes. É por causa deste fato que a Escritura e a teologia cristã afirmam que a matéria não é eterna, mas apenas uma realidade criada. Em outras palavras, somente Deus é o Deus autoexistente, e tudo mais é dependente dele. Segunda, estamos afirmando que Deus criou o universo espontaneamente. A Escritura não diz, em nenhuma de suas passagens, que Deus teve necessidade de criar todas as coisas motivado por algum tipo de necessidade que havia fora ou dentro dele mesmo. Em vez disso, ele, como o Deus trino, que é autoexistente e autossuficiente, decidiu espontaneamente criar todas as coisas. Neste sentido importante, Deus não teve de criar o universo; pelo contrário, devido à sua soberana e livre escolha e para seu próprio prazer, Deus se propôs a criar. Essa é a razão por que a Escritura afirma que Deus não precisa do mundo, e sim que o mundo e tudo que há nele são total e completamente dependentes de Deus. Terceira, dizer que Deus é o Criador significa que a criação é um ato do Deus trino. A criação é não somente a obra do Pai (Gn 1.1; Sl 19.1-2; 33.6, 9; Is 40.28; At 17.24-25; Ap 4.11), ela é também a obra do Filho (Jo 1.1-3; 1 Co 8.6: Cl 1.15-17; Hb 1.2) e a atividade do Espírito Santo (Gn 1.2; Jó 33.4; Sl 104.30). E, como um ato do Deus trino, a razão para a existência do universo é, em última análise, a glória de Deus.
 
Assim como é importante afirmar o que queremos dizer positivamente com a doutrina da criação, também é necessário enfatizar o que não queremos dizer. A definição bíblica da criação é contrária tanto às opiniões antigas quanto às contemporâneas sobre as origens. Em específico, a Bíblia rejeita os seguintes pontos de vista falsos referentes à origem do universo e dos seres humanos.
 
• Primeiramente, a Bíblia rejeita todos os pontos de vista naturalistas e evolucionistas quanto às origens. Em seu âmago, o naturalismo tenta ver as origens apenas à luz de processos naturalistas que envolvem a evolução da matéria, por acaso, durante um período de tempo. É por meio desta ideia que as pessoas tentam explicar toda a complexidade e ordem do universo, incluindo os seres humanos. Neste ponto de vista, a matéria é entendida como eterna ou, pelo menos, geradora de si mesma, independente da soberana vontade de Deus. A Escritura rejeita francamente esta ideia.
 
• Em segundo, a Escritura rejeita todos os pontos de vista panteístas sobre a criação. Neste ponto de vista, não há uma distinção crucial entre o Criador e a criação; Deus e o mundo são, essencialmente, um. Além disso, o mundo é frequentemente explicado como uma emanação ou efusão necessária de toda a realidade – o Único. A Escritura deixa claro que o Deus eterno e transcendente não será reduzido à sua ordem criada e que a distinção entre a criatura e o Criador, negada pelo panteísmo, é fundamental para um ponto de vista cristão sobre o mundo.
 
• Em terceiro, a Escritura rejeita todos os entendimentos dualistas quanto ao universo. No dualismo, há duas substâncias ou princípios distintos e coeternos dos quais tudo mais é derivado e que são frequentemente vistos como duas forças antagonistas – o bem e o mal. Outra vez, a Escritura mostra com clareza que somente Deus é Deus, que ele não tem rivais e não compartilhará a sua glória com ninguém.
 
O que cada um destes três pontos de vista falsos têm em comum é o fato de que tentam negar o glorioso Deus da criação. O apóstolo Paulo refletiu sobre esta situação infeliz em Romanos 1.8-32, argumentando que a existência do Deus da criação é manifestada claramente para todas as pessoas, mas, devido à rebeldia do coração humano, a verdade de Deus tem sido voluntariamente suprimida e distorcida por nós. Em vez de glorificarmos a Deus, que nos criou, e dar-lhe graças, temos mudado a glória de Deus pelas realidades criadas. O resultado final é, correta e tristemente, a ira justa, santa e perfeita de Deus que nos sobrevém devido ao nosso pecado e depravação. Nesta situação, a única esperança para nós é a soberania de Deus em graça e redenção.
 
A Importância Prática e Teológica da Doutrina da Criação
 
Qual é a importância prática e teológica da doutrina da criação? Há muitos pontos que poderiam ser desenvolvidos, mas pelo menos três reflexões são apropriadas.
 
Primeira, a doutrina da criação identifica para nós o nosso Deus glorioso. A criação nos lembra que o Deus que criou não é uma deidade pequena e insignificante. Não, ele é o Senhor sobre tudo, a fonte de tudo que existe e aquele que é o único soberano. Além disso, a criação nos lembra que ele não é uma deidade distante. Antes, Deus é o “Senhor da aliança”, aquele que é o Deus vivo e ativo, envolvido intimamente em e com a sua criação, sustentando, mantendo e governando constantemente a sua criação e entrando num relacionamento de aliança com seu povo. O nosso Deus é verdadeiramente grande, cheio de majestade, glória, sabedoria, força e poder, devido ao fato de que ele é o Deus criador.
 
Segunda, a doutrina da criação nos diz algo sobre nós mesmos, como criaturas de Deus. É precisamente porque somos criaturas de Deus, feitos à sua imagem, que os seres humanos desfrutam de um papel singular na criação. Ironicamente, quando as pessoas tentam viver à parte de Deus e negam seu Criador tanto em sua vida como em seu pensamento, elas descobrem que não podem entender a si mesmas corretamente. Assim, acabam vendo a si mesmas como menos do que são, ou seja, como animais ou máquinas humanas, que têm pouca ou nenhuma importância e valor. Mas o ponto de vista cristão sobre os seres humanos, vinculado à doutrina da criação, nos diz que Deus nos fez com dignidade e valor e que isto, em última análise, é a única base para um entendimento apropriado dos seres humanos. Além disso, o fato de que fomos criados por Deus também serve como fundamento para toda a ética, para a responsabilidade humana e para um entendimento correto de nosso lugar, em sujeição a Deus, na sua criação. Mas, outra vez, devido à nossa rejeição intencional de nosso Senhor e Criador, temos nos posicionado contra ele e, assim, somos necessitados de redenção, uma redenção que somente Deus pode realizar e consumar soberanamente.
 
Terceira, a doutrina da criação nos diz algo sobre o nosso mundo em pelo menos duas áreas importantes. A primeira área está relacionada a como devemos ver este mundo em termos de valores. Visto que Deus criou este mundo, é importante enfatizar que ele tem valor. Isto é evidenciado em Gênesis 1 pelo julgamento de valor “era bom” (vv. 4, 10, 12, 18, 21, 25), da parte de Deus, e pela sua avaliação conclusiva “era muito bom” (v. 31). Neste contexto, “bom” indica que o mundo era não somente o que Deus planejara e tencionara, mas também que ele tinha grande valor. Deus falou “Sim!” para o que havia criado. Uma implicação importante disto para a teologia cristã é não elevarmos, em nosso pensamento e em nossa prática, o “espiritual” acima do “físico”. Isto foi um problema no passado e produziu vários entendimentos errados na igreja. Ao criar este mundo, Deus valoriza tanto a realidade física como a espiritual. Infelizmente, como resultado da Queda, ambas estão agora corrompidas. Mas, na redenção, Deus fez uma obra em Cristo que salva não somente a nossa alma, mas também o nosso corpo. Por isso, há nas Escrituras a ênfase sobre a ressurreição de nosso corpo, para vivermos em novos céus e uma nova terra, na presença de Deus, para sempre (ver 1 Co 15; Ap 21-22).
 
