Como Romanos 1 ilustra o ensino dado por Paulo em 1Tessalonicenses 5
Em Atos dos Apóstolos, Lucas afirma que, em seu Evangelho, ele relatara “tudo que Jesus começou, não só a fazer, mas a ensinar” (1.1). Lucas está dizendo que o Senhor era caracterizado por equilíbrio – não havia contradição entre Seus atos e Suas palavras. O Senhor manifestou harmonia entre vida e ensino – ambos eram claramente sujeitos à vontade e ao propósito de Deus.
Olhando para os escritos do apóstolo Paulo desse ponto de vista, podemos ver esse princípio aplicado a suas atividades pessoais em oração. Em 1Tessalonicenses 5 temos um exemplo do ensino de Paulo sobre oração, e, comparando-o com Romanos 1, veremos o equilíbrio do apóstolo, que é o que o Senhor exige de nós. Também podemos aprender um pouco sobre a importância de oração individual e particular.
A prioridade em oração (Rm 1.8)
“Primeiramente, dou graças a meu Deus”. Pare por alguns minutos e examine os capítulos iniciais das epístolas de Paulo, e veja o tamanho de sua lista de oração. Ele menciona o assunto nos versículos iniciais de seus escritos a cada cristão ou grupo de cristãos. Obviamente, colocar os santos perante o trono da graça era de suma importância para o apóstolo.
O louvor em oração (Rm 1.8)
“Dou graças a meu Deus”. Onde é que o louvor aparece em nossas orações? Paulo sempre começava suas orações com louvor, embora houvesse algumas igrejas a que escreveu em que não deve ter sido fácil achar alguma coisa digna de louvor. Lembrando que cada igreja é uma obra de Deus, Paulo oferece louvor a Deus por elas – aqui é “a vossa fé” que é “anunciada em todo o mundo”. Quaisquer que fossem os problemas, Paulo é capaz de mencionar o testemunho que aqueles cristãos tinham em todo o mundo, como um povo que tinha uma fé viva.
Note também que Paulo diz: “Dou graças o meu Deus […] acerca de vós todos”. Mesmo depois das críticas e dos ataques pessoais que sofrera por parte dos coríntios, Paulo podia escrever: “O meu amor seja com todos vós, em Cristo Jesus” (1Co 16.24). Podemos expandir nosso coração por meio da oração, e corremos o risco de estreitá-lo se formos seletivos em oração.
Tendo isso como pano de fundo, podemos ler 1Tessalonicenses 5.18: “ Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus”. É evidente, como podemos ver de Romanos 1, que Paulo não pediu de outros o que ele mesmo não estava pronto a praticar. Ele aprendeu sobre a vontade de Deus ao dar graças, e procurava ensinar aos outros a importância disso.
As pessoas da oração (Rm 1.8)
“Dou graças ao meu Deus por Jesus Cristo”. Vemos aqui que a oração é feita por intermédio de Jesus Cristo e dirigida a Deus. Note a expressão que Paulo usa: “meu Deus”. É bom lembrar que ele usa as mesmas palavras em 1Coríntios 1.4, Filipenses 1.3 e Filemon 4. Há certa intimidade nesse relacionamento. Paulo transmite a idéia de que comunhão com Deus em oração é um acontecimento tão freqüente e regular que justifica o uso de palavras que indicam a natureza pessoal do relacionamento. Deus é seu Deus. Paulo sente a proximidade da comunhão que tem com Deus por meio da oração. Embora as palavras exatas de suas orações não sejam conhecidas, ele pôde confiantemente dizer que Deus era testemunha do espírito e da constância de suas orações. Paulo poderia ter ecoado os sentimentos do escritor do hino: “Que privilégio levar tudo a Deus em oração”.
Em segundo lugar, podemos enfatizar a obra intercessora de Cristo. Ela nos assegura que nossas orações são aceitas, pois são oferecidas em Seu nome e por intermédio de Sua posição intercessora. O escritor de Hebreus, ao nos assegurar que “temos um grande sumo sacerdote”, nos convida: “Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, para que possamos alcançar misericórdia e achar graça, a fim de sermos ajudados em tempo oportuno” (4.16). Sabemos que Deus compreende nossa estrutura, que Ele se comove com nossas enfermidades.
As perspectivas em oração (Rm 1.9)
“De como incessantemente faço menção de vós […] em minhas orações”. Paulo era um homem de hábitos contínuos e cuidadosos. Repare que ele está descrevendo suas próprias orações: “Eu faço menção” e “em minhas orações”. Suas orações pelos cristãos de Roma eram incessantes. Ao lermos os versículos iniciais das outras epístolas, encontramos o mesmo pensamento. Que testemunho da vida de oração do apóstolo! Como que para autenticar a verdade do que afirma, ele enfatiza: “Deus […] me é testemunha”. Embora Paulo estivesse descrevendo o que acontecia no lugar secreto de oração, não há como duvidar do peso de seu coração. Assim como fora responsável por pregar o evangelho e estabelecer o testemunho [de Deus em vários lugares], ele orava sinceramente pela subsistência e pela proteção desse testemunho.
Que valor isso dá ao ensino de Paulo aos tessalonicenses: “Orai sem cessar” (1Ts 5.7). Ele está ensinando a importância da oração na vida dos cristãos. É a comunhão e a coparticipação que nos sustentam nesse mundo. Como ele diz em Filipenses 4.6: “Não estejais inquietos por coisa alguma; antes, as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus, pela oração e súplica, com ação de graças”. Além disso, Paulo está também ensinando a importância de tais orações por outros cristãos. Quantos, do povo de Deus, têm sido amparados em tempos difíceis e penosos pelas orações contínuas do povo do Senhor! Parece que foi o que ocorreu com Paulo, como ele diz no verso 25: “Irmãos, orai por nós”. Por essa razão, ele diz: “Orando em todo tempo com toda oração e súplica no Espírito e vigiando nisso com toda perseverança e súplica por todos os santos” (Ef 6.18).
Propósito em oração (Rm 1.10)
“Pedindo sempre […]”. Seu desejo era, pela vontade de Deus, visitar os irmãos em Roma. Ele almejava vê-los, e almejava fortalecê-los na fé. Este era o objetivo do ministério de Paulo: edificar e, assim, estabelecer o testemunho do povo do Senhor. Era esse o resultado pelo qual ele orou aqui. Mas vamos notar que a ênfase de sua oração não está em seu desejo, mas na “vontade de Deus”. Para que essa visita acontecesse, ele reconhece que é necessário ser da vontade de Deus.
Não importa quão constantes sejam nossas orações; acima de tudo, elas precisam estar de acordo com o propósito e a vontade de Deus.
O Homem fiel do salmo 1 se torna o Homem desamparado do salmo 22, para que o homem corrompido do salmo 14 possa ser o homem perdoado do salmo 32.
No salmo 1, temos uma descrição de nosso bendito Senhor. Ele é o Homem fiel que sempre seguiu um curso reto, sem se desviar para a direita ou para a esquerda. Do lado negativo, Ele não andou, não se deteve, não se assentou no caminho dos pecadores. Do lado positivo, Ele se deleitou na lei do Senhor, na qual meditava dia e noite.
O Homem fiel do salmo 1 é desamparado no salmo 22, levando sobre Si o castigo que nós merecíamos. Ele foi desamparado para que nós fôssemos recebidos. Ele sofreu para que nós pudéssemos cantar. Ele foi ferido para que nós pudéssemos ser sarados. Ele entrou nas trevas para que nós pudéssemos viver em eterna luz.
O homem corrompido (Sl 14) que encontra o perdão se transforma no homem do salmo 32, que pode declarar do fundo do coração: “Bem-aventurado aquele cuja transgressão é perdoada, cujo pecado é coberto” (v. 1).
Lembremos sempre do elevado custo de nossa redenção, e, como o salmista, exclamemos: “Bem-aventurados todos aqueles que Nele confiam” (Sl 2.12).
O versículo-chave de 2Timóteo 4 é este: “Sê sóbrio em tudo, sofre as aflições, faze a obra de um evangelista, cumpre o teu ministério” (v. 5).
Tudo na vida deve ser considerado como uma oportunidade, quer para desenvolver as virtudes cristãs, quer para realizar a obra que Deus nos confiou. Negligenciar as oportunidades é um grande perigo, tanto na vida cristã como no serviço ao Senhor. Esse capítulo apresenta sete coisas que não devemos negligenciar.
1. O uso das oportunidades (vv. 1,2)
A realidade do juízo vindouro deve estar sempre diante de nós. Os vivos serão julgados na vinda do Senhor para estabelecer Seu reino, e os mortos, no término de Seu reino milenar – mas a única forma de alguém escapar da certeza do juízo é pela justificação que vem pela fé em Cristo. “Deus há de trazer a juízo toda a obra, e até tudo o que está encoberto” (Ec 12.14).
Portanto, devemos estar sempre vigilantes a fim de aproveitar as oportunidades que possam surgir para pregar a Palavra. A palavra traduzida “pregues” (v. 2) traz a idéia de um servo do rei enviado para proclamar um decreto real. Isso enfatiza a dignidade de ser mensageiro do Senhor. As oportunidades não se limitam a certos dias ou horas; devemos sempre estar prontos para falar em nome do Senhor. As diferentes oportunidades exigem várias maneiras de agir – “redarguas, repreendas, exortes” –, mas sempre com paciência, e sempre com sã doutrina.