A segunda área está relacionada ao entendimento cristão da relação e envolvimento contínuo de Deus com seu universo e das implicações disto para um ponto de vista cristão quanto à ciência. É claro que muito poderia ser dito neste assunto. Entretanto, basta dizer que, uma vez que a ordem criada é o resultado da decisão espontânea do Senhor soberano e pessoal, ela é também planejada, ordenada, estruturada e governada por leis. Mas, em sua estrutura, a criação nunca deve ser vista meramente em termos mecânicos. A teologia cristã rejeita qualquer noção ou de um universo “aberto” ou de um universo “fechado”. Um universo “aberto” é o ponto de vista representado pelo animismo. O animismo não entende o universo como que estando sob o controle soberano de Deus, mas, em vez disso, ele é controlado por forças e espíritos caprichosos. Um ponto de vista de universo “fechado” é aquele representado pela ciência moderna. Neste ponto de vista, o universo é concebido como que estando unicamente sob o controle de leis mecânicas, independentes da vontade e do plano de Deus; e, por isso, este ponto de vista concebe aquilo que é miraculoso como impossível. As Escrituras, porém, rejeitam esses dois pontos de vista. Em vez disso, as Escrituras nos apresentam um universo “controlado”. O ponto de vista bíblico vê este mundo como ordeiro e previsível devido à sua relação com o Deus de criação e providencia. Mas também afirma que este mundo não é independente de Deus e que, se Deus quiser, pode agir neste mundo e realizar seus planos e propósitos de maneiras miraculosas e extraordinárias. Por conseguinte, o ponto de vista cristão sobre o mundo, unido à nossa doutrina de criação, nos permite ver o mundo em um padrão ordeiro e previsível, possibilitando assim a ciência. Enquanto o problema de milagres não é realmente um problema devido ao fato de que o Deus de criação é também o Deus de providência que sustenta o mundo continuamente e age nele.
 
Com base nesta breve consideração, não é difícil perceber que a doutrina da criação e a afirmação de que Deus é o Criador têm importância crucial para a teologia cristã. Como já disse, sem o Deus de criação e providência não há cristianismo como a Bíblia o descreve. Todas as outras doutrinas, incluindo a doutrina da salvação, estão arraigadas e alicerçadas no fato de que Deus é o criador soberano e Senhor de seu universo. Na verdade, a doutrina da criação é também fundamental à teologia cristã em outro sentido – ela é o começo da história que leva à redenção. Ao insistir no fato de que a criação original de Deus era boa, a Bíblia prepara o cenário para o que sai errado – o pecado, a morte, a destruição – e para o desenvolvimento da linha histórica da Escritura que culmina na vinda de um Redentor para corrigir as coisas. Em última análise, todo o drama da história de redenção prenuncia a restauração – a transformação numa glória ainda maior (Rm 8.1-27) – daquela bondade do universo que se tornou corrompido e chega por fim ao alvorecer de um novo céu e uma nova terra (Ap 21-22), o lar da justiça (2 Pe 3.13).
 
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– Sobre o autor: Stephen J. Wellum é professor de Teologia Cristã desde 1999 no Southern Baptist Theological Seminary e editor do Southern Baptist Journal of Theology, Dr. Wellum já lecionou teologia na Associated Canadian Theological Schools e Northwest Baptist Theological College and Seminary. Ele também serviu como pastor em Dakota do Sul e Kentucky, bem como palestrante em várias conferências nos EUA, Canadá e Reino Unido. Dr. Wellum é autor do livro  Kingdom through covenant e já escreveu numerosos artigos científicos e resenhas de livros para várias publicações.
 
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A soberana graça de Deus e a responsabilidade do homem (C. H. Spurgeon)

A Soberana Graça de Deus e a Responsabilidade do Homem
N0 207
Sermão pregado no Domingo, 1º de Agosto de 1858
Por Charles Haddon Spurgeon
No Music Hall, Royal Surrey Garden, Londres.


“E Isaías ousadamente diz: Fui achado pelos que não me buscavam, Fui manifestado aos que por mim não perguntavam. Mas para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente.”
(Romanos 10:20-21, ACF)

Sem dúvida, estas palavras referem-se principalmente à rejeição dos judeus e à escolha dos gentios. Os gentios eram um povo que não buscava a Deus, mas vivia em idolatria. Apesar disso, naqueles últimos tempos aprouve a Jeová enviar o Evangelho da Sua Graça a eles – enquanto aos judeus, os quais por muito tempo haviam desfrutado os privilégios da Palavra de Deus, foram repudiados por causa da sua rebelião e desobediência. Creio, no entanto, que embora este seja o principal objetivo das palavras do nosso texto, ainda, como diz Calvino, a verdade ensinada aqui é um tipo de fato universal. Como Deus escolheu o povo que não O conhecia,  também tem escolhido, na abundância da sua graça, manifestar a Sua salvação aos homens que estão fora do caminho, enquanto, por outro lado, os que continuam perdidos após terem ouvido a Palavra, assim continuam devido ao seu pecado deliberado. Pois Deus o dia todo “estende as suas mãos a um povo rebelde e contradizente.”

A abordagem da Verdade não é uma linha reta, mas são duas. Ninguém nunca obterá uma visão correta do Evangelho até aprender como olhar para as duas linhas de uma vez. Em um livro sou ensinado a acreditar que o que semear, colherei. Em outro  sou ensinado que, “assim, pois, isto não depende do que quer, nem do que corre, mas de Deus, que se compadece.” Em um lugar vejo a Providência de Deus governando tudo. E ainda assim vejo – e não posso deixar de ver – que o homem age como lhe agrada e que Deus tem, em grande medida, deixado seus atos à mercê da própria vontade dele. Então, se eu fosse declarar que o homem é livre para agir de modo que não existe a Providência de Deus sobre suas ações, seria levado sobremodo para perto do Ateísmo. E se, por outro lado, eu fosse afirmar que Deus domina tanto todas as coisas, como se o homem não fosse livre o suficiente para ser considerado responsável, sou levado imediatamente ao Antinomianismo ou ao fatalismo! A predestinação por Deus e a responsabilidade do homem são dois fatos percebidos por poucos e considerados inconsistentes e contraditórios. Mas não o são! A culpa está na nossa própria débil capacidade de julgamento. Duas verdades de Deus não podem se contradizer.  Se, então, uma parte ensina que tudo é pré-ordenado – é verdade. E se outra ensina que o homem é responsável por todas as suas ações –  é verdade. E é minha insensatez que me leva a imaginar que duas verdades de Deus podem, alguma vez, se contradizer. Acredito que estas duas verdades nunca poderão ser fundidas sobre nenhuma bigorna humana, mas como uma estarão na eternidade! São duas linhas quase tão paralelas que a mente que as buscar muito longe  nunca perceberá que convergem – mas de fato convergem e se encontrarão em algum lugar na eternidade, perto do trono de Deus de onde toda aVerdade emana!

Agora, esta manhã, eu estou a ponto de considerar as duas doutrinas. No versículo 20, aprendemos as Doutrinas da Graça Soberana:E Isaías ousadamente diz: Fui achado pelos que não me buscavam, Fui manifestado aos que por mim não perguntavam.” No versículo seguinte, temos a Doutrina da culpa do homem por rejeitar a Deus. “Mas para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente.”

I. Primeiro, então, a SOBERANIA DIVINA COMO EXEMPLIFICADA NA SALVAÇÃO. Se algum homem é salvo, assim o é pela Graça Divina e somente por ela. A razão da sua salvação não será encontrada nele, mas em Deus. Não somos salvos como resultado de algo que fazemos ou que desejamos – nossas ações e desejos são resultado da boa vontade de Deus e da obra da Sua graça em nossos corações! Nenhum pecador pode detê-Lo, isto é, não pode ir adiante dEle, não pode se antecipar a Ele. O Senhor vem primeiro na questão da salvação, antecede nossas convicções, desejos, medos e esperanças! Tudo o que é bom ou será bom em nós é precedido pela graça de Deus e é o resultado de uma ação divina em nós.