2. A vigilância contra a falsidade (vv. 3-5)
Também é muito perigoso negligenciar a vigilância contra a falsa doutrina. Paulo não se refere ao desejo de receber mais iluminação da Palavra de Deus, mas sim a pessoas que sempre querem ouvir qualquer novidade, contanto que não seja a sã doutrina, a qual “não suportarão”.
“Atendei ao que ides ouvir” (Mc 4.24) e “Vede […] como ouvis” (Lc 8.18) são palavras do Senhor Jesus que nos preparam para evitar a doutrina falsa. No versículo 5, Paulo dá a Timóteo quatro conselhos que o conservariam no caminho da verdade.
“Sê sóbrio em tudo”: a necessidade de ouvir e estudar a verdade com seriedade e perseverança.
“Sofre as aflições”: a necessidade de provar a verdade das promessas de Deus no meio das aflições.
“Faze a obra de um evangelista”: a necessidade de se envolver na obra de ganhar almas, mesmo não tendo dom especial para isso.
“Cumpre o teu ministério”: a necessidade de reconhecer e realizar o serviço que Deus lhe confiou, “como despenseiros dos mistérios de Deus” (1Co 4.1).
3. A importância de fidelidade (vv. 6-8)
Não podemos negligenciar a necessidade de fidelidade e consagração ao Senhor até o fim. É relativamente fácil ser fiel quando tudo vai bem, mas, quando surgem oposições ou sofrimentos, somos tentados a desistir. Paulo estava aguardando o cumprimento de seu serviço fiel, pronto para selar seu testemunho com o próprio sangue. Ele usa cinco figuras como ilustrações disso.
A libação, uma oferta de vinho que era derramada sobre o sacrifício no altar. Paulo está dizendo com isso que queria derramar todo o conteúdo de sua vida sobre o sacrifício de Cristo, sem reservar nada para si.
O viajante – “o tempo da minha partida”. Ele considerava a morte como o início de mais uma viagem, para estar ausente do corpo e presente com o Senhor.
O guerreiro. Paulo era como Eleazar, filho de Dodó, um dos valentes de Davi, que não largou mão da espada até que o Senhor tivesse efetuado um grande livramento (2Sm 23.10).
O atleta – “acabei a carreira”. Alguns começam a corrida da vida cristã em alta velocidade, mas desistem antes do final. Paulo perseverou até o fim.
A sentinela. Sempre vigilante para repelir qualquer ataque do inimigo contra a verdade.
Assim, aquele que sofreu tanto dos injustos juízes humanos tinha certeza de receber um galardão da mão do justo Juiz. Mas ele não será o único a receber; o galardão é para “todos os que amarem a Sua vinda”. A vinda do Senhor é algo que o crente fiel ama, antecipando o sorriso e a recompensa de seu Senhor; mas, para outros, ela será motivo de vergonha (1Jo 2.28).
4. As necessidades dos companheiros (vv. 9-12)
Paulo sempre apreciou seus companheiros. Agora na prisão, esperando ser morto em breve, ele ainda pensava em seus colaboradores, seguindo os movimentos deles e orando pela bênção de Deus sobre seu serviço. Lucas ficou com ele, e Paulo queria que Timóteo voltasse também, a fim de o confortar por causa do abandono de Demas, que amou “o presente século”.
Parece que Paulo, na prisão, dependia muito de Demas, e sentiu muito quando este o “desamparou”. No original, Paulo usa a mesma palavra que o Senhor usou na cruz, quando disse: “Por que me desamparaste?”. Não é sempre fácil ajudar um prisioneiro, e Demas acabou amando mais o mundo do que o aflito apóstolo, e o abandonou. Ele foi para Tessalônica; não sabemos por que, mas certamente não foi para visitar a igreja. Não devemos negligenciar o dever de assistir fielmente irmãos aflitos em suas necessidades.
5. As próprias necessidades (v. 13)
O inverno estava chegando, e Paulo já sentia a falta da capa que deixara em Trôade. É lícito e importante cuidar do corpo e da saúde. Mas Paulo sentiu uma necessidade ainda mais urgente: “os livros, principalmente os pergaminhos”. Talvez os “livros” fossem suas epístolas ou outro escrito que formaria parte do Novo Testamento. Mas, com certeza, os “pergaminhos” eram as Sagradas Escrituras do Antigo Testamento.
Maltratado pelos romanos e desamparado por seus amigos, Paulo queria “a paciência e consolação das Escrituras” (Rm 15.4). Ele não ia escrever mais cartas nem pregar mais sermões. Em poucos dias seria martirizado. Mas nos seus últimos dias ele ainda desejava afetuosamente, como menino novamente nascido (1Pe 2.2), o leite racional da Palavra de Deus. A Bíblia vem ao encontro de nossa necessidade, tanto na meninice como na juventude, tanto na meia idade como na velhice, tanto na vida de trabalho como na hora da morte.
6. Atitude em face da oposição (vv. 14-18)
Nesses versículos vamos observar a atitude do apóstolo diante dos que se opunham a ele. Alexandre, o latoeiro, causou-lhe muitos males. Sem dúvida, Paulo já o perdoara muitas vezes, mas seu último recurso é orar e entregá-lo ao Senhor (v. 14). Além disso, o apóstolo não deixou de aconselhar os outros acerca daquele homem (v. 15). Quanto aos que o abandonaram, sua atitude foi perdoar: “Que isto lhes não seja imputado” (v. 16). Quanto à obra, seu único motivo foi perseverar até cumprir totalmente a comissão que recebera (v. 17). E quanto ao futuro, ia apenas confiar no livramento do Senhor e sempre adorá-Lo. “A quem seja glória para todo o sempre. Amém” (v. 18).
7. A apreciação de amizades (vv. 19-22)
O nome de seus amigos e colaboradores era precioso a Paulo. Ele sempre fazia menção deles perante o trono da graça, e nunca esquecia de lhes mandar saudações em suas epístolas. Mas em tudo isso o apóstolo não queria negligenciar a coisa mais importante, desejando-lhes a bênção da presença e da amizade do Senhor: “O Senhor Jesus Cristo seja com o teu espírito”. Assim, as últimas palavras da última epístola que Paulo escreveu, logo antes de morrer, são uma oração desejando que seus leitores desfrutem a realidade da sã doutrina que ele tinha ensinado: “A graça seja convosco. Amém.” Desse modo seriam guardados dos muitos perigos que cercam o povo de Deus.
É natural seguir a multidão e ir com a correnteza; é espiritual seguir a verdade e conter a correnteza. É natural ferir sua consciência e seguir a moda por ganho ou prazer; é espiritual sacrificar tudo no altar da verdade e do compromisso com Deus.
O velho e cansado apóstolo escreveu: “Ninguém me assistiu […] todos me desampararam” (2Tm 4.16). Ele compareceu sozinho diante de Nero, defendendo a verdade do Evangelho.
Noé construiu a arca e foi salvo só com sua família; seus vizinhos riram de sua “esquisitice” e morreram sem crer.
Abraão peregrinou e adorou sozinho. Seus vizinhos em Sodoma desprezaram o simples pastor, seguiram a própria carne e pereceram no fogo e enxofre.
Daniel comia e orava sozinho.
Elias sacrificou e testemunhou sozinho.
Jeremias profetizou e chorou sozinho.
O Senhor Jesus Cristo amou e morreu sozinho!
No deserto, Israel louvou Abraão e perseguiu Moisés. Nos dias dos reis, louvou Moisés e perseguiu os profetas. Nos dias de Caifás, louvou os profetas e perseguiu o Senhor Jesus. E multidões hoje, dentro e fora do cristianismo, aplaudem a coragem e o compromisso de patriarcas, profetas, apóstolos e mártires, mas chamam de teimosia ou exagero qualquer manifestação semelhante de fé.
Procuram-se homens e mulheres, jovens e velhos, que estejam dispostos a sacrificar fortuna, amizades, e a própria vida, por amor da verdade e do Deus da verdade.
Na primeira criação, o homem tinha a capacidade do pensamento voluntário, o qual o colocava em uma posição de responsabilidade. Ele podia, portanto, obedecer ou desobedecer. Nós sabemos que ele desobedeceu, e a motivação não foi o fruto, mas o “eu”. A queda foi total: o homem desistiu de Deus.
Cristo, o segundo Adão, desistiu de qualquer pensamento de Sua própria vontade – Ele não fez uso de Sua liberdade ou do poder por Sua vontade. Ele veio para obedecer: “Eis aqui venho (no princípio do livro está escrito de Mim), para fazer, ó Deus, a Tua vontade” (Hb 10.7; Sl 40.7,8). Ele renunciou a Si mesmo. No meio da ruína, Ele amarrou o valente; Adão, por sua vez, sucumbiu no lugar de bênção. Cristo suportou o abandono, para o qual o homem correu voluntariamente, para sua eterna ruína.
Na nova criação é diferente: o homem regenerado agora tem o conhecimento do que Deus é, tendo sido criado “em verdadeira justiça e santidade” (Ef 4.24). Nós temos um relacionamento poderoso e íntimo em comunhão com Deus, pelo Espírito Santo. Nós fomos redimidos. Por causa da obra perfeita da graça do Senhor, nós fomos trazidos de volta, restaurados e reconciliados com Deus. Que coisa maravilhosa é a redenção!