Agora, nesta manhã, falando de atos graciosos de salvação por Deus, noto primeiro que são totalmente imerecidos. Você constatará que as pessoas aqui mencionadas, sem dúvida,  não mereceram a graça de Deus. Elas o encontraram, mas nunca O buscaram; Foi manifestado a elas, porém nunca perguntaram por Ele. Nunca houve nenhum homem salvo por merecimento! Perguntem para todos os santos de Deus e eles lhes dirão que sua vida pregressa foi desperdiçada em desejos da carne, que nos dias de sua ignorância se rebelaram contra Deus e se desviaram dos Seus caminhos; e então, quando foram convidados a voltar-se para Ele, desprezaram o convite e quando alertados, jogaram fora o alerta! Vão dizer-lhes que o fato de terem sido atraídos por Deus não foi  resultado de qualquer mérito antes da conversão, porque alguns, longe de terem direito a algo, foram os mais terríveis entre os terríveis! Se jogaram no poço absoluto do pecado. Não se envergonharam de todas as coisas das quais sentiríamos vergonha se somente fossem mencionadas. Eram líderes do cartel do crime, príncipes na hierarquia do inimigo. E assim mesmo a Graça Soberana veio sobre eles e foram levados a conhecer o Senhor. Vão afirmar-lhes que não foi o resultado de algo primoroso em sua disposição,  embora agora acreditem na existência de algo excelente implantado neles, ainda que nos dias da sua carne não puderam ver uma qualidade que não fosse  corrompida em favor do serviço de Satanás! Perguntem-os se pensam que foram escolhidos como resultado da sua coragem e lhe dirão que não. Se alguma coragem havia neles, era deformada, pois esta se inclinava para o mal! Perguntem-os se foram escolhidos de Deus por causa das suas aptidões e lhe dirão que não; havia neles aptidões, porém as prostituíam ao serviço de Satanás! Perguntem-os se foram escolhidos devido à franqueza e à generosidade de seu temperamento e lhe revelarão que estes os levou a mergulhar tão mais profundamente no pecado do que do contrário teriam feito,  pois eram “bons camaradas” de cada homem mal, prontos para beber e se juntar a todas as festanças que cruzassem seus caminhos.

Não havia neles nenhuma razão para que Deus usasse de misericórdia em seu favor. E se maravilharam porque Ele não os rejeitou no tempo de seus pecados, não excluiu seus nomes do Livro da Vida e não os arrastou para dentro do abismo onde queima o fogo que irá devorar os ímpios! Mas alguns têm afirmado que Deus escolhe o Seu povo porque prevê que após elegê-los farão isto ou aquilo, e outras tantas ações meritórias e excelentes. Recorra novamente ao povo de Deus e lhes revelarão que desde sua conversão têm tido muitas razões para chorar. Embora possam alegrar-se com a boa obra que Deus começou em suas vidas, muitas vezes tremem com medo de que a obra possa não ser de Deus. Irão dizer-lhe que se às vezes abundam na fé, ainda há tempos em que superabundam na incredulidade! Se às vezes estão cheios de obras de santidade, ainda existem momentos em que choram profusamente por considerar que estes mesmos atos de santidade foram manchados pelo pecado! O cristão irá dizer-lhe que chora profusamente. Sente que há imundície mesmo nos melhores desejos – que precisa pedir perdão a Deus por suas próprias orações – pois existe pecado no meio de suas súplicas e que precisa de aspergir mesmo suas melhores ofertas com o sangue expiatório, porque nunca é capaz de trazê-las sem mancha ou defeito. Você pode recorrer ao mais iluminado dos santos, ao homem cuja presença em meio à sociedade retrata a presença de um anjo e ele assegurará ainda sentir vergonha de si mesmo. “Ah”, ele dirá, “você pode me elogiar, mas eu não posso elogiar a mim mesmo. Pode falar bem de mim, me aplaudir, mas se conhecesse meu coração, enxergaria razões suficientes para me considerar um pobre pecador salvo pela graça, destituído de motivos para se gloriar e constrangido a inclinar sua cabeça e confessar suas iniquidades perante Deus.” A graça é, portanto, totalmente imerecida.

Mais uma vez, a graça de Deus é soberana. Isto significa que Deus tem direito absoluto de dispensá-la como Lhe agrada. Não tem a obrigação de dá-la a ninguém, e se escolher concedê-la a um e não a outro, Sua resposta é: “Porventura, não me é lícito fazer o que quero do que é meu? Ou são maus os teus olhos porque eu sou bom? Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia.” Então, quero que observe como está ilustrada no texto a Soberania da Graça Divina – “Fui achado pelos que não me buscavam, Fui manifestado aos que por mim não perguntavam.” Imagine se Deus fosse esperar que o homem o buscasse seriamente para poder concedê-la? Imagine se Ele, do mais alto dos céus, dissesse: “Tenho misericórdias, mas deixarei o homem só e quando delas necessitar e então se empenhar em me buscar com todo seu coração, dia e noite, com lágrimas, sacrifícios e súplicas, o abençoarei – mas não o farei antes disso.” Mas amados, Deus não diz tais coisas! Sim, é verdade que Ele abençoa aqueles que clamam por Ele, porém os abençoa antes de clamarem, porque Deus mesmo colocou esses clamores em seus lábios! Seus desejos não provêm deles, mas de boas sementes lançadas pelo Senhor no solo de seus corações. Deus salva homens que não O buscam! Oh, quantas maravilhas! É mesmo ato de misericórdia quando Ele salva quem o busca, mas não é esta misericórdia ainda mais gloriosa quando Deus mesmo salva os que não o buscam? Considere a parábola da ovelha perdida. Não diz assim: “Certo homem tinha cem ovelhas e uma delas se perdeu. Permaneceu em casa esperando e veja – a ovelha retornou. Ele a recebeu com alegria e disse aos seus amigos que se regozijassem pois a ovelha perdida havia retornado.” Não. Ele saiu a buscá-la porque nunca teria voltado por conta própria. Teria vagado cada vez mais distante. Ele saiu a buscá-la. Através das montanhas da dificuldade e dos vales do desalento, perseguiu seus passos errantes e a recuperou. Não a conduziu por esse caminho, não a liderou, mas a carregou ao longo dele, e quando a trouxe de volta para casa não disse: “A ovelha retornou”, mas “Encontrei a ovelha que se havia perdido.” Deus busca o homem primeiro, e não ao contrário! E se alguém o busca hoje é porque Ele o buscou primeiro! Se alguém o deseja, saiba que Ele o desejou primeiro; sua busca e desejos sinceros não provêm da sua salvação, mas dos efeitos da graça previamente concedida a você.