“De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, preparado para toda a boa obra” (2Tm 2.21).
Essas palavras são tomadas da última carta que o apóstolo Paulo, prisioneiro pela segunda vez em Roma, escreveu a Timóteo. Ele via a deterioração da Igreja e pressentia os tempos difíceis que se aproximavam; por isso, dava instruções a seu filho na fé sobre a maneira de conduzir-se em tempos de ruína. As exortações do grande apóstolo das nações têm, pois, particular importância para nós, os crentes que vivemos em tempos maus.
Em primeiro lugar, o que é um vaso? É um recipiente que serve para conter algo ou simplesmente para adornar. Muitas vezes, a Palavra de Deus compara o homem a um vaso. Como o barro nas mãos do oleiro, assim é o homem nas mãos de Deus, o qual tem o poder para fazer da mesma massa um vaso para honra e outro para usos vis (Jr 18.4-6; Rm 9.21). Em Sua graça, Deus chama o homem – por natureza, pecador e perdido – para lhe dar a salvação e a vida eterna. Deus busca vasos vazios para enchê-los de Si mesmo, de Seu Espírito, como Eliseu, o profeta da graça, se regozijava de que a viúva pobre enchesse de azeite as vasilhas que havia reunido conforme seu pedido (2Rs 4.4).
O crente não somente é comparado a um vaso de barro, o que é muito apropriado para nos dar a entender quão débeis somos, mas também, no que se refere a sua posição diante de Deus, a um vaso de ouro, de prata ou mesmo de bronze polido (2Tm 2.20; Ed 8.27). Redimido pelo sangue de Cristo e revestido da justiça de Deus, o crente é, de fato, um vaso de valor que deve brilhar para a glória de Deus, já aqui na terra, esperando fazê-lo de modo perfeito quando o Senhor for glorificado em Seus santos e admirado em todos os que creram Nele (1Ts 1.10). Deus preparou de antemão esses vasos de misericórdia para o céu, “para que também desse a conhecer as riquezas de Sua glória” (Rm 9.23). Todas as Suas perfeições em graça, bondade, fidelidade, paciência, longanimidade e poder, todo o alcance de Seu amor, serão manifestados nos santos glorificados.
O propósito de Deus ao eleger e preparar vasos para Sua glória é empregá-los para Seu serviço. Assim, separou o apóstolo Paulo como um “vaso escolhido, para levar Meu nome diante dos gentios” (At 9.15). Deus tem resplandecido no coração dos Seus e se tem revelado a eles na pessoa de Cristo para que eles, por sua vez, mostrem algo Dele no modo como vivem.
O crente é refinado pelo fogo da prova, qual metal precioso, para que o fundidor obtenha dele uma jóia
Porém, muitas vezes, os crentes guardam para si mesmos o tesouro que lhes Deus tem posto no coração. Então, Deus permite que o corpo deles, esse vaso de barro, seja quebrado, como foram as vasilhas dos homens valentes de Gideão (Jz 7.19,20), para que a luz brilhe mais exteriormente. Quanto mais débil for o instrumento, mais claro estará que a excelência do poder é de Deus, não do homem (2Co 4.6,7). O crente é refinado pelo fogo da prova, qual metal precioso, para que o fundidor obtenha dele uma jóia (Pv 25.4).
De acordo com 2Timóteo 2.21, duas condições são requeridas para que o utensílio ou vaso possa ser útil ao Senhor: é necessário que ele seja para uso honroso e que tenha sido santificado. O que deseja ser um vaso útil deve apartar-se da iniqüidade, isto é, de tudo o que não é conforme a verdade. Um crente se torna um utensílio para usos honrosos separando-se, purificando-se dos vasos para usos vis. Deus permite que essa mistura de utensílios para usos tão distintos subsista na cristandade a fim de provar o coração dos fiéis. Para que um vaso possa ser usado é exigido que, além de ser novo – imagem da nova natureza –, tenha sal (2Rs 2.20), isto é, que haja uma verdadeira separação, que tenha sido posto à parte para Deus.
Também é preciso que o vaso tenha sido santificado e consagrado a Deus. No que diz respeito a sua posição, todos os crentes são santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre (Hb 10.10,14). Mas, no tocante ao andar diário, somos exortados a nos limpar “de toda a imundícia da carne e do espírito, aperfeiçoando a santidade no temor de Deus” (2Co 7.1). O crente deve ocupar-se dessa santificação. Mediante o poder do Espírito que mora nele, deve combater e vigiar constantemente.
Por uma lado, a Palavra de Deus exercerá sua ação santificadora sobre ele, pois o Senhor mesmo disse: “Santifica-os em Tua verdade”, e acrescentou: “Tua Palavra é a verdade” (Jo 17.17). Por outra lado, a oração o guardará no necessário estado de dependência. Recordemos que um vaso consagrado a Deus não pode se destinar a um uso profano, como o prova o juízo que caiu sobre o ímpio Belsazar no dia em que fez trazer os vasos procedentes do templo de Salomão a fim de beber com seus grandes e adorar seus deuses (Dn 5).
Na medida em que o crente for constante em santificar-se, em consagrar-se a Deus, será um instrumento útil ao Senhor, e não somente útil, mas preparado para toda boa obra. Essas boas obras são o fruto da fé; são a manifestação da vida divina nas circunstâncias de cada dia. Alguém disse que as boas obras são o fruto da separação e do amor. Deus, que preparou os vasos, também preparou de antemão as boas obras “para que andássemos nelas” (Ef 2.10).
Sejam elas feitas para o Senhor, para os cristãos ou para os homens em geral, devem ser feitas em nome de Cristo e para Deus; isso é o que lhes confere o caráter de boas obras. Cristo “se deu a Si mesmo por nós para nos remir de toda a iniqüidade e purificar para Si um povo seu especial, zeloso de boas obras” (Tt 2.14). Quando o coração está consagrado e ama o Senhor acima de tudo, então, está preparado para toda boa obra. Mesmo que o serviço seja pequeno, insignificante aos olhos dos homens, nem por isso o crente duvidará de fazê-lo com alegria. O próprio Senhor prepara o caminho; devemos apenas percorrê-lo com a força que Deus dá.
1. O que será quando toda labuta da vida tiver terminado,
E nós tivermos entrado em nosso eterno descanso;
Quando a noite de choro tiver passado para sempre,
E contigo, Senhor, nós formos para sempre abençoados!
2. O que será quando todas as contendas terminarem
E todos os Teus santos, agora por toda parte espalhados,
Serão, sem qualquer sombra de variação,
Todos como Tu, Senhor, unidos a Teu lado!
3. O que será quando o dia da tristeza tiver findado,
E dor e aflição para sempre tiverem passado;
Quando contigo, Senhor, nós compartilharmos o resplendor eternamente
Em perfeita paz durante todo o dia perfeito!
4. O que será? Em bendita antecipação
Mesmo agora nosso coração se derrama em louvor a Ti;
Mas, quando nós Te virmos, face a face, em glória,
Então, mais puros e mais doces nossos louvores serão.
A linha dos fatos consumados. São os fatos que Deus já cumpriu. Por meio da cruz de Cristo, Deus considera algumas coisas como fatos consumados, ou seja, terminados, concluídos.
A linha da experiência. Cada cristão tem experiências boas, más ou neutras. Freqüentemente, são coisas que os demais irmãos na fé não podem ver, mas são muito reais para aqueles que as provou.
A linha do comportamento. Essa tem um caráter mais ou menos público, pois é visível para todos.
O ideal na vida cristã é que essas três linhas sejam paralelas. Em cada um de nós, a terceira linha é, em maior ou menor grau, paralela à segunda, ou seja, na maioria das vezes nosso comportamento está condicionado por nossas experiências. Na vida pública, manifestamos as histórias escondidas de nossas experiências interiores, pessoais.
Você, leitor, talvez reconheça que sua vida e seu testemunho para Cristo não são o que deveriam ser. Você gostaria que eles correspondessem mais aos atos consumados de Deus (a cruz e seus resultados); desejaria ser mais guiado pelo Espírito Santo, assemelhar-se mais a Cristo. Como mudar isso?
Ponha os olhos na primeira linha
Você nunca alcançará isso que deseja ocupando-se de si mesmo, apesar de muitos cristãos pensarem assim e se esforçarem durante meses e anos tentando alcançar um estado [espiritual] satisfatório. Se alguém se concentra totalmente na linha que quer traçar, a do comportamento, nunca conseguirá que ela se alinhe à primeira, a linha dos feitos de Deus. Fixe seus olhos na primeira linha, pela qual deve andar, e coloque a segunda linha paralela àquela; assim você terá o que deseja: [a terceira linha]. Para progredir, devemos ajustar-nos à ordem de Deus: nosso comportamento se rege por nossas experiências, e nossas experiências deveriam se caracterizar pelo conhecimento que temos dos fatos consumados de Deus.
Pôr os olhos na linha de Deus significa ser libertado do poder do pecado
Os capítulos 6 a 8 de Romanos falam especialmente da experiência e do comportamento, mas a linha dos fatos consumados de Deus aparece como o fio condutor dos três capítulos.