“Bem”, alguém argumenta, “eu poderia ter pensado que, embora o Salvador não exija uma busca sincera e constante, suspiros e gemidos por Ele, ainda assim desejaria e demandaria que todo homem deva clamar pela Graça antes de recebê-la”. Amados, de fato esta situação parece natural e Deus a concederá aos que por ela clamarem. No entanto, observem no texto que Ele foi manifestado “aos que por Ele não perguntaram.” Ou seja, o Senhor nos concede Graça antes de pedirmos por ela! A única razão pela qual qualquer homem começa a orar é porque a Graça derramada anteriormente em seu coração o levou a isto. Lembro-me que quando me converti, eu era um Arminiano completo. Pensei que eu mesmo havia começado a boa obra e costumava me sentar e pensar: “Bem, busquei o Senhor por quatro anos antes de encontrá-lo”, e acho que comecei a me elogiar porque havia clamado por Ele insistentemente em meio a muito desânimo! Mas um dia me ocorreu um pensamento: “O que me levou a buscar a Deus?”, e num instante a resposta veio de minha alma: “Por quê? Por que Ele me conduziu a isto! Primeiro deve ter me mostrado minha necessidade Dele, senão eu nunca O teria buscado! Deve ter me mostrado Sua preciosidade, ou eu nunca teria achado que vale a pena buscá-Lo.” Então de uma vez enxerguei com a maior clareza possível as Doutrinas da Graça. DEUS deve começar! A natureza nunca poderá se sobrepujar. Coloca-se água em um reservatório e ela o encherá até um dado limite, mas nunca passará disto sozinha. Então, não está na natureza humana o buscar a Deus. Esta é depravada, logo, deve haver uma pressão excepcional do Espírito Santo sobre o coração para inicialmente nos levar a pedir por misericórdia. Mas veja, não percebemos nada disto durante a operação do Espírito! Clamamos como se fossemos responsáveis por desejarmos o Senhor e O buscamos como se o Espírito Santo não existisse; e embora não saibamos, deve existir um movimento prévio do Espírito em direção ao nosso coração antes de existir um movimento em nosso coração em direção a Ele.

Nenhum pecador pode estar com o Senhor de antemão,
Sua Graça é mais soberana, mais rica e mais livre.”

Deixe-me dar um exemplo. Vê aquele homem montado em um cavalo cercado por seus soldados? Como está orgulhoso! Com quão consciente dignidade dali exerce controle! O que tens aí contigo, senhor? O que são essas expedições que entesouras com tanto apreço? “Oh, senhor, o que tenho em minhas mãos irá afligir a Igreja de Deus em Damasco. Arrastarei os membros, homens e mulheres, para a sinagoga. Açoitá-los-ei e forçá-los-ei a blasfemarem. E tenho esta comissão do sumo sacerdote de levá-los à força à Jerusalém para matá-los.” “Saulo! Saulo! Não tem amor por Cristo?” “Amor por Ele? Não! Quando apedrejaram Estevão, me encarreguei das roupas das testemunhas e tive prazer em fazê-lo. Como gostaria de ter participado da crucificação do seu mestre, pois os odeio profundamente e contra eles expiro ameaças e massacres.” O que você afirma deste homem? Se ele for salvo, não irá admitir que alguma soberania divina o converteu? Olhe para o pobre Pilatos, quanta esperança havia nele. Queria salvar o Mestre, porém temeu e tremeu. Se tivéssemos tido a chance, teríamos dito: “Senhor, salve Pilatos porque ele não quer matar Jesus e se esforça para livrá-lo. Mas mate o sanguinário Saulo – ele é o líder absoluto dos pecadores.” “Não”, exclama Deus, “farei com os meus como me for aprazível.” ”Os céus se abrem e o brilho da glória desce mais luminosa que o sol do meio-dia! Impressionado com a luz, Saulo cai no chão e uma Voz se dirigindo a ele é ouvida: “Saulo, Saulo, por que me persegues?  Duro é para ti recalcitrar contra os aguilhões.” Ele se levanta. Deus aparece para ele:“Veja, porque és para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios.” Não é esta Soberania – Graça Soberana – desprovida de qualquer busca prévia? Deus foi achado por aquele que não o havia buscado! Se manifestou ao que não havia perguntado por Ele. Alguns dirão que aquilo foi um milagre, mas é um que se repete todos os dias da semana!

Uma vez conheci um homem que não ia à casa de Deus por muito tempo. E num domingo de manhã, tendo ido ao mercado comprar dois patos para seu jantar, aconteceu de ver a casa de Deus aberta quando passava. “Bem”, pensou ele, “vou observar o que estes companheiros estão fazendo.” Ele entrou. O hino que cantavam prendeu sua atenção. Ouviu o sermão, esqueceu-se dos patos, descobriu seu próprio caráter – foi para casa e se pôs de joelhos perante o Senhor – e após certo tempo aprouve a Deus dar-lhe alegria e paz em crer! Para começar, aquele homem não tinha nada em si mesmo, nada que levasse alguém a imaginar que um dia ele poderia ser salvo! Mas simplesmente porque Deus quis assim, o homem foi alcançado com o sopro eficaz da Graça e levado a Jesus Cristo! No entanto, nós mesmos somos os melhores exemplos desta situação! Até hoje me assombro pois Deus nunca deveria ter me escolhido. Não consigo entender. E a minha única resposta para a pergunta é: “Sim, ó Pai, porque assim pareceu bem aos teus olhos.”

Creio que agora anunciei a Doutrina de maneira bem clara. Deixe-me apenas dizer algumas palavras sobre ela. Algumas pessoas têm bastante medo desta verdade de Deus. Dizem: “É verdade, ouso dizer, mas mesmo assim você não deveria pregá-la para uma assembleia heterogênea. É muito confortável para o povo de Deus, mas deve ser manejada com cuidado e não deve ser pregada publicamente.” Muito bem, senhor, permito que resolva este assunto com meu Mestre. Ele me deu este grande livro para pregar, e não posso fazer uso de nenhuma outra fonte! Se Ele colocou algo na Bíblia que você considera inadequado, vá e reclame com Ele e não comigo. Sou um simples servo e se o que prego é ofensivo, não posso fazer nada. Se eu envio meu servo com uma mensagem e ele a entrega fielmente, não merece ser repreendido. Coloque a culpa em mim, e não em meu servo. Então eu digo: culpe meu Mestre porque eu somente proclamo Sua mensagem. “Não”, diz alguém, “não é para ser pregada.” Sim, é para ser pregada. Toda a Palavra de Deus é inspirada e útil para algum bom propósito. A Bíblia não ensina assim? Deixe-me dizer-lhes a razão pela qual muitas das nossas igrejas estão em declínio: é simplesmente porque esta Doutrina não tem sido pregada. Onde quer que ela tenha sido defendida, sempre foi “Abaixo o Papismo.” Os primeiros reformadores sustentaram esta doutrina e a pregaram. Bem disse um doutor da Igreja da Inglaterra a alguns críticos: “Olhem para o Lutero de vocês. Não o consideram o mestre da Igreja da Inglaterra? O que Calvino e outros reformadores ensinaram pode ser encontrado em seu Livro sobre a liberdade da vontade.”[1] Além disso, podemos indicar-lhes uma série de ministros desde o início até agora. Falemos da sucessão apostólica! O homem que prega as Doutrinas da Graça é de fato um sucessor dos apóstolos! Não podemos traçar nossa genealogia através de toda uma linhagem de homens como Newton, Whitefield, Owen e Bunyan diretamente até chegarmos a Calvino, Lutero e Zwinglio? Deles então podemos voltar a Savonarola, Jerônimo de Praga, a Huss e então de volta a Agostinho, o pregador mais poderoso do cristianismo. E de Santo Agostinho até Paulo é somente um passo! Não precisamos sentir vergonha da nossa linhagem. Embora os Calvinistas agora sejam considerados heterodoxos, somos e sempre deveremos ser ortodoxos. É a antiga doutrina! Vão e comprem qualquer livro puritano e veja se conseguem encontrar nele o Arminianismo! Pesquisem todas as bancas de livros e veja se podem encontrar algum manuscrito antigo que possua algo diferente da Doutrina da Livre Graça de Deus. Permitam que esta seja trazida para nutrir a mente dos homens e desaparecerão as falsas doutrinas da penitência, confissão e do pagamento pelos seus pecados!