Permita-me perguntar-lhe acerca de seu estado espiritual. Como você avança? Na vida cristã, você continua tendo a alegria que tinha quando se converteu? Talvez aconteça com você o que acontece com muitos cristãos: experimentam fracasso em lugar de vitória, tristeza em vez de alegria. Talvez o testemunho do capítulo 7 pode lhe servir de consolo, pois praticamente não se pode cair mais baixo. O que a pessoa ali mencionada experimentou era apenas miséria, e se resume assim: “Eu sou carnal, vendido sob o pecado” (v. 14). E, como era de esperar, seu comportamento não era melhor: “Não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço” (v. 19).
Então, o que ajudou essa pessoa em sua miséria? Precisamente o mesmo que vai ajudar você: o conhecimento dos fatos consumados de Deus. Eles aparecem em cada um desses capítulos, e você notará que eles não dependem de nós. Independentemente de quais sejam nossas experiências, a realidade desses fatos se mantém imutável. São eles:
“Nosso homem velho foi com ele [Cristo] crucificado” (6.6).
“Assim, meus irmãos, também vós estais mortos para a lei pelo corpo de Cristo” (7.4).
“Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” (8.3).
Esses versículos se referem a algo que Deus realizou para Si mesmo na cruz de Cristo, pois ali nosso velho homem foi crucificado, morremos para o pecado e o pecado foi julgado na carne.
Pare de olhar para si mesmo e olhe para o Senhor
Aproprie-se dessa nova realidade. Se nosso velho homem (tudo o que éramos como filhos de Adão) foi crucificado com Cristo, isso significa que Deus já acabou com ele, o velho homem, e não há razão para você continuar se queixando de seu estado depravado. Se estamos mortos para a lei, então, cada vez que você fracassa, não deve castigar-se com a dureza da lei; é melhor que se julgue à luz da graça de Deus. Se o pecado foi julgado na carne, então, é claro que na cruz Deus confrontou a raiz do problema e julgou o pecado, que é a origem do mal. Por que você não emprega melhor seu tempo meditando no grande amor de Cristo, o qual expressou-se em Sua morte, em vez de estar pensando no pecado, que foi a origem da morte do Senhor?
Jamais creia que o simples conhecimento dos três fatos mencionados acima, por mais valiosos que seja, produzirá algo por si mesmo. Esse conhecimento não lhe servirá de nada se não leva você a abandonar qualquer esperança de ter experiências satisfatórias ou um comportamento melhor mediante seu próprio esforço, se não move você, por meio do poder do Espírito Santo, a fixar os olhos no Senhor Jesus. Somente quando você permitir ao Espírito Santo encher seu coração da perfeição e da glória de Cristo, sua situação mudará e suas experiências e seu comportamento adquirirão outra dimensão.
Mantenha contato com o que é celestial
Um trem elétrico pode ilustrar isso muito bem, pois anda com a ajuda dos cabos conectados à corrente elétrica. Todo o funcionamento depende de seu contato permanente com o grande pantógrafo que está sobre a locomotiva. Se observar um trem à noite, você verá quão rápido ele vai e quantas luzes tem! Mas, de repente, não avança mais. O que aconteceu? O contato foi interrompido, e o motor ficou sem energia. Somente quando o Espírito Santo nos mantém em contato com a linha dos atos consumados de Deus seremos capazes de correr nossa carreira cristã e brilhar para Cristo.
Para concluir, observemos que em Romanos 6–8 cada uma dessas linhas pode ser vista. Se, por meio da graça de Deus, permanecemos conectados com Seus atos consumados, teremos uma experiência muito boa, que pode ser descrita assim: “Porque a lei do Espírito de vida, em Cristo Jesus, me livrou da lei do pecado e da morte” (8.2).
Teremos a liberdade de viver com Cristo, Nele em quem nos alegramos, e, com respeito a nosso comportamento, seguiremos a exortação: “Apresentai-vos a Deus, como vivos dentre mortos, e os vossos membros a Deus, como instrumentos de justiça” (6.13).
Senhor, no passado e nas eras distantes,
Muito antes daquilo que o homem pudesse ver,
Palavras de criação foram ditas,
Os céus e a terra começavam,
Tu estavas ali em toda a Tua glória –
Bendito Senhor, pomo-nos de joelhos –
Habitando, então, no amor irrestrito:
Com reverência agora nos rendemos a Ti.
Naquele amor nenhum pensamento pode penetrar;
Nem lábios humanos podem definir
Aqueles relacionamentos eternos,
Tão inescrutáveis, divinos!
Mas, no tempo, Tu irias, na humanidade,
Aqui o nome de Deus declarar,
Em uma maravilhosa, bendita relação
Que Tu poderias com outros compartilhar.
Toda a vontade Dele foi cumprida,
Toda a obra que Ele Te entregou foi feita;
Um em pensamento, plano e propósito:
Ele, o Pai, Tu, o Filho.
E na manhã da ressurreição,
Para Ti mesmo declaraste
Que Teu Pai era o Pai deles,
E de Teu amor eles agora poderiam partilhar.
“Orarei com o espírito, mas também orarei com o entendimento” (1Co 14.15).
Com freqüência lemos a Palavra de Deus de modo superficial, e isso é para nosso prejuízo, sobretudo quando se trata de ensinos relativos à oração. O desconhecimento das principais passagens apresentadas no Novo Testamento pode acarretar conseqüências nefastas para a vida espiritual conduzindo ao desalento e à incredulidade. Quem de nós não tem experimentado estes sentimentos porque, aparentemente, sua oração não teve resposta? Desânimo, porque, havendo orado com insistência por determinados motivos, ao fim não obtivemos a respostas; incredulidade, porque Deus, o qual fez tantas promessas à oração com fé, parece ter permanecido surdo e sem cumprir Sua Palavra. Deus não é fiel a Suas promessas?
É, portanto, importante examinar com atenção algumas dessas promessas que, mesmo nos parecendo incondicionais, estão sujeitas a condições precisas.
1) “E tudo quanto pedirdes em Meu nome Eu o farei, para que o Pai seja glorificado no Filho. Se pedirdes alguma coisa em Meu nome, Eu o farei” (Jo 14.13,14).
A promessa repetida é alternada com uma condição essencial, que às vezes nos escapa. Estamos sempre conscientes de que nossas orações vão mais além de nossas próprias circunstâncias ou daquelas das pessoas pelas quais intercedemos? Elas interessam ao Pai e ao Filho. Deus, que vela pela glória de Cristo, não pode permitir o uso excessivo do nome de Jesus.
Para pedir algo em nome do Senhor devemos estar seguros de que nosso pedido é conforme o desejo Daquele a quem o Pai não pode recusar nada.
“Eu o farei”, afirma, então, o Senhor Jesus. Dito de outro modo, mediante o poder de Seu nome e pelo fato de que goza de um crédito ilimitado diante do Pai, achará resposta: Deus não pode recusar a petição de Seu Filho amado.
Essa consideração nos traz à memória o que o Filho és para o Pai e nos ensina a não usar o nome do Senhor em vão, como se fosse uma fórmula que solucionará tudo.
2) “Se vós estiverdes em Mim, e as Minhas palavras estiverem em vós, pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito” (Jo 15.7)
“Se vós estiverdes [ou, permaneceis] em Mim”, disse o Senhor a Seus amados discípulos. Tomando o exemplo do ramo, que deve permanecer na videira para dar fruto (v. 4), Jesus acaba de lhes relembrar o que é a dependência, essa grande virtude cristã. Assim, a oração é justamente a expressão dessa dependência. Alguém experimenta, ao mesmo tempo, a própria debilidade e o poder do Senhor, sua própria ignorância e a sabedoria do Senhor; ele toma o lugar que lhe corresponde e reconhece o lugar do Senhor. O Senhor tem todos os direitos sobre aquele que se inclina de joelhos diante Dele.
A Palavra nos comunica os segredos de Deus
O Mestre acrescenta: “E as Minhas palavras estiverem [ou, permanecerem] em vós”. Essa condição está ligada à primeira. A Palavra nos comunica os segredos de Deus. Ao lê-la, seremos capazes, pelo Espírito, de compreender Seus pensamentos. Então, se permanecermos nela e nos submetermos a ela, não teremos outros desejos além dos dela. “Pedireis tudo o que quiserdes, e vos será feito”, disse, então, o Senhor Jesus. Porque o que queremos é o que o mesmo Senhor deseja.
3) “Eu vos escolhi a vós, e vos nomeei, para que vades e deis fruto, e o vosso fruto permaneça; a fim de que tudo quanto em Meu nome pedirdes ao Pai Ele vo-lo conceda” (Jo 15.16).
Aqui, a condição para que a oração seja respondida está ligada à do versículo 7, porque é absolutamente necessário depender do Senhor e conhecer Sua vontade por meio de Sua Palavra para saber como servi-Lo. Para o discípulo escolhido, estabelecido e enviado pelo Senhor, aqui se trata de ir e de dar fruto; por exemplo, o de realizar um serviço útil.
Que empregador envia seu trabalhador sem ter-lhe dado os meios para concluir o trabalho que lhe tenha ordenado? Se precisar de ferramentas ou de dinheiro, o trabalhador pedirá a seu devido tempo, e, tratando-se dos interesses do que o envia, o que pede não lhe poderá ser negado.