Se a graça é livre e soberana nas mãos de Deus, a doutrina do clericalismo não se sustenta! A compra e venda de indulgências e coisas afins também não! São levados pelos quatro ventos dos céus e a eficácia das boas obras é reduzida em pedacinhos como Dagom diante da arca do Senhor! “Bem”, alguém comenta, “Gosto da Doutrina. Todavia, existem muito poucos que pregam-na e os que o fazem são muito elevados.” É bem provável, mas me importo pouco com o que dizem de mim. Tem muito pouca importância o que os homens falam a seu respeito. Suponha que o considerem “excitado, nervoso”- isto não o torna perverso, certo? Imagine que o julguem um antinomiano – isto não o torna um deles! No entanto, devo confessar que há alguns homens que pregam esta doutrina causando dez vezes mais mal do que bem porque não pregam sobre a próxima sobre a qual vou falar, e que é igualmente verdadeira! Possuem a primeira para ser a vela, mas não esta última para ser o lastro. Podem pregar sobre um lado da moeda, mas não sobre o outro. Podem concordar com a alta Doutrina, porém não falarão sobre a Palavra em sua totalidade. Tais homens caricaturam a Bíblia! Deixem-me comentar aqui o costume de certo grupo de hiper-calvinistas de chamar de “Calvinistas Híbridos” aqueles entre nós que ensinam que é dever do homem se arrepender e crer. Se vocês escutarem alguém dentre eles falar desta maneira, deem-nos meus mais respeitosos elogios e perguntem-nos se já leram os trabalhos de Calvino em suas vidas. Não que eu me importe com o que Calvino disse ou não disse, mas perguntem-nos se algum dia leram suas publicações. E se disserem “Não”, como provavelmente o farão porque existem 48 extensos volumes, digam-nos que o homem a quem chamam um “Calvinista Híbrido”, embora não tenha lido a totalidade dos volumes, já leu uma boa parte deles e conhece sua essência. E sabe que prega substancialmente o mesmo que Calvino, que toda doutrina sobre a qual ensina pode ser encontrada nos Comentários de João Calvino a respeito de uma ou outra parte das escrituras. Somos calvinistas verdadeiros! No entanto, este reformador não é ninguém para nós. Jesus Cristo e ele crucificado e a Bíblia tradicional são nossos pilares. Amados, aceitemos a escritura em sua totalidade! Se encontrarmos alta doutrina, que assim permaneça! Se for baixa doutrina, que permaneça também![2] Lancemos mão somente de padrões proporcionados pela Bíblia!

II. Passemos agora ao segundo ponto. “Agora veja,” comenta meu hiper amigo, “ele vai se contradizer.” Não, meu Amigo, não vou! Vou contradizer você! O segundo ponto é a RESPONSABILIDADE DO HOMEM. “Mas para Israel diz: Todo o dia estendi as minhas mãos a um povo rebelde e contradizente.” Então, esse povo que Deus abandonou havia sido cortejado, buscado, suplicado que fosse salvo. Mas se recusaram e uma vez que não foram salvos, o abandono foi o resultado de sua desobediência e oposição. Este fato é claramente encontrado no texto. Quando Deus envia os profetas a Israel e estende Suas mãos, qual Seu propósito? Por que desejava que o povo se voltasse para Ele? Ora, para serem salvos! “Não”, alguém diz, ”era para que recebessem misericórdias temporárias.” Não é assim, meu Amigo! O verso anterior diz respeito às misericórdias espirituais e este também, pois se referem à mesma coisa. Então, foi Deus sincero em sua oferta? Ele perdoa o homem ousado o suficiente para dizer que não! Sem dúvida o Senhor é sincero em todas as suas ações – enviou Seus profetas e rogou ao povo de Israel que se apegassem às coisas espirituais, mas se recusaram. E embora estendesse Suas mãos durante todo o dia, ainda assim permaneceram “um povo rebelde e contradizente”, e não receberam Seu amor. E sujaram as mãos com o próprio sangue!

Deixe-me agora observar o cortejo de Deus e suas características. Em primeiro lugar, era o cortejo mais amoroso do mundo! Pecadores perdidos que se encontram ao som do evangelho não estão perdidos por falta do mais carinhoso dos convites. Deus diz que estendeu Suas mãos. Vocês sabem o que isto significa. Têm visto filhos desobedientes que não se voltam para seus pais. O pai estende suas mãos e diz: “Venham para mim, meus filhos, venhas, estou pronto a perdoar-lhes.” A lágrima está em seus olhos e seu coração se move de compaixão enquanto exclama: “Venham, venham.” Deus diz que Ele mesmo fez isto – “Ele estendeu as Suas mãos.” E assim tem agido com alguns de vocês, os quais se não são salvos hoje, são indesculpáveis, pois Deus lhes estendeu Suas mãos e disse: “Venham, venham.” Vocês têm estado ao som do evangelho por um longo tempo e têm sido fiel, eu creio, e têm chorado! Seu pastor não se esqueceu de orar por suas almas em secreto ou de chorar por vocês quando nenhum olho estava posto sobre ele, o qual tem lutado para convencê-lo como um embaixador de Deus! O Senhor é testemunha das vezes que estive neste púlpito e não poderia ter rogado com mais força por minha própria vida do que roguei pelas suas! Em nome de Jesus tenho clamado: “Vinde a mim, todos os que estai cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei.” Tenho chorado por vocês como fez o Salvador e usado Suas palavras em Seu nome: “Jerusalém, Jerusalém, quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, e tu não quiseste!” E vocês sabem que suas consciências têm sido tocadas com frequência, que vocês têm sido movidos, não puderam resistir. Deus foi tão gentil com vocês, convidou-os com tanto amor através da Palavra, ajudou-os com tanta mansidão através da Sua providência e Suas mãos estavam estendidas e vocês puderam ouvir Sua voz falando em seus ouvidos: “Vinde então, e argui-me, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados sejam como a escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que sejam vermelhos como o carmesim, se tornarão como a branca lã.”

Vocês O têm ouvido clamar: “Ó vós, todos os que tendes sede, vinde às águas.” Vocês O têm ouvido falar com todo o amor do coração de um pai: ”Deixe o ímpio o seu caminho, e o homem maligno os seus pensamentos, e se converta ao Senhor, que se compadecerá dele; torne para o nosso Deus, porque grandioso é em perdoar.” Oh, Deus implora para que o homem seja salvo e hoje Ele diz a cada um de vocês: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados. Tornai-vos para mim, diz o Senhor dos Exércitos, considerai os vossos caminhos.” E com amor Divino Ele o corteja como um pai corteja seu filho, estendendo Suas mãos e clamando: “Tornai-vos para mim, tornai-vos para mim.” “Não,” diz um doutrinário, “Deus nunca convida todos os homens a tornarem-se para Ele, mas somente alguns indivíduos.” Pare, senhor! Isto é tudo o que você sabe. Nunca leu sobre a parábola aonde é dito: “Meus bois e cevados já estão mortos, e tudo já está pronto; vinde às bodas.” E os que foram convidados não quiseram ir. E nunca leu que todos começaram a dar desculpas e foram punidos porque não aceitaram o convite? Então se os convites não são feitos para todos, mas somente para quem iria aceitá-lo, como esta parábola pode ser real? A verdade é que os bois e cevados estão mortos, o jantar preparado e o trompete ressoa: “Todos os que têm sede, vinde e comei, vinde e bebei.”Aqui está a distribuição das provisões, a total suficiência – o convite é de graça – é grande e sem limitação! “E quem tem sede, venha; e quem quiser, tome de graça da água da vida.” E este convite é expresso com palavras mansas: “Vinde a mim, filho meu, vinde a mim.” “Todo o dia estendi as minhas mãos.”

E note de novo, este convite era muito frequente. As palavras “todo o dia” podem ser traduzidas por “diariamente.” “Diariamente estendi as minhas mãos.” Pecador, Deus não o chamou uma vez para ir e então deixá-lo só, mas todos os dias tem estado com você! Todos os dias a consciência fala com você. Todos os dias a providência o adverte e todo dia do Senhor a palavra de Deus o corteja! Oh, quantas contas alguns de vocês terão de prestar no tribunal de Deus! Não posso agora entender o seu caráter, mas sei que alguns julgamentos serão terríveis no final. Deus tem cortejado você durante todo o dia. Desde o seu primeiro amanhecer, ele o corteja através de sua mãe e ela costumava a juntar suas mãozinhas e ensiná-lo a dizer:

 “Gentil Jesus, manso e humilde
Olhe para esta criancinha,
Compadeça-se da minha singeleza
Permita-me correr para o Senhor.”

E durante sua infância Deus ainda estava estendendo as mãos em sua direção! Como sua professora da escola dominical empenhou-se em trazê-lo ao Salvador! Quão frequentemente seu jovem coração foi influenciado. No entanto, você deixou tudo isto de lado a ainda permanece intocado! Quantas vezes sua mãe lhe falou e seu pai o advertiu? E você se esqueceu das orações em seu quarto quando estava doente, quando sua mãe beijava sua testa queimando de febre, ajoelhava-se e pedia a Deus que poupasse sua vida e então orava mais: “Senhor, salve a alma do meu menino!” Lembre-se da Bíblia que ela te deu quando você começou seu aprendizado e a oração que escreveu naquela capa amarela. Quando ela o presenteou, talvez você não o soubesse, mas deve saber agora o quanto ela desejou seu novo nascimento em Cristo Jesus! Como ela o acompanhou com suas orações e como ela suplicou ao Deus dela por você! E com certeza você ainda não se esqueceu de quantos domingos e sermões desperdiçou e quantas vezes foi avisado! Todo ano escutava pelo menos 104 sermões e alguns de vocês mais, e ainda permanecem como sempre foram!

Porém pecadores, escutar pregações é algo terrível a não ser que abençoe suas almas. Se Deus continua estendendo Sua mão todos os dias, durante todo o dia, será difícil quando você for justamente condenado não somente por suas brechas na Lei, mas por sua rejeição voluntária ao Evangelho! É provável que o Senhor continue estendendo Suas mãos até que seus cabelos fiquem grisalhos, ainda convidando-o continuamente – e talvez quando estiver beirando a morte Ele ainda dirá: “Vinde a mim, vinde a mim.” Se porém você ainda insistir em endurecer seu coração, se ainda rejeitar Jesus, eu imploro-lhe que não permita que nada o faça imaginar que continuará sem punição! Oh, eu tremo algumas vezes quando penso naquela classe de ministros os quais dizem aos pecadores que não são culpados por não buscarem o Salvador! Como serão considerados inocentes no Grande Dia do Senhor, eu não sei. Parece-me algo terrível o fato destes pastores estarem embalando pobres almas no sono enganoso por dizer-lhes que não é sua obrigação buscar a Cristo e arrepender-se – mas que podem comportar-se como desejarem a este respeito e quando perecerem não terão culpa a mais por terem ouvido a Palavra. Meu Mestre não disse isto! Lembre-se como Ele disse: “E tu, Cafarnaum, que te ergues até aos céus, serás abatida até aos infernos; porque, se em Sodoma tivessem sido feitos os prodígios que em ti se operaram, teria ela permanecido até hoje. Eu vos digo, porém, que haverá menos rigor para os de Sodoma, no dia do juízo, do que para ti.” Jesus não falou assim quando se dirigiu à Corazim e Betsaida – Ele afirmou: “Ai de ti, Corazim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se em Tiro e em Sidom se tivessem operado os milagres que em vós se fizeram, há muito que elas se teriam arrependido com pano de saco e cinza. E, contudo, vos digo: no Dia do Juízo, haverá menos rigor para Tiro e Sidom do que para vós outras.” Não era como Paulo pregava. Ele não afirmava que não havia culpa em desprezar a cruz. Escute uma vez mais as palavras do apóstolo: “Se, pois, se tornou firme a palavra falada por meio de anjos, e toda transgressão ou desobediência recebeu justo castigo, como escaparemos nós, se negligenciarmos tão grande salvação? A qual, tendo sido anunciada inicialmente pelo Senhor, foi-nos depois confirmada pelos que a ouviram.”

Pecador, no Grande Dia do Senhor você deverá prestar contas por cada advertência que recebeu, por cada vez que leu a Bíblia, sim, e por cada vez que negligenciou sua leitura; por cada domingo quando a casa de Deus estava aberta e você negligenciou tirar proveito da oportunidade de ouvir a palavra de Deus e por cada vez que a ouviu e não a escutou! Vocês que são ouvintes desatentos estão jogando lenha na sua própria fogueira eterna! Vocês que ouvem e se esquecem imediatamente, ou ouvem de maneira frívola, estão cavando sua própria cova! Lembrem-se, só você será culpado por sua própria condenação no Último Grande Dia, ninguém mais. Deus não será responsável. “Tão certo como eu vivo, diz o SENHOR Deus – e este é um grande juramento – não tenho prazer na morte do perverso, mas em que o perverso se converta do seu caminho e viva.” Deus tem feito muito por você! Ele enviou-lhe Seu Evangelho! Você não nasceu numa terra pagã. Ele lhe deu o Livro dos Livros e uma consciência iluminada. Se você perecer ao som do ministério, perecerá de maneira mais temerosa e terrível do que se estivesse em qualquer outro lugar!

Esta doutrina é tão bíblica quanto a outra. Você me pede para conciliar as duas. Respondo que elas não precisam de conciliação! Nunca tentei fazê-lo para mim mesmo por que nunca pude ver alguma discrepância. A discussão envolve ninharias, picuinhas, não posso responder nada. Ambas são genuínas! Não existem duas verdades inconsistentes entre si e o que podemos fazer é crer nas duas. Na primeira, o santo faz a maior parte. Deixe-o louvar a livre e soberana graça de Deus e abençoar Seu nome! Na segunda, o pecador faz a maior parte. Oh pecador, humilhe-se sob a poderosa mão do Senhor! Pense o quanto Ele tem demonstrado Seu amor por você convidando-o a voltar-se para Ele. Pense o quanto você tem desprezado Sua palavra e rejeitado Sua misericórdia! Pense como tem ignorado cada convite e seguido seu caminho de rebelião contra o Deus de amor e quantas vezes tem transgredido os mandamentos Daquele que o amou.

Como concluirei então? Minha primeira exortação será para os cristãos. Queridos amigos, rogo-lhes que não se rendam a nenhum sistema de fé à parte da Palavra de Deus. A Bíblia, e somente a Bíblia, é a religião dos protestantes. Sou o sucessor do grande e venerado Dr. Gill, cuja teologia é quase universalmente recebida entre as igrejas calvinistas mais maduras. Mas embora eu venere sua memória e creia nos seus ensinamentos, ele ainda não é meu Mestre. O que você encontra nas escrituras é para acreditar e receber! Nunca tema uma doutrina e, acima de tudo, nunca tema um nome. Alguém comentou comigo outro dia que achava que a verdade de Deus encontra-se em algum lugar entre estes dois extremos. Foi correta sua intenção, mas creio que ele estava errado. Não acredito que a verdade de Deus esteja entre dois extremos, mas nos dois! Quando se trata de pregar a salvação, creio que quanto mais profundo o homem possa ir, melhor. A razão pela qual alguém é salvo é Graça, Graça, Graça! E neste ponto, quanto mais minúcias, melhor. Mas quando a questão é porque o homem está condenado, então o Arminianismo está muito mais certo que o Antinomianismo. Não me importo com denominações ou partidos – e sou tão profundo quanto Willian Huntingdon[3] quando se trata da salvação – mas me pergunte sobre condenação e lhe darei uma resposta bem diferente. Não peço aplauso pela graça de Deus. Prego a Bíblia como ela é. Erramos quando o Calvinista começa a interferir na questão da condenação e interfere na justiça de Deus – ou quando o Arminiano nega a Doutrina da Graça.