O mesmo ocorre, pois, com muito mais razão, no serviço cristão: o Senhor dá o necessário à pessoa que Ele envia. E, se Ele não dá nada, o obreiro do Senhor terá de perguntar-se: “Isso não significa que o que eu quero fazer não é o que me foi ordenado? Pelo contrário, se isso é um fruto que deve ser dado para Ele, um fruto que permanece, como o Senhor haverá de recusar o que Seu servo necessita?”
4) “Amados, se o nosso coração não nos condena, temos confiança para com Deus; e, qualquer coisa que Lhe pedirmos, Dele a receberemos, porque guardamos os Seus mandamentos e fazemos o que é agradável a Sua vista” (1Jo 3.21,22).
Aqui achamos duas condições que cercam uma promessa. A primeira é um coração que não nos condena. Dito de outro modo: é necessário termos uma boa consciência ao pedir algo a Deus, seja lá o que for. Como aproximar-nos Dele se temos algo condenável em nós? Perceberemos muito bem que a distância moral produzida por uma falta não-confessada nos faz fechar a boca.
Para compreender a segunda condição, guardar os mandamentos de Deus e praticar o que Lhe agrada, vamos usar uma ilustração: uma criança obediente, que agrada aos pais por seu comportamento, obterá deles tudo o que lhes pedir, porque eles têm confiança nela e sabem que fará bom uso daquilo.
Vemos que essas duas condições são complementares, ou melhor, constituem dois aspectos da mesma atitude. A primeira, uma boa consciência, manifesta nossos sentimentos com relação a Deus e nos dá segurança para dirigir-Lhe nossas orações. A segunda expressa os sentimentos de Deus: desde o momento em que colocamos em prática as coisas que Lhe são agradáveis, Ele se agrada também em atender a nossas petições. Tudo o que pedirmos, receberemos Dele. Mas, que bom estado espiritual é necessário de nossa parte!
5) “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á. Porque, aquele que pede, recebe; e, o que busca, encontra; e, ao que bate, abrir-se-lhe-á. […] Se vós, pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que Lhe pedirem?” (Mt 7.7-11; ver tb. Lc 11.9-13).
Temos um Deus cheio de bondade, de quem não podemos esperar nada mais que boas coisas. Este Pai nunca dará uma pedra a algum de Seus filhos que Lhe tenha pedido um pão. Contudo, se nos enganamos e Lhe pedimos uma pedra, Ele nos dará uma pedra? Antes, Ele nos dará esse pão que não soubemos pedir. O coração de Deus está aberto para nós, assim como Suas mãos, mas não esperemos Dele alguma coisa que não se relacione com Sua natureza.
Tiago 4.2,3 nos dá dois motivos pelos quais não recebemos nada. O primeiro é simplesmente porque não pedimos. Por isso, o convite do Senhor: “Pedi […] buscai […] batei”.
O segundo é que pedimos mal: coisas más para nós, enquanto nosso Pai quer nos dar boas coisas. Tiago explica: “Pedis, e não recebeis, porque pedis mal, para gastar em vossos deleites”. Peçamos a Deus boas coisas para o bem de nossa alma, para o bem-estar espiritual de nossa família e da assembleia. Assim confirmaremos as promessas do Senhor: “Todo aquele que pede, recebe”.
6) “E, tudo o que pedirdes em oração, crendo, o recebereis” (Mt 21.22).
A condição enunciada aqui é a da fé de que fala também o versículo precedente, a respeito do milagre da figueira. É necessário compreender bem o que é a fé. Alguns a consideram como uma espécie de auto-sugestão, de persuasão interior. Por exemplo: em certos lugares se dirá a um enfermo ou inválido: “Você deve ser curado por meio da oração da fé; se não é curado, é porque não tem fé suficiente”. Desse modo, as pobres pessoas são afundadas no desalento, chamadas a olhar para si mesmas, a analisar sua confiança em Deus para tentar aumentá-la por suas próprias forças, e isso é um absurdo.
Deus não dá jamais Sua glória ao homem. É o que aconteceria se as respostas Dele dependessem somente da intensidade de nossas orações, da quantidade ou das condições em que são feitas (jejuns, correntes ou noites de oração, etc.). Com todas essas coisas, nosso astuto coração prontamente buscaria fazer valer seus direitos e méritos.
Temos um Deus cheio de bondade, de quem não podemos esperar nada mais que boas coisas
Pois bem: a fé não é somente uma certeza e uma convicção; é “a certeza daquilo que se espera, a convicção daquilo que não se vê” (Hb 11.1). A fé não é uma ponte que se apoia no vazio, nem uma âncora sem um lugar a que se apegue. Ela se apoia sobre algo que está fora dela; vem “pelo ouvir, e o ouvir, pela palavra de Deus” (Rm 10.17). Se não possuo promessas específicas da parte de Deus, não terei a liberdade de dizer a Deus como espero que Ele deva responder-me.
7) “Todas as coisas que pedirdes, orando, crede receber, e tê-las-eis. E, quando estiverdes orando, perdoai, se tendes alguma coisa contra alguém, para que vosso Pai, que está nos céus, vos perdoe as vossas ofensas” (Mc 11.24,25)
A passagem corresponde ao que a antecede em Mateus, mas Marcos acrescenta outra condição suspensiva: o caso de, tendo algo contra alguém, não o perdoarmos. Observemos, em primeiro lugar, que isto é geral: não importa o quê nem contra quem. Assinalamos que o ressentimento é considerado aqui como humanamente justificado; nós somos a parte prejudicada, pois somos os que devemos perdoar. Com muito mais razão, essa restrição é aplicada a nós quando a falta é de nossa parte.
Antes de escutar-nos, o Senhor nos chama a pôr em ordem nossas relações com o próximo
8) “Tudo é possível ao que crê” (Mc 9.23).
Ainda que essa resposta do Senhor a um pai angustiado não esteja relacionada à oração, podemos relacionar essa promessa com os versículos mencionados acima (ver ponto 6). Ela nos confirma que podemos esperar grandes coisas de nosso Deus Todo-poderoso e que devemos voltar os olhos em direção a Ele, de onde vem o socorro. Ele pode responder a todas as nossas necessidades; Seu poder é infinito. Um versículo no capítulo seguinte afirma: “Todas as coisas são possíveis para Deus” (10.:27). Nele, vemos a ilimitada perspectiva que se abre à fé. Todo o que Deus pode, pode também a fé Nele.
Mas, entre todas as coisas possíveis para Aquele a quem se chama “o Deus do impossível”, pensaríamos em escolher a que nos parece mais fácil para Deus? Isso não seria fé, e sim falta de fé.
9) “E esta é a confiança que temos Nele: que, se pedirmos alguma coisa, segundo a Sua vontade, Ele nos ouve. E, se sabemos que nos ouve em tudo o que pedimos, sabemos que alcançamos as petições que Lhe fizemos” (1Jo 5.14,15).
Essa preciosa passagem nos lembra primeiro em quem temos crido (2Tm 1.12). Nossa fé, como acabamos de ver, se apoia nas promessas. Mas o valor de uma promessa está unida à qualidade daquele que a fez.
Pedro fala de “preciosas e grandíssimas promessas”, porque é um grande Deus quem as fez, e elas têm Cristo como garantia, precioso para o coração de Deus e do crente (2Pd 1.4).
A vontade divina, boa, agradável e perfeita, molda nosso entendimento e nos conduz a fazer petições sábias, de modo que possam ser ouvidas por Deus. Entre o versículo 14 e o 15 é possível que transcorra certo tempo, apropriado para exercermos a paciência da fé. Mas a fé tem o privilégio de considerar a coisa pedida já outorgada. Os verbos estão no presente: desde o momento em que a petição foi apresentada, sabemos que temos o que pedimos.
Nossa fé se apoia nas promessas
10) “Também vos digo que, se dois de vós concordarem na terra acerca de qualquer coisa que pedirem, isso lhes será feito por Meu Pai, que está nos céus. Porque, onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, aí estou Eu no meio deles” (Mt 18.19,20).
Eis aqui duas promessas que se unem por meio da palavra “porque”. Bastará mesmo que dois crentes estejam de acordo em pedir qualquer coisa para que seja feita? Não, isdo poderia ser para o prejuízo deles. Essa promessa se une de forma muito entranhável à presença do Senhor prometida aos que se reúnem em Seu nome, isto é, reconhecendo Sua indiscutível autoridade. Isso dá a entender que as petições apresentadas terão Sua aprovação. Se desfrutamos dessa santa presença, como poderíamos formular petições sem reflexão? O nome de Jesus a que se reúnem os Seus é o que nos abre o coração de Deus. Ambos fatos estão sempre juntos.
Tendo considerado essas diversas passagens, talvez digamos com certo desânimo: “Se são tantas as condições a cumprir a fim de sermos favorecido pelo Senhor, não nos restam muitas oportunidades para a oração, estamos longe de conhecer sempre a vontade de Deus, raramente temos uma promessa específica sobre a qual descansar nossa fé, nem estamos comprometidos em um serviço que requeira pedir meios a nosso Pai Celestial. Então, por que somos convidados a orar sem cessar (1Ts 5.17), a orar “em todo o tempo com toda oração e súplica no Espírito (Ef 6.18)?”