Minha segunda exortação é: Pecadores, peço a cada pessoa não convertida e ímpia nesta manhã que repudie qualquer forma e estilo de desculpa que o diabo possa incutir em vocês a respeito de sua inconversibilidade. Lembrem-se que nenhum ensino no mundo pode desculpá-los de serem inimigos de Deus por praticarem o que é mau. Quando clamamos por sua reconciliação com o Senhor é porque sabemos que nunca estarão em seu próprio lugar até que isto aconteça. O Senhor Deus os fez. É certo que vocês o desobedeçam? Ele os alimenta todos os dias. Como pode sua insistente insubordinação estar correta? Lembrem-se: quando os céus estiverem em chamas, quando Cristo voltar para julgar o mundo com justiça e seu povo com equidade, não poderão lançar mão de nenhuma justificativa válida neste Último Grande Dia. Se você tentar argumentar: “Senhor, nunca ouvi a Palavra”, a resposta Dele seria: “Sim, a escutou claramente.” “Mas Senhor, minha vontade era má.” “Por sua boca o condenarei. Você conhecia sua vontade detestável e o condeno por ela. “O julgamento é este: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz porque as suas obras eram más.” “Mas Senhor”, alguns dirão, “eu não era predestinado.” “O que você tinha com isto? Agiu de acordo com sua vontade quando se rebelou. Não se voltou para Mim e agora o destruirei para sempre. Descumpriu a Minha Lei – sua culpa está sobre sua cabeça.” Se um pecador pudesse dizer no Último Grande Dia; “Senhor, não poderia ter sido salvo de qualquer modo”, seu tormento no inferno seria atenuado por este pensamento. Isto se encaixaria, porém, no mais extremo limite – “Sabia do seu dever e não o cumpriu, pisou em tudo o que era santo, se descuidou do Salvador e como escapará se negligenciar tão grande salvação?”

Então, quanto a mim – alguns de vocês podem ir embora e afirmar que fui antinomiano na primeira parte do sermão e Arminiano no final. Não me importo! Imploro que pesquisem a Bíblia por si mesmos, quanto à Lei e ao Testemunho. Se não falo de acordo com Sua Palavra, é porque não há luz em mim. Prontifico-me a passar pelo teste. Não tenham nada a ver comigo onde não tenho nada a ver com Cristo! Onde me desassocio da palavra de Deus, lancem fora minhas palavras – mas se o que digo é ensinamento de Deus, incumbo-lhes, por Aquele que me enviou, de considerar estas coisas e de voltar-se para o Senhor com todo seu coração.


[1] seu Livro sobre a liberdade da vontade: provável referência ao artigo X dos 39 Artigos da Religião da Igreja da Inglaterra, sobre o livre arbítrio (Confira https://www.dropbox.com/s/nwakukcizywv6ac/artigos.pdf)

[2] Doutrina Alta, Doutrina Baixa: referência a consideração dos mistérios de Deus “altos” e daquilo que é comum “baixo” (nota do revisor)

[3] William Huntington (2 de fevereiro de 1745 – 1 de Julho de 1813) foi um pregador inglês conhecido por pregar que a ”lei moral” era desnecessária. Huntington foi um calvinista crente na dupla predestinação. (Wikipédia)

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ORE PARA QUE O ESPIRITO SANTO USE ESSE SERMÃO PARA TRAZER UM CONHECIMENTO SALFÍVICO DE JESUS CRISTO E PARA EDIFICAÇÃO DA IGREJA

FONTE: Traduzido de http://www.spurgeongems.org/vols4-6/chs207.pdf
Todo direito de tradução protegido por lei internacional

Sermão nº 207 — Volume 2 do The New Park Street Pulpit,

Tradução: Adriana Braga Misiara Silva Rodrigues
Revisão: Armando Marcos
Capa: Victor Silva

Projeto Spurgeon – Proclamando a Cristo crucificado.

Projeto de tradução de sermões, devocionais e livros do pregador batista reformado Charles Haddon Spurgeon (1834-1892) para glória de Deus em Cristo Jesus, pelo poder do Espírito Santo, para edificação da Igreja e salvação e conversão de incrédulos de seus pecados.

Você tem permissão de livre uso desse material, e é incentivado a distribuí-lo, desde que sem alteração do conteúdo, em parte ou em todo, em qualquer formato: em blogs e sites, ou distribuidores, pede-se somente que cite o site “Projeto Spurgeon” como fonte, bem como o link do site www.projetospurgeon.com.br. Caso você tenha encontrado esse arquivo em sites de downloads de livros, não se preocupe se é legal ou ilegal, nosso material é para livre uso para divulgação de Cristo e do Evangelho, por qualquer meio adquirido, exceto por venda. É vedada a venda desse material

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O fundamento da Igreja e a fé (Mauro Meister)

Em Mateus 16 temos a narrativa de um diálogo entre Jesus e seus discípulos durante um “retiro espiritual” que fizeram pelas “bandas de Cesaréia de Filipe” (v. 13). Afastado das multidões, das controvérsias com os fariseus e outros adversários, das tremendas demandas diárias que recebia de todos à volta, o Senhor chama aqueles que estavam mais próximos à reflexão, para lhes mostrar alguns dos fundamentos sobre os quais a “sua igreja” seria continuada e firmada na face da terra.
Com a excelência da pedagogia que sempre é evidente nos Evangelhos, nosso Senhor começa a sua lição sobre os fundamentos da Igreja com uma pergunta que vai levar a uma outra: “Quem diz o povo ser o Filho do Homem?”.  Certamente, o simples invocar do nome “Filho do Homem” já faria com que os discípulos refletissem a respeito das mais diversas conversas e discussões acaloradas, tidas depois das leituras dos textos da Torá aos sábados na Sinagoga. Quem é o “Filho do Homem” segundo os Salmos ou o Daniel, ou mesmo na forma como a expressão é empregada para chamar o profeta Ezequiel?  Quem é esse a quem tanto esperamos, era a pergunta no ar?
A resposta estava pronta, mostrando que havia algumas principais correntes de interpretação entre os doutos, correntes essas que se espalhavam na opinião do povo: João Batista, Elias, Jeremias ou algum dos profetas… (v. 14). Mal sabia o povo que o Filho do Homem já andava entre eles a cerca de 30 anos, e pouquíssimos o reconheceram, dentre eles, alguns cegos, exatamente para mostrar que o real problema da humanidade não é a cegueira física, mas a cegueira espiritual.
Continuando com a sua sutil e certeira pedagogia, Jesus faz, então, a pergunta que realmente interessa: “Mas vós, continuou ele, quem dizeis que eu sou?” (v. 15). Observe que a associação é imediata: “o Filho do Homem” e quem “eu sou”.  Aqui está a primeira lição direta: Jesus é o Filho do Homem anunciado no Antigo Testamento.
Como é usual, Pedro sai na frente ao dar a resposta. É peculiar de Pedro adiantar-se em falar e agir. E a resposta de Pedro é direta: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (v. 16). A resposta é carregada de conceitos teológicos fundamentais que são trazidos pelos textos da Lei, dos Salmos e dos Profetas. Em resumo, Pedro faz uma associação teológica dizendo que o Filho do Homem é o mesmo Messias, que é o Cristo e que este mesmo é o Filho do Deus vivo, e, afinal, era este homem que estava diante dos seus próprios olhos na região de Cesaréia de Filipe. A partir desta realidade, aprendemos alguns importantes princípios no diálogo que se desenvolve.
Princípio da Revelação
Na resposta do diálogo, Jesus mostra, então, o primeiro grande fundamento sobre o qual a sua igreja está firmada: a iluminação do Espírito Santo sobre a Revelação, ou como chamarei aqui, o Princípio da Revelação.  O Senhor Jesus diz que não foi carne ou sangue que fizeram Pedro reconhecer esta verdade revelada nas Escrituras e agora exposta diante de seus próprios olhos, mas o próprio Deus. Esta é uma das fundamentais diferenças entre o cristianismo e outras religiões. A revelação que vem da parte de Deus e que corresponde à realidade dos fatos. Jesus é aquele que a Escritura diz que ele é. Jesus é aquele que ele mesmo diz ser. Jesus é aquele que Deus diz ser! Temos aqui três ideias básicas. Primeiro, que a revelação passada se cumpre em Cristo, afinal, ele é o Messias prometido. Segundo, que a revelação presente, na encarnação do Filho do Deus vivo, é superior. Não no sentido de que a revelação anteriormente dada fosse imperfeita, mas agora, ela é completa e plena. Tudo o que Deus quis revelar, mostrou-nos no seu Filho (Hb 1.3; Jo 1.18). E terceiro, aprendemos que a iluminação individual é fundamental. O verso 17 nos ensina que Deus revelou a Pedro esta verdade. Os escribas, fariseus e todos os estudiosos da época tinham as mesmas fontes que Pedro tinha, mas foi Pedro quem conectou os pontos da revelação passada com a revelação presente diante dos seus olhos. Esta mesma verdade é viva hoje quando, pela iluminação do Espírito Santo, percebemos na Escritura a verdade de Deus. Crer na revelação da Palavra de Deus é uma bem-aventurança: “Bem-aventurado és, Simão Barjonas”. Sobre esta revelação é que a fé da Igreja deve ser fundamentada.
Princípio da Edificação
A resposta de Jesus a Pedro começou com uma troca de palavras: você disse que eu sou o Cristo, e eu digo, Simão Barjonas (Simão filho de Jonas), que você é pedra (o significado do apelido de Simão, Pedro). Jesus usa deste trocadilho para trazer à luz uma das mais importantes verdades a respeito da fé da Igreja: “Sobre esta pedra edificarei a minha igreja” (v. 18).
O catolicismo romano imediatamente interpretou o jogo de palavras, Pedro e pedra, como sendo a mesma palavra e nisto construiu a doutrina do papado, sendo Pedro o primeiro desta suposta sucessão. Mas há aí uma falácia. Quando Jesus diz “esta pedra”, não refere-se a Pedro, mas à verdade pronunciada por Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”. É sobre esta verdade que a Igreja irá subsistir, a obra do Filho de Deus. O próprio Pedro, refletindo sobre esta verdade, fala-nos em sua primeira epístola: “Por isso, na Escritura se diz: Eis que ponho em Sião uma principal pedra angular, eleita e preciosa; e quem nela crer não será confundido” (1Pe 2.6).
A grande lição aprendida aqui é que a Igreja de Jesus nunca poderá ser edificada sobre fundamentos humanos. Sempre que interferimos e nos colocamos no lugar do fundamento verdadeiro encontramos diante de nós uma igreja falsificada, trasvestida e irreconhecível como igreja de Cristo.
Princípio da Propriedade
Da mesma forma como a igreja não pode ter fundamentos lançados por homens, ela não pode ter homens como seus proprietários! No final do verso 18, o Senhor Jesus usa a expressão “minha igreja”. A igreja é dele, sua noiva, pela qual ele tem verdadeiro zelo e compromisso. Com base nesta verdade é que são feitas muitas promessas à Igreja e a respeito da Igreja, dentre elas, a de que vai ele apresentá-la sem mancha, ruga ou mácula.
O Senhor sabe que é necessário cumprir toda a sua obra pela Igreja, para que possa resgatá-la de forma completa. Por isto mostra aos seus discípulos:  “Desde esse tempo, começou Jesus Cristo a mostrar a seus discípulos que lhe era necessário seguir para Jerusalém e sofrer muitas coisas dos anciãos, dos principais sacerdotes e dos escribas, ser morto e ressuscitado no terceiro dia” (v. 21). Ele diz “minha igreja”  porque ele é o único dono dela, trabalhou até a morte para que pudesse comprá-la com seu sangue e ninguém mais pudesse clamar posse sobre ela e seus membros. A Igreja de Jesus não existiria como tal sem a sua morte e ressurreição, o que lhe dá completa posse dela.
Princípio da Autoridade
Por último, podemos perceber o princípio da autoridade de Cristo sobre a sua Igreja. Para demonstrar este princípio temos, em primeiro lugar, a afirmação desta autoridade: “E as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (v.18b). O conceito é, de certa forma, muito simples: o fato da Igreja ter a autoridade da revelação de Deus, ser a propriedade e a edificação de Cristo, não há nada neste mundo, nem o próprio inferno, que possa se colocar contra ela e vencer. Assim, a verdadeira Igreja de Cristo não tem o que temer; não há poderes que possam terminá-la, porque ela pertence a Cristo. Aliás, opor-se à obra de Cristo na Igreja é obra de Satanás e é por isto que Pedro é repreendido severamente ao opor-se, quando foi dito que era necessária a morte e ressureição do Senhor.
Por outro lado, a verdadeira Igreja trabalha como uma agência do céu aqui na terra. O Senhor afirma: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus” (v.19). Veja que o texto é muito claro em dizer que a ordem da ação de ligar e desligar começa no céu e é implementada na terra pela Igreja. Acredito que aqui temos o ensino claro, somado ao contexto de Mateus 18.15-18, onde aparece a mesma expressão, que a Igreja tem a obrigação de admitir e demitir aqueles que não cogitam das coisas de Deus. A Igreja tem a responsabilidade de abrir e fechar a porta para que as “portas do inferno” não operem dentro dela mesma. Logo, a Igreja na terra deve viver na busca de realizar a vontade soberana do Pai do céu.
E como, afinal, esta fé deve ser vivida aqui na terra?
“Então, disse Jesus a seus discípulos: Se alguém quer vir após mim, a si mesmo se negue, tome a sua cruz e siga-me.  Porquanto, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á; e quem perder a vida por minha causa achá-la-á.  Pois que aproveitará o homem se ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma? Ou que dará o homem em troca da sua alma?  Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e, então, retribuirá a cada um conforme as suas obras.  Em verdade vos digo que alguns há, dos que aqui se encontram, que de maneira nenhuma passarão pela morte até que vejam vir o Filho do Homem no seu reino” (16.24-28).
O que o texto nos mostra é que a vida de fé na igreja deve ser vivida em torno da cruz! É, com certeza, uma vida de negação dos padrões da individualidade egoísta para viver os padrões da vida do bem-aventurado. Da mesma forma como era necessário que o Senhor fosse a Jerusalém para passar pela cruz, o cristão toma a sua cruz e segue a Jesus nos passos da ressurreição.
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Sobre o autor: Mauro Meister é graduado pelo Seminário Presbiteriano do Sul. Fez mestrado em Teologia Exegética do Antigo Testamento no Covenant Theological Seminary e doutorado em Línguas Semíticas, com especialização em hebraico, na Universidade de Stellenbosch, na África do Sul. É pastor da Igreja Presbiteriana Barra Funda, em São Paulo, presidente do Conselho de Educação Cristã e Publicações da Igreja Presbiteriana do Brasil e membro do Conselho Editorial da Cultura Cristã (Casa Editora Presbiteriana). Atua no campo da educação básica como Diretor Executivo da Associação Internacional de Escolas Cristãs (ACSI). É autor do livro “Lei e Graça” (2003) e de artigos na revista Fides Reformata, da qual é co-editor.
(Fonte)
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