Reconhecemos primeiramente que nosso Deus é soberano e que Sua graça jamais se deixará deter por nossa lógica humana. Ainda que Ele nos dê no Novo Testamento algumas normas para que compreendamos os princípios segundo os quais opera, às vezes é de Seu agrado intervir de uma maneira que nos é estranha, respondendo a nossas orações apesar de nossas incapacidades.
De algum modo receberemos uma resposta. Uma passagem posterior prova isso e nos alenta; até mesmo nos exorta a orar quaisquer que sejam as necessidades, os momentos e as condições: “Não estejais inquietos por coisa alguma; antes as vossas petições sejam em tudo conhecidas diante de Deus pela oração e súplica, com ação de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento, guardará os vossos corações e os vossos pensamentos em Cristo Jesus” (Fp 4.6,7).
Às vezes é de Seu agrado intervir de uma maneira que nos é estranha, respondendo a nossas orações apesar de nossas incapacidades
“Por coisa alguma”: é algo geral, sem nenhum tipo de limitação, nem em número nem em forma. Sem condição alguma: nada é demasiado grande nem demasiado pequeno para ser apresentado ao Senhor. Levamos uma carga ou temos preocupações que não podemos solucionar, e não conhecemos o pensamento do Senhor a respeito? Levemos a Ele. Neste caso, compreendemos que não podemos ter a promessa de de que nossa petição sera atendida segundo nosso desejo. Isso abriria a porta para qualquer tipo de oração que careceria de inteligência às quais Deus não poderia satisfazer. Não é dito, portanto, que teremos as coisas que pedimos, já que não sabemos qual é a vontade de Deus a respeito.
Mesmo assim, temos uma resposta para todo motivo, uma promessa de elevado preço: a paz de Deus guardará o coração do crente. É feita uma troca que me favorece: meu fardo para Ele. Sua paz para mim. Ela pode agora encher meu coração, qualquer que seja a forma pela qual Ele tratar o que acabo de depositar sobre Ele.
Algumas partes das vestes do sumo sacerdote descritas por Moisés eram meros “memoriais”, ou lembretes das maiores e eternas coisas por vir. As doze pedras preciosas do peitoral do sumo sacerdote eram meramente “pedras de memória”. Elas testificavam sobre os fundamentos de doze pedras preciosas (Ap 21.19,20) da cidade eterna na qual os santos ressurretos de Deus habitarão (Êx 28.12,29; 39.7). O testemunho de Moisés sobre Melquisedeque, o sacerdote-rei, é a base do argumento sobre a intenção de Deus de deixar de lado o sacerdócio de Arão. E, por fim, o argumento sobre o descanso futuro do sétimo dia do Altíssimo se volta para o testemunho de Moisés em relação à obra da criação e à observância do descanso do sétimo dia sob a lei. O testemunho de Moisés, como afirma o Espírito de Deus, é incontestável – e os judeus estavam prontos para confessar isso. Nesta base, então, o apóstolo1 enquadraria seu argumento aos hebreus. Como poderiam eles se recusar a ouvir Moisés, sua testemunha confiável, quando ele testificou de um Mestre, Líder e Sumo Sacerdote maior?
Na afirmação “Cristo, como Filho, sobre a Sua própria casa” (Hb 3.6) não se destaca Sua fidelidade a um superior, e esse é o ponto agora diante de nós. “Tendo um grande sacerdote sobre a casa de Deus” (10.21; 1Pd 2.5; 4.17). De Moisés fora dito: “Fiel em toda a Minha casa”. Mas Cristo está sobre ela (10.21). Jesus estava aqui tipificado por José, tanto em sua humilhação como em sua exaltação. “José achou graça em seus olhos [de Potifar], e servia-o; e ele o pôs sobre a sua casa, e entregou na sua mão tudo o que tinha” (Gn 39.4). Deus “me tem posto [diz José novamente] por pai de Faraó, e por senhor de toda a sua casa e como regente em toda a terra do Egito” (45.8). Faraó, diz Estêvão, “o constituiu governador sobre o Egito e toda a sua casa” (At 7.10).
“Cuja casa somos nós.”
Aqui, o sentido de “casa” é estreitado para significar “família”. Deus não está agora habitando “em templos feitos por mãos de homens” (17.24), pois qual edifício na terra poderia o homem construir que servisse à grandeza Daquele que enche o céu e a terra? Mas, enquanto isso, Deus olha para os redimidos de Cristo e habita neles, e a Igreja é a “morada de Deus em Espírito” (Ef 2.22), uma casa de pedras vivas (1Pe 2.5). É a nova criação espiritual, na qual o Altíssimo tem prazer. Os que crêem constituem o povo e a casa de Deus, sobre os quais Cristo preside. Mas é sob esta condição que habitam Nele: se retiverem firmemente o que já possuíam como crentes (e Paulo inclui a si mesmo, pois usa o pronome nós; Hb 3.14).
Eles deviam conservar “firmes a confiança e a glória da esperança até ao fim”. Qual é a esperança em questão? É aquela ligada ao chamamento celestial: a vinda de Cristo para reinar em Sua glória, e a associação de Sua fiel irmandade a Ele naquele dia. O esplendor dessa esperança foi ofuscada na mente deles devido à longa demora e pela pressão da perseguição. Esqueceram que “se sofrermos [com Cristo], também com Ele reinaremos” (2Tm 2.12). A vida de Cristo é o modelo a que os cristãos devem se moldar: primeiro sofrer; então, entrar na glória.
Que essa é a esperança é estabelecido por muitas provas. Esse é o propósito dos prévios dois capítulos de Hebreus, que apresentam Cristo como um segundo período a ser trazido à terra habitável. É o reino de justiça que alguém deve, como Seu seguidor, desfrutar com Cristo, no dia em que a perversidade dos inimigos de Cristo for abatida com mão forte e as obras de Deus forem postas em sujeição ao homem; é a grande salvação, o descanso de Deus, a primeira ressurreição (Hb 2.3; 4.1,3,10; Ap 20.5,6). É a vinda do reino milenar de Deus, de que Cristo tão frequentemente testificou. Porém nossa esperança é somente uma (Ef 4.4): sermos apreciados por patriarcas e profetas, e pelos aceitos por Deus mediante a Lei, assim como por aqueles julgados dignos mediante o Evangelho. É a esperança originada na liderança do Senhor. O desfrute da boa terra era a esperança ligada à missão de Moisés; a nossa é a glória de mil anos. Em Cristo “os gentios esperarão. Ora, o Deus da esperança vos encha de todo o gozo e paz em crença, para que abundeis em esperança pelo poder do Espírito Santo” (Rm 15.12,13). “A graça salvadora de Deus se há manifestado a todos os homens, ensinando-nos que, renunciando à impiedade e às concupiscências mundanas, vivamos neste presente século sóbria, e justa, e piamente, aguardando a bem-aventurada esperança e o aparecimento da glória do grande Deus e nosso Salvador, Jesus Cristo” (Tt 2.11-13).
Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.
Vislumbres daquele dia foram dadas por Moisés nos descansos ligadas aos setes da Lei. Vemos isso também anunciado na promessa de Moisés ao subir a montanha; e após o banquete dos setenta anciãos na presença de Deus, quando ele os manda ficar onde estavam, pois retornaria para eles (Êx 24.14). Aumentar a fé dos cristãos no retorno de nosso Senhor e encorajar sua esperança do reino são os principais objetos desta epístola.
Quando no início creram, eles retiveram com alegre confiança interior a expectativa do breve retorno e reino de Cristo; e todo coração transbordava para os outros com exultação da glória a ser manifesta, e sua própria participação nela. “Venha, junte-se ao povo do Senhor! Ele virá brevemente para nos fazer Seus companheiros na glória!” Mas, com a demora de ano após ano, a confiança interior decaiu e o testemunho exterior, em conseqüência, enfraqueceu (Pv 13.12).
Em quarenta dias, a expectativa do reaparecimento de Moisés se foi, e, com sua extinção, despontou a idolatria; enquanto Arão, que deixara o alto posto que lhe fora dado e descera para a planície, tornou-se o culpado fabricante de um ídolo e seu sumo sacerdote.
O Espírito de Deus, então, nos ordena a nos mantermos firmes interiormente e a, exteriormente, testificar com ousadia aos demais acerca do retorno e do reino de nosso Senhor Jesus Cristo. Devemos ter firmeza até o fim – não até a nossa morte, mas até Seu reaparecimento. O enfraquecimento e o abalo dessa esperança produziram, quanto a seus efeitos, o endurecimento, a esterilidade e a desobediência dos cristãos hebreus, dos quais Paulo reclama.
“Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a Sua voz, não endureçais o vosso coração, como na provocação, no dia da tentação no deserto, onde vossos pais me tentaram, me provaram e viram por quarenta anos as minhas obras” (Hb 3.7-9).
O argumento que segue a 4.12 é uma exortação aos crentes buscarem o descanso milenar e a se guardarem de provocar Deus, como fez Israel, pois o mesmo Deus que excluiu Israel da terra da promessa excluirá os ofensores no dia da recompensa, quando Cristo tomar o reino. Paulo aplica a esse propósito as advertências de Salmos 95. Assim, essa passagem corre paralelamente com as advertências do Sermão do Monte, que foi também endereçado aos crentes, e com outras passagens que tratam da entrada no reino da glória. Muitas são as passagens que tratam da recompensa vindoura, que testificam da necessidade de diligência a fim de obtê-la e da probabilidade de ser perdida.
O apóstolo caracteriza a passagem que está prestes a dar como decisiva, pois é inspirada pelo Espírito Santo, o qual fala em Salmos e em toda a Santa Escritura. Então, nosso Senhor ensina: “O próprio Davi disse pelo Espírito Santo” (Mc 12.36). “A Escritura não pode ser anulada” (Jo 10.35).
A presente dispensação é descrita como hoje. É um período especial, (1) do chamado de Deus para a obediência a Cristo e (2) do julgamento de Seu povo a caminho da glória. Com a fé no sangue de Cristo, como o Cordeiro da verdadeira Páscoa, começa nosso resgate de Satanás, do mundo e da maldição. Então, vem a passagem pelas águas do batismo, após as quais o deserto tem início. Mas multidões de crentes preferem continuar no Egito, a despeito da ordem de avançar.
“Se ouvirdes […] a Sua voz”
Jesus é nosso Moisés, o Líder para a glória. “E o lugar do Seu repouso será glória” (Is 11.10, lit.). “Por que Me chamais ‘Senhor, Senhor’, e não fazeis o que Eu digo?” (Lc 6.46). “Este é o Meu amado Filho […] escutai-O” (Mt 17.5). A obediência ao Filho é obediência também ao Pai. Essa foi a palavra que veio de Deus, quando o quadro em miniatura do reino da glória foi dado [no monte da transfiguração]. “Nem todo o que Me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no reino dos céus, mas aquele que faz a vontade de Meu Pai, que está nos céus” (7.21). Hoje é o convite e o dia do julgamento; amanhã, a glória.
Não obstante, no deserto Israel desobedeceu às ordens de provas de Deus. Jeová disse aos israelitas: “Eis que tenho posto esta terra diante de vós; entrai e possui-a” (Dt 1.8). Moisés reitera a palavra: “Eis aqui o Senhor, teu Deus, tem posto esta terra diante de ti; sobe, toma posse dela” (v. 21). Eles se recusaram, afirmando que não poderiam entrar por causa dos perigos.
“Não endureçais o vosso coração”
O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus. Porém aqueles que são rebeldes desprezam as promessas, contestam as ameaças, não obedecerão às ordens. Eles se fortalecem em sua resistência ao Altíssimo. Quantos crentes vêem o batismo, no entanto, com vários pretextos desprezam a ordem e se recusam a confissão de Cristo que ele carrega consigo!
Quem, a não ser os crentes professos, desobedecem a Cristo?
“Como na provocação, durante o dia da tentação no deserto”
Logo após deixar o Mar Vermelho, e antes de chegar ao Sinai, Israel começou a provocar Deus pela murmuração por causa da necessidade de comida no deserto. Em Refidim, os israelitas murmuraram novamente. Estavam quase prontos a apedrejar Moisés, pois pensavam que a culpa fosse dele. O Senhor ajuda em ambos os casos, mas o lugar é chamado “Tentação” e “Luta” (Êx 17). Outra vez há um clamor por água, em Cades, e o lugar também é chamado de “Luta” (Nm 20). Moisés é conduzido a fazer menção disso, mesmo em sua palavra de bênção diante da morte: “E de Levi disse: Teu Tumim e teu Urim são para o teu amado, que tu provaste [tentaste] em Massá, com quem contendeste junto às águas de Meribá” (Dt 33.8).
Contudo parece, na passagem de que estamos tratando, que o Senhor considerou todo o tempo da jornada no deserto como um tempo de provocação e tentação. A maior crise ocorreu como registrada em Números 13 e 142, que analisaremos agora.
“Eles viram as Minhas obras por quarenta anos”
As obras da criação de Deus já haviam há muito sido completadas, e Seu repouso ali foi quebrado. Na criação, os anjos romperam em louvores e cantando hinos de alegria. Mas agora Deus trabalhava no interesse de novas obras de redenção para os israelitas: eles eram livres, eram povo de Deus. Ele os sustentou por quarenta anos, ainda que murmurassem contra Ele. Sua punição, então, seria que, quando o descanso de Deus chegasse, assim como com Seu antigo descanso na criação, eles não teriam parte nele.
Por quarenta anos o Senhor fora provocado; apesar de Suas obras maravilhosas a favor do povo, este não confiou e desobedeceu. Deus realizou as maravilhas da criação por apenas seis dias. Seus sinais redentores foram feitos por quarenta anos: sinais de poder contra os inimigos dos israelitas; sinais de favor para os israelitas, misturados com juízos contra os desobedientes que havia entre eles. As maravilhas da redenção são relatadas muito mais amplamente do que as da criação, pois elas diziam respeito a nós mais de perto, e são consideradas por nosso Deus como mais importantes e de maior glória para Ele. Mas Israel não percebeu seu significado; ele não se sujeitou ao Grande Governador.
O obediente escuta, pois é a Palavra de Deus.
Então, finalmente temos o efeito dessa contínua provocação ao Altíssimo. Ele foi ofendido. O mau comportamento de Seu próprio povo O tocou mais intimamente do que o dos egípcios. Ele descobre a fonte das provocações dos ofensores: “Estes sempre erram em seu coração” (Hb 3.10). Pois o coração por natureza é “inimigo de Deus” (Rm 8).
Eles não conheceram os caminhos de Deus
Os “caminhos” de uma pessoa significam sua conduta como consequência de seu caráter. Suponhamos que haja alguém que foi muito gentil para com um pobre homem em sua doença. Desse ato afirmo sua disposição permanente. Diria que é de um caráter benevolente. Então, de observarmos os efeitos afirmamos a natureza das coisas. […] Assim, os israelitas deveriam ter aprendido sobre o caráter de Jeová, sobre Seus atos com respeito a eles. Eles deveriam tê-Lo amado por Sua bondade e O temido por Sua impressionante justiça.
Eles não viram Sua razão nas várias provas acontecidas pelo caminho. Pensaram que, se Deus os guiasse, não haveria problemas. Porém, essa não era a mente divina. Ele condescendeu explicar-lhes Suas razões nessas provações. “E te lembrarás de todo o caminho, pelo qual o Senhor, teu Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humilhar e te provar, para saber o que estava no teu coração, se guardarias os Seus mandamentos ou não” (Dt 8.2). Eles prometeram obediência perfeita; porém eram ignorantes a respeito de seu orgulho, de sua perversidade e de sua inimizade conta Deus, e o Altíssimo exibiria o mal do coração deles, o mal em suas palavras e ações. “Sabes, pois, no teu coração que, como um homem castiga a seu filho, assim te castiga o Senhor, teu Deus” (v. 5). Moisés, no fim, assume o mesmo procedimento. “Tendes visto tudo quanto o Senhor fez perante vossos olhos, na terra do Egito, a Faraó, e a todos os seus servos e a toda sua terra; as grandes provas que os teus olhos têm visto, aqueles sinais e grandes maravilhas; porém não vos tem dado o Senhor um coração para entender, nem olhos para ver, nem ouvidos para ouvir, até ao dia de hoje” (Dt 29.2-4).
“Assim, jurei na Minha ira que não entrarão no Meu repouso”
Eis aqui – aquilo em que muitos não acreditarão – a ira de Deus contra Seu povo por causa da contínua desobediência. Não pode nem mesmo um pai estar de modo justo zangado com a desobediência e a provocação de um filho? Por fim, ocorreu Seu juramento de exclusão.
Olhemos um pouco mais de perto para a crise que suscitou esse juramento.
O povo propôs enviar doze espias para ver a terra antes de entrar nela. A proposta emergiu em parte da descrença; mas Moisés e o Senhor a sancionaram. Os espias retornaram após quarenta dias, trazendo testemunho da fertilidade da terra, e também exemplares de uvas, romãs e figos encontrados nela. “Vamos possuir a boa terra”, disse Calebe. Então, os espias sem fé se opuseram a ele. Tão gigantescos eram os habitantes, tão fortificadas e grandes eram as cidades que eles não poderiam possuí-la. Todo o povo tomou o partido da descrença. Pesaram seus próprios poderes contra os obstáculos a serem superados, e deixaram o poder de seu Deus. Cada um encorajou o outro a não crer, até imaginaram e disseram que Jeová somente os havia guiado pelo deserto com o propósito de entregá-los à espada dos cananeus! Calebe e Josué foram encorajá-los. “A terra é boa! Se nosso Deus for conosco, os cananeus não poderão se opôr a nós. Não se rebelem contra o Senhor!” “Mas toda a congregação disse que os apedrejassem; porém a glória do Senhor apareceu na tenda da congregação a todos os filhos de Israel. E disse o Senhor a Moisés: Até quando Me provocará este povo? E até quando não crerá em Mim, apesar de todos os sinais que fiz no meio dele?” (Nm 16.10,11). Moisés intercedeu, ou toda a congregação seria destruída. Em resposta, “disse o Senhor: Conforme à tua palavra lhe perdoei. Porém, tão certamente como Eu vivo e como a glória do Senhor encherá toda a terra,3 e que todos os homens que viram a Minha glória e os Meus sinais, que fiz no Egito e no deserto, e Me tentaram estas dez vezes e não obedeceram à Minha voz, não verão a terra de que a seus pais jurei, e nenhum daqueles que Me provocaram a verá” (vv. 20-23).
Agora segue uma íntima aplicação dessa história para os crentes hoje.
“Vede, irmãos, que nunca haja em qualquer de vós um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo” (Hb 3.12).
Três vezes a expressão “qualquer de vós”4 é trazida para alertar os crentes hebreus daquele tempo. “Para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (v. 13). “Pareça que algum de vós fica para trás” (4.1). O Espírito Santo previu que a objeção seria feita: “Apliquem todo tipo de advertência aos professos: eles não são dos nossos! Como podem os crentes ser acusados de incredulidade no coração?” Mas como poderiam crentes apartarem-se, no coração, do Deus vivo? Vejamos um exemplo. “Por que o Senhor nos traz a esta terra, para cairmos à espada e para que nossas mulheres e nossas crianças sejam por presa? Não nos seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Era o voltar atrás do coração, não realizado em ato porque Deus chegou para impedir.
Ao ouvir isso, deveríamos supor que uma negativa deve ter, por algum acidente, caído do texto, e que deveríamos ler: “Vede, irmãos, que não há em qualquer de vós um coração mau e infiel”. “Nenhum de vós se endureceu pelo engano do pecado”. Mas não: é endereçado aos descrentes entre os crentes! Em qual coração não há um pouco desse velho fermento? Os israelitas deixaram o Egito por fé na mensagem de Deus dada por Moisés, mas a alma deles recuou quando foram colocados face a face com os obstáculos na terra. “Então eu vos disse: Não vos espanteis nem os temais. O Senhor, vosso Deus, que vai adiante de vós, Ele pelejará por vós, conforme a tudo o que fez convosco, diante de vossos olhos […] Mas nem por isso crestes no Senhor, vosso Deus“ (Dt 1.29,30,32).
“Mas por que comparar um povo que anda segundo a carne com o agora povo regenerado de Deus?”
Porque assim Deus faz aqui! Porque, mesmo no regenerado, estão os remanescentes do velho Adão.
“Mas a igreja de Cristo não está debaixo da lei, mas debaixo da graça, e nenhum perigo pode ameaçá-la.”
Se é assim, esta epístola é um erro, pois é baseada no princípio oposto: que, embora os crentes estejam agora salvos pela graça, eles, no aspecto do galardão, devem, como o antigo povo de Deus, ser tratados “de acordo com as obras”. A Epístola aos Hebreus é de Deus?
“Um coração mau e infiel [de incredulidade], para se apartar do Deus vivo”
O “Deus vivo” desta passagem é o Senhor Jesus. Foi declarado que Ele é o Criador e o Sustentador de tudo. [No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por Ele, e sem Ele nada do que foi feito se fez” (Jo 1.1-3).] “Eis que Deus é grande, e nós não O compreendemos, e o número dos Seus anos não se pode esquadrinhar” (Jó 36.26). Pedro assim confessou Cristo: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” (Mt 16). E o Filho é da mesma natureza de Seu Pai. Assim Jesus, em ressurreição, descreve a Si mesmo: “Eu sou o primeiro e o último, e o que vivo e fui morto, mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno” (Ap 1.17,18). Ele é o Senhor da vida; provou assim ser na ressurreição; [Aquele que irá] introduzir outros no reino pela primeira ressurreição, por meio de Seus méritos (5.9,10). O Novo Testamento nos diz também que os israelitas no deserto tentaram a Cristo (1Co 10.9).
“Não seria melhor voltarmos ao Egito? E diziam uns aos outros: Constituamos um líder e voltemos ao Egito” (Nm 14.3,4). Esse foi o afastamento de coração entre eles e Jeová. E um risco semelhante estava assaltando os cristãos hebreus. Eles foram tentados a retornar a Moisés e à Lei, deixando Jesus, o Senhor, por causa da perseguição e dos perigos do caminho para Seu reino milenar.
A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece.
“Antes, exortai-vos uns aos outros todos os dias, durante o tempo que se chama Hoje, para que nenhum de vós se endureça pelo engano do pecado” (Hb 3.13).
O remédio a ser oposto a esse perigo é uma constante exortação de uns aos outros. Quanto quer que dure o perigo da queda, esse é o período que Deus chama de Hoje. “Hoje não endureçais vosso coração”. Estamos em constante perigo; apliquemos constantemente essa arma da exortação. Vigiemos para não deixar de confiar em Deus e para não retrocedermos com medo dos inimigos a serem encontrados, assim perdendo o dia de especial glória para o qual fomos chamados. Busquemos o prêmio de nosso chamado. Busquemos “em primeiro lugar o reino de Deus e sua [ordenada] justiça” como o meio para isso (Mt 6.33).
Aquele que ouve a Palavra de Deus não deve endurecer o coração. A fé amolece o coração; a incredulidade o endurece. A fé nos faz tremer de Sua Palavra; a incredulidade faz pouco das promessas e dos avisos do Senhor. “Desprezaram a terra aprazível; não creram na Sua palavra” (Sl 106.24). Quando os israelitas foram mandados a subir, eles não foram, apesar de Deus estar com eles. Quando foram proibidos, eles subiram, ainda que Deus estivesse contra eles. Tudo vai bem conosco quando reverenciamos a autoridade de Deus manifestada em Sua Palavra. Mas permanecer em oposição a toda ordenação Dele é perigoso. O pecado se espalha pela alma como um câncer. Nós podemos nos fazer de surdos às ameaças de Deus, mas, por fim, elas se provarão verdadeiras. Podemos nos encorajar ou consolar com o número daqueles que, como nós, desobedecem; mas a multidão dos desobedientes em Israel era teve desculpa. Seiscentos mil homens, e um igual número de mulheres, pereceram: foram apenas dois que entraram.
Essa palavra de advertência é também como um espelho para nós na história apresentada. Calebe acalma os murmúrios dos israelitas diante de Moisés, e exorta-os a subirem de uma vez e possuírem a terra. Mais tarde, Calebe e Josué exortam o povo a obedecer; mas a multidão furiosamente resiste ao apelo e clama que os dois fiéis sejam apedrejados. Então, toda esperança de restauração do povo se vai, quando a exortação é rejeitada e o coração está endurecido a ponto de procurar a morte dos servos fiéis. O pacto de Deus, assim, vai adiante contra os descrentes e rebeldes, e, enquanto eles tentam, presunçosamente, subir, são abatidos diante do inimigo, pois o Senhor não estava com eles. Quantos estão agora endurecendo-se contra o batismo, “o Reino Pessoal”, e a recompensa segundo as obras!
Notas
1O autor acredita que Paulo, chamado de “o apóstolo”, é o autor de Hebreus. Essa é a opinião mais comum entre os cristãos, mas não é unânime. (N. do R.)
2É notável que a referência aos capítulos 13 e 14 ocorra logo após a referência, em Hb 2.2, a Moisés como o “servo fiel” em Nm 12. (N. do E.)
3Eis aqui uma pista de “Meu descanso”. Eis aqui uma intimação do dia milenar, quando toda a terra será cheia da glória de Deus e o “Filho do homem” será seu centro (Sl 8). (N. do E.)
4Nos três versículos citados, as mesmas palavras gregas são usadas, apesar da diferente tradução em cada um deles. (N. do R.)
Nosso pai foi Adão; nosso avô, o pó; nosso bisavô, o nada.
(William Jenkyn)
Se me contentar em ser nada, não posso ficar ofendido. E, quando for realmente humilde e reconhecer que não passo de um verme, não me queixarei de ser pisado.
(Robert C. Chapman)
Eu me confio totalmente [a Cristo,] a Ele que se dispôs a salvar-me, que sabia como realizar Seu propósito e tinha poder para desempenhar-se da tarefa. Ele tanto me buscou como me chamou por Sua graça.
(Bernard de Clairvaux)
Os santos [os cristãos], por melhor que sejam, não passam de estranhos quando comparados ao peso e à preciosidade da doçura incomparável de Cristo.
(Samuel Rutherford)
Ele, que é o Pão da vida, iniciou Seu ministério tendo fome. Ele, que é a Água da vida, terminou Seu ministério tendo sede. Cristo teve fome como homem e alimentou os famintos como Deus. Ele se sentiu cansado; contudo, é nosso descanso. Pagou tributo; no entanto, é o Rei. Foi chamado de demônio, mas lança fora nossos demônios. Orou; contudo, ouve nossas orações. Chorou, e enxuga nossas lágrimas. Foi vendido por trinta moedas de prata, e redime o mundo. Foi levado como ovelha para o matadouro, e é o Bom pastor. Cristo morreu e deu Sua vida, e, por ter morrido, destruiu a morte.
(Autor desconhecido)
Nunca pense que Deus precisa de um homem com qualidades como você. É você quem precisa de Deus.
(Henry Vögel)
Existe algo sob o sol
que quer meu coração ganhar.
Longe de mim, seja o que for!
Tu tão-somente reinarás.
Meu coração se há de livrar
da terra, e em Ti repousará